DESLOCAMENTO DE LÍQUIDOS EM CÉLULA DE HELE-SHAW ... · 193 A célula de Hele-Shaw é comumente...

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Departamento de Engenharia Mecânica DESLOCAMENTO DE LÍQUIDOS EM CÉLULA DE HELE-SHAW 1 CONSIDERANDO EFEITOS NÃO NEWTONIANOS 2 3 Aluno: Gustavo Marcelino Gomes 4 Orientador: Paulo Roberto de Souza Mendes 5 6 Introdução 7 O projeto de um fuido de perfuração que possa garantir a mínima invasão na rocha do 8 reservatório é um tópico importante para a completação de poços de petróleo, especialmente 9 quando esta operação é realizada em poço aberto. A indústria tem proposto algumas idéias, a 10 maioria delas baseada na adiçãode agentes tamponadores na composição do fuido de 11 perfuração. Tais agentes bloqueariam os poros da rocha perto da parede do poço, restringindo, 12 consequentemente, a invasão na rocha reservatória. 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 Sendo assim nesse trabalho estudou-se o deslocamento de fuidos em meios porosos 27 utilizando uma célula de Hele-Shaw. Especificamente, um fuido não newtoniano deslocando 28 um fluido newtoniao através de uma célula de Hele-Shaw retangular. A partir desse 29 experimento é possível observar a instabilidade de Saffman-Taylor ou viscous fingers que é 30 um fenômeno observado quando um fuido de menor viscosidade desloca um de maior 31 viscosidade. Esse fenômeno é muito importante em diversas aplicações, tais como: invasão de 32 fluido de perfuração em meios porosos (caso que será estudado), recuperação secundária e 33 terciária de petróleo, fraturamento hidráulico, processamento de polímeros, hidrologia e 34 filtração. É vasta a literatura relativa ao estudo de fluidos newtonianos e não newtonianos 35 deslocados por ar em células de Hele-Shaw. Entretanto, existem poucos trabalhos envolvendo 36 deslocamentos de líquidos com viscosidades comparáveis, ou seja, razão de viscosidade 37 diferente de zero. 38 O fluido deslocador utilizado foi a goma xantana 0,8% e o deslocado foi um óleo 39 mineral. Com uma câmera fotográfica foi possível observar a evolução da forma da interface. 40 Além disso, foi realizada uma caracterização reológica dos fluidos de trabalho. Pretende-se 41 determinar o espectro de situação onde há a transição de plugs para finngers. 42 43 Objetivo e metas 44 O principal objetivo deste trabalho consiste em analisar a evolução da forma da 45 interface, através de uma câmera fotográfica, em função dos parâmetros geométricos, 46 dinâmicos e reológicos. Pretende-se determinar o espectro de situações em que há formação 47 de viscous fingering. Para analisar o problema será feita uma adimensionalização onde os 48 principais parâmetros governantes são a velocidade adimensional, o número de capilaridade 49 reológico e o índice de comportamento da goma xantana. 50 51 Figura 1 - A invasão do fluido de perfuração na rocha reservatório.

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Departamento de Engenharia Mecânica

DESLOCAMENTO DE LÍQUIDOS EM CÉLULA DE HELE-SHAW 1

CONSIDERANDO EFEITOS NÃO NEWTONIANOS 2

3

Aluno: Gustavo Marcelino Gomes 4

Orientador: Paulo Roberto de Souza Mendes 5 6 Introdução 7

O projeto de um fuido de perfuração que possa garantir a mínima invasão na rocha do 8

reservatório é um tópico importante para a completação de poços de petróleo, especialmente 9

quando esta operação é realizada em poço aberto. A indústria tem proposto algumas idéias, a 10

maioria delas baseada na adiçãode agentes tamponadores na composição do fuido de 11

perfuração. Tais agentes bloqueariam os poros da rocha perto da parede do poço, restringindo, 12

consequentemente, a invasão na rocha reservatória. 13

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Sendo assim nesse trabalho estudou-se o deslocamento de fuidos em meios porosos 27

utilizando uma célula de Hele-Shaw. Especificamente, um fuido não newtoniano deslocando 28

