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DEZ ANOS DE GENOMA HUMANO

Autora: Maria de Lurdes Donadon Leal1

Orientadora: Maria Claudia Colla Ruvolo Takasusuki2

RESUMO

Os fatos que desencadearam o trabalho de sequenciamento automatizado dos

genomas; as técnicas fundamentais ao sucesso deste projeto; além dos

procedimentos adotados após a disponibilização das sequências em banco de

dados: são tópicos deste artigo com intuito de adotá-los em sala de aula de ensino

médio. São conteúdos recentes envolvidos em termos de definições precisas, tais

como as distinções entre DNA e cDNA; ou entre RNA, dsRNA, siRNA, miRNA e

RNAi; entre outras. Apesar da aparente complexidade dos temas relacionados, a

atualização desses conteúdos, através do estudo criterioso das publicações

científicas recentes, é a chave para transmiti-los com aproveitamento máximo. Os

momentos históricos marcados por grandes mudanças conceituais exigem, da

relação ensino-aprendizagem, o esforço no sentido da apropriação dos conceitos

inéditos. No entanto, momentos de crise do antigo, geralmente, significam a

consagração de novos fundamentos; expectativas de cura; ou diferentes métodos de

diagnósticos clínicos. Por este motivo é preciso encarar estas mudanças com muita

leitura e, quando a estrutura escolar permitir, alguma observação laboratorial. Urge

também retomar o hábito de elaborar, a partir dessa fundamentação teórica

emergente, atividades de fixação mais apropriadas, em sala de aula, que unam as

clássicas práticas pedagógicas em biologia àquelas que ainda poderão ser bem-

sucedidas.

Palavras-chave: Genoma Humano; Expressão dos Genes; Genômica; Ensino-

Aprendizagem.

1 Especialista em Biologia Celular; graduada em Ciências Biológicas; professora do Colégio Estadual Dr. Gastão

Vidigal Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante, Maringá. 2Doutora em Genética e Evolução pela Universidade Federal de São Carlos; Professora Associada da

Universidade Estadual de Maringá.

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INTRODUÇÃO

As recentes descobertas da biologia, em especial, da genética, têm exigido,

em sala de aula, novas abordagens, sobretudo porque as tecnologias envolvidas

nestas descobertas tornam-nas obscuras em muitos aspectos. O esclarecimento

desses aspectos depende da sintonia entre a prática pedagógica e a fundamentação

teórica sempre atualizadas. Isto significa, basicamente, que é necessário

desenvolver novos meios de relacionar, em aula, os conhecimentos biológicos e

genéticos com outras áreas, tão diversas quanto as tecnologias da informação e da

manipulação automatizada em laboratórios, além da ética e as implicações sociais

de tais tecnologias. Alguns dos conteúdos, relevantes para a compreensão das

investigações realizadas pelos geneticistas, são comentados neste artigo, com

ênfase nos processos históricos que levaram aos domínios desses conteúdos; e

também nos meios de manipulação mais comuns nos laboratórios modernos. Não

pode deixar de ser observado que muitos desses métodos ainda são questionados,

tanto no referente à importância para a terapia gênica; quanto no que diz respeito

aos perigos ao ambiente e à vida como um todo.

No entanto, há que se comemorar o fato de a maioria desses meios de

manipulação gênica constituir-se em promessa de cura para muitas doenças; ou de

auxilio a outras, através de testes; que também são usados em resoluções de

problemas judiciais. O fato de existirem pontos positivos ainda não bem explicitados

faz destas investigações em biotecnologia atrativas, uma vez que, como tudo indica,

há muito ainda a ser desvendado no amplo universo do código genético.

O futuro do genoma precisa de uma sociedade informada sobre os

acontecimentos moleculares, nos níveis do dogma central da biologia; pois tais

acontecimentos, no século XXI, já fazem parte das definições de verbas públicas,

sendo, portanto, alvos de muitas especulações.

Sendo assim, os estudantes têm o direito de ter consciência dos pormenores

destes acontecimentos, de preferência através de explicações claras e ilustradas,

para que nenhum procedimento passe sem ser compreendido, experimentado e

avaliado. Este é, portanto, o objetivo maior deste artigo, que apresenta alguns

experimentos desenvolvidos por pesquisadores renomados em genética e biologia,

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que ainda vêm resultando em transformações e revoluções nos modos de abordar

os organismos e as suas características hereditárias.

O futuro das atividades e das intervenções pedagógicas está aberto, tal

como estão abertas as ferramentas de visualização e navegação em modelos, nas

três dimensões, de proteínas e enzimas; ou nos mapas físicos ou genéticos. A

atenção redobrada para as escolhas de imagens animadas, de processos

bioquímicos das células, tecidos e organismos, vídeos estes disponíveis em grande

número na internet, em sites educativos ou de laboratórios, têm a capacidade de

ilustrar com extremo realismo alguns acontecimentos descritivos em sala de aula. No

entanto, nosso estudo é em primeiro lugar destinado às formas simples de abordar a

linguagem genética; formas simples, porém, elementares como o bê-a-bá do

genoma. O universo da linguagem da vida é escrito com poucas unidades (A,T,C,G),

que se combinam, às vezes criando trincas de códons; outras vezes desencadeando

repetições em lugares diferentes. Em alguns pontos os genes são invadidos por

transposons e T-DNA; em alguns outros, por mutações e substituições inesperadas,

quando se comparam genes mutantes com o gene normal, revelando, assim, no

complexo código genético, o seu aspecto vulnerável. A mera substituição de um par

de bases e toda a transcrição é prejudicada. Neste universo de tamanha sutileza de

combinações de signos, que se expressam reguladas no espaço e no tempo;

reguladas, muitas vezes, por fatores ambientais; as atividades em sala de aula

requerem aquele jeito prático de transmitir o conteúdo científico, que geralmente

manipula e descreve aquilo que os olhos não veem.

ORIGENS DO PROJETO GENOMA HUMANO

A genética clássica vinha se desenvolvendo lentamente desde Gregor

Mendel, em 1866; passando pela teoria cromossômica da hereditariedade, de

Sutton-Boveri, em 1902; até a comprovação de que o DNA é o princípio

transformador das células, realizada por Oswald Avery, em 1944. Mas, desde que

foram descobertos todos os elementos que compõem os ácidos nucléicos, o foco

saiu da mera busca de suas partes e passou a ser o DNA todo, uma vez que os

pesquisadores sabiam que ali estava o código das instruções hereditárias, levando-

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os a tornar prioridade a determinação de sua estrutura. O método mais usado para

estudar a estrutura atômica de uma molécula era o da difração de raios X; e os

principais envolvidos nesta pesquisa eram Maurice Wilkins e Rosalind Franklin,

ambos do laboratório de biofísica do King‟s College, Londres. Eles estavam cada

vez mais convencidos de que o DNA possuía uma estrutura regular e, em 1951,

Wilkins apostava numa estrutura em forma de hélice, mas acreditava que existiam

três cadeias em hélices, chegando a esta conclusão “com base nas medições que

realizara da densidade das fibras de DNA” (WATSON, 2005, p. 59). Em novembro

deste mesmo ano, Franklin apresentou em seminário as medidas que fizera das

repetições cristalográficas e do conteúdo aquoso do DNA cristalino, que se revelava,

portanto, ser muito rico em água. Estas novas informações inspiraram Francis Crick

e James Watson na criação de um primeiro modelo de DNA, contendo três cadeias

de hélices no centro da molécula, modelo este que foi reprovado por Rosalind

Franklin, por ela acreditar que o esqueleto em forma de hélices precisaria ser

localizado no lado de fora da molécula, “para poder acomodar todas as moléculas de

água que ela observara nos cristais” (WATSON, 2005, p. 61). Neste período, Erwin

Chargaff havia realizado uma descoberta importante, a de que ocorriam, no DNA,

quantidades iguais do par adenina e timina; o mesmo ocorrendo com o par de bases

citosina e guanina.

Este fato levou Crick e Watson a concluírem que estes pares de bases

atraíam-se entre si. De posse agora das descobertas de Chargaff, James Watson

procurou desvendar como as bases ligam-se entre si por hidrogênio. Assim, ele

concluiu, levando em consideração a regularidade na difração dos raios X, que os

átomos de hidrogênio ficam no centro da estrutura, formando os pares de bases,

adenina ligada a timina (A=T) e citosina ligada a guanina (C≡G). Isso resolvido,

Watson e Crick, em 28 de fevereiro de 1953, apresentaram ao mundo o modelo da

dupla-hélice e explicaram a síntese de DNA dessa forma: “A molécula se „desdobra‟

para formar duas fitas separadas. Cada fita serve então de modelo para a síntese de

uma nova fita – e uma dupla-hélice se torna duas” (WATSON, 2005, p. 65). Para

confirmar definitivamente esta hipótese, Arthur Kornberg descobriu a enzima que

une os componentes do DNA e estabelece as ligações químicas do seu esqueleto, a

enzima DNA polimerase, responsável pela replicação do DNA, formando uma cópia

complementar.

