DESVELANDO A TRÍADE: POBREZA, ESCOLA E CURRÍCULO...

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Trabalho de Conclusão de Curso DESVELANDO A TRÍADE: POBREZA, ESCOLA E CURRÍCULO Jéssica Lice Santos de Arruda Torrezan 1 RESUMO Este artigo tem como tema a articulação entre a pobreza e currículo. A pobreza é uma grande problemática social que perdura por gerações, sendo pouco abordada e discutida nas escolas. Objetiva-se com esta pesquisa analisar e buscar alternativas para a inserção da temática sobre pobreza no currículo escolar, a fim de propiciar ao educando a compreensão da realidade social em que vive, oportunizando-o a alcançar desenvolvimento crítico para possível compreensão e superação da pobreza. Este artigo tomará como base algumas pesquisas bibliográficas e uma sondagem da realidade vigente. Espera-se com esse estudo, o encontro de possíveis soluções para inserção da temática sobre a pobreza no currículo de forma mais profunda e abrangente, com vistas para politização dos educandos pobres. A verdadeira educação é aquela que tem o poder de transformar vidas. É aquela capaz de oportunizar o educando pobre a abandonar a pobreza e, assim, ter uma vida mais justa e digna. Assim, analisaremos um projeto em vigor em uma escola de Campo Grande-MS, que tem a finalidade de implementar metodologias diferenciadas e orientar os(as) jovens estudantes a adquirirem uma formação cidadã, diante da pluralidade cultural existente no modo de vida, objetivando a formação do(a) jovem, que seja mais participativa, crítica e decisiva na vida social. Palavras-chave: Pobreza. Currículo. Escola. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo é fruto da inquietação em relação à falta de articulação no âmbito escolar entre a temática sobre a pobreza e o currículo. Pretende-se, especificamente, buscar meios para promoção de uma maior articulação. Este estudo possui grande relevância devido ao fato de que essa vinculação proporciona aos alunos pobres uma maior compreensão de sua realidade social. Apesar da pobreza ser uma realidade histórico-social, essa temática é ausente ou quase ausente nos currículos escolares. Dessa maneira, analisamos o projeto AJA (Avaliação do Jovem Aprendiz) que é realizado na escola estadual Riachuelo, de modo que utilizando a pesquisa de opinião possamos 1 Aluna do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, turma de 2015. Orientadora: Prof. MSc. Maria do Carmo Fajreldin Paim. E-mail: [email protected]

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Trabalho de Conclusão de Curso

DESVELANDO A TRÍADE: POBREZA, ESCOLA E CURRÍCULO

Jéssica Lice Santos de Arruda Torrezan1

RESUMO

Este artigo tem como tema a articulação entre a pobreza e currículo. A pobreza é uma grande

problemática social que perdura por gerações, sendo pouco abordada e discutida nas escolas.

Objetiva-se com esta pesquisa analisar e buscar alternativas para a inserção da temática sobre

pobreza no currículo escolar, a fim de propiciar ao educando a compreensão da realidade

social em que vive, oportunizando-o a alcançar desenvolvimento crítico para possível

compreensão e superação da pobreza. Este artigo tomará como base algumas pesquisas

bibliográficas e uma sondagem da realidade vigente. Espera-se com esse estudo, o encontro

de possíveis soluções para inserção da temática sobre a pobreza no currículo de forma mais

profunda e abrangente, com vistas para politização dos educandos pobres. A verdadeira

educação é aquela que tem o poder de transformar vidas. É aquela capaz de oportunizar o

educando pobre a abandonar a pobreza e, assim, ter uma vida mais justa e digna. Assim,

analisaremos um projeto em vigor em uma escola de Campo Grande-MS, que tem a

finalidade de implementar metodologias diferenciadas e orientar os(as) jovens estudantes a

adquirirem uma formação cidadã, diante da pluralidade cultural existente no modo de vida,

objetivando a formação do(a) jovem, que seja mais participativa, crítica e decisiva na vida

social.

Palavras-chave: Pobreza. Currículo. Escola.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo é fruto da inquietação em relação à falta de articulação no âmbito

escolar entre a temática sobre a pobreza e o currículo. Pretende-se, especificamente, buscar

meios para promoção de uma maior articulação. Este estudo possui grande relevância devido

ao fato de que essa vinculação proporciona aos alunos pobres uma maior compreensão de sua

realidade social. Apesar da pobreza ser uma realidade histórico-social, essa temática é

ausente ou quase ausente nos currículos escolares.

Dessa maneira, analisamos o projeto AJA (Avaliação do Jovem Aprendiz) que é realizado

na escola estadual Riachuelo, de modo que utilizando a pesquisa de opinião possamos

1 Aluna do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, turma de 2015. Orientadora: Prof. MSc. Maria do Carmo Fajreldin Paim. E-mail:

[email protected]

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averiguar a atribuição do valor pedagógico dada na elaboração de projetos de trabalho com

caráter interdisciplinar, envolvendo alunos e professores.

A escola não pode simplesmente escolarizar, mas deve cumprir seu papel que é o de

educar, partindo da premissa de que a mesma tem um papel vital na sociedade, uma grande

função social. Educar pressupõe provocar no outro uma transformação social e cultural; é

combater seu conformismo e fomentar o desejo pelo novo. Para tanto, o educando pobre

necessita compreender sua realidade a partir dela própria, entendendo o porquê da pobreza e

que é possível sair dela.

