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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSFACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DEUSMAURA VIEIRA LEÃO
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: EFEITOS SIGNIFICANTES
Goiânia2008
DEUSMAURA VIEIRA LEÃO
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: EFEITOS SIGNIFICANTES
Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Giovani Burgarelli
Goiânia2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Leão, Deusmaura Vieira.L437a Aquisição da linguagem escrita [manuscrito]: efeitos
significantes / Deusmaura Vieira Leão. – 2008. 71 f. Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Giovani Burgarelli.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Educação, 2008.
Bibliografia: f. 70-71.
1. Alfabetização 2. Linguagem – Aquisição da Escrita
3. Psicanálise I. Burgarelli, Cristóvão Giovani II. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Educação. III. Título.
CDU: 372.45
Permitida a reprodução total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte – O autor
Ana Luisa, Arthur, Laura, Ana Clara, Marina, Vitor, Bruna, Julia, Lucas..., enfim, a todas as crianças que de alguma forma inspiraram a realização desta pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Cristóvão Giovani Burgarelli pela disponibilidade em me
orientar, pela compreensão dos momentos difíceis que se apresentaram durante este percurso
e que sempre acreditou em minhas possibilidades, acompanhou-me e incentivou-me durante
todo o processo.
Ao meu esposo, Carlos, pelo amor, compreensão e carinho que se fazem presentes
durante vinte anos de relacionamento.
A meus pais, pelo exemplo de vida e incentivo acadêmico e profissional.
Aos meus lindos filhos Luan Carlos e Higor, pelo carinho que mais uma vez
vivenciaram minhas ausências nas suas vidas.
Aos meus irmãos Marília, Marizia, Maiza, Rosana e Humberto que tiveram a
paciência de compartilhar os momentos de angústias no decorrer deste trabalho.
Aos meus cunhados e cunhada Elcio, Ivan, Cristiano, Fábio e Lurdes pelo apoio e
incentivo.
Aos amigos Adão, Madalena, Manoel e Nizete pela palavra carinho, paciência,
compreensão... cada qual no seu momento e a seu modo.
Ao professor Marcos Corrêa da Silva Loureiro e Glacy Queiróz de Roure, pelas
contribuições enriquecedoras no exame de qualificação.
À professora Drª. Sonia Borges por aceitar o convite para participar da banca examinadora.
RESUMO
Leão, Deusmaura Vieira. Aquisição da linguagem escrita: efeitos significantes. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2008, 71 p.
Aquisição da língua escrita: efeitos de significantes é resultado de um estudo vinculado à Linha de Pesquisa Cultura e Processos Educacionais do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás. Este estudo tem por objetivo realizar uma reflexão acerca do caminho percorrido pela criança, desde as primeiras produções gráficas feitas em sala de alfabetização, até o texto escrito, bem como acerca do posicionamento teórico dos professores frente a essa produção. Para isso, apresentou-se o cenário da alfabetização no contexto atual, explicitando-se o campo teórico predominante na sala de aula, ou seja, uma descrição da concepção que fundamenta a prática dos professores alfabetizadores e de como estes vêem a aquisição da escrita pela criança. Para esse intento foi feita uma releitura dos trabalhos de Emília Ferreiro e colaboradores, os quais, considerando a criança um ser cognoscente que passa por níveis de conceituação que evidenciam as hipóteses que formula sobre a língua escrita na fase de alfabetização, entendem que ela (re)constrói o conhecimento sobre a língua por meio de sua própria elaboração. Discute-se que essas pesquisas trouxeram modificações na concepção de escrita, passando a subsidiar teoricamente documentos oficiais como o Referencial Curricular para Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que constituíram-se, oficialmente, em sugestão para subsidiar a organização dos trabalhos pedagógicos desenvolvidos nas salas de aula da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Para que o objetivo da pesquisa fosse alcançado recorreu-se a um referencial que expõe o sujeito como efeito de linguagem e as posições subjetivas que implicam a representação do sujeito na língua, muito importantes para a compreensão da criança como ser falante no processo de alfabetização e as transformações ocorridas em sua fala e escrita. A abordagem do escrito infantil mantém um diálogo com as reflexões realizadas por Borges (2006) em seu livro: O quebra-cabeça: a alfabetização depois de Lacan. Metodologicamente, optou-se por algumas reflexões sobre as produções escritas das crianças realizadas em sala de aula e pela análise dessas produções com base no arcabouço teórico exposto no decorrer do trabalho. Constatou-se que quando se levam em consideração as marcas efetivas do Outro e os efeitos dos significantes, ou seja, os processos metafóricos e metonímicos presentes na produção infantil, obtém-se melhor compreensão do processo de aquisição da linguagem.
Palavras-chave: Alfabetização; Construtivismo; Aquisição da língua escrita; Processos metafóricos e metonímicos; Psicanálise.
ABSTRACT
Written language acquisition: effects of signifiers. Dissertation (Post-graduation Program on Education) - College of Education, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2008, 71 p.
Written language acquisition: effects of signifiers is the result of a study linked to the research line Culture and Educational Processes of the Post-graduation Program in Education of Universidade Federal de Goiás. It aims at reflecting about the way children go through from their first graphic productions literacy classes up to the written text, as well as about the teachers’ theoretical conception regarding to this production. In order to achieve this , aim it was demonstrated the actual literacy setting scenary by the elucidation of the predominant theoretical field inside the classroom, that is, the description of the conception which underlies literacy teachers’ practice, and how they see written language acquisition by the child. In order to do it were reread the works of Emilia Ferreiro and collaborators, who, considering children cognoscent beings who go through conceptualization levels which show the hypotheses they build about the written language in literacy phase, propose that they (re)construct their knowledge about the language by means of their own elaboration. These researches changed the conceptions of written language, and theoretically supported official documents such as the Curricular Reference for Children’s Education and the National Curricular Parameters, which, officially were offered as suggestion for the organization of pedagogical practice in classes of Children’s Education and of the former years of fundamental teaching. In order to achieve the aim of this study, the reading of authors who explain written language acquisition in another way was fundamental. This theoretical reference considers the subject as effect of language and the subjective positions which imply the representation of the subject in the language are very important to understand the children as speaking beings in the literacy process and the changes in their oral and written language. The approach to children’s written language made a dialog with the reflections of Borges (2006) in her book O quebra-cabeça: a alfabetização depois de Lacan (The puzzle: the literacy process after Lacan). Methodologically, the option was to reflect about the texts written by children in classroom and about the analysis performed by the teacher with the theoretical reference used in this study. It was verified that, to a better understanding of written language acquisition process, it is essential to take into account the effective marks of the Other and the effects of signifiers, that is, the metaphorical and metonymical processes which occur in children’s production.
Keywords: Literacy; Construtivism; Written language acquisition; Metaphorical and metonymical processes; psychoanalysis.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
As reflexões realizadas no decorrer deste trabalho buscam um novo olhar sobre a
aquisição da língua escrita nos primeiros anos de escolarização da criança, entre quatro a seis
anos de idade. Para tanto, fundamentar-se-ão na perspectiva interacionista sobre aquisição da
linguagem, de início apresentada nos trabalhos de Lemos (1997, 1995, 1882, dentre outros)
realizados no campo da linguagem oral, e, em seguida estendida por Borges, 2006.
Sob essa perspectiva teórica, é possível uma interpretação das manifestações
gráficas iniciais das crianças que se distanciam tanto de concepções de linearidade e
literalidade das unidades lingüísticas, palavras ou frases, tais como idealizadas no campo dos
estudos considerados mais tradicionais sobre a linguagem, quanto da noção psicológica de
sujeito própria de uma abordagem cognitivista; além de possibilitar assumir uma concepção
de mudança que faz surgir várias indagações sobre uma abordagem do processo de aquisição
de escrita dirigida pela noção de desenvolvimento.
Propõe-se apresentar uma reflexão acerca do caminho percorrido pela criança
desde as primeiras produções gráficas feitas em sala de aula, entendendo-se que estas vão
revelar um saber-fazer da escrita já constituído antes de a criança passar pelo processo de
escolarização. No entanto, buscar-se-á explicitar uma diferença radical entre Ferreiro e o
referencial assumido por esta pesquisa; enquanto o primeiro coloca esse saber nas capacidades
cognitivas da criança, nesse outro trata-se de uma articulação lingüístico-discursiva que a
constitui como sujeito “que supostamente sabe”.
Antes da apresentação das produções gráficas das crianças, buscou-se, no
primeiro capítulo, compreender o cenário da alfabetização no contexto atual, ou seja: quais as
concepções de alfabetização que norteiam a prática dos professores alfabetizadores? Como é
vista a aquisição da língua escrita pela criança e que autores subsidiam a prática desses
professores? Nesse capítulo, observa-se que a aquisição da língua escrita, antes da década de
80, era compreendida apenas como domínio de um código cujo funcionamento se explicava
pela associação de fonemas na formação de sílabas, palavras e frases; e que bastava à criança
dominar a grafia das letras, pelo amadurecimento da coordenação motora, associá-las aos seus
respectivos sons, pela capacidade de atenção e memorização para ser considerada
alfabetizada. Depois das pesquisas de Ferreiro, aconteceram algumas modificações na
concepção de escrita, que passou a ser entendida como processo de representação da
linguagem, como objeto sócio-cultural de conhecimento.
Em uma perspectiva construtivista, os pré-requisitos não são habilidades ou destrezas que a criança deve demonstrar possuir antes que lhe autorizem a participar do ensino formal (para que participe “com proveito”, que não seja desperdiçado algo tão valioso...) mas aquelas noções, representações, conceitos, operações, relações etc., que aparecem teoricamente fundamentadas e empiricamente validadas como as condições iniciais sobre as quais – e dadas certas condições que se caracterizam teoricamente como processos de desequilibração – se constroem as novas concepções. (FERREIRO, 2001, p. 67)
Com isso, o enfoque sobre a aquisição da língua escrita ganha outra dimensão,
partindo do como se ensina para o como se aprende, distanciando-se da perspectiva
associacionista presente no contexto escolar até o final da década de oitenta, que tinha como
preocupação central os métodos de ensino. Com as pesquisas de Ferreiro, houve um
rompimento dessa concepção, uma revolução conceitual na área da alfabetização,
privilegiando a relação da criança com a escrita, ou seja, passa-se a considerar que ela precisa
pensar, criar hipóteses sobre a escrita para se alfabetizar.
A partir desse momento, entende-se que a criança não assume o papel passivo,
segundo o qual ela aprenderia através de condicionamentos e associações, cuja única
atividade seria uma tendência à imitação e generalização. Ferreiro e Teberosky apontaram
para um sujeito ativo que categoriza, estabelece relações, constrói hipóteses sobre o
funcionamento da escrita; um sujeito que reconstrói a linguagem.
Os trabalhos de Emília Ferreiro e colaboradores tiveram divulgação,
principalmente no Brasil, com a publicação do seu livro A psicogênese da língua escrita
(FERREIRO & TEBEROSKY, 1985), no qual se apresenta o resultado de suas pesquisas
acerca do processo de aquisição da língua escrita bem como os níveis e etapas pelas quais as
crianças passam no período de alfabetização. Vale ressaltar que essas pesquisadoras tiveram
seu trabalho sustentado teoricamente na teoria piagetiana, que considera que a atividade
estruturante da criança faz com que ela construa esquemas interpretativos para compreender a
natureza da escrita. Para tanto, são contempladas as capacidades cognitivas (a criança pensa,
desenvolve raciocínios) e lingüísticas (desenvolve concepções sobre o sistema de escrita).
O construtivismo tornou-se referência para muitos educadores e pesquisadores,
passando a fazer parte, também, de documentos oficiais como os Referenciais Curriculares
Nacionais para Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Esses documentos
relatam que somente foi possível uma mudança na prática de muitos professores
alfabetizadores depois das pesquisas de Emília Ferreiro, quando eles passaram a adotar um
novo conceito de alfabetização.
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Os resultados dessas investigações também permitiram compreender que a alfabetização não é um processo baseado em perceber e memorizar, e, para aprender a ler e escrever, o aluno precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: ele precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a linguagem. (PCN, 1997, p. 21)
Como é proposto pelo construtivismo, no processo de aquisição da língua escrita,
a criança (re)constrói o conhecimento sobre a língua por intermédio de sua própria
elaboração, que se dá por uma sucessão de etapas, cada uma delas representando um estágio,
nível importante do processo.Tal como é proposta por essa concepção teórica, o aprendiz é
um sujeito ativo, e sua aprendizagem é dependente de ações e operações do sujeito e não
simplesmente resultado de estímulos externos, ou seja, “a obtenção de conhecimento é um
resultado da própria atividade do sujeito [...], isto significa que o ponto de partida de toda
aprendizagem é o próprio sujeito” (FERREIRO, 1985, p. 29); assim, o sujeito é o verdadeiro
ator no processo da aquisição da língua escrita que busca, constantemente, compreender o
mundo a sua volta. Ela considera a criança um ser cognoscente na medida em que procura a
aprendizagem dos conceitos da escrita e enfatiza que essa aprendizagem é um processo de
apropriação do conhecimento só é possível com o pensar e o agir do sujeito sobre o objeto
que ele quer conhecer.
O sujeito cognoscente, estabelecido por essa teoria, está presente na aprendizagem
da leitura e da escrita; ela estabelece que ele (sujeito) passa por níveis de conceituação que
demonstram as hipóteses que formulou acerca da língua escrita; portanto, o foco decisivo
sobre a alfabetização deixa de ser perceptivo e passa a ser conceitual.
Segundo Ferreiro, as crianças seguem uma linha de evolução regular até a
aquisição da língua escrita, elaboram hipóteses para compreender o funcionamento do código
escrito e passam por diferentes etapas que podem ser reconhecidas durante o processo de
alfabetização. Para essa autora, a criança, “durante o período de contato com os sinais gráficos
passa por estágios de evolução que são caracterizados em quatro grandes níveis: pré-silábico,
silábico, silábico-alfabético e alfabético” (KATO, 1994, p. 54).
No decorrer do primeiro capítulo, serão explicitadas as etapas pelas quais a
criança passa no processo de aquisição da língua escrita, segundo Ferreiro. Isso se faz
necessário uma vez que, na avaliação feita das atividades escritas das crianças, aqui
apresentadas, a professora analisa-as, levando em consideração as etapas que as teorias
construtivistas consideram existentes nesse processo. Segundo a hipótese da existência de
etapas no processo de aquisição da escrita, na etapa pré-silábica, a criança não busca
correspondência entre as formas gráficas e o som das letras; na etapa silábica, ela começa a
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formulação de hipóteses acerca da fonetização, ou seja, relaciona cada sílaba oral da palavra a
uma letra. Depois a criança caminha para a etapa alfabética, na qual ela identifica que as letras
representam os fonemas da língua.
Já no segundo capítulo, buscou-se a filiação teórica a autores que explicitam de
outra maneira a aquisição da língua escrita, como Claudia Lemos (1997, 1995, 1882), Borges
(2005), Burgarelli (2005) Vivacqua (2004), dentre outros. Constatou-se a contribuição da
lingüística e da psicanálise no processo de alfabetização, ao buscar explicar como se dá o
caminho que a criança percorre, desde a fala até a escrita, no processo de aquisição dessas
duas linguagens.
Os trabalhos desenvolvidos por Borges (2006) são, particularmente relevantes
para compreender a aquisição da linguagem escrita sob um outro olhar, principalmente
quando faz reflexões sobre os trabalhos de Emília Ferreiro e de Piaget, os quais trazem a
escrita como representação da linguagem oral. Ela considera que, ao buscar outra
compreensão da escrita inicial ou pensar a alfabetização em uma proposta que fuja do
representacionismo, surgem possibilidades de investigação para a vertente interacionista para
a compreensão do processo de aquisição da linguagem. Para isso, Borges (2006) considera
importantes os pressupostos teóricos da lingüística e da psicanálise. Essa autora, ao considerar
a sistematicidade e o funcionamento da língua, em relação aos estudos sobre a linguagem
inicial da criança, direciona a pesquisa em alfabetização para fora da posição
representacionista.
Para realizar uma discussão sobre a questão do sujeito no campo da linguagem,
Borges (2006) considera imprescindível levar em consideração a psicanálise e, mais
especificamente, os estudos de Jacques Lacan, que apresenta uma proposta de reflexão a partir
de uma “nova ciência”, que estuda a linguagem reconduzida sob a perspectiva psicanalítica. A
leitura e a análise dos trabalhos de Lacan são instigantes e possibilitam a construção de um
viés significante na discussão sobre o papel da escrita, ou seja, ele ultrapassa as abordagens
meramente instrumentais, que consideram a linguagem apenas como instrumento de
comunicação.
Em seus estudos, Lacan, como psicanalista, a partir da sua escuta e de sua
construção teórica, pôde trazer elementos importantes a respeito do saber sobre a língua e,
para isso, ele se apropria de uma série de termos lingüísticos, destacando os conceitos de
estrutura, sujeito, signo – este último utilizado por Ferdinand Saussure, o fundador da
Lingüística – e metáfora e metonímia, contidos na obra de Roman Jakobson, um dos
fundadores do grupo dos Formalistas Russos (1915-1920). Ele traz uma reflexão sobre a fala e
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a linguagem numa perspectiva psicanalítica e afirma que “a lingüística pode servir-nos de
guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia
contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indiferentes” (LACAN, 1998a, p. 286).
Nesse capítulo, poderá ser constatada a importância das posições subjetivas que
implicam a representação do sujeito na língua, buscando entender a criança como ser falante
no processo de alfabetização e as transformações ocorridas na fala da criança, devido à
predominância do funcionamento lingüístico nas três instâncias - outro, língua e fala do
sujeito, conforme propõe Lemos (1982).
