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DETERMINANTES DA FORMULAÇÃO DE POLÍTICA EXTERNA
Matheus Lucas Hebling1
RESUMO: A análise de política externa é entendida como o estudo fundamentalmente teórico da condução e prática das relações entre diferentes atores, primariamente Estados, no sistema internacional, focando em fazer generalizações aplicáveis a mais de um país. O objetivo desse trabalho é fazer uma revisão teórica tentando determinar quais são os determinantes da sua formulação, com a hipótese de que as diferentes abordagens para a análise de política externa devem ser consoantes e não excludentes. Para tanto, a revisão será feita a partir de diferentes níveis de análise, como a personalidade do líder, percepções, o impacto de arranjos institucionais, cultura, identidade, discurso, opinião pública, grupos de interesse, assim como quadros multiníveis oriundos da teoria de jogos.
PALAVRAS-CHAVE: política externa; FDA; processo decisório.
INTRODUÇÃO
O estudo das relações entre Estados é tão antigo quanto a própria existência das
nações. Entretanto, a análise de política externa2 (APE ou FPA, na sigla em inglês)
nasceu como escopo de pesquisa após a Segunda Guerra Mundial, fundada pelos
trabalhos de Snyder (1954), Sprout (1956), Rosenau (1966), que enfatizaram a
importância dos atores envolvidos no processo decisório da política externa, a
contextualizaram e encorajaram para a criação de teorias de médio-alcance,
respectivamente. De acordo com Breuming (2007), o objetivo da análise é ganhar
conhecimento generalizável aplicável sobre como decisões são feitas, porque líderes
tomam as decisões que tomam e por que Estados se empenham em diferentes
1 Universidade Federal de São Carlos, [email protected], graduado em Ciências
Sociais e mestrando em Ciência Política. Bolsista do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 2 Para Neack (2006), o estudo da política externa é essencialmente situado no campo das
relações internacionais, sendo uma disciplina ponte entre o estudo das relações internacionais e da política comparada. Para a análise presente, a pressuposição é que a política externa pode ser estudada também no campo da Ciência Política como grande área conhecimento, que inclui as Relações Internacionais.
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comportamentos em política externa, assim como avaliar as oportunidades e
constrangimentos apresentados pelo sistema internacional. Ao tornar o conhecimento
generalizável, tem-se a possibilidade de reexame das hipóteses e questões existentes
derivadas da experiência do pesquisador, chegando ao objetivo maior da análise em
política externa: comparar e contrastar sistematicamente.
A análise de política externa, assim como a política externa em si, acontece em um
contexto político. Líderes governamentais e acadêmicos são influenciados pelo
ambiente e tempo em que estão inseridos, assim como por percepções que possuem
sobre o mundo. De maneira geral, a política externa é feita e conduzida em um
ambiente nacional e internacional complexos, dado o fluxo constante de grupos de
interesses, coalizões e atores políticos que participam da sua formulação e
apreciação, refletindo o jogo político de barganha e compromisso que envolve
diferentes assuntos3 que transcendem fronteiras, tornando a distinção entre doméstico
e internacional cada vez mais turvo. Com a globalização e a abertura cada vez maior
dos mercados e culturas nacionais para o resto do mundo, a soberania nacional tem
sido erodida, especialmente no que tange o controle da economia nacional e
preservação da cultura nacional. Consequentemente, a política externa vem sendo
utilizada para promover as agendas domésticas a partir de líderes da diplomacia4 e
vice-versa.
Dessa forma, o objeto de estudo da análise de política externa será igualmente
múltiplo. Para Breuming (2007), tem-se como objetivo explicar decisões, referente à
opção escolhida; comportamentos, que consiste nas ações feitas para influenciar o
comportamento de um ator externo ou assegurar um benefício para o seu próprio país
e resultados. Nesse trabalho, parte-se do pressuposto que os atores agem de maneira
racional5, procurando maximizar seus ganhos/utilidades Assim sendo, qual será o
nível de análise6 de tal política? Mais uma vez, a resposta não é uma, mas sim plural.
3 De acordo com Breuming (2007), a agenda externa de um país vai além de segurança e
economia, cobrindo também problemas ambientais, crescimento populacional, migração, políticas alimentares e energéticas, desenvolvimento, ajuda econômica e relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. 4 Breuming (2007) diferencia dois tipos de diplomacia: diplomacia pública, feita por esforços
governamentais e diplomacia cidadã, que advém de estímulos que não oficiais de um Estado ou governo. 5 Carlsnaes (1992) mostra que atores podem buscar seus objetivos de maneira “coletivista”, na
qual atores políticos usam procuram melhor solução para o sistema ou de maneira “interpretativa”, na qual atores chegam mais próximos de uma interface entre agência e estrutura. 6 Carlsnaes (1992) defende que dado que nem estruturas ou atores permanecem constantes
ao longo do tempo, uma teoria social que se preze deve ser capaz de explicar não só para
3
As explicações podem partir de motivações individuais ou por constrangimentos nos
ambientes doméstico ou internacional. Portanto, três níveis de análise podem ser
diferenciados: o individual, o estatal e do sistema internacional, que partem de
perguntas diferentes e fornecem respostas diferentes para enigmas de política
externa. Singer (1961) defende que a seleção de tal nível deve ser uma escolha
metodológica e deve ter capacidade de tratar os relacionamentos causais a serem
explicados como válidos, profundos e parcimoniosos.
