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* Marcelo Paiva Abreu e Afonso Bevilacqua da PUC-Rio, e Naercio Menezes-Filho comentaram, com sua generosidade habitual, uma versão preliminar deste trabalho. Os erros remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores. 1. Andrade e Lisboa (2000). 2. Newhouse (1996), Glied (2001) e Andrade e Lisboa (2000). CAPÍTULO 3 DETERMINANTES DOS GASTOS PESSOAIS PRIVADOS COM SAÚDE NO BRASIL* Mônica Viegas Andrade Marcos de Barros Lisboa 1 INTRODUÇÃO A partir dos anos setenta, observa-se uma tendência ao aumento da parcela da renda nacional gasta com saúde nos principais países desenvolvidos. Enquanto em meados dos anos sessenta os gastos com saúde nesses países oscilavam em torno de 3 a 4% do PIB, no começo dos anos noventa esses mesmos gastos estavam em torno de 10% do PIB, chegando a 14% nos Estados Unidos e Canadá. 1 Esse aumento da parcela da renda gasta com saúde motivou diversos trabalhos a investigarem os determinantes dos gastos com saúde e como estes gastos se comportam diante de mecanismos de incentivos propostos para racionalizar o uso de serviços médicos. 2 Infelizmente, no Brasil, a despeito da importância do tema, existem poucas pesquisas disponíveis que possibilitem responder questões dessa natureza. Em 1998, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), produzida pelo IBGE, in- cluiu um suplemento que teve como objetivo sistematizar alguns dos prin- cipais aspectos relacionados à saúde individual. O suplemento contém basicamente quatro grupos de informação sobre saúde: informações sobre o estado de saúde dos indivíduos (condição de morbidade); cobertura de saúde privada; acesso e utilização dos serviços de saúde; e informações sobre os gastos privados médicos.

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* Marcelo Paiva Abreu e Afonso Bevilacqua da PUC-Rio, e Naercio Menezes-Filho comentaram, com sua generosidade habitual, umaversão preliminar deste trabalho. Os erros remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores.

1. Andrade e Lisboa (2000).

2. Newhouse (1996), Glied (2001) e Andrade e Lisboa (2000).

CAPÍTULO 3

DETERMINANTES DOS GASTOS PESSOAIS PRIVADOS COM SAÚDENO BRASIL*

Mônica Viegas Andrade

Marcos de Barros Lisboa

1 INTRODUÇÃO

A partir dos anos setenta, observa-se uma tendência ao aumento da parcela darenda nacional gasta com saúde nos principais países desenvolvidos. Enquanto emmeados dos anos sessenta os gastos com saúde nesses países oscilavam em torno de3 a 4% do PIB, no começo dos anos noventa esses mesmos gastos estavam emtorno de 10% do PIB, chegando a 14% nos Estados Unidos e Canadá.1

Esse aumento da parcela da renda gasta com saúde motivou diversostrabalhos a investigarem os determinantes dos gastos com saúde e comoestes gastos se comportam diante de mecanismos de incentivos propostospara racionalizar o uso de serviços médicos.2 Infelizmente, no Brasil, adespeito da importância do tema, existem poucas pesquisas disponíveisque possibilitem responder questões dessa natureza. Em 1998, a PesquisaNacional por Amostra de Domicílios (Pnad), produzida pelo IBGE, in-cluiu um suplemento que teve como objetivo sistematizar alguns dos prin-cipais aspectos relacionados à saúde individual. O suplemento contémbasicamente quatro grupos de informação sobre saúde: informações sobreo estado de saúde dos indivíduos (condição de morbidade); coberturade saúde privada; acesso e utilização dos serviços de saúde; e informaçõessobre os gastos privados médicos.

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Este trabalho tem como objetivo sistematizar os principais resultados dosuplemento de saúde da Pnad de 1998 no que se refere aos gastos pessoaisprivados com saúde. Em particular, interessa entender a estrutura e osdeterminantes desses gastos no Brasil nos diferentes grupos socioeconômicos.Os dados disponibilizados pela Pnad de 1998 permitem desagregar os gastosem saúde nos diferentes tipos de categorias: medicamentos, planos de saúde,consultas médicas, hospitalares, entre outros. Entretanto, o gasto aquicontabilizado é o realizado pelo indivíduo diretamente, o que não incluiobviamente aqueles realizados pelas seguradoras, por exemplo, quando osindivíduos são hospitalizados.

