DEZEMBRO 2010

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, DEZEMBRO/2010 - ANO XIII - N o 167 Reprodução “Desperta, homem, porque por ti Deus se fez homem”. Nesta citação, o Bispo de Hipona, Santo Agostinho, no Sermão 185 (In Natali Domini) nos apresenta o autêntico sentido do Natal de Cristo. Natal é uma festa de luz e paz, um dia de alegria que se expande no universo. O seu verdadeiro significado está na lembrança e na tradição. Sem a ternura da recordação, toda comemoração perde seu valor para tornar-se mera celebração material. É quase impossível alguém ficar à margem do Natal. O repicar dos sinos, os alegres cânticos, o colorido das ruas, a alegria das crianças e o sentimento de confraternização contagiam a todos. Natal é a festa da vida, da paz em família, da partilha de presentes, do encontro com o Menino Jesus que renasce nos corações, do Deus que se encarna em nossa história, para sentirmos em nós sua presença viva. É tempo de contemplar a criança que nasceu pobre na manjedoura de Belém para nos fazer entender que o ser humano vale pelo que é e não pelo que possui. Da humilde gruta, o eterno Filho de Deus feito criança dirige-se a cada um de nós: interpela-nos, convida-nos a renascer n’Ele, para que com Ele possamos viver eter- namente em comunhão. Ao assumir nossa humanidade, Ele vem para valorizar a dignidade de nossa vida, ensinando-nos a amá-la e a respeitá-la em cada ser humano. Para abençoar todas as famílias do mundo, Deus quis nascer no seio de uma família, na família de Nazaré. Essa bela experiência revivemos em nossas famílias quando nos reunimos para a “Ceia do Natal”, renovando a união e o amor. Que ninguém deixe de viver essa alegria. Natal é também a festa dos presentes, que são pequenos gestos de amor. Para lembrar o maior momento da história da humanidade, o grande acontecimento da manifestação do amor de Deus, que veio para estar conosco e fez-se presente para nós. O presente maior é sua presença. Num mundo de trevas, surgiu a luz... Há quem ainda não tenha compreendido bem esta verdade; por isso reduz este tempo a comerciais de Papai Noel, com mera troca de presentes. No presépio, o Menino Jesus nos convida a renovar com Ele aquela intimidade de amigo e discípulo, para nos enviar, novamente, como seus evan- gelizadores. Devemos, nesses tempos de Natal, ir ao seu encontro, cheios de confiança, como os pastores e os sábios do Oriente. Natal: festa de luz e paz! O ESTAFETA Sem nos darmos conta, chegou dezembro e, com ele, o Natal. As cidades se enfeitam ganhando ares diferentes para comemorar o nas- cimento de Cristo. Votos de boas festas e felicidades são trocados. Ninguém fica indiferente a esta data e aos apelos natalinos. Todos ficam imbuídos de bons propósitos. Confraternizações e festas acontecem por todos os cantos do mundo. No entanto, como ficar feliz e comemorar a data quando a mensagem do Menino da Manjedoura está cada vez mais distante de nossas vidas e ações? No Brasil, muitas famílias não têm como comemorar o Natal, pois lhes faltam as condições básicas que lhes confiram dignidade. Dados recentes do IBGE indicam que 5,8% de nossa popu- lação se encontram em situação de fome. São 11 milhões de indivíduos. Pior ainda: um milhão desse contingente é de crianças de até quatro anos de idade. Por que um país com uma economia de US$ 5 trilhões consegue manter uma massa de pessoas equivalente ao da cidade de São Paulo nesta situação? Muitas são as razões. Todas elas passam pelo nosso desamor, pela corrupção e omissão. Uma das razões é que ainda temos sérios problemas de distribuição de renda. Programas sociais como o Bolsa Família, do governo federal, podem ser um lenitivo aos que se encontram em situação de fome cons- tante. Mas significam um alívio pontual, não atingem a desigualdade em si, algo que demandaria tratamento mais pro- fundo em aspectos estruturais de nossa sociedade. A fome não é um fato isolado. Vem acompanhada de miséria e, princi- palmente, da falta de perspectivas para o indivíduo em tal situação. Sem oferecer aos que têm fome acesso aos bens da vida usufruídos pela maioria, ou seja, educação, saúde, lazer e segurança, a fome será sempre um fantasma a nos espreitar. Podemos reverter essa triste realidade se o Natal nascer de fato em nossos corações. O Deus que um dia assumiu o mundo não o abandonou jamais. O Natal não é um dia do ano, é cada dia. Porque cada dia carrega dentro de si o Menino da Manjedoura e sua mensagem. É tempo de contemplar a criança que nasceu pobre na manjedoura de Belém para nos fazer entender que o ser humano vale pelo que é e não pelo que possui. Da humilde gruta, o eterno Filho de Deus feito criança dirige-se a cada um de nós e convida-nos a renascer n’Ele.

