DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A relação entre a precoce perda de valor adicionado da...

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO (FGV/EESP) RICARDO MAZZIERO QUARTAROLO DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a política macroeconômica São Paulo 2010

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Monografia de conclusao CEABE - FGV

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO (FGV/EESP)

RICARDO MAZZIERO QUARTAROLO

DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA:

A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a

política macroeconômica

São Paulo

2010

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RICARDO MAZZIERO QUARTAROLO

DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA:

A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a

política macroeconômica

São Paulo

2010

Trabalho de Conclusão de

Curso apresentado à

Escola de Economia de

São Paulo da Fundação

Getúlio Vargas como

requisito para a conclusão

do CEABE - Curso de

Especialização e

Atualização em Business

Economics.

Orientador: Professor

Nelson Marconi

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QUARTAROLO, Ricardo Mazziero: Desindustrialização: a relação entre

a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a

política macroeconômica. 37 ff. Trabalho de Conclusão de Curso

(CEABE - Curso de Especialização e Atualização em Business

Economics) – Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio

Vargas (FGV/EESP). São Paulo, 2010.

Resumo: a proposta da monografia é investigar a relação entre a perda

de valor adicionado do setor manufatureiro em relação ao valor

adicionado total da economia e as diretrizes das políticas monetária,

cambial e fiscal praticadas no período pós-estabilização econômica.

Fenômenos como desindustrialização e doença holandesa são

conceituados para uma melhor compreensão do estudo.

Palavras-chave: desindustrialização, doença holandesa, indústria

manufatureira, valor adicionado, política monetária, política fiscal,

política cambial.

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Aos meus pais Francisco e

Edméa; e à Projet Indústria

Metalúrgica, minha escola

mais importante.

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“Nothing mattered except

states of mind, chiefly our

own.”

John Maynard Keynes

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente ao Professor Nelson Marconi, um excelente acadêmico que me

contagiou com seu entusiasmo em relação ao tema do trabalho. Obrigado por suas

idéias e pensamentos, sua contribuição para a conclusão desse trabalho foi

decisiva.

A todo o corpo docente da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas; tive a

oportunidade de verificar na prática porque a faculdade é considerada um centro de

excelência em negócios.

A Associação de Comércio Exterior do Brasil, pelo material de pesquisa

disponibilizado, que certamente enriqueceu o trabalho.

Finalmente aos meus pais, que sempre foram os maiores incentivadores em relação

aos estudos, e as pessoas que me deram a base necessária para chegar onde

estou.

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RESUMO

A presente monografia aborda a relação entre o valor adicionado da indústria

manufatureira e os principais instrumentos de política macroeconômica no Brasil,

notadamente destacando-se impostos, investimento, juros e câmbio.

O pujante momento do Brasil, com taxas satisfatórias de crescimento do produto

nacional e melhora na distribuição de renda, mantém oculto um problema que pode

trazer conseqüências severas no futuro: o enfraquecimento da indústria

manufatureira nacional.

O crescimento liderado pela indústria manufatureira traz consistência à economia do

país, e sustentabilidade para que o ciclo de crescimento seja longo e contínuo. Ao

contrário, países que enfraquecem sua indústria manufatureira antes de alcançar um

alto nível de desenvolvimento, costumam ter problemas sérios como aumento do

desemprego, desequilíbrio em contas externas e interrupção precoce do ciclo de

crescimento em algum momento de sua história.

Conceitos como desindustrialização e doença holandesa são explorados para uma

melhor compreensão do assunto proposto.

Utilizam-se ferramentas como análises comparativas, análises evolutivas, gráficos,

tabelas, e regressões lineares para determinar com a necessária precisão a relação

entre as variáveis propostas.

Palavras-chave: desindustrialização, doença holandesa, indústria manufatureira,

indústria de transformação, valor adicionado, política macroeconômica, política

cambial, política monetária, política fiscal

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ABSTRACT

This monograph addresses the relation between the manufacturing industry value

added and the main instruments of macroeconomic policy in Brazil, especially

emphasizing taxes, investment, interest rate and exchange rate.

Beside the vibrant moment in Brazil, with satisfactory rates of growth of national GDP

and an improvement in income distribution, remains a hidden problem that can show

severe consequences in the future: the weakening of the manufacturing industry.

The growth led by manufacturing industry brings consistency to country’s economy

and sustainability, so the growth cycle will be long and continuous. On the other

hand, countries that weaken its manufacturing industry before reaching a high

development level, often have serious problems such as rising unemployment,

imbalance in external accounts and premature interruption of growth cycle at some

point in their history.

Concepts such as deindustrialization and Dutch disease are explored for a better

understanding of the proposed issue.

Tools like comparative analysis, evolutionary analysis, graphs, tables and linear

regressions are used to determine the relation between the proposed variables.

Keywords: deindustrialization, Dutch disease, manufacturing, value added, macroeconomic policy, exchange policy, monetary policy, fiscal policy

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SUMÁRIO

1 DESINDUSTRIALIZAÇÃO E DOENÇA HOLANDESA 9

2 DESEMPENHO DA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA BRASILEIRA 17

3 ANÁLISE COMPARATIVA DA CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA 25

4 A RELAÇÃO ENTRE O VALOR ADICIONADO DA MANUFATURA,

INVESTIMENTO E AS PRINCIPAIS VARIÁVEIS DA POLÍTICA

MACROECONÔMICA 28

5 REFERÊNCIAS 37

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I – DESINDUSTRIALIZAÇÃO E DOENÇA HOLANDESA

O presente capítulo tem por finalidade conceituar desindustrialização e

doença holandesa, bem como demonstrar como a perda de valor adicionado na

pauta industrial de países cuja economia encontra-se em estágio de

desenvolvimento, invariavelmente sugere o inicio de um processo de

desindustrialização precoce causado pela doença holandesa, isoladamente, ou

associada a outros fatores.

Importante frisar que o processo de desindustrialização não ocorre em um

curto espaço de tempo, como ficará claro ao longo do trabalho. É um processo longo

que se desenha ao longo da trajetória da economia de um dado país. Mas,

certamente, a atuação do governo tem papel decisivo para potencializar ou

minimizar esse fenômeno.

Um fenômeno tão longo como a desindustrialização, tampouco pode ser

atribuído isoladamente aos instrumentos governamentais de política monetária e

fiscal. As causas são tantas e tão complexas quanto a própria desindustrialização. A

abordagem desse trabalho pretende demonstrar como a política monetária, fiscal e

cambial praticada pelo governo nas duas últimas décadas potencializa o problema

no Brasil, bem como determinar em que magnitude elementos como câmbio, juros,

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investimento e carga tributária interferem no valor adicionado relativo da indústria

manufatureira, fixos todos os outros fatores.