De acordo com o referencial explicitado nesse capítulo, o sujeito é efeito de
linguagem; trata-se de um conceito vinculado ao conceito de inconsciente, sendo que em
ambos fazem-se sentir as marcas do discurso do Outro. A aquisição da leitura e da escrita pela
criança deve ser analisada levando-se em consideração que o Outro pode ser definido,
também, como tudo o que foi articulando-se através da linguagem oral e escrita no grupo
social de que a criança faz parte. Assim, o Outro seria constituído como uma superposição de
discursos, considerando-se que, socialmente, a criança está inserida em grupos, instituições,
ideologias e culturas diversas, cada uma delas apresentando características próprias, ou seja,
cada qual girando ao redor de significantes determinantes.
O terceiro capítulo apresenta algumas reflexões sobre o caminho percorrido pelas
crianças em seus primeiros escritos, tomando por base alguns trabalhos produzidos por
crianças em sala de aula (alfabetização), durante o ano letivo de 2007. Tentar-se-á uma
articulação com o arcabouço teórico exposto e defendido no decorrer desta pesquisa.
Percebe-se que as atividades escritas realizadas pelas crianças em sala de aula são
avaliadas segundo a concepção que considera a aquisição da escrita na relação dual oralidade/
escrita, e o processo de alfabetização, sob esse ponto de vista, se reduz à mera construção de
representações das categorias da língua constituída, conforme Borges (2006). Essa autora
ressalta, ainda, que a aquisição da língua escrita deve ser concebida como uma tríade
oralidade/escrita/língua.
Para entender melhor o caminho percorrido pela criança na constituição da língua
escrita, foram levadas em consideração as marcas efetivas do Outro na constituição dessa
escrita e os efeitos dos significantes presentes. É possível perceber nas produções gráficas das
crianças as “posições”1 pesquisadas por Lemos (1997), quando discute a aquisição da
linguagem oral. Em seus estudos, Lemos buscou compreender o processo de aquisição da
linguagem pela criança, identificando as transformações ocorridas na fala da criança e a
1 As “posições” propostas por Lemos (1997) serão discutidas no segundo capítulo.
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trajetória que percorre do estado de infans2 para o de sujeito-falante, ou seja, o processo de
subjetivação aí implicado. “Posições” da criança na língua, definidas como primeira posição,
segunda posição e terceira posição, nas quais a criança parte da posição de interpretado pelo
outro à posição de intérprete de sua própria fala e da fala das outras pessoas, segundo Lemos
(1997).
As reflexões das produções escritas das crianças permitem uma relação com as
“posições”, pois os primeiros escritos da criança terão fragmentos da escrita da professora,
sendo que a interpretação que ela fará desses escritos poderá constituir as marcas do Outro ali
presente e, posteriormente, a criança consegue fazer reformulações e/ou correções em suas
produções, como foram constatadas nas atividades apresentadas no terceiro capítulo.
2 Infans do latim, criança que não fala. A aquisição da linguagem é, portanto, a passagem do infans, aquele que não fala, para sujeito falante.
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CAPÍTULO 1 – CONSTRUTIVISMO: UM PASSADO QUE ATÉ POUCO
TEMPO ERA SONHO
O fracasso escolar foi o alvo principal da revisão das práticas tradicionais da
alfabetização até a década de 1980. As ações em torno dessa revisão objetivavam descobrir
uma maneira mais eficiente de se ensinar; ou seja, encontrar formas que aprimorassem o
ensino e tivessem como enfoque didático os métodos sintéticos e analíticos. Os sintéticos, a
partir de elementos menores que as palavras, e os analíticos, a partir da palavra ou unidades
maiores.
1 - O Olhar no olhar de Emília Ferreiro
A partir de 1980, os estudos sobre a psicogênese da língua escrita de Emília
Ferreiro, pesquisadora argentina, marcaram a história da alfabetização brasileira. A prática de
ensino, desde então, por meio da palavra construtivismo, ganha nova roupagem, novo olhar,
nova interpretação; pois o processo de aquisição da língua escrita passa a focalizar a atenção
na criança, que constrói o conhecimento através da língua escrita, contrapondo-se ao ensino
tradicional de antes, que buscava métodos de como ensinar, que desconsideravam o
conhecimento e a experiência de ‘mundo’ que a criança possuía.
Na interpretação e perspectiva da linha construtivista, na qual se insere Emília
Ferreiro, altera-se a concepção, predominante até então, da criança como passiva no processo
de aquisição da língua escrita para uma concepção em que ela é vista como exercendo papel
ativo nesse processo. Percebe-se que, à luz de pesquisas e estudos, têm-se buscado a
compreensão holística da criança no processo da aquisição da língua escrita, pois, constata-se
que, nos primeiros estudos sobre alfabetização, não se sabia muito sobre o que se ensinava,
como a criança aprendia sua língua materna, nem como se dava o desenvolvimento do
processo cognitivo.
O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) - 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental consideram
que no processo de ensino-aprendizagem, o ler e o escrever ganham sentido por meio da ação
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efetiva da criança. Kato (1994) destaca que os aspectos puramente formais, as noções de
conteúdos e uso dessa língua perpassam conceitos de alfabetização e compartilham a atenção
de pesquisadores, que vêem, nesse processo, a aquisição e desenvolvimento subjetivo da
língua, e não apenas um objeto de estudo na qualidade de sistema abstrato de signos, muito
menos ensinada apenas como habilidade motora, como aquisição de uma técnica de registrar
sons em vez de atividade cultural complexa.
Apesar das diversas críticas que tem recebido nos últimos anos, a perspectiva
construtivista trouxe muitas contribuições para o entendimento desse tema, pois se alterou a
concepção, até então, do processo de construção da representação da língua escrita pela
criança. Esta deixa, assim, de ser considerada como dependente de estímulos externos para
compreender e atuar ativamente no seu processo de aquisição da língua escrita, englobando
suas experiências e vivência na sociedade letrada.
1.1 O árduo caminho de leitor de mundo a leitor de escrita
Weiz (2006) considera impotente o arsenal de métodos que a escola tem para
ensinar a ler e a escrever, equivalentes ao mesmo número de crianças que não os aprendem:
[...] é irônico pensar que há, nas escolas, variedades de métodos que ensinam a criança a ler e a escrever, no entanto, o número de crianças que não aprende é grande; bloqueia-se o conhecimento porque se desconsidera que a mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando de um cérebro que pensa sobre a escrita. (WEIZ, 2006, p.11).
Dessa forma, a autora, ao contrapor as teorias empiristas e inatistas, indica um
afastamento entre os processos de ensino e processos de aprendizagem, dando grande ênfase
aos últimos. Com isso, extrai da marginalidade os processos psicológicos envolvidos na
aquisição da língua escrita ao reconhecê-la como processo de construção no qual, entre “a
mão que escreve” e o produto final, encontra-se “um sujeito que pensa” que, para
compreender, deve produzir, objetivando assimilar, transformar e construir seu próprio
conhecimento e, conseqüentemente, apropriar-se do conhecimento dos outros, segundo
Ferreiro.
Essa perspectiva teórica possibilitou demonstrar uma postura transformadora em
relação ao ensino da escrita, na qual se estabelece que a criança, por viver em um mundo
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letrado, tem conhecimento prévio de leitura, pois o contato com a língua desde o nascimento
gabarita-lhe noções preliminares que a escola deveria considerar e explorar durante o processo
de alfabetização. Ao descartar essa ‘bagagem letrada’ da criança, os processos de
alfabetização das escolas criam coreografias cíclicas entre reprovação, evasão e fracasso
escolar. Há muitas discussões em torno desse problema - questões incisivas que camuflam os
sintomas do fracasso escolar - e que, displicentemente, traduzem-se no gesto de origem
bíblica de “lavar as mãos” frente à postura apática da criança, que não está ‘pronta’ para ser
alfabetizada.
As questões abordadas por Weiz contrapõem-se à aquisição da leitura e da escrita
no modelo tradicional, pois nessa figura a valorização do professor, considerado o centro do
processo e, em alguns casos, a aprendizagem da escrita deveria acontecer pela apresentação à
criança de elemento por elemento, letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra e,
finalmente, o texto, supondo-se que a soma linear dos elementos levaria à totalidade.
Percebe-se que o foco não consistia em direcionar a atenção da criança para os
significados dos textos e, muito menos, em formar leitores. Ao utilizar o método sintético, os
conceitos de fácil e difícil eram determinados de acordo com a visão do adulto já alfabetizado,
sem levar em consideração que a definição de fácil e difícil poderia ser estabelecida também
pela criança.
Encontra-se, ainda, no modelo tradicional, uma forma de aquisição da escrita e da
leitura estabelecida pelo método analítico, o inverso do método sintético, portanto, que propõe
iniciar o processo de alfabetização por textos, frases ou palavras, depois o desmembramento
dessas palavras em sílabas e letras.
Os métodos de alfabetização sintéticos ou analíticos - partindo de fonemas, letras
ou sílabas, de palavras ou frases - têm sempre como pressuposto que todas as crianças
deveriam aprender as mesmas coisas num mesmo tempo, num mesmo ritmo e da mesma
maneira. Ao olhar mais atento, nessas propostas de alfabetização, percebe-se que a criança
fica totalmente à mercê da repetição e da memorização.
Partindo dessa reflexão, para o construtivismo, a escrita não deve ser considerada
cópia de um modelo. Pois se acredita que, quando essa é encarada como técnica de
reprodução do traçado gráfico ou como um problema de regras de transcrição do oral, se
desconhece que, além do aspecto perceptivo-motor, escrever é uma tarefa de ordem conceitual
(FERREIRO, 1996).
Ferreiro (1996), na obra Alfabetização em processo, destaca um aspecto
importante nos processos de construção da leitura e da escrita: o problema cognitivo
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envolvido no estabelecimento da relação subentende que o todo e as partes o constituem.
Emília mostra que a criança elabora uma série de hipóteses, trabalhadas através da construção
de princípios organizadores, que é o resultado não só de vivências externas, mas também de
um processo interno. A autora ressalta ainda que a criança assimila seletivamente as
informações disponíveis e interpreta textos escritos antes de compreender a relação entre as
letras e os sons da linguagem.
Diante disso, considera-se que, a aquisição da linguagem, é compreendida,
principalmente, como forma de interação, manifestada por meio dos diversos usos sociais
construídos no seu contexto e na sua cultura, ou seja, no mundo à sua volta. Então, nesse
processo, aprender sobre essas funções é tão importante quanto aprender sobre suas formas.
Do exposto, considerar-se-á que a criança estabelece, desde o início, no seu discurso, as
marcas do eu, ou seja, a subjetividade, intencionalidade do seu enunciado.
Assim, percebe-se que a alfabetização inicial era considerada, anteriormente à
concepção construtivista, somente em função da relação entre o método utilizado e o estado
de “maturidade” ou de “prontidão” da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem,
quem aprende e o texto, têm sido caracterizados sem que se leve em conta o terceiro elemento
da relação – a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta aprendizagem. Ou seja, na
abordagem construtivista considera-se que a criança sabe por si e o professor propõe uma
escrita do nada;a criança que sabe, passa a um saber “mais elaborado” devido à função do
outro, além da importância do material textual (oral e escrito) que circula em sala.
1.1.1 - O impacto das idéias de Ferreiro e Teberosky sobre as concepções de
alfabetização
A escrita pode ser considerada como representação da linguagem ou como
código de transcrição gráfica das unidades sonoras. A invenção da escrita foi um processo
histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação.
Existem dois sistemas envolvidos no início da escolarização - o sistema de representação de
números e o sistema de representação de linguagem -- havendo, para a criança, dificuldades
conceituais semelhantes na construção desses dois sistemas e, por isso, pode-se dizer, em
relação a ambos, que a criança os reinventa. O processo de aquisição das representações
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numérica e lingüística não está em reinventar as letras e/ou números, mas em compreender
seu processo de construção e suas regras de produção.
Dessa forma, a distinção que se estabelece entre sistema de codificação e
sistema de representação não é apenas terminológica. Suas conseqüências para a ação
alfabetizadora marcam nítida linha divisória. Assim sendo, quando uma criança escreve tal
como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras, está oferecendo um
valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para ser avaliado. Aprender a lê-las,
interpretá-las é um longo aprendizado que requer uma atitude teórica apropriada.
Do ponto de vista construtivista, a escrita infantil segue uma linha de evolução
surpreendentemente regular, um referencial explicativo que considera o aspecto social e
socializador da educação escolar no âmbito das experiências levadas a cabo pela criança.
Observa-se que, a partir desses argumentos, a escrita não é um produto escolar, mas sim um
objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. E como objeto cultural, a escrita
cumpre diversas funções sociais. (COLL, 1997).
Segundo pesquisas de Ferreiro e Teberosky, as crianças elaboram idéias próprias a
respeito dos sinais escritos, idéias estas que não podem ser atribuídas apenas à influência do
meio ambiente. Dados dessas pesquisas constataram que crianças de quatro anos raramente
orientam-se de acordo com a forma convencional que se estabelece, da esquerda para a direita
e de cima para baixo, e, quando a leitura ou escrita aparecem dessa forma, combina com
outras, com tendência à alternância, que consiste em dar continuidade ao ato de assimilar;
continuar do ponto onde parou, originando, assim, combinação de direção alternativa em cada
linha.
De acordo com essas autoras, a criança que cresce em um meio ‘letrado’ está
exposta à influência de uma série de interações. Não precisa atingir a idade certa nem
precisam de professores para começar a aprender. A partir do nascimento, já é construtoras de
conhecimento. Levanta problemas difíceis e abstratos e trata por si próprias de descobrir
respostas para eles. Está construindo objetos complexos de conhecimento. E o sistema de
escrita é um deles. O propósito de manter o processo de aprendizagem sob controle traz
implícita a suposição de que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão
da aprendizagem.
Ferreiro descobriu e delineou a psicogênese da língua escrita e abriu espaço para
um novo tipo de pesquisa em pedagogia. Ela deslocou o foco investigativo do como se ensina
para o que se aprende. O processo de alfabetização nada tem de mecânico do ponto de vista
da criança que aprende, porque a criança constrói seu sistema interativo, pensa, raciocina e
19
inventa, buscando compreender esse objeto social complexo que é a escrita. Essa mudança
conceitual sobre a alfabetização lançada por Ferreiro acabou levando a mudanças profundas
na própria estrutura escolar.
Das literaturas citadas, colige-se que nenhuma criança chega à escola ignorando
totalmente a língua escrita. Sabe-se que a criança, quando “chega à escola, tem um notável
conhecimento de sua língua materna, um saber lingüístico que utiliza sem saber nos seus atos
de comunicação cotidianos” (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p. 24). Elas aprendem não
porque vêem e escutam ou por ter lápis e papel à disposição e sim porque trabalham
cognitivamente com o que o meio lhes oferece. Para aprender a ler e a escrever, é preciso
apropriar-se desse conhecimento por meio da reconstrução do modo como ele é produzido; ––
é preciso reinventar a escrita. Os caminhos dessa reconstrução são os mesmos para todas as
crianças, independentemente de classe social.
1.1.2 - As pesquisas de Ferreiro – RCNEI e PCN
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), aborda que
[...] para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a linguagem. Isso significa que a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si mesmas. (RECNEI, 1998, 122)
No início da década de 80, baseadas nas pesquisas de Piaget, Emília Ferreiro e
Ana Teberosky realizaram estudos com quase mil crianças sobre o desenvolvimento da
linguagem escrita, nos quais foram pioneiras ao descrever a psicogênese da língua escrita sob
a denominação de ‘construtivismo’ e demonstraram que as crianças passam por etapas de
evolução na aquisição da língua escrita. Essa pesquisa consistiu na criação de situações
experimentais inspiradas no método de Piaget, com utilização do método de indagação, com
base no qual faziam argüições às crianças, confrontando-as com as atividades de leitura e
escrita. Com esse experimento, foi possível “ir descobrindo as hipóteses que a criança põe em
jogo na raiz de cada uma das tarefas propostas” (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p. 34), ou
20
seja, compreender os diferentes caminhos percorridos pela criança na busca pela compreensão
e pela construção da língua escrita.
O resultado dessa situação experimental provocou significativas alterações na
fundamentação teórica do processo ensino-aprendizagem da lectoescrita, deslizando do ponto
de "como se ensina" para "como se aprende" a ler e a escrever, levando em consideração a
relação que se estabelece entre a natureza do objeto de conhecimento que envolve esta
aprendizagem (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985).
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e os Parâmetros
Curriculares Nacionais para os anos iniciais do Ensino Fundamental são documentos que se
propõem subsidiar o trabalho docente com orientações pedagógicas. Entretanto, não são um
material que deva ser seguido como receita, pois se constituem num conjunto de sugestões
para professores de creches, pré-escolas, anos iniciais e assim por diante. E, como subsídios,
devem ser criticamente analisados, adequados e flexibilizados em função da realidade na qual
se dá o processo de docência para que não surjam como espectros da realidade das escolas
públicas brasileiras. (SMOLKA, 1993).
Assim como o RCNEI e os PCN, também as pesquisas desenvolvidas em
laboratório por Ferreiro deveriam ser analisadas com criticidade; os primeiros são
descontextualizados das entranhas da educação brasileira e as segundas analisam a construção
do conhecimento pela criança através de experiências construídas com o objetivo de sua
validação. E um ponto a considerar nesse experimento, que não foi descrito, é o papel do
pesquisador na constituição das hipóteses que a criança faz sobre a língua, sugerindo que as
interferências promoveriam efeitos sobre as produções das crianças.