A distribuição dos gastos com saúde entre os indivíduos são condiciona-dos, ao menos em parte, pela realização dos estados individuais da natureza.Precisamente em decorrência da natureza incerta da realização desses estados,observa-se a tendência de aumento na componente preventiva dos gastos comsaúde em diversos países, sobretudo com seguro e planos de saúde. A incerte-za, nesse caso, não se refere apenas à ocorrência de doenças, mas também àprecisão dos diagnósticos realizados. A assimetria de informação existente nosetor saúde está, inclusive, na base dos principais modelos teóricos utilizadospara analisar os determinantes dos gastos com saúde e na análise de mecanis-mos de regulação dos mercados de seguro.3

A classificação dos gastos médicos em preventivos e curativos depende daexistência de variáveis de controle do estado de morbidade do indivíduo nomomento em que este realiza o gasto. Infelizmente esta informação só seriapossível se, se pudesse acompanhar uma população e as respectivas decisões degastos médicos destes indivíduos durante um determinado período de tempo.Neste trabalho, como não há nenhuma variável de controle do estado de saúdedo indivíduo no momento em que ele realiza o gasto, ou seja, não se sabe se ogasto é ex ante ou ex post à realização do estado da natureza, optou-se portratar, em uma primeira aproximação, os gastos com medicamentos como expost à realização do estado da doença e os gastos com planos de saúde comogastos preventivos. Essa classificação permitirá, portanto, diferenciar as deci-sões de gastos entre os extratos socioeconômicos.

Neste trabalho, foi utilizado o domicílio como unidade de análise, posto quediversas decisões de gasto com saúde são, em geral, tomadas pela família, como,por exemplo, a adesão a um plano de saúde. Em particular, as características rele-vantes nessa decisão são, na maioria das vezes, da família e não do indivíduo, comono exemplo mais imediato dos gastos com saúde das crianças.

3. Ver, por exemplo, Newhouse (1996) e Lisboa e Moreira (2000).

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A próxima seção mostra a base de dados e a metodologia utilizadas, e osresultados serão apresentados em duas etapas. A terceira seção traz os princi-pais resultados controlados apenas por região de moradia e renda familiar.A quarta seção apresenta os resultados controlados por características indivi-duais – renda domiciliar, educação do chefe de família, educação do cônjuge,número de componentes da família, área de moradia (urbana ou rural), regiãode moradia (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul ou Sudeste), fase do ciclo devida e existência ou não de doença crônica.

2 BASE DE DADOS E METODOLOGIA

A base de dados utilizada neste trabalho é a Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (Pnad), pesquisa domiciliar realizada anualmente – com exceçãodos anos em que se realizam os censos – pelo Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE), com representatividade amostral para as Unidades daFederação e regiões metropolitanas. Neste trabalho, a maior parte dos dadosfoi tabulada segundo as cinco grandes regiões brasileiras.4

Em 1998, a Pnad incluiu um suplemento de saúde com perguntas refe-rentes tanto à morbidade dos indivíduos quanto às decisões de gastos comsaúde. Este suplemento contém, basicamente, quatro grupos de informaçãosobre saúde: o estado de saúde dos indivíduos, ou seja, condições gerais demorbidade dos indivíduos; cobertura de saúde privada; acesso e utilização dosserviços de saúde; e gastos médicos.

Inicialmente, o universo total amostral era composto de 344.975 obser-vações individuais em todo o Brasil, correspondente a 112.434 domicílios.Desse total, 21.521 domicílios não foram entrevistados, reduzindo, portanto,a amostra para 90.913 domicílios efetivamente entrevistados. Para avaliar asdisparidades socioeconômicas, os indivíduos foram classificados segundo a rendadomiciliar média mensal e, desse modo, foram retirados da amostra 11.274indivíduos que ignoram ou não declararam o valor do rendimento mensaldomiciliar, ficando, portanto, o universo amostral compreendido de 333.701observações individuais, que representam 88.219 domicílios.

A escolha do domicílio como unidade de análise se justifica por pelomenos dois motivos: em primeiro lugar, se se considerasse a renda individualseriam excluídas da análise as crianças que ainda não entraram na populaçãoem idade ativa; e, em segundo, porque diversos gastos em saúdesão realizados na esfera domiciliar, como, por exemplo, a decisão de compra

4. Muito embora a Pnad não apresente cobertura para a área rural da região Norte, optou-se por incluí-la na análise. Os resultadosencontrados referem-se somente à população urbana.

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de um seguro-saúde, ou mesmo a compra de medicamentos. Desse modo,foram agregados os gastos individuais com saúde por domicílio. Depois declassificados segundo a renda domiciliar mensal, os indivíduos foram agrupa-dos em dez grupos de renda em cada região. As tabelas 1 e 2 mostram osintervalos de renda domiciliar e renda domiciliar per capita.

TABELA 1Limites superiores dos intervalos de renda domiciliar mensal em cada região do Brasil

(Em R$)

Fonte: Pnad de 1998.

TABELA 2Limites superiores dos intervalos de renda domiciliar per capita em cada região do Brasil

(Em R$)

Fonte: Pnad de 1998.

A tabela 3 sistematiza algumas das principais características dos domicí-lios em cada decil de renda domiciliar per capita nas cinco regiões do Brasil.