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Ano XIII - Edição 167

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, DEZEMBRO/2010 - ANO XIII - No 167

Reprodução

“Desperta, homem, porque por ti Deusse fez homem”. Nesta citação, o Bispo deHipona, Santo Agostinho, no Sermão 185(In Natali Domini) nos apresenta o autênticosentido do Natal de Cristo.

Natal é uma festa de luz e paz, um dia dealegria que se expande no universo. O seuverdadeiro significado está na lembrança ena tradição. Sem a ternura da recordação,toda comemoração perde seu valor paratornar-se mera celebração material.

É quase impossível alguém ficar àmargem do Natal. O repicar dos sinos, osalegres cânticos, o colorido das ruas, aalegria das crianças e o sentimento deconfraternização contagiam a todos.

Natal é a festa da vida, da paz em família,da partilha de presentes, do encontro com oMenino Jesus que renasce nos corações,do Deus que se encarna em nossa história,para sentirmos em nós sua presença viva.

É tempo de contemplar a criança quenasceu pobre na manjedoura de Belém paranos fazer entender que o ser humano valepelo que é e não pelo que possui. Dahumilde gruta, o eterno Filho de Deus feitocriança dirige-se a cada um de nós:interpela-nos, convida-nos a renascer n’Ele,para que com Ele possamos viver eter-namente em comunhão.

Ao assumir nossa humanidade, Ele vempara valorizar a dignidade de nossa vida,ensinando-nos a amá-la e a respeitá-la emcada ser humano.

Para abençoar todas as famílias domundo, Deus quis nascer no seio de umafamília, na família de Nazaré. Essa belaexperiência revivemos em nossas famíliasquando nos reunimos para a “Ceia do Natal”,renovando a união e o amor. Que ninguémdeixe de viver essa alegria.

Natal é também a festa dos presentes,que são pequenos gestos de amor. Paralembrar o maior momento da história dahumanidade, o grande acontecimento damanifestação do amor de Deus, que veiopara estar conosco e fez-se presente paranós. O presente maior é sua presença. Nummundo de trevas, surgiu a luz... Há quemainda não tenha compreendido bem estaverdade; por isso reduz este tempo acomerciais de Papai Noel, com mera trocade presentes. No presépio, o Menino Jesusnos convida a renovar com Ele aquelaintimidade de amigo e discípulo, para nosenviar, novamente, como seus evan-gelizadores. Devemos, nesses tempos deNatal, ir ao seu encontro, cheios deconfiança, como os pastores e os sábiosdo Oriente.

Natal: festa de luz e paz!

O ESTAFETASem nos darmos conta, chegou

dezembro e, com ele, o Natal.As cidades se enfeitam ganhando

ares diferentes para comemorar o nas-cimento de Cristo. Votos de boas festase felicidades são trocados. Ninguém ficaindiferente a esta data e aos apelosnatalinos. Todos ficam imbuídos de bonspropósitos. Confraternizações e festasacontecem por todos os cantos domundo. No entanto, como ficar feliz ecomemorar a data quando a mensagemdo Menino da Manjedoura está cada vezmais distante de nossas vidas e ações?