Quando não se trabalha a pobreza na escola, promove-se a exclusão social dos

educandos pobres, pois se descarta todas as possibilidades destes ascenderem intelectual e

socialmente. Observa-se que os conhecimentos disseminados na escola são típicos da cultura

dominante. O descrédito pela realidade do educando pobre e sua discriminação apenas

corrobora para que a escola seja um espaço para perpetuação da pobreza.

O tema pobreza deve ser encarado como um conhecimento que todos têm direito ao

acesso. Com isso, essa pesquisa pretende buscar respostas para as seguintes questões: Como a

pobreza pode ser caracterizada? A pobreza chega à escola? Por que inserir a pobreza no

currículo? Como incorporar a pobreza ao currículo? O que o conhecimento efetivo da

pobreza possibilita aos educandos pobres? Percebe-se que o tema pobreza não tem o devido

espaço nos currículos escolares e, decorrendo assim, nas salas de aula. Daí a pertinência desta

pesquisa.

2. A POBREZA E SUAS VERTENTES

2.1 MAS AFINAL O QUE É POBREZA?

Para responder esse questionamento faz-se necessário, primeiramente, a busca de

possíveis conceituações de que vem a ser a “pobreza”. Além disso, seu enfrentamento requer

uma articulação com referenciais teóricos para sua compreensão.

Apesar das estatísticas brasileiras apontarem uma significativa diminuição no quadro de

pobreza e extrema pobreza, no Brasil, sua existência e persistência são fatos e todos têm o

dever de lidar com ela e enfrentá-la, buscando meios para sua superação.

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Conforme pesquisadores como Miguel G. Arroyo (2013), Alessandro Pinzani (2013) e

Walquíria L. Rego (2013), o fenômeno “pobreza” deve ser entendido em seus aspectos social,

histórico e cultural. Sendo assim, não há uma definição única e fechada para a pobreza.

Muitas são as tentativas de defini-la. Mas, de maneira global e genérica, a “pobreza” significa

ausência de capital para o gozo de uma vida digna, o que implica no comprometimento das

necessidades mínimas para sobrevivência na falta de recursos, no subdesenvolvimento

humano, na privação, no baixo nível de renda ou consumo, na vulnerabilidade e exclusão.

Em suma, a “pobreza” pode ser compreendida como a falta de itens básicos, como

comida, água, energia elétrica, trabalho, etc.; exigindo-se, portanto, estratégias de resistência

e sobrevivência. Porém, a “pobreza” vai além do aspecto material. É possível destacar alguns

aspectos frisados pelos pobres como sendo mais importantes do que qualquer melhoria

material. Tais como:

[...] boas condições de trabalho; a liberdade de escolher seu trabalho e as maneiras

de sustentar-se; autodeterminação, segurança e respeito de si; não ser perseguido,

não ser humilhado, não ser oprimido; não ter medo da violência e não ser

explorado; a afirmação de valores religiosos e culturais tradicionais;

empoderamento [empowerment], reconhecimento; ter tempo adequado para o lazer

e formas satisfatórias de utilizá-lo; um sentimento de que sua vida e seu trabalho

têm um sentido; a oportunidade de participar ativamente em grupos voluntários e

em atividades sociais em uma sociedade civil pluralista. [...] Nenhum legislador

pode garantir que todas estas aspirações (ou até uma maioria delas) sejam

satisfeitas, mas políticas públicas podem criar as oportunidades para sua realização.

(STREETEN, 1995, p. 50).

Com base em Arroyo (2012), podemos apreender a pobreza como fruto do sistema

capitalista em que vivemos. Infelizmente, há um forte predomínio de uma visão moralista,

reducionista da pobreza, isto é um grande equívoco, pois, em geral, as pessoas não são pobres

porque querem, mas por falta de oportunidades. Em outras palavras, ainda conforme Arroyo

(2012), “podemos pensar a pobreza como uma produção política das injustas relações de

poder”.

Outro ponto importante, conforme Arroyo (2007), é que determinados grupos sociais

são mais atingidos pela pobreza. No caso do Brasil, a população negra composta por pretos e

pardos e grupos indígenas são os mais atingidos pela condição de pobreza. Outro grupo

bastante atingido são os habitantes da área rural. Já com relação à área urbana, os habitantes

de periferia são mais atingidos.

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A pobreza não se trata apenas de uma questão social, mas de uma questão política.

Não podemos prender-nos apenas ao fator econômico e biológico para definição da pobreza,

pois a mesma possui muitas facetas advindas de muitas causas. Há outros fatores além do

econômico, fatores estes que podem ser classificados como éticos. De acordo com Pinzani

(2013) e Rego (2013), a pobreza é um círculo vicioso de exclusão econômica, social e

política; que vem acompanhada por diversos critérios como: gênero, idade, etnia ou cor da

pele, classe social ou econômica, falta de esperança, variação do rendimento, lugar de

residência e composição e estrutura da família.