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Mas, a grande questão que atraía os pesquisadores ao DNA ainda

continuava sem resposta: Como é que os fatores de Mendel afetam o formato das

ervilhas? Claro que estas respostas vinham sendo formuladas desde 1902, com

Garrod; mas em 1941, na Universidade de Stanford, George Beadle e Edward

Tatum, ao fazerem um estudo sobre as mutações induzidas em bolor rosado do pão,

perceberam que cada mutação ocorrida nos fungos estudados tornava inoperante

uma enzima específica, impedindo o mofo de se desenvolver. Esses experimentos

ficaram conhecidos na época como teoria “um gene – uma enzima”, hoje ampliada

para “um gene – um polipeptídeo” (WATSON, 2005, pp. 77-78). Enquanto isso,

Linus Pauling e Harney Itano, sugeriram que os genes pudessem fornecer

informações sobre as proteínas; e chegaram a esta conclusão depois de verificarem

que a anemia falciforme, ou siclemia, doença que deixa as hemácias com o formato

de foice, era causada por uma mutação no gene da hemoglobina, alguma

substituição no nucleotídeo que afetaria a composição química desta proteína. Esta

mutação foi confirmada em 1956: Vernon Ingran descobriu que um único aminoácido

era o responsável pela mutação verificada na hemoglobina por Pauling e Itano, na

qual o ácido glutâmico, encontrado na posição 6 da cadeia protéica normal, é

substituído pela valina na hemoglobina falciforme (WATSON, 2005, p.80). Era a

prova de que as mutações gênicas no DNA podiam ser associadas às diferenças

nas sequências de aminoácidos das proteínas; ou seja, através da proteína, o DNA

exerce controle sobre as células e sobre a vida.

O próximo passo seria descobrir como as informações codificadas no DNA

(no encadeamento de nucleotídeos) convertem-se em proteína (um encadeamento

de aminoácidos). Quando, em 1959, descobriu-se a enzima RNA polimerase, que

catalisa a produção da cadeia de RNA, com uma só fita, a partir de moldes de DNA,

que tem duas fitas; foi também confirmado que “DNA-RNA-proteina” constitui, como

antes havia dito Crick, o “dogma central” da genética (WATSON, 2005, p. 83).

Quando Paul Zamecnik e Mahlon Hoagland identificaram o ribossomo, contendo

duas cadeias de RNA ribossômico, como o local onde ocorre a síntese protéica,

confirmou-se que o os aminoácidos eram transportados até ali por moléculas de

RNA, depois chamados RNA transportadores. A dupla de pesquisadores descobriu

ainda que o RNA transportador possui um anticódon, uma sequência específica de

bases que se ligam a um segmento correspondente do molde de RNA, alinhando

assim os aminoácidos para a síntese protéica. Foi somente com estas descobertas,

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do RNA transportador e do RNA ribossômico, que os pesquisadores ficaram

sabendo que existem várias formas de RNA, pois até então pensava-se que todo

RNA atuasse como um molde do DNA. Quando em 1960 uma terceira forma de RNA

foi revelada, soube-se que este era o verdadeiro molde da síntese protéica: o RNA

mensageiro.

Os pesquisadores queriam saber agora como o código consegue especificar

qual dos vinte aminoácidos é incorporado a um determinado ponto de uma cadeia

protéica, se este código possui apenas quatro letras em seu alfabeto genético: A, T,

C e G. Estudos apontavam para um código de trincas, totalizando 64 códons

(4x4x4); nos quais a combinação resultava em redundância, pois o código só exigia

vinte aminoácidos, levando a conclusão de que muitos deles eram codificados por

mais de um tripleto. A demonstração de que o código é baseado em tripletos

aconteceu antes do estabelecimento dos códons; foi em 1961, na Universidade de

Cambridge, quando Brenner e Crick, usando mutágenos químicos, constataram que

a inserção ou supressão de um único par de bases no nucleotídeo resulta numa

mutação, denominada frameshift (com deslocamento estrutural), pois todo o código

que aparece depois do ponto de mutação fica embaralhado.

Com estas questões respondidas, foi possível buscar descobrir quais

aminoácidos correspondem a seus respectivos trechos de DNA, sabendo agora que

esses trechos são formados por tripletos.

Ainda em 1961, a primeira das “palavras de três letras” foi descoberta por

Marshall Nirenberg, no National Institutes of Health [NIH] dos Estados Unidos;

juntamente com seu colaborador alemão, Heinrich Matthaei; utilizando “RNA

preparado de acordo com procedimentos criados seis anos antes na New York

University pela bioquímica francesa Marianne Grunberg-Manago”, que havia

descoberto “uma enzima específica de RNA capaz de produzir fieiras como AAAAAA

ou GGGGGG”. Nirenberg e Matthaei, utilizando também a tal enzima para fabricar o

RNA sintetizado in vitro, produziram uma sequência de UUUUUU, ou poli-U; e

depois adicionaram-no a um sistema acelular, para verificarem se a síntese protéica

acontecia. Resultado: “os ribossomos começaram a produzir uma proteína simples

formada por uma fieira de um único aminoácido, fenilalanina. Ou seja, eles haviam

descoberto que a poli-U codifica a polifenilalanina”. Assim, o primeiro códon

descoberto foi aquele pelo qual o código genético especifica a fenilalanina, o UUU;

e, até 1966, todos os códons tinham sido estabelecidos, através do esforço de vários

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cientistas, sobretudo de Gobind Khorana, da Universidade de Wisconsin (WATSON,

2005, pp.87-88).

Ampliaram-se, assim, os conhecimentos sobre a síntese de proteínas. O

segmento pertinente do DNA, da célula relacionada à proteína visada, abre-se e

ocorre a transcrição de uma das fitas, com a ajuda da enzima RNA polimerase. Após

o seu processamento, o RNA mensageiro sai do núcleo e vai ao citoplasma, até o

ribossomo, composto também de RNA e proteínas, local onde será gerada a nova

molécula de proteína, a partir de RNA mensageiro, pelo processo da tradução. Na

tradução, um aminoácido chega até o local da síntese anexado a uma das

extremidades do RNA transportador, que tem, na outra extremidade, um tripleto

específico, ou anticódon, (por exemplo, um CAA) que reconhece o tripleto oposto

correspondente no RNA mensageiro (neste caso, um GUU; e o aminoácido

transportado seria a valina). Logo em seguida, um outro RNA transportador chega

com outro aminoácido para ocupar o tripleto seguinte do RNA mensageiro; sendo

que este novo aminoácido é ligado bioquimicamente ao anterior. Este processo é

repetido tantas vezes quantas forem necessárias, até que a proteína esteja

totalmente sintetizada.

Como, em ciência, as perguntas sempre se renovam, o que os

pesquisadores queriam saber, agora, era por quê a maioria dos genes são “ligados”

apenas em determinados momentos e em determinadas células, para produzir

determinado tipo de proteína. O desenvolvimento de qualquer célula complexa é “um

enorme exercício de ligar e desligar genes: à medida que novos tecidos vão

surgindo, conjuntos inteiros de genes precisam ser ligados e desligados” (WATSON,

2005, p. 93). Muitos pesquisadores empenharam-se em estudar o ligar e o desligar

dos genes, entre eles, François Jacob e Jacques Monod, no Instituto Pasteur, de

Paris; Walter Gilbert e Benno Müller-Hill, na Harvard. Foi Mark Ptashne, contudo,

quem isolou e caracterizou a molécula repressora que liga e desliga os genes do

bacteriófago; e descobriu que a repressora é uma proteína capaz de se ligar a um

sítio do DNA, próximo do ponto em que tem início a transcrição do gene responsável

pela proteína que ela reprime, impedindo a RNA polimerase de produzir o RNA

mensageiro a partir do gene.

No final da década de 1960, os cientistas envolvidos nas investigações que

resultaram na descrição clara da síntese de proteínas sentiram que um grande ciclo

havia sido completado, e precisavam partir para outros campos de pesquisa. Por

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outro lado, sentiam que apenas um pequeno passo fora dado, e que precisavam

avançar para um estudo, bem mais esperado por pesquisadores maravilhados com

o código genético, o estudo da manipulação dos genes.

O segundo ano da década de 1970 marcou o nascimento de uma das mais

revolucionárias tecnologias para multiplicar segmentos selecionados de DNA: o DNA

recombinante. Esta tecnologia, que seria posteriormente popularizada em filmes e

novelas como “clonagem”, teve sua origem em 1972, através do trabalho conjunto,

ainda que em laboratórios separados, de Herbert Boyer, em San Francisco, e de

Stanley Cohen, em Palo Alto. No entanto, o DNA recombinante não existiria sem

três grandes descobertas da biologia molecular realizadas na década de 1960: a

descoberta das enzimas de restrição, pelo bioquímico suíço Werner Arber; a

identificação da enzima ligase, feita ao mesmo tempo por Martin Gellert, no National

Institutes of Health e Robert Lehman, em Stanford; e ainda a descoberta do

plasmídeo, advinda dos estudos sobre a resistência antibiótica das bactérias, mas

que inspirou pessoas como Cohen a querer transformar a E. coli importando

plasmídeo de fora da célula.