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TABELA 3Características médias dos domicílios e dos chefes de família por decil de rendadomiciliar per capitaRegião Norte

Região Nordeste

Região Sudeste

(continua)

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(continuação)

Região Sul

Região Centro-Oeste

Fonte: Pnad de 1998.

A metodologia para análise dos dados se divide em duas etapas. Em umprimeiro momento, fez-se uma análise de estatística descritiva da composiçãodos gastos privados em saúde. Sobretudo, é descrito como se distribuem entregastos preventivos e gastos curativos, e como esta composição difere entre osgrupos sociais e regiões brasileiras.

A segunda etapa do trabalho consiste na estimação de um modeloeconométrico que procura decompor os determinantes dos gastos domiciliares emsaúde. A análise dos dados de gastos controlada pelas características dos domicíliosapresenta, entretanto, algumas dificuldades. Como na maioria das decisões degasto dos indivíduos, os gastos com bens-saúde dependem das característicasindividuais e dos estados da natureza sujeitos a uma restrição de não-negatividade.Na maioria das estimativas de funções de gastos ou de consumo, essa restrição denão-negatividade é abstraída em decorrência tanto das dificuldades de estimaçãoexistentes quanto do gasto ou consumo da maioria dos indivíduos ser estritamentedistinto de zero, não ocorrendo, portanto, a estimação de consumo negativo parauma especificação factível das características individuais.

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Esse fenômeno, entretanto, não ocorre na estimação de gastos com bens-saúde, que se caracteriza pela existência de uma fração significativa dos indiví-duos com gasto nulo em determinado período. Por exemplo, a maioria dosindivíduos da amostra da Pnad de 1998 não realizou gastos com medicamen-tos. Isto significa que na probabilidade de um indivíduo realizar gastos commedicamentos, que depende em parte de um choque idiossincrático nãoobservável, seu estado de saúde, no período, é uma função não linear nas ca-racterísticas observáveis.

Formalmente, seja y(i) o gasto com medicamentos do domicílio i. Su-põe-se que esse gasto depende tanto das características do domicílio, X (i),quanto de uma variável aleatória, ε (i), que indica o estado de saúde dosmembros do domicílio:

onde )(iβ mensura o impacto das características do domicílio na decisão de

gastos com medicamentos. A condição de não-negatividade dos gastos commedicamentos implica que a variável aleatória é truncada de modo que para

toda a realização de

)(iε. Supondo que é uma normal

truncada, tem-se então o modelo Tobit usual. O mesmo procedimento seráutilizado para os gastos com planos de saúde, sendo apenas a variávelaleatória interpretada, nesse caso, como representando características nãoobservadas das famílias.5

A análise dos resultados das regressões no caso do modelo Tobit, apesar denão trivial em decorrência da não linearidade dos efeitos de truncamento ouseleção, é usual na literatura.6 Neste artigo, interessa identificar dois impac-tos. Primeiro, entender como as variáveis explicativas impactam a probabilida-de de gastar com saúde ou, dito de outra forma, como estas variáveis alteram adecisão de realizar gastos. Segundo, entender, condicionado à decisão de gas-tar com saúde, como estas variáveis explicativas impactam a decisão de quantogastar. Estes impactos são calculados por meio dos efeitos marginais usuais.

As variáveis independentes utilizadas foram as seguintes:

1) anos de escolaridade do chefe da família (pessoa de referência)(educchef );

5. Na versão completa deste trabalho, também foram estimados utilizando a técnica de Heckman. Os principais resultados, porém, nãosão significativamente distintos.

6. Ver Greene (2000).

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2) anos de escolaridade do chefe da família ao quadrado (educ2);

3) ciclo de vida do chefe de família por gênero, idade e idade ao quadra-do em caso do chefe ser homem (idhc, idh2c), e idade e idade aoquadrado em caso do chefe ser mulher (idmc, idm2c);

4) situação de urbanização da residência (situaurb);

5) renda domiciliar per capita (rendompc) e renda domiciliar per capitaao quadrado (rendompc2);

6) quatro dummies de região: Norte (região 1), Nordeste (região 2),Sudeste (região 3) e Sul (região 4);

7) nove dummies para composição familiar: uma dummy para o núme-ro de crianças de 0 a 2 anos no domicílio (D0-2); uma dummy parao número de crianças de 3 a 5 anos no domicílio (D3-5); uma dummypara o número de crianças de 6 a 14 anos no domicílio (D6-14);uma dummy para o número de homens de 15 a 44 anos nodomicílio (DH15-44); uma dummy para o número de mulheres de15 a 44 anos no domicílio (DM15-44); uma dummy para o númerode homens de 45 a 64 anos no domicílio (DH45-64); uma dummypara o número de mulheres de 45 a 64 anos no domicílio (DM45-64);uma dummy para o número de homens e mulheres acima de 65 anosno domicílio (D65);