No Brasil, muitas famílias não têmcomo comemorar o Natal, pois lhesfaltam as condições básicas que lhesconfiram dignidade. Dados recentes doIBGE indicam que 5,8% de nossa popu-lação se encontram em situação de fome.São 11 milhões de indivíduos. Pior ainda:um milhão desse contingente é decrianças de até quatro anos de idade.Por que um país com uma economia deUS$ 5 trilhões consegue manter umamassa de pessoas equivalente ao dacidade de São Paulo nesta situação?Muitas são as razões. Todas elas passampelo nosso desamor, pela corrupção eomissão. Uma das razões é que aindatemos sérios problemas de distribuiçãode renda. Programas sociais como oBolsa Família, do governo federal,podem ser um lenitivo aos que seencontram em situação de fome cons-tante. Mas significam um alívio pontual,não atingem a desigualdade em si, algoque demandaria tratamento mais pro-fundo em aspectos estruturais de nossasociedade.

A fome não é um fato isolado. Vemacompanhada de miséria e, princi-palmente, da falta de perspectivas parao indivíduo em tal situação. Sem ofereceraos que têm fome acesso aos bens davida usufruídos pela maioria, ou seja,educação, saúde, lazer e segurança, afome será sempre um fantasma a nosespreitar. Podemos reverter essa tristerealidade se o Natal nascer de fato emnossos corações. O Deus que um diaassumiu o mundo não o abandonoujamais. O Natal não é um dia do ano, écada dia. Porque cada dia carrega dentrode si o Menino da Manjedoura e suamensagem.

É tempo de contemplar a criança que nasceu pobre na manjedoura de Belém para nos fazer entenderque o ser humano vale pelo que é e não pelo que possui. Da humilde gruta, o eterno Filho de Deus feitocriança dirige-se a cada um de nós e convida-nos a renascer n’Ele.

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Nos últimos anos, durante o mês dedezembro, assistimos pela televisão àmovimentação que o Natal provoca nascidades. A população se prepara paracomemorar o nascimento de Jesus Cristo ea chegada do Papai Noel. Esse fenômenomidiático acontece em todo o mundo. Umaprofusão de cores, luzes e sons decoramruas, praças, lojas comerciais, residênciase prédios públicos, mexendo com a sensi-bilidade das pessoas. Nesse período doano, a criatividade explode em ornamentose efeitos de luzes que seduzem a todos,principalmente as crianças. Ninguém ficaindiferente ao espírito do Natal. Emalgumas cidades, a decoração natalina vematraindo, cada vez mais, turistas, de maneiraque cresce anualmente o número devisitantes que as procuram.

Em Piquete, por muitos anos, a FPVdistribuía para os operários, nos dias queantecediam ao Natal, brinquedos e roupas,para que fossem entregues a seus filhosmenores na manhã do dia 25 de dezembro.Para muitas crianças, essas eram as únicaslembranças trazidas pelo Papai Noel.

No ano de 1963, assumiu a Direção daFábrica o Coronel Adhemar Pinto. Festeiro,político e sensível aos problemas dosoperários, mudou a sistemática da distri-buição de presentes no Natal. A partir desua administração, por muitos anos,durante o mês de dezembro, a Praça Duquede Caxias transformou-se na terra do PapaiNoel, tornando-se um lugar de encanto,

sonhos e fantasia. Sob sua supervisão,funcionários do Gabinete de desenho da4ª Divisão elaboravam projetos para decorartoda a Pracinha e adjacências. Trabalharamnesses projetos os desenhistas IlídioMoura, Yeyé Masiero, Carminho, GeraldoNascimento, Zé Teotônio, além de eletri-cistas, serralheiros, carpinteiros, pintores...Esses funcionários deixavam viajar aimaginação, de maneira que o resultadofinal agradasse a todos. A cada ano umnovo tema era desenvolvido. No centro daPraça Duque, uma enorme árvore-de-natalera decorada e iluminada. Personagens doslivros de estória ganhavam vida em grandesproporções e ficavam espalhados pelaPracinha para encanto e espanto dascrianças. O presépio armado era um espetá-culo à parte e chamava a atenção pelo apuroarquitetônico, surpreendendo a todos que,reverentes, visitavam o Menino da Man-jedoura.