De acordo com Neack (2006), o nível individual foca na ação dos tomadores de
decisão, em como eles as fazem, quais percepções e equívocos eles possuem e as
maneiras que interagem em pequenos grupos decisórios de alto-escalão,
considerando igualmente suas personalidades. O nível estatal permite examinar quais
fatores sociais e governamentais contribuíram para a realização de determinada
política externa de um Estado, levando em conta também como os arranjos
institucionais de um Estado, como o relacionamento entre os Poderes Executivo e
Legislativo afeta a política externa, ou ainda a organização da burocracia
governamental, condições econômicas, enfatizando a maneira que determinados
fatores internos determinam os parâmetros nos quais os líderes podem agir. Por fim, o
nível do sistema internacional explora relações bi- e multilaterais entre Estados,
levando em conta problemas e interações regionais e mundiais. Nesse nível7, são
igualmente considerados organizações internacionais e não governamentais (ONGs)
que possuem uma conexão direta com a formulação ou decisão da política externa de
determinado país. Para Breuming (2007), há que se considerar ainda a relação entre
o sistema internacional e o nível Estatal, em interações denominadas jogos de dois
níveis, na qual tomadores de decisão de política externa tentam balancear pressões
internacionais e nacionais. Putnam (1988), teórico de tal interação, define que no nível
I, o internacional, o governo maximiza a satisfação doméstica e minimiza as
consequências externas, onde acontecem as barganhas entre os jogadores, que
levam a uma tentativa de acordo. No nível II, o nacional, grupos domésticos
perseguem seus interesses, pressionando o governo. Nele, políticos buscam poder,
mudanças particulares, mas também para a própria mudança social como um fenômeno inerentemente dinâmico. Aqui, nenhum ator “determina” o outro diretamente, mas ambos são variáveis independentes de um mesmo processo temporal. 7 Singer (1961) acredita que o analista tende a exagerar o impacto do sistema em atores
nacionais quando em uma análise que parte do sistema internacional. Entretanto, tal nível produz um quadro mais compreensivo e total das relações internacionais quando comparado com os outros dois, enquanto os níveis estatal e individual produzem análises mais ricas em detalhes e profundidade
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realizando coalizões entre grupos. Um resumo pode ser encontrado no quadro
seguinte:
Quadro 1: Nível de análise, estudo de política externa e causação.
Nível de Análise Foco da Política Externa Tipo de fator causal
Individual Opções / Decisões Decisões em resposta a eventos acelerados
Estatal Comportamentos Causa intermediária
Sistêmico Resultados Causa profunda
Adaptado de: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 12 e 15. Tradução do autor
O texto que segue está organizado em seções temáticas, tentando primeiramente
entender qual o papel dos líderes na formulação e decisão da política externa, levando
em consideração suas percepções e personalidades; depois, passa-se para uma
revisão da burocracia como um fator determinante da política externa para
terminarmos com uma revisão mais extensa sobre quais são os constrangimentos
domésticos que afetam direta ou indiretamente a política externa. Aqui, leva-se em
conta a participação de diferentes atores sociais, a cultura de um país e a influência
dos arranjos institucionais. Tem-se como objetivo fazer uma discussão teórica e não
metodológica dos diferentes determinantes da política externa. Parte-se do
pressuposto que desenhos de pesquisas vão usar distintas abordagens
metodológicas, sejam elas qualitativas ou quantitativas. Mais uma vez, não se exclui
também a diversidade de técnicas de pesquisa e quantificação de dados, sejam elas
análise do discurso, estudo de caso, regressões estatísticas e probabilísticas, survey,
entrevistas, pesquisa participante, histórica, documental ou etnográfica. A hipótese
que se coloca nesse trabalho é que, dada a disponibilidade de dados e particularidade
do objeto de pesquisa, os diferentes possibilidades de análise devem ser usados
consonantemente e não de maneira excludente, possibilitando análises mais ricas e
profundas, refletindo os diferentes níveis e característica multifacetada da política
externa.
COMO LÍDERES MOLDAM A POLÍTICA EXTERNA
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O foco inicial de possíveis determinantes da análise de política externa serão os
líderes, primeiramente entendidos como sendo os tomadores de decisões para seus
países e depois, considerando suas características pessoais como possíveis
influências da formulação e decisão de política externa.
Para Neack (2006), a teoria realista das relações internacionais entende as decisões
tomadas por líderes de Estados devem ser vistas como decisões do próprio Estado,
dado que, independente da liderança, tais sempre agirão em nome de interesses
estatais/nacionais, entendido como valores associados ao país como um todo e
identificável através da história do mesmo, como pode ser visto no trecho de
Morgenthau apud Neack (2006): “We assume that statesmen think and act in terms of
interest defined as power, and the evidence of history bears that assumption out”. Ao
promover e proteger esses interesses, o líder opera como um ator racional8,
considerando os ambientes interno e externo, avaliando as possibilidades (e seu
custo-benefício) e selecionando aquela que melhor encaixa na defesa do interesse
nacional, cujo objetivo é sempre a manutenção e aquisição do poder e segurança do
país, dada a anarquia do sistema internacional. Esse modelo pressupõe que
diferenças encontradas no nível do Estado são insignificantes para a análise.
Contudo, para Breuming (2007), como os líderes definem situações que os deles está
também relacionado com suas características pessoais, incluindo o fundo social e
educacional, experiências anteriores, as ambições e visão de mundo. Para entender
como as características pessoais de líderes moldam as decisões feitas por líderes
governamentais, um código operacional foi criado para descrever normas, padrões e
diretrizes para a tomada de decisão. Uma estratégia para avaliar características
presidenciais é fazer duas questões: Quão ativo ou passivo é o líder? Ou seja, quanta
energia é investida no seu gabinete? E, segundo: o líder avalia a vida política positiva
ou negativamente? A “passividade” de um líder pode resultar em uma maior abertura à
manipulação por assessores e uma possível perda de controle do processo decisório.
As respostas podem ser categorizadas em quatro tipos diferentes de líderes, cujos
exemplos se dão sobre presidentes americanos:
Quadro 2: Classificação de líderes em tipos de personalidade
2. A carreira política é satisfatória e aprazível ou o líder busca carreira por um sendo de dever para servir? O líder vê política positiva ou
negativamente?
8 A tomada de decisões é vinculada a uma limitação no acesso à informação e a um tempo
limitado.
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1. O líder investe muita energia em
seu cargo político? Qual ativo ou
passivo é o líder?
Positivo Negativo
Ativo 1. Ativo-positivo Harry S. Truman John F. Kennedy
George H. W. Bush
2. Ativo-negativo Lyndon B. Johnson
Richard Nixon
Passivo 3. Passivo-positivo Ronald Reagan
4. Passivo-negativo Dwight D. Eisenhower
Fonte: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 40. Tradução do autor.