8) nove dummies interagindo renda e composição familiar: uma dummypara a renda familiar per capita vezes o número de crianças de0 a 2 anos no domicílio (DR0-2); uma dummy para a renda familiarper capita vezes o número de crianças de 3 a 5 anos no domicílio(DR3-5); uma dummy para a renda familiar per capita vezes o núme-ro de crianças de 6 a 14 anos no domicílio (DR6-14); uma dummypara a renda familiar per capita vezes o número de homens de 15 a 44anos no domicílio (DHR15-44); uma dummy para a renda familiarper capita vezes o número de mulheres de 15 a 44 anos no domicílio(DMR15-44); uma dummy para a renda familiar per capita vezes onúmero de homens de 45 a 64 anos no domicílio (DHR45-64); umadummy para a renda familiar per capita vezes o número de mulheresde 45 a 64 anos no domicílio (DMR45-64); uma dummy para arenda familiar per capita vezes o número de homens e mulheres acimade 65 anos no domicílio (DR65);

9) uma variável dummy para número de moradores que apresentamalgum tipo de doença crônica (doençadom);

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10) uma dummy para o número de pessoas no domicílio que apresentoualgum tipo de problema de mobilidade física nos últimos 30 dias(morb1dom);

11) dummies para o tipo de ocupação do chefe de família – empregoformal (Emp form), emprego informal (inf ), funcionário público(Func pub).

As variáveis de gênero e idade foram analisadas conjuntamente porqueos ciclos de vida dos homens e das mulheres podem ter impactos diretos eindiretos distintos nos gastos com saúde. O impacto direto diz respeito aoestado de saúde dos indivíduos, que depende diretamente do sexo e idade.O impacto indireto diz respeito à capacidade de gastar, uma vez que a rendadomiciliar pode depender da etapa do ciclo de vida do chefe de família.Como foram utilizadas informações domiciliares, apenas o ciclo de vida dochefe de família foi considerado.

A variável de tipo de situação urbana foi incluída para controlar possíveisimpactos da proximidade com centros urbanos sobre as decisões de gastos.Conglomerados urbanos em geral apresentam densidade maior de serviços desaúde, o que pode afetar diretamente a decisão de gastos com serviços médicos.Existem diversas morbidades que estão associadas às condições de saneamentoe esgoto dos domicílios e, além disso, as condições de acesso aos serviços médi-cos são bastante diferenciadas entre as áreas rural e urbana.

As variáveis de existência de doença crônica e de problemas de mobilidadefísica foram incluídas para controlar o estado de saúde dos indivíduos residentesno domicílio. O indivíduo foi considerado como apresentando alguma doençacrônica quando respondeu positivamente a alguma das 22 perguntas sobredoenças existentes no questionário. Depois de calculada esta variável, foi criadauma variável dummy que contabilizou o número de pessoas por domicílio apre-sentando doença crônica. As variáveis de composição familiar foram incluídaspara controlar os gastos segundo o perfil de indivíduos residentes no domicílio.

3 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS

A tabela 4 sistematiza os gastos domiciliares com saúde no Brasil por região edecil de renda como percentagem da renda familiar em 1998. Chama a aten-ção a elevada fração da renda domiciliar alocada em gastos com saúde: empraticamente todas as regiões e para todas as faixas de renda, esta fração seaproxima dos 10%. Esse comportamento, entretanto, não é monotônico. Nasregiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as mais ricas do país, esse comportamen-to é decrescente com a renda, indicando que as parcelas mais pobres alocam

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uma fração da renda maior do que as mais ricas. Este padrão de gastos prova-velmente está associado aos componentes dos gastos com bens-saúde entre osgrupos socioeconômicos. Para os grupos de renda mais baixa a principal com-ponente de gasto familiar com saúde são os medicamentos. Em geral, essegasto oscila em torno de 50 e 75% dos gastos totais com saúde para os trêsprimeiros decis e corresponde a cerca de 4 a 9% da renda familiar. À medidaque a renda familiar aumenta, a fração gasta em medicamentos decresce, che-gando a cerca de 1,5% da renda para os 10% mais ricos. O mesmo comporta-mento regressivo pode ser observado para os gastos com consulta médica emquase todas as regiões (a única exceção é a região Nordeste), ainda que deforma bem menos acentuada do que os gastos com medicamentos.

TABELA 4Participação do gasto por decil de renda segundo cada categoria de gasto

Região Norte – 1998

(Em %)

Região Nordeste – 1998

(Em %)

(continua)

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Determinantes dos gastos pessoais privados com saúde no Brasil 93

(continuação)

Região Sudeste – 1998

(Em %)

Região Sul – 1998

(Em %)

Região Centro-Oeste – 1998

(Em %)

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

Dentre aos diversas componentes do gasto com saúde, o gasto com medi-camentos apresenta maior regressividade. A relativa rigidez dos gastos comsaúde pode ser melhor analisada na tabela 5, que apresenta os gastos médiosdomiciliares em cada categoria de gasto em valores absolutos. Os gastos médi-os domiciliares incluem tanto os domicílios que realizaram algum gasto como

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os que não realizaram. Observe que o grande salto no valor do gastos totaisocorre do nono para o décimo decil de renda. Este fato provavelmente estárelacionado às despesas com planos de saúde. Como no décimo decil de rendauma fração maior dos indivíduos possui plano de saúde, isso resulta em umaelevação significativa do gasto médio total.