De acordo com ROWTHORN & RAMASWANY (1999), conceituar

desindustrialização baseando-se apenas na demanda por produtos manufaturados é

incorreto, pois negligencia fatores como produtividade e preços na estrutura da

demanda, e conseqüentemente no produto e emprego. A produtividade da indústria

cresce em um ritmo maior que o resto da economia, o que gera ganho de escala e

queda de preços em uma economia em desenvolvimento. Esse processo estimula a

substituição de produtos manufaturados por outros itens, especialmente serviços

que têm um custo relativo ascendente devido a um ganho de produtividade relativo

menos acentuado. Nos estágios iniciais de desenvolvimento, o efeito dessa

substituição potencializa a demanda por produtos manufaturados que já é

naturalmente alta, enquanto que num estagio mais avançado produz efeito contrário

sobre a demanda de manufaturados. O efeito do ganho de produtividade sobre o

emprego na indústria manufatureira é ambíguo. Por um lado reduz o preço relativo

do produto e assim estimula a sua demanda. Por outro lado reduz a necessidade

relativa de mão de obra para atender a demanda excedente criada pela queda de

preços. As evidencias sugerem que o resultado final desse processo é uma queda

no nível de emprego industrial, pois o ganho de produtividade através da redução de

custos de mão de obra se sobrepõe à necessidade de mão de obra adicional gerada

pelo aumento de demanda por produtos manufaturados.

Paradoxal o processo de desindustrialização ter como uma de seus principais

causas o progresso tecnológico, já que o principal responsável pelos ganhos de

produtividade em escala é a introdução de novas tecnologias. A indústria continua

ocupando posição de vanguarda como fonte de progresso tecnológico, enquanto

constitui-se como uma de suas principais vítimas sobre essa ótica, afirma NASSIF

(2006).

A elasticidade da demanda por produtos manufaturados é alta em países

pobres, e baixa em países ricos. Em economias avançadas a participação relativa

da indústria manufatureira decresce na composição do produto enquanto a

participação do setor de serviços aumenta segundo ROWTHORN & RAMASWANY

(1999).

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Isso sugere que em economias maduras, o processo de desindustrialização é

natural como conseqüência da evolução da própria indústria, que através de ganho

de produtividade reduz preços e nível de emprego no setor em relação ao nível de

emprego na economia.

Segundo ROWTHORN & WELLS (1987), a retração expressiva do emprego

no setor industrial caracteriza o fenômeno da desindustrialização, sendo que ganho

de produtividade não seria responsável isoladamente por uma retração expressiva

do emprego, mas de fato há uma migração da força de trabalho para os demais

setores, principalmente o de serviços.

“[...] uma economia não se desindustrializa quando a produção industrial está estagnada ou em queda, mas quando o setor industrial perde importância como fonte geradora de empregos e/ou de valor adicionado para uma determinada economia. Dessa forma, a simples expansão da produção industrial (em termos de quantum) não pode ser utilizada como ‘prova’ da inexistência de desindustrialização.” (OREIRO & FEIJÓ, 2010)

Em um conceito ampliado de desindustrialização, portanto, o processo seria

condizente com um crescimento da produção da indústria em termos físicos já que o

fator determinante sob essa ótica seria a geração de empregos no setor, afirmam os

autores.

O processo de desenvolvimento econômico tem como conseqüência natural a

desindustrialização a partir de certo nível de renda per capita, já que a elasticidade

renda da demanda de serviços tende a crescer com o desenvolvimento econômico e

sobrepor-se à elasticidade renda da demanda de manufaturados, constatam

OREIRO & FEIJÓ (2010)

Em sua fundamentação teórica do assunto, CLARK1 (1957 apud NASSIF,

2006) complementa atestando que países de renda muito baixa contam com maior

participação relativa dos setores primários no PIB, durante os estágios iniciais de

desenvolvimento econômico e conseqüente aumento do nível de renda per capita a

produção industrial passa a ter a maior representatividade relativa. Ao atingir níveis

elevados e sustentáveis de renda per capita o setor industrial perde novamente (e

1 CLARK, Colin. The conditions of economic progress. London: Macmillan, 1957.

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definitivamente) participação no produto agregado e no emprego sendo que a

migração é predominantemente para o setor de serviços.

Dessa forma, é possível associar o processo de desenvolvimento econômico

com uma curva de participação da indústria no produto, já que o processo natural e

não prejudicial de desindustrialização seria inerente à evolução econômica de

qualquer país, guardadas as devidas particularidades da pauta econômica do país

em questão. Permite-se concluir também que a indústria é o principal driver de

crescimento sustentável de um país em seu ciclo econômico, já que atinge o ápice

de sua participação no produto justamente no período de transição entre os estágios

subdesenvolvido e desenvolvido da economia.

Nota-se que embora sob abordagens distintas, os principais autores citados

que discorrem sobre o tema convergem nos seguintes aspectos: a naturalidade do

processo dentro do ciclo de evolução econômica, a migração do produto industrial

para o setor de serviços em economias maduras, o ganho de produtividade da

indústria de manufaturados potencializado pelo progresso tecnológico e pela própria

característica de ganhos de escala da indústria, a perda da participação do emprego

industrial no emprego total em decorrência do ganho de produtividade potencializado

pelo progresso tecnológico (poupador de mão de obra).

O processo “natural” de desindustrialização, dado que é inevitável, deve ser

encarado como benéfico na medida em que haja uma evolução qualitativa da pauta

industrial, em detrimento da perda de volume. Daí vem a importância da

preservação do segmento industrial intenso em pesquisa e desenvolvimento e

precursor de inovações científicas e tecnológicas.

Devido à abundância de recursos naturais no território brasileiro, o país pode

ser facilmente acometido pelo fenômeno chamado a doença holandesa.

“A origem dessa ‘doença’ está no fato de que a relação entre o emprego industrial e a renda per capita tende a ser diferente em países que estão seguindo uma pauta de desindustrialização para buscar gerar um superávit comercial na indústria, do que naqueles que estão contentes apenas em apenas atingir um déficit comercial industrial (tais como países ricos em recursos naturais e portanto capazes de gerar um superávit comercial em produtos primários que possam financiar seus déficits comerciais industriais). A realidade, no entanto, conforme será demonstrado abaixo, o que eu chamarei aqui de ‘efeito de produto primário’, é um fenômeno mais geral que

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também se aplica a países que geram um superávit comercial significativo em serviços, especialmente nas áreas de turismo e finanças.” (PALMA, 2005)

De acordo com PALMA (2005) a doença holandesa caracteriza-se pela queda

exagerada do nível de emprego na manufatura em contrapartida a um aumento do

nível de renda per capita, o que diferencia de processos de desindustrialização

liderados por outros fatores que não a doença holandesa.

Adicionalmente, o autor inclui entre as causas da doença holandesa, além do

clássico exemplo holandês em que a descoberta de um recurso natural (gás natural)

foi o responsável pela alteração da pauta industrial, o desenvolvimento de setores

importantes de exportação de serviços como turismo (Grécia, Chipre e Malta) e

serviços financeiros (Suíça, Luxemburgo e Hong Kong).

