Dez mil pessoas deixam Portugal meses - ulisboa.pt · tugal 121418 pessoas, mais do que as 120 mil...

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Dez mil pessoas deixam Portugal todos os meses Emigração. Em 2012, saíram do País mais de 120 mil pessoas, ultrapassando máximo registado em meados da década de 1960. Uma tendência de partida que não deverá abrandar em 2013 No ano passado, número de emi- grantes bateu recorde histórico desde que registo. Saíram de Por- tugal 121418 pessoas, mais do que as 120 mil registadas em 1966, indi- cam as Estatísticas Demográficas ontem apresentadas pelo Instituto Nacional de Estatística. Fuga do País, redução de estrangeiros e de nascimentos e aumento de mortes resultaram na perda de mais de 55 mil habitantes. Quebra da popu- lação é "preocupante" para demó- grafos e economistas, que alertam para os efeitos na economia nacio- nal. Portugal investiu na formação superior dos emigrantes de hoje que vão gerar riqueza em países que não gastaram nada na sua for- mação. ATUALPAGS.4ES

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Dez mil pessoas deixamPortugal todos os mesesEmigração. Em 2012, saíram do País mais de 120 mil pessoas, ultrapassando máximo registadoem meados da década de 1960. Uma tendência de partida que não deverá abrandar em 2013No ano passado, número de emi-grantes bateu recorde históricodesde que há registo. Saíram de Por-

tugal 121418 pessoas, mais do queas 120 mil registadas em 1966, indi-

cam as Estatísticas Demográficasontem apresentadas pelo InstitutoNacional de Estatística. Fuga doPaís, redução de estrangeiros e denascimentos e aumento de mortes

resultaram na perda de mais de55 mil habitantes. Quebra da popu-lação é "preocupante" para demó-grafos e economistas, que alertam

para os efeitos na economia nacio-nal. Portugal investiu na formaçãosuperior dos emigrantes de hojeque vão gerar riqueza em paísesque não gastaram nada na sua for-mação.ATUALPAGS.4ES

Dez milpessoasdeixaramo País pormês em 20 12

População. No ano passado, saíram do País121418 pessoas, ultrapassando o maior picode sempre, registado a meio da década de 1960

ANA BELA FERREIRA

"Emigrar não foi uma decisão fácil,sobretudo por causa da família e

amigos, mas era a única hipóteseque via para progredir na carreira,ter uma perspetiva de futuro." Um

ano e meio depois de sair do País,Maria João Neutel, de 31 anos, nãotem dúvidas de que não tinha ou-tro caminho. O mesmo seguidopor 121 mil portugueses, que ao

longo do ano passado alimenta-ram a maior onda de emigração de

que há registo no País, que ultra-passou mesmo os 120 mil emi-grantes de 1966.

Estes números ontem divulga-dos pelas Estatísticas Demográficas2012 do Instituto Nacional de Esta-tística (INE) são para os demógrafoscontactados pelo DN "preocupan-tes", uma vez que todos os mesesdeixaramoPaís 10 118portuguesese a perspetiva é de que estes valoresse mantenham. Hoje, tal como nosanos 1960, quem vaia procura de

umavidamelhorparte sobretudo

para a Europa. França, Luxembur-

go, Suíça e Reino Unido continuama ser os destinos de eleição, acom-panhados de perto por Angola.

A esta saída de população acres-centa-se a quebra na entrada de

estrangeiros, a redução dos nasci-mentos e o aumento das mortes,colocando-nos perante "o pior dosmundos possível em termos de-mográficos", sublinha o demó-grafo Mário Leston Bandeira. Em2012, perdemos 55 109 habitantes.

Uma evolução que coloca gran-de desafios também à economia."Apopulação é um fator importan-te no crescimento económico, es-

pecialmente a faixa entre os 1 5 e os64 anos" e, apesar dessa faixa etá-ria não ter diminuído muito, a ver-dade é que os níveis "desesperada-mente baixos de natalidade são in-suficientes para a renovação das

populações e isso vai refletir-se nosativos que sustentam a economiaatravés do trabalho", salienta Car-los Pereira da Silva, professor uni-versitário e um dos autores do Li-vro Branco da Segurança Social.

Até porque "o saldo migratório eo saldo natural estão resultar na di-

minuição da população portugue-sa", alerta Maria João Valente Rosa.A coordenadora da base de dadosPordata acrescenta que é "precisoolhar tanto para os emigrantescomo para os imigrantes. Para os

primeiros é preciso perceber por-que é que as pessoas estão a sair e

que oportunidades está o País aoferecer e para os imigrantes te-mos de ver como podemos tornar--nos mais atrativos".