um fluido newtoniao através de uma célula de Hele-Shaw retangular. A partir desse 29

experimento é possível observar a instabilidade de Saffman-Taylor ou viscous fingers que é 30

um fenômeno observado quando um fuido de menor viscosidade desloca um de maior 31

viscosidade. Esse fenômeno é muito importante em diversas aplicações, tais como: invasão de 32

fluido de perfuração em meios porosos (caso que será estudado), recuperação secundária e 33 terciária de petróleo, fraturamento hidráulico, processamento de polímeros, hidrologia e 34

filtração. É vasta a literatura relativa ao estudo de fluidos newtonianos e não newtonianos 35

deslocados por ar em células de Hele-Shaw. Entretanto, existem poucos trabalhos envolvendo 36

deslocamentos de líquidos com viscosidades comparáveis, ou seja, razão de viscosidade 37

diferente de zero. 38

O fluido deslocador utilizado foi a goma xantana 0,8% e o deslocado foi um óleo 39

mineral. Com uma câmera fotográfica foi possível observar a evolução da forma da interface. 40

Além disso, foi realizada uma caracterização reológica dos fluidos de trabalho. Pretende-se 41

determinar o espectro de situação onde há a transição de plugs para finngers. 42

43

Objetivo e metas 44 O principal objetivo deste trabalho consiste em analisar a evolução da forma da 45

interface, através de uma câmera fotográfica, em função dos parâmetros geométricos, 46

dinâmicos e reológicos. Pretende-se determinar o espectro de situações em que há formação 47

de viscous fingering. Para analisar o problema será feita uma adimensionalização onde os 48

principais parâmetros governantes são a velocidade adimensional, o número de capilaridade 49

reológico e o índice de comportamento da goma xantana. 50

51

Figura 1 - A invasão do fluido de perfuração na rocha reservatório.

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Revisão bibliográfica 52

53 Em 1898, Henry Selby Hele-Shaw criou um sistema para estudar o escoamento potencial de 54

água a baixos numeros de Reynolds em torno de objetos. Se constituia originalmente de duas 55

placas transparentes com uma separação de 1mm entre elas e largura de 300mm. A Figura 2 56

exemplifica uma célula retangular de Hele-Shaw. 57

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Posteriormente, a célula passou a ser utilizada também para estudar escoamentos em 71

meios porosos. Isso é possível, pois, quando observadas as devidas proporções, com a fenda 72

entre placas muito menor do que a largura delas, a equação que rege o escoamento entre as 73

placas tem a mesma forma da lei de Darcy, que relaciona a velocidade bidimensional média 74

(u) com o gradiente de pressão (�p�e permeabilidade (k). Essa aproximação é válida apenas 75

quando a distância entre as placas é pequena em comparação com a largura das placas. 76

77

� � �� (1) 78

79

� � � �p (2) 80

81

A lei de Darcy é amplamente utilizada para descrever macroscopicamente o escoamento 82

monofásico através de um meio poroso. Convencionou-se que esta lei também pode ser 83

utilizada para descrever escoamentos bifásicos em meios porosos. Devido a complexidade das 84

interações entre os fluidos e dos fluidos com a rocha, essa suposição é muito questionada. 85

A célula de Hele-Shaw é um dispositivo utilizado para escoamentos bidimensionais e é 86

ideal para análise da instabilidade de Saffman-Taylor. A instabilidade de Saffman-Taylor ou 87

viscous fingering é um fenômeno observado quando um fluido de baixa viscosidade substitui 88

um de maior viscosidade na célula de Hele-Shaw. 89

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Figura 2 - Esquema de uma célula de Hele-Shaw retangular.

Figura 3 - Escoamento com a presença de viscous fingering; Escoamento com dewslocamento, respectivamente.