No dia 25, dia de Natal, logo pelamanhã, a Praça era tomada pela população.Os operários recebiam certo número detíquetes que garantiam o direito aorecebimento de brinquedos e a sorteiosque aconteciam no interior do ElefanteBranco durante todo o dia. Eram tantospresentes e sorteios, que todos acabavamganhando mais de um. Barracas distri-buíam sanduíches e refrigerantes àvontade para as crianças. No Cine Estrela,a partir das dez horas, sessões corridascom filmes infantis com entrada franca. Um

trenzinho todo decorado, com bandinhatocando músicas natalinas, percorria asprincipais ruas da redondeza, lotado decrianças. Um parque de diversão, cominúmeros brinquedos até então inéditos,passou a fazer parte do Natal de Piquete.Assim, pudemos conhecer, gratuitamente,roda gigante, chapéu mexicano, barcosviking, carrossel, trem fantasma, carros decorrida, sala de espelhos e tudo de maismoderno em diversão. De Lorena chegavaum trem especial à Estação da Estrelatrazendo os operários que lá residiam eseus familiares para também se divertirem.É bom lembrar que não eram só osoperários e seus familiares que se bene-ficiavam, mas sim todos os piquetenses

Piquete orgulhava-se do Natal deSonhos da FPV. A experiência de 1965levou os desenhistas a darem asas àimaginação, de maneira que, nos anossubsequentes, tivemos Natal Fantasia,Natal na Disneylândia, Natal no Sítio doPica-Pau Amarelo... Por muitos anos acidade foi presenteada com essa festa, cujaornamentação constituía espetáculo raro ede inesquecível beleza, em que o espíritoalegre do Natal reinava absoluto. Provadisso é que, ainda hoje, quando vemos naTV as grandes cidades decoradas para asfestas natalinas, com luzes e efeitosespeciais, recordamos que, em Piquete,também tivemos muitos Natais de Sonhopropiciados pela FPV.

Os “Natais de Sonhos” da FPV

Fotos arquivo Pro-MemóriaImagem - Memória

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O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

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Dengo

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETAFundado em fevereiro / 1997

O apelido Dengo Joaquim Caetano Netoherdou de um tio, que assim era conhecido;ele era o Denguinho. Um dia, o tio foi-seembora para o Paraná e não mais voltou.Denguinho tornou-se Dengo...

Nascido em Itajubá, em 2 de março de1940, Dengo é filho de Sebastião Caetano eFrancisca Custódio Caetano. “A infância foidifícil naquela cidade mineira. Não haviaempregos”. Em 1947, a família mudou-se paraPiquete. O pai veio trabalhar na 4ª Divisãoda FPV. Por muitos anos, morou no bairroda Vargem Grande, em terrenos da Fábrica,na bacia do ribeirão do Limeira, no caminhopara o bairro das Posses. Relata que erammuitas as famílias que lá residiam: os irmãosJoão e Henrique Baiano, Procópio Lourenço,João Onofre, Cordeiro, Sebastião Inácio eoutras. “Havia, ainda, casas para os ladosdo Embauzinho e no Alto do Coco”.Enquanto os chefes das famílias traba-lhavam na Fábrica, mulheres e filhoscuidavam da lavoura. Plantavam muitomilho, feijão, mandioca, abóbora, cana ecriavam animais.