Enquanto estudava o processo pelo qual alguns DNA virais são destruídos

depois de inseridos em células bacterianas, Arber percebeu que a presença de uma

enzima de restrição, numa célula bacteriana hospedeira, impedia o crescimento viral

porque ela podia clivar, ou cortar, o DNA estranho; ao passo que uma segunda

enzima de restrição protegia o DNA da bactéria, permitindo o ataque da primeira

enzima tão-somente às sequências de bases pertencentes ao DNA do vírus.

Em 1967, Gellert e Lehman mostraram que, com a enzima ligase, é possível

ligar ou colar as extremidades de moléculas de DNA. Esta descoberta inspirou

Kornberg, nas pesquisas com DNA polimerase, a induzir a união das duas

extremidades do DNA viral com a enzima ligase. Em primeiro lugar, Kornberg, com a

enzima que ele ajudou a descobrir, a DNA polimerase, replicou o DNA do vírus

original; em seguida, colou suas duas pontas e verificou que, a réplica, feita em tubo

de ensaio, passou a se multiplicar como acontece com o vírus natural, que se

multiplica na E. coli. Isto é, o DNA viral artificial era, pela primeira vez na história das

cópias de DNA, uma molécula biologicamente ativa.

Ainda na década de 1960, descobriu-se que muitas bactérias desenvolviam

resistência a antibióticos de maneira diferente da usual: pela importação de um

pedaço extracromossômico de DNA, que seria chamado de plasmídeo. Plasmídeos

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são pequenos circuitos circulares de DNA que, naturalmente, incluem, junto ao

genoma da bactéria, os genes que conferem resistência a antibióticos. Os

plasmídeos podem ser replicados e transmitidos durante a divisão celular.

Novembro de 1972, em Honolulu, numa conferência sobre plasmídeos,

Herbert Boyer, professor da Universidade da Califórnia; e Stanley Cohen, o grande

pioneiro dos plasmídeos, encontrara-se; e reencontrara-se, depois da conferência,

“numa delicatéssem perto de Wikiki”, onde “começaram a idealizar o nascimento da

tecnologia do DNA recombinante, anotando suas ideias em guardanapos”

(WATSON, 2005, p. 105). Dois fatos são marcantes: o de Boyer ser um especialista

em enzimas de restrição; e o de Cohen já, em 1971, ter idealizado um método para

induzir células bacterianas da E. coli a importarem plasmídeos de fora da célula. Em

1972, Cohen e Boyer trabalhavam em conjunto para reunir, com genialidade e

minúcia molecular, todos estes ingredientes descobertos na década de 1970: as

enzimas de restrição e ligase, usados para modificar o plasmídeo, cortando-o; e

colando um outro pedaço de DNA, contendo algum gene de interesse humano no

seu interior; com o objetivo de introduzir este plasmídeo recombinante no interior da

bactéria; provocando assim a sua multiplicação, através da divisão da bactéria

hospedeira. Mas Cohen e Boyer ainda precisavam saber se estes protocolos podiam

ser seguidos em outras situações. Em experiências subsequentes, eles visaram criar

um plasmídeo recombinante usando o DNA de um organismo diferente da bactéria,

foi então que eles realizaram a clonagem do DNA do sapo.

O PROJETO GENOMA HUMANO

A técnica de sequenciamento desenvolvida por Fred Sanger em meados dos

anos de 1970 em Cambridge, Inglaterra, foi primeiro potencializada em 1983 por

Lloyd Smith e Mike Hankapiller, automatizada e transformada na máquina de

sequenciamento Smith-Hankapiller, e depois, em 1998, pela PRISM 3700, máquina,

da Applied Biosystems Inc., criada em conjunto com Hankapiller. Esta

potencialização do método de Fred Sanger para seqüenciar DNA, resultando na

mecanização do processo, precisou acontecer para que o Projeto Genoma Humano

fosse viável, pois ela ofereceu possibilidade de sequenciar até meio milhão de pares

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de bases por dia, sem a intervenção humana. Encaminhando o projeto com

segurança para sua execução rápida, desde os seus detalhamentos iniciais,

ocorridos em 1987, até ele ficar “essencialmente completo” em abril de 2003

(WATSON, 2005, p. 213). A genialidade do método de Sanger estava no fato de ele

produzir uma cópia do DNA, usando a enzima DNA polimerase, a partir de pares de

bases ligeiramente alterados, isto é, ao invés de usar apenas as chamadas bases

desoxi (A, T, C e G), Sanger acrescentava algumas bases didesoxi, (ddA, ddT, ddG,

ddC) que são incorporados sem dificuldade na cadeia do DNA, pela DNA

polimerase, mas que depois disso, impedem esta enzima de acrescentar qualquer

outra base à cadeia.

A técnica para determinar a sequência de bases nitrogenadas do DNA

começa por fazer a síntese de cadeias complementares, do segmento a ser

sequenciado, em um meio contendo também pequenas quantidades, misturadas aos

nucleotídeos normais, de cada um dos tipos de di-desoxirribonucleotídeos, sendo

estes os responsáveis por fazer a DNA polimerase interromper a síntese, quando

são introduzidos, de modo aleatório, em diferentes pontos das cadeias

complementares. Quando a reação é interrompida, após algum tempo, o meio é

alcalinizado, quebrando as pontes de hidrogênio, separando as cadeias-molde das

suas complementares sintetizadas, que são de diversos tamanhos, algumas do

tamanho original, outras menores e, assim, diminuindo até o tamanho de uma única

base copiada com didesoxi. Neste ponto, o meio é formado por uma grande

quantidade de cadeias de comprimentos variáveis, todas copiadas do molde de

DNA. O passo seguinte, portanto, é classificar, desde as minicadeias até as cadeias

maiores, de acordo com o comprimento de cada uma, com o objetivo de inferir a

sequência.

Esta é possível usando a técnica da eletroforese: colocam-se todos os

fragmentos do DNA numa placa, contendo gel especial; submete-se a placa a um

campo elétrico; a atração desta força a migração das moléculas pelo gel, com

velocidade determinada pelo tamanho, cadeias curtas avançando mais depressa

que as longas. Após um intervalo de tempo, a menor minicadeia terá avançado a

maior distância; e a maior cadeia percorrerá distância menor: todas as cadeias

alinhadas e marcadas, com uma base didesoxi na extremidade final. É esta

extremidade, a última base copiada com didesoxi marcada, que permite fazer a

leitura da sequência da nova fita de DNA: conta-se a última base marcada de cada

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fita copiada, desde a menor até a maior, sendo uma subsequente à outra,

reconstituindo, assim, a sequência de bases nitrogenadas na fita complementar

sintetizada (WATSON, 2005, p. 121 a 123).

A técnica de Smith e Hankapiller tornou o processo de Sanger quatro vezes

mais eficiente, realizando, com um código de quatro cores fluorescentes, uma única

reação, na síntese; e uma única banda de gel, eletroforese; a qual passa por

rastreamento de raio laser, após a corrida das cadeias no fundo do gel. Sob a

influência do laser, cada um dos quatro di-desoxirribonucleotídeos é localizado pela

cor específica da luz emitida pelo fluorocromo associado a ele: os fluorocromos

associados à timina, à adenina, à citosina e à guanina; emitem, respectivamente, as

luzes vermelha, verde, azul e amarela. Estas cores fluorescentes são, portanto,

etiquetas para identificação das quatro bases nitrogenadas, que podem, assim, ser

processados no computador. Nos dias atuais, o gel foi superado por “sistemas

capilares de grande vazão – finíssimos tubos nos quais os fragmentos de DNA são

separados em alta velocidade de acordo com o seu tamanho” (Watson, 2005, p.

196).

Apesar de a técnica de sequenciamento ter evoluído muito e acelerado o

processo, algo ainda podia ser melhorado: a técnica para gerar grandes quantidades

do segmento, ou gene, a ser sequenciado. Até então, o método para amplificar

determinada região do DNA era o de Cohen-Boyer, desenvolvido para clonagem

molecular: recorta-se o segmento de DNA; insere-o no plasmídeo; insere-se o

plasmídeo modificado na célula bacteriana; esta replica-se, duplicando o pedaço de

DNA; ao se formar uma população bacteriana, purifica-se o segmento de DNA

desejado. Era um procedimento lento e trabalhoso, mas que foi resolvido com a

descoberta, em 1983, da reação em cadeia da polimerase, por Kary Mullis. Como foi

mostrado acima, a técnica de sequenciamento começa pela síntese de cadeias

complementares, logo, a reação em cadeia veio potencializar esse começo.

A reação em cadeia da polimerase é promovida pelo processo a seguir.