TABELA 5Gasto médio domiciliar em reais por decil de renda segundo cada categoria de gasto

Região Norte – 1998

Região Nordeste – 1998

Região Sudeste – 1998

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Região Sul - 1998

Região Centro-Oeste - 1998

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

Como esperado, os gastos com medicamentos aumentam com o aumen-to da renda das famílias. Dessa forma, a regressividade dos gastos com medi-camentos observada na tabela 4 significa que os gastos com medicamentosaumentam em uma taxa bem menor do que a renda familiar. Enquanto arenda média do décimo decil é cerca de 40 vezes superior ao do primeirodecil, os gastos com medicamentos do décimo decil são cerca de 5 a 10 vezessuperiores aos do primeiro decil.

Um resultado mais surpreendente ocorre na tabela 5, onde são apresen-tados os gastos médios nominais com medicamentos, contabilizando apenasa fração de domicílios que teve algum gasto positivo com medicamento. Comopode ser observado, os gastos com medicamentos do décimo decil são apenastrês vezes superiores aos do primeiro decil, ocorrendo a maior diferença naregião Nordeste, onde a diferença chega a cerca de 3,51 vezes. Dessa forma,uma parcela significativa da regressividade dos gastos com medicamentos ocorrena decisão de realizar algum gasto positivo com medicamentos.

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TABELA 6Valor médio em reais dos gastos domiciliares com medicamentos segundo regiões(considerando apenas os indivíduos que tiveram gastos positivos)

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

Duas razões, pelo menos, podem explicar esse fenômeno. Em primeirolugar, os grupos de menor renda podem diagnosticar com maior dificuldadea necessidade de consumo de algum medicamento. Em segundo lugar, atecnologia do impacto positivo dos medicamentos pode apresentar característi-cas semelhantes a de uma tecnologia Leontief, na qual um gasto mínimo podeser necessário para que o tratamento tenha qualquer eficácia. Portanto, a fraçãodas famílias que resolvem não adquirir o conjunto de medicamentos necessáriospode diminuir com a renda. A precisa investigação desse ponto necessitaria deuma análise das decisões das famílias quanto à aquisição de medicamentos, con-trolando-se pelo seu estado de saúde ou diagnóstico médico realizado. Infeliz-mente, esses dados não se encontram disponíveis na Pnad de 1998.

O mesmo impacto da renda na decisão de realização de gastos positivoscom medicamentos pode ser observado nos gastos médicos em geral, comomostrado na tabela 7. Nas diversas regiões, a decisão de realizar algum gastocom saúde aumenta monotonicamente com a renda, sobretudo nos dois úl-timos decis, sendo cerca de três a cinco vezes superior no último decil emrelação ao primeiro decil. A principal componente de aumento da decisãode gasto com saúde é a aquisição de planos de saúde. A percentagem dedomicílios que decidem adquirir planos é cerca de quinze vezes maior nodécimo decil em relação ao primeiro decil. No décimo decil das regiões Su-deste, Sul e Centro-Oeste, o percentual de indivíduos com plano de saúdealcança 70% (tabela 8).

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TABELA 7Percentual dos domicílios que apresentaram algum tipo de gasto médico

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

TABELA 8Percentual dos domicílios que realizaram gastos com medicamentos

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

TABELA 9Percentual dos domicílios que têm plano de saúde

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

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Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas98

De forma complementar, como visto na tabela 4, os gastos com planos desaúde aumentam entre 100 e 200 vezes entre o primeiro e o décimo decilde renda, à exceção da região Nordeste, que aumenta em mil vezes. Na medida emque os gastos com planos são, em geral, preventivos para futuros gastos com exa-mes e procedimentos médicos, esse significativo aumento dos gastos privados coma renda pode significar uma maior perda de bem-estar em caso de doença namedida em que o setor público não ofereça serviços curativos semelhantes aos dosetor privado.

Os dados do suplemento de saúde da Pnad de 1998 quantificam o tipode atendimento procurado pelas famílias que afirmaram ter tido algum pro-blema de saúde recente. A quase totalidade das famílias afirma ter buscadouma orientação médica quando apresentou sintomas de alguma doença, inde-pendente do nível de renda e da região de moradia. A população mais pobre(primeiro decil), majoritariamente, procura postos de saúde, variando opercentual de 50% (região Nordeste) a cerca de 72% (região Sul). Em segun-do lugar, esse grupo da população procura ambulatórios, variando o percentualde 18% (região Sul) a 42% (região Nordeste). A maioria dos demais procuroupronto-socorro ou consultório particular.

