Determinação Do Valor Presente de Uma Perpetuidade

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UNIVERSIDADE DE UBERABA CURSO DE ADMINISTRAÇÃO A DISTÂNCIA Uma nota sobre a determinação do valor presente de uma perpetuidade. Prof. Joaquim Osvaldo Pereira de Gouvêa Introdução Os problemas convencionais de matemática financeira que exigem a determinação do valor presente classificam-se em três categorias: 1. Dado um valor futuro calcular o valor presente. Essa questão é resolvida mediante o emprego da expressão . A figura 1 ilustra a questão. Figura 1. Diagrama do fluxo de caixa de um pagamento simples. 2. Dada uma série futura de n pagamentos (ou recebimentos) desiguais R , calcular o valor presente. Resolve-se essa questão somando-se os valores presentes dos pagamentos (ou recebimentos ) futuros. Assim, . A figura 2 mostra o diagrama dos fluxos de caixa dessa questão. Figura 2. Diagrama de fluxos de caixa de uma série de pagamentos desiguais. 1

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Determinação do valor presente de uma perpetuidade

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Uma nota sobre a determinação do valor presente de uma perpetuidade.

Prof. Joaquim Osvaldo Pereira de Gouvêa

Introdução

Os problemas convencionais de matemática financeira que exigem a determinação do valor presente classificam-se em três categorias:

1. Dado um valor futuro calcular o valor presente. Essa questão é resolvida mediante o

emprego da expressão . A figura 1 ilustra a questão.

Figura 1. Diagrama do fluxo de caixa de um pagamento simples.

2. Dada uma série futura de n pagamentos (ou recebimentos) desiguais R

, calcular o valor presente. Resolve-se essa questão somando-se os valores presentes dos pagamentos (ou recebimentos ) futuros. Assim,

. A figura 2 mostra o diagrama dos fluxos de caixa dessa questão.

Figura 2. Diagrama de fluxos de caixa de uma série de pagamentos desiguais.

3. Dada uma série uniforme de n pagamentos (ou recebimentos ) iguais R, calcular o valor presente. Para resolver a questão, emprega-se a expressão

. A figura 3 representa graficamente o problema.

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Figura 3. Diagrama de fluxos de caixa de uma série uniforme de pagamentos.

Os três problemas mencionados são facilmente solucionados com o emprego de calculadoras financeiras. Todavia, existe uma classe de problemas para os quais as calculadoras financeiras não possuem funções programadas e que são resolvidos mediante o emprego de fórmulas. Esses problemas envolvem a determinação do valor presente de séries de fluxos de caixa não convencionais: são séries infinitas de pagamentos iguais, também chamadas perpetuidades.

Existem pelo menos três motivos que justificam saber como achar o valor presente de perpetuidades:

1) Em primeiro lugar, para calcular o valor intrínseco de uma ação negociada em bolsa de valores. O valor intrínseco de uma ação é o valor presente dos fluxos esperados de dividendos futuros, ainda que esses dividendos não possam ser determinados com certeza;

2) Segundo, para calcular o preço de um título de dívida pública. O preço de uma obrigação do tesouro nacional, por exemplo, é o valor presente dos rendimentos futuros prometidos pelo título;

3) Por último, o valor presente de perpetuidades é usado para avaliar a viabilidade de projetos de investimentos que fornecem benefícios por um período de tempo inestimável, como a construção de uma rodovia, por exemplo.

Uma vez que os textos tradicionais de matemática financeira não abordam o assunto, o objetivo desta nota é mostrar, por meio de exemplos, como encontrar o valor presente de uma série infinita uniforme de fluxos de caixa futuros e o valor presente de uma série infinita de fluxos de caixas futuros que crescem a uma taxa constante ao longo do tempo.

1 Valor presente de uma perpetuidade sem crescimento

Sendo R o valor que será recebido por um período de tempo infinito (figura 1.1) e i a taxa de desconto, o valor presente da série infinita de recebimentos é calculado pela

expressão . (1.1)

Figura 1.1. Diagrama de fluxos de caixa de uma série infinita uniforme de recebimentos.