Certamente, países que possuem condições geológicas favoráveis estão mais

suscetíveis à 2doença holandesa “clássica”

“A doença holandesa é um fenômeno decorrente da existência de recursos naturais abundantes que geram vantagens comparativas ao país que os possui e, segundo os mecanismos de mercado, podem levá-lo a se especializar na produção destes bens e não se industrializar ou terminar se desindustrializando, o que inibiria o processo de desenvolvimento econômico.” (BRESSER-PEREIRA & MARCONI, 2008)

Em uma abordagem mais específica do caso brasileiro, os autores relacionam

também a apreciação da taxa de câmbio como causa potencial do enfraquecimento

da indústria manufatureira em detrimento do fortalecimento da indústria extrativista.

“A taxa de câmbio sofreu apreciação significativa em termos reais desde o início de 2003 e mesmo assim a receita de exportações continuou evoluindo favoravelmente até hoje; por outro lado, o saldo comercial só começou a se reduzir recentemente devido ao aumento afinal explosivo das importações. Este é um cenário típico de doença holandesa que torna compatível moeda nacional apreciada e equilíbrio comercial. Quando o superávit comercial começou afinal a diminuir, isto significava que agora era a entrada de capitais que estava adicionalmente (em relação à doença holandesa) provocando a apreciação do câmbio. Por outro lado, observa-se desde o início

2 Doença holandesa “clássica” é resultado da alteração da pauta industrial em favor da produção de commodities e prejuízo da produção de manufaturados (definição do autor).

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dos anos 1990, quando a abertura comercial e financeira eliminou os mecanismos que o país utilizava desde os anos 1930 para neutralizar a doença holandesa, uma redução na participação da produção de bens manufaturados no total de comercializáveis em relação à participação das commodities. Esta desindustrialização confirma a teoria da doença holandesa que prevê que isto aconteça sempre que um país que tem recursos baratos dos quais deriva rendas ricardianas deixa de tomar as medidas necessárias para neutralizar essa doença. Apesar de a doença holandesa que afeta a economia brasileira ser menos intensa ou menos grave do que a observada em países cuja produção é especializada em uma ou poucas commodities que geram expressivas rendas ricardianas, suas conseqüências em termos de lenta desindustrialização são preocupantes” (BRESSER-PEREIRA & MARCONI, 2008)

Identifica-se também que o problema é muito acentuado em países

produtores de petróleo, que não possuem um parque industrial montado. Um bom

exemplo no continente é a Venezuela. Sua economia é completamente dependente

da exportação da commodity, o que a torna altamente suscetível as variações de

preço do óleo, tornando-se eventualmente vítima de ataques especulativos.

“A gravidade da doença holandesa existente em cada país pode ser medida pela diferença entre duas taxas de câmbio de equilíbrio: a taxa de equilíbrio corrente que equilibra a conta de transações correntes, e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial – aquela necessária para que empresas industriais, utilizando a tecnologia mais moderna, sejam viáveis. Em um país que ainda não se industrializou, como é o caso da maioria dos países exportadores de petróleo, a doença holandesa significa baixo crescimento e contínua pobreza; em um país industrializado como o Brasil, a sobreapreciação é causa de desindustrialização mesmo com a conta corrente equilibrada.” (BRESSER-PEREIRA & MARCONI, 2009)

Certamente a controvérsia em relação ao caso brasileiro, decorre do

crescimento baseado em poupança externa e de capital especulativo estrangeiro,

que são atraídos para o país através de uma política macroeconômica

extremamente rentável para as operações do tipo “carry and trade”, que financiam

consumo e déficit em transações correntes, e acabam ofuscando o crescente

encolhimento da indústria manufatureira. Nesse caso a pergunta que fica não é

quanto o Brasil está crescendo, mas como está crescendo.

“Quando um país com doença holandesa entra em déficit em conta corrente, isso se deve à “política de crescimento com poupança

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externa” ou então às operações de ‘carry and trade’. No Brasil, na medida em que não limitamos essas duas práticas e não neutralizamos a doença holandesa, já estamos sendo vítimas de desindustrialização. Não se trata de desindustrialização aguda, porque a doença holandesa brasileira não é comparável à dos países exportadores de petróleo. Como a doença holandesa está associada também a salários baixos dominantes em setores industriais de baixa tecnologia, os setores industriais que mais sofrem com a doença holandesa são os de mais elevado conteúdo tecnológico e, portanto, de maior valor adicionado per capita. São os setores que deveriam liderar o processo de desenvolvimento econômico do país porque geram progresso técnico, retornos crescentes e externalidades positivas, mas são aqueles que estão ficando para trás.” (BRESSER-PEREIRA & MARCONI, 2009)

Na mesma linha, NASSIF (2006) complementa. “[...] os setores com

tecnologia diferenciada e baseada em ciência têm atuado, particularmente, como os

principais responsáveis pela maximização dos ganhos de produtividade nas

economias e pela sustentação do crescimento econômico no longo prazo.”

“Vários estudos demonstram que a indústria é o principal acelerador do crescimento do PIB dos Países [...] Para uma amostra de 27 países, comparando-se o crescimento de 1975 a 2002, calcula-se que para um crescimento industrial de 1,8% obtém-se um crescimento do PIB de 1%.” (FIESP-DECOMTEC, 2006)

“Uma forte base de pesquisa e desenvolvimento (P&D) é essencial para o desenvolvimento, melhorando a competitividade de uma economia, na medida em que estimula empresas baseadas em conhecimento e atividades de maior valor agregado. Ademais, cria demanda por força de trabalho mais preparada, o que, por sua vez, incentiva maior grau de educação.” (FIESP-DECOMTEC, 2006)

De acordo com as definições propostas acima, entende-se que a doença

holandesa é a mais degenerativa causa de desindustrialização, e suas

conseqüências são duradouras para economias em desenvolvimento em longo

prazo.

Considerando-se que a economia do Brasil encontra-se em estágio de

desenvolvimento, inclusive sendo rotulado como “emergente” pelos países

desenvolvidos, entende-se que reduções no nível de participação da indústria

manufatureira no produto e reduções no nível de emprego da indústria no nível de

emprego total são precoces e prejudiciais em relação ao crescimento econômico

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sustentável no longo prazo. Conclui-se também que dadas as particularidades da

economia local expostas nesse capítulo, esse processo lento e gradativo de

desindustrialização tem como causa a doença holandesa “clássica”, causada pelas

diretrizes da política macroeconômica praticada no Brasil nos últimos quinze anos,

entre outros fatores.

No próximo capítulo, a discussão será centrada no desempenho da indústria

de manufaturados no Brasil. Além de um breve histórico do setor, serão analisados

números relativos ao valor adicionado, emprego, produtividade, investimentos e

exportação.