O código operacional tem como objetivo prover um meio de testar as predisposições
fundamentais de um líder em relação à ação política e, para tal, usa declarações
escritas e gravadas de líderes, descrevendo convicções filosóficas e operacionais de
indivíduos. A possibilidade de uma sistematização dessa classificação pode ser feita
através da replicação do estudo, utilizando as perguntas da pesquisa. Permite-se
igualmente a comparação dos resultados, desde que o analista entenda as diferentes
nuances linguísticas.
Quadro 3: O código operacional: determinando convicções filosóficas e
instrumentais de líderes
A. Perguntas
filosóficas
1. Qual é a natureza essencial da vida política? O universo político é
essencialmente harmonioso ou conflituoso? Qual é a característica
essencial dos oponentes políticos?
2. Quais são as expectativas para a realização de valores e
aspirações políticas de um líder? Pode-se ser otimista, ou deve-se
ser pessimista a esse respeito, e em quais aspectos um ou outro?
3. O futuro político é previsível? Em que sentido e em que extensão?
4. Quanto “controle” ou “domínio” alguém pode ter sobre o
desenvolvimento histórico? Qual o papel de um líder em “mover” e
“modelar” a história em uma determinada direção?
5. Qual o papel da “sorte” em assuntos humanos e no
desenvolvimento histórico?
B. Questões
instrumentais
1. Qual a melhor abordagem para selecionar objetivos políticos
ou objetivos para ação?
2. Como os objetivos são buscados mais efetivamente?
3. Como os riscos da ação política são calculados, controlados e
aceitos?
4. Qual o melhor “timing” da ação para os interesses de um líder
avançarem?
5. Qual é a utilidade e papel de diferentes meios para avançar os
interesses de um líder?
Fonte: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 42. Tradução do autor.
7
Essas características linguísticas podem também ser utilizadas para determinar traços
de personalidades, cuja análise é possível a partir de questões de três diferentes
dimensões: atitude em relação à limitações do poder, abertura à novas informações e
motivação. A diferença da análise anterior é o número menor de questões e o foco na
vida política. Tais procedimentos possibilitam a um analista fazer previsões de como
um líder abordará ou negociará com outras partes.
Quadro 4: Análise de traços de liderança
Atitude em relação à limitações
1. Crença na habilidade de um líder controlar
eventos 2. Necessidade de poder e
influência
Percepção de controle sobre situações
Preocupação em estabelecer,
manter ou restaurar a influência de um líder sobre
outros
Abertura à novas informações
3. Complexidade conceitual
4. Autoconfiança
Diferenciação em descrever ou discutir com outras
pessoas, locais, políticas, ideais ou coisas.
Senso de vaidade
Motivação 5. Tarefa contra interpessoal
6. Desconfiança de outros
7. Viés endogrupal
Foco no conteúdo da política (problem solving) contra relações interpessoais
(trabalho em grupo.
Inclinação a suspeitar e duvidar dos motivos dos
outros.
Grau no qual o próprio grupo é central na visão de mundo.
Fonte: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 44. Tradução do autor.
Hermann (1980) revela que seis traços de personalidade estão relacionados a
comportamentos específicos de política externa. Essas características são: a
necessidade de poder, a necessidade de filiação, o nível de complexidade cognitiva, o
grau de confiança nos outros, o nacionalismo, e a crença de que a pessoa tem algum
controle sobre eventos. Uma uma "crença na capacidade de controlar os
acontecimentos, a necessidade de poder, preconceito endogrupo e, principalmente, a
desconfiança pode ser particularmente importantes indicadores da vontade de violar
as normas internacionais.
Breuming (2007) aponta que não apenas suas personalidades, mas também
percepções afetam como os líderes participam das decisões de política externa,
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tornando-se a perspectiva na qual o mundo é visto por nós. Como e por quem a
informação é apresentada é igualmente um fator relevante na percepção do problema.
Jervis (1989) acredita que a racionalidade dos atores deve ser repensada, incluindo
crenças e imagens que estes possuem do mundo, incluindo o ambiente psicológico na
decisão e não apenas uma objetividade racional como para a visão realista, como
filtros. Um desses exemplos é a imagem do inimigo que, ruim de natureza, também se
coloca como pensador estratégico. Para Neack (2006), quando em face de tal
imagem, o tomador de decisão em política externa apenas armazena as
características ruins, removendo de sua análise imagens que sugerem uma maior
complexidade ou menor capacidade de destruição do oponente. Mapear a
complexidade cognitiva de um policy-maker reflete o grau no qual indivíduos se
diferenciam e se integram à diferentes fontes de informação ao considerar um
problema. Tal complexidade indica a extensão em que um tomador de decisão procura
e monitora informações, tentando prever resultados e reações. Quanto maior a
complexidade, maior a tendência de determinado ator político cooperar em iniciativas
internacionais.
Duas teorias de racionalidade podem ser usadas para compreender as ações em
política externa: a teoria normativa e a teoria empírica. Para a primeira, líderes que
são confrontados por determinada situação estabelecem objetivos, investigam e
apreciam vantagens e desvantagens de suas opções e decidem pela que trará o
melhor resultado ao menor custo, enquanto para a segunda, ao invés de avaliar a
decisão contra um padrão de tomada de decisão, é importante entender como e
porque policy makers chegaram a uma decisão como uma forma de determinar como
ela pode ser melhorada, tentando determinar o que eles sabiam, quando souberam e
o que fizeram com a informação. O pressuposto é que uma melhor decisão leva a um
melhor resultado.
Quadro 5: Comparando racionalidade normativa e racionalidade empírica
Racionalidade normativa Racionalidade empírica
Começa com Uma situação que requer uma decisão
Uma situação que requer uma decisão
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Processo 1. Quais são os objetivos relevantes da política
externa?
2. Quais são as opções?
3. Quais são as vantagens (benefícios esperados) e
desvantagens (custos esperados) de cada
opção?
4. Faça uma decisão. Escolha a opção que cumpra a análise do
melhor custo/benefício.
1. Quem são os tomadores de decisão relevantes?
2 . O que eles sabiam e quando souberam?
