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40 F. Duerksen Desintegra ç ão do tarso Esta condição clínica tem recebido diferentes denominações: articulação neuro- pática, desintegração do tarso, neuroosteo- distrofia ,artropatia de Charcot,etc. Preferimosa denominação de Desintegração do Tarso, sugerido por Harris e Brand, uma vez que esta descreve melhor a situação em casos de hanseníase. Definição: Destruição gradual ou rápida dos ossos e articulações do tarso ou do metatarso num pé que tenha perdido a sensibilidade protetora. Clinicamente a perda de sensibilidade vibra- tória parece ser importante. O fator precipitaste é o trauma, seja de mínima ou máxima inten- sidade. Este trauma pode estirar, forçar ou romper ligamentos ou causar fraturas sub- condrais (Fig. 40.1). Em qualquer dos casos, segue-se instabilidade com um gradual e rápido desgaste da articulação e ossos. A combinação essencial para o surgimento de desintegração do tarso é a perda da sensibilidade protetora da articulação e dos ossos, com o trauma, sufi- ciente para romper a anatomia normal. Este processo pode ser interrompido pelo repouso e tratamento adequado, mas pode também persistir como um círculo vicioso levando à destruição massiva. Os fatores predisponentes mais importantes são a osteoporose e as lesões paralíticas. A osteoporose pode ser secundária a um repouso muito prolongado, como no caso de doença intercorrente, úlcera plantar, infecção ou período pós-operatório. A hiperemia associada às úlceras ou infecção profunda Fig. 40.1 (a) Na eventualidade de um entorse, o reflexo da dor permite ao indivíduo com sensibilidade normal, assumir uma postura de proteção, evitando um dano maior aos ligamentos e à articulação. (b) Na mesma situação, um paciente com distúrbio de sensibilidade continuaria a caminhar aumentando consideravelmente o dano inicial causado pelo entorse, causando uma ruptura completa de ligamentos e mesmo fratura óssea.

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Esta condição clínica tem recebidoiferentes denominações: articulação neuro-ática, desintegração do tarso, neuroosteo-istrofia ,artropatia de Charcot,etc.referimosa denominação de Desintegraçãoo Tarso, sugerido por Harris e Brand, umaez que esta descreve melhor a situação em

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Fig. 40.1 (a) Na eventualidade de um entorse, o reflexoda dor permite ao indivíduo com sensibilidade normal,assumir uma postura de proteção, evitando um dano maioraos ligamentos e à articulação. (b) Na mesma situação, umpaciente com distúrbio de sensibilidade continuaria a

Destruição gradual ou rápida dos ossosarticulações do tarso ou do metatarso num péue tenha perdido a sensibilidade protetora.linicamente a perda de sensibilidade vibra-

ória parece ser importante. O fator precipitasteo trauma, seja de mínima ou máxima inten-

idade. Este trauma pode estirar, forçar ouomper ligamentos ou causar fraturas sub-ondrais (Fig. 40.1). Em qualquer dos casos,egue-se instabilidade com um gradual e rápidoesgaste da articulação e ossos. A combinaçãossencial para o surgimento de desintegraçãoo tarso é a perda da sensibilidade protetora darticulação e dos ossos, com o trauma, sufi-iente para romper a anatomia normal. Esterocesso pode ser interrompido pelo repouso eratamento adequado, mas pode tambémersistir como um círculo vicioso levando àestruição massiva. Os fatores predisponentesais importantes são a osteoporose e as lesõesaralíticas. A osteoporose pode ser secundáriaum repouso muito prolongado, como no caso

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também aumenta a osteoporose.Sabemos perfeitamente que um entorse

nos ligamentos do pé causa dor, edema e calorlocal. A dor nos força ao repouso do pé até quepossa suportar peso novamente. O mesmoacontece com pacientes com sensibilidade nor-mal que necessitaram um repouso prolongadoem gesso por motivo de fratura ou outrosproblemas. Quando se retira finalmente o gesso,normalmente eles não conseguem caminharlivremente de imediato. Eles necessitamreeducar o pé para a deambulação devido à dorque sentem. Quando esta sensação de dor estácomprometida, o paciente não percebe que o pésofreu algum tipo de trauma e continua acaminhar, causando mais trauma à áreacomprometida. Isto leva à mais hiperemiae osteoporose, facilitando mais dano aoosso, tanto fratura como destruição dascartilagens. Isto fica ainda mais fácil pelalaxitude articular secundária aorompimento de ligamentos, assim comopor edema articular e sinovites. A

incongruência articular que normalmente causamuita dor, não é percebida pelo paciente e ocírculo vicioso se instala rapidamente.