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II – DESEMPENHO DA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA BRASILEIRA

Existem vários sintomas de enfraquecimento gradativo da indústria

manufatureira brasileira desde os anos 80 até os dias de hoje. A atuação do Estado

nesse processo é decisiva, pois dispõe de ferramentas fundamentais para promover

condições favoráveis ao crescimento do setor de manufaturados, considerado

estratégico em um processo de desenvolvimento econômico.

“A manufatura brasileira, após um período de forte declínio de participação

ocorrido entre 382 e 98, vem recuperando participação na composição do PIB após

1999 [...]” (FIESP-DECOMTEC, 2006)

É importante frisar que o Brasil possui um grau satisfatório de industrialização

em sua economia, relativamente a outros países emergentes e/ou

subdesenvolvidos. E isso é herança do período encerrado na primeira metade dos

anos 80, quando houve investimentos maciços no setor industrial. O Estado foi

diretamente responsável nesse processo direcionando esforços para a criação de

um parque industrial.

3 O período de análise de dados referente ao desempenho da indústria de manufaturados pode divergir do período proposto inicialmente, em favor de uma análise mais precisa da evolução histórica do setor.

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“No caso do Brasil, o panorama é mais diversificado, já que o país foi capaz de preservar estrutura industrial bem mais ampla e completa do que na maioria de outras nações do continente. Essa estrutura, felizmente para nós, inclui até mesmo um setor bastante razoável de bens de capital, maquinária e equipamento. Alguns ou muitos desses setores sofrem hoje outro tipo de ‘choque de competição’, o da concorrência chinesa, que opera como uma espécie de segunda geração de pressões e desafios em relação ao primeiro impacto da liberalização dos anos 90s. A sobrevivência até o instante de base industrial mais diversificada no Brasil é razão a mais para identificar políticas e medidas de indiscutível qualidade econômica, que sejam capazes de evitar que a indústria, sobrevivente do primeiro choque, não se afogue agora no segundo” (RICUPERO, 2007)

A relação observada entre crescimento do setor industrial e crescimento do

produto sugere que os períodos mais robustos de crescimento do PIB, são liderados

pelo bom desempenho do setor industrial. Não há outro setor na economia brasileira

que tenha relação tão direta com o produto, logo com o desenvolvimento econômico.

Tampouco os benefícios sociais gerado pelas reações em cadeia do crescimento do

setor industrial podem ser replicados para outros setores. O bom desempenho do

segmento de alta tecnologia é estratégico para a perpetuidade de todo o setor, por

ser intensivo em pesquisa e desenvolvimento, promove inovações que mudam

hábitos e costumes da sociedade. Além disso, através da inovação atenua-se o

clichê do esgotamento de demanda agregada, comum após certos estágios de

desenvolvimento econômico.

“A indústria brasileira tem capacidade de liderar e promover um maior crescimento econômico brasileiro? Se for evitado o emprobecimento de nosso processo de industrialização, a resposta é sim. Pelo menos, é o que indica a pesquisa de PIB trimestral do IBGE. A série de 53 resultados para o crescimento do PIB brasileiro acumulado em 4 trimestres entre o primeiro trimestre de 1997 e o primeiro trimestre de 2010, mostra claramente a associação entre o crescimento da indústria de transformação e o crescimento do PIB [...] Dessa mesma série é possível constatar que em apenas 12 trimestres o aumento do PIB superou 5% em bases anuais. Em todos esses trimestres a indústria de transformação cresceu em percentuais próximos ou superiores. Em oito desses trimestres, o crescimento da indústria de transformação situou-se entre 6% e 9%. Ou seja, promover o alto crescimento para a economia brasileira, requer um processo de crescimento ainda maior da indústria de transformação.” (ALMEIDA, 2010)

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A TABELA 1 oferece uma visão comparativa da evolução da participação da

indústria manufatureira no produto dos países selecionados. De acordo com os

dados abaixo, embora haja um viés de recuperação indicado pela variação positiva

no período 2000-2003, a indústria brasileira de manufaturados continua bastante

aquém dos índices alcançados no período de industrialização.

TABELA 1

Indústria de Manufatura em % do PIB

Países Década de 70 Década de 80 Década de 90 2000 - 2003

Média Variação Média Variação Média Variação Média Variação

Argentina 34,89 -8% 29,37 -4% 18,46 -51% 17,88 50%

Brasil 27,55 33% 31,13 -12% 22,07 -37% 20,64 13%

Chile 15,67 -17% 15,00 19% 17,44 5% 18,00 3%

China 37,27 19% 36,26 -14% 33,91 -2% 36,03 16%

Índia 14,03 23% 14,83 0% 15,04 -12% 14,61 14%

Coréia 18,23 34% 24,13 28% 24,44 -4% 24,39 -7%

México 16,42 5% 19,89 18% 18,79 -4% 17,39 -15%

Rússia (1) - - - - 30,69 - 25,55 -12%

Turquia 16,48 22% 20,21 24% 21,25 -17% 19,96 4%

EUA 22,21 -3% 20,58 -15% 17,14 -13% 14,56 -14%

Uruguai 24,65 24% 26,72 -9% 20,99 -36% 17,31 11%

Fonte: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) - DECOMTEC

Notas: 1 - Variação de 1990 a 1996

De fato, a indústria de transformação nacional andou no sentido contrário à de

outros países emergentes que não coincidentemente, vêm apresentando as maiores

taxas de crescimento do produto em âmbito mundial. De 1980 a 2007, a participação

do setor no valor adicionado total da economia brasileira recuou 6,2 pontos

percentuais (29,9% para 23,7%). Os casos de Coréia e China são os mais

emblemáticos. Na Coréia houve crescimento de 17,3% no período, sendo que a

participação do setor ao final de 2007 era de 37,3%. Na China, crescimento de

17,1% chegando aos 52,9% ao final de 2007. Tailândia, Indonésia, Malásia e Índia

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também promoveram o aumento de expressão de seus setores industriais.

(ALMEIDA, 2010)

Relativamente à produtividade4 verifica-se que o Brasil apresenta crescimento

em taxas baixas, enquanto verifica-se evolução expressiva de países como China,

Coréia e Rússia.

“Analisamos as taxas de crescimento da produtividade, que em última instância nos diz com que velocidade e aceleração estamos reduzindo, ou não, o gap de produtividade. A taxa de crescimento da produtividade da manufatura Chinesa entre 1996 e 2005 é de 10,61% aa, seguido da Índia que cresceu sua produtividade 6,1% aa, a Coréia cresceu a 4,47% aa, a Rússia 3,4% aa, os Estados Unidos 2,37% aa, o Chile 1,54% aa, a Argentina 0,87% aa. O México decresceu sua produtividade na manufatura 1,38% aa no mesmo período. O Brasil por seu turno cresceu 0,98% aa no período analisado.” (FIESP-DECOMTEC, 2006)

Entre os principais países emergentes, denominados pela sigla BRIC5, a

indústria brasileira tem um desempenho muito abaixo de seus pares em relação à

produtividade. A medida de produtividade fornece uma visão qualitativa da pauta

industrial, já que a otimização dos recursos aplicados na produção é tão importante

quanto o valor adicionado à economia.