E nesta conta- a diferença entre

quem sai e quem entra - Portugaltem pelo segundo ano consecuti-vo um saldo negativo. Só em rela-

ção às migrações permanentes háuma diferença de 37 352 pessoas.Foram para fora 5 1 958 pessoas e

chegaram ao nosso país 14 606 es-

trangeiros. Em 201 1, essa diferen-ça tinha sido de 24 33 1 .

Aos que saem com perspetivade ficar a longo prazo juntam- se os69 460 portugueses que disseram

querer ficar menos de um ano,"mas que não significa que regres-sem", aponta a demógrafa MariaJoão Valente Rosa. Ora, é esta somadas duas vertentes de saída queleva o País para "níveis dos meadosdos anos 1960".

Mas o abandono do País é agoradiferente do de 1966, quando mui-tos fugiam à guerra colonial e aoEstado Novo, mas também à misé-ria. Nessa altura, o crescimentoeconómico nacional não terá sidomuito prejudicado, uma vez quequem emigrava eram sobretudo

operários, sem formação superior,que enviavam grande parte do queganhavam para Portugal.

Já a onda de saídas atual é carac-terizada por jovens que "o País for-ma e que vão para outros paíseseuropeus que não gastaram umtostão na sua formação", o que se

reflete na economia nacional,aponta Carlos Pereira da Silva. Parao especialista em Segurança Social,a solução passa por uma "conver-

gência dos modelos de segurançasocial na Zona Euro, para o fatortrabalho poder deslocalizar-se deforma livre e a riqueza produzidafique na zona em que é criada".

Entre os milhares que saíram noano passado, estão jovens comoPedro Marques, o enfermeiro queescreveu ao Presidente da Repúbli-ca antes de viajar, adar conta da suadesilusão, e Maria João Neutel. Noúltimo ano teve de dar passos atrás-voltou a partilhar casa e à faculda-de - mas espera que tenham sido

apenas para ganhar balanço, comANAPAULALIMAePATRÍCIA JESUS

PARTIDAS O enfermeiro Pedro

Marques, de 23 anos, despediu-sedo País há um ano com uma carta aoPresidente da República. Um ano e

meio depois de emigrar, Maria JoãoNeutel já se habituou a Londres.Descobriu esta semana que terminouo seu mestrado com distinção

tiEstes resultadossão o pior dos mundospossíveis em termosdemográficos"MÁRIO LESTON BANDEIRADEMÓGRAFO

"Falta de populaçãosignifica menos riqueza,porque quem produzé a força de trabalho"CARLOS PEREIRA DA SILVAPROFESSOR UNIVERSITÁRIO

GOVERNO

Jovens e professores convidados a sair> Primeiro foi o então secretá-rio de Estado da Juventude edo Desporto a convidar os jo-vens desempregados a emi-grar. "Se estamos no desem-

prego, temos de sair da zonade conforto e ir para além dasnossas fronteiras", disse, emoutubro de 20 1 1 , MiguelMestre. Dois meses depois,o próprio primeiro-ministroaconselhou os professores

sem trabalho em Portugal aprocurá-lo lá fora. "Nos próxi-mos anos haverá muita genteem Portugal que das duas,uma, ou consegue, nessa área,fazer formação e estar dispo-nível para outras áreas ou,querendo manter-se, sobretu-do como professores, podemolhar para todo o mercado delíngua portuguesa e encontraraí uma alternativa."

Recordes demográficos batidosNo ano passado, o País atingiu um novo mínimo histórico de nascimentos. No sentido contrário aumenta-ram os óbitos. Ainda assim, sinal positivo para o contínuo aumento da esperança média de vida à nascença,que se situa nos 83 anos para as mulheres e nos 77 anos para os homens. Casamentos e divórcios baixam

Menos de 90 mil nascimentos é novo mínimo> Nunca se nasceu tão pouco em Portugal. No anopassado, registaram-se 89 841 nascimentosmuito abaixo dos96Bs6de2oll. "Até 2oll andá-vamos a discutir se chegávamos à meta dos cemmil nascimentos e agora a nossa barreira já estános 90 mil e nem aí chegámos", lamenta a demó-grafa Maria João Valente Rosa. Portugal tem assim"um novo recorde histórico por baixo". E apesarda quebra na imigração, ainda contamos com a

ajuda destas mães. "Dez por cento dos nascimen-tos são de bebés filhos de mães estrangeiras", su-blinha a especialista. A idade média da mulherao nascimento do primeiro filho foi de 29,5 anos,mantendo-se a tendência de adiamento da ma-ternidade.