Da década de 80 até os dias atuais, os pressupostos teóricos defendidos pela
pesquisadora argentina estão presentes no discurso sobre alfabetização,, em documentos
oficiais do país, em cursos acadêmicos, em livros didáticos, em artigos de revistas
especializadas, em textos de anais de congressos, em programas de escolas públicas e
particulares e em textos sugeridos aos professores para utilizarem em sua prática pedagógica.
Enfim, não há dúvidas de que as suas concepções deixaram marcas no discurso escolar
brasileiro. No entanto, dessas marcas precisam-se suscitar novos apontamentos, provocações
intelectuais que questionem e investiguem a aplicabilidade dessa pesquisa restrita a um
laboratório.
21
1.2 - A Construção do conhecimento na perspectiva Ferreiriana
Ferreiro, em sua atuação profissional, revela, também, compromisso político com
a contribuição na busca de soluções para se enfrentar o problema do analfabetismo e acredita
que essa maneira de se pensar a alfabetização reduz o fracasso escolar de muitas crianças, que
não são alfabetizadas nos primeiros anos de escolarização, principalmente das crianças das
classes sociais menos favorecidas. (FERREIRO, 1991, p. 18).
Para ela, esse fracasso está vinculado à maneira pela qual o processo de
alfabetização vem sendo proposto e praticado - o problema da aprendizagem da leitura e da
escrita tem sido exposto como questão de método - ou seja, as pesquisas realizadas em
alfabetização no Brasil reduziram-se, quase que, exclusivamente, a enfocar o tema método. O
“como alfabetizar” vem sendo, portanto, a questão principal na produção científica no campo
da alfabetização por quase trinta anos. Contrariando totalmente o modo como se pensava a
alfabetização, Ferreiro e Teberosky provocaram as primeiras preocupações sobre o sujeito que
aprende, ao invés do que comumente se fazia nessa área: descobrir a melhor forma de
alfabetizar.
A divulgação, no meio educacional brasileiro, dos resultados das pesquisas de
Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a psicogênese da língua escrita provocou uma
“revolução conceitual” na área da alfabetização, pois foi preocupação incessante de Ferreiro,
no decorrer de sua pesquisa, desmistificar a idéia central que norteava as teorias de
alfabetização até então, predominantemente a visão associacionista, na qual a escrita era
entendida como código de transcrição gráfica das unidades sonoras. Assim, sua teoria deixava
de fundamentar-se em concepções mecanicistas sobre o processo de alfabetização, para seguir
os pressupostos da teoria piagetiana. Ainda, segundo essas autoras,
o modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem é simples: existe na criança uma tendência à imitação (tendência que as diferentes posições associacionistas justificarão de maneira variada), e no meio social que a cerca (os adultos que a cuidam) existe uma tendência a reforçar seletivamente as emissões vocálicas da criança que correspondem a sons ou pautas sonoras complexas (palavras) da linguagem própria desse meio social. (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p. 21)
Nota-se que a pesquisadora se empenha na reconstrução do processo de
apropriação da língua escrita pela criança como conhecimento e distancia-se da perspectiva
associacionista - sujeito passivo que aprende através de condicionamentos e associações, cuja
22
única atividade é uma tendência à imitação e à generalização. Nessa perspectiva, a aquisição
da linguagem acontece da seguinte forma: o adulto fala várias vezes o nome de um objeto
para a criança repetir, depois ela associa o som ao objeto e o transforma em signo, fazendo a
palavra. Para a psicogênese, ao contrário, a criança aprende de forma ativa e “um sujeito que
está realizando algo materialmente, porém segundo as instruções ou modelo para ser copiado,
dado por outro, não é, habitualmente, um sujeito intelectualmente ativo” (FERREIRO,
TEBEROSKY, 1985, p. 29).
Através das literaturas de Emilia Ferreiro pode-se observar que ela aponta para
um sujeito ativo que categoriza, estabelece relações, constrói hipóteses e procura por
regularidades; um sujeito que reconstrói a escrita como objeto de conhecimento e que já antes
do processo formal de alfabetização, a criança tem um “saber-fazer” sobre a escrita. Ferreiro
joga sua ‘semente’ em solo fértil, com a divulgação de suas pesquisas subsidiadas na
perspectiva construtivista, uma vez que, até a década de 70, outra realidade educacional já se
via estabelecida, baseada nos pressupostos de que a aprendizagem era receptiva e mecânica,
com ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos, predominância da autoridade do
professor que exige atitude receptiva dos alunos. Assim, a semeadura de Ferreiro provoca um
marco, um rompimento com as práticas pedagógicas tradicionais de alfabetização no que diz
respeito à aprendizagem da escrita, pois privilegia a relação da criança com a escrita o papel
ativo desempenhado pelas crianças no aprendizado.
Para a pesquisadora, a língua escrita deve ser entendida como um sistema de
representação da linguagem, concepção que se opõe àquela em que a língua escrita é
considerada como codificação e decodificação da linguagem. Conseqüentemente, opõe-se ao
conceito de alfabetização entendido como aprendizagem de duas técnicas diferentes (codificar
e decodificar a língua escrita), em que o professor é o único informante autorizado. Ferreiro
descreve que os conceitos de prontidão, imaturidade, habilidades motoras e perceptuais
deixam de ter sentido isoladamente, além de levarem os professores a realizar atividades
repetitivas, sem significado para as crianças.
No conceito de Ferreiro, as atividades que estimulam os aspectos motores,
cognitivos e afetivos são importantes e devem ser valorizadas pelo professor, mas precisam
estar vinculadas ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos e ser significativas para
eles. E, ainda, o aprendizado da leitura e da escrita deve seguir uma linha de evolução regular,
independentemente da classe social do aprendiz. De acordo com a autora, a criança deve
construir uma relação entre oralidade e escrita, o que se constitui, para ela, em um problema a
resolver: saber o que a escrita representa e como essa representação se faz, pois a escrita é
23
desenvolvida como sistema de representação, e a criança ao concebê-la apropria-se, também,
de um novo objeto de conhecimento.
Pode-se observar que Ferreiro, para tratar da aquisição da escrita, toma como
ponto de partida, o conceito de representação proposto por Piaget, conceito sobre o qual se faz
necessário falar mais um pouco. Para ele, esse termo pode ser entendido de duas formas,
primeiro como pensamento, ou como esquema operatório, em que os processos cognitivos
estariam relacionados necessariamente à construção conceitual da escrita, ou seja, a
aprendizagem da escrita não se dá de forma passiva e não é transcrição da fala. Na segunda,
relaciona a noção da representação como imagem, aí a escrita vem como representação da
linguagem oral (FERREIRO, 1996).
Conforme o exposto, pode-se dizer que a aprendizagem da escrita não ocorre de
forma isolada e que nem os elementos e nem as relações entre si são predeterminadas. Para
Ferreiro, as crianças devem compreender como se dá o processo de construção desse sistema
de representações e suas regras de produção, ou seja, são elas que (re)constroem o
conhecimento sobre a língua escrita, por meio de hipóteses que formulam para compreender o
funcionamento desse objeto de conhecimento.
Nesse processo de construção da escrita, a criança é vista como sujeito
cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo
seu, visão que se contrapõe à concepção de sujeito das teorias de alfabetização, em que ele é
passivo, em que sempre há outro que ensina; para Ferreiro o sujeito é epistêmico, ou seja, ele
mesmo agencia o seu processo de construção da escrita (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985).
É interessante ressaltar que Ferreiro e Teberosky apresentaram a descrição da
psicogênese da língua escrita, mas evitaram sugerir qualquer proposta didática de
alfabetização. Deixaram essa tarefa a cargo dos especialistas em alfabetização, e, com isso,
muitos alfabetizadores se sentiram perdidos, sem saber como conduzir os trabalhos em sala de
aula, pois estavam acostumados a seguir etapas, a realizar atividades preestabelecidas pelos
métodos tradicionais, sem levar em consideração a realidade dos educandos.
Assim, a interpretação do processo é explicada do ponto de vista das crianças que
aprendem, levando-se em consideração o conhecimento específico que possuem antes de
iniciar a aprendizagem escolar, a saber: a escrita não representa apenas um traço ou marca,
mas sim “um objeto substituto” - para uma criança em fase de descoberta, a escrita é
interpretada como forma de representar os nomes dos objetos.
O resultado da pesquisa de Ferreiro e Teberosky sobre a psicogênese da língua
escrita caracteriza-se pela sucessão de etapas cognitivas, que, com a instrução direta vinda
24
dos adultos, são, de forma original, formuladas pelas crianças em processo de conhecimento a
partir da interação com o meio social e escolar (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985). Segundo
Ferreiro, as crianças seguem uma linha de evolução regular até a aquisição da língua escrita e
elaboram hipóteses para compreender o funcionamento do código escrito. Foram os estudos
de Ferreiro e Teberosky sobre o que seria a psicogênese da linguagem escrita que lançaram
um novo foco sobre as tentativas de descrever as etapas pelas quais a criança passa durante o
processo de sua aquisição. Segundo as autoras, a criança, durante o período de contato com os
sinais gráficos, vai evoluindo gradativamente na aquisição da leitura e escrita.
1.3 - Uma explicação à luz de Piaget
Para melhor compreensão da teoria proposta por Emília Ferreiro, buscaram-se
alguns esclarecimentos sobre os pressupostos teóricos da psicogenética de Jean Piaget, que
sustentaram todo o trabalho desenvolvido por ela e seus colaboradores, mesmo sabendo que
sua doutrina não tinha como objetivo principal propor uma teoria de aprendizagem. Piaget
(1896-1980), biólogo, epistemólogo e psicólogo buscou, durante sua vida como pesquisador,
compreender o desenvolvimento do ser humano e tinha grande interesse na emergência de
estruturas novas em processos histórico-evolutivos.
Piaget estudou o que era generalizável na estrutura cognitiva humana: o sujeito
cognescente, ou seja, conhecedor. E questionou as posições do empirismo, que expõem
emanarem dos objetos e virem de fora para dentro as informações cognitivas, e do apriorismo/
inatismo, ao afirmar que –– “o sujeito está desde o início munido de estruturas endógenas que
ele imporia aos objetos”. (PIAGET, 1983, p.6).
Entre uma concepção do sujeito da aprendizagem como receptor de um conhecimento recebido de fora para dentro, e a concepção desse mesmo sujeito como um produtor de conhecimento, há um grande abismo. Esta é a diferença que separa as concepções condutistas da concepção piagetiana. (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p. 31)
No entanto, sua teoria destaca-se de outras pelo seu caráter inovador quando
introduz o "sujeito epistêmico", o que protagoniza o papel central do modelo piagetiano, pois
a grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do
25
homem, desde o início da sua vida até a idade adulta. Segundo Ferreiro e Teberosky (1985),
seus estudos fundamentam-se em trabalhar com o sujeito cognoscente, o sujeito que busca
adquirir conhecimento. Ela esclarece que
[...] é um sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p.15).
Na teoria piagetiana, o conhecimento resulta de interações que se produzem “a
meio caminho” entre sujeito e objeto, dependente da relação estabelecida entre eles, ou seja,
essa interação - sujeito/objeto - que resulta em construções sucessivas com elaborações
constantes de estruturas novas graças a um processo de equilibrações majorantes3, que
corrigem e completam as formas precedentes de equilíbrio.
Piaget, em sua pesquisa, utilizou o método clínico, que tinha exclusivamente a
preocupação de entender o processo mental que leva o indivíduo a elaborar determinadas
respostas, e não, com a resposta propriamente dita. Diante desse contexto, pouco importa se a
resposta fornecida pelo indivíduo está certa ou errada, mas o que proporcionou essa resposta.
Assim, contrapondo-se às visões de teorias behavioristas que o consideravam como resultado
de interferências negativas no processo de aprendizagem, o erro assume outro lugar, outra
dimensão: o que antes era fim de uma questão gera outras indagações. Por que o sujeito deu
essa resposta e não aquela? O que o levou a formular tal resposta?
Os aspectos apresentados pelo sujeito numa mesma fase de desenvolvimento
passam a ser analisados e observados conforme a especificidade de cada um. Dentro da
concepção cognitivista da teoria psicogenética, os erros passam a ser entendidos como
estratégias usadas pelo aluno na sua tentativa de aprendizagem de novos conhecimentos; outra
contribuição importante do enfoque psicogenético foi lançar luz à questão dos diferentes
estilos individuais de aprendizagem.
Segundo a teoria piagetiana, em cada momento do desenvolvimento intelectual
uma estrutura é responsável por uma forma particular de abordar o meio e emitir uma
resposta, pois em cada fase do desenvolvimento tem-se um modo típico de relacionamento
com o meio, determinado por uma estrutura mental característica e particular de raciocínio de
cada indivíduo. Para Piaget, não há cronologia fixa para tais fases, mas uma sucessão delas.
3 Mecanismo de evolução ou desenvolvimento do organismo. É o aumento do conhecimento
26
Afinal, seu objeto de estudo era o processo de conhecimento, tendo sido o estudo do
desenvolvimento humano apenas o recurso por ele usado para atingir seu objeto. Partindo
dessa afirmação, percebe-se que Emília Ferreiro transfere esse aspecto das concepções
piagetianas para a estruturação da psicogênese da língua escrita, ao estabelecer as hipóteses
construídas pela criança na aquisição da escrita. Ferreiro utilizou os princípios do método
clínico piagetiano, que consiste na realização de entrevistas com as crianças, para desvendar
os processos de aquisição da escrita socialmente constituída. Objetivou, com isso, explicar os
processos e as formas mediante as quais a criança chega a aprender a ler e escrever; a autora
diz que (...) “o caminho que a criança deverá percorrer para compreender as características, o
valor e a função da escrita, desde que esta se constitui no objeto da sua atenção, portanto, do
seu conhecimento” (FERREIRO, TEBEROSKY, 1985, p.15)
A aplicação da teoria genética no campo da aprendizagem trouxe benefícios,
principalmente, à área de alfabetização, uma vez que a teoria fornece parâmetros importantes
para a compreensão do “processo de pensamento da criança”, relacionados às fases do
desenvolvimento, bem como da grande ênfase às questões dos diferentes estilos individuais
de aprendizagem e a especificidade de cada criança na aquisição da leitura e da escrita.
Face às discussões apresentadas no decorrer do texto, conclui-se que as idéias de
Piaget representam um salto qualitativo na compreensão do desenvolvimento humano, na
medida em que se evidencia uma tentativa de integração entre o sujeito e o mundo que o
cerca.
1.4 - A organização do conhecimento infantil
Para Ferreiro e Teberosky, os níveis estruturais da língua escrita explicam as
diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos, e o processo de conceituação da
escrita caracteriza-se pela construção e pelas sucessivas formas de diferenciação, tanto dos
aspectos quantitativos, quanto qualitativos; e, ainda, essas formas de organizar os
conhecimentos infantis são classificadas em sua pesquisa como pré-silábico, silábico,
silábico-alfabético e alfabético (FERREIRO, 1991, p. 19)
No nível pré-silábico há a diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e as
não figurativas, começando as crianças a utilizar marcas figurativas quando desenham e as não
figurativas quando escrevem e passam a utilizar repetidamente diversos sinais gráficos, como
27
bolinhas, riscos, letras, números, como forma de representação da escrita. Segundo ela, nesse
momento, a criança não busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são
estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. Diferencia desenho e escrita e
busca, em alguns casos, variar os caracteres para escrever palavras diferentes.
O nível pré-silábico se caracteriza por um momento em que, após a diferenciação
entre o modo de representação icônico e o não-icônico, a criança passa a se fazer exigências
sobre os eixos qualitativo e quantitativo que considera necessários à possibilidade de ler e
escrever. Enfatizando que no eixo qualitativo a criança varia o repertório e a posição das
grafias para obter escritas diferentes e no quantitativo ela estabelece quantidades diferentes de
grafias para representar diferentes palavras; aspectos presentes na escrita das crianças nesse
nível. Outra característica marcante da escrita, desse nível, é a correspondência da quantidade
de sinais gráficos ao tamanho do objeto a ser representado e não ainda, aos sons da fala.
Ferreiro e Teberosky definem que o nível silábico pode ser dividido em silábico e
silábico alfabético. Elas explicam que, no silábico, a criança utiliza a hipótese da
correspondência quantitativa entre segmentação oral e os sinais gráficos, compreendendo que
as diferenças na representação escrita estão relacionadas com o “som” das palavras. Isto a
leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som, ou seja, nesse
momento, ela institui uma espécie de regra conceitual e estabelece a hipótese de que a cada
sílaba oral corresponderá a uma letra na escrita/leitura, com ou sem seu valor sonoro
convencional. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora
apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das
palavras.
Ferreiro e Teberosky (1985), destacam a grande importância da hipótese silábica
na evolução da escrita, pois permite à criança encontrar um meio de compreender a relação
entre a totalidade e as partes que compõem uma palavra. No nível silábico-alfabético,
conforme Ferreiro (2001), as crianças escrevem fazendo correspondência entre os sons e suas
formas silábica e alfabética e podem escolher as letras de forma ortográfica ou fonética:
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em via de serem construídos. Quando a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como uma unidade, mas que ela é, por sua vez, reanalisável em elementos menores, ingressa no último passo da compreensão do sistema socialmente estabelecido (FERREIRO, 2001, p. 27).