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O estudo dessa instabilidade já foi profundamente estudado para outras situações. 100

Homsy [2] estudou o fenômeno em geometrias retangulares, radiais e nos padrões de 101

cinco pontas. Investigou o escoamento bidimensional nos casos em que a orientação da 102

gravidade é colinear com a direção do escoamento. As forças consideradas foram a de 103

gravidade, viscosidade e no caso de fluidos imiscíveis, a tensão superficial. Ele determinou 104

que o escoamento de dois fluidos imiscíveis na célula de Hele-Shaw são governados pela 105

relação entre forças viscosas e tesão superficial, pela relação entre viscosidades e pela 106

importância relativa das forças viscosas e de empuxo. Tais fatores são representados, 107

respectivamente, pelos seguintes parâmetros: Número de capilaridade, viscosidades dos 108

fluidos e número de Darcy-Rayleigh modificado. 109

É essencial verificar se não há escoamento na terceira dimensão da célula, 110

perpendicular ao plano do escoamento observado, pois as esquações de Saffman-Taylor só 111

são válidas para escoamentos bidimensionais. Caso existam é necessário fazer modificações 112

nas condições de contorno. Park e Homsy [3] observaram que a discrepância entre teórico e 113

experimental se dava em grande parte por essa parcela do escoamento e propuseram 114

modificações para corrigi-la. 115

O caso não newtoniano já foi estudado anteriormente por McCloud et al. [4] que 116

observaram diversos padrões de fingers. Revisaram experimentos com enfoque na 117

instabilidade de Saffman-Taylor, onde perturbações são adicionadas a fingers estáveis para 118

que as mudanças nos padrões de escoamento possam ser compreendidas. 119

Yamamoto et al. [5] estudaram a instabilidade no deslocamento de fluidos 120

viscoelásticos e glicerina por ar, sendo a glicerina para representar um fluido newtoniano. A 121

forma dos fingers difere consideravelmente, sendo os da glicerina de estrutura mais densa 122

enquanto os dos fluidos não newtonianos são mais ramificados. Esses fenomênos são, de 123

acordo com os autores, explicados pelo chamado “efeito de proteção” em relação às 124

características pseudoplásticas. Isto é, o efeito ocorre quando um finger cresce demais e supre 125

o crescimento dos outros. Devido ao efeito pseudoplástico as pequenas diferenças do 126

gradiente de pressão em diferentes frentes de fingers causam grande diferença na viscosidade 127

e dessa forma também no escoamento. 128

Ainda Yamamoto et al. caracterizaram a velocidade da ponta dos fingers pelo 129

gradiente de pressão. Através da lei de Darcy modificada constata-se que a velocidade e o 130

gradiente de pressão são diretamente proporcionais, enquanto o crescimento dos fingers pode 131

ser retardado caso haja mais ramificações. A ramificação, no entanto, aumenta a velocidade 132

do finger. 133

Lindner et al. [6] investigaram a instabilidade de Saffman-Taylor para três diferentes 134 fluidos complexos: uma solução do polímero rígido xanthane, uma solução do polímero 135

flexível PEO e uma solução do surfactante AOT. Para cada uma dessas soluções um 136

mecanismo de seleção clássico é alterado: para soluções de xanthane as forças viscosas são 137

modificadas, as soluções de PEO são afetadas pela tensão normal e a tensão superficial atua 138

sobre os surfactantes. 139

Soluções poliméricas podem apresentar propriedades de fluidos não newtonianos 140

como efeitos de tensão normal e dependência da viscosidade com a taxa de deformação. Esses 141

efeitos podem ser mais ou menos importantes dependendo da natureza do polímero. Para 142

soluções de polímeros flexíveis, efeitos elásticos como tensão normal e altos valores de 143

viscosidade elongacional são dominantes, enquanto a viscosidade de cisalhamento pode ser 144

praticamente constante. Polímeros rígidos podem apresentar a viscosidade como função da 145

taxa de deformação, entretanto os efeitos elásticos são insignificantes. 146

Bonn et al. [7] afirmam que polímeros flexíveis alargam os fingers, enquanto 147

polímeros rígidos estreitam os fingers. Linder et al. [6] realizaram um estudo sobre a 148

instabilidade de Saffman-Taylor em uma célula de Hele-Shaw. O experimento foi realizado 149

com diferentes concentrações de soluções de xantana, com caracteríticas de viscosidade 150