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Exemplo 1.1

O preço teórico de um título de dívida é o valor descontado dos fluxos de caixa prometidos pelo título, em que a taxa de desconto é a taxa de retorno exigida pelo investidor. Suponha que um título de dívida pública prometa pagar aos compradores do título juros anuais perpétuos de 10% a.a. sobre o valor de face do título. O valor de face do título é R$ 1.000,00. Qual o preço teórico do título, sabendo-se que os investidores exigem uma taxa de retorno de 8% a.a.?

Resolução.

Temos

R = Rendimento anual do título = 0,10 × R$ 1.000,00 = R$ 100,00;

i = taxa de desconto = 0,08/

Queremos achar o preço teórico PV. Substituindo os valores de R e i na expressão (1.1), vem:

O preço teórico do título é, portanto, R$ 1.250,00.

Aqui cabe uma importante observação. A expressão calcula o valor presente da série perpétua de recebimentos no instante imediatamente anterior ao instante de início da série. Assim, se a série de pagamentos perpétuos começar no instante 5, o valor presente dessa série será calculado no instante 4; se a série de pagamentos começar no instante 3, o valor presente dessa série será fornecido no instante 3 e assim por diante. Tomando como exemplo o caso da série perpétua que inicia no instante 5, se desejarmos determinar o seu valor presente na data zero, teremos que realizar um procedimento de dois passos:

Primeiro passo: Aplicar a expressão . O resultado será o valor presente no instante 4.

Segundo passo: Transportar o valor presente calculado no instante 4 ( valor futuro)

para a data zero mediante o emprego da expressão .

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Exemplo 1.2

Um investidor, ao avaliar a possibilidade de comprar ações da Cia. de Inovações Tecnológicas S.A., estima que a empresa somente comece a apresentar lucros daqui a cinco anos (a empresa é nova no mercado). Ele projeta que a partir do quinto ano a empresa distribuirá aos seus acionistas dividendos anuais de R$ 1,25 e que esses dividendos serão pagos para sempre. Se comprar as ações, o investidor não pretende delas se desfazer. A taxa de retorno que exige é de 12% a.a. Qual o preço máximo que o investidor está disposto a pagar pelas ações dessa empresa?

Resolução

A figura 1.2 ilustra o problema.

Figura 1.2. Diagrama dos fluxos de dividendos da Cia. de Inovações Tecnológicas S.A.

Comecemos por calcular

o valor presente dessa série infinita de recebimentos empregando a

expressão (1.1). Temos R = 1,25 e i = 12% = 0,12. O resultado é o valor presente no instante 4.

Assim, o valor presente no instante 4 é igual a

Transportemos agora R$ 10,42 para a data zero mediante a expressão . Assim,

vem:

O transporte de R$ 10,42 para a data zero também pode ser feito empregando-se a

calculadora financeira HP12-C, mediante a seguinte rotina:

Operação Digitar Pressionar

tecla

Visor

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Entrar com o valor futuro 10.42 FV 10,42

Entrar com a taxa de desconto 12 I 12,00

Entrar com o número de

períodos

4 n 4,00

Calcular o valor presente PV - 6,62

Trocar o sinal CHS 6,62

Exemplo 1.3

Um investidor espera que a Cia. de Produtos de Alimentação Coisas Gostosas S.A.

pague dividendos de R$ 0,80, R$ 0,90, R$ 1,00 nos próximos três anos. Além disso, a

expectativa do investidor é que a partir do quarto ano o dividendo cresça para R$ 1,20 e que

esse valor seja pago indefinidamente. Calcular o preço teórico das ações da companhia,

sabendo-se que o investidor deseja uma taxa de retorno de 10% a.a.

Resolução

O problema é ilustrado na figura 1.3.

Figura 1.3 Diagrama dos fluxos de dividendos esperados da Cia de Produtos de Aliementação

Coisas Gostosas S.A.

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Calculemos inicialmente o valor presente dos dividendos perpétuos. Substituindo R = 1,2 e i =

10% = 0,12 na expressão (1.1), encontramos o valor presente no instante 3:

.

Assim, o diagrama de fluxos de caixa da figura 1.3 se converte no diagrama de fluxos de caixa da figura 1.4.