Primeiro, são sintetizados dois primers, que são sequências pequenas, com até 20

bases nitrogenadas em fita única, correspondentes às margens delimitadas de inicio

e fim de segmento alvo do DNA, o gene que deve ser amplificado. Adicionam-se os

dois primers ao meio contendo uma amostra de tecido, ou seja, do genoma inteiro,

que é aquecido a 950C, provocando a separação da dupla-hélice, resultando em um

meio com muitas fitas únicas ao lado dos primers. Com uma leve redução da

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temperatura, um primer sintetizado liga suas vinte bases às vinte bases

complementares anteriores ao início da região-alvo, enquanto o outro primer liga-se

às bases posteriores ao fim do gene-alvo, no molde de DNA. Neste ponto, os únicos

dois pedaços com dupla face no molde de DNA são estes em que se localizam os

primers. Quando a enzima DNA polimerase é acrescentada ao meio, ela vai

procurar, obrigatoriamente, estas regiões de dupla face para iniciar a cópia

complementar do molde de DNA, que é copiada até o ponto de parada, marcada

pelo primer de finalização. Este processo é repetido: aumenta-se a temperatura,

separando as fitas; reduz-se a temperatura, formando duplas fitas de primers;

adiciona-se DNA polimerase, fazendo a duplicação da região-alvo. Assim, depois de

repetir o processo muitas vezes, aquele meio, que começou com uma mistura

simples de primers, DNA polimerase, bases livres e molde de DNA; torna-se uma

solução concentrada da região-alvo. A reação em cadeia acelerou o processo de

sequenciamento: em menos de duas horas, após 25 ciclos, o “DNA-alvo terá sido

amplificado 225 vezes (cerca de 34 milhões de vezes)” (WATSON, 2005, p. 193).

Também este processo, desenvolvido por Mullis, da reação em cadeia da

polimerase foi automatizado, surgiram laboratórios genômicos com linhas de

produção controladas, sendo que o laboratório do Instituto Whitehead do MIT

Massachsetts Institute of Technology (MIT) teve, pela inventividade de Eric Lander,

responsabilidade pelo processo no qual robôs substituíram os técnicos humanos,

levando a um aumento da produtividade no final do projeto.

Pode-se dizer que o Projeto Genoma Humano começou pela insistência de

alguns pesquisadores, os quais perceberam o quanto o sequenciamento poderia ser

útil para identificar mutações de importância médica, levando-os a se reunirem, a

partir de 1985, para decidirem como seria o processo. Em 1987, eles formaram uma

comissão de quinze membros, entre eles, James Watson, Sidney Brenner e David

Botstein, sob a égide da Academia Nacional de Ciências e sob a direção de Bruce

Albers, da Universidade da Califórnia, San Francisco. O objetivo inicial do comitê era

o aprimoramento das tecnologias de sequenciamento: antes do genoma humano, a

recomendação era sequenciar genomas de organismos simples, como a Escherichia

coli, o lêvedo (fermento biológico Saccharomyces cerevisiae), o C. elegans (verme

nematóide) e a mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster). O comitê determinou

ainda que o processo para sequenciar os genomas respeitaria duas fases: um

mapeamento genético, para determinar as posições relativas dos genes, criando

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marcos gênicos para servir de parâmetros nos cromossomos, esclarecendo a sua

estrutura básica do genoma; e um mapeamento físico, para identificar as posições

absolutas dos marcos gênicos, aquelas que determinam a posição de cada trecho

distinto da sequência no cromossomo, servindo, assim, como âncora fixa. Este

processo foi seguido pelo Consórcio Público Mundial, formado por grandes

laboratórios como: MIT (campeão do sequenciamentos); o Centro Sanger, em

Cambridge, Reino Unido, o Centro de sequenciamento da Universidade de

Washington; a Faculdade de Medicina Baylor, o laboratório do Departamento de

Energia dos Estados Unidos; e o Genéthon, o Instituto de Pesquisa Genômica da

Associação Francesa de Distrofia Muscular. No entanto, este processo não foi

seguido pela iniciativa privada que também estava envolvida no sequenciamento do

genoma, sobretudo após as decisões controvertidas de Craig Venter, que, primeiro,

contrariou o consórcio público quando, no TIGR (Instituto de Pesquisas Genômicas

– The Institute for Genomic Research), decidiu sequenciar apenas os genes sem

íntrons advindos do cDNA. E, segundo, quando Venter trabalhava, a convite de

Hunkapiller, na ABI, corporação que fundou a empresa-irmã Celera Genomics

especialmente para ele testar o mais novo modelo da empresa, o PRISM 3700.

Venter, na ABI, decidiu sequenciar todo o genoma humano por um método que

excluía o mapeamento inicial, o método Whole Shotgun (que significa “atirando a

torto e a direito para acertar o genoma inteiro”). Os pesquisadores do consórcio

público não pouparam críticas a Venter, sobretudo por ele ter se aproveitado da

utilização do cDNA, não só para descobrir genes em grande escala, mas também

para praticar a patente especulativa do novo gene antes da descoberta de suas

funções. Por princípio, não interessava ao consórcio público deixar de sequenciar as

regiões do DNA apelidadas de “DNA-lixo”, uma vez que se sabia da possibilidade de

muitas informações relevantes sobre as mutações advindas da seleção natural

estarem inscritas nestas regiões, mantendo sob controle as diferenças entre as

espécies, que são similares somente nas áreas funcionais, ou seja, nos genes

(WATSON, 2005, p. 217). A despeito das boas intenções científicas, Venter, quando

na TIGR, de olho nos lucros dos royalties pelo monopólio de alvos potenciais de

medicamentos que nem sequer haviam sido inventados, levou em frente seu esperto

projeto de sequenciar apenas DNA complementares.

Apesar de todos os desentendimentos, o consórcio público, de um lado, e a

iniciativa privada, de outro, conseguiram levar o projeto de sequenciamento do

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genoma humano num ritmo espantoso, completando-o “essencialmente” no mês de

abril de 2003, com 95% das sequências obtidas (pois existem, na prática, regiões de

DNA não sequenciáveis) e com “taxa de erro inferior a 1 em cada 10 mil bases”

(WATSON, 2005, pp. 212-213).

O FUTURO DO GENOMA

Dez anos depois de completado, o sequenciamento do genoma humano, em

si, já não é nenhum grande feito, digno das capas de publicações científicas. Estas,

agora, privilegiam não a simples descrição genômica, mas sim as descobertas sobre

as funções específicas dos genes e os modos de interferir no fluxo do dogma central

da biologia: DNA, RNA, proteína. Fechou-se um ciclo, iniciado na segunda metade

do século XX, com chave de ouro, deixando disponível uma grande quantidade de

informações que o século XXI começou a explorar, visando, sobretudo as análises e

os estudos funcionais dos genes. O conhecimento de sequências de nucleotídeos

de genomas inteiros e o desenvolvimento de biotecnologias, como os arranjos de

hibridização, os chips gênicos e o gene repórter, permitem, hoje, o estudo

simultâneo da expressão de todos os genes de um organismo. O avanço da

tecnologia aplicada às ciências biológicas foi fundamental para o sucesso do

sequenciamento dos genomas (ULRICH, et al., p. 126), sendo que a própria

validação dos métodos aconteceu desde os primeiros genomas sequenciados em

microrganismos. Assim, este avanço, que determinou a expansão das análises em

larga escala, permitiu o incremento de outras abordagens, que cobrissem,

particularmente, os diferentes fenômenos e a alta interatividade entre os processos

biológicos que atuam no fluxo do dogma central. Entre as novas abordagens

“ômicas” surgiram: 1) “a genômica, visando a caracterização total do ácido

desoxirribonucléico” (DNA) dos organismos; 2) a transcriptômica, visando os ácidos

ribonucléicos (RNA); 3) e a proteômica, visando as proteínas (ULRICH, et al., p.

125).

A genômica é, portanto, a subdisciplina da genética dedicada ao

mapeamento, sequenciamento e análise funcional e comparativa de genomas,

sendo ela subdividida em: 1) genômica estrutural, estudo da estrutura do genoma; 2)

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a genômica funcional, estudo do funcionamento do genoma; 3) e genômica

comparativa, o estudo da evolução do genoma. Na prática, a genômica funcional

engloba análises do conjunto completo de RNA transcritos de um genoma

(transcriptoma) e o conjunto completo das proteínas codificadas pelo genoma

(proteoma).

A mais avançada destas três disciplinas é a genômica estrutural, pois ela já

estabeleceu as sequências completas de muitos organismos, tornando a ação de

identificar e isolar genes relativamente simples, baseando somente nas informações

sobre sua localização, permitindo a clonagem de qualquer gene com efeito

fenotípico conhecido.

Mapas de alta resolução têm sido construídos, por meio da genômica

funcional, permitindo localizar os genes nos cromossomos e integrar os mapas

genético, citológico e físico, com a finalidade de monitorar mudanças na expressão

total do genoma, tanto ao longo do seu desenvolvimento no tempo quanto em

resposta às mudanças no ambiente.

A genômica funcional, que se dedica a estudar a expressão total do genoma,

tem como aliada nas investigações o método de hibridizações dot blot, um processo

pelo qual sequências específicas de nucleotídeos de genes ou sondas são aplicadas

e ligadas a uma membrana, em arranjos de sonda (os dot blot), com ajuda de uma

filtração a vácuo. Esta membrana é colocada em solução de hibridização, sendo, os

híbridos, sondas complementares a segmentos de transcritos de cada ORF

(Matrizes abertas de leitura) ou PCR. Mais especificamente, uma solução de

hibridização contém RNA e cDNA marcados com um isótopo radioativo ou corante

fluorescente; e é feita a partir dos RNA transcritos que sintetizam os cDNA

radioativos. A medição das quantidades de RNA ou cDNA hibridizadas, com sonda

em dot blot, é feita pela varredura do blot com um sistema de auto-radiogramas que

apresenta as intensidades de sinais de hibridização, as quais podem ser

interpretadas a partir de análises de programas de computador. A evolução das

membranas de suporte levou ao desenvolvimento de placas de silicone, que

comportam mais de 10.000 sondas. Isso porque, hoje, a biotecnologia dispõe dos

chips gênicos, que podem conter milhares destas sondas de hibridização, em

microarranjos de oligonucleotídeos sobre suportes mínimos, próprios para a

quantificação por meio de scanners de resolução micrométrica. Estes novos

procedimentos estão diretamente ligados à capacidade de analisar a expressão de

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genomas inteiros, beneficiando a compreensão do processo de desenvolvimento

humano e das causas de muitas doenças.