Lesões destrutivas na área da articulaçãometatarsofalangeana são, na maioria das vezes,secundárias a úlceras plantares e osteomielites.A destruição é causada por grave osteoporoselocalizada e infecção óssea, tudo isto reforçadopor perda da sensibilidade protetora.

Falamos de perda da sensibilidadeprotetora e não de anestesia, uma vez que amaioria dos pés não apresentarão perda totalda sensibilidade, mas sim perda da sensi-bilidade dolorosa e vibratória, e também nãoconseguem sentir o filamento de 10g no teste desensibilidade tátil profunda. Muitas vezes, asensibilidade superficial está preservada dandoao paciente uma falsa idéia de segurança.

Baseando-nos em estudos radiológicos,podemos dividir a desintegração do tarso emtrês estágios.

Fig. 40.2

Desintegração do tarso. Estágio de desintegração. Fig. 40.3 Desintegração do tarso. Estágio de coalescência.
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ig. 40.4 (a) e (b) Estágio de reconstrução. Esclerose de toda

Inicialmente temos um estágio deesintegração ou desenvolvimento com edema

ocal, calor e geralmente algum desconforto. Aoaio X encontraremos fraturas subcondrais ouraturas dos ossos do tarso de pequena monta, elgumas vezes osteófitos nas bordas articulares eragmentos no espaço articular. Isto éonseqüência do episódio inicial de trauma,enha ele sido notado ou não pelo paciente. Emma biópsia articular, encontraremos hipertrofiainovial com fragmentos dentro do forro sinovial,ssitude capsular e ligamentar e fragmentação dosso subcondral (Fig. 40.2).

O segundo estágio se denomina coa-escente. Começa a haver um processo deeparação por meio de reabsorção dos frag-entos e as partes ósseas se fundem pela

ormação de calo. Os osteoclastos revestem as árease osso normal e alguma esclerose pode ser vista naorda destes ossos. Freqüentemente este estágio énterrompido por um novo trauma, causandoovamente múltiplas fases de desenvolvimento eumentando a área de dano (Fig. 40.3).

Eventualmente o estágio final deeconstrução ocorrerá, se suficiente repouso é

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a área envolvida.

ado à área. Aqui vemos revascularização das árease osso necrótico. Há uma tentativa de restauraçãoa arquitetura articular, desde que o movimentouxilie. Algumas vezes uma pseudartroseermitirá algum movimento. Melhor estabilidadeprevenção de recorrência se consegue com uma

nquilose ou fusão em uma posição anatômica doé. O fim deste estágio é visto no raio X comosclerose de toda a área envolvida (Fig. 40.4 a e b).

A desintegração do tarso pode também serlassificada em aguda e crônica. Nos casos agudosemos um trauma intenso que causa uma destruiçãouito rápida dos ossos e articulações. Nos casos

rônicos, o dano é mais lento e o paciente nãoercebe o que está acontecendo, nem consegue

embrar-se do episódio de trauma.

iagnóstico diferencial:

Algumas vezes é difícil diferenciar entre umadesintegração do tarso e um a artrite séptica, poisos sinais locais de edema, calor e rubor estãopresente em ambas as situações (Fig. 40.5). Adiferença mais significante é que no caso de artrite

éptica o paciente se sente
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Fig. 40.5 Algumas vezes é difícil diferenciar a

desintegração do tarso de uma artrite séptica.

doente e apresenta sinais sistêmicos. No casoda desintegração do tarso, os sintomas sãolocalizados e não afetam o estado geral dopaciente. A aspiração se faz apenas em casosmuito especiais onde realmente não se con-seguiu fazer o diagnóstico. Sendo necessária,todo o cuidado de assepsia deve ser tomadopois temos visto casos em que a aspiração temlevado infecção para urna desintegração dotarso. Ao raio X, urna osteoartrite grave pode seassemelhar a uma desintegração do tarso, masela é raramente vista no pé. Tuberculose ocorreraramente no tarso mas pode ser encontrada naarticulação tibiotársica, e nestes casos podecausar dificuldade diagnóstica. Biópsia easpiração é necessário, principalmente sehouver associação com um caso de péneuropático. Gota e artrite reumatóide podemtambém apresentar-se com lesões destrutivasda articulação, mas a dor importante e ocomprometimento geral auxilia no diagnósticodiferencial.