População envelhecida aumenta óbitos em 4,6%> Os óbitos aumentaram no ano passado, em rela-ção a 201 1. Uma consequência do progressivoenvelhecimento da população. "Trata-se de umefeito de estrutura e não de piores condições devida. O que acontece é que há mais pessoas emidades em que é normal morrer-se mais e é porisso que aumentam os óbitos", explica Maria JoãoValente Rosa. Em 2012, registaram-se 107 612mortes e em 201 1 foram 102 848. Entre os óbitosdo último ano, 68,8% são de pessoas com 75 oumais anos. A taxa de mortalidade infantil subiu -de 3, 1 óbitos por mil habitantes para 3,4 -, mas os

demógrafos consideram estes valores normais."É muito difícil baixar dos três óbitos por mil nas-cimentos", justifica Mário Leston Bandeira.

Não passámos dos 34 mil casamentos> Mais um mínimo histórico atingido durante oano de2ol2.Ataxadenupcialidade (3,3 por cadamil habitantes) nunca foi tão baixa. Deram o nóde forma oficial 34 423 portugueses - em 201 1 ti-nham sido 36 035 -, dos quais 324 foram entrepessoas do mesmo sexo. Ao mesmo tempo quecai o número de cerimónias de casamento, au-menta a idade média em que os portugueses de-cidem dar esse passo. Os homens comprome-tem-se em média com 34,7 anos e as mulherescom 32,3 anos (em 201 1, era aos 34,6 anos e aos32, respetivamente). Em 12 anos, o número de ca-samentos diminuiu quase para metade. Em 2000foram registados 63 752 enlaces e desde entãoo número tem vindo sempre a cair.

Número de divórcios cai pelo segundo ano> As separações oficiais também registam umatendência de queda. No ano passado, o númerode divórcios de casais residentes em Portugal foide 25 380, menos 1371 do que em 201 1. Pelo se-

gundo ano consecutivo, houve menos separa-ções oficiais, o que alguns especialistas ligamtambém à falta de dinheiro dos casais para cus-tear todo o processo. Entre 2007 e 2012, a idademédia ao divórcio tem sido sempre mais elevadanos homens do que nas mulheres. No ano passa-do, foi de 44 anos para os homens e 41,7 para asmulheres. Desde 2002 (o número máximo regis-tado nos últimos 12 anos com 27 708 divórcios)

que os divórcios registados superam a marca dos20 mil.

Mais 15% deportuguesesnascem lá fora

migrações Dados da OCDEontem revelados apontamReino Unido, Suíça eAlemanha entre os princi-pais destinos de emigraçãoOs portugueses nascidos no es-trangeiro aumentaram 15% entre200 1 e 20 1 1 . Este é um dos dadosdo relatório das migrações daOCDE (Organização para a Coope-ração e Desenvolvimento na Euro-pa) ontem apresentado em Lisboa.

Segundo o International Migra-tionOutlook2ol3, B,3% dapopula-ção portuguesa nasceu no estran-geiro (a média dos países da OCDEé 13,2%), cerca de 870 mil pessoas.Os principais destinos lusos de

emigração foram o Reino Unido -25 mil portugueses -, Suíça (15 milem 2010, o triplo do início da déca-da) e a Alemanha, a receber 12 milnacionais entre 2007 e 2012, expli-cou Jean-Christophe Dumont, di-

retor da OCDE para as MigraçõesInternas.

Num seminário em que foi su-blinhada a falta de informação so-bre a emigração portuguesa - "háuma experiência sobre emigração,que ignorámos, pensando que ti-nha deixado de acontecer" nosanos 90 do século passado, apon-tou Jorge Malheiros, geógrafo doCentro de Estudos Geográficos, doInstituto de Geografia e Ordena-mento do Território da Universida-de de Lisboa - foi acentuada a

"grande rotação" dos movimentos

migratórios e, no caso português,da mudança do perfil dos emi-grantes.

José Cesário, secretário de Esta-do das Comunidades, referiu quese "há pessoas com 50 anos a sairde Portugal, também assistimos àsaída de famílias inteiras. Muitosdos que saem levam logo os filhos,ao contrário do que acontecia an-

tes, em que os vinham buscar maistarde", disse, acentuando a forma-

ção superior de muitos dos quepartem. Num cenário de crescen-te emigração, prevê um aumentode 8% a 9% de remessas de emi-grantes (2,7 milhões em2012).

Rosário Farmhouse, alta-comis-sária para a Imigração e DiálogoIntercultural (ACIDI), referiu quehá 4,5 milhões de emigrantes e cer-ca de 400 mil imigrantes: "Por cada

imigrante temos dez emigrantesespalhados pelo mundo." Um dos

grandes desafios para os governosé, segundo Pedro Lomba, secretá-rio de Estado adjunto do ministroadjunto e do Desenvolvimento Re-

gional, competir numa migraçãoseletiva, "captar os imigrantes emfunção do potencial de crescimen-to económico do País".MAHINAALMEIDA