Esses fatores corroboram para a perpetuação do analfabetismo total e funcional e,

sucessivamente, da miséria; fortalecendo o ciclo da pobreza e extrema pobreza. Podemos

observar, portanto, que a pobreza nunca vem sozinha. Há uma série de fatores que colaboram

para a estagnação da situação dos pobres. Inclusive, muitos pobres fazem parte do grupo do

chamado de coletividades ambivalentes. Por exemplo, há pessoas que são pobres, negras e

mulheres ao mesmo tempo, sofrendo mais ainda com o preconceito e estigmas. Os indivíduos

pobres são reféns da pobreza devido ao sistema capitalista que é produtor de desigualdades;

que continuamente coíbe o desenvolvimento crítico e, por conseguinte, profissional destes,

tolhendo as possibilidades do desfrute de uma vida digna.

2.2 A SITUAÇÃO DE POBREZA NO CONTEXTO ESCOLAR

Se a pobreza chega à escola, como a escola trabalha os aspectos inerentes a essa

problemática social? Paulo Freire (1996) afirma: “Educar para vida requer um olhar que se

projete para fora da escola e para o futuro”.

Nessa perspectiva, os jovens estudantes que buscam o Projeto de Curso AJA-MS

(Avanço do Jovem na Aprendizagem em Mato Grosso do Sul), procuram mais que

conhecimentos prontos para serem reproduzidos, mas uma formação que contemple sujeitos

ativos, participativos, em crescimento cultural e social. Além disso, há que se considerar que

este projeto atende jovens estudantes com necessidades educacionais específicas, atendendo,

também, as comunidades indígenas, quilombolas, afrodescendentes, do campo, ribeirinhas,

de periferias urbanas, a fim de garantir a formação inicial para o mundo do trabalho e a

efetiva participação social.

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Apesar de o acesso e a permanência dos alunos, sobretudo, dos pobres serem direitos

garantidos pela Constituição, mas não serem na prática, a pobreza chega à escola. Conforme

o Censo Escolar de 2013, 17 milhões de crianças e adolescentes pertencentes ao Programa

Bolsa Família estão matriculadas nas escolas. Embora a maioria do público escolar seja

pobre ou extremamente pobre, são estigmatizados e tratados como invisíveis.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069, de 13 de Julho de 1990, em seu

art. 4º, assegura:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

Contudo, pode-se observar a escola como um espaço de reprodução da pobreza, de

desigualdade social e relações de dominação. A criança e o jovem, sobretudo pobres são

discriminados e têm, por conseguinte, sua liberdade tolhida e sua dignidade humana

subvertida. São tidos como meros objetos, não como sujeitos. Os tratam como se tivessem

baixo intelecto, violentos ou criminosos; desconsiderando sua realidade que é marcada por

problemas: carência material e de apoio moral, desestruturação familiar, etc.

A escola apenas corrobora para a perpetuação do círculo de pobreza e desigualdade

social, pois a educação, na prática, não contribui para emancipação humana2. Dessa forma, a

criança ou adolescente pobre chega à escola, o desafio é mantê-lo nela. Os índices de

reprovação e evasão escolar são altos devido a não identificação do educando pobre com os

conteúdos curriculares da cultura dominante e às grandes adversidades, como a fome,

trabalho infantil, dentre outros, a que são acometidos. Com relação à imposição da cultura

dominante, Enguita (2001) afirma que “o caminho escolhido pela escola foi o da imposição

da cultura escolar [...] a cultura dos grupos dominantes - sobre toda cultura popular, étnica,

grupal.” Desse modo, a cultura do grupo dominante passa a ser transformada, através da

escola, na cultura de todos os cidadãos de um país.

Já sob a perspectiva da escola como um espaço de resistência e transformação social,

isto deveria ser o ideal do Estado, da sociedade e de cada professor. Sob essa perspectiva, a

2 Ato de tornar-se livre e independente, em outras palavras, o gozo de uma vida digna. Giddens (1991)

afirma que “Um processo de emancipação vinculado a uma política emancipatória inclui uma política social de autorrealização e possibilidades de uma vida de satisfação pessoal para todos os indivíduos.”

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criança e o jovem são tidos como sujeitos sociais, possuidores de direitos e deveres. A

Constituição prega que todo ser humano nasce livre. Entretanto, ser livre pressupõe que todos

tenham acesso às prerrogativas que faz do ser humano um ser digno.

Logo, percebe-se que a realidade é bem diferente da teoria. Porém, os professores não

podem perder as esperanças, conformando-se com este sistema. O papel do professor não é

rotular, julgar ou fortalecer a cultura de resignação, ao contrário, é ensiná-los e politizá-los

com vistas para transformação social.

A proposta metodológica, bem como os pressupostos teóricos que fundamentam o

Projeto AJA-MS, baseia-se na concepção sociointeracionista, que compreende a constituição

do sujeito nas diversas relações dialógicas. Nesse sentido, o ensino também é visto como um

processo interativo, que evidencia o sujeito nas mais diversas interlocuções.

Trabalhar nessa perspectiva pressupõe um processo de ensino que se fulcra na

aprendizagem em que o aluno/estudante/sujeito é visto como ser social, histórico e,

culturalmente, presente no ambiente escolar. Diante disso, o trabalho com jovens estudantes

de 15 a 17 anos, remete para além do ato significativo de pensar, ao resgate de sua memória

do passado para que ela possa ser (re) construída no presente.