Dengo fez o curso primário no Grupo daFábrica. A diretora era Terezinha Libanor.Cita as professoras Catarina, MarleneSardinha, Suely Vilar... Frequentou, também,a Escola Agrícola General Osório, cujodiretor era José Leite de Souza e lembra-sedos professores Sebastião Chagas, FaustoReis, Manuelina Alves. Nesta escolaaprendeu o cultivo da lavoura e a criação deanimais. Por um tempo, foi responsável pelotratamento, com folhas de amora, do bichoda seda. Foram seus colegas: Catrica, DitoCuzaruim, Dito Noventa, .... “Tempos bonsforam aqueles... Pena que não voltam mais,pois deixaram muitas saudades”.

Dengo recorda que a Granja São Miguel,próximo à sua casa, era um bonito lugar prase visitar. “Lá havia de tudo que o operárioprecisasse – gansos, pato, peru, cabrito,carneiro, lebre... Podia-se comprar quandoquisesse e era tudo barato... Os operáriostinham uma caderneta, na qual eram re-

gistradas as compras para pagamentoposterior”.

Morou na Vargem Grande até os dezes-sete anos, quando foi para o quartel. Depoisdesse período, a família comprou uma casana Vila General Osório e para lá se mudou.Terminado o serviço militar, Dengo foiadmitido na Fábrica para trabalhar na 3ªDivisão, na fabricação de explosivos. Láficou por 28 anos. “Assisti a muitosacidentes graves, explosões em que perdiamigos. Mas, graças a Deus, me livrei...”

Em 1981, Dengo se aposentou. Passou,então, a trabalhar como pedreiro, soldador,cuidando de roças e pastos, a fim decomplementar o orçamento da família.

Casado desde1962 com Aydê Moreira daSilva Caetano, tem seis filhos e “umpunhado” de netos.

Nos últimos quatro anos, Dengo vemtrabalhando com a Fundação ChristianoRosa, num projeto de recomposição de mataciliar na bacia do ribeirão do Limeira.“Conheço bem aquela área. Na minhainfância, o rio tinha mais água, peixes e

camarão. Eu passava boa parte do diadentro d’água, mariscando.”

“Gosto muito de trabalhar com aFundação. Gosto tanto, que sintofalta nos dias que não tem trabalho”,diz seu Dengo. “Só agora, com ela,é que tomei consciência da im-portância do plantio de árvores eda preservação do meio ambiente.Hoje sei que esse trabalho vaigarantir a água e o ar puro não paramim, mas para meus netos”, res-salta consciente.

Uma reflexão que nos cabe nesteperíodo de festas natalinas e de ano novoé sobre o crack, que vem se infiltrando emmuitos lares, destruindo nossas famílias.

O crack chegou ao Brasil há algumtempo. A princípio, às periferias dasgrandes cidades, atingindo a populaçãomais pobre. Hoje, esta droga atinge aclasse média e seus estragos são gran-des. Tornou-se um problema de saúdepública tão grave que levou DilmaRoussef, em seu primeiro discurso comopresidente eleita, a dizer que o governonão deveria descansar enquanto existis-sem o crack e as cracolândias. Esseposicionamento de Dilma não foi à toa.Estima-se que, no mínimo, 600 milbrasileiros sejam dependentes destadroga – variante devastadora da cocaína– que mata 30% de seus usuários noprazo máximo de cinco anos.

Comparando com outras drogas, ocrack é, sem dúvidas, a mais nefasta,porque produz dependência rapidamente.Sob a compulsão pela substância, ousuário desenvolve comportamentos derisco que podem chegar à atividadecriminosa e à prostituição.

O crack é um desafio para a segurançapública. Uma epidemia que vem seespalhando das capitais para as pequenascidades do interior. Jovens e adoles-centes, em sua quase totalidade pobres,são as vítimas principais. Ao seu lado,impotentes e derrotados, os familiares. Aexpectativa é que os problemas rela-cionados ao consumo do crack levemnossas autoridades a traçar políticasconcretas para sanar esse problema. Dapopulação, espera-se que se mobilize paracobrar essas ações de seus repre-sentantes.