3 . Como eles interpretaram tal informação?
4. Quais opções eles perceberam como realistas?
5 . Como eles avaliaram essas opções?
Termina com Uma decisão Uma decisão
Teoria ou modelo Processo de decisão prescrito serve como padrão
para julgamento
O processo decisório é em si o sujeito da investigação
Suposição Seguir de perto o processo prescrito leva a melhor
decisão possível.
A qualidade do processo é relacionada com a qualidade da decisão (Nós queremos ser capazes de repetir boas
tomadas de decisão e aprender a evitar más tomadas de decisão)
Fonte: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 60. Tradução do autor.
Existe ainda uma outra abordagem dentro da teoria normativa é a chamada teoria
poliheurística, misturando aspectos da teoria racional e da teoria cognitiva que,
concentrando-se em perguntas como “como” e “por que”, caracteriza-se por duas
etapas: na primeira, os tomadores de decisão usam um princípio não-compensatório
para determinar as suas opções, avaliando a variedade de opções de respostas
políticas e descartando as que não são aceitáveis. Após considerá-las, as opções
remanescentes serão analisadas cuidadosamente, envolvendo a ponderação dos
custos e benefícios. Ademais, é necessário considerar o quadro em que foi tomada a
decisão, uma vez que esse afeta de maneira direta a forma que as decisões são
tomadas. Essa característica difere a teoria poliheurística da teoria da utilidade
esperada, uma vez que a opção escolhida será por via de regra a com menor custo e
maior maximização do resultado, mas a melhor opção apresentada dentro da análise
que também envolve a percepção e cognição dos atores, que estão sujeitos à
variáveis intervenientes como o domínio operante, os seus objetivos e outros
constrangimentos situacionais (REDD, 2002).
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COMO A BUROCRACIA MOLDA A POLÍTICA EXTERNA
O fato de existir ou não alguém que dá a última instância em decisões de política
externa não significa que o processo decisório da mesma se deu apenas em relação a
um líder. Dentro de uma democracia, a política externa pode ser tomada em diferentes
unidades de decisão, influenciada por diferentes atores domésticos. Assim, diferentes
entidades podem estar envolvidas em diferentes tipos de política externa e não
apenas as características de personalidade e percepção do líder. Um possível
esquema de categorização deriva dos trabalhos de Johnson (1974) e George (1980)
sobre a organização do Poder Executivo norte-americano, que descrevem três
diferentes abordagens para a organização do sistema consultivo do presidente:
formalista, competitiva e de colegiado.
Na abordagem formalista, a estrutura hierárquica é enfatizada, cuja principal
particularidade é a linha clara de comando, em uma tentativa de criar um processo
decisório ordenado, no qual assessores podem passar ao líder informações
diretamente dentro de suas áreas de expertise e jurisdição de seu departamento. O
objetivo é sempre fazer a melhor decisão possível através de análise extensa. Na
abordagem competitiva, há pouca ou nenhuma cooperação entre assessores que,
podendo acessar diferentes fontes de informação, criam uma atmosfera de
competição e conflito. Por isso, há uma tendência de apresentar ao líder informações
incompletas ou enviesadas que, por sua vez, chegam a uma decisão completa ou ao
menos balanceada após darem conta de diferentes pontos de vista. Por fim, a
abordagem de colegiado prevê que o líder em uma malha informacional extensa, na
qual assessores não fornecem informações ao líder individualmente, mas debatem
opções políticas como um grupo. O objetivo de tal forma decisória é alcançar através
do trabalho em grupo uma troca franca de ideias, chegando a propostas inovadoras.
Quadro 6: Comparação de estilos de administração executiva
Formalista Competitiva Colegial
1. Probabilidade que a informação
será distorcida
Alta
Baixa
Múltiplas perspectivas
apresentadas e debatidas
abertamente
Baixa
Múltiplas perspectivas
apresentadas e debatidas
2. Grau no qual o líder é exposto a
conflitos
Baixo para ambos Alto para ambos Alto para conflito substantivo
Baixo para conflito
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substantivos e interpessoais
interpessoal
3. Responsividade total do processo
decisório
Baixa
Foco na melhor solução
Pode reagir devagar ou impropriamente
em crises
Alta
Foco na solução praticável Altamente
dependente da habilidade e
envolvimento do líder
Alta
Visa identificar soluções que são ao mesmo tempo ótimas
e praticáveis Altamente
dependente da habilidade e
envolvimento do líder
4. Profundidade da consideração de
alternativas
Quando funciona bem: Alta
Profunda, ordenada,
objetiva.
Quando não funciona bem: Baixa
Ênfase na
objetividade pode distorcer pressões política e opinião
pública
Quando funciona bem: Alta
Cacofonia de vozes;
líder exposto a informação parcial e
enviesada.
Quando não funciona bem: Baixa
Competição de
pessoal, ação de interesse pessoal ao invés de para serviço
Quando funciona bem: Alta
Debate e trabalho em grupo garantem que
pontos de vista múltiplos sejam considerados.
Quando não funciona
bem: Baixa Sistema fechado de suporte mútuo ou
pensamento coletivo.
Fonte: BREUNING, M. Foreign Policy Analysis: A Comparative Introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 92. (Adaptado de Johnson (1974) e George (1980)). Tradução do autor.
Embora minuciosos, os modelos apresentados minimizam o poder da política em suas
considerações (Breuming, 2006). Allison (1969), em um dos trabalhos inaugurais da
análise de política externa, investiga a influência da burocracia governamental em
política externa, formando três diferentes modelos9 de processo decisório: o modelo I,
ou da Política Racional; modelo II, ou do Processo Organizacional e modelo III, ou da
Política Burocrática.
No modelo I, a política é determinada pelo interesse nacional, no qual o governo,
como formulador único e racional, atua como ator-chave em “large actions for big
reasons” (ALLISON, 1969, p. 690). Aqui, o processo decisório é característico por
9 Bendor e Hammond (1992) afirmam que, embora o livro de Allison seja um bom ponto de
partida para explicações alternativas, ele não deve ser usado como guia completo, uma vez os modelos ão são rigorosamente formulados, as conclusões são incorretamente derivadas ou não são seguidas a partir dos modelos e que os testes empíricos feitos por ele são ambíguos. Para sanar esses problemas, os modelos devem ser bem desenvolvidos e bem fundamentados na literatura, e devem ser usados para extrair implicações que podem ser testadas através de empirismo.