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pseudoplásticas, deslocado por ar. Esse fluido foi escolhido de forma que a viscosidade 151

pseudoplástica possa ser a única propriedade influenciando o experimento. Foi medida a 152

largura do finger como função da velocidade. 153

A inércia pode ser importante para altas velocidades de fingers. Foram investigados os 154

efeitos para Reynolds maior do que 100 utilizando uma célula de Hele-Shaw com silicone 155

sendo deslocado por ar. 156

A importância da inércia é avaliada pelo número de Reynolds. Para poder 157

desconsiderar os efeitos de inércia, deve-se ajustar o experimento de forma que Reynolds seja 158

menor do que 1. O número de Weber representa a razão entre forças de inercia e capilares e se 159

define por: 160

�� � ����� (3) 161

162

Quando os efeitos viscosos são considerados, com o aumento da velocidade, a largura 163

do finger aumenta, devido à inérica, em oposição ao que acontece a baixos números de 164

Reynolds. Para altos valores de velocidade e número de capilaridade, a influência de uma 165

camada fina de fluido remanescente é importante. Essas situações ocorrem para fluidos de 166

baixas viscosidades e para grandes fendas entre placas. 167

O estudo de fluidos não newtonianos sendo deslocados por outros fluidos que não o ar 168

não é muito popular e não há referências na literatura para fluidos pseudoplásticos. 169

170

Equacionamento: 171 172

Hele-Shaw é definido como um fluido de Stokes (um tipo de fluido onde as forças de 173

inércia são pequenas comparadas às viscosas, o que resulta em um número de Reynold baixo. 174

Esta é a situação típica onde as velocidades são lentas e as viscosidades são altas) entre duas 175

placas planas paralelas separadas por uma distância muito pequena. Vários problemas da 176

mecânica dos fluidos podem ser aproximados aos fluxos de Hele-Shaw e, portanto, a 177

investigação destes fluxos é importante. A aproximação ao fluxo de Hele-Shaw é 178

especialmente para microfluxo, ou seja, fluxos nos quais o número de Reynolds é tipicamente 179

baixo. 180

181

182

183

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186

187

188

Sendo x e y as direções planares e z a direção perpendicular, com H sendo a distância 189

entre as placas. Quando a distância entre as mesmas é muito pequena diz-se que H → 0, e 190

conseqüentemente nos permite a visualização desse tipo de fluxo em duas dimensões 191

(bidimensional). 192

A célula de Hele-Shaw é comumente usada para casos em que o fluido é injetado na 193

geometria, e para estes fluxos as condições de contorno são definidas pela pressão e tensão 194

superficial. 195

A segunda lei de Newton, para um sistema movendo-se em relação a um sistema de 196

coordenadas inerciais é dada por: 197

198

�� � ������ � ����

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199

Onde o momento linar é dado por: 200

201

��� � �������� !�"��� � �∀������ !�"��$�∀

202

Onde F (forças resultantes) = FS +FB, sendo FS as forças de superfície e FB as forças 203

de campo. 204

As formulações para sistema e volume de controle são: 205

206

�%�� �

&&�� '$�∀

()*� '$"���∀

+)

207

Para N = P (momento de inércia) e η = V tem-se: 208

209

210

������ � ���� �

&&�� "��$�∀

()*� "��$"���,

+)

�� � ��+ * ��- � &&�� "��$�∀()

*� "��$"���,+)

211

Para folgas muito pequenas o campo de escoamento pode ser modelado como o que 212

ocorre entre placas paralelas infinitas, considerando o escoamento laminar completamente 213

desenvolvido. As placas estão separadas pela distância a. O escoamento também é 214

considerado permanente e incompressível. Na condição de não deslizamento na parede, as 215

condições de contorno são: 216

217

em y = 0 u = 0 218

em y = a u = 0 219

220

Uma vez que o escoamento é completamente desenvolvido, a velocidade não pode 221

variar com x. Entãom depende apenas de y de modo que u = u(y). Além disso não há 222

componentes de velocidade nas direções y e z (v = ω = 0). Para analise seleciona-se um VC 223

diferencial de tamanho d∀ = dx dy dz e aplica-se à componente x da equação de momento 224 linear. 225