28
Dessa forma, a criança entra em conflito, tanto pelo lado quantitativo quanto
qualitativo. No primeiro caso, ela descobre que uma letra por sílaba não é suficiente para
representá-la e que não se pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de
letras por silaba; no segundo caso, o qualitativo, enfrentará os problemas ortográficos, assim,
a identidade de som não garante identidade de letras, nem a identidade de letras, a de sons,
explica Ferreiro. Assim, a criança sente a necessidade de encontrar um meio de análise do
significante que vá além da sílaba, mas a dificuldade de abandonar o sistema precedente e de
substituí-lo por outro é aqui representada. A criança começa a se dar conta de que existem
outras letras para escrever a palavra e escreve parte da palavra aplicando a hipótese silábica e
parte da palavra analisando os fonemas da sílaba. Comumente ela acrescenta as letras no final
da palavra, ou as colocam fora de ordem.
O nível alfabético é evidenciado quando a criança começa a fonetizar a sílaba,
iniciando um processo de correspondência entre fonemas e grafemas, ou seja, as letras
começam a se diferenciar a partir da análise fonética. Ferreiro afirma que outro aspecto
importante desse nível é quando a criança consegue compreender como se opera o sistema de
escrita, ficando apenas por resolver as questões ortográficas, entendendo que a sílaba não
pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores e “toda
escrita alfabética tem como princípio fundamental marcar as diferenças sonoras através de
diferenças gráficas”, assim a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras.
(FERREIRO, 2001, p. 32). Constata-se, nesse nível, a estruturação dos vários elementos que
compõem o sistema de escrita e a criança começa a diferenciar algumas unidades lingüísticas:
letras, sílabas e frases.
E conclui que a escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo
externo, mas é um processo de construção pessoal e, conforme exposto por essa teoria, é
estabelecida uma hierarquia de níveis ou estágios estruturados que se integram de forma
ordenada, ou seja, uma nova etapa só se constrói a partir da transformação da já existente.
Emilia Ferreiro estabelece que, de fato, as crianças reinventam a escrita, no
sentido que, inicialmente, precisam compreender seu processo de construção e suas normas de
produção. No entanto, segundo ela, as modificações na escrita da criança não seguem uma
homogeneidade e revelam um sujeito sob os efeitos de um funcionamento que é de ordem
lingüística.
29
1.5 - A subjacência da leitura e da escrita no cotidiano da criança
Segundo a pesquisa de Moreira (1994), a criança que tem maior vivência com
material escrito terá facilidade em compreender os usos da linguagem escrita, ou seja, quanto
mais partilha atos de leitura e de escrita mais fácil será para ela interpretar e criar hipóteses
acerca da aprendizagem da leitura e da escrita. Esse autor compartilha das idéias de Ferreiro e
Teberosky (1985) que consideram necessário haver interação entre a criança e o objeto que se
lê:Sabemos que nos atos de leitura estão sempre presentes dois elementos observáveis: a pessoa que lê e o objeto que está sendo lido. A presença dos dois não basta, entretanto, para assegurar que um ato de leitura esteja sendo efetivado. É necessário que a pessoa atue de determinada maneira sobre o objeto para que sinais externos de realização do ato sejam captados como identificadores do processo de leitura. Além de interpretar os índices da ação de ler, é também necessário que o objeto com o qual o leitor interage seja identificado como algo que pode ser lido ou algo que serve para ler. Adotaremos o termo “portador de texto” para denominar este objeto que apresente algo que possa ser lido ou “qualquer objeto” que leve um texto impresso. (MOREIRA, 1994, p. 15)
O excerto acima corrobora a contribuição de Ferreiro para o amálgama
remodelado do ensino da leitura e da escrita no cenário da educação brasileira a partir da
década de 80. A criança, ao apropriar-se de um objeto de leitura e compreendê-lo como tal já
começa a entender que o ato de ler e escrever pressupõe um fenômeno social; a partir daí, o
papel da educação escolar é descobrir o véu das várias situações de comunicação
experimentadas pela criança e dos “insights” que começam a surgir depois desse contato
“lingüístico”.
Para Moreira (1994), o papel da educação escolar é lapidar esse contato
lingüístico, é endossar a valoração da escrita:
conseqüentemente, se a criança descobre usos significativos da escrita partindo de seus esquemas de assimilação, desenvolvidos em atos de leitura ou de escrita, ou seja, construindo pontes das atividades familiares com a linguagem escrita, que compartilha em seu ambiente, para as novas atividades que a escola exige, é de se avaliar o papel valioso destinado à escola no desenvolvimento da percepção dos propósitos da escrita, junto às crianças cujos familiares e membros da comunidade imediata não lhes propiciam uma valorização da escrita. (MOREIRA, 1994, p. 16).
A autora apresenta hipóteses que se evidenciam, ainda, na educação brasileira do
século XXI. Basta verificar a pontuação dos estudantes brasileiros em programas
internacionais e até mesmo nacionais quando a questão é o ler e o escrever:
30
ao ingressarem na escola, crianças de diferentes classes socioeconômicas revelam diferenças quanto ao conhecimento sobre portadores de texto. Essas diferenças se dão a nível de identificação do portador, de suas funções e conteúdos. A escola não contribui para a diminuição da desigualdade dos conhecimentos iniciais sobre portadores de texto, mas reforça, entre crianças alfabetizadas, as mesmas diferenças determinadas sócio-economicamente. Crianças de diferentes classes sociais não se distinguem na percepção da função ou da estrutura, nem na antecipação dos conteúdos dos portadores cujo acesso lhes tenha sido facultado. (MOREIRA, 1994, p. 17)
Durante a coleta de dados que Moreira (1994) fez para desenvolver seu trabalho,
surgiram evidências que fundamentaram seus argumentos, concluindo que a educação no
Brasil, em termos de política educacional, está nos labirintos da burocracia, da cultura ‘pobre’
de que ser professor é fingir que ensina e fingir que é bem remunerado pelo que faz. É o
círculo vicioso com que a desigualdade social maculou a história do Brasil. O excerto a seguir
endossa que o portador de texto que não tem acesso à valorização da escrita, vive à margem
da sociedade letrada à qual pertence:
(...) as concepções construídas por crianças de ambas as classes a respeito do uso da escrita, aqui alcançadas mediante a sua interpretação dos portadores de texto, resultam de sua interação com familiares, com membros de sua comunidade imediata. Se para a família os objetos da escrita têm uso funcional, a escrita será valorizada e esta valorização irá interferir no relacionamento da criança com estes objetos, permitindo-lhe assimilar conhecimentos referentes a suas identidades, funções e conteúdos. Mas se na família ocorre o inverso, a criança poderá aprender, na escola, a habilidade técnica de desenhar letras e construir palavras, ou de decodificar mecanicamente letras em sons, trilhando assim lenta e penosamente, o caminho da valorização da escrita. (MOREIRA, 1994, 50).
Há outro trabalho, desenvolvido por Contini Júnior (1994), que se apropria das
idéias de Ferreiro e seus colaboradores, que vale a pena conferir. O autor citado investiga,
paralelamente à proposta apresentada por Ferreiro e seus colaboradores, a forma de a criança,
evolutivamente, apropriar-se da língua escrita na alfabetização. Um fato importante de se
observar, segundo esse autor (1994), é que a criança, inicialmente, produz mais escritas
tipográficas porque as informações recebidas antes de ir à escola são de um universo
tipicamente escrito em letras tipográficas. E se a escola, segundo os autores citados, deve
realçar o brilhante que tem nas mãos, por que ofuscá-lo?
E o autor conclui:portanto é necessário que se tenha uma nova atitude diante da criança que vai ser alfabetizada. E é dessa nova atitude que vai depender, praticamente, o sucesso ou fracasso do aprendiz. Uma clara compreensão e consciência da aprendizagem da escrita, por parte dos educadores, poderia não só minorar esses problemas como abrir novas perspectivas de entendimento do processo de alfabetização. (CONTINI JUNIOR, 1994, p. 103)
31
1.6 - Parafraseando a literatura sobre Ferreiro
É perceptível na literatura citada que Emilia Ferreiro não criou um método de
alfabetização, como se ouve muitas escolas erroneamente apregoar, e sim, procurou observar
como se realiza a construção da linguagem escrita na criança. Os resultados de suas pesquisas
permitem concluir, isso sim, que conhecendo a maneira pela qual a criança concebe o
processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas, apontam caminhos, a fim de que
os erros mais freqüentes daqueles que alfabetizam possam ser evitados, desmistificando os
mitos do tradicionalismo vigentes nas escolas brasileiras.
Ao pesquisar o processo de construção da escrita através de ‘experimentos
laboratoriais’, a pesquisadora argentina considerou o conhecimento de um processo evolutivo,
como descrito a seguir. Na fase 1, as crianças elaboram a hipótese de que a escrita dos nomes
é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo. Enquanto que, na fase 2,
ao tentar escrever, as crianças respeitam duas exigências básicas - a quantidade de letras
(nunca inferior a três) - e a variedade entre elas - não podem ser repetidas. E na fase 3, as
crianças tentam atribuir valor sonoro ao ‘texto’, isto é, a cada uma das letras que o compõem.
Há, nesta última, conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras
exigida para que a escrita possa ser lida. As crianças, nesse nível, trabalhando com a hipótese
silábica, precisam usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que
vai ao encontro de suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos três, caracteres.
Esse conflito as faz caminhar para a fase 4, que “ocorre entre a transição da
hipótese silábica para a alfabética”. O conflito que se estabeleceu entre uma exigência interna
das próprias crianças - o número mínimo de grafias - e a realidade das formas que o meio lhes
oferece, faz com que elas procurem soluções. Elas, então, começam a perceber que escrever é
representar, progressivamente, as partes sonoras das palavras, ainda que não o façam de forma
correta. Por fim, conclui-se que a escrita da criança não resulta de simples cópia de um
modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que, de
fato, as crianças reinventam a escrita, no sentido de que, inicialmente, precisam compreender
seu processo de construção e suas normas de produção.
Ao se seguir a linha de pensamento da pesquisadora Emilia Ferreiro, é cauteloso
não atracar no porto, considerando-o totalmente seguro. Embora ela aponte que a arte de
alfabetizar vai muito além de quadro e giz e envolve conhecimento do professor, materiais,
32
técnicas, métodos e muito apoio para se desenvolver um trabalho de equipe, é necessário
estimular aspectos motores, cognitivos e afetivos ritmados ao contexto sócio-cultural do aluno
e, também, definir a prática de alfabetização voltada para a prática da pesquisa, da
investigação e da interação de conhecimento – não apenas através de ‘experimentos’.
Diante das experiências relatadas por Ferreiro, é possível constatar que, muito
antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem
hipóteses sobre este objeto de conhecimento, resultado do mundo letrado que as cerca. Quanto
mais elas tiverem contato com essa modalidade de linguagem, mais capacitadas estarão para
mergulhar no mar de estrutura e finalidades da representação escrita.
Independentemente de classe social, nos tempos atuais, a linguagem tem grande
poder de penetração. As crianças vão, passo a passo, tentando entender a linguagem verbal e
não-verbal que compõe o seu mundo. Nesse âmbito de socialização com a cultura letrada,
percebe-se que ler não é apenas decodificar, sendo vital participar do caráter funcional da
escrita.
Ferreiro considera que a grande maioria das crianças na faixa de seis anos,
consegue distinguir texto e desenho, ou seja, para elas o que se pode ler é o que contém letras;
no entanto, eventualmente há crianças que persistem na hipótese de que a leitura compreende
letras e desenhos. Notadamente, estas sustentam o engodo de pertencer às classes sociais mais
pobres e por ter pouca experiência com material escrito. Para as crianças, numa letra sozinha
não há significado. É preciso que haja uma variante de duas a quatro letras para que se ‘leia’
alguma coisa. Naturalmente, esse fato revela-se como um precedente do que acontece no
mundo letrado à sua volta.
Ao olhar o olhar de Emilia Ferreiro percebe-se que a escrita é um objeto de
conhecimento e que a criança tem o direito de tentar descobrir este conhecimento.
As boas idéias fornecidas surgirão antes da escrita; assim a criança terá
oportunidade de interagir com diversos textos, formular hipóteses, testar, reformular, enfim,
construir o conhecimento, sabendo que a sua individualidade está sendo respeitada, conforme
Ferreiro. Ao professor, fica a constatação que falar e escrever são dois fenômenos
comportamentais que exigem uma interação para que haja comunicação entre eles. No
entanto, devem-se reconhecer os efeitos de funcionamento da linguagem sobre a própria
linguagem, ou seja, nos textos orais e escritos e na fala do professor vinculados em sala de
aula há um lugar de funcionamento lingüístico-discursivo e o transitar por esses textos
possibilitará a constituição da representação simbólica da escrita, segundo Borges (2006).
33
Ao se propor uma teoria que trata o processo de desenvolvimento da escrita como
um processo de construções sucessivas que implica em elaboração e reelaboração de
estruturas, resultantes da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento, desconsidera-se, no
entanto, os efeitos da linguagem sobre as produções orais e escritas das crianças.
Encaminhar o aluno a atividades reflexivas poderá ser a grande escolha, a grande
senha usada por Ali Babá para apoderar-se do tesouro que é a descoberta da criança e sua
singularidade com relação a aquisição da linguagem.
É inquestionável a importância das contribuições de Ferreiro para a discussão
sobre a aquisição da língua escrita; no entanto, para além do poder sobre sua própria
aprendizagem que ela confere ao sujeito cognoscente, outras reflexões são possíveis, que
serão objeto do capítulo que se segue.
34
CAPÍTULO 2 - A INSERÇÃO NO MUNDO LETRADO - UMA NOVA
ABORDAGEM TEÓRICA
Constatou-se, no capítulo anterior, que Emília Ferreiro se contrapõe à teoria
tradicional da aquisição da leitura e da escrita, expondo que esta organização do processo
ensino-aprendizagem acontece por meio de cópias e treinos, o que impossibilita a criança de
aproximar-se do sistema de escrita de modo significativo. Em suas pesquisas, ela privilegia a
relação da criança com a escrita, um objeto social, enfatizando que a criança deve construir
uma relação entre oralidade e escrita, para assim, identificar como se faz a representação da
escrita.
Dessa forma, percebe-se que um dos aspectos relevantes que perpassa a aquisição
da linguagem oral e escrita é a forma como o sujeito se representa com/na linguagem e busca
resolver a seguinte problemática: descobrir o que a escrita representa e como o faz. E, de
acordo com a proposta construtivista (Ferreiro), a criança tem um trabalho a executar:
representar categorias, regras e significados presentes na fala ou na escrita; e isso só será
possível com a transferência do objeto - da linguagem oral ou linguagem escrita. Borges
(2006) comenta que, para o referencial aqui discutido, a escrita sempre estará retendo o
estatuto de representação da oralidade e, assim, ocupando papel secundário na relação entre
oralidade e escrita.
Os trabalhos desenvolvidos por Borges (2006) são particularmente relevantes para
compreender a aquisição da linguagem escrita sob um outro olhar, principalmente quando faz
reflexões sobre os trabalhos de Emília Ferreiro e de Piaget, os quais trazem a escrita como
representação da linguagem oral. A autora expõe que esses pesquisadores utilizam o termo
representação com dois sentidos:
no primeiro (Ferreiro), pode ser compreendido como pensamento ou esquema operatório, estando relacionado aos processos cognitivos necessários à construção conceitual da escrita. No segundo (Piaget), tem o estatuto de imagem, aparecendo quando Ferreiro atribui à escrita o papel de figuração da linguagem oral. (BORGES, 2006:42)
Isso implica dizer que na aprendizagem da escrita nem os elementos nem as
relações estão pré-determinados e a construção de uma primeira forma de representação é
“um longo processo histórico” que, finalmente, chega a uma forma final de uso coletivo. Para
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ela, afirmar que Ferreiro é construtivista quer dizer que, para a autora, aquilo que as crianças
devem compreender é o processo de construção desse sistema de representações e suas regras
de produção. É partindo dessa construção que Ferreiro estabelece as etapas de evolução da
escrita de acordo com as hipóteses que a criança levanta acerca da escrita, conforme foi visto
no capítulo anterior.
Apesar dos autores construtivistas darem grande ênfase, ao período inicial da
aquisição da escrita, às primeiras marcas gráficas, letras e rabiscos produzidos pela criança,
eles não as consideram como escrita, pois sua suposição é que essas marcas não são utilizadas
com intenção de representar a oralidade. No entanto, Borges (2006) afirma que para o
alfabetizador essas marcas são importantes, uma vez que dizem respeito a algo a ser
descoberto, algo que é interpretável, mas que de acordo com a língua constituída são
estruturas não aceitáveis, ou seja, “não se pode dizer que sejam gramaticais” (BORGES,
2006, p.24). É notável, contudo, a mudança que vem acontecendo no contexto educacional,
principalmente na alfabetização quando se considera a concepção ou a base teórica por
intermédio da qual a linguagem é pensada; pode-se dizer que ela mantém o estatuto de
representação, não se admitindo, portanto, que não se possa escrever sobre o que não se sabe
ou não se conhece e a escrita vem como forma de representação de conteúdos cognitivos.
Percebe-se então que, se o processo de aquisição da escrita é visto como processo de
representação gráfica da fala ou de significados contidos na linguagem oral/pensamento trata-
se de um processo de natureza consciente e intencional. Dessa forma, as teorias construtivista
e sócio-construtivista demarcam uma recusa à visão comportamentalista, mas parecem não
estar tão distante da mesma ao apostar que as aquisições são reguladas pela relação direta com
o outro mediante processos de interação ou comunicação.