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identificar o interesse nacional, identificar opiniões, analisar o custo/benefício das
opções e escolher a alternativa que melhor se encaixa no interesse nacional. No
modelo II, a política externa é determinada pela inércia organizacional e sua
viabilidade. Nele, atores organizacionais agem baseados em procedimentos
padronizados. O processo decisório é característico por expertise organizacional e a
determinação de preferências por interesses, adaptação dos procedimentos
padronizados e a viabilidade das escolhas políticas. Tais atores organizacionais, ao
contrário do modelo I, não são monolíticos.
O modelo III tem como principal determinador da política uma complexa barganha
entre indivíduos e agências, através de canais regularizados dentre os jogadores
estão posicionados hierarquicamente e que resultados são entendidos como o
desfecho desses jogos de barganha, que podem passar por diferentes problemas
nacionais e não apenas uma escolha racional referente a um só tema. Dessa maneira,
as decisões aqui são descentralizadas, sendo que as percepções e prioridades podem
diferir dentre os atores que participam do processo, o que pode resultar em uma
direção que nenhum dos atores pretendia, sendo a solução um resultado de
compromisso, coalizão e competição. O que move as “peças de xadrez” são o poder e
a habilidade dos proponentes e dos oponentes em cada questão. O processo
decisório nesse modelo pode ser horizontal, com interesses determinados pela função
e por quem os empregar; vertical, quando eles forem determinados pela hierarquia ou
através da barganha e manobras políticas.
Um outro modelo é proposto por Hermann e Hermann (1989). Os autores defendem a
existência de três diferentes unidades de decisão: o líder único e predominante, o
grupo único e o grupo que é composto de múltiplos atores autônomos. O líder
predominante é um único indivíduo que tem a capacidade de tomar a decisão política
e reprimir a oposição. Nem todos são os mesmos, mas é necessário o conhecimento
se a orientação de tal líder o/a leva a ser sensível a informação vinda do ambiente
político. Um líder sensível usará a diplomacia e cooperação, tomando uma abordagem
mais desenvolvida para ficar atento ao feedback do ambiente. Um líder insensível, por
outro lado, não está aberto à influências externas, então deve-se conhecer sua
personalidade ou código operacional.
O grupo único é entendido como um grupo de indivíduos, todos do mesmo corpo
político, que coletivamente selecionam um curso de ação para a interação política,
podendo ser entendido como um pequeno grupo ou até mesmo um parlamento, desde
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que exista uma decisão interativa e coletiva entre eles na qual todos os membros
precisam fazer compromissos para participarem da ação. Os membros desse grupo
não estão compelidos por decisões feitas fora dele e não precisam defender suas
decisões em outro lugar.
O grupo de múltiplos atores autônomos são indivíduos, grupos ou coalizões separadas
que, se concordarem, podem atuar para o governo, porém não havendo uma
hierarquia que force o cumprimento da decisão de um sobre os outros. O processo
político aqui é dominado por uma competição de recursos, que pode ser ganha ao
dominar a discussão das escolhas políticas. Aqui, faz-se a inferência que a política
doméstica pode ser mais importante que os próprios interesses internacionais do
governo. Aqui, o chefe de governo é apenas um dos muitos atores presentes no
processo de barganha que eventualmente vai resultar em uma decisão.
COMO CONSTRANGIMENTOS DOMÉSTICOS MOLDAM APOLÍTICA EXTERNA
De acordo com Breuming (2007), pressões domésticas podem tomar diversas formas:
podem ser pressões explícitas exercidas por grupos de interesse, pela mídia e ainda
opinião pública, embora o grau em que ocorrem seja difícil de delimitar. Se por um
lado, os tomadores de decisão em política externa são constrangidos pelo eleitorado
doméstico, por outro, eles também tentam definir a agenda e dar forma a esse mesmo
eleitorado. Dessa maneira, o que ocorre dentro de Estados pode ter impacto no que
ocorre entre Estados.
Neack (2006) defende existir duas categorias de fatores não-exclusivos que
influenciam no nível estatal da política externa: o governamental e o social. O primeiro
inclui o tipo de sistema político, o regime político, a divisão de poderes e autoridade
entre instituições governamentais, disputa burocrática entre agências governamentais
e o tamanho e institucionalização das burocracias. O segundo inclui o tipo de sistema
econômico, a história das pessoas no país, a mistura étnica, o número e atividades de
grupos de interesse e partidos políticos e o papel da mídia na definição da agenda
governamental.
Seguindo esse caminho em um dos trabalhos fundadores da análise de política
externa, Rosenau (1966), mostra que três fatores influenciam a escolha e
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comportamento dos atores em política externa: o tamanho do país (em relação à
população), o sistema econômico (em relação ao PIB) e o sistema político (aberto ou
fechado). A partir daí, propõe uma tipologia de países para classificar as variáveis a
partir de cinco níveis de análise de acordo com a importância relativa de cada um no
processo de tomada de política externa dos oito tipos-nação:
Quadro 7: Tipos ideais10 de nações e fatores determinantes da política externa
Tipo Tamanho Sistema econômico
Sistema Político
Exemplo Fatores-chave para análise
1 Grande Desenvolvida Aberto EUA 1. Função 2. Societal
3. Governamental 4. Sistêmico 5. Individual
2 Grande Desenvolvida Fechado URSS 1. Função 2. Individual
3. Governamental 4. Sistêmico 5. Societal
3 Grande Subdesenvolvida Aberto Índia 1. Individual 2. Função 3. Societal
4. Sistêmico 5. Governamental
4 Grande Subdesenvolvida Fechado China 1. Individual 2. Função
3. Governamental 4. Sistêmico 5. Societal
5 Pequena Desenvolvida Aberto Holanda 1. Função 2. Sistêmico 3. Societal
4. Governamental 5. Individual
6 Pequena Desenvolvida Fechado Tchecoeslováquia 1. Função 2. Sistêmico 3. Individual
4. Governamental 5. Societal
7 Pequena Subdesenvolvida Aberto Kenia 1. Individual 2. Sistêmico 3. Função 4. Societal
5. Governamental
8 Pequena Subdesenvolvida Fechado Gana 1. Individual 2. Sistêmico 3. Função
4. Governamental 5. Societal
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Considerando a data do trabalho de Rosenau, o modelo proposto não pode ser mais usado da mesma maneira. Entretanto, o esforço de perceber ligações entre características de um país e seu processo decisório em política externa pode dar frutos para trabalhos posteriores.