Sob o aspecto do funcionamento dos genomas, os pesquisadores visam, em

especial, estudar as regulações espacial e temporal de genes; os modos de regular

a expressão gênica; a atividade transcricional induzida por fatores ambientais e

biológicos; e os controles moleculares da transcrição.

Os genes presentes em genomas de eucariontes multicelulares estão

sujeitos a um controle no modo como são expressos, sendo que há uma dimensão

espacial desse controle e uma dimensão temporal. Na dimensão espacial, o controle

determina, por exemplo, a alguns genes a expressão em células nervosas, a outros

em células sanguíneas e a outros ainda em células reprodutivas. Assim, em

eucariontes multicelulares, muitos genes diferentes têm expressão histoespecífica,

ou seja, que “estimulam a transcrição em apenas alguns tecidos” (SNUSTAD e

SIMMONS, 2008, p. 633). Um bom exemplo dessa regulação espacial são os genes

que codificam as tubulinas α e β na planta Arabidopsis thaliana, para a qual são

necessários tipos ligeiramente diferentes de microtúbulos (e de seus respectivos

genes codificantes) para diferentes partes dela. Na dimensão temporal, genes

diferentes são expressos em momentos diferentes, alguns em resposta a sinais

biológicos, como os hormônios, e outros em resposta a estímulos ambientais. Pode-

se observar a especificidade temporal durante o desenvolvimento do zigoto em

organismos multicelulares. A formação de tecidos e órgãos é dirigida por um grupo

de genes expressos em sequência ordenada, à medida que o organismo se forma.

O melhor exemplo para a regulação temporal vem da expressão gênica da

hemoglobina, proteína responsável por transportar oxigênio no sangue de animais

vertebrados. A hemoglobina é um tetrâmero de polipeptídeos denominados globinas:

duas cadeias de globina α e duas de globina β unem-se frouxamente às moléculas

de um composto chamado hemo, promotores da ligação com oxigênio molecular.

“Os genes de globina α ocupam uma região com 28 kb no cromossomo 16 e os

genes de globina β ocupam uma região de 45 kb no cromossomo 11” (SNUSTAD e

SIMMONS, 2008, p. 625-626). Durante o desenvolvimento, os grupos de genes α e

β são expressos em épocas diferentes: de um lado nos grupos, os genes são

expressos apenas no embrião; no meio, apenas no feto; e do outro lado, os genes

são expressos só após o nascimento. O resultado dessa ativação temporal de genes

é a produção de tipos ligeiramente diferentes de hemoglobinas em cada fase do

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desenvolvimento humano: “O embrião, o feto e a criança têm necessidades

diferentes de oxigênio, sistemas circulatórios diferentes e ambientes físicos

diferentes. A mudança temporal na expressão do gene de globina é aparentemente

uma adaptação a esta gama de condições alteradas” (SNUSTAD e SIMMONS,

2008, p. 626).

A utilização das informações genômicas disponíveis tornou-se rotina entre

os pesquisadores, quase sempre visando desenvolver para humanos algum tipo de

terapia gênica de células somáticas, ou seja, não herdável; por contraste à terapia

gênica herdável, ou seja, de linhagem germinativa, terapia esta só realizada hoje em

camundongos e outros animais, mas não em humanos, pois implica em questões

morais e éticas ainda discutidas amplamente pela sociedade. Infelizmente, a maioria

das tentativas de tratar uma doença, por terapia gênica de células somáticas,

esbarra nas rápidas respostas do corpo contra os vetores que supostamente

levariam o gene restaurador, do tipo selvagem, ao paciente. Atualmente, são

tratáveis apenas algumas das 5.000 doenças humanas herdadas catalogadas; mas

o novo enfoque da terapia gênica promete tratamentos mais bem-sucedidos no

futuro, uma vez que ela promove a síntese do produto gênico ausente, o qual deverá

restaurar o fenótipo normal (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, pp. 518-519).

Uma das alternativas possíveis para o uso das recentes tecnologias

genômicas é detectar, por testes diversos para identificar os genes mutantes que

causam doenças humanas herdadas, para que se possa fazer um diagnóstico

molecular das doenças e promover ações de prevenção ou cura. Os testes

moleculares para alelos mutantes, geralmente, começam pela aplicação do

segmento do DNA de interesse na reação em cadeia da polimerase, com o objetivo

multiplicar pequenas quantidades de DNA obtidas, por exemplo, de células fetais

(por amniocentese ou punção de vilosidades coriônticas); ou da célula única do pré-

embrião (produzida por fertilização in vitro). Alguns diagnósticos moleculares

requerem testes para determinar o número de repetições ampliadas de

trinucleotídeos, que são causa de mais 40 distúrbios humanos diferentes, entre eles,

muitas anomalias neurodegenerativas; outras mutações podem exigir testes

diferentes, por exemplo, “usando-se oligonucleotídeos aleloespecíficos como sondas

em transferências de Southern genômicas” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p.518);

procedimento usado para detectar a mutação ΔF508 no gene CF, a causa mais

frequente de fibrose cística. O teste de deleção ΔF508 foi realizado de modo bem-

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sucedido em células fetais obtidas por amniocentese ou punção de vilosidades

coriônticas; e também realizado, por fertilização in vitro, em embriões de oito células.

A fibrose cística (CF) é uma doença herdada como mutação autossômica

recessiva, a expectativa de vida da pessoa com CF é de cerca de 32 anos, mas com

qualidade de vida inadequada. Os sintomas da CF são o suor excessivamente

salino; e a obstrução, por um muco espesso, dos pulmões, pâncreas, fígado e do

trato digestivo; o que resulta em infecções crônicas e progressivas por

Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aereus e bactérias correlatas; as quais

provocam a insuficiência respiratória e morte. Assim, as mutações no gene CF são

pleiotrópicas, isto é, elas causam vários efeitos distintos: funcionamento inadequado

do pâncreas, do fígado, dos ossos e do trato intestinal. Foram identificadas mais de

170 mutações CF diferentes, mas em 70% dos casos de alelos mutantes de CF

acontece uma única deleção de três bases no sítio ΔF508, que elimina a fenilalanina

da posição 508 do produto do gene CF.

O gene CF localiza-se no braço longo do cromossomo 7, ele é grande, mede

cerca de 250 kb, possui 24 éxons e seu RNA mensageiro tem cerca de 6,5 kb; ele

codifica uma proteína de 1480 aminoácidos, denominada regulador de condutância

transmembranar de fibrose cística (CFTR). A proteína CFTR tem, entre outras, a

função de regular o fluxo de sal e água para dentro e fora da célula, para isso, ela

instala-se, para formar canais iônicos, nas células que revestem o sistema

respiratório, além do pâncreas, do intestino, vias reprodutivas e glândulas

sudoríparas e salivares. No entanto, a CFTR mutante acumula sal nas células

epiteliais, formando o muco na sua superfície, provocando os cistos: daí o adjetivo

“cística”.

Com a identificação do gene CF e a caracterização de algumas das

mutações que causam a fibrose cística, pelas pesquisas de Francis Collins e Lap-

Chee Tsui e seus colaboradores, rapidamente identificou-se o seu produto, a CFTR.

A identificação do gene CF candidato foi baseada em comparações dos alelos

normal e mutante pelos heredogramas de várias famílias; depois, determinaram-se

os dois marcadores RFLP mais próximos do gene CF; a partir deles, foi iniciado o

processo de andar e saltar no cromossomo 7, em seu braço longo. O andar no

cromossomo inicia-se, portanto, com a seleção de um marcador gênico (RFLP ou

clone gênico) próximo do gene de interesse; este clone (ou RFLP) é empregado

“como sonda de hibridização para triar uma biblioteca de sequências superpostas”;

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os clones superpostos identificados na triagem de bibliotecas recebem mapas de

restrição; “o fragmento de restrição mais distante da sonda original é usado para triar

uma segunda biblioteca genômica construída pelo emprego de uma enzima de

restrição diferente” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 483). Repete-se o processo

várias vezes, em ambas as direções, e, caso o gene de interesse esteja ainda

distante das sondas de origem, salta-se sobre o cromossomo até encontrá-lo.