Com relação aos pressupostos de que a escrita é representação da linguagem oral,
proposta por Ferreiro, Borges (2006) faz significantes apontamentos.
Conceber a escrita como representação da linguagem oral, ou de significados de que ela seria veículo, implica o não-reconhecimento dos efeitos da língua – no sentido saussureano do termo – nesse processo. Em conseqüência disso, conforme se observa, a descrição da alfabetização tem ficado restrita a relação dual oralidade/ escrita, retendo-se para isso, somente os seus aspectos fônicos e os gráficos, respectivamente. (BORGES, 2006, p.80).
Levando em consideração o eixo central da teoria construtivista, segundo a qual a
criança, por meio de um ativo envolvimento, é o construtor do seu próprio conhecimento,
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verifica-se que esse pressuposto, de estatuto epistemológico, não se distancia do empirismo.
Percebe-se que isso é uma das conseqüências da via parcial escolhida pelo construtivismo que
dá importância a uma exaustiva utilização de estratégias de ensino centradas unicamente no
aluno ou na disseminada idéia de negociação.
1 - Aquisição da língua escrita e ressignificações
Borges (2006), ao considerar a sistematicidade e o funcionamento da língua, em
relação aos estudos sobre a linguagem inicial da criança, direciona a pesquisa em
alfabetização para fora da posição representacionalista. E afirma que:
como termos do sistema e do funcionamento da linguagem, o sujeito e as unidades de composição da escrita são retirados de sua articulação natural, passando a contar como ‘lugares’ na estrutura. Esta posição, é, pois, incompatível com a compreensão representacionalista do processo de conhecimento que coloca o sujeito ‘fora’ da linguagem, ou seja, como seu observador. (BORGES, 2006, p. 93).
O que está dito acima não impede de considerar que, na alfabetização, a
representação, em alguns casos, é a condição que a criança possui em relação à língua escrita,
que antecede à ordem discursiva em que está inserida, de forma que suas representações são
semblantes imaginários e simbólicos, formados por seus discursos; portanto, o processo de
alfabetização consiste, então, em representações simbólicas (BORGES, 2006).
Alfabetizadores acostumados a realizar diagnósticos mensais sobre a evolução da
linguagem escrita das crianças atribuindo-lhes um nível (pré-silábico, silábico, silábico-
alfabético e ortográfico) percebiam que o fazer e o refazer de atividades pelas crianças,
tornavam-se, às vezes, mecânicos e repetitivos, não muito diferentes do modelo tradicional.
Em contrapartida, as produções das crianças, consideradas significativas, eram meras
reproduções de textos trabalhados na sala de aula, como constatou Borges (2006). A autora,
em sua pesquisa, demonstrou a contribuição da lingüística e da psicanálise no processo de
alfabetização, como se dá o caminho que a criança percorre, desde a fala até a escrita no
processo de aquisição dessas duas linguagens. Ela comenta que se trata de um longo processo
até que a criança se torne sujeito de sua história.
O trabalho de pesquisa de Borges (2006) durou dois anos e teve caráter
experimental. Ela usou o texto como referência para alfabetizar uma turma de trinta crianças
37
entre seis e nove anos no Colégio de Aplicação da Universidade de Goiás, e pôde comprovar
que o processo de aquisição da escrita não se reduz aos processos cognitivos:
em nosso ver, foi a natureza das práticas lingüístico-textuais desenvolvidas na sala de aula que ensejou o caráter singular das produções daquelas crianças, e foi esse caráter singular que nos fez desconfiar de explicações que reduzem a aquisição da escrita aos processos cognitivos. Disto resultou o que foi o cerne deste livro: uma discussão quanto à perspectiva psicológica/cognitivista da aquisição da escrita, particularmente de Emilia Ferreiro, pois consideramos seu trabalho o de maior expressão nessa área de estudos. (BORGES, 2006, p. 15)
A autora acima citada teve como objetivo compreender os efeitos da leitura e da
produção de textos sobre o processo de alfabetização; por isso apoiou-se, num primeiro
momento de sua pesquisa, nas concepções psicolingüísticas de Vygotsky, Kenneth e
Goodman, que se fundamentam na tese de Halliday (1975) de que, durante a alfabetização, há
precedência da apreensão das funções sobre a aquisição das formas da linguagem escrita;
respaldada nessa tese, a autora negou a necessidade de ensino formal da grafofônica. No
entanto, posteriormente, abandonou esse arcabouço teórico, pois o mesmo não foi capaz de
responder às indagações que sua pesquisa suscitou e filiou-se ao trabalho de Cláudia Lemos,
que descreve a necessidade do retorno à Lingüística, ressignificada pela Psicanálise de linha
francesa. Para compreensão do desenvolvimento da linguagem da criança, ela explicita que:
Lemos (1986) recorre às “leis gerais” de que fala Jakobson (1976) – os processos metafóricos e metonímicos – para descrever os processos de transformação implicados na constituição da fala da criança [...] Em Lacan, o funcionamento metafórico e metonímico funda a elaboração textual sobre a autonomia do significante. (BORGES, 2006, p. 47)
As teorias construtivista (Ferreiro e Piaget) e sócio-construtivista (Vygostky,
1991) apostam que a aquisição da leitura e da escrita é regulada pela relação direta com o
outro mediante processos de interação ou comunicação, mas se observa que na visão
piagetiana, o outro acaba oculto, não aparece no processo de aquisição da linguagem. Já a
proposta Vygostkyana apóia-se na concepção de um sujeito interativo que elabora seus
conhecimentos sobre os objetos em um processo mediado pelo outro, estabelecendo que a
análise do objeto de conhecimento a ser adquirido continua a ser marcado pelas relações
sociais que o sujeito constitui. Essas teorias não foram “bem-sucedidas, na medida em que
não conseguiram demonstrar como as propriedades estruturais e as categorias da linguagem e
do raciocínio podem ser derivadas de processos interativos” (LEMOS, 1997, p.152).
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Conclui-se porque Borges (2006) diz que tais propostas abordam o outro apenas
como lugar de apreensão da “natureza pragmática [social]” da escrita, postulando que, nessas
concepções, não há lugar para o que é anterior e exterior ao sujeito e o que o determina - a
linguagem. O que faz questão aqui é se há outra possibilidade de entender o outro como
determinado pela linguagem. Nas propostas de alfabetização/construção da escrita,
influenciadas pela Psicologia, a linguagem é vista como meio de comunicação/representação e
o sujeito não sofre, portanto, os efeitos estruturantes ou constituintes do encontro com a
escrita, segundo Borges (2006).
De fato, Borges (2006) acredita que a posição tomada pela Psicologia e a
colocação da questão da aquisição da escrita como relativa ao sujeito epistêmico exclui a
possibilidade de que o sujeito seja afetado pela linguagem. A autora afirma que o processo de
alfabetização implica necessariamente em representações simbólicas, na qual a criança
colocada em diferentes situações de leitura e escrita de textos representa a linguagem escrita,
ou melhor, na linguagem escrita, considerando determinante para a alfabetização o
relacionamento do sujeito com a face material da escrita, ou seja, imersão em textos.
[...] nossa hipótese é a de que transitar pelos discursos do Outro – orais e escritos – permite que emerjam representações em sua escrita sobre o que é possível na língua – escrita – constituída. Possibilita que a criança tenha acesso e possa reconstituir as representações simbólico-imaginárias já estabelecidas, sobre as linguagens oral e escrita. (BORGES, 2006, p. 97)
Buscar outro entendimento da escrita ou pensar a alfabetização em uma proposta
não representacionalista abre caminho, segundo a pesquisadora, para a vertente interacionista
em aquisição da linguagem, em que se consideram, para a descrição da linguagem inicial da
criança, pressupostos da Lingüística (sobre a linguagem) e da Psicanálise (sobre o sujeito e
sobre a noção de representação)
Diante desses pressupostos, Borges convidou as crianças à imersão em vários
gêneros textuais, desenvolvendo sempre atividades coletivas de leitura e escrita e quando
observou a fala [diálogo] da criança a partir da influência do Outro, tomou Lemos (1982)
como referência. Para esclarecer a forma de observar a fala da criança, Borges (2006) lançou
mão de dados demonstrados por Claudia Lemos (1982) através dos quais é possível explicitar
a afinidade que se tem entre os estudos no campo da aquisição da linguagem oral e a que
ocorre na área da aquisição da língua escrita. Conforme Borges (2006), pode-se observar com
esses dados “o porquê da definição do diálogo como unidade de análise e como se caracteriza
a dependência dialógica, apontada por esses pesquisadores, como constitutiva da fala da
39
criança” (BORGES, 2006, p. 39-40). Conforme o diálogo abaixo, pode-se perceber o porquê
da definição do diálogo como elemento de análise e a forma como se caracteriza a
dependência dialógica, destacada por Lemos (1982) como constitutiva da fala.
Adulto: Que dê a Gisela?Criança: Num é Adulto: Foi embora?Criança: Bóa Adulto: E a tia Keiko?Criança: Ná bóa Adulto: E a Carla?Criança: Iaiá bóa (Lemos apud BORGES, 2006 p. 40)
Observa-se, nesse diálogo, que ele não serve apenas como parâmetro de análise
para o estudo, mas se percebe que o Eu e o Outro têm presença efetiva na significação,
deixando indícios no discurso da criança [mudança de posição]; que por si movimenta a
ressignificação e atribui subjetividade através de metáforas e metonímias4, segundo Lemos
(1999).
Conclui-se que, ao tomar o diálogo como referência para análise, encontra-se um
sentido na fragmentação que ressalta a fala inicial dessa forma, acredita-se que há
incorporação na fala da criança de partes de enunciados dos adultos ou de enunciados
anteriores. Assim, o outro/ Outro 5, como define Borges (2006), possui uma presença efetiva,
que é notável tanto na escrita quanto na fala da criança.
2 – A linguagem escrita sob um outro olhar
Ao realizar uma reflexão de como a posição subjetiva implica a representação do
sujeito na língua, entendendo-o por sujeito falante no processo de alfabetização, Lemos
(1997) diz que o infans, ser que não fala, constitui-se como ser falante devido a um processo
de subjetivação. Ou seja, pode-se dizer que a representação do sujeito na linguagem será 4 Lacan define a metáfora e a metonímia como sentidos figurados, que se originam das operações de substituição (metáfora) e de combinação (metonímia) e estabelece as seguintes correspondências com Freud: a metáfora com a condensação e a metonímia com o deslocamento.5 outro = autre (a): o ser humano se identifica com a imagem que lhe é devolvida pelo olhar do semelhante. É a base da identificação narcisista. Alienado no desejo alheio, a criança e o adulto mimetizam as aspirações que vêm de fora. Outro – Lacan escreveu: Autre (A): a linguagem e o significante constituem um tesouro. É o lugar do Outro. O homem fica inscrito no universo de palavras e no nome que lhe dá seu lugar, outra alienação primordial em um discurso que procede do exterior, segundo Bleichmar e Bleichmar (1992).
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possível pela presença do Outro. As modificações que se passam do infans à condição de
falante serão determinadas pela presença do Outro, domínio da língua, isto é, será a partir da
relação com o outro adulto e com a língua que a criança estabelece desde o nascimento que,
supostamente, possibilitará sua entrada no universo lingüístico. Conforme Balbo (apud
VIVACQUA, 2004):
...o recém-nascido orienta-se pelo bloco sonoro proveniente da voz materna, na medida em que o aparelho visual ainda não está completamente atuante. A voz é marca singular na história do corpo porque a ela atribui-se duplo valor de significante e de invocação, valores estes que produzirão efeitos tanto na fala da mãe dirigida ao infans, quanto no grito do infans para provocar o olhar da mãe. (Balbo, apud VIVACQUA, 2004, p.37).
Dessa forma, o infans transfere-se a estatuto de falante ao passar pelo processo de
especularidade, termo proposto por Lemos (1982) em seus estudos sobre a aquisição da
linguagem, que possibilitou o desencadeamento de um novo olhar sobre as teorias que
discutem esse tema e colocando em xeque a noção de sujeito epistêmico. Segundo Vivacqua
(2004), esse deslocamento da concepção de sujeito epistêmico para sujeito da linguagem
estabelece que a aquisição de linguagem não seja mais concebida como referente a estágios de
aprendizagem, mas a uma simultaneidade. Ainda sob a perspectiva dessa autora, quando se
concebe a noção de especularidade entende-se que os fragmentos enunciados pela criança
pertencem ao discurso do outro.
Acredita-se que a criança ao falar, mesmo de forma fragmentada, incorpora
fragmentos do discurso materno, conforme Lemos (1982):
(...) é através da linguagem enquanto AÇÃO SOBRE O OUTRO (ou procedimento comunicativo), e enquanto AÇÃO SOBRE O MUNDO (ou procedimento cognitivo) que a criança constrói a linguagem enquanto OBJETO sobre o qual via operar. (LEMOS, 1982, p. 119-120, grifos da autora)
Lemos (1997, 1995, 1982), ao estudar as transformações na linguagem infantil,
afirma que a língua tem a função de “captura”, entendida como uma abreviatura para os
processos de subjetivação que caracterizam a aquisição de linguagem. O termo dá vigor à
hipótese saussuriana de que a língua não constitui uma função do falante; porque tem sua
ordem própria, ela se produz independentemente da criança que a “registra passivamente”.
Essa consideração impede que a aquisição de linguagem seja tomada como processo de
desenvolvimento em que a língua se constrói como objeto de conhecimento. Essa perspectiva,
de certo modo, inverte a relação sujeito-objeto ao conceber a criança como capturada por um
41
funcionamento lingüístico-discursivo que a significa como sujeito falante, ou seja, a criança é
capturada pelo funcionamento da língua, na e pela qual é significada, e, assim, as mudanças
na fala da criança não se qualificariam nem como acúmulo nem como construção de
conhecimento, mas como mudanças conseqüentes à captura do sujeito pelo funcionamento da
língua. De acordo com essa autora, as transformações ocorridas na fala da criança, devido à
predominância do funcionamento lingüístico nas três instâncias - outro, língua e fala do
sujeito, são marcadas por três posições subjetivas, ou seja, no percurso da criança na aquisição
de linguagem comparecem o outro, como instância representativa da língua, a língua e a
relação do sujeito com a sua fala.
Na primeira posição, segundo Lemos (1995), a fala da criança caracteriza-se por
repetições ou presentificações de fragmentos da fala dos adultos, ou seja, os enunciados estão
em dependência com relação à interpretação/fala da mãe ou adulto para progressão do
diálogo. Com isso, o foco de análise está na escuta da fala da mãe que se faz presente na fala
da criança, destacando que as relações entre os significantes que vêm do outro demonstram o
funcionamento da língua. Para exemplificar essa posição, basta lembrar uma situação típica
do encontro de uma criança pequena com um adulto que não faz parte do seu convívio diário.
A criança fala algo e o adulto não entende e fica pedindo para ela repetir até que haja a
intervenção da mãe que traduz o que a criança disse. As pessoas que cuidam da criança
interpretam, desde o seu choro, até os primeiros balbucios, e esses significantes atribuídos
pelos adultos são escutados pela criança que vai estabelecendo uma série de relações que,
posteriormente, farão sentido.
Já a segunda posição defendida por Lemos (1995) é marcada pelo “erro” contido
nas falas das crianças, na medida em que há distanciamento da fala do adulto. Percebe-se que
o sujeito está alienado ao próprio movimento da língua, fazendo substituições e
deslocamentos de palavras e, conseqüentemente, possibilitando novos sentidos. Essa
movimentação da fala da criança na estrutura da língua, marcada por substituições e
deslocamentos, remete às operações metafóricas e metonímicas. Lemos (1995) afirma que a
ressignificação, presente nessa segunda posição, é defendida como movimento da língua,
operação da linguagem sobre a linguagem, ou seja, a criança desloca-se da posição de
interpretada pela mãe ou outro adulto, da primeira posição, para a posição de intérprete.
Lemos destaca que a terceira posição é caracterizada por certo grau de controle,
que se pode supor na criança, com relação à língua, ou seja, a “homogeneidade” ou
estabilidade da fala da criança, o que supõe que a criança agora pode conhecer a língua e
decidir sobre o seu uso. Dessa forma, a criança consegue identificar fragmentos que causam
42
estranhamento no interlocutor e fazer reformulações e/ou correções em sua fala. Ou seja, ela
só pode se antecipar a partir da possibilidade de se escutar, pois a suposição da posição do
outro faz com que se antecipe; assim, a criança tem um domínio sobre sua própria fala em
relação ao outro. Nessa posição, há a “ocorrência na fala da criança de pausas, reformulações,
correções provocadas pela reação do interlocutor, e as chamadas auto-correções” (LEMOS,
1995, p. 15).
Ao refletir sobre as posições da fala da criança, postuladas por Lemos, percebe-se
que a captura do sujeito acontece de forma singular na estrutura e no funcionamento da
língua, sendo que as mudanças de posição desse sujeito se dão sempre em relação a essa
estrutura.
3 - O Outro e a aquisição da linguagem
Para melhor compreensão do Outro, recorre-se à vertente lacaniana6, que postula
ser o inconsciente estruturado como uma linguagem, o que leva à idéia do grande Outro,
considerando o inconsciente como discurso do Outro, no sentido de um encadeamento
lingüístico-discursivo no qual o sujeito está imerso e que antecede ao seu nascimento. Assim,
pode-se afirmar que ele já nasce inscrito. Nascidos na e pela linguagem, os indivíduos
tornam-se habitantes desse universo de palavras, do Outro da linguagem, que poderia ser
representado como o conjunto das palavras e expressões de uma determinada língua e,
conseqüentemente, de suas inúmeras combinatórias e associações.