Estudantes pobres sofrem com os estigmas e preconceito das pessoas que o cercam. A

criança ou adolescente pobre é submetida a inúmeras situações adversas como, por exemplo,

o trabalho infantil. Adversidades estas que prejudicam seu desenvolvimento e corroboram

para repetência e evasão escolar, fortalecendo o círculo vicioso da pobreza.

Portanto, não há uma inclusão efetiva, mas um grave processo de segregação. A

desconsideração e o desrespeito pelas realidades e diversidades em que cada aluno é inserido

são fatos. E tudo isso entre outros fatores convergem para o fracasso escolar, tornando

ilusórias, desse modo, as leis e discursos referentes à democratização do acesso e da

permanência do aluno na escola.

Segundo Pinzani (2013) e Rego (2013), a dificuldade da captura social do termo

“democracia” advém do fato de o cidadão como figura histórica e teórica se originar de uma

intensa luta social das pessoas por liberdade e autonomia. Como falar em democracia se o

Brasil é um país marcado por grandes desigualdades? O Governo Federal tem um slogan:

“Brasil, um país de todos!” Entretanto, podemos afirmar que este discurso é uma pilhéria,

pois as oportunidades em geral, infelizmente, não são as mesmas para todos. A Constituição

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Brasileira versa sobre os direitos e deveres dos cidadãos, mas na prática isto não existe. No

preâmbulo da Constituição de 1988 diz:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos [...].

Muitos estudos apontam para a forte correlação entre situação de pobreza, raça e

dificuldades para a permanência na escola. Assim, sabendo-se da conjuntura que leva a

situação de vulnerabilidade e risco social e dos fatores intervenientes que podem favorecer a

exclusão social e com base nessas diferenças, as políticas educacionais devem ser repensadas

com enfoque no processo de inclusão dos sujeitos. O currículo é uma ferramenta

extremamente relevante para inclusão efetiva do educando pobre, pois através deste

aproximamos o aluno do conhecimento, fazendo com que o conhecimento disseminado na

escola faça realmente sentido para ele. Ou seja, a permanência do educando pobre não basta.

O processo de ensino-aprendizagem deve ser efetivo, objetivando o desenvolvimento

cognitivo, crítico e uma transformação social.

Cabe aos professores e gestores reorganizar o “currículo” e reverem suas práticas

pedagógicas com busca de estratégias para que alcancemos a transformação social, um ideal

contemplado em documentos como a Constituição Brasileira e a LDB - Leis de Diretrizes e

Bases da Educação de n.º 9.394/96.

[...] Considerá-los no centro do processo educativo acarreta reorganizar tempos,

espaços, agrupamentos, conteúdos escolares. Importa também em mudar o lugar de

educandos e educadores na dinâmica do trabalho e, principalmente, em transformar

a vida da escola, entendendo-a como espaço de cultura. (LEITE, 2013, p. 20).

3. ALTERNATIVAS CURRICULARES PARA O ENFRENTAMENTO DA

POBREZA NA ESCOLA

Importa iniciar a discussão desse tópico trazendo um conceito de “currículo”. De acordo

com Moreira e Silva (1999),

[...] currículo deve ser compreendido como o conjunto de todas as experiências de

conhecimento proporcionadas aos estudantes – que está no centro da atividade

educacional. O currículo constitui o núcleo do processo institucionalizado de

educação.

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Em outras palavras, “currículo é tudo que se passa na escola, tratando de todas as

experiências organizadas pela escola que se desdobram em torno do conhecimento escolar.”

(MOREIRA, 2001, p. 68).

Professores, educadores e gestores são grandes responsáveis pela vida e politização

dos educandos. Portanto, todos têm o dever de trabalhar assuntos inerentes à pobreza e

desigualdades sociais e seus desdobramentos, a fim de proporcionar aos educandos a

compreensão de sua realidade social e, assim, obter meios para superar esta grande

problemática social.

O pensamento abrangente sobre o “currículo” é que deve ser construído com o intuito

de sanar ou amenizar as carências de conhecimento, valores e moralidade do educando.

Entretanto, este pensamento é errôneo, reducionista. E, de acordo com Arroyo (2013), a

carência material produz muitas outras carências, trazendo consequências graves no que

tange a humanização, pois se compromete diretamente o direito à vida e à dignidade humana.

Há uma lacuna muito grande entre os conhecimentos contemplados pelo currículo e a

realidade dos educandos pobres. Como pontua Arroyo, os “efeitos desumanizadores da

vivência da pobreza” não podem ser ignorados pelo currículo.

Ignorar ou silenciar o peso dos processos materiais de reprodução da existência é

fazer com que os próprios grupos empobrecidos sejam ignorados. Eles chegam à escola com

séculos de atraso e a escola ignora seus conhecimentos nas formas mais precárias de

reprodução de sua existência, porque essa brutal realidade não está no terreno próprio do

curriculum do conhecimento socialmente produzido. (ARROYO, 2013, p.91).

É imprescindível que o educando pobre entenda o porquê da pobreza. Para isso, é

necessário um repensar e uma reconstrução do currículo escolar, a fim de que este de fato

garanta os direitos do aluno pobre e de que este possa entender sua condição de pobreza. A

história da pobreza e o educando são desprezados pelos currículos.