Na TABELA 2, encontram-se dados referentes ao valor médio e evolução

percentual do valor adicionado, emprego e produtividade do setor de manufaturados

dos países selecionados. Os números proporcionam uma análise evolutiva e

comparativa entre países emergentes, além de mostrar a tendência dominante

(crescimento ou retração) para cada período. O Brasil teve desempenho bastante

abaixo da média em seus indicadores de valor adicionado e emprego na

manufatura. Já o indicador de produtividade está ligeiramente acima da média dos

países selecionados para o estudo. A China apresenta o maior crescimento tanto no

valor adicionado quanto na produtividade e retração no emprego, enquanto que o

México apresenta o maior crescimento no emprego do setor, o menor crescimento

no valor adicionado, e retração no indicador de produtividade.

4 A metodologia de cálculo da produtividade utilizada pela FIESP-DECOMTEC é medida em Valor Adicionado por Pessoal Empregado na Indústria Manufatureira. 5 Brasil, Rússia, Índia e China

Page 22: DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a política macroeconômica

21

TABELA 2

Países

Valor Adicionado da Manufatura [milhões US$

2005] Emprego na Manufatura Produtividade na Manufatura

[VA/PO] (1) [US$ 2005]

Média (1996-2005)

Variação (1996-2005)

Média (1996-2005)

Variação (1996-2005)

Média (1996-2005)

Variação (1996-2005)

Argentina 30.166 34,02% 1.991.067 23,95% 15.104 8,12%

Brasil 156.178 18,26% 8.287.804 8,31% 18.837 9,18%

Chile 14.423 13,43% 808.324 -1,12% 17.866 14,72%

China 471.679 119,62% 85.796.432 -11,38% 5.549 147,82%

Índia (2) 68.106 40,11% 8.850.253 -22,37% 8.963 70,24%

México 121.102 11,22% 7.047.030 28,05% 17.250 -13,15%

Rússia 85.097 51,78% 12.435.000 12,45% 6.811 34,98%

EUA 1.495.035 3,57% 19.073.650 -16,13% 78.748 23,49%

Coréia 162.499 38,23% 4.274.900 -6,76% 38.104 48,25%

Média 293.296 36,89% 16.699.039 -1,93% 17.741 39,59%

Fonte: FIESP – DECOMTEC, 2006

Notas: 1 - VA = Valor Adicionado, PO = Emprego 2 - Valores da Índia de 2005 referentes a 2003

Em relação às características da evolução do setor industrial, Brasil e

Argentina são qualificados como países que atingiram certo grau de industrialização,

mas foram incapazes de sustentar um processo dinâmico de aprofundamento

industrial com rápido crescimento. Houve aumento acentuado de emprego industrial

e exportação de manufaturados, mas desempenho pobre em termos de

investimentos, valor adicionado e crescimento da produtividade, além de baixo

crescimento econômico. (PALMA, 2005)

Certamente, os setores da manufatura intensivos em tecnologia, tendem a

apresentar um desempenho mais fraco que os demais, principalmente devido ao

assédio que o setor sofre hoje de países como Índia, China e Coréia. Através de

uma política monetária claramente orientada para o fortalecimento das exportações,

os países citados contam ainda com mão de obra abundante e relativamente barata.

Esse conjunto de fatores torna a importação uma alternativa amplamente viável à

produção interna, sobretudo do ponto de vista financeiro (custo de importação x

custo de produção).

Page 23: DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a política macroeconômica

22

“Cabe destacar que, embora a indústria de transformação responda por apenas 24% do valor adicionado ao PIB em 2006, trata-se de segmento estratégico para dinamizar a economia, por conta de seus fortes encadeamentos para trás e para frente nas cadeias produtivas. Entre outros impactos da persistência dos fatores prejudiciais à indústria mencionados nesta seção, destaca-se o risco de uma ‘substituição de importações’ às avessas, principalmente em setores mais intensivos em tecnologia, que resulte na desagregação de algumas cadeias produtivas. Isso poderá ocorrer se, em resposta à perda de competitividade provocada pelo câmbio, a indústria passar a substituir a produção local de componentes por importações.” (INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS, 2007)

Analisando os números das exportações da indústria nacional, percebe-se

claramente o crescente aumento de participação das commodities, e redução da

participação dos manufaturados como uma tendência na pauta de exportações da

indústria. Paralelamente, há uma concentração da exportação de manufaturados em

empresas de capital estrangeiro sediadas no Brasil, um claro indício da transferência

de tecnologia dessas empresas para o país, mas para benefício próprio. Como

tecnologia industrial consiste em uma das maiores vantagens competitivas que uma

empresa pode ter, é difícil de imaginar que empresas estrangeiras transfiram de fato

essa tecnologia para o país deliberadamente. Isso deixa o setor ainda mais

fragilizado, e suscetível a crises globais.

Segundo estudo de entidade particular voltada ao comércio exterior

(Associação de Comércio Exterior do Brasil, 2009), em relação às exportações

brasileiras em 2008, constatou-se que 28,52% do volume analisado de exportações

(US$ 180,435 bilhões) foram de produtos manufaturados, enquanto que as

exportações de commodities representaram 71,48%. Houve ainda expressiva

redução da participação das manufaturas no total de exportações em relação a 2003

(35,72%) e 2005 (37,19%). Inversamente, a participação das commodities cresceu

em relação a 2003 (64,28%) e 2005 (62,81%).

Se forem consideradas apenas empresas de capital nacional, o desequilíbrio

é ainda maior. Do total de US$ 109,955 bilhões exportados em 2008, as

commodities tiveram a elevadíssima participação de 85,02%, sendo que os 14,98%

restantes foram manufaturados. No ano de 2003 e 2005, as commodities

participaram com 81,60% e 82,40% do volume total respectivamente. Já os

manufaturados vêm em queda gradativa, com participação de 18,40% em 2003 e

17,60% em 2005. (AEB, 2009)

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23

O estudo conclui ainda que do volume total exportado pela indústria

manufatureira em 2008 (US$ 51,467 bilhões), 68% foram realizadas por empresas

sob controle de capital estrangeiro, restando 32% para empresas de capital

nacional. (AEB, 2009)

Certamente a dificuldade de exportar das empresas genuinamente nacionais

fabricantes de manufatura advém da defasagem tecnológica, apreciação cambial,

falta de políticas governamentais de incentivo, baixos níveis de investimento no

setor, entre outros fatores. Os números apresentados apontam para um cenário

preocupante para tais empresas, pois definem uma tendência clara de

enfraquecimento das exportações.

A TABELA 3 lista os números referentes à participação da Formação Bruta de

Capital Fixo (FBKF) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na composição do

produto dos países selecionados. Por serem investimentos direcionados à

ampliação de capacidade e inovação tecnológica, exercem influência direta no

desempenho do setor de manufaturados no longo prazo.