226

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228

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��./ * ��-/ � &&�� �$�∀()

*� �$"���,+)

Hipóteses: 240

241

• Escoamento permanente; 242

• Escoamento completamente desenvolvido; 243

• FBx = 0; 244

• Escoamento incompressível; 245

• Escoamento laminar. 246

247

Assim FSx = 0. 248

249

O próximo passo consiste em somer as forças atuando sobre o volume de controle na 250

direção x. 251

252

01 * &1&2 3−�22 67 �8�9 − 01 *

&1&2 3

�22 67 �8�9 * :;<= *

&;<=&8 3�82 6> �2�9

− :;<= * &;<=&8 3−�82 6> �2�9 � 0

253

Simplificando: 254

255

−&1&2 *&;82&8 � 0

256

Onde p é a pressão e τ é a tesão. 257

Integrando-se temos: 258

&;<= � @&1&2A8 * B1 Com as condições de contorno: 259

260

;<=�!� � &1&2 ! � −;D

261

Onde τ é a tensão crítica e a é a folga. 262

263

Numa forma geral: 264

265

;<=�8� � 3&1&268;<=�8� �−;D! 8

266 267

Considerando um fluido pseudoplástico, ou seja, um fluido cuja viscosidade varia de 268

acordo com um grau de deformação aplicado, diminuindo com o aumento da tensão. E 269

utilizando o modelo de power-law com n < 1, onde n é o índice de comportamento: 270

271 ' � �EFGH 272

Onde n é o índice de consistência. 273

274

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Assim, 275

276

;<= � �EFGH � −�I−EF<=JG 277 −;D! 8 � −�I−EF<=JG

Para y = a: 278

EF<=�!� � K;D� L/G

279

Devido a importância de escoamentos entre placas paralelas em aplicações de 280

engenharia, Bird et al. [10] desenvolveram uma tabela com a equação de vazão volumétrica 281

para cinco equações constitutivas diferentes, incluindo o modelo power-law. 282

283

N � �!K2OL * 4

K;D� L/G

284

Para Q sendo a vazão volumétrica e W a largura da célula. Considerando que Q = u A: 285

286

� � !K2OL * 4

K;D� L/G

287

EF � 6�! 31 * 2O3O 6

Adimensionalização: 288

289 A adimensionalização é uma técnica para se ganhar compreensão sobre o escoamento 290

de fluidos (na verdade, sobre muitos fenômenos científicos e de engenharia) antes de se fazer 291

uma análise teórica ou experimental mais extensa; esta técnica capacita também a extrair 292

tendências de dados que, de outra forma, permaneceriam desorganizados e incoerentes. 293

Para adimensionalizar os parâmetros reológicos e dinâmicos que regem o escoamento 294

foi desenvolvido um modelo de acordo com o seguinte gráfico: 295

296

297

298

299

300

301

302

303

304

305

306

307

308

Foi definida uma taxa de deformação característica γ = 1 que é correspondente à taxa de 309

deformação do cruzamento das curvas de viscosidade dos dois fluidos. Essa taxa é obtida 310

quando a viscosidade do fluido newtoniano é igual a do pseudoplástico: 311

312

313

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;G�DS � TEF

314

315 ;UVD�WHXYD � '�EF�EF � ��EF �GH 316 ;G�DS �;UVD�WHXYD 317

EF) � KT�L� GH�

318

A velocidade adimensional u* é definida como a razão entre a taxa de deformação na 319

parede e a taxa de deformação característica. Este valor equivale à taxa de deformação 320

adimensional: 321

322

�∗ ≡ EF ∗ ≡ EFDEF)