Nesse referencial, o sujeito é efeito de linguagem. Trata-se de um conceito
vinculado ao conceito de inconsciente, sendo que em ambos fazem-se sentir as marcas do
discurso do Outro. O inconsciente é a soma dos efeitos da fala do Outro, enquanto estrutura
da linguagem, ou seja, o sujeito só se constitui no campo do Outro, que o nomeia; é a partir do
corpo do Outro que o corpo alheio se constitui, se produz e se grava. Ao estabelecer que o
inconsciente se estrutura como uma linguagem, Lacan não negligencia a função do desejo na
linguagem, ou seja, o desejo que se funda no desejo do Outro, pela linguagem. Ao buscar
esclarecer a relação do Outro com a aquisição da leitura e escrita, Burgarelli (2005, p. 47)
comenta: “pode-se dizer, com mais consistência, que essa busca de se ensinar ou de se
6 Ressalta-se, no entanto, que a articulação presente neste trabalho limitar-se-á a algumas leituras específicas de Lacan, no caso aqui “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”.
43
aprender a escrever constitui-se no processo de produção de uma memória, no qual as
dimensões tanto do sujeito quanto do Outro revelam as suas implicações”.
A partir dessa afirmação, a aquisição da leitura e da escrita pela criança deve ser
analisada levando em consideração que o Outro pode ser definido, também, como tudo o que
foi se articulando através da linguagem oral e escrita no grupo social em que a criança faz
parte. Assim, o Outro seria constituído como uma superposição de discursos, considerando
que, socialmente, a criança está inserida em grupos, instituições, ideologias e culturas
diversas, cada uma delas apresentando características próprias, ou seja, cada qual girando ao
redor de significantes determinantes. Segundo Lacan, entende-se que os significantes que se
produzem no campo do Outro fazem surgir o sujeito de sua significação, ou seja, “a
característica do sujeito do inconsciente é de estar, sob o significante que desenvolve suas
redes, suas cadeias e sua história, num determinado lugar” (LACAN, 1996, p.198).
Lacan concebe o Outro como os “verdadeiros sujeitos” aos quais o sujeito está
impossibilitado de aceder devido ao que se interpõe entre eles e que causa a ambos: a
linguagem, que é a condição da constituição do sujeito para além da relação com o outro.
Assim, o Outro é concebido por Lacan como o tesouro de significantes. Portanto, o Outro não
existe como entidade abstrata, mas se materializa na vida do sujeito, inclusive podendo supor
sua relação com os outros, os semelhantes com quem esse sujeito convive: primeiramente, os
pais, depois os professores e as outras crianças, sendo que cada um desses indivíduos pode
assumir periodicamente a função de grande Outro, de modo que seu discurso e desejo possam
transferir-se, mas sempre de modo singular, para o sujeito. É o Outro, portanto, mesmo que
materializado nos outros com quem a criança convive, que é responsável pela construção
imaginária denominada por “eu”, bem como pela concepção que a criança tem dela mesma,
isto é, o autoconceito. Assim, os sentimentos e a percepção conscientes das coisas é apenas
uma pequena parte, cujos movimentos escapam ao controle. O Outro é “o lugar em que se
situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o
campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer” (LACAN, 1996, p.193-194).
Portanto, pode-se deduzir o sentido do enunciado lacaniano “o sujeito é falado
pelo Outro”. O Outro é a lei, a gramática com suas restrições e imprevisibilidades, e, em
última instância, a estrutura da linguagem; o sujeito, enquanto ser, não existe mais do que no e
pelo discurso do Outro, ou seja, uma vez que o sujeito é capturado pela linguagem, ele vai
desempenhar certos papéis singulares, mas, ao mesmo tempo, dependentes de um
funcionamento próprio à linguagem. Quando capturado, mais do que falar ou pensar por “si
mesmo”, o indivíduo é falado e pensado pelo Outro. Ele está alienado na/pela linguagem, no
44
discurso desse Outro. No entanto, é importante ressaltar que, para Lacan, porque esse Outro
não pode responder tudo ao sujeito, este precisará também, ao mesmo tempo em que se
aliena, buscar separar-se dessa determinação. Sobre isso, Burgarelli salienta:
...embora se continue reconhecendo um sujeito cuja suposição de saber está na dependência do Outro, reconhece-se, além disso, uma construção em que o sujeito será convocado a se oferecer no lugar de uma falta nesse Outro. Tem-se que o saber desse Outro é dependente de uma lei, e do desejo que essa lei instaura, mas esse desejo, indeterminado na linguagem, precisa ser tomado, como sabido, por um sujeito. (BURGARELLI, 2005, p.49)
Portanto, do que se diz que o sujeito é constituído pela linguagem, conclui-se que
cada sujeito acredita ser o que, na realidade, ele é - nível imaginário, ou seja, como sujeito que
atua no cotidiano, ele se identifica às marcas que lhe foram constitutivas. No entanto, ao
mesmo tempo, pode-se dizer que ele não é mais do que um significante, produto da estrutura
que o antecede - nível simbólico. O aprisionamento (restrições, privações) por um
determinado discurso envolve uma satisfação inconsciente (singularidade). Dessa forma,
entende-se o que Borges (estudando o mecanismo de repetição em Freud) afirma com sua
pesquisa sobre a alienação dos textos produzidos pela criança aos textos trabalhados em sala
de aula como a condição de produções singulares.
4 - Processos metafóricos e metonímicos: o desnudamento da palavra
Lacan, em suas pesquisas a respeito da linguagem, lança mão do esquema
saussuriano, no qual o signo é o produto da articulação entre significante e o significado, ou
seja, no algoritmo de Saussure, a barra separa significante do significado, buscando explicar o
que é signo lingüístico. Segundo Saussure é na união do significado – conceito – e do
significante – materialidade acústica – que se organiza esse signo. Embora, esteja sintetizado
assim em seu livro, Lacan interpreta que é o significante que edifica a palavra, com isso, o
significante é responsável por ela, por isso inverte o signo saussuriano e passa a considerá-lo
da seguinte forma S/s (significante/significado). Ele próprio aponta como deve ser a leitura
desse algoritmo: “significante sobre significado, correspondendo o “sobre” à barra que separa
as duas etapas” (LACAN, 1998b, p. 500), com isso, toma este significante como
representação do sujeito, incluindo-o para outro significante.
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Enquanto Saussure trata s/S como cadeias que ocorrem mais ou menos
simultaneamente, Lacan dá ênfase ao significante e afirma que o significado passa a ser
produto dos significantes, assim o significado passa a ser produto do deslizamento dos
significantes. E aponta que a significação – o sentido – não é uma dimensão paralela e conexa
com os significantes, mas é efeito de significantes. Quando o sujeito fala uma frase o
significado total da enunciação não é exatamente a soma dos significados de cada termo; a
significação é dada somente no final. Lacan diz “que não há cadeia significante, com efeito,
que não sustente, como que apenso na pontuação de cada uma de suas unidades, tudo o que se
articula de contextos atestados na vertical...” (Lacan, 1998b, p.507).
Ainda sob a perspectiva desse autor, é como efeito da cadeia do significante que o
sentido insiste. A significação não se encontra em nenhum elemento dessa cadeia, impondo,
com isso, a idéia de deslizamento incessante do significado sob significante. Percebe-se que
isso é possível somente porque há um sujeito operando na cadeia do significante, ou seja, a
articulação significante não se produz isolada, é preciso que tenha um sujeito, como confirma
Lacan (1998b, p.508), “todo significante, dirão, só pode operar por estar presente no sujeito. É
justamente a isso que respondo ao supor que ele passou ao patamar do significado”.
Ao admitir a possibilidade do sujeito de indicar seu lugar em seu desejo, Lacan o
faz pela metonímia, que pode ser entendida como: uma palavra colocada em lugar de outra e
designando uma parte do que ela significa. Enquanto que a substituição de um significante por
outro, na base de uma relação de similitude, constitui a metáfora, que consiste na substituição
de um significante por um outro, ou transferência de denominação (eixo dos sintagmas),
efetua-se a metonímia quando um significante for substituído por outro que tenha com o
primeiro uma relação de contigüidade (eixo das associações); ela diz respeito ao fato de haver
na cadeia pontos de ruptura em que emergem as relações singulares do sujeito com a
linguagem.
Para melhor compreender essas noções, pode-se recorrer a Bleichmar e Bleichmar
(1992), que afirmam ser o processo metafórico criador de sentido e exemplifica dizendo que o
sujeito ao dizer, referindo-se a um homem: “atirou-se sobre seu inimigo como um lobo”,
dessa forma, amplia-se o sentido da frase, criando, um novo significado para o conceito de
“homem”, pois o associa, nesse exemplo, à ferocidade e à brutalidade. Já com relação à
metonímia, esses autores trazem que um significante substitui outro, associado por
contigüidade. Nesse caso, não há criação de sentido. No processo, nem um nem outro
significante sofre modificações no que se refere à sua significação. Se, na frase, “aproximou-
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se do fogo”, substitui-se o último termo por “calor”, não muda o sentido geral do que se quer
dizer.
Na metonímia, um significante substitui outro, associado por contigüidade. Este
seria o exemplo da substituição do termo “psicanálise” pela palavra “divã”. Nesse caso, não
há criação de sentido. No processo, nem um nem outro significante sofrem modificações no
que se refere à sua significação, segundo Bleichmar e Bleichmar (1992).
Para Saussure, e também para Lacan, o que permite essas flexibilidades é a
própria estrutura da linguagem, sua disposição em forma de trama, de entrecruzamento, com
linhas que se associam, em sentido vertical e horizontal. Esta trama é o que chama de “cadeia
significante”, descrita como “anéis, cuja corrente se fecha no anel de outra corrente feita de
anéis” (Lacan 1998b p.505). Esses dois processos (metáfora e metonímia) constituem as
operações de linguagem - seleção e combinação - termos encontrados nos trabalhos de Roman
Jakobson (1995), sobre linguagem.
Lacan, ao trabalhar com a concepção de linguagem, apropriou-se dos estudos de
Jakobson sobre as afasias motoras e sensoriais nos quais a degradação da linguagem se faz
sobre as duas vertentes do significante: na primeira, articulação e sintaxe são afetadas, há
agramatismo (aspecto lingüístico particular da afasia de expressão, caracterizado pela
supressão quase constante dos morfemas gramaticais), distúrbio da contigüidade; na segunda
(afasia sensorial), o sujeito não pode dizer a palavra; a sua linguagem encontra-se na paráfrase
para toda resposta, ou seja, uma demanda de sinonímia lhe é impossível; a intenção do sujeito
está mais desviada; pode-se dizer que são distúrbios da similaridade. Observa-se que o
significante é mantido, mas a intenção é frustrada, enquanto que, na afasia motora, é o elo
interno ao significante que se decompõe.
Ao interpretar Jakobson, Lacan define metáfora e metonímia como sentidos
figurados, que se originam das operações de substituição e combinação e estabelece as
correspondências com dois fenômenos oníricos descritos por Freud: a metáfora com a
condensação, e a metonímia com o deslocamento.
Para Lacan, a condensação é semelhante à metáfora, na qual um significante
substitui outro significante, que passou ao estado latente. Um significante, que faz parte do
conteúdo manifesto do sonho, substituiu os demais significantes, porém estes, como revelam
o trabalho da interpretação, não desapareceram. Apenas ficaram sob a barra de significação,
como conteúdos ou significantes latentes. A substituição é plena de sentido, pois sua
decifração revela uma associação que, até então, era desconhecida para o sujeito. A definição
para o termo condensação segundo o autor é descrita como:
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A Verdichtung, condensação, é a estrutura de superposição dos significantes em que ganha campo a metáfora, e cujo nome, por condensar em si mesmo a Dichtung indica a conaturalidade desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a função propriamente tradicional desta. (Lacan, 1998b. p.515).
Já o processo metonímico é semelhante ao fenômeno de deslocamento; os
elementos significativos são substituídos por outros que, embora façam parte da mesma idéia
geral, são os aspectos menos importantes dela ou guardam uma relação de causa-efeito ou de
continente-conteúdo. Neste caso, a relação entre um significante e outro é direta e ambos os
significantes estão, de uma ou outra maneira, presentes no material manifesto do sonho. A
definição para o termo condensação, segundo o autor, é descrita como:
A Verschiebung ou deslocamento é, mais próxima do termo alemão, transporte da significação que a metonímia demonstra e que, desde seu aparecimento em Freud, é apresentado como meio mais adequado do inconsciente para despistar a censura (Lacan 1988b. p.515) .
Para Lacan não há metáfora sem metonímia e vice-versa. Toda metonímia é efeito
de uma operação metafórica interrompida por ação do recalque, assim como toda metáfora é
efeito de uma operação metonímica.
No texto ‘A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud’, Lacan
analisa a metáfora contida no verso de Booz Adormecido: “Seu feixe não era avaro nem
odiento”, do escritor francês Vitor Hugo, para demonstrar que dois significados seriam
equivalentes para compor uma metáfora. Na concepção comum, trata-se apenas de
significado, e a palavra feixe é signo que significa determinado tipo de objeto. Mas Lacan
parte da proposição, como está escrita. A proposição afigura-se como um contra-senso, já que
nenhum feixe manifesta sentimento. Contudo, no seio desse contra-senso e, pelo fato de
graças a ele as palavras reencontrarem todo o seu poder significante, assim a significação se
manifestará.
A centelha criadora da metáfora não brota da presentificacão de duas imagens, isto é significantes igualmente atualizados. Ela brota entre dois significantes dos quais um substituiu o outro, assumindo seu lugar na cadeia significante, enquanto o significante oculto permanece presente em sua conexão (metonímica) com o resto da cadeia” (Lacan, 1998b. p.510).
Percebe-se que, por via dos processos metafóricos e metonímicos, Lacan elaborou
sua teoria de que o inconsciente se estrutura como linguagem, considerando, em síntese, que
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os lapsus, os atos falhos, os sonhos e os sintomas surgem como resultado das substituições
metafóricas ou metonímicas de um ou mais significantes por outros, vinculados aos originais
por deferentes tipos de relações.
É importante ressaltar que os processos metafóricos e metonímicos estão
articulados entre si, ou seja, um não existe sem o outro. E entre os termos significado e
significante existe uma articulação impossível de romper, como afirma Lemos (1997, p.160)
“[...] o processo metonímico também implica o metafórico. A possibilidade de substituição é
que cria lugares/posições e, portanto, cria a própria cadeia/estrutura”.
A articulação significante não se reproduz sozinha, é necessário que haja um
sujeito. O significante só pode passar para o plano de significação porque há um sujeito
operando na cadeia do significante. Como se situa o sujeito nessa cadeia de significantes? O
sujeito é, segundo Lacan, um significante, para outros sujeitos ou outros significantes, a única
forma de designar um sujeito, em particular, é através dos significantes da linguagem; dizer
“Pedro” ou enunciar “ aquele homem de óculos” requer nossa submissão ao sistema
significante da linguagem, como exemplificam Bleichmar e Bleichmar (1992). Afirmar que o
homem nasce em um universo que fala, em um universo de linguagem, e o fato de ser
nomeado o introduzem no sistema lingüístico e este sistema o transforma em mais um
significante da cadeia.
O desejo do sujeito desliza, incessantemente, de um objeto para outro, seguindo o
caminho que a linguagem lhe indica, com sua organização de deslocamento metonímico. Vale
lembrar que “há um deslizamento incessante do significado sob o significante e é a rede dos
significantes, pelas relações que nela se constituem, que vai possibilitar o efeito de sentido”
(BORGES, 2006, p.184).
A reformulação que Lacan obtém ao introduzir a lingüística na psicanálise como
elemento fundamental, é muito radical: a linguagem determina o sentido, engendrando as
estruturas do pensamento.
TERCEIRO CAPÍTULO - UM OLHAR SOB(RE) A ESCRITA
49
A escrita pode ser entendida como uma instância de repetição do resto que foi exilado do campo do saber, permitindo uma amarração entre significante e real.
Giovani Burgarelli
1 - Muito além da representação gráfica
Lacan, em seus estudos sobre o traço, indica-o como constituinte do sujeito, ou
seja, enfatiza que a homologia que se encontra entre as marcas e a escrita autoriza a idéia da
escrita, da materialidade do traço, como um dos elementos constituintes do homem. O que se
propõe é que a escrita seja compreendida no seu sentido abrangente e não apenas como um
registro sobre o papel, as marcas do alfabeto usadas como suporte para transpor a oralidade. A
escrita é o que indica uma diferença. Ao caracterizá-la como elemento constitutivo do ser,
pode-se afirmar que ela guarda uma proximidade com o sujeito, deixando de assumir apenas
sua função prática, exigida nas sociedades globalizadas. A escrita, como linguagem, é uma
das formas de o sujeito experimentar a sua subjetividade por meio da alteridade, considerando
alteridade como da ordem da mudança, transformação, modificação, provocação e
decomposição, pela impossibilidade de determinar unidade na relação entre sujeito e língua.
A inserção da criança no mundo da escrita e da leitura pode ser vista muito além
do processo cognitivo, que pressupõe etapas operatórias, e o desenvolvimento neuromotor, os
quais pressupõem estágios análogos para todas as crianças. Faz-se necessário levar em
consideração a articulação subjetiva e considerar que sem sujeito não há leitura nem escrita.