Apenas pouco mais de 2% da população, em média, de todos os gruposde renda, afirmam ter procurado farmácias ou outras formas de atendimentoem atenção à saúde, sendo esse percentual mais elevado para os grupos derenda entre o sexto e oitavo decil. A procura por outro tipo de orientação, quenão médica, parece ser mais significativa nas regiões Norte e Centro-Oeste,que apresentam os maiores percentuais de pessoas que procuraram farmáciasou outras formas de atendimento (cerca de 4%). Esses resultados estão apre-sentados na tabela 10.

TABELA 10Local de atendimento

(continua)

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Determinantes dos gastos pessoais privados com saúde no Brasil 99

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.

Dessa forma, a quase totalidade da população afirma ter procurado algu-ma forma de atendimento médico especializado quando apresentou proble-mas de saúde. O nível de renda parece ser determinante apenas do tipo deatendimento utilizado, se posto de saúde ou consultório particular. A procurapor ambulatórios, por outro lado, não parece ser sensível ao nível de renda.

(continuação)

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Deve-se enfatizar, entretanto, que esse resultado não necessariamente sig-nifica a inexistência de problemas de automedicação no Brasil e, em particular,não significa o uso indiscriminado do farmacêutico na recomendação de medi-camentos. A pergunta realizada pela Pnad de 1998 se refere à busca deorientação do indivíduo caso tenha estado doente. Pode ocorrer, entretanto, queindivíduos com sintomas que não reconhecem como doença, como dor nas cos-tas ou de cabeça, não recorram à recomendação médica em proporção maior doque ao apontado na Pnad de 1998. Como esses indivíduos não reconhecem queestiveram doentes, a pergunta não foi respondida no questionário.

O resultado do questionário, portanto, sugere que, caso exista proble-ma de auto-medicação, este ocorre quando o indivíduo apresenta sintomasque podem significar problemas médicos, porém não são interpretados comodoenças pelos indivíduos.

4 ANÁLISE CONTROLADA DOS RESULTADOS

A tabela a seguir sistematiza os resultados do modelo Tobit para as decisões degasto com medicamentos e planos de saúde. Em ambos os casos foram realiza-das duas regressões, sendo a diferença o controle, ou não, pelas característicasde morbidade e doença dos domicílios. Tanto as variáveis de renda quanto dacomposição familiar podem estar correlacionadas com a existência de doençascrônicas ou ocorrência de doenças no período recente da amostra. Por exem-plo, chefes de família que trabalham no mercado informal que estejam doen-tes podem ter suas rendas reduzidas. Da mesma forma, na medida em que osdependentes de faixas etárias distintas apresentam probabilidades distintas deestarem doentes, as dummies de composição familiar estarão correlacionadascom as dummies de doença e morbidade.

Como pode ser observado, as variáveis doenças crônicas e morbidade sãocorrelacionadas com as dummies de composição familiar, com exceção apenasdas mulheres entre 45 e 64 anos. A maior variação de coeficiente é observada nadummy para homens entre 45 e 64 anos, refletindo que a eventual ocorrênciade doenças nessa idade é tipicamente associada tanto à maior probabilidade degasto com medicamentos como com gastos esperados maiores. Também oscoeficientes de ciclo de vida foram reduzidos na regressão sem controle dedoença e morbidade. Os demais coeficientes são apenas impactos marginais.Em particular, não se identificou uma multicolinearidade entre os coeficientesde renda e doença ou morbidade. Já no que se refere às regressões dos gastoscom planos de saúde, não há diferença significativa entre os coeficientesem ambos os casos.

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Determinantes dos gastos pessoais privados com saúde no Brasil 101