15
Adaptado de: ROSENAU, J. Pre-theories and theories of foreign policy. In R. B. Farrell (Ed.), Approaches to Comparative and International Politics, pp. 27–92. Evanston: Northwestern University Press, 1966.
É importante enfatizar que, no nível nacional, os grupos domésticos pressionam o
governo para adotar políticas a seu favor, enquanto políticos procuram poder
construindo coalizões entre os constituintes. Ao mesmo tempo, no nível internacional,
os governos procuram satisfazer pressões domésticas limitando o impacto prejudicial
de desenvolvimentos estrangeiros. Putnam (1988) vincula o processo de negociação
internacional ao de implementação dessas no âmbito doméstico. No nível
internacional, os governos procuram maximizar as necessidades vindas de pressões
domésticas, enquanto no nível nacional os grupos procuram os seus interesses
pressionando o governo para adotar políticas favoráveis a eles, estando o chefe do
Executivo exposto a essas duas esferas. O autor acredita que, embora a pressão
internacional seja uma condição necessária para a produção de políticas no âmbito
interno, sem uma procura nacional ela se torna insuficiente, apontando que podem
acontecer prévias domésticas para a realização de um acordo no nível internacional,
com a barganha no nível internacional devendo ser compatível com o que pode ser
aprovado no nível doméstico.
Putnam afirma que embora em um nível (no caso, ele chama de nível I) os
negociadores de um país agenciem um acordo X, em um segundo nível (chamado de
II), a ratificação pode sofrer uma diferente opinião, uma vez que a politização do
assunto, a opinião pública e os grupos sociais e políticos interferem nesse processo, o
que pode levar a uma maior facilidade ou dificuldade de aprovar um projeto
dependendo do tema e da relevância dentro do contexto social. Dessa maneira, é
importante considerar que coalizões políticas determinarão, pelo menos indiretamente,
as escolhas governamentais em matérias de política externa. Diferentes atores podem
ter diferentes reações a políticas, podendo ratificá-las, emendá-las (quando possível)
ou mesmo manter o status quo, ao vetar as mesmas. Isso pode ser facilmente
justificado em uma visão contrária à abordagem realista, que defende que o Estado
deve ser visto como um ator unitário, cujos interesses são unos.
Milner (1997), ao tentar entender quando e em quais circunstâncias os países são
capazes de coordenarem suas políticas em determinada área e por que alguns países
são melhores em cooperar em determinados momentos, verifica que a cooperação
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entre as nações é afetada menos por medos dos ganhos de outros países do que
pelas consequências domésticas. Existe, portanto, uma ligação direta entre atores
domésticos e internacionais. Atores políticos e sociais possuem preferências
independentes que, ao agir estratégicamente, resulta na política em questão. Todos
eles desejam a política mais próxima do seu ponto ideal. Tal cenário é, para a autora,
poliárquico, pois o poder e a autoridade do processo decisório é dividido entre eles.
Dessa maneira, o poder Executivo de um país deve sempre se preocupar com um
governo dividido, cuja probabilidade vai variar de acordo com as preferências dos
atores e do arranjo institucional no qual eles estão inseridos, como sistema
presidencialista ou parlamentarista, legislatura uni ou bicameral ou ainda disciplina
partidária.
No plano doméstico, um jogo de “levá-lo ou deixá-lo” é modelado. Nesse nível,
assume-se que os executivos estrangeiros e nacionais negociam um acordo que é
apresentado ao Legislativo para a ratificação (em uma base formal ou informal). O
custo de um acordo não ser ratificado é alto para o executivo e, portanto, ele vai
antecipar a reação do legislativo em sua negociação com o executivo estrangeiro,
existindo dois movimentos no jogo: Executivos nacionais e estrangeiros negociam e
chegam a um acordo ou a legislatura ratifica ou rejeita o acordo. Na verdade, como
Milner aponta, com informação perfeita, o legislador nunca rejeita um acordo, uma vez
que as suas preferências serão levadas em conta durante a negociação entre os
executivos. A autora mostra que, quanto maior o envolvimento da política doméstica
em política externa, menores serão as chances de um acordo se concretizar, da
mesma maneira que a divisão de poderes domésticos também alterará os termos do
acordo. A variabilidade institucional tem cinco tipos diferentes de poder na arena
doméstica: 1) a formação da agenda: o ator que pode formar a agenda possui
vantagem; 2) emenda: pode aumentar o custo da cooperação, uma vez que após uma
emenda, acordos devem ser renegociados, o que leva os legisladores a abandonares
seu poder de emenda para fazer a negociação mais eficiente; 3) ratificação ou veto:
significa que algúem além de quem propõe a agenda deve aprovar a proposta; 4) uso
de referendos: equivalente à ratificação, mas normalmente proposto por um ator
diferente, como o público; 5) acordos laterais: dependem de como diferentes atores
possuem diferentes interesses, sendo tradeoffs entre atores a fim de ganhar apoio em
um acordo de negociação.
Uma vez que esses poderes são em termos de ratificação de acordos, a decisão sobre
a forma como os acordos são aprovados é um passo importante, e os atores têm
17
diferentes preferências sobre instituições de ratificação. O jogo de ratificação
determina se e como a negociação ocorre e é, portanto, fundamental. Se o processo
de ratificação muda, então acordos não podem ser ratificados mesmo sob informação
perfeita, uma vez que as preferências do eleitor mediano foram levadas em conta
pelos negociadores podem mudar. Uma vez que este está em constante debate, a
relação entre instituições e preferências é difícil separar. A estrutura de preferências
que afeta as instituições são utilizadas, e a natureza das instituições pré-existentes
que afeta atores e preferências são importantes para o jogo de ratificação. Dessa
maneira, é possível perceber que os procedimentos de ratificação variam por área
temática e do país.