Como sair da pobreza se a maioria das escolas se prende ao tradicionalismo e estão

mais preocupadas em cumprir uma lista fechada de conteúdos do que politizar os educandos?

Enquanto o currículo se mantiver assim, sem atenção às políticas públicas de tentativa para o

combate à pobreza, aos direitos humanos e sem tratar a pobreza como um fato social e

histórico, os professores devem buscar alternativas para a inclusão dessas temáticas na sala de

aula ainda que de maneira transversal. É necessário engajamento político da parte do

professor, deixando de ser um mero transmissor de conteúdos.

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Vale salientar que, para que o currículo promova transformação social, é necessário

superar a visão moralizante sobre pobreza, tendo em vista que cada indivíduo carrega consigo

uma bagagem cultural que não pode ser rechaçada.

São necessárias políticas públicas que visem promover igualdade de oportunidades na

educação e uma reforma curricular, considerando a diversidade étnico-cultural que compõe as

escolas brasileiras. Arroyo (2007) destaca:

[...] organizar a escola, os tempos e os conhecimentos, o que ensinar e aprender

respeitando a especificidade de cada tempo de formação não é uma opção a mais na

diversidade de formas de organização escolar e curricular, é uma exigência do

direito que os educandos têm a ser respeitados em seus tempos mentais, culturais,

éticos e humanos.

Necessita-se de um currículo que contemple a diversidade com abordagens e

metodologias diversificadas. Muitas vezes o que consta nas legislações são orientações

direcionadas a grupos como se fossem homogêneos. Lidamos com crianças e adolescentes

com etnias, idade, gêneros variados. Dessa maneira Alves afirma:

[...] a problemática da igualdade do acesso à escola não pode ser confundida com

expressão de uma cultura homogênea, de padrão único. Faz-se necessário a adoção

de currículos e metodologias de ensino que levem em consideração as diferenças

regionais, culturais, de gênero, étnicas, raciais e religiosas, os perfis populacionais

etários e os contextos onde as aprendizagens se realizam. (ALVES, 2007, p.5 e 6).

Não é tão simples inserir o tema “pobreza” no currículo. Portanto, mapearmos as

pesquisas já realizadas sobre a mesma nas áreas da educação, como sociologia, antropologia,

economia, política, dentre outras, observando como os conhecimentos produzidos por área

contribuem bastante para facilitar a articulação entre pobreza e currículo.

O currículo deve abordar questões inerentes à pobreza, problemáticas que a

justifiquem e provocadas por ela, como por exemplo: o capitalismo e as desigualdades sociais

advindas desse sistema; políticas públicas, como por exemplo, programas sociais como o

Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida; o trabalho infantil, adolescente e juvenil,

desemprego a que os pobres são submetidos; os fluxos migratórios em busca da

sobrevivência; os movimentos sociais em prol da democratização social; a discriminação

racial, enfim, subtemas de teor político, econômico, social e cultural.

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Arroyo (2012) afirma que “há muita produção de conhecimento sobre a pobreza por

meio de pesquisas e análises, nas diversas áreas do conhecimento, como sociologia, História,

Geografia, Antropologia [...].” Cabe ao professor ir atrás de temas relacionados a ela e

fomentar momentos de discussões e reflexões na sala de aula, promovendo a politização de

seus educandos pobres e também não pobres.

Uma grande ferramenta que colabora para o combate da pobreza é o conhecimento

dos Direitos Humanos. É fundamental que o currículo contemple esse viés com uma maior

abrangência. O estabelecimento de contato com documentos como a “Declaração Universal

dos Direitos Humanos” é um caminho para combatermos e/ou amenizarmos a violação dos

Direitos Humanos, no que se refere à pobreza entre temas. Vale destacar que, primeiramente,

o educador deve conhecer profundamente o documento e todas essas questões relativas a ela

para que, assim, se aborde e desenvolva essa temática com propriedade e clareza na sala de

aula.

Quando se traz esses conhecimentos à tona, empodera-se o educando pobre a fim de

lutarem contra as mazelas da pobreza e desigualdade social. Muitos dos educandos sentem-se

inferiores em relação aos outros. Creem na predestinação e sentem-se resignados, ou seja,

“nasci pobre e vou morrer assim”. Indivíduos pobres sequer compreendem o significado da

palavra “cidadão” e tampouco entendem que têm plenos direitos a uma vida digna. Quando

passamos a apresentar os Direitos Humanos e a discutir questões referentes à cidadania,

podemos despertar em nos educandos o desejo pelo “novo”, pela mudança, por uma vida

digna e melhor.

Vale destacar que o professor sozinho na difusão e conscientização do conhecimento

dos Direitos Humanos não consegue combater a violação destes. Mais uma vez, nota-se a

importância do trabalho coletivo, ou seja, o Estado oferecendo suporte à escola, como por

exemplo, ações afirmativas às classes abastadas da sociedade. Portanto, a inclusão dos

Direitos Humanos e da Cidadania são elementos imprescindíveis para ajuda no combate da

pobreza a serem incluídos no currículo.

Ainda segundo a Constituição Federal em seu art. 22, que estabelece os fins da Educação

Básica:

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“A educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação

comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores.”