Plano de saúde Gastos com medicamentos

Variável Coeficiente D-P Coeficiente D-P Variável Coeficiente D-P Coeficiente D-PConstante -1771,8470 47,8198 -1789,2790 47,9042 Constante -210,1631 8,5377 -227,0958 8,7935Sexo 183,2044 53,3473 195,5271 53,4294 Sexo 54,1950 9,7193 64,2708 10,0120Idade-H 18,2283 1,3514 18,9280 1,3506 Idade-H 1,4079 0,2424 2,2816 0,2491Idade2 H -0,1227 0,0142 -0,1273 0,0142 Idade2 H -0,0036 0,0025 -0,0097 0,0026Idade M 21,9777 1,7619 23,4493 1,7676 Idade M 3,3429 0,3185 4,9502 0,3280Idade2 M -0,1426 0,0168 -0,1560 0,0168 Idade2 M -0,0205 0,0030 -0,0352 0,0031Educ 63,0638 2,1043 62,5703 2,1034 Educ 5,5312 0,3637 5,0140 0,3785Educ 2 -0,9378 0,1149 -0,9379 0,1149 Educ 2 -0,1415 0,0221 -0,1457 0,0227RDPC 0,0849 0,0066 0,8460 0,0066 RDPC 0,0049 0,0017 0,0058 0,0016RDPC 2 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 RDPC 2 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000Emp form 56,7076 7,1757 54,8388 7,1772 Emp form -8,8700 1,3985 -12,2982 1,4364Func Pub 154,4150 9,1630 153,2775 9,1683 Func Pub -7,4614 2,0625 -9,6753 2,1198Inf -50,7396 6,5571 -52,0395 6,5611 Inf -9,6057 1,1970 -11,8291 1,2305D 0-2 -21,8792 6,4360 -19,0534 6,4283 D 0-2 -1,9748 1,1310 2,0059 1,1543D 3-6 -63,8255 6,4595 -60,2997 6,4455 D 3-6 -7,6631 1,1056 -3,2617 1,1280D 6-14 -46,3716 3,2034 -43,6538 3,1905 D 6-14 -8,4957 0,5482 -4,6517 0,5563DH 15-44 -9,2548 3,3881 -4,7084 3,3623 DH 15-44 -2,9624 0,6243 3,0194 0,6330DM 15-44 13,1239 3,5069 18,0837 3,4807 DM 15-44 -1,9227 0,6686 4,1822 0,6803DH 45-64 -17,9491 7,7244 -6,1020 7,6592 DH 45-64 1,1462 1,4719 16,5834 1,4974DM 45-64 44,9689 17,9984 44,8577 18,0337 DM 45-64 9,4961 3,1870 7,0949 3,2913D 65+ -56,6993 14,3973 -43,3970 14,3799 D 65+ 5,7412 2,5697 23,0932 2,6429DR 0-2 0,0788 0,0111 0,0788 0,0111 DR 0-2 0,0020 0,0026 0,0028 0,0027DR 3-6 0,1146 0,0118 0,1149 0,0118 DR 3-6 0,0080 0,0027 0,0093 0,0028DR 6-14 0,0909 0,0054 0,0908 0,0054 DR 6-14 0,0062 0,0013 0,0060 0,0013DHR 15-44 0,0849 0,0037 0,0845 0,0037 DHR 15-44 0,0035 0,0009 0,0028 0,0009DMR 15-44 0,0814 0,0042 0,0811 0,0042 DMR 15-44 0,0081 0,0010 0,0077 0,0010DHR 45-64 0,1070 0,0049 0,1063 0,0049 DHR 45-64 0,0198 0,0012 0,0183 0,0013DMR 45-64 -0,0570 0,0119 -0,0561 0,0120 DMR 45-64 0,0058 0,0027 0,0075 0,0028DR 65+ 0,1828 0,0075 0,1822 0,0075 DR 65+ 0,0286 0,0018 0,0272 0,0018Morb 5,1676 4,3111 Morb 22,0275 0,7472Doença 24,1168 2,2900 Doença 25,7991 0,4417Urbano 195,4985 8,7440 196,9631 8,7468 Urbano 11,4429 1,2563 13,8031 1,2876Norte -14,5369 11,0822 -10,9706 11,0831 Norte -25,3925 2,1202 -20,8214 2,1719Nordeste 20,7065 8,0762 19,7017 8,0809 Nordeste -21,8893 1,5121 -24,5048 1,5522Sudeste 93,8240 7,5126 91,8160 7,5137 Sudeste 13,7921 1,4349 10,1757 1,4729Sul 59,5620 8,2067 60,2506 8,2109 Sul 6,3175 1,5721 6,3030 1,6156Desvio 441,0580 2,3777 441,5496 2,3809 Desvio 103,4100 0,4100 107,2400 0,4300LR chi2(29)=24.358,74 LR chi2(28)=28.119,56 LR chi2(29)=24.358,74 LR chi2(28)=17.979 ,24Log likehood= -136.495,35 Log likehood= -174.141,68 Log likehood= -212.630,35 Log likehood= -246.587

TABELA 11Modelo Tobit para decisões de gastos com medicamentos e planos de saúde

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998. Estimações realizadas pelos autores a partir dos microdados.

A fim de uma melhor análise dos resultados, as tabelas seguintes apresen-tam os valores esperados, tanto das probabilidades quanto dos montantes gas-tos para o grupo de domicílios que realizam gastos estritamente positivos.A não-linearidade do modelo implica a necessidade de se selecionar os grupos

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para os quais os valores serão apresentados. Optou-se por apresentar os dadosde diversas faixas de renda familiar per capita, idade dos homens solteiros,casados com mulheres da mesma faixa etária e o impacto da existência dedependentes para os casais com 35 anos de idade. Os dados apresentados aseguir referem-se às regressões sem controle para doença e morbidade, cujosresultados são bastante semelhantes, com as exceções já mencionadas, para aregião Sudeste e domicílios urbanos.

TABELA 12Valores esperados das probabilidades de gasto e dos montantes gastos para o grupo dedomicílios que realizam gastos estritamente positivos

(continua)

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Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998. Estimações realizadas pelos autores a partir dos microdados.