Uma outra alternativa à influência das instituições política é feita por Rogoswki (1999),
que propõe analisar evidências empíricas a partir de três variáveis para determinar a
extensão das instituições políticas domésticas em matérias de política externa: direito
ao voto (ou a extensão da influência das preferências de grupos), representação (ou o
modo de seleção daqueles que votam) e regras decisórias (quando e como
representantes conseguem influenciar ação). Dessa maneira, as instituições podem
influenciar a política externa através do enviesamento da política, afetando a
credibilidade dos compromissos, mobilizando e projetando o poder, dando coerência e
estabilidade à política, assim como a formação de um ambiente estratégico propício à
negociação. Os resultados serão influenciados pelas regras decisórias através da
multiplicidade de corpos políticos e pontos e veto, que induzem à manutenção do
status quo, causando atrasos e encorajando respostas mais rápidas, que ao mesmo
tempo torna os compromissos feitos pelo governo mais críveis.
Além das institucições, uma possível determinante da política externa é a cultura.
Neack (2006) aponta que a maior concentração de atividade acadêmica sobre o
impacto da cultura11 e das instituições sobre a política externa tem sido a idéia da paz
democrática, cujas raízes intelectuais estão na proposição do filósofo Immanuel Kant
que as democracias são países amantes da paz. A primeira variação moderna sobre
esta ideia defende que as democracias são menos susceptíveis de irem para a guerra
comparadas a estados não-democráticos. Em uma revisão da teoria, as democracias
não lutariam em guerras com outras democracias. Há duas explicações de por que as
democracias são ou deveriam ser mais pacíficas do que não-democracias: a primeira
11
Johnston (1995) conceptualiza cultura como sendo suposições compartilhadas e regras decisórias que impõe um grau de ordem em concepções individuais ou de grupo do seu relacionamento com o ambiente social, organizacional ou político.
18
explicação, normativa, enfatiza a cultura das democracias e a segunda,
institucionalista, enfatiza estruturas institucionais nacionais.
A explicação normativa propõe que os tomadores de decisão em Estados
democráticos se acostumaram a resolverem os conflitos de maneira pacífica,
valorizando tolerância, compromisso e poder compartilhado, uma vez que, embora
sejam diferentes, democracias compartilham valores comuns, esperando em uma
situação de conflito, que líderes de outros países apliquem as mesmas normas que
são utilizadas domesticamente por eles mesmos. Os líderes das democracias não são
limitados por normas pacíficas ao lidar com não-democracias , uma vez que não-
democracias não se pode esperar para ser igualmente restrita. A segunda explicação,
estrutural ou institucional, salienta que os tomadores de decisão estão cercados por
instituições, que constrangem seu comportamento. Tais constrangimentos funcionam
como uma separação de poderes, limitando os poderes dos tomadores de decisão,
que devem trabalhar dentro daquela estrutura e fazer com que as diversas partes do
governos chequem umas às outras. Quanto mais desenvolvidas estejam as
democracias, mais influência terá nas ações internacionais dos líderes.
Johnston (1995) propõe um método de análise para objetos culturais a partir de sua
definição de cultura estratégica12. Tal método consiste da análise de um mapeamento
cognitivo e uma análise simbólica, feitas em textos estratégicos. O primeiro é usado
para descobrir ligações entre alguns axiomas causais e seu efeito comportamental
estimado, especialmente no que se refere ao domínio político e a consequência do
mesmo na estrutura política. Essa análise envolve a investigação de conteúdos de
documentos e o desenho gráfico de todas as afirmações contidas no mesmo, tentando
traçar diferentes ações estratégicas e seus resultados, que são considerados como
tendo valores positivo ou negativo. A análise simbolica, por outro lado, prevê a
importância dos símbolos como veículos de axiomas, preferências e regras decisórias
comportilhadas que fazem com que a cultura possa ser comunicada, aprendida e
contestada, refletindo a eficácia de estratégicas.
Testa-se, a presença ou congruência entre preferências estratégias entre os objetos
de análise; a presença ou congruência de ranking de preferências entre documentos
12
A cultura estratégica, ou seja, aquela utilizada por um país para garantir maior poder e segurança, seria um conjunto de símbolos, composto de concepções básicas sobre o ordenamento do ambiente estratégico em que se encontra e um segundo nível, que contém um cálculo sobre quais as melhores opções a se tomar em determinado momento, em especial em situações que envolvem a segurança de uma nação. (JOHNSTON, 1995).
19
de processo decisório e entre esses documentos e os objetos originais de análise e,
por fim, os efeitos dos rankings de preferências dos tomadores de decisão no
comportamento político(-militar).
Consequentemente, a cultura pode providenciar uma variedade limitade de escolhas
ou tendências, mas uma variável interveniente pode determinar quando e o que
influencia na decisão. A cultura estratégica pode também consistir de um conjunto de
preferências estabelecidas que persiste através do tempo e contextos ou adianta pode
funcionar como mediadora ou moderadora dos efeitos de outra variável independente
Ademais, a cultura pode ser claramente observada na opinião pública.
Tradicionalmente, o impacto da política da opinião pública é estudado através de duas
abordagens distintas: a primeira, chamada “de baixo para cima”, preve que o público
geral tem um impacto mensurável e nítido no processo decisório em política externa,
na qual o líder segue as massas. Na segunda, “de cima para baixo”, o consenso
popular é produto do consenso das elites, na qual o público é facilmente manipulado
por líderes dada a sua pouca significância para política externa e de segurança
quando comparado a problemas econômicos e o pequeno grau de conhecimento dos
cidadãos, assim como a volabilidade da opinião pública. Entretanto, tais abordagens
tratam massas e elites como atores unitários, o que não são, uma vez que podem
influenciar o processo decisório em política externa de maneiras e em estágios
diferentes, afetando políticas inderetamente ao enfraquecer ou fortalecer a posição
das burocracias ou atores governamentais (RISSE-KAPPEN, 1991). Para o autor, a
opinião pública não depende de questões específicas ou sobre o padrão particular de
atitudes públicas, sendo a estrutura interna e os processos de construção de coalizão
no respectivo país mais relevantes fatores explicativos para tal processo.