A inserção do tema “movimentos sociais” no currículo auxilia o educando na

compreensão da pobreza e sua superação, pois é uma ‘arma’ muito importante na luta pela

educação emancipadora, que luta pelos direitos de grupos sociais que são segregados pela

sociedade em geral, os menos abastados. Esses movimentos são a favor dos educandos

pobres e seu desenvolvimento intelectual e social. Com relação aos direitos dos cidadãos, o

universalismo abstrato é visível, visto que se pode observar a falta de reconhecimento de

muitos direitos. E os movimentos sociais surgem da necessidade dos grupos sociais serem

atendidos no que diz respeito a seus desejos e direitos em geral por meio da implementação

de políticas públicas referentes a seus interesses. No que tange ao contexto escolar, os

movimentos sociais têm papel primordial no rompimento de barreiras como a pobreza que,

por sua vez, corrobora para o trabalho infantil e, inclusive, a exploração sexual e,

possivelmente, a evasão, a repetência, a defasagem na aprendizagem da criança, sem falar em

outros problemas.

Os “movimentos sociais” são ferramentas importantes no combate ou atenuação de

preconceitos e estigmas que a criança sofre com base em critérios sociais, étnicos e culturais.

Portanto, os movimentos sociais se articulam com a escola. Em outras palavras, conforme

Leite (2013), “procuram ocupar a escola, deixando nela sua marca.” Entendem a escola como

um espaço de transformação social, pois esta é um grande ideal dos movimentos sociais,

lutando pela democratização da sociedade, ou seja, a igualdade de direitos para todos.

É muito importante o apoio da comunidade e dos “movimentos sociais” para a escola,

promovendo uma articulação dos mesmos no trabalho de inserção social e desenvolvimento

do educando pobre num espírito de cooperação e atenção para as reais necessidades do aluno.

Uma ferramenta imprescindível é trabalhar, com mais afinco, o tema “cidadania” na

escola. Isto pressupõe um princípio igualitário. “Todas as pessoas são iguais em algum nível;

por exemplo, todas são iguais em direitos civis, políticos e sociais.” (ARROYO, 2012, p.15).

Contudo, se os pobres enfrentam inúmeras dificuldades para frequentar a escola, logicamente

que as noções de cidadania, bem como os direitos e deveres básicos não são difundidos em

suas mentes. Além disso, a escola pública, em geral, não está preocupada em formar cidadãos

com mentes efetivamente pensantes, pois os alunos pobres, infelizmente, são muito mais

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adestrados do que politizados. Ou seja, tem acesso meramente a uma educação tecnicista, ou

seja, aquela que enxerga pessoas como máquinas, meros objetos para mão de obra barata e

especializada para o mercado de trabalho; e não a uma educação onde o seu maior foco é a

promoção de cidadania, com pessoas politizadas e capazes de alcançar muito mais do que um

emprego formal, mas independência intelectual, pessoas que sabem posicionar-se

criticamente perante os desmandos e injustiças da sociedade.

Obviamente, que a cidadania é uma noção muito distante do aluno pobre, pois

momentos de debates sobre esse tema na escola são raros e, na prática, na experiência social

deste educando, não existe. Daí a necessidade de dialogar mais sobre isso para que o pobre se

fortaleça, a fim de ir à luta pelos seus direitos. É sabido que o caminho mais provável para

superação da pobreza é a educação, a promovedora de transformação social.

Em suma, é necessário que haja equidade, uma política justa entre os educandos.

Equidade pressupõe uma educação de qualidade para todos. Para tanto, o currículo necessita

ser reformulado para que seja um aliado na luta contra pobreza, deixando de trazer apenas

conteúdos elitizados, da ‘cultura dominante’, mas também trabalhar conhecimentos

condizentes com a realidade do educando, partindo de suas experiências sociais.

O currículo deve prezar por uma escola emancipadora, que é aquela que proporciona

ao aluno possibilidades de alcançar, sobretudo, independência intelectual. É aquela que

proporciona ao aluno compreender que possuem deveres, mas também direitos, com desfrute

de uma cidadania plena. Uma escola emancipadora é aquela que não se prende aos conteúdos,

mas é aquela que instiga o aluno a buscar conhecimentos autonomamente. É aquela que

estimula o aluno a buscar e lutar pelos seus direitos. Além disso, pode-se dizer que essa

escola é aquela que respeita e valoriza a diversidade de seu público, bem como suas

características étnicas, culturais e sociais. Em suma, uma escola emancipadora é aquela que

promove a inclusão, a politização e a transformação social.

Aqui ressaltamos o exercício do currículo de uma escola transformadora que

convoque a imaginação, em outras palavras, que potencializa a prática pedagógica em criar,

desafiar e a desenvolver as competências trazidas pelos (as) jovens/estudantes, para que eles

(as), agentes transformadores de sua realidade, possam ser mais independentes, mais críticos

(as) e, principalmente, seres ativos nas mais diversas relações sociais.

Além do currículo dos respectivos blocos que os adolescentes estejam cursando,

outras atividades deverão ser ministradas, por meio de oficinas pedagógicas, culturais e

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esportivas visando ao desenvolvimento integral das habilidades já apresentadas por eles (as) e

que tem a ver com o contexto social destes (as) estudantes.