No Natal, umareflexão sobre o crack

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Nós, os alunos da primeira turma da EscolaNormal Livre “Duque de Caxias”, éramos, emPiquete, vistos como diferenciados, distinguidoscom uma aura de respeitosa admiração. Paranossos parentes e amigos, vistos como privile-giados pelo saber na honrosa profissão deprofessor. Preparando-nos para liderar a infânciae a juventude com nossos proveitosos estudos edignos exemplos, iríamos ensinar as crianças.Bafejados pela missão considerada de destacadaimportância. Mas também éramos muitocobrados. Exigiam-nos eficiência, dedicação,seriedade e bom comportamento. Não nosfaltavam apoio e entusiasmo. Nossos paisdesdobravam-se para nos oferecer o quepossuíam de melhor: não só sobrevivência, mastambém carinho, estímulo e uns bons “pitos”quando eram necessários. Hoje, chamam de“bronca” aos “pitos” do nosso anterior contexto.Reforçadores da hierarquia.

Mas, como era bom sermos normalistas, comnossas presenças nas festas, nas paradas cívico-militares, sob ordem de comando, em “ordemunida”, ao som da banda e da fanfarra. E tambémnas ruas, indo e vindo das aulas – uniformizadose em bandos. Admirados, passávamos garbosos,o peito inflado e o passo certo nas paradas oudesfiles. O nosso era o batalhão escolar da frente.Tempos da Reforma Capanema. As moçasbonitas a despertar suspiros, os rapazesgarbosos a suscitar “ais”. Gracejos havia, nãopoucos, no limite da vida social, além dosaplausos, e os bons (e alguns “maus”) conselhos,– dependendo do ponto de vista.

Éramos intensamente vigiados. Os filmes, nocinema, nos mostravam a vida lá fora. Egostávamos de acompanhar as tendências damoda. Íamos aos bailes, isto é, quando os paispermitiam e nos acompanhavam, senão os tios eos “mais velhos”, gente de respeito. Casamentoseram projetados. Já havia um casal devidamentesacramentado: a Rosina e o Augusto. Outros jáestavam casados e tinham filhos, antes mesmode entrar na Escola Normal e já com profissõesde trabalho. Alguns lecionavam sem ainda odiploma requerido. Portanto, a Escola Normalvinha a calhar. A disputa pelas notas era grande,havia quadro de honra para os cinco primeiroscolocados nas provas parciais e principalmentenas finais. A última de todas garantia medalhasde honra ao mérito. Homenagens e destaques.Alguns pais a impelir para as classificações –afinal, espelho social polido e lustrado pela glóriafamiliar. Na verdade, pela necessidade da renúnciaa alguns prazeres, para “queimar as pestanas”,ter pesadelos, sobressaltos e amarguras... invejas,ódios, competitividade, ansiedades, angústiasque podiam ser temperados no agradável convívioda turma e dos mestres, em geral muito queridose admirados.

Ah! Os uniformes que vestíamos – eramvários: de uso diário, de gala, de educação física euma série de detalhes que a Maria Odaisa daCosta Frota propunha, inventava, nos seduzia etransformava em ponto de honra – sem quererrecuar, quando se opunham os pais, pelo excessodos gastos. Éramos filhos de operários – meupai repetia isso para fazer pensar sobre oexibicionismo, do qual nos tornávamos presasfáceis. Principalmente as meninas. Mas osmeninos tinham uma dose de vaidade disfarçada.Odaísa ficava empolgada, ou se propunhaimpositiva, até com o diretor e a secretária, ou sepropunha sedutora,a fala macia, para nos tornar

cativos de sua liderança. Nossa estilista.E tudo foi muito bom e muito lindo. Uma

experiência inesquecível. Afinal, ela trazia do Rio,do Colégio Lafayette uma aura invejável.