Devemos lembrar de outras causas deneuropatia, especialmente diabetes. Qualqueruma delas pode apresentar-se primariamentecom uma destruição neuropática dos ossos e

articulações do pé , mas a diabetes é prova-velmente a mais comum, junto com a han-seníase, em se tratando de países endêmicos.Tabes dorsalis decorrente de sífilis e neuropatiaalcoólica também são doenças comuns nospaíses onde a hanseníase é endêmica, e devemser levadas em conta no diagnóstico diferencial.

A patologia e o tratamento são iguais emqualquer dos casos. A diferença mais signi-ficativa presente nos casos de hanseníase é quea musculatura intrínseca estará paralisada namaioria dos casos, assim como a musculaturaextrínseca em alguns casos, levando ao pé caído.Isto facilitará em muito o aparecimento dedesintegração do tarso, ainda que o pacientepossa caminhar livremente, praticamente semrestrições. Estes são geralmente jovens. Poroutro lado, os portadores de diabetes sãogeralmente mais velhos a apresentam pro-blemas associados que dificultam a deam-bulação.

Manifestações clínicas:

A mais importante é a presença de calorno pé. Com palpação diária do pé é possíveldetectar os sinais precoces de inflamação ehiperemia. Isto deve ser feito por um parentedo paciente caso ele tenha anestesia das mãos.Edema localizado ou generalizado no pétambém é um sinal de alarme, falando a favorde algum trauma já ocorrido. Muitos dospacientes reclamam de algum grau de dor edesconforto. Esta sensação acredita-se sertransmitida pela inervação simpática ao longodos vasos. Em nossa experiência, quandodesbridamos uma úlcera profunda, o pacienterefere algum desconforto ao se pinçar umaartéria. O paciente refere um tipo estranho ediferente de dor que pode ser muito desa-

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gradável. Porém, podemos vê-lo caminharfreqüentemente, apesar de persistir este tipo desensibilidade.

Mais comumente o calor localizado e oedema estão restritos à região do navicular.Esta é a zona mais importante e é o ápice do arcolongitudinal do pé. Ali as forças de compressãoagem ao máximo. Quando os músculosintrínsecos estão paralisados, a força queestabiliza o pilar anterior e posterior detransmissão de forças da tíbia para o pé estácomprometida e o arco tende a achatar,concentrando as forças no canto superior dacabeça do astrágalo, navicular e cuneiforme.Esta é a causa por que muitas das desintegraçõesdo tarso começam nesta área (Fig. 40.6 a e b).Quando ocorre fratura, surgirá umaproeminência óssea na área do navicular e emseguida se perderá a forma do arco comsurgimento de novos pontos de pressão nestaárea. Entretanto este mesmo sinal pode ser

visto no retropé, na face lateral do tarso ou naárea das articulações tarsometatarsianas casoas pressões aí se iniciem. Exames laboratoriaisnão são específicos nestes casos.

Radiologia:

Harris e Brand descreveram 5 tipos dedesintegração do tarso e correlacionaram-nascom achados radiográficos. Devemos relembrara distribuição normal de forças no pé, da tíbiapara o astrágalo, do astrágalo para o calcâneo edaí para os pilares medial e lateral.

1 - Pilar posterior: isto é visto quando as forçasatuantes sobre o astrágalo são transmitidasdiretamente ao calcâneo causando fratura desteosso trabecular. Com as forças pressionandoverticalmente o osso e o tendão de Aquilespuxando em direção posterior, o osso seremodela tipicamente de forma escafóide. A

Fig. 40.6 (a) Achatamento do arco longitudinal do pé. As forças se concentram no canto superior da cabeça do astrágalo,navicular e cuneiforme. Muitas das desintegrações do tarso começam nesta área. (b) Notar fratura e proeminênciaóssea na área do navicular.

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ig. 40.7 tipo pilar posterior. Notar osteomielite do

lcâneo.

rticulação subtalar está freqüentementecongruente e pode ser destruída se submetidaatividade intensa. Isto é visto também após

lcera do calcanhar com osteomielite doalcâneo (Fig. 40.7).