323

�∗ ≡ EF ∗ �\6] 3�T6/�GH� 2O * 1

3O ^ �

324

A viscosidade característica ηc equivale à viscosidade em função da taxa de 325

deformação característica, a qual é a mesma do fluido newtoniano como podemos ver na 326

equação acima. 327

328 ') ≡ '�EF)� � T 329

A viscosidade adimensional η* (γ*) é definida como a razão entre a viscosidade do 330

fluido não newtoniano e a viscosidade característica: 331

332

Logo, 333

334 '∗ � EF ∗GH 335

Outro parâmetro adimensional que rege o escoamento é o numero de capilaridade 336

reológico, definido abaixo, onde σ é a tensão interfacial. Esse número é representado pela 337

razão entre as forças viscosas e capilares. 338

339

_Y � ;D!`

O conjunto definido pelos parâmetros u*, n e Ca definem o espectro de situações em 340

que são observados fingers ou plugs. Espera-se que haja a instabilidade de Saffman-Taylor 341

quando u*<1 e η* > 1 para fluidos newtonianos. Caso contrário, espera-se observar uma 342

interface bem comportada com o deslocamento do tipo plug. 343

344

345

346

347

348

349

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Metodologia 350

351

Fluidos 352

353

Os testes foram realizados com um fluido newtoniano sendo deslocado por um não 354

newtoniano. No caso os fluidos foram respectivamente óleo mineral da marca União Química 355

e solução aquosa 0,86% de goma xantana da marca Plury Química. 356

357

• Goma Xantana: 358 359

É um polissacarídeo da espécie de bactérias do gênero Xanthomonas. É muito 360

utilizada, em baixas concentrações, como espessante na indústria alimentícia e sua utilização 361

na indústria petrolífera cresceu com o passar do tempo. Nesse campo é utilizada como fluido 362

de perfuração e na recuperação terciária de poços de petróleo. 363

Os polimeros anteriormente mais utilizados eram Carboximetilcelulose (CMC), 364

celulose polianiônica (PAC) e poliacrilamida parcialmente hidrolisada (PHPA). Esses 365

polímeros são, no entanto, muito sensíveis às condições de salinidade o que baixava sua 366

eficiência. Por isso a goma xantana, a partir de agora denominada GX, passou a ser 367

amplamente utilizada, pois é estavel à variação do pH, força iônica e temperatura. [8] 368

A GX só passa a ser afetada por pH muito alto ou muito baixo, estando estavel na 369

faixa de 2,5 a 11. Essa estabilidade depende da concentração e aumenta proporcionalmente a 370

ela. Sua viscosidade não é substancialmente afetada pela presença de sais e ainda é estável em 371

temperaturas de 10ºC a 90ºC. [9] 372

Apesar de sua importância nas indústrias alimentícia e petrolífera, a GX ainda é 373

produzida por poucos países e, no Brasil, ainda é importada em sua totalidade. O país, no 374

entanto, possui os insumos necessários para sua fabricação, como açucar de cana e etanol, o 375

que nos dá potencial de produção. [8] 376

A GX é um fluido não newtoniano de comportamento pseudoplástico (shear thinning), 377

ou seja, sua viscosidade cai com o aumento da taxa de cisalhamento, como se vê na figura 378

abaixo: 379

380

381

382

383

384

385

386

387

388

389

390

391

392

393

394

395

396

397

398

399 Figura 4 - Reologia de diferentes concentrações de goma xantana.

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Além das características supracitadas, vale destacar as seguintes características da GX: 400

401

• Irreversibilidade de ser degradada em altas taxas de cisalhamento; 402

• Alto valor de viscosidade, mesmo em baixas concentrações (na indústria 403 alimentícia são usadas concentrações entre 0,05% e 0,5%); 404

• Facilidade de bombeamento devido ao comportamento pseudoplástico; 405

• Excelente estabilidade durante congelamento e sua adição não altera o ponto de 406 congelamento do fluido; 407

408

Método de Preparo: 409

410

• Seleciona-se a porcentagem de polímero; 411

• Coloca-se o volume correspondente de água desionizada em um recipiente; 412

• Agita-se o conteúdo do recipiente a 300 rpm em um agitador mecânico com pá 413 âncora (Agitador Fisaton, modelo 723); 414

• Acrescenta-se GX aos poucos no pela lateral do recipiente, evitando despejá-la 415 sobre a pá; 416