Figura 1.4 Diagrama dos fluxos de dividendos equivalente

Para determinar o preço teórico das ações na data zero, basta calcular o valor presente da

série de fluxos de dividendos futuros. Lembrando que o valor presente da série de fluxos de

dividendos futuros é a soma dos valores presentes dos dividendos futuros, temos:

Portanto, o preço teórico das ações na data zero é igual a R$ 11,24.

Também podemos achar o valor presente dos fluxos de dividendos da figura 7 com a

calculadora HP12-C por meio da função NPV. NPV é a abreviatura de Net Present Value ou

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valor presente líquido. Usaremos as teclas f, g, CF0, CFj e i, em que CF0 é a abreviatura de

Cash Flow 0 (fluxo de caixa na data zero), CFj é a abreviatura de Cash Flow j (fluxo de caixa j), i

é a taxa de juros ou de desconto. A rotina de cálculo é a seguinte.

Operação Digitar Pressionar tecla Visor

Entrar com o valor do fluxo de caixa na data zero 0 g CF0 0,00

Entrar com o valor 0,8 .8 g CFj 0,80

Entrar com o valor 0,9 .9 g CFj 0,90

Entrar com o valor 13,00 13 g CFj 13,00

Entrar com a taxa de desconto 10% 10 i 10,00

Calcular o valor presente f NPV 11,24

2 Valor presente de uma perpetuidade com crescimento constante

Sendo R o valor que será recebido por um período de tempo infinito (veja a figura 2.1) e que cresce a uma taxa constante g, dada a taxa de desconto i, o valor presente da série

infinita de recebimentos é calculado pela expressão . (2.1)

A expressão (2.1) também é conhecida como modelo de crescimento de Gordon, em homenagem a Myron J. Gordon, que a popularizou.

Figura 2.1. Diagrama de fluxos de caixa de uma série infinita uniforme de pagamentos com crescimento constante.

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Vale repetir a observação feita na seção 1 a respeito da expressão (1.1). A fórmula

calcula o valor presente da série perpétua de recebimentos no instante imediatamente anterior ao instante de início da série. Assim, se a série de pagamentos perpétuos começar no instante 6, o valor presente dessa série será calculado no instante 5; se a série de pagamentos começar no instante 4, o valor presente dessa série será fornecido no instante 3 e assim por diante. Tomando como exemplo o caso da série perpétua que inicia no instante 6, se desejarmos determinar o seu valor presente na data zero, teremos que realizar um procedimento de dois passos:

Primeiro passo: Aplicar a expressão . O resultado será o valor presente no instante 5.

Segundo passo: Transportar o valor presente calculado no instante 5 ( valor futuro)

para a data zero mediante o emprego da expressão .

Exemplo 2.1

A Cia. Alfa S.A. promete pagar no início do próximo ano dividendos sobre suas ações ordinárias iguais a R$ 1,05. A expectativa de mercado é que os dividendos cresçam 5% a.a. para sempre. A taxa de retorno de mercado é 8% a.a. Qual o preço teórico dessas ações?

Resolução.

Temos R = 1,05; g = 5% = 0,05 e i = 8% = 0,08. Substituindo esses valores na expressão (2.1), vem:

Assim, o preço teórico na data zero foi calculado em R$ 35,00.

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Vejamos agora um exemplo em que os recebimentos começam a ocorrer em uma data futura.

Exemplo 2.2

Espera-se que a Cia. Têxtil de Belávia S.A. não pague dividendos nos próximos quatro anos e que comece a pagar dividendos de R$ 0,85 daqui a cinco anos. Espera-se também que os dividendos a partir daí os dividendos cresçam 5% ao ano por um prazo indefinido. A taxa de retorno exigida é de 10% a.a. Determinar o preço teórico dessas ações.

Figura 2.2 Diagrama de fluxos de caixa dos dividendos esperados da Cia Têxtil de Belávia S.A.

Calculando o valor presente da série perpétua mediante a expressão (2.1), vem:

R$ 17,00 é o preço teórico calculado no ano 4, conforme mostra a figura 2.3.

Figura 2.3 Diagrama de fluxos de caixa equivalente ao diagrama da figura 2.2

Para calcular o valor presente na data zero, aplica-se a expressão do valor presente para um

pagamento simples, qual seja, .