- Central: ocorre quando o astrágalo sofreatura e o calcâneo permanece normal. Aquiode ocorrer rápida destruição do astrágalo ea articulação subastragalina. Um fato curiosoque em hanseníase raramente encontramos

esintegração do tarso na articulação tíbio-stragalina. Quase sempre, mesmo em pés comuita destruição, encontramos a cúpula do

strágalo e o platô da tíbia conservados. Umaxplicação aceitável é que a inervação destarticulação é feita por um ramo do nervo tibialosterior, que deixa o tronco principal maisroximalmente na perna e não é acometido naanseníase. Como o paciente consegue protegerecanicamente esta área já não é fácil explicar.esintegração com padrão 1 ou 5 seguir-se-á

aso não se institua tratamento adequadoterrompendo o processo (Fig. 40.8).

- Pilar anterior - arco medial: este é o padrãoais comumente visto na clínica. É causada por

perda das forças de tensão, quando os músculosintrínsecos estão paralisados. As forças decompressão que atuam na porção mais alta doarco longitudinal agora estão concentradas namargem superior da área astrágalo-navicular ecuneiforme e produz desgaste das bordasósseas, fratura subcondral e, eventualmente,total colapso do arco longitudinal, comsurgimento de novas áreas de pressão.Clinicamente temos calor local e edema na áreanavicular, facilmente identificáveis.Freqüentemente podemos palpar uma saliênciaóssea no dorso do pé. O raio X poderá mostraras áreas de fratura. A melhor incidência é alateral com um ângulo de 309 de eversão ousupinação do pé (Fig. 40.9).

4 - Pilar anterior - arco lateral: este padrão é maiscomumente visto após úlceras crônicas de bordalateral do pé, como ocorre nos casos de eqüino-varo. O cubóide e a articulação cubóido-metatarsiana estão comprometidas e rapi-damente se destroem. Quando o calcâneo perde

Fig. 40.8 Desintegração tipo central.

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Fig. 40.9 Desintegração tipo pilar anterior-arco medial.

contato com o cubóide, todo o pé fica muitoinstável e o calcâneo é puxado posteriormentee para cima pelo tendão de Aquiles. Se houveratraso no começo do tratamento pode havertotal desintegração do tarso. Este padrão épraticamente visto apenas em hanseníase, hajavisto que é decorrência de um pé caído comanestesia. Raramente é visto em outrasneuropatias (Fig. 40.10).

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5 - área tarso-metatarsiana (cuneiforme/metatarsiana): Este padrão não é comum emhanseníase, mas temos visto freqüentementeem casos de neuropatia diabética. Quase sempreestá associada a trauma moderado ou severo,tais como descer rapidamente uma escada deparede ou pular de alguma altura. O antepéentra rapidamente em adução ou desvio laterale há reversão do arco longitudinal, criandonovos pontos de pressão na área do arco (Fig.40.11).

Conduta:

A melhor conduta nestes casos é aprevenção. Pés com perda de sensibilidadeprotetora, especialmente quando associados àparalisia muscular, devem ser cuidados commuita atenção por toda a vida. Evitar pular,correr ou andar continuamente e com passosmuito longos. Evitar uso de sapatos com saltoalto. Em terrenos montanhosos ou irregularesdevem-se tomar cuidados especiais. Um sapatoresistente com um suporte de arco é reco-mendável. Tênis com cano alto, sapatos oubotas com reforço lateral auxiliam em muito naproteção contra danos ligamentares e ósseos.

Fig. 40.10 Desintegração tipo pilar anterior-arco lateral (a e b).

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Fig. 40.11 Desintegração tarso-metatarsiana.

Devemos sempre lembrar ao pacienteque comece a caminhar vagarosamente apóslongos períodos de imobilização, principal-mente após úlceras e infecções no pé. Umperíodo de deambulação corno experiência deveser instituído nestes casos. Isto quer dizer que opaciente deve dar apenas alguns poucos passosde cada vez por poucos minutos e após devedescansar. O pé é examinado para verificarpresença de calor ou edema localizado. Se oedema e o calor não desaparecerem após umperíodo de repouso com o membro elevado, háevidencia de perigo para este pé e o paciente só

deve retomar a deambulação muito lentamente,ou então devemos pensar em utilizar um gessocom salto.