• Agita-se a solução por 15 minutos; 417

• Adicionam-se os bactericidas Benzoato de Sódio e Sorbato de Potásio à 418 concentração de 0,5% cada; 419

• Mistura-se a solução por uma hora; 420

• Despeja-se a solução na garrafa de transferência; 421

• Espera-se 24 horas antes do início dos testes. 422 423

424

Óleo mineral: 425

426

O óleo mineral é um fluido newtoniano bem comportado, cuja viscosidade é afetada 427

apenas pela temperatura, que é mantida estável com o uso de um banho. 428

429

Bancada Experimental: 430 431

É consituida, atualmente, dos seguintes aparelhos: 432

433

• Célula de Hele-Shaw retangular; 434

• Duas bombas helicoidais da marca Netzsch; 435

• Duas garrafas de transferência; 436

• Uma câmera fotográfica Canon EOS 7D 437

• Reservatório de glicerina (utilizada na validação) 438

• Reservatório de água (para as garrafas de transferência) 439

• Reservatório de óleo; 440

• Banho térmico; 441

• Negatoscópio tomográfico; 442 443

Construção da Célula: 444

445

• Foram levados em consideração os seguintes aspectos, que são de suma 446 importância para a boa realização do experimento: 447

• Garantir que o escoamento não seja afetado pelas paredes; 448

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• Garantir que a fenda seja pequena o bastante para ser considerado 449 bidimensional; 450

• Garantir que a fenda seja pequena o sufiente para que não haja mistura dos 451 fluidos; 452

• Verificar a viabilidade da construção. 453

454

Controle de tempratura: 455

456

Enquanto a GX não é muito sensível à temperatura e, por isso, não precisa ser mantida 457

a uma temperatura exata para o êxito do experimento, o óleo mineral, e a glicerina da 458

validação, newtonianos, variam substancialmente com ela. 459

Para controlar a temperatura do óleo e da glicerina é usado um banho térmico da 460

marca Nova Ética, modelo 521-3DE com circulação externa, uma mangueira de silicone de 461

10mm de diâmetro e uma serpentina de aço inox com 6,5mm de diâmetro esterno e 4,5mm de 462

diâmetro interno. 463

A serpentina foi posicionada dentro do reservatório de óleo e da glicerina de modo que 464

ficasse completamente coberta. A mangueira possui 4 m de comprimento. O banho térmico 465

possui uma vazão de 10 l/min para proporcionar estabilidade na temperatura. A temperatura 466

foi ajustada conforme as condições da sala para garantir que a temperatura medida dentro do 467

reservatório fosse de 25°C. Durante a realização dos testes, um termopar foi posicionado 468

dentro do reservatório para verificar se a temperatura estava constante em 25°C. 469

470

Procedimento experimental: 471

472

Para a execução dos testes, foi utilizada uma garrafa de transferência e uma bomba 473

helicoidal para injetar o fluido não newtoniano na célula Hele-Shaw. Após a célula ser 474

preenchida com o óleo mineral, a célula deve ser nivelada para garantir um escoamento 475

uniforme e sem efeitos de gravidade. Em seguida, define-se a vazão de injeção da goma 476

xantana e abre-se a válvula central para permitir o deslocamento. Simultaneamente, uma 477

seqüência de imagens é obtida (através da filmagem). Após cada teste, a célula é lavada e os 478

teste são repetidos com vazões diferentes. Com a sequencia de imagens é possível estuda a 479

eficiência. 480

481

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496

497

498 Figura 5 - Bancada experimental.

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Resultados 499

500

Reologia 501

As figuras a seguir representam as curvas da evolução da viscosidade com o tempo com 502

taxas de deformações constantes iguais à 0,01 e 1 [1/s], respectivamente. Pode-se observar 503

que a goma xantana é um fluido com características dependentes do tempo, ou seja, 504

tixotrópicas. 505

506

A reologia da GX foi obtida com o uso de um reometro AR-G2 da TA Instruments, 507

através do uso da geometria placas paralelas ranhuradas (cross hatched). Essa geometria foi 508

selecionada para minimizar os efeitos de deslizamento aparente, os quais comprometem a 509

caracterização reológica. 510 511

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533

Figura 6 - Testes de tixotropia.