Lembro-me de nossas aulas práticas com ascrianças do primário e do pré-primário. Nossosplanos de aula eram elaboradíssimos. Própriosde escola-modelo. Tenho compartilhado comFrancisco Máximo essas memórias e esseexercício nos garante a juventude. Acho queforam os melhores anos de nossas vidas. Ríamosdescontraídos de tudo... desafiávamos as ordens,mas cumpríamos tudo. Éramos extremamenteexigentes com nossos professores. Nãopreparasse a aula para ver! Ficávamos ir-requietos, turbulentos, com risinhos e chacotas,abrindo balas com barulho na retirada dosinvólucros e com ruídos desagradáveis naslínguas e dentes ao chupá-las em plena aula.Atrevidos e inconsequentes. Amansados pelodiretor a nos prometer horrores: anotação nascadernetas escolares, por exemplo. Comotemíamos! Só queríamos elogios.

Cantávamos divinamente no orfeão.Éramos tão autossuficientes, que nos

atrevíamos a nos apresentar em forma de coralsem maestro. Raras vezes deu certo. Houve umadelas, em que, numa cerimônia importante nocinema, demos o maior vexame. E terminamostudo numa gargalhada geral, tão boa, que até noscausou algumas lágrimas.

Como tínhamos alguma noção do ridículo,nos arrependemos do atrevimento, e aprendemosa lição. Suponho que sim. Mas não éramos nadahumildes.

Ao prepararmos nossas aulas para aavaliação de Dona Ricarda Godoy Lopes, víamo-nos como ilustres capacitados. E ela, a nos chamarpara a realidade, com sua fala competente e mansa.E nós a nos iludirmos em fazer idealisticamenteum ensino modelar. A professora, compassiva,nos estimulava – chegou a criar um museupedagógico para abrigar nossos planos e materiaisdidáticos. Mas nós, se sofríamos no contato comas crianças peraltas e mimadas descontávamosno recreio, no pátio, território neutro, longe dosolhos da professora Ricarda.

Sorrateiramente, por exemplo, beliscávamosa “Pimentinha”, uma dessas menininhas enjoadas,cheias de não-me-toques. E dávamos belos edisfarçados beliscões. Ela nem sabia quem osdava, porque a pegávamos no meio de outrascrianças, que acabavam levando a culpa.

Rompemos fronteiras.As excursões que fizemos foram ines-

quecíveis. Fomos ao Rio de Janeiro lideradospelo professor Leopoldo Marcondes de MouraNeto e o Major Luiz Faro, como Chefe doDepartamento Educacional.

Visitamos museus, os pontos turísticos maisfamosos, os lugares belos. Fomos bem recebidose hospedados.

Estivemos em um Congresso de EducaçãoRural, em São Carlos, SP. Apresentamos edefendemos tese, a qual foi a vencedora docertame e nos encheu de orgulho, assim como aonosso orientador, o professor José GeraldoEvangelista, o chamado “seu Zito”. E nós, a levaro nome de Piquete para frente.

Terminamos o curso numa grande celebração,com tudo que se possa imaginar em termos deformatura. Missa solene e colação de grau.Diplomas entregues em alto estilo, os formandoschamados ao palco, e seus paraninfos. No Cine

Estrela do Norte, 27 de dezembro de 1952.A platéia lotada. Vibrante. Fascinada. Nós,

lindos, de uniforme completo. Ganhamos um belopresente, individual, de nosso paraninfo de turma,o abnegado batalhador professor e diretorLeopoldo Marcondes de Moura Neto. Dasmeninas, me lembro, que podiam escolher emum catálogo, um medalhão banhado a ouro, defino lavor, ou um anel igualmente fino. Dosmeninos, não me lembro. Ainda tenho meumedalhão. Guardo-o com emoção e carinho.

Preparamos uma peça musical para o cantode despedida. Mudamos a letra de músicaconsagrada. Elzira Ferreira nos ofereceu a casapara os ensaios. No piano atuava com garbo eexigências.