Temos FV = 17,00, i = 10% = 0,10 e n = 4. Substituindo esses valores na expressão do valor presente, vem:

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. O preço das ações da empresa é R$ 11,61.

O exemplo que segue mostra o caso em que a perpetuidade começa em uma data futura e há fluxos de caixa precedentes.

Exemplo 2.3

Espera-se que o investimento A será capaz de gerar fluxos líquidos de caixa iguais a R$ 1.000,00, R$ 1.200,00, R$ 1.400,00 e R$ 1.600,00 nos próximos quatro anos. No quinto ano o fluxo líquido de caixa estimado é igual a R$ 1.800,00. Espera-se também que a partir do quinto ano o fluxo de caixa líquido crescerá a uma taxa de 6% ao ano por um prazo indefinido. A taxa de exigida de retorno é 10% ao ano. Determinar o valor presente dos fluxos líquidos de caixa de investimento.

Resolução

A figura 2.4 ilustra o problema. A partir do quinto ano, o fluxo líquido de caixa crescerá

5% ao ano. Assim, o seu valor no sexto ano será ; no sétimo ano

será igual a ; no oitavo ano o seu

valor será e assim por diante.

Figura 2.4 Diagrama dos fluxos líquidos de caixa esperados do projeto de investimento A

Calculemos inicialmente o valor presente da série perpétua de fluxos de caixa que se inicia na data 5 por meio da expressão (2.1). Dados o valor do fluxo líquido de caixa perpétuo R = 1.800,00, a taxa de desconto i = 10% = 0,10 e a taxa de crescimento g = 6% = 0,06, vem:

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Como a série de fluxos líquidos de caixa perpétuos começa no ano 5, R$ 45.000,00 é o

valor presente dessa série no ano 4. Sendo assim, R$ 45.000,00 devem ser somados ao valor

do fluxo líquido de caixa do ano 4, qual seja, R$ 1.600,00. Dessa forma, o diagrama de fluxos

de caixa da figura 2.4 torna-se equivalente ao diagrama da figura 2.5.

Figura 2.5 Diagrama de fluxos líquidos de caixa equivalente ao diagrama da figura 2.4.

Como o valor presente de uma série determinada de fluxos de caixa é a soma dos

valores presentes desses fluxos de caixa, aplica-se a expressão para

determinar o valor presente na data zero.

Com a calculadora financeira HP12-C desenvolve-se a seguinte rotina de cálculo:

Operação Digitar Pressionar

tecla

Visor

Cálculo do valor presente dos fluxos de caixa

perpétuos

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Entrar com o valor do fluxo de caixa da data 5 1800 ENTER 1.800,00

Entrar com a taxa de desconto 0,10 .1 ENTER 0,10

Entrar com a taxa de crescimento 0,06 .6 ENTER 0,60

Achar a diferença 0,10 - 0,06 - 0,04

Entrar com a taxa de desconto 10% 10 i 10,00

Calcular o valor presente ÷ 45.000,00

Cálculo do valor presente dos fluxos de caixa dos anos

1 ao 4

Entrar com o valor do fluxo de caixa na data zero 0 g CF0 0,00

Entrar com o fluxo de caixa da data 1, valor 1.000 1000 g CFj 1.000,00

Entrar com o fluxo de caixa da data 2, valor 1.200 1200 g CFj 1.200,00

Entrar com o fluxo de caixa da data 3, valor 1.400 1400 g CFj 1.400,00

Entrar com o fluxo de caixa equivalente da data 4, valor

46.600

46600 g CFj 46.600,00

Entrar com a taxa de desconto 10% 10 I 10,00

Calcular o valor presente f NPV 34781,09

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Observações conclusivas

Esta nota teve por objetivo mostrar como fluxos de caixa futuros não convencionais, especificamente fluxos de caixa perpétuos, podem ser transformados em fluxos de caixa equivalentes àqueles que são resolvidos pelas funções das calculadoras financeiras, mediante

aplicação das fórmulas de valor presente de perpetuidade, e . Por meio de uma adequada transformação, é possível usar as rotinas das calculadoras financeiras para determinar o valor presente de fluxos de caixa não convencionais.

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