Figura 7 - Flow curve Goma xanatana 0,8%

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534

Os testes foram feitos a 20ºC e a 25ºC o que comprovou que a GX não é muito 535

sensível a mudanças de temperatura. 536

537

Parâmetros Valores

n [ ] 0,127

k [Pa•s^n] 12,989

σ [mN/m] - GX 79,5

ρ [kg/m³] - GX 964,7

538

A viscosidade newtoniana do óleo mineral foi obtida através de um viscosímetro e de 539

um reômetro rotacional para confirmar os resultados. No reômetro Paar Physica MCR 301, a 540

viscosidade foi determinada com a geometria Double Couette, essa geometria foi escolhida, 541

pois a viscosidade do óleo é baixa, sendo assim essa geometria tem mais área de contato com 542

fluido, melhorando assim a precisão dos dados. 543

544

Parâmetros Valores

µ [Pa•s] 0,1339

σ [mN/m] - óleo 28,4

ρ [kg/m³] - óleo 867,6

545

Óleos newtonianos são notoriamente sensíveis a mudanças de temperatura. Por isso a 546

bancada inclui um sistema para mantê-la constante. A figura abaixo mostra a influência da 547

temperatura na viscosidade do óleo. 548

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552

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554

555

556 Figura 8 - Influência da temperatura na viscosidade do óleo mineral.

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Teste de visualização 557

Os gráficos abaixo mostram a vazão volumetrica e mássica relativas à bomba. Esses 558

gráficos foram feitos pois observou-se que a bomba não mantém uma vazão constante devido 559

a interferência da garrafa de transferência. 560

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568

569

570

Outro ponto muito imporante é o controle do número de Reynolds. Esse deve ser 571

inferior a 1, pois garante que as forças de inércia são desprezíveis em relação as forças 572

viscosas. 573

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582

583

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585

586

Re < 1, forças de inércia desprezíveis

Figura 9 - Vazão volumétrica.

Figura 10 - Número de Reynolds.

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Os gráficos abaixo mostram, como esperado, que a eficiência diminui com a velocidade 587

adimensional e aumenta com o aumento da razão viscosa (viscosidade da GX/viscosidade do 588

óleo), ou seja, com a razão maior que 1 a viscosidade da goma xantana é maior que a do óleo, 589

logo tem-se o caso de plug correspondendo a eficiência próxima de 100%, caso o contrário 590

tem-se as situações de fingers . 591

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597

598

599

600

601

602 Como mencionado anteriormente as imagens de cada teste são tratadas e binarizadas 603

conforme as imagens abaixo. Essas imagens representam os dois casos de estudo, plug 604

( corresponde a eficiência de 100%) e fingers (corresponde a eficiência inferior a 100%). 605

606

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615

A taxa de deformação adimensional, u*≡EF*, e a razão de viscosidade adimensional, η*, 616 dependem da taxa de deformação, ou seja, da vazão do escoamento. Assim, a Figura 13 617

apresenta um único gráfico de η* em função de u* para os fluidos estudados. Assim, foram 618

determinados os casos em que há formação de fingers e os casos em que há um deslocamento 619

do tipo plug, conforme a Figura 13. 620

621

Plug (Eficiência de 100%) Finger (Eficiência de 75%)

Figura 11 - Gráfico da eficiência.

Figura 12 - Perfis de escoamento.

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631

Conclusão 632

633

O presente trabalho abordou experimentalmente o deslocamento de um fluido 634

newtoniano por não newtoniano pseudoplástico em uma célula retangular de Hele-Shaw. Foi 635

analisada a evolução da forma da interface em função dos parâmetros geométricos, dinâmicos 636

e reológicos que governam o escoamento. Foram determinadas situações em que há formação 637

de viscous fingering e os casos em que há formação de uma interface estável do tipo plug. Em 638

geral, observa-se que a eficiência de deslocamento aumenta com a razão de viscosidades e 639

diminui com a vazão. 640

641

Referências Bibliográficas 642

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Figura 13 - Investigação de plug e fingers.

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