TABELA 3

Países

Investimento - P&D (1) e FBKF (2) em % do PIB

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

P&D FBKF P&D FBKF P&D FBKF P&D FBKF P&D FBKF P&D FBKF P&D FBKF

Argentina 0,37 19,37 0,45 19,93 0,50 18,01 0,50 16,19 0,50 14,11 0,50 12,00 0,38 15,00

Brasil 0,57 19,49 0,78 19,60 0,76 18,90 0,87 19,29 0,87 19,47 0,87 18,32 1,05 17,78

Chile 0,65 25,48 0,67 26,00 0,63 21,07 0,60 21,02 0,59 21,43 0,59 23,00 0,50 24,00

China 0,64 33,78 0,69 35,27 0,83 35,92 1,00 36,49 1,09 38,28 1,09 40,00 1,23 44,00

Índia 0,77 21,73 0,67 21,44 0,59 21,61 0,59 21,89 0,84 21,60 0,84 23,00 0,85 24,00

México 0,31 19,52 0,31 20,90 0,41 21,20 0,40 21,26 0,41 19,61 0,41 20,00 0,41 20,00

Rússia 0,95 19,46 0,95 17,71 1,05 15,94 1,08 17,66 1,43 17,80 1,43 21,00 1,24 20,00

EUA 2,55 18,71 2,68 19,43 2,62 19,89 2,69 20,22 2,80 - 2,80 18,00 2,72 18,00

Coréia 2,79 35,10 2,68 29,77 2,47 27,79 2,65 28,39 2,92 27,06 2,92 26,00 2,53 29,00

Média 1,07 23,63 1,10 23,34 1,09 22,26 1,16 22,49 1,27 22,42 1,27 22,37 1,21 23,53

Fonte: FIESP – DECOMTEC, 2006

Notas: 1 - P&D = Pesquisa e Desenvolvimento

2 - FBKF = Formação Bruta de Capital Fixo

Page 25: DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A relação entre a precoce perda de valor adicionado da indústria manufatureira e a política macroeconômica

24

Os números brasileiros apontam para expansão de 84,21% no investimento

em Pesquisa e Desenvolvimento, situando-se 13,22% abaixo da média dos países

selecionados em 2003. Em relação à Formação Bruta de Capital Fixo, houve

retração de 8,77% entre 1997 e 2003, sendo que o Brasil está 24,44% abaixo da

média dos países selecionados em 2003.

O investimento, tanto privado quanto público, é componente essencial para

sustentar longos períodos contínuos de crescimento. Economias em

desenvolvimento que experimentam crescimento expressivo com baixo investimento

podem apresentar “gargalos” estruturais que se tornam um empecilho à

continuidade do processo.

Do ponto de vista da indústria manufatureira os problemas podem ser ainda

mais graves, devido à falta de competitividade gerada pela defasagem tecnológica.

Além disso, a falta de capacidade da oferta em períodos de forte expansão do

consumo é um potencial acelerador da inflação (inflação de custos).

No capítulo a seguir, será feita uma breve discussão sobre a taxação do

Estado na economia brasileira.

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25

III – ANÁLISE COMPARATIVA DA CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

A alta carga tributária brasileira constitui um grande obstáculo ao crescimento

da economia, em especial para o setor manufatureiro. Certamente, reduz a

competitividade das empresas locais em relação a seus pares internacionais, dado

que manufaturados são bens comercializáveis.

A estrutura tributária de um país é um fator determinante em relação à

competitividade. O Brasil, além de possuir um sistema complexo que recai sobre

poucos contribuintes, impõe uma carga tributária que reduz muito a capacidade de

competir das empresas. (FIESP-DECOMTEC, 2006)

A altíssima carga tributária brasileira implica ainda em perda de eficiência

econômica. O governo tem grande participação na economia do país, financiado

pela alta arrecadação, e níveis de eficiência inferiores aos da iniciativa privada. Uma

redução dos impostos no Brasil pode elevar o investimento e o crescimento, além de

estimular o aumento da produtividade dos fatores de produção. (FIESP-

DECOMTEC, 2006)

Na TABELA 4 verifica-se que a arrecadação de tributos no país é

exageradamente alta em relação a outros países. De 1997 a 2004 houve aumento

de 23,44% da participação da carga tributária no produto. Em 2003, a carga

tributária brasileira era 50,24% maior que a média de todos os países pesquisados.

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26

A carga tributária chinesa, apesar de apresentar aumento de 52,86% de 1997 a

2003, é a menor em todos os períodos entre os países selecionados. Em 2003, a

carga tributária da China era 27,55% menor que a média dos países selecionados.

TABELA 4

Países Carga Tributária Total em % do PIB

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Argentina 15,28 16,11 16,11 20,88 20,88 20,88 20,88

Brasil 29,09 29,90 30,32 32,55 33,96 35,61 34,90 35,91

Chile 20,33 20,83 20,83 20,69 21,96 21,96 19,63

China 11,01 11,64 11,64 15,01 15,01 15,01 16,83

Índia 15,89 19,80 19,80 16,79 15,80 15,80 17,25

México 16,86 15,32 16,50 17,89 16,46 16,46 17,77

Rússia 19,39 27,99 27,99 26,70 25,94 25,94 28,88

EUA 27,86 28,33 28,90 28,32 29,20 29,20 28,55

Coréia 23,25 22,46 23,80 26,12 27,16 27,16 24,40

Média 19,88 21,38 21,77 22,77 22,93 23,11 23,23

Fonte: FIESP – DECOMTEC, 2006

Certamente, uma redução na carga tributária estimularia o investimento

privado, um componente essencial no crescimento contínuo e sustentável da

economia. Além disso, poderia ser um método alternativo de controle à inflação. No

lugar de reprimir a demanda via aumento de taxa de juros, aumentar a oferta através

de investimentos em ampliação do parque industrial seria mais benéfico para todos

os setores da economia. Nesse sentido, uma reforma que traga uma redistribuição

da aplicação dos recursos arrecadados é a melhor solução do ponto de vista fiscal.

A redução dos gastos primários do governo, acompanhado do aumento do

investimento público seriam determinantes para reverter o processo de

enfraquecimento da indústria de manufaturados.

Na TABELA 5 verifica-se a alta dependência da economia brasileira em

relação ao Estado. O alto percentual de gastos governamentais em relação ao PIB

tem como contraponto lógico a baixa participação relativa do consumo das famílias.

A economia excessivamente “estatizada” é reflexo direto da alta carga tributária. O

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27

consumo do governo em relação ao produto em 2003 era 36,79% maior que a média

de todos os países.