Para que a escola atue de forma efetiva como promotora de um processo em constante

transformação, utiliza-se no projeto, a teoria da problematização que apresenta o processo de

aprendizagem vinculado a uma nova concepção de ensino, que supera o processo tradicional.

Portanto, salienta-se que o projeto potencializa as competências, trazidas pelos (as)

estudantes que visam ao crescimento intelectual, as iniciativas para o mundo do trabalho e,

principalmente, uma educação de qualidade.

Diante dessas considerações, a teoria da problematização modifica a concepção

clássica de aula que se fundamenta na exposição de conteúdo, por isso, ressalta-se que

mesmo o Curso AJA-MS tendo um currículo fundamentado nas bases comuns e dividida em

blocos de conhecimento, o/a professor (a) transforma esses conteúdos em situações de

desafio, para que os (as) estudantes, coletivamente e de forma interativa, possam construir a

resolução da situação problema.

Trata-se, portanto, de introduzir uma nova estruturação para o planejamento e para as

aulas, que consistem em um conjunto de problemas que serão definidos em cada unidade,

tendo em vista o perfil proposto a cada jovem estudante, bem como as competências previstas

para a sua formação intelectual. A ementa curricular deve enfatizar o pensar e promover a

interação entre os saberes docentes e discentes na busca de conteúdos significativos.

Esse currículo entendido, ainda, como um processo de construção coletiva do

conhecimento escolar, articulado à cultura, à ciência, ao trabalho e à tecnologia, constitui-se

no elemento principal de mediação entre educadores e estudantes e deve ser organizado de tal

forma que possibilite aos educadores o conhecimento significativo às suas práticas diárias.

4. METODOLOGIA

Foram elaborados dois questionários (apêndices I e II), um para os alunos e o outro para a

equipe pedagógica, que abordam questões referentes à prática educativa e a viabilização de

meios para que esta realmente promova um currículo capaz de modificar o seu entorno.

Apresentamos a seguir um resumo dos resultados coletados a partir do trabalho descrito

anteriormente, a título de apresentar parte do instrumento utilizado. Para a realização da

Trabalho de Conclusão de Curso

análise dos resultados, às respostas “concordo totalmente”, “concordo mais ou menos” ou

“não concordo” foi atribuída uma pontuação em percentuais, traduzida, respectivamente,

como 100 %, 50% e 0%. A média destas notas gerou uma média percentual para cada área

temática que compunha o questionário aplicado. Realizou-se uma pesquisa exploratória, que

teve como finalidade verificar o meio de amostragem em que medida a escola cumpre as

seguintes funções:

a) Escola como transformadora da realidade social;

b) Escola como promotora de um currículo diferenciado.

Segundo Mattar, (1994, p.259), “amostra é qualquer parte de uma população” e “amostragem

é o processo de colher amostras de uma população”, ou seja, os valores das amostras são

estimativos dos valores reais da população.

No presente trabalho, a amostragem é composta por (vinte oito) alunos da instituição de

ensino pesquisada, correspondendo a 24% do total de alunos que frequentam o período

vespertino do projeto AJA. E também a análise do questionário II, correspondente a 25 % dos

professores que atuam no referido período.

5. RESULTADOS

Mediante a análise das entrevistas, podemos constatar que o percentual de alunos que se

sentem respeitados na escola é de 65%, já para segunda pergunta da entrevista, 80%

concordam que as aulas e atividades extraclasses promoveram uma melhor socialização e

engajamento na sociedade, considerando que muitos alunos tornaram-se mirins, e outros

começaram a trabalhar em empresas como jovens aprendizes. Para a questão referente à

escola como modificadora da condição social das pessoas, o resultado é 10, ou seja, todos os

entrevistados concordaram plenamente com essa pergunta. Para a pergunta quatro que

abrange diretamente a politização e discussão no âmbito escolar, 70% dos alunos concordam

plenamente, e o mesmo resultado foi observado na pergunta subsequente sobre as aulas e

atividades extraclasses do projeto AJA que auxiliam para desenvolver o seu senso crítico.

Foi encontrado um ponto que necessita ser trabalhado, considerando que 40% dos alunos

não se veem como cidadão munido por direitos e deveres. Diante desses dados, podemos

observar que a escola precisa favorecer a ampliação dos direitos educacionais, bem como os

sociais.

Trabalho de Conclusão de Curso

60% dos alunos entrevistados se sentem politizados na escola quando desenvolve

trabalhos como jogos, desafios, teatro, DJ na rádio da escola, cantores de rap, promotores de

campanhas para arrecadação de fundos, organizadores de festivais, dentre várias atividades

que propõem uma solução conjunta para um problema ou tarefa. Também concordam

plenamente que no projeto AJA todos os professores discutem sobre os problemas

relacionados à sociedade em geral.

Em relação à pergunta referente às aulas e atividades extraclasses do projeto AJA e seu

aspecto diferenciado de outras escolas, 70% respondeu que concordam plenamente. Na

última pergunta 80% concordaram plenamente que o projeto AJA influencia as suas

perspectivas de futuro.