Risse-Kappen (idem) mostra duas abordagens distintas para o estudo dessa
influência: a primeira, sobre a estrutura doméstica, trata da natureza das instituições
políticas, características básicas da sociedade e os arranjos organizacionais e
institucionais ligando o Estado à sociedade e canalizando as demandas sociais no
sistema político, com a estrutura doméstica dominando como o sistema político reage
à demandas sociais. As instituições estatais, o seu grau de centralização e a hablidade
de sistemas políticos controlarem a sociedade e superarem resistências domésticas
fazem com que os Estados sejam caracterizados como fracos ou fortes. Enquanto
Estados fracos possuem instituições fragmentadas e são abertos à pressões de
20
grupos de interesse e partidos políticos13, Estados fortes centralizam suas instituições
em burocracias fortes e são capazes de resistir à demandas públicas e preservar um
alto grau de autonomia em face à sociedade.
A segunda analisa o processo de formação de coalizões dentro de sociedades e
sistemas políticos, focando em redes políticas, ou seja, nos mecanismos e processos
da representação de interesse feita por partidos e grupos de interesse, que ligam o
ambiente social ao político, enfatizando a habilidade de atores políticos em produzir
consenso entre grupos de elite em apoio à suas políticas. A necessidade que se
coloca é de criar uma análise juntando ambas as abordagens, enfatizando três
diferentes fatores: a natureza das instituições políticas e o seu grau de centralização; a
estrutura da sociedade em relação à sua polarização, força organizacional e o grau
que pode ser mobilizada e a naturza do processo de formação de coalizões ligando
Estado e sociedade. Dessa maneira, é possível perceber, para Risse-Kappen que a
opinião pública é afeta indiretamente a formulação e o processo decisório em política
externa, através da participação de grupos de interesse e partidos políticos.
Construir e manter coalizões políticas, assim como reter poder político pode ser um
processo difícil em um contexto no qual a oposição é forte, Hagan (1995) propõe que
líderes usam três estratégias para administrar o desafio: acomodação, isolamento e
mobilização, que representam uma dinâmica diferente em um contexto político
complexo no qual escolhas feitas em uma questão podem confundir e restringir as
escolhas do governo em outros assuntos. A estratégia de acomodação envolve
barganha com a oposição e evitar controvérsias, com o líder procurando conter a
oposição e portanto reter poder político, ao evitar disputas públicas de políticas que
possam fazer o país parecer fraco no cenário internacional. Na estratégia do
isolamento, o líder tenta desviar a atenção de assuntos de política externa suprimindo
ou passando por cima da oposição ou ainda neutralizando a oposição através de
favores e promessas, com o objetivo de manter o curso da política externa ao reduzir
os constrangimentos domésticos. Por fim, a estratégia de mobilização envolve a
manipulação da política externa para a vantagem política de algum ator político. Os
líderes afirmam sua legitimidade ao confrontar a oposição através de apelos a
nacionalismo e que eles possuem uma capacidade especial de manter a segurança do
13
Da mesma forma que a fragmentação política pode interferir na opinião pública, Neack (2006) mostra que, adicionalmente, o grau de fragmentação social e de centralização política são críticos em entender o impacto da opinião pública na política externa.
21
país. Quando bem sucedida, esta estratégia funciona para desviar a atenção de
problemas domésticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse trabalho foi fazer uma revisão teórico-analítica de diferentes
abordagens em análise de política externa. As abordagens aqui apresentadas
refletem, indiretamente, uma discussão que sempre esteve presente nas Ciências
Sociais como um todo entre agência e estrutura ou ator e sistema ou ainda micro e
macro. Ao invés de tomar a relação dessas diferentes partes como um relacionamento
de soma-zero, parte-se do pressuposto que tais níveis são inter-relacionados e que
um não pode ser compreendido sem o outro. Da mesma maneira, para uma
compreensão mais precisa de como a formulação e determinação da política externa
se dá, é necessário que análises compreendam tanto os atores envolvidos nela como
o sistema em que ela se encontra. Ao longo do texto, é perceptível que a política
externa, assim como qualquer política existente, é permeável por diversos interesses
que se manifestam em diferentes etapas do seu processo decisório, fruto do ambiente
democrático em que vivemos. A própria política externa pode ser entendida como um
processo plural que vai além da diplomacia governamental, mas incorpora
negociações comerciais, trocas culturais e inteligência, assim como diplomacia cidadã.
Visto isso, a hipótese sustentada nesse trabalho é de que é as diferentes abordagens
teóricas para a análise de política externa devem ser consoantes e não excludentes.
Para o analista ou acadêmico que usará uma delas em seu trabalho, faz-se necessário
que ele/a garanta que os dados possam ser acessados e utilizados durante a
pesquisa. Não apenas a disponibilidade de dados, mas outras características devem
ser observadas para que o trabalho garanta uma maior consistência e escopo, afinal
de contas, o objetivo da Ciência Social é justamente estudar a ação humana de
maneira sistemática, rigorosa, baseada em evidências, racional e generalizável. Para
Gerring (2005), um desenho de pesquisa com qualidade possui algumas
características como comparabilidade, representatividade, transparência e
replicabilidade. Isso significa que, embora estre trabalho não tenha como objetivo lidar
com discussões metodológicas, é indispensável que o rigor utilizado para o uso
dessas abordagens não seja apenas teórico, mas que leve em conta a necessidade de
uma metodologia bem estabelecida, seja ela qualitativa, quantitativa ou mista. Os
métodos para análise dos objetos de pesquisa poderão variar, de acordo com o foco
22
presente na análise de política externa. Mais uma vez, sustenta-se que a análise será
mais robusta se mais de uma abordagem for possível em determinado trabalho.
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