TABELA 5

Países Consumo Final do Governo em % do PIB

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Argentina 12,06 12,49 13,73 13,83 10,63 12,00 11,00

Brasil 18,20 19,13 19,28 19,26 19,94 19,00 19,00

Chile 10,52 11,03 11,10 11,08 12,03 12,00 12,00

China 11,72 12,11 12,66 13,09 13,69 13,00 13,00

Índia 11,31 12,16 12,86 13,21 13,12 13,00 13,00

México 9,91 10,40 11,03 11,07 11,56 12,00 13,00

Rússia 13,62 14,89 16,64 16,76 14,32 17,00 16,00

EUA 14,63 14,31 14,31 14,39 18,43 16,00 15,00

Coréia 10,07 10,98 10,38 10,05 10,44 11,00 13,00

Média 12,45 13,05 13,55 13,64 13,80 13,89 13,89

Fonte: FIESP – DECOMTEC, 2006

São conclusivos os indícios de que a política fiscal praticada no Brasil está

desalinhada com a praticada em países que vêm obtendo crescimentos expressivos,

liderados por um excelente desempenho do setor industrial como China, Índia e

Coréia.

No último capítulo, será demonstrada a relação entre elementos da política

macroeconômica e a perda de valor adicionado do setor de manufaturados, através

da análise de gráficos e do modelo econométrico testado.

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28

IV – A RELAÇÃO ENTRE O VALOR ADICIONADO DA MANUFATURA, INVESTIMENTO E AS PRINCIPAIS VARIÁVEIS DA POLÍTICA

MACROECONÔMICA

Através da análise de dados macroeconômicos referentes à política monetária

e fiscal, além de dados referentes ao valor adicionado dos diversos segmentos

industriais, pretende-se estabelecer a relação entre os indicadores além de

investigar a tendência desses indicadores ao longo do tempo.

A amostra de dados utilizada na análise, não por acaso, refere-se ao período

“pós-estabilização macroeconômica”. A partir da implementação do Plano Real e

conseqüente fim da hiper-inflação, os dados macroeconômicos do país passaram a

apresentar a uniformidade necessária em análises de séries temporais, reflexo da

coerência das diretrizes da política monetária adotadas à época do Plano Real e

utilizadas até hoje.

Adicionalmente, o efeito dos preços foi isolado em todos os dados utilizados,

possibilitando uma análise mais precisa do cenário proposto.

No Gráfico 1, observa-se a evolução das variáveis taxa de câmbio e taxa de

juros em base trimestral no período de 1995 a 2009. Após uma queda brusca no

início do período devido a ajustes originados pelo fim da hiper-inflação, a taxa de

juros real da economia apresentou estabilidade a partir do ano 2000, mas em um

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29

patamar considerado alto comparativamente às principais economias do mundo. Já

a taxa de câmbio real apresenta clara tendência de apreciação a partir de 2003,

sendo que a moeda brasileira encontra-se mais valorizada ao final de 2009 que em

1995, quando foi estabelecido um regime de âncora cambial buscando manter a

paridade nominal do Real em relação ao Dólar constante. A variação dos juros no

período é de -105,90%, e do câmbio -25,45%.

Gráfico 1 – Política Monetária e Cambial6

Fonte: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Valor Econômico

No Gráfico 2 estão duas variáveis que exercem grande influência no

desempenho da economia, em especial do setor industrial: investimento,

representado pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF), e impostos. Ambas as

variáveis estão na forma de percentual do produto. Importante ressaltar que a

variável “Impostos” abrange apenas os impostos líquidos sobre produtos, sendo que

os efeitos da carga tributária sobre a demanda agregada não são considerados

nessa análise.

6 Taxa de Juros Real = Taxa de juros Over Selic (% a.a) - média trimestral, corrigida pelo IPCA (%a.a.) – média trimestral

Taxa de Câmbio Real (R$/unidade de moeda estrangeira) = Taxa de Câmbio efetiva real – IPA-IT – exportações - manufaturados

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30

Relativamente aos impostos, houve uma pequena variação positiva (4,01%)

dentro do período analisado, e uma evolução estável. Já o investimento em capital

fixo apresentou variação negativa (-7,85%). Após atingir níveis mínimos no começo

de 2003, mostrou forte recuperação até meados de 2008, quando motivado pela

crise americana do sub-prime, apresentou queda expressiva. Nota-se recuperação

parcial durante o ano de 2009.

Gráfico 2 – Política Fiscal e Investimento

Fonte: IBGE – Contas Nacionais Trimestrais

O Gráfico 3 estabelece uma comparação evolutiva do desempenho das

manufaturas7 e das commodities8, sob a ótica do valor adicionado relativo. Os dados

estão em base trimestral, e relativos ao valor adicionado total da economia.

Adicionalmente, revelam a sazonalidade específica dos setores. As commodities

apresentam expressivas variações positivas e recorrentes no segundo trimestre. Já

os manufaturados apresentam variações positivas em menor amplitude, mas ainda

recorrentes, no terceiro trimestre. A variação total no período foi negativa para

ambos os setores: manufaturados (-14,03%) e commodities (- 2,97%).

7 O setor denominado “manufaturas” corresponde ao setor “transformação” nas Contas Nacionais Trimestrais. 8 O setor denominado “commodities” compreende a soma dos setores “agropecuária” e “extrativa mineral” nas Contas Nacionais Trimestrais.

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31

Gráfico 3 – Manufaturados x Commodities – V.A. Total

Fonte: IBGE – Contas Nacionais Trimestrais

Adicionalmente, nota-se uma alteração da pauta industrial brasileira sob a

ótica do valor adicionado. A variação dos dois setores dentro do período analisado

implica em um aumento de participação relativa das commodities dentro dos bens

comercializáveis, já que a soma dos dois setores industriais dispostos no gráfico

totalizam os bens comercializáveis produzidos na economia. O contraponto lógico é

a perda de participação relativa dos manufaturados entre os bens comercializáveis,

um típico sintoma da doença holandesa.

No Gráfico 4, observa-se claramente essa relação. Os mesmos dados de

valor adicionado setorial utilizados no Gráfico 3, estão relativos ao valor adicionado

dos bens comercializáveis. Os manufaturados apresentaram variação negativa de

3,26% no período, enquanto que as commodities apresentaram variação positiva de

9,19%. Embora lenta e gradativa, a alteração na pauta industrial se mostra

consistente dentro do período analisado, podendo assim ser apontada como uma

tendência para o curto prazo.

Cabe destacar o método utilizado para retirar o efeito dos preços em todos os

dados referentes às Contas Nacionais. O período base utilizado foi o primeiro

trimestre de 1995 (1T1995). A partir daí foram calculadas as variações de volume

dos trimestres conseguintes, e incorporadas ao preço base.

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32

Gráfico 4 – Manufaturados x Commodities – V.A. Comercializáveis

Fonte: IBGE – Contas Nacionais Trimestrais

Importante frisar que os dados referentes às commodities foram utilizados

apenas para proporcionar uma análise comparativa da indústria manufatureira, e

não serão utilizados no modelo econométrico formulado.

A seguir serão apresentados a metodologia, os resultados, e a interpretação

do modelo econométrico formulado.