Deve-se enfatizar que a tabela sobre gastos positivos se refere aos valoresesperados de gastos do conjunto de domicílios que realizou algum gasto estri-tamente positivo. Os valores esperados de gasto devem ser ponderados pelaprobabilidade de gasto. Dessa forma, as características do domicílio afetamtanto a probabilidade de ocorrência de gasto quanto o valor médio dos gastosdo subconjunto que realiza algum gasto estritamente positivo.

Diversos fatos devem ser observados. Em primeiro lugar, tanto a probabi-lidade de gasto quanto os gastos totais são bem pouco sensíveis a variações derenda, apresentando uma sensibilidade um pouco mais significativa para os ní-veis educacionais. Mesmo assim, a probabilidade de gasto em geral apenas

(continuação)

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dobra quando se compara um domicílio com renda per capita de R$ 2.400,00mês e cujo chefe tem doze anos de estudo com um domicílio em que a renda éde R$ 30,00 mês e cujo chefe tem zero anos de estudo. Os gastos totais dosdomicílios que apresentam gastos estritamente positivos são ainda mais inelásticosa variações tanto da renda quanto da educação. Nesse caso, a comparação entreos mesmos domicílios resulta em um gasto apenas 20% superior.

Em segundo lugar, e de forma surpreendente, os gastos com medica-mentos controlados também são inelásticos em relação à composição familiar.Os resultados da regressão parecem ser, entretanto, consistentes com asfreqüências de gastos da população. A tabela a seguir apresenta osgastos médios para diferentes composições familiares, assim como algumasdas características dos domicílios.

TABELA 13Gastos médios com medicamentos e planos e características de diferentes composiçõesde família

Fonte: Suplemento de Saúde da Pnad de 1998.Estimações realizadas pelos autores a partir dos microdados.

De fato, uma primeira análise dos gastos médios com saúde da Pnad de1998 também sugere uma relativa inelasticidade dos gastos com saúde em rela-ção à composição familiar, sobretudo ao número de filhos que, nas médias ana-lisadas por regiões, muitas vezes reduz os gastos com medicamentos e planos desaúde nos grupos de renda baixa e intermediário. Não se arrisca, nessa fase dapesquisa, uma explicação para esse fato surpreendente, sobretudo a redução dosgastos com saúde com o aumento do número de crianças nas faixas de rendabaixa e intermediária, fato que requer uma investigação mais aprofundada.O modelo estimado parece, no entanto, subestimar o impacto de um depen-dente adulto nos gastos domiciliares na rendas intermediárias. É possível que oimpacto das características do domicílio no processo de decisão de realizar gastoscom saúde seja distinto do seu impacto no montante a ser gasto. Investiga-se nomomento essa possibilidade utilizando a técnica de Heckman, ao invés do mo-delo Tobit. Outra possibilidade é que o uso do domicílio como unidade de refe-rência, ao invés da família, possa resultar a inclusão na composição familiar deagregados ou empregadas domésticas, cujos gastos com saúde não são reporta-dos pela pessoa de referência na pesquisa da Pnad.

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Observa-se que dependentes têm impactos significativos sobre os gastosassim como sobre as probabilidades apenas quando a renda familiar per capitaestá acima de $1.000,00 mensais.

Talvez a principal conclusão deste exercício, e confirmando a análiseconduzida na seção anterior, refira-se à inelasticidade do gasto com medicamen-to a variações da renda, sobretudo no grupo que realiza algum gasto estritamen-te positivo. A magnitude do gasto realizado supera a renda familiar per capitapara os grupos de renda mais baixos, indicando seu elevado grau de regressividade.Além disso, a sensibilidade da probabilidade de gasto à renda e à educação, nãosendo possível diferenciar entre ambos os efeitos marginais em decorrência daforte correlação entre renda e educação, sugere que o consumo com medicamen-tos apresenta uma característica de tecnologia Leontief, na qual variações margi-nais não parecem ter impacto significativo sobre o bem-estar das famílias, aomenos para um certo nível mínimo de consumo. Dessa forma, os domicílios ougastam esse nível mínimo ou optam por realizar gastos nulos.

A natureza preliminar deste estudo sugere cautela, porém, com os resul-tados obtidos. São necessários ainda testes tanto de especificação do modeloquanto uma análise mais detalhada das freqüências da amostra e de eventuaisproblemas de seleção. Esse ponto é particularmente relevante na medida emque cerca de 21.500 domicílios da amostra não foram selecionados, quase20% do total. Por fim, o surpreendente impacto da composição familiar, comojá dito anteriormente, deve ser investigado com maior detalhe. Entretanto,testes preliminares, reportados na versão completa deste artigo, indicam que autilização do modelo de Heckman não resulta em alterações significativas nosresultados obtidos, em particular não resultam em maiores impactos da com-posição familiar sobre o gasto com saúde.

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REFERÊNCIAS

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