Nem sempre, porém, os enfoques que resultam em terapias gênicas dão

ênfase aos eventos restauradores da expressão de um gene; pelo contrário, os

enfoques da genética reversa visam a inibição da expressão de genes específicos,

fazendo uso de sequências conhecidas de nucleotídeos para criar seus

procedimentos. Em síntese, o enfoque genético clássico, usado, por exemplo, na

identificação do gene CF por Collins e Tsui vai: 1) identificar os organismos com

fenótipos anormais; 2) caracterizar os genes mutantes responsáveis por tais

fenótipos; 3) determinar os efeitos das mutações, pela comparação entre os

organismos mutante e tipo selvagem; 4) identificar os genes codificantes de

produtos (proteínas ou enzimas) envolvidos nos processos biológicos investigados.

No entanto, os novos enfoques de investigação minuciosa dos processos biológicos,

como o RNA anti-sentido, o T-DNA (DNA transferido), as inserções de transposons

(elementos móveis de transposição), a interferência do RNA (RNA-i) e as mutações

nocaute (inativação de gene), podem ser classificados em um enfoque coletivo

denominado genética reversa. Estes quatro enfoques servem para aqueles

momentos cotidianos em que “conhecemos a sequência de nucleotídeos de um

gene antes de conhecer sua função” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 533); assim,

usam-se sequências conhecidas de nucleotídeos de gene objetivando criar

procedimentos para: 1) isolar mutações neutras nos genes; ou 2) desligar a sua

expressão. Estes procedimentos de genética reversa, mesmo sem o prévio

conhecimento do produto funcional do gene, permitem deduzir a função de um gene

específico, simplesmente observando uma perturbação ou interrupção em seu

funcionamento no organismo.

O primeiro procedimento de genética reversa é o RNA anti-sentido, usado

para bloquear ou reduzir o nível de expressão de determinado gene. Por definição, o

RNA anti-sentido é uma molécula complementar a uma molécula de RNA

mensageiro. Ao contrário do RNA mensageiro, que tem sentido, pois tem os códons

lidos na sua tradução em produto polipeptídico; o RNA complementar não contém

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códons traduzíveis em proteínas e também não dispõe das sequências reguladoras

necessárias à tradução, por isso ele é dito RNA anti-sentido. Ainda que hoje este

procedimento tenha sido amplamente substituído pelos enfoques da mutagênese

insercional de transposons e T-DNA, ele ainda é considerado um sucesso comercial

na produção de produtos geneticamente modificados, como o tomate, um produto

GM aprovado para consumo humano em 1994, produzido usando-se RNA anti-

sentido para reduzir a expressão do gene endógeno que codifica a

poligalacturonase, “enzima que degrada as paredes celulares e amolece os tomates

à medida que ficam maduros” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 534), redução esta

que mantém o tomate firme por mais tempo, durante o amadurecimento. Para

produzir o RNA anti-sentido de um gene dentro de uma célula é preciso: 1) clonar o

gene de interesse; 2) cortar o gene de interesse entre a sequência codificante e o

seu promotor, para separá-los; 3) ligar novamente o gene de interesse, mas, dessa

vez, colando a sequência codificante na orientação inversa em relação ao seu

promotor, formando, o gene anti-sentido; 4) introduzir o gene anti-sentido na célula

hospedeira ou no organismo; 5) na transcrição, o gene anti-sentido produz os RNA

sem sentido; 6) os RNA sem sentido irão hibridizar-se com os RNA mensageiros,

com sentido; 7) ambos, RNA anti-sentido e RNA, formam um RNA bifilamentar e

helicoidizam-se; 8) este RNA bifilamentar entra na via de interferência de RNA e,

assim, bloqueiam juntos os mRNA correspondentes.

Os procedimentos de inserções de transposons ou de T-DNA são

ferramentas, da genética reversa, que fornecem uma fonte de mutações nulas de

genes. Os transposons são elementos genéticos de transição que se movem de um

local a outro no genoma e pertubam o funcionamento do gene no qual ele se insere;

da mesma forma, o segmento T-DNA do plasmídeo Ti da Agobacterium tumefaciens,

quando é transferido para células vegetais e inserido nos cromossomos da planta,

ele também perturba o gene (desta última) no seu funcionamento. Seja ela feita com

T-DNA de plasmídeo Ti ou com um transposon, basicamente a mesma é a

mutagênese insercional, ou a indução de mutações nulas (mutações nocaute);

assim, pelo exemplo das inserções T-DNA empregadas para dissecar a função

gênica na planta Arabidopsis thaliana, é possível entender o emprego de ambos os

procedimentos.

Com cerca de 200.000 pares de nucleotídeos, o grande plasmídeo Ti possui

um segmento T-DNA (DNA transferido) com 23.000 pb de tamanho e pelo menos 13

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genes conhecidos, entre eles: os genes “Tum”, responsáveis pela formação do

tumor nas plantas dicotiledôneas; e os genes “Nos”, envolvidos na biossíntese de

nopalina. O uso do T-DNA em genética reversa implica na deleção dos genes

causadores do tumor e a inclusão de um marcador selecionável para “identificar

células vegetais transformadas com plasmídeos Ti desarmados”; assim, os T-DNA

usados não causam os “tumores que em geral se formam na coroa (junção entre

raiz e caule) de plantas” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, pp. 529-530).

Os clássicos procedimentos de inserções de T-DNA observam estes pontos:

1) genes exógenos de interesse são inseridos no T-DNA do plasmídeo Ti

desarmado; 2) este T-DNA modificado é, então, transferido de A. tumefaciens para

células vegetais; 3) nestas células, o T-DNA integra-se “a essencialmente todos os

componentes do genoma”, disperso ao longo de todos os cromossomos da planta

(SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p.534); 4) são formadas populações em pools de

100 a 1.000 plantas transformadas, tornando possível identificar as inserções de T-

DNA em todos os genes da espécie; 5) amostras de DNA são isoladas dos pools de

plantas; 6) é feita uma primeira triagem, usando-se a PCR, para verificar inserções

em genes específicos; 6-1) caso aconteça uma inserção em um gene de interesse,

preparam-se pools menores e uma nova triagem, para identificar a planta com a

inserção desejada. Hoje em dia o processo de triagem é muito fácil e muitos mapas

de genomas, como o da Arabidopsis thaliana, estão disponíveis, identificando

inserções e seus efeitos em linhagens transformadas da planta.

O terceiro enfoque da genética reversa é a interferência do RNA (RNAi),

enfoque derivado da descoberta, por Andrew Fire, Craig Mello e colaboradores, em

1998, de que o RNA de dupla fita, ou dsRNA (double strand ribonucleic acid), que

eles haviam injetado em C. elegans, exercia influência, ou desligava, a expressão de

genes contendo a mesma sequência de nucleotídeos. “Hoje sabemos que o RNA

bifilamentar (dsRNA) tem papéis importantes na prevenção de infecções virais, no

combate da expansão de populações de elementos genéticos de transposição e na

regulação da expressão gênica” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 536).

Existem vários modos de ocorrer RNAi nos experimentos em laboratório, em

todos eles deve existir o dsRNA. Um desses meios é: 1) sintetiza-se in vitro um

dsRNA derivado de transcritos de clones; 2) este dsRNA é microinjetado no

organismo vivo; 3) aqui, o dsRNA entra na via da RNAi e é cortado, pela enzima

Dicer, em pequenas moléculas de RNA; 4) estas são incorporadas a partículas de

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ribonucleoproteínas, desfazendo a dupla fita; 5) juntos, RNA unifilamentar e partícula

ribonucleoproteína formam o RISC, complexo de silenciamento induzido por RNA

(RNA-induced silencing complex); 6) o RISC tem como alvo uma sequência de RNA

mensageiro que seja complementar ao RNA de interferência; 7) o RISC começa a

parear com seu alvo, isto é, o RNA de interferência faz pareamento com as bases de

seus mRNA complementares; então, duas coisas podem acontecer; 7a) se o

pareamento entre bases dentro do RISC for perfeito, ou quase perfeito, o RISC, com

ajuda de proteína da família Argonauta, corta, cliva o mRNA, que é degradado; 7b)

se o pareamento com a sequência alvo é imperfeita, o mRNA não é clivado, mas

apenas inibido, ou seja, sua tradução é inibida. Os RNA que, associados ao RISC,

resultam na clivagem do mRNA, são chamados pequenos RNA de interferência, ou

siRNA (small interfering ribonucleic acid); os RNA que, associados ao RISC,

resultam em inibição da tradução do mRNA são chamados de microRNA de

interferência, ou miRNA. A preparação in vitro da transcrição de segmentos ou de

genes clonados inteiros reproduz, em parte, o processo encontrado em eucariontes,

que tem suas próprias fontes de pequenos RNA de interferência e de microRNA; em

tal preparação, “o DNA é transcrito em ambos os sentidos inserindo-o em

orientações opostas em um vetor de clonagem adequado ou inserindo cópias

invertidas do DNA posteriores a um único promotor” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008,

pp. 640-641). Este transcrito, assim produzido, tem a estrutura de repetição invertida

necessária para a formação bifilamentar; tal como ocorre com os transcritos dos

genes codificantes de microRNA.