As políticas públicas direcionadas para desenvolver cada vez mais métodos e meios que

efetivamente mudam os resultados do trabalho pedagógico são apontadas como positivas se

observarmos o resultado das entrevistas com o corpo docente.

De maneira unânime, o corpo docente considera o trabalho pedagógico como

responsabilidade de todos os integrantes da escola, o que confirma as respostas sobre prática

educativa interdisciplinar de forma que todos atuem em prol do engajamento social dos

alunos e também concordam plenamente que os alunos aprendem melhor quando eles

mesmos encontram soluções para os problemas, e assim também para a questão referente às

possibilidades dos alunos para pensar soluções para problemas práticos antes de o professor

mostrar-lhes como devem ser solucionados, corroborando a metodologia da problematização

aplicada ao currículo escolar.

Em outra questão, a média de 50% já mostra um ponto a ser melhorado referente ao

ambiente de ensino multicultural, e também as respostas concordam mais ou menos ficaram

neste percentual quando os professores responderam sobre a influência do projeto AJA em

relação às perspectivas de futuro dos alunos, e também permanecem divididos quando

respondem sobre os alunos ficarem mais politizados.

A média de 60% professores entrevistados respondem que propõem discussões relativas

às dimensões local e global da sociedade como um todo.

O maior desafio é indubitavelmente como estruturar o processo pedagógico para que ele

tenha os efeitos desejados trazendo a escola juntamente com a comunidade como

possibilitadora de transformação da realidade social dos alunos e de suas famílias fazendo

que a participação das famílias e da comunidade no projeto AJA possibilite uma nova

Trabalho de Conclusão de Curso

percepção do entorno social como forma de combate à pobreza. Aqui tivemos um resultado

de 25%.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo foi pensado partindo do fato de que a educação tem o poder para

transformar vidas e de que a temática sobre a pobreza que chega às escolas é ignorada pelos

currículos. Desse modo, foram traçados caminhos para a articulação entre a pobreza e o

currículo. Esta pesquisa dividiu-se em três partes para explanação da temática pobreza e sua

contemplação no currículo nas escolas.

Primeiramente, conceituou-se a pobreza, que conforme Pinzani (2013) e Rego (2013),

este fenômeno deve ser entendido em seus aspectos social, histórico e cultural, que por sua

vez afeta drasticamente o processo de dignidade e emancipação humana do educando. Tendo

em vista que a pobreza tem aprisionado milhares de vidas, faz-se necessária a busca de

estratégias para seu combate ou amenização.

Depois, discutiu-se sobre a pobreza na escola, revelando as problemáticas em torno da

pobreza, a segregação e a invisibilidade sofrida pelo educando pobre. Para se falar de

currículo inovador, foram propostas algumas alternativas para o enfrentamento da pobreza,

como a contemplação e aprofundamento em temas vitais para a formação de cidadãos críticos

e politizados capazes de serem libertos das mazelas da pobreza.

É de suma importância que o educando se enxergue como cidadão munido por

direitos e deveres. Para tanto, este necessita compreender a pobreza e seus desdobramentos,

saber que por meio do conhecimento da pobreza, de mundo e do senso crítico é possível

abandoná-la. Portanto, o currículo escolar necessita ser repensado, partindo do olhar e

vivência do próprio educando pobre.

Foi analisada uma escola que possui uma metodologia, um projeto ainda muito novo,

mas que demonstra na pesquisa o seu comprometimento para o desenvolvimento pleno dos

alunos. Porém ainda precisa envolver mais a comunidade escolar para que todos possam falar

a mesma linguagem, resignificando saberes e práticas. Desse modo, a instituição escolar é

desafiada a reconhecer os saberes da comunidade, além daqueles trabalhados nos seus

currículos, e assim propiciar um dialogo no qual todos possam manifestar-se, contribuindo

para uma transformação tanto dos conteúdos escolares quanto da vida social. Essa relação de

Trabalho de Conclusão de Curso

construção de saberes desvela um novo caminho a ser trilhado, com escola e comunidade

caminhando juntas. Assim, podem ir em busca de experiência de diálogo, trocas e construção

de saberes, estabelecendo uma comunidade de aprendizagem na qual as pessoas que atuam

na escola e as que vivem na comunidade se interajam e se engajem para construir um novo

quadro social onde sejam superados os preconceitos, em sua maioria calcados em

estereótipos de classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual, dentre outros.

Encontramos inúmeros problemas sociais e econômicos que comprometem a

educação, mas sabemos do grande poder de influência do professor que precisa pensar e agir

em um contexto micro e macro de forma simultânea. Por isso como afirma Perrenoud, o

professor tem que se preparar para intervir na discussão local e global. Como discorremos

neste artigo, a consecução de um currículo direcionado para uma práxis educativa

sistematizada em uma escola transformadora que, por conseguinte, coaduna numa sociedade

transformadora, sabendo- se que precisamos ter educadores que transformem sua ação

educativa.

Conclui-se, portanto, que o currículo deve prezar temáticas que convirjam com a

produção da pobreza e que tracem novas abordagens para o enfoque da mesma. No projeto

AJA, a articulação entre pobreza e currículo é um assunto amplamente discutido para a

propiciação da redução da primeira e, por conseguinte, a ascensão social e salvação da

dignidade humana do educando pobre.

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