Ao definir a alfabetização como processo de desenvolvimento que vai do oral ao escrito, ou
seja, um processo de representação, “fica escamoteada a natureza subjetivante dos processos
simbólicos e imaginários que suportam o ato de escrever por sua condição mesma de evento
de linguagem” (BORGES, 2006, p. 224).
O sujeito vem ao mundo inserido num contexto onde o discurso sobre ele está
posto, antes mesmo que ele nasça, sustentado no Outro, a linguagem. O referencial teórico
aqui sustentado viabiliza dizer que o acesso à fala, assim como a “passagem” ao desenho e à
escrita, é situado em relação a esse Outro, que tem existência marcante nos enunciados e
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enunciações do outro, tanto na fala como na escrita da criança. Nesse sentido, o Outro é
“considerado como lugar de funcionamento lingüístico-discursivo, que interpreta a escrita da
criança, permitindo que se transforme” (BORGES, 2006, p. 147), reconhecendo, assim, o
funcionamento e os efeitos dos processos metafóricos e metonímicos da língua e o movimento
do sujeito pelas representações do Outro.
Assim, letras, pseudo-palavras, pseudo-frases, unidades de toda natureza – que não têm valor em si mesmas – assumem, ainda que provisoriamente, valores e lugares estruturais. Estes são determinados pelas posições que lhes são abertas nos discursos orais e escritos do Outro, ou seja, daqueles que circulam na sala de aula. O estatuto de “significante” das unidades em jogo lhes confere essa virtualidade. (BORGES, 2006, p. 148).
Na concepção de Burgarelli (2005), pode-se depreender, entretanto, que, no
campo da aquisição da escrita, o Outro pode ser considerado para além desse funcionamento
lingüístico-discursivo, em suas instâncias simbólica, real e imaginária. Esse Outro, que será
representado pelos textos orais e escritos transitados em sala de aula, exercendo seu papel
fundamental na aquisição da língua escrita, não existe senão em sua nodulação tanto com
aquilo que lhe falta quanto com um saber que lhe é possível ser suposto. Percebe-se que, na
construção da escrita, está envolvida a tomada da letra no inconsciente, que lá se encontra
recalcada na forma de significante, e quando se coloca primeiro o ato de ler e, posteriormente,
o de escrever, a criança passa a ser reconhecida pelo Outro como fazendo parte do que é
considerado normal, que se poderia denominar processo educacional, cognitivo.
2 - Aquisição da língua escrita: primeiros traços
Como já foi mencionada no primeiro capítulo, a teoria construtivista se faz
presente em grande parte das salas de alfabetização do País, nas quais os professores lançam
mão de ações metodológicas para avaliar o processo de evolução da língua escrita, como
propõe Emília Ferreiro, privilegiando um sujeito ativo, que, com suas capacidades mentais,
formula hipóteses que lhe possibilitam aprender a língua escrita. No entanto, essa idéia foi
colocada em suspeição pelos referenciais teóricos aqui defendidos que, em vez de pensarem
esse sujeito com tanto poder, buscam entendê-lo como radicalmente constituído na e pela
linguagem.
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A análise dos primeiros escritos da criança pode ser muito importante para a
discussão sobre o processo de aquisição da língua escrita; não devem, portanto, ser relegados
a um segundo plano pelo alfabetizador, pois suscitam a curiosidade de investigação, como
propõe Borges (2006). Segundo ela, os processos metafóricos e metonímicos constituem
mutuamente as formas de linguagem oral e escrita, e a relação sujeito-língua-outro está
presente durante em todo o processo de aquisição da língua escrita.
[...] as produções iniciais da criança podem ser um lugar privilegiado de análise [...] da emergência do sujeito nas brechas de suas [do Outro] cadeias significantes. Consideramos que o mesmo gesto que assinala a função da letra, da instância da letra, na aquisição da escrita, conferindo dignidade ao gráfico, permite que a escrita inicial saia do lugar secundário em que a tradição logofonocêntrica a colocou. (p. 238).
A partir deste momento, propõe-se trazer para esta dissertação, objetivando lançar
luzes à sua problemática, alguns trabalhos produzidos por crianças em sala de aula
(alfabetização), com idades entre 4 e 5 anos. As atividades que serão observadas privilegiam
momentos de produção gráfica individuais, mas realizadas em conjunto na sala de aula. Esses
registros foram coletados, no ano de 2007, em diferentes sala de alfabetização, por suscitarem,
na pesquisadora, que atua por muitos anos como professora alfabetizadora, inquietações sobre
os aspectos aqui discutidos em relação a aquisição da língua escrita. Tentar-se-á uma
articulação das produções gráficas das crianças com o arcabouço teórico exposto e defendido
no decorrer desta pesquisa.
As atividades que serão apresentadas foram realizadas mensalmente pela
professora regente com o objetivo de classificar a escrita das crianças nos níveis pré-silábico,
silábico e alfabético, estabelecidos por Ferreiro. Nos dizeres dessa professora, isso serve para
“acompanhar o desenvolvimento da escrita dos alunos”. Para a realização dessas atividades, a
professora escolhe um campo semântico e faz ditado com palavras que contenham uma, duas,
três ou mais sílabas, segundo ela, significativas para as crianças. Ela dita uma a uma até que
todos os alunos escrevam à sua maneira o grupo de palavras. Em seguida, ela as recolhe e faz
avaliação de cada palavra escrita pelas crianças.
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Seria interessante observar que o trabalho desenvolvido pela professora tem
respaldo na concepção de que a aquisição da escrita consiste na relação dual oralidade/escrita,
enquanto que, conforme Borges (2006), o processo pensado dessa forma se reduz à mera
construção de representações das categorias da língua constituída. Para ela, a aquisição da
língua escrita deve ser concebida como uma tríade: oralidade/escrita/língua. Essa autora ainda
afirma que:reduzir esse processo à mencionada relação dual implica não só a dicotomização dessas formas, linguagem oral e escrita, como a sua substancialização, de modo que a linguagem oral é tomada como referente, e a escrita, como referência, numa relação que é da ordem do signo. (BORGES, 2006, p. 131).
Pode-se dizer, ainda, que esse pensar sobre a alfabetização faz com que a
professora não considere as marcas efetivas do Outro na constituição da linguagem escrita da
criança e nem os efeitos dos significantes presentes. Isso pode ser constatado na atividade
abaixo (aluna 1 - Yara), em que, mesmo sem diferenciar desenho de escrita, a aluna segue um
padrão para escrever as palavras (pão, bolo, rosquinha, brigadeiro) fazendo-as cada uma em
linhas separadas como o estabelecido antes de iniciar o ditado, bem como realizando a leitura
das pseudopalavras, fazendo-as corresponder a palavras de fato existentes no léxico da língua
portuguesa. A proposta dessa atividade consistia em que as crianças, após terem ouvido a
53
história e conversado sobre ela, escrevessem as palavras-chave do texto ditadas pela
professora.
Conforme uma avaliação da professora anexada a essa atividade, a aluna se
“encontra no nível pré-silábico (garatuja), reconhece as letras do nome, tenta diferenciar o
desenho da escrita e não lê o alfabeto”. Como se pode perceber, o olhar dessa professora para
a escrita da criança diz respeito meramente à sua representação gráfica, como propõe a teoria
que sustenta a sua prática, uma teorização tributária à noção de sujeito cognitivo. No entanto,
em contraposição a essa concepção, esta dissertação não toma essas produções iniciais da
escrita da criança como sendo inicialmente da ordem da cognição e/ou da
significação/comunicação, mas sim, como pertencentes ao registro do significante.
O que se propõe a partir da escrita dessa criança é perceber que a garatuja é uma
ação que implica o Outro, cujos traços são re-encadeados. E é necessário que a própria
professora nomeie esse traço como um traço unário7 que será recalcado, dando lugar ao
desenho figurativo que, posteriormente, ao recalcar-se, dará lugar à letra, e esta, por sua vez, à
leitura.
7 Para Lacan (1988a), o traço unário não se confunde com o significante, mas é nele que se sustenta a função significante como diferença pura. Neste sentido, é no traço unário como a forma mais simples de marca, que se situa a origem do significante. A retirada de uma marca como traço do campo do Outro inaugura a primeira metáfora do sujeito enquanto desejante, sem a qual não haverá lugar para o advento de um sujeito cindido. É o campo do Outro que determina a função do traço unário, no que com ele se inaugura um tempo maior da identificação na tópica então desenvolvida por Freud — a saber, a idealização, o ideal do eu."(LACAN, 1988, p. 242)
54
A escrita da aluna 2 (Lua Gabriella) implica um laço que alinhava e vincula a
garatuja ao significante, que representa essa garatuja para outro significante, em uma série em
que o sujeito se representa no campo do Outro, segundo Levin (1998). Dessa forma, a criança
encontrará a confirmação de seu traço como lugar de presença em que sua existência está
posta em ato. Só é possível dizer que o acesso à fala, assim como a passagem ao desenho e à
escrita, é situado em relação a esse Outro, conforme o referencial da Psicanálise.
Vale ressaltar que, para Lacan, a linguagem determina o “nascimento” de um
sujeito pela via do Outro/Inconsciente, estruturado pela/na linguagem e que isso acontece
antes mesmo do nascimento, e o bebê quando nasce recebe nomeação até do que sente quando
chora. A pessoa que cuida dele interpreta os possíveis motivos desse choro e esses
significantes são escutados pela criança, que estabelece uma rede de relações que,
posteriormente, irá fazer sentido. O infans é nomeado pelo agente numa operação metonímica
em que a condição desejante da pessoa que cuida dele, no caso a mãe, sobrepõe à falta do
pequeno ser o estatuto de desejante que o qualifica como sujeito. Assim, a nomeação desse
possível desejar pelo Outro sustenta a relação da criança/sujeito com o Outro. Da mesma
forma, a professora, ao nomear os primeiros traços da criança, delega a ela um suposto saber;
e com relação a esse saber a criança vai tentar realizar-se no campo do Outro.
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Observa-se na atividade acima a expansão e a diversidade de fragmentos grafados,
de traçados indiferenciados sobre o papel, os quais precedem ao surgimento dos primeiros
segmentos passíveis de serem reconhecidos pelo leitor como letras. É possível vislumbrar a
instabilidade na manutenção dessas letras e sua organização sobre o papel, além da presença
de elementos que se constituem num misto entre desenho e letra. A heterogeneidade do
material gráfico produzido apresenta uma escrita cifrada, resultante de encadeamentos de
fragmentos, em que se identificam vestígios de traçados dos desenhos e também das letras do
nome da criança. É possível afirmar que as unidades gráficas, de qualquer natureza ou
extensão, que se apresentam nos textos infantis, derivam de relações entre elementos do
sistema gráfico – desenhos e letras – a partir de um ponto qualquer que os coloque em
conexão no processo associativo que se instaura.
Na escrita da aluna 2, é possível ao leitor identificar as letras R, L e A que
pertencem ao nome da criança – Lua Gabriella. Os elementos gráficos apresentados pela sua
escrita parecem, a princípio, indefinidos; não denotam ser nem desenho, nem letra, apenas
fragmentos, cujos traçados expõem os equívocos dos traços e apresentam pontos de indecisão
que impedem o leitor de, com base apenas no grafismo, definir-se na direção de um deles. Os
fragmentos desses escritos esvaziaram-se de seu valor representativo-figurativo e, como
significantes, sem compromisso com um sentido, a criança os traça “livremente”.
Pode-se notar que os traços grafados não constituem ainda quaisquer
possibilidades de leitura, nem das palavras ditadas e nem do nome da criança, tanto é que a
professora tomará a iniciativa de fazê-lo, conforme se pode ver no início da atividade.
Também, conforme se constatou no registro dessa aula, é interessante comentar que a
professora costumava, depois dessa atividade de ditado, afixar diante dos olhos dos alunos um
cartaz contendo essas palavras, grafadas com letras bem grandes.
Com essa atitude, a professora enfatiza o papel da escrita do outro na constituição
inicial do escrito da criança, ou seja, é essa escrita que possibilita a criança se separar, e
apresentar a sua própria escrita (alienação e separação); a professora, que inscreve/escreve o
que será lido/escrito pela criança, estabelece, com isso, que o sujeito escreve e se inscreve de
alguma forma no campo do Outro. Importante afirmar que a escrita do outro (professora), em
princípio, funcionará como um espelho, que refletirá as manifestações gráficas da criança,
remetendo-a a uma leitura que se apresenta como efeito de relação entre significantes.
É possível relacionar o fato acima descrito à primeira posição defendida por
Lemos (1997), quando discute a aquisição da linguagem oral. Aqui também, a escrita das
crianças é marcada pela dominância da escrita do Outro, representado pela presença de
56
fragmentos da escrita da professora e por sua interpretação da escrita das crianças. Dessa
forma, ao ler para a criança, ao interrogá-la e convocá-la para a leitura, “o alfabetizado, como
outro que se oferece ao mesmo tempo como semelhante e como diferente, a insere no
movimento lingüístico- discursivo da escrita” (LEMOS, 1996, p. 17).
Durante, aproximadamente, um mês a professora desenvolveu em sala de aula
diversas atividades que envolviam os nomes das crianças e as letras do alfabeto, como
recortes de letras de revistas para formar o alfabeto, o próprio nome e os nomes dos colegas,
bingo e quebra-cabeça com as palavras trabalhadas. Depois desse contato com a escrita e a
leitura, a professora fez novamente a avaliação diagnóstica, assim chamada por ela. Para tal,
utilizou-se também de um ditado, só que agora com nomes de frutas (uva, pêra, maçã e
banana) retiradas de um texto lido e discutido em sala. A atividade apresentada pela mesma
aluna anterior foi a seguinte:
Os traçados começam a ganhar legibilidade para o leitor, pois estão se
aproximando, cada vez mais, das características das letras do sistema alfabético. As letras do
seu nome E, L, G e A se fazem presentes na sua escrita, demonstrando os efeitos dos
significantes, mas se percebe que a escrita apresenta também algumas letras, como O e D, que
não compõem o seu nome e sim os dos colegas que sentam na mesma mesinha que Lua
Gabriella: Otávio e Denise. Evidencia-se, com isso, que apesar de a professora expor em sua
avaliação que a criança não reconhece os nomes dos colegas, as iniciais dos nomes desses
57
colegas estão na sua atividade, ou seja, as marcas do Outro na atividade da aluna 2 se fazem
presentes.
A letra H aparece na atividade dessa aluna e suscita a seguinte indagação: A letra
está colocada em lugar de outra, designando uma parte do que ela significa? Ao serem
tomados como significantes, as letras H e A colocadas em relação ao processo associativo que
se inicia e estabelece, como efeito, o deslizamento que leva a escrita da criança de um
elemento para outro, do A para o H, e, na continuidade desse movimento, à abertura do
vértice superior do fragmento grafado.
A partir do momento em que se estreitavam as relações com materiais escritos em
sala de aula, ocorriam mudanças significativas na escrita de Lua Gabriella, pois ela foi
agregando e repetindo em sua escrita diversas letras além das que formam o seu nome e,
segundo Borges (2006) essa escrita que perde e ganha não tem importância, pois o que
interessa é
[...] o jogo simbólico implicado nesse processo de comparecimento e de relação. É nesse jogo, no funcionamento da língua, que é possível detectar o papel do Outro, ou seja, perceber que unidades dos discursos orais e escritos do Outro, as suas cadeias significantes, interferem nas que já estão presentes na escrita da criança (BORGES, 2006, p. 132).
Aquilo a que a autora se refere acima pode ser constatado na próxima atividade
feita pela aluna 2 para realização dessa atividade. A professora seguiu o mesmo procedimento
das atividades anteriores, mas as palavras escolhidas para serem ditadas foram: bola, boneca,
bicicleta e carrinho; todas retiradas de um texto explorado em sala de aula.
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A avaliação da escrita feita pela professora consiste em abordá-la de forma linear.
Dessa forma, ela não consegue perceber o que está além da superfície grafada, impedindo-a
de realizar outra leitura dos escritos. Ela faz as seguintes observações: “reconhece o alfabeto,
não escreve o nome completo e não reconhece os nomes dos colegas”, deixando de perceber
que outras letras foram agregadas na escrita da aluna 2, como W, F, U, B, P, R, B e que um
sinal parece a letra N invertida. Evidencia-se, nessa atividade, a disseminação das letras do
próprio nome da criança para a escrita das outras palavras ditadas, mudando apenas de lugares
e posições, enfatizando o fato de que a articulação das letras em cadeias diferentes pode
produzir efeitos distintos no alfabetizado. Elaborando uma escrita que se opõe à leitura
sugerida pela escrita alfabética, ou seja, termo a termo, tornando-se ilegível para o leitor que
não está em contato com o universo textual-discursivo em que a criança está inserida, é que os
sentidos desses escritos vão se produzindo como efeitos de relações entre significantes.
Ao longo das transformações das relações da criança com a escrita é possível
perceber as interferências e a insistência de alguns significantes. “Desses significantes,
parece-nos ser possível dizer que suas “marcas” vieram do campo do Outro, e não estão sob
seu controle”, como propõe Borges (2006) ao refletir sobre as produções escritas de crianças.
A atividade seguinte mostra que a aluna 2 começa a atingir uma das primeiras
metas da escola que é reproduzir a escrita do próprio nome, mas, para isso, a professora
trabalhou os nomes das crianças da sala, utilizando diferentes metodologias, como: chamadas
diárias com fichas dos nomes, bingo com as letras e nomes das crianças, formação dos nomes
com alfabeto móvel, recortes de letras de jornais e revistas, montagem de mural dentre outras.