Através do modelo de regressão linear múltipla representado na Equação 1,

pretende-se demonstrar a relação entre as variáveis pertinentes, sendo que todas

elas foram objeto de análise por meio de gráficos no início do capítulo. Importante

ressaltar a comprovada relação entre as variáveis explicadas e explicativas em

modelos econômicos.

(1)

O método escolhido para o modelo econométrico é conhecido como Método

dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), o mais utilizado na análise de

regressões, pois minimiza o erro quadrado médio da previsão.

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33

Todas as equações testadas atendem às hipóteses de Gauss-Markov

(linearidade nos parâmetros, amostragem aleatória, média condicional zero,

colinearidade não perfeita), o que garante a ausência de viés aos estimadores. Além

disso, a variância do erro de todas as equações é constante (homoscedástica) de

acordo com o Teste White de heteroscedasticidade, ou seja, apresentam

estimadores BLUE (Best Linear Unbiased Estimator).

Finalmente, o teste de normalidade (Jarque-Bera) indica que a distribuição do

erro é normal em todas as equações

As variáveis utilizadas no modelo estão listadas abaixo. Todas estão

expressas na forma percentual. O período de análise é de 1995 a 2009, em base

trimestral.

ind_transformacao: variável dependente, expressa a relação entre o valor

adicionado da indústria de transformação e o valor adicionado total da economia

brasileira. (base de preços = 1T1995)

c (ind_transformacao): constante da regressão

impostos: variável independente, expressa a relação entre os impostos

líquidos sobre o produto e o PIB. (base de preços = 1T1995)

fbkf: variável independente, expressa a relação entre o investimento em

formação bruta de capital fixo e o PIB. (base de preços = 1T1995)

juros: variável independente, expressa a taxa de juros básico nominal (Over

Selic anualizada - média observada na base trimestral) corrigida pelo índice de

inflação (IPCA anualizado – média observada na base trimestral).

câmbio: variável independente, expressa a taxa de câmbio média nominal

(R$ / unidade de moeda estrangeira) de uma cesta de moedas corrigida pelo Índice

de Preço por Atacado da Indústria de Transformação (IPA-IT).

O modelo foi concebido com três equações, sendo que a partir da segunda é

acrescentada sistematicamente uma nova variável explicativa, na tentativa de

comprovar a robustez do resultado alcançado na equação anterior. Os resultados do

modelo econométrico estão dispostos na TABELA 6.

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TABELA 6

Regressão Linear - Indústria de Transformação

Variável Dependente ind_transformacao (eq 01)

ind_transformacao (eq 02)

ind_transformacao (eq 03)

c (ind_transformacao) 30.06123 * 31.2199 * 30.9451 * (5.216435) (5.226561) (6.134388)

impostos -1.542529 * -1.614308 * -1.595243 * (0.501566) (0.499128) (0.548538)

fbkf 0.453733 * 0.449384 * 0.447635 * (0.132185) (0.130934) (0.133608)

juros -0.015228 ** -0.015395 ** (0.010448) (0.010714)

cambio 0.000498 ** (0.005675)

R-Squared 0.182792 0.212657 0.212767

Observações 60 60 60

Significância Estatística: * p < 0.01 ** p > 0.05

Fonte: IBGE – Contas Nacionais Trimestrais, IPEA, Valor Econômico

A análise do modelo fornece algumas importantes conclusões sobre a relação

entre as variáveis testadas.

Primeiramente, é importante frisar que todas as variáveis independentes

apresentam a relação esperada com a variável dependente, embora nem todas

sejam significativas estatisticamente.

A constante da regressão apresentou excelente significância estatística e

pouca variação dentro da mudança de cenário. Seu coeficiente representa a

constante da participação do valor adicionado da indústria manufatureira no valor

adicionado total da economia, expresso em pontos percentuais.

A variável impostos apresenta relação inversa com a variável dependente,

com excelente significância estatística. È certamente, de acordo com o modelo, a

variável mais determinante para o desempenho da indústria manufatureira sob a

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ótica do valor adicionado. Além de ter apresentado o coeficiente mais significativo

dentro do modelo, a baixa variação do mesmo nas três equações comprova a

robustez dos resultados referentes a essa variável.

A variável investimento (fbkf) apresenta relação direta com a variável

dependente, e assim como a variável impostos, tem excelente significância

estatística. Seu coeficiente variou negativamente na medida em que novas variáveis

independentes foram colocadas no modelo. Ainda assim, não houve variação

significativa, o que comprova a relação robusta com a variável ind_transformação.

Relativamente aos juros, não há significância estatística no modelo, o que

implica em dizer que não há relação com a variável dependente. Embora seu

coeficiente tenha relação inversa com a variável, e essa seria a relação esperada,

no modelo de regressão proposto a variável dependente não pode ser explicada

pela variação da variável independente juros.

Finalmente, a variável cambio não apresentou significância estatística no

modelo e apresenta a relação esperada de acordo com a teoria econômica, uma

relação direta com a variável dependente.

Importante ressaltar que de acordo com o exposto ao longo da monografia,

fica clara a importância das variáveis câmbio e juros para o desempenho da

indústria manufatureira. Por questões metodológicas, essa relação não é

comprovada no modelo de regressão linear.

Há indícios conclusivos da existência de um estágio inicial de doença

holandesa na economia do país e do enfraquecimento gradativo da indústria de

transformação, especialmente os segmentos que produzem maior valor agregado e

são intensivos em pesquisa e desenvolvimento.

De acordo com a regressão linear proposta, isso pode ser explicado

principalmente pela alta carga tributária brasileira, que acaba com a competitividade

dos manufaturados brasileiros em escala global, e pelo baixo nível de investimento

no país expressado especificamente pela formação bruta de capital fixo.

Talvez as variáveis câmbio e juros não apresentem relação tão direta com a

indústria manufatureira, mas certamente uma política econômica voltada ao

crescimento liderado pela indústria tem como itens básicos a manutenção da taxa de

juros em patamares baixos comparativamente a países no mesmo estagio de

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desenvolvimento. A subvalorização da taxa de câmbio também tem importância

fundamental para o bom desempenho das exportações de manufaturados e para

produzir bons resultados no saldo da balança comercial. Isso certamente traria as

contas externas brasileiras para níveis mais saudáveis que os atuais e reduziria a

vulnerabilidade em relação ao capital especulativo estrangeiro.

Certamente, uma mudança de cenário para a indústria manufatureira tem de

começar pelo governo federal, através de mudanças claras na condução da política

macroeconômica e reformas estruturais em áreas que notadamente tiram

competitividade do país como um todo.

A iniciativa privada pouco pode fazer para mudar essa realidade com

condições tão adversas impostas pelo Estado, a não ser se mobilizar para que as

mudanças necessárias para o desenvolvimento sustentável do país se dêem com a

rapidez necessária em detrimento da lentidão peculiar.

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REFERÊNCIAS

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