Os genes que codificam pequeno e microRNA são encontrados em muitos

tipos de eucariontes como C. elegans (com 100 genes mir) e Drosophila cerca de

250, e costumam ser indicados pelo símbolo mir; a sua função principal é alterar a

regulação de outros genes. Os genes mir contêm “pouco ou nenhum potencial de

codificação de proteínas”, e possuem uma estrutura tal que apresenta dois trechos

de nucleotídeos repetidos em orientações opostas, refletindo seus pares de bases

complementares, cada qual de um lado de um curto segmento intercalar de DNA.

Quando um gene mir é transcrito, a “estrutura invertida repetida gera um RNA que

pode dobrar-se sobre si mesmo para formar uma curta haste bifilamentar na base de

uma alça unifilamentar” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 640). Ainda em nível de

transcrição, “uma enzima chamada Drosha reconhece esta região haste-alça e a

remove do transcrito primário do gene mir” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 640).

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Uma vez exportada para o citoplasma, a haste-alça é clivada pela enzima Dicer, que

“remove a alça e apara a haste para um tamanho de 22 nucleotídeos em cada um

de seus filamentos” (em C. elegans) (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 640). Aqui, o

dsRNA entra em RISC, torna-se miRNA unifilamentar, e vai buscar pareamento com

o mRNA alvo, produzido por outro gene, para silenciá-lo.

Em síntese, as grandes transformações ocorridas, em apenas meio século,

nos estudos da genética, algumas das quais abordadas neste artigo, são indicações

claras de que o conteúdo formal da disciplina de biologia, no ensino médio, precisa

passar por atualizações, com urgência. Porém este imperativo não deve significar

tomar posse, sem critérios, de toda e qualquer informação. Ao invés disso, urge, de

fato, promover um mapeamento desses novos conteúdos, para orientar a sua

inserção entre os conteúdos já abordados, ou mesmo para conformar os conteúdos

superados às novas descobertas científicas divulgadas. Esta ação de atualização

deverá beneficiar o planejamento das aulas, na escolha dos temas geradores; das

orientações de leitura; das utilizações de imagens esquemáticas e animações

ilustrativas; e das atividades de fixação e interação com os novos conteúdos, sobre

as quais falamos a seguir.

DOS LABORATÓRIOS ÀS SALAS DE AULA

Na prática em sala de aula, as recentes descobertas da biologia, realizadas

em modernos laboratórios informatizados, envolvendo o DNA, o RNA e as proteínas,

tanto no sentido do dogma central quanto no sentido da genética reversa, devem ser

disponibilizadas aos estudantes do ensino médio com critério pedagógico. Em seu

processo de aprendizagem, o estudante é convidado constantemente a receber

novas informações, as quais ele deve saber conectar com os conhecimentos já

dominados. No entanto, quando o conteúdo básico da disciplina sofre uma

transformação tão marcante, como vem ocorrendo com a ciência da vida, a biologia;

e com a ciência da linguagem da vida, a genética, então é preciso estabelecer novos

fundamentos para a completa alfabetização científica. Em muitos aspectos, ensino e

aprendizagem ficam vulneráveis em momentos históricos de renovações

conceituais, sobretudo porque, na linguagem pedagógica, a clareza didática

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depende da precisão conceitual; e daí vem a necessidade, também, da constante

adequação da prática em sala de aula à fundamentação teórica dessa prática.

Parafraseando, se isso for possível, a expressão do gene mir, é preciso regular a

expressão dessas novas informações biotecnológicas em sala de aula, para que

cada conceito básico não deixe de ser demonstrado e cada ponto crítico não deixe

de ser debatido.

São muitas as situações polêmicas envolvendo os conhecimentos da

biotecnologia, e são pouco claras as respostas a respeito, por exemplo, do cultivo

seguro de plantas transgênicas; ou do uso eticamente correto dos exames de DNA

para indicar, no futuro, alguma possível doença hereditária; ou para tantas outras

questões ainda mais espantosas. Considerando que a plena aprendizagem do

estudante está diretamente ligada à sua capacidade de construir ativamente o seu

conhecimento, é fundamental que o ensino seja uma espécie de catalisador para a

atividade intelectual do estudante, no processamento da diversidade de informações

disponíveis em ciências biológicas. Isto significa, por um lado, buscar compreender

os meios de interação com os recursos e dados da biotecnologia, para inseri-los nos

objetivos didáticos a nas atividades práticas em sala de aula; e, por outro lado,

significa manter as atividades clássicas da biologia, pois, ainda que estas possam

ser muito beneficiadas com novas tecnologias da informação, tais não são pré-

requisitos para o ensino e aprendizagem de excelência.

Uma dessas atividades clássicas da biologia visa reforçar a temática do

mecanismo da síntese de proteínas e, para tanto, enfoca os pontos de

correspondência, ou não, na relação entre as moléculas do DNA, do RNA e da

proteína. A implementação desta atividade, a princípio, parece restrita a esta

temática, estabelecida para auxiliar o estudante na interpretação dos

acontecimentos em nível celular de organização da vida, reunidos, geralmente, no

volume 1 dos livros de biologia. No entanto, existem muitos elementos nesta

atividade que o qualificam para ser implementado em auxílio a uma temática

presente no volume 3 dos livros, a teoria moderna da evolução. Comecemos pela

implementação entre os exercícios voltados ao conteúdo da síntese da cadeia

polipeptídica.

Entendemos por atividades clássicas aquelas atividades frequentemente

implementadas e difundidas, tais como: a extração do DNA do bulbo da cebola, uma

atividade de laboratório; a simulação da síntese de proteínas com modelos de papel,

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uma atividade plástica; a simulação da transmissão das características humanas,

atividade geralmente lúdica, em que os estudantes devem construir imagens de

rostos a partir de tipos faciais característicos, escolhidos entre modelos combináveis

de cabelo, olhos, sobrancelhas, etc. A seguinte atividade, realizada em sala de aula,

tem relação direta com a disseminação das ferramentas de biotecnologia. Um

material impresso é apresentado ao estudante, contendo: 1) uma sequência curta da

molécula molde de DNA, com um destaque especial para as bases que serão

transcritas; 2) paralelamente a esta, vem outra sequência, a do RNA transcrito, que

deve ser construída pelo estudante, baseando-se na sequência disponível no trecho

de DNA alinhado abaixo; 3) por fim, acima do RNA transcrito, mais uma sequência

deve ser preenchida pelo estudante, dessa vez trata-se da cadeia polipeptídica que

se forma em relação direta com os códons correspondentes do RNA mensageiro

abaixo.

A implementação completa desta atividade prevê a habilidade de interpretar

a ação dos códigos genéticos, tanto no sentido do DNA à proteína; quanto no

sentido da proteína ao DNA. Ao estudante com espírito investigativo, é fundamental

saber resolver questões do tipo: se conhecemos a sequência de aminoácidos de

uma proteína mutante pela adição de bases em seu RNAm; como, então, se deve

proceder para encontrar, no DNA, o gene codificante normal dessa proteína? Nossa

hipótese é a de que, antes de poder investigar as sofisticadas ferramentas da

biotecnologia, incluindo a clonagem e a transcriptase reversa, o estudante deve

entender o bê-a-bá do código genético, ou seja, deve exercitar: a leitura dos

aminoácidos nos códons do RNAm; a leitura desses códons, formando éxons entre

as sequências de íntrons, no RNA transcrito primário; e a leitura desse transcrito no

interior bifilamentar do gene que, por sua vez, ocupa seu lugar no DNA e no

cromossomo. Portanto, a atividade simples pode tornar-se mais complexa: isto que é

apresentado aqui em três tempos (DNA↔RNA↔proteína); pode ter quatro tempos,

inserindo-se o RNA transcrito primário, com íntrons, antes do RNA; ou pode ter cinco

ou mais tempos, se considerar a variabilidade de mRNA possível pela recomposição

alternativa (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 628) dos éxons, durante o

processamento dos transcritos (DNA ↔ préRNA ↔ mRNA ↔ mRNA2 ↔ mRNA3 ↔

proteínas–1,2,3); e, todas estas possibilidades, sem se considerar as aparições

inesperadas de mutações genéticas. Vê-se, de imediato, que esta atividade simples

pode se transformar em ferramenta didática poderosa; e se estudante puder divertir-

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se com leituras diferenciadas deste ir e vir, da transcrição à tradução e vice-versa,

passando por suas sutis recomposições e edições de fitas de nucleotídeos e de

cadeias de aminoácidos, ele também poderá formar uma intuição do funcionamento

dessa impressionante linguagem da vida. Em laboratórios, contudo, boa parte das

análises das combinações entre as bases só pode ser realizada com ajuda de

sofisticados computadores.