Percebe-se que os elementos gráficos que formam o seu nome começam a ter
posição fixa na cadeia, principalmente o primeiro nome LUA. O segundo, apesar de se
identificarem todas as letras que o compõem, não consegue manter a ordem fixa na cadeia. No
entanto, vale ressaltar que a posição fixa do primeiro nome, a sua estabilização se deve ao fato
de ser interpretado e aceito como tal pela professora. Mesmo utilizando as letras que formam
o seu nome, a aluna 2, faz outras composições, diferentes da assinatura, demonstrando que as
mudanças de posições das letras em cadeias diferentes resultam em efeitos distintos no leitor.
Com esse movimento da criança na linguagem, tornam-se visíveis as relações entre os
significantes. Considera-se que as atividades propostas pela professora com os nomes das
crianças influenciaram a produção dessa aluna e, apesar da superfície grafada por ela não
corresponder à língua normatizada, esses escritos não escapam de serem efeitos da metáfora e
da metonímia.
59
O referencial, aqui defendido, expõe que a letra deve dar lugar ao significante em
relação ao Outro para que ela funcione como linguagem e isso está presente na seqüência de
atividades dessa aluna, pois, tanto na leitura como na escrita, a letra entra no registro do
significante por essa via, ou seja, para ser leitura ou escrita tem de cumprir esta condição:
entrar na via do Outro; portanto, a leitura e a escrita comportam a dimensão da letra, o que
implica sua relação com o campo do sentido, conforme Borges (2006).
Com relação às mudanças ocorridas na escrita de Lua Gabriella, no período em
que foram coletadas as atividades, observou-se que, nas transformações relacionadas à língua
escrita, não foram percebidas pela professora as unidades dos discursos orais e escritos do
Outro e as cadeias significantes que estão presentes na escrita; discussão para a qual Borges
(2006) esclarece que o funcionamento dos processos metafóricos e metonímicos possibilita
descrever os processos pelos quais as marcas do Outro são constitutivos da linguagem da
criança. Sobre essas transformações ocorridas na escrita das crianças essa autora ainda afirma
que: [...] são efeito de um “jogo” entre os níveis fonético-fonológico, gráfico, sintático, morfológico e semântico. Para descrever essas transformações, ou a constituição da escrita, não é possível separar esses níveis. Os processos que determinam esse jogo – metafórico e metonímico – são sempre os mesmos; não passam por transformações que alterariam o seu funcionamento. O que muda, ou que se transforma, são os seus efeitos, não sendo possível, portanto, falar de estágios nos processos de aquisição da linguagem, ao longo da alfabetização (BORGES, 2006, p. 209).
A citação acima coloca em suspeição a avaliação realizada pela professora que
descreve a escrita da criança como “pré-silábica, com mudanças qualitativas, pois ela
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consegue diferenciar desenho e escrita”, uma vez que a teoria que sustenta a prática dessa
professora – psicogenética – estabelece estágios, níveis da evolução das produções iniciais da
criança, levando em conta o sistema de representação alfabética da linguagem e o enfoque nos
aspectos fônicos e gráficos da escrita. Segundo Borges (2006), pensar a aquisição da escrita
conforme esse referencial significa não reconhecer o funcionamento e os efeitos metafóricos e
metonímicos da língua e desconsiderar que o processo de alfabetização implica no transitar da
criança pelas representações do Outro.
Em outra avaliação diagnóstica, a professora, depois de trabalhar com uma
história em seqüência, de Maurício de Souza, com os personagens Cebolinha, Cascão e
Magali, solicitou aos alunos que produzissem frases com esses personagens.
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Pode-se observar que na atividade do aluno 3 não há frases do ponto de vista da
sistematização da língua, mesmo assim, têm-se a inscrição, as marcas do texto explorado em
sala de aula. Ressalta-se que há uma relação entre sujeito e efeitos da língua, ou seja, essa
escrita apresenta-se sob o domínio do pólo do Outro. E mesmo que a superfície grafada pela
criança não corresponda à língua normatizada, esses escritos não escapam à ação da metáfora
e da metonímia.
A professora, ao ler novamente a história e solicitar à criança que leia as frases, ou
que nomeie o que ela produziu, põem em xeque as semelhanças e as diferenças, que não são
consideradas como construção da criança, como propõe Emília Ferreiro, mas como efeito da
relação da criança com o Outro e os efeitos da língua. Com isso, evidencia-se o fato de que o
movimento do outro ao ler e escrever os escritos para o aluno é que vai fornecer a medida da
relação do aluno com a escrita e desvendar sua dependência da interpretação desse outro,
como instância do Outro, abrindo a possibilidade da criança constituir sua própria escrita.
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Nessa outra atividade, verifica-se que a escrita do aluno 4 mesmo contendo
“erros8”e fragmentada, contém marcas que assinalam a influência do texto fundante em sua
produção, pois é possível constatar os significantes advindos do texto trabalhado na sua
produção, como “ A MAGALI ECOMILONA“ O SEBOLIA FALAEBADO”, “O CASQUE
NHAMABAO” confirmando uma espécie de captura do aluno pelo texto e a dependência da
fala e da interpretação do outro.
8Dentro desse contexto, o erro, conforme os processos metafóricos e metonímicos, é considerado cruzamento entre significantes.
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Na atividade demonstrada acima, a professora regente faz a seguinte avaliação: “a
criança se encontra no nível silábico-alfabético, pois identifica que cada um dos caracteres da
escrita corresponde a valores menores que a sílaba, conhece o valor sonoro de todas as letras
ou de quase todas e ainda não separa todas as palavras nas frases”. Mediante essa avaliação,
nota-se que não foi considerada a força de subjetivação que a escrita tem e nem os
movimentos dos efeitos dos significantes presentes na escrita da criança.
O referencial teórico estudado possibilita dizer que, nesse caso, o pólo dominante
é a língua e o foco está no estatuto do Outro, ou seja, a ênfase está no funcionamento da
língua, pois as trocas e “erros” que aparecem nas frases são resultantes de processos de
substituição entre significantes. Percebe-se que o sujeito está alienado ao próprio movimento
da língua fazendo substituições e deslocamentos de letras, conseqüentemente, possibilitando
novos sentidos. Essa movimentação que a criança faz na estrutura da língua, fazendo
substituições, remete às operações metafóricas e aos deslocamentos das operações
metonímicas. Lemos afirma que a ressignificação é defendida como movimento da língua,
operação da linguagem sobre a linguagem, ou seja, a criança desloca-se da posição de
interpretado, pela professora, para a posição de intérprete de suas escritas.
Enfatiza-se, neste trabalho, como estruturante das manifestações gráficas da
criança, o papel do outro, a instância do Outro, como intérprete das produções do aluno, pois
nota-se que o professor ao realizar a leitura do que o aluno produziu deixa nelas suas marcas,
visto que lê esses escritos antecipando imaginariamente unidades da escrita de uma língua.
Pode-se dizer, a partir das observações das produções infantis e do arcabouço
teórico exposto que, no processo de constituição da escrita da criança, a produção de cada
uma é única e não é possível antecipar o momento em que acontecerá um corte. Conforme
Borges (2006), cada criança dispõe de “seus” significantes, como as letras, palavras, textos
etc. e a partir das relações com o Outro lhe serão possibilitadas novas relações, assim os
deslocamentos da unidade no interior de sua escrita.
Não se pretende esgotar todas as possibilidades de reflexões sobre as produções
das crianças nesta dissertação, mas sim fazer articulações entre o referencial estudado e essas
produções, objetivando constatar que o processo de aquisição da linguagem escrita não pode
ser explicado apenas como sendo parte do desenvolvimento cognitivo geral, privilegiando a
homogeneidade e a semelhança e deixando relegada a segundo plano a singularidade, o traço
específico de cada criança. Para tal, buscou-se perceber que o “funcionamento metafórico-
metonímico permite descrever os processos pelos quais o discurso do Outro é constitutivo da
linguagem escrita da criança.” (BORGES, 2006, p. 228).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste estudo, realizou-se uma reflexão no campo da aquisição da
língua escrita e para isso fez-se necessária uma releitura dos trabalhos de Ferreiro e
colaboradores, que explicam o processo de aquisição da linguagem escrita como parte do
desenvolvimento cognitivo geral. A partir daí, buscou-se um novo olhar sobre esse tema
fundamentando-se na perspectiva interacionista apresentada nos trabalhos de Lemos (1992,
1995, 2002, dentre outros) e Borges, 2006.
No primeiro capítulo, foi abordada a aquisição da língua escrita na perspectiva
construtivista, que propõe que a criança (re)constrói o conhecimento sobre a língua por meio
de sua própria elaboração, considerando-a um ser cognoscente que passa por níveis de
conceitualização os quais evidenciam as hipóteses que formula sobre a língua escrita na fase
de alfabetização. Conforme Ferreiro (1985) o ato de ensinar transfere-se para o ato de
aprender de acordo com a construção de um conhecimento produzido pela criança, que passa
a ser considerada como um sujeito ativo e não como um sujeito passivo que, simplesmente,
recebe e absorve o que lhe é transmitido. Essa autora criou situações experimentais inéditas
inspiradas no método clínico de Piaget, com o intuito de confrontar as crianças com atividades
de leitura e escrita. Com isso, buscou compreender as tentativas do educando em relacionar a
escrita à oralidade e aos caminhos percorridos pela criança na tentativa de entender o
funcionamento do sistema alfabético de escrita.
Percebe-se que um dos aspectos relevantes que perpassa a aquisição da linguagem
oral e escrita é a forma como o sujeito se representa com/na linguagem. E, de acordo com a
proposta construtivista (Ferreiro), a criança tem um trabalho a executar: representar
categorias, regras e significados presentes na fala ou na escrita; e isso só será possível com a
transferência do objeto – da linguagem oral ou linguagem escrita. A aquisição da língua
escrita é considerada um processo em que o educando vai construindo passo a passo e, para
isso, é essencial o contato com a diversidade textual, fazendo com que ele compreenda a
função da escrita. Ferreiro (1988) mostra que, nessa construção da língua escrita pela criança,
existem três grandes períodos, ou níveis: nível pré-silábico, no qual não seria detectado a
correspondência som/grafia; nível silábico, quando a criança começaria a correspondência
som/letra, dividindo-se em duas hipóteses, a silábica – com algumas letras representando
sílabas – e a alfabética – com a representação de fonemas; e, por último, o nível alfabético
com a criança fazendo a correspondência termo a termo entre grafema/fonema.
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No Brasil, o construtivismo tornou-se referência para muitos especialistas e
professores e passou a subsidiar teoricamente documentos oficiais como Referencial
Curricular para Educação Infantil e Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados e
distribuídos a todos os professores que atuam na Educação Infantil e nos Anos Iniciais como
sugestão, orientação para atuação e organização dos trabalhos pedagógicos desenvolvidos em
salas de aula. Esses referenciais optaram pelos princípios da teoria construtivista em seu
contexto, com o intuito de que pudessem trazer a participação ativa do educando no processo
de aprendizagem ao eixo central das reflexões sobre a educação, que teria sido relegado a
segundo plano pela pedagogia tradicional. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
- Introdução, 2001).
É evidente que o trabalho desenvolvido por Emília Ferreiro e colaboradores sobre
a aquisição da linguagem escrita, sem dúvida, foi e ainda é muito importante para o
desenvolvimento de atividades com crianças no período de alfabetização, mas todos os
conceitos trabalhados no primeiro capítulo deixam suspensos alguns questionamentos que
levam a uma outra abordagem teórica, como: seria construção própria da criança quando essa
nomeia a sua produção gráfica ao ser solicitada pela professora? Ou seriam os efeitos da
relação da criança com o Outro e com os textos orais e escritos com os quais a criança
interagiu? As primeiras produções das crianças seriam uma tentativa de representar o mundo
que as cerca como propõem os cognitivistas? Ou seriam efeitos da linguagem sobre as
crianças?
Para responder a essas questões, buscou-se no segundo capítulo estudar as
pesquisas realizadas por Borges (2006) sobre a linguagem escrita, as quais trazem reflexões
sobre os trabalhos de Emília Ferreiro e de Piaget. Esse livro de Borges é filiado ao quadro
teórico oferecido pelos trabalhos acadêmicos de Cláudia Lemos (1982, 1995, 1997) , que
descreve a necessidade do retorno à Lingüística, ressignificada pela Psicanálise de linha
francesa para compreensão da aquisição da linguagem oral e escrita.
Borges (2006) enfatizou a importância de recorrer às pesquisas de Lemos para o
reconhecimento dos efeitos da intensificação das relações da criança com a linguagem oral e
escrita sobre a sua própria escrita e de pensar a alfabetização em uma proposta não
representacionalista, conforme essa autora: [...] fazer a “correspondência termo a termo”, como sugere Ferreiro, implica que a criança, como sujeito do seu processo de alfabetização, objetive as palavras orais e escritas, submetendo-as à análise e a síntese. Assim, só quando construída a lógica, que regula as suas relações – representações –, seria possível à criança compreender como, ponto por ponto, as unidades gráficas assumem o lugar de representação das unidades fonológicas. (BORGES, 2006, p. 93).
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Na perspectiva da psicanálise, a representação é uma simulação em relação ao
intelecto diante do objeto, no qual sujeito e objeto estão marcados por uma subjetividade.
Sujeito é, portanto, efeito de linguagem. Trata-se de um conceito vinculado ao conceito de
inconsciente – estruturado como uma linguagem, sendo que, em ambos, fazem-se sentir as
marcas do discurso do Outro. Nesse referencial, o inconsciente é a soma dos efeitos da fala do
Outro, enquanto estrutura da linguagem, ou seja, o sujeito só se constitui no campo do Outro,
que o nomeia. É a partir do corpo do Outro que o corpo alheio se constitui, se produz e se
grava.
Verificou-se que o processo metafórico - através da substituição de elementos da
língua, seja em cadeias manifestas e/ou latentes - e processo metonímico - através da
combinação destes elementos – descritos por Jakobson e pesquisados por Lemos (1992),
desenvolveram uma perspectiva diferente nos estudos sobre a aquisição da linguagem,
permitindo observar a emergência da criança na língua e recusando que a aquisição da
linguagem seja um processo de desenvolvimento que visa atingir a um estágio final, no qual
não haveria mais ressignificações.
Para decifrar os enigmas que envolvem a aquisição da linguagem oral e escrita,
Borges (2006) recorreu aos dados demonstrados por Lemos (1982) que explicitam a analogia
entre os estudos no campo da aquisição da linguagem oral e escrita. Abordou a hipótese
levantada por Lemos, em que o infans se constitui como ser falante por meio de um processo
de subjetivação em que a representação da criança na linguagem será essencialmente possível
pela presença do Outro. Segundo essa autora, as mudanças da relação da criança com a
escrita, denominadas “posições”, desvendam-se na sincronia do jogo de significantes, através
de cadeias manifestas e latentes. Nesse caso, pôde-se perceber que a compreensão do papel da
mãe ou professora como intérprete das manifestações da fala e da escrita da criança foi
importante nesta pesquisa para realização do estudo das produções gráficas dos alunos aqui
ilustrados.
Constatou-se que, ao refletir sobre as atividades escritas das crianças em período
de alfabetização, os seus primeiros escritos têm fragmentos da escrita da professora, e a
interpretação que ela faz desses escritos pode constituir as marcas do Outro ali presente. Isso
pode ser constatado na atividade escrita demonstrada abaixo, realizada por uma criança em
sala de aula, na qual a professora fez um ditado, com as palavras: bolacha, biscoito, doce,
pirulito e bombom, para avaliar o nível da escrita dos alunos, segundo a concepção que
norteia sua prática.
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Conforme a avaliação da professora, a escrita da criança “está no nível pré-
silábico, ainda não diferencia desenho e escrita, não reconhece o próprio nome, utiliza apenas
um único sinal gráfico para representar as palavras e não faz nenhuma correspondência
sonora”. Ao observar a atitude da professora escrevendo do lado da escrita da criança o seu
nome e as palavras ditadas, pode-se dizer que ela está diante do que Lemos (1997) denominou
de primeira posição, na qual a escrita da criança precisa ser interpretada por um adulto e que
aos poucos passará a incorporar na sua escrita, fragmentos da escrita da professora, com isso,
ressaltando que as relações entre os significantes que vêm do outro demonstram o
funcionamento da língua escrita.
Todas as atividades propostas pela professora em sala de aula, estudadas no
decorrer desta pesquisa, giram em torno do nome das crianças e de diferentes textos, como
parlendas, músicas infantis, poemas. E, sobre isso, Borges (2006) ressalta que os efeitos da
linguagem sobre a linguagem, ou seja, os textos orais e escritos que circulam em sala são da
ordem da interpretação e, por isso, não ensinam, mas inserem os alunos na escrita.
Conclui-se que a criança quando nomeia sua produção gráfica ao ser solicitada
pela professora põe em jogo as semelhanças e diferenças. Não se considera como “construção
própria da criança”, como indica a teoria proposta por Ferreiro, mas como efeito da relação da
criança com o Outro. Observa-se que, nos escritos das crianças, as rupturas e as oscilações são
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indícios da presença do sujeito no movimento da língua, marcando uma diferença entre a
escrita do outro e a escrita da criança e reafirmando sua mudança de posição diante da língua
escrita.
Constatou-se que o professor, ao promover interferências sobre as produções
gráficas das crianças com sua leitura, deixa nelas marcas de sua inscrição, uma vez que ao lê-
las antecipa imaginariamente unidades da escrita de uma língua. Ainda que os escritos da
criança não correspondam à língua normatizada, eles não escapam à ação da metáfora e da
metonímia.
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