Uma vez detectada a desintegração dotarso, o tratamento deve ser considerado comouma emergência. Apenas alguns passos a maisnum pé que já apresente fraturas pode significara diferença entre salvar este pé ou levá-lo a umaamputação. É muito importante que o pacienteseja informado desta condição para obtermossua colaboração. De modo geral, o tratamentoda desintegração do tarso significa remodelar(se possível) o pé e manter um gesso bemmoldado ou uma órtese, até que a fase final deconsolidação seja atingida. De maneira aincrementar a consolidação óssea, é importantepermitir que o paciente caminhe. Isto seconsegue de maneira adequada com uso de umgesso com salto. O processo de consolidaçãoóssea pode demorar de 4 a 12 meses. É im-portante não perder a esperança. A coope-raçãoe o entendimento do paciente são fundamentais.Para padrões específicos algum trata-mento especial deve ser levado em conta. Apósa consolidação de um caso no padrão de pilar

Fig. 40.12 Uma artrodese em articulação neuropática requer vários meses a mais do que o normal para consolidação. (a)Pré-operatório. (b) Pós-operatório.

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posterior, uma órtose em copa do calcanhar eum palmilha tipo SACH no sapato auxiliambastante. Se o calcanhar ficou muito alargado,uma remodelação cirúrgica pode ser benéfica.O triceps sural geralmente perde sua força e ouso de uma sola tipo "rocker' auxiliará nadeambulação. No padrão de pilar medialpodemos utilizar um suporte de arco rígidomas forrado com borracha microcelular. Nãose deve tentar restaurar a perda de altura doarco. O uso de solado tipo "rocker" é essencial.O padrão de pilar lateral geralmente está ligadoa eqüino-varo paralítico do pé. Assim, devemoscorrigir cirurgicamente com uma trípliceartrodese ou suas variantes. Frequentemente énecessário uma remodelação óssea para realizaro pé. Isto deve ser considerado também nosoutros padrões de desintegração do tarso. Umaartrodese em um pé neuropático é possível deser feita e funciona muito bem. É importanteque haja boa aposição de osso esponjoso ou usode enxerto de esponjosa, além de boa com-pressão com qualquer um dos aparelhos defixação externa disponíveis. Um modo fácil ebarato de conseguir isto, e que temos usadocom sucesso, é aplicar três fios de Steinman deforma triangular e após lograr a compressãoutilizando-se fitas de borracha (por exemplo,retirar da parte proximal das luvas cirúrgicas).Desde que a maioria destes casos de padrão empilar lateral são decorrentes de úlcerascrônicas, é freqüente ver alguma necrose de pele emesmo infecção. Geralmente deixamos aincisão parcialmente aberta, para que cicatrizepor segunda intenção. Uma artrodese emarticulações neuropáticas geralmente requervários meses a mais que o normal paraconsolidação (Fig. 40.12 a e b). Esta pode serverificada através de exames radiológicos.Nestes casos é fundamental recomeçar a

deambulação paulatinamen te e com muitocuidado. Deve-se usar um sapato para proteçãoou órtese, e os períodos de deambulação devemser de apenas poucos minutos de cada vez,aumentando-se gradualmente até 20 ou 30minutos. Se surgir calor local e edemasignificativo que não desapareça rapidamente,com repouso do membro em elevação,aconselhamos colocar outro gesso com saltopor mais 3 ou 4 semanas e só após recomeçar osperíodos de deambulação controlada.

No caso do padrão 5 , área tarsometatar-siana, no estágio agudo a subluxação lateral doantepé ou sua deslocação pode ser corrigidacom passagem percutânea de fios de Kirschnerou, se necessário, por redução aberta com usode parafusos de compressão. A fusão ouanquilose é o resultado final e exatamente o quese deseja. Nos casos de longa duração, umaosteotomia seguida de artrodese das arti-culações tarsometatarsianas estará indicada. Aimobilização sem carga deve durar seis semanasvisto que esta região é muito instável, mesmodentro de um gesso.

O tratamento da desintegração do tarsoé uma experiência frustrante e desanimadora,pois os maus resultados são comuns e mesmose o resultado final for bom, não será muito

Fig. 40.13 Desintegração do tarso. Pan-artrodese.

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agradável. Portanto é fundamental obter-se acolaboração e a compreensão do paciente parao tratamento. Como em todos os problemas depé em pacientes de hanseníase,uma amputaçãonão é uma boa solução, visto que o coto seráanestésico e, na realidade, estaremos apenasmudando o local do problema. Sempre quepossível devemos tentar preservar o pé ou partedele. Será muito mais fácil resolver o problema

com um sapato ortopédico do que conseguiruma boa prótese. Entretanto a desintegraçãodo tarso é uma indicação bastante comum deamputação em pacientes de hanseníase. Umapan-artrodese muitas vezes é indicada (Fig.40.13). em alguns casos pode-se utilizar umaórtese PTB, transferindo parte do pesocorpóreo para o tendão patelar , permitindomenos pressão no pé.

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