A segunda atividade que analisamos é, ao contrário da anterior, totalmente

dependente da tecnologia da informação. Através do tema da exploração dos

bancos de dados detalhados, com mapas de diversos genomas, esta atividade visa

compreender os meios de explorar com sabedoria estes endereços eletrônicos, de

organizações universitárias, governamentais ou empresariais voltadas às pesquisas

biotecnológicas, cujos resultados ficam ou deveriam ficar disponíveis para toda a

comunidade científica interessada. O critério para a melhor escolha dos sites de

informação na internet é o da indicação de autoridade, ou seja: as chances de que

um grande pesquisador com obras relevantes publicadas indique um site confiável;

são muito maiores do que buscar essa indicação num site de pesquisa qualquer. O

livro de James Watson, “DNA - o segredo da vida”, por exemplo, deixa as marcas de

laboratórios e de premiados pesquisadores, ligados às últimas descobertas

revolucionárias da biologia, impressos em suas páginas: laboratório de biofísica do

King‟s College, em Londres onde trabalharam Rosalind Franklin e Maurice Wilkins;

laboratório Cavendish, na Universidade de Cambridge, onde trabalharam o próprio

Watson e seu colega Francis Crick; além do laboratório Cold Spring Harbor, entre

outros. Endereços voltados às pesquisas por internet, relacionadas ao

sequenciamento dos genomas, também são citados em livros especializados, como,

por exemplo, Snustad e Simmons (“Fundamentos da genética”) cita, entre outros, o

GenBank, mantido pelo National Center for Biotechonology Information (NCBI), que

pertence a National Library of Medicine (NLM), do National Institutes of Health (NIH).

Dois bons sites para pesquisas sobre T-DNA e transposons são: o do Arabidopsis

Biological Resource Center (ABRC), na Ohio State University

(www.arabidopsis.org/abrc); e o do Salk Institute em La Jolla, Califórnia

(signal.salk.edu/cgi-bin/tdnaexpress). Assim como o National Science Foundation

(NSF) e o Department of Energy (DOE), o NIH também é uma agência

governamental dos EUA, e foram criadas para financiar projetos de pesquisa, os

quais resultam em quantidades cada vez maiores de sequências disponíveis

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diariamente. Existem bancos de dados, semelhantes ao GenBank, também na

Europa e no Japão: o European Molecular Biology Laboratory (EMBL) Data Library

existe na Alemanha desde 1980; e, no Japão, desde 1984 existe o DNA Data Bank

of Japan (DDBJ). Hoje, GenBank, EMBL e DDBJ uniram-se para formar o

International Nucleotide Sequence Database Collaboration, que permite a pesquisa

simultânea dos três bancos de dados. Um elemento importante, que pode muitas

vezes determinar a eficiência e a praticidade de um site de banco de dados, é

programa desenvolvido para pesquisas e triagens de dados disponíveis. Uma

ferramenta de pesquisa particularmente amigável é o sistema Entrez, do NCBI,

disponível grátis na internet (www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez), e que permite acessar as

sequências de proteínas, além de periódicos de medicina e biologia, a partir de um

sistema global de cruzamento dos dados de todos os bancos colaboradores. Assim,

a partir do Entrez, é possível pesquisar os “dados de sequências de proteínas,

estruturas macromoleculares tridimensionais, cromossomos e genes causadores de

câncer, sequências expressas, polimorfismos de um só nucleotídeo, sequências

genômicas inteiras e muito mais” (SNUSTAD e SIMMONS, 2008, p. 473). Se alguém

quer informações de uma sequência previamente determinada, ele pode ir ao banco

de dados “Nucleotide” do Entrez e, assim, realizar uma pesquisa na ferramenta

“megaBLAST” e seguir os passos: 1) entre com uma sequência de nucleotídeos

indagada; 2) dez sequências mais similares aparecem; 3) Através de triagem, é

possível identificar as sequências distintas entre elas e também a que genes elas

pertencem.

Em suma, muitas atividades distintas poderiam ser criadas a partir dessas

breves atividades experimentais, como as pesquisas básicas no Entrez, em que é

possível pesquisar o GenBank, ou outro banco de dados. Exemplo: uma turma de

estudantes pode ser incumbida de investigar o gene da fibrose cística, no braço

longo do cromossomo 7 humano, e tentar identificar os seus 24 éxons; depois,

verificar como fica o seu transcrito, o mRNA; e, por fim, analisar a proteína CFTR

resultante, localizando nela os seus sítios de ligação ATP. A implementação da

primeira atividade revela-se importante para a experimentação proveitosa da

segunda; que surge, no contexto escolar, dependente da anterior, daquela atividade

de familiarização com os signos do código genético. É assim que surge a terceira

atividade, tão simples quanto a primeira e com finalidade idêntica: preparar o

estudante para tirar vantagens das novas ferramentas da biotecnologia.

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O objetivo mais imediato da atividade comentada agora é o de apresentar,

ao estudante, as sutis transformações do RNA e suas implicações na regulação da

expressão dos genes. É certo que muito ainda será revelado sobre o RNA, ganha

força uma hipótese do “mundo do RNA”, que seria o material genético primordial,

sustentada no fato de ele poder ser produzido em condições abióticas; de poder se

multiplicar, produzindo versões ligeiramente diferentes entre si; e de poder controlar

reações químicas, como fazem as ribozimas. Para além de sua função na síntese de

cadeias polipeptídicas, os RNA bifilamentares são essenciais na regulação da

expressão gênica. Em benefício da curiosidade dos estudantes, os dsRNA

participam de uma série de acontecimentos, desde sua transcrição ou produção in

vitro, até a sua interferência na tradução do mRNA, que eles podem ser

considerados também bons elementos de atividades didáticas criativas. O estudante

poderá exclamar, observando as metamorfoses do RNA que trabalha na via do

RNAi: como é maravilhosa a vida; como tudo pode funcionar tão perfeitamente e

com o requinte de detalhes! A mensagem do gene mir é transcrita e editada, torna-

se dsRNA para que, posteriormente, possa assumir as formas de siRNA e miRNA, e

ser o RISC-maestro que comanda a expressão harmônica de todo o ser vivo! Não

custa nada colocar-se um pouco no lugar de um estudante com espírito

investigativo, aliás, este exercício imaginativo é fundamental na hora de decidir-se

por uma atividade ou outra.

Antes dessa atividade, porém, os conteúdos básicos, sobre os mecanismos

celulares biofísicos e bioquímicos; a transmissão de características hereditárias; e os

organismos geneticamente modificados; entre outros temas, todos devem, já, fazer

parte das conquistas dos estudantes na área de seus conhecimentos científicos.

Neste sentido, as intervenções com atividades de fixação deverão funcionar e

colaborar decisivamente para mobilizar o estudante, uma vez que, explicitamente,

provoca-o a desvendar, em meio aos movimentos abstratos de signos elementares

(A,T,C,G), o movimento maior da perpétua linguagem da vida.

CONCLUSÃO

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A posse intelectual de novos modelos teóricos e explicativos, nos campos da

biofísica, bioquímica e da biologia molecular, amplia e diversifica as possibilidades

de transmitir, aos estudantes, o pensamento biológico da era da manipulação

genética. A delicadeza do tema, sobretudo quando aborda-se a linha germinativa da

terapia gênica, impõe uma transmissão de conceitos precisos, para que ela, de fato,

contribua na formação de sujeitos atuantes e críticos em relação aos conteúdos

apreendidos. O conhecimento dos processos naturais, da biologia e da genética, é

responsável pelo desenvolvimento das técnicas artificiais de manipulação genética.

Mas o inverso é também certo: o desenvolvimento das técnicas de manipulação

genética é o responsável pelo acelerado conhecimento dos processos biológicos no

âmbito dos genomas. Há, portanto, nesta relação de ida e volta, do in vivo ao in vitro

e vice-versa: de um lado, o conhecimento do funcionamento da natureza; e, do outro

lado, a técnica para a intervenção na natureza. Sendo assim, o principal conteúdo

prático a ser transmitido ao estudante são as técnicas de intervenção na estrutura do

material genético, uma vez que são as protagonistas, tanto no esforço de entender e

explicar a diversidade dos mecanismos biológicos; quanto no impulso em intervir,

usar e manipular estes mesmos mecanismos para desenvolver remédios, modificar

a estrutura de seres vivos ou criar testes de fragmentos de DNA.

O estudante melhorar na sua apropriação de conceitos científicos ao

apropriar-se deles a partir das técnicas pelas quais eles foram elaborados.

Naturalmente, ao conhecer todo o percurso de uma técnica, o estudante faz

relações, por exemplo, entre a eletroforese, técnica no mais das vezes trabalhada

em química; e os deslocamentos eletrofísicos das moléculas no gel, que fazem a

magia da leitura das sequências de bases pela técnica de Fred Sanger. Nos

desdobramentos, vemos florescer a linguagem colorida da genética, com os seus

corantes fluorescentes ao raio laser; e a linguagem em miniatura, o que equivale a

dizer, chip gênico, uma espécie de biblioteca do livro da vida. A história é tão rápida

que dá a impressão de que perdemos alguma coisa; e que só a atualização nos põe

de volta nos caminhos das novas práticas. Esta tarefa não é inalcançável, a

construção do pensamento biológico está em alta, as atividades em sala de aula

devem aproveitar-se disso. Ao estudante, é bem-vindo todo o conhecimento

adquirido, desde que o auxilie nas tomadas de decisão frente aos transgênicos ou

outras tecnologias; e o provenha de métodos e ferramentas para formação do

pensamento analítico e crítico sobre os fatos científicos. Se estas escolhas

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metodológicas não fizerem dele um cientista; servirão, certamente, para desenvolver

as competências e habilidades necessárias à sua interação crítica com a

biotecnologia e com a sua vida cotidiana.

REFERÊNCIAS

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