Lembro-me das primeiras estrofes “Adeus,casa bendita do bem”, e por aí ia numa eloquentee já saudosista partida daquela maravilhosa escolaque nos deu norma eficiente de trabalho, vontadede crescer, produzir e bem frutificar. Minhamemória apologética não é, absolutamentenostálgica. Mas feliz e cheia de vida.

No baile de formatura dançamos belamentenossas valsas e outros tantos ritmos. Todos bemvestidos. Rodopiamos felizes no salão do GrêmioDuque de Caxias (o atual Elefante Branco). Umlustre de plaquetas de espelhos de cristalrodopiava iluminando nossas figuras empol-gadas, porejantes de ânimos. As valsas vienenses– várias – faziam-nos esvoaçantes ao ritmo e aoembalo de nossos parceiros. Rodopiávamos,ébrios de prazer. Nossos pais lá, estourando deorgulho. O futuro nos aguardando, o passado jáacalentado nos refolhos do tempo passado, naglória de termos sido jovens, estudiosos,ansiosos e completamente entregues ao sabor denos tornarmos professores. No aguardo desermos bons professores, como nos mostraramnossos mestres ser a glória e o bem supremo.

Já comemoramos o cinqüentenário dessaformatura e dessa história. E nós, que aindaestamos por aqui, sejamos testemunhas fiéis doque Piquete já teve de melhor e pode continuar atê-lo, porque o passado é a nossa casa, precisaser valorizada. O presente é a nossa atualidadesaudável, e o futuro, a nossa esperança e motivode fé. Cumprimos funcionalmente nossa missão,e continuamos a ensinar, como gostávamos egostamos de aprender.

Foi com emoção que Maria TerezinhaMaduro contou-me ser um prazer comemorar, acada ano, o aniversário natalício no primeiro diade aula do ano letivo. Como um presente renovadoa cada ano. Dizia para a mãe “Ganhei trinta eseis, quarenta crianças”.

No início do baile de formatura, em dezembrode 1952, o cortejo entrou par em par. A músicaressoou e os olhares se concentraram nos pares.As moças de vestidos longos, armados e brancosnas rendas, nos laços, nas flores, a tresandarromantismos. Os rapazes, sedutores em seussmokings negros, camisas brancas e sapatoslustrosos, vetustos, como deveriam parecer ostrajes masculinos de cerimônia. Entretanto, o tomera dado pelos rostos joviais, bem escanhoados,os cabelos alinhados e as posturas elegantes. Umtanto expectantes e desafiantes. Rodopiavam ospares nas valsas do Imperador, dos Contos dosBosques de Viena, do Danúbio Azul. Vivíamos aeternidade do momento e aquele momentorealmente se eternizou.

Dóli de Castro Ferreira

Normalistas

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Fotos arquivo Pro-Memória

Várias são as organizações que nos diasatuais pensam numa sociedade ecolo-gicamente correta. Mas sejamos objetivos:será que todas as empresas, entidades ouaté mesmo órgãos públicos tomam atitudesque visam ao bem estar e à preservação denosso meio ambiente?

O tema é polêmico e vasto. A questãoambiental tem ocupado, nos últimos anos,grande espaço nos meios de comunicação,uma vez que o aquecimento global semostra cada vez mais presente no planeta.Os últimos relatórios dos encontrosmundiais que discutem o meio ambiente sãototalmente desfavoráveis, o que nospreocupa muito. É preciso que a sociedadese mobilize e participe de ações quevenham contribuir para a melhoria do meioambiente. É preciso, também, cobrar denossos governantes ações efetivas, umavez que de discursos estamos todoscheios. Enquanto se perde tempo com“lero-lero”, perdemos, diariamente, umpouco de um dos mais ricos biomas doplaneta – a Mata Atlântica, e, com ela, suabiodiversidade. Falar em meio ambiente éfalar em atitude, uma vez que os problemasambientais existem, são graves e é deextrema importância para todos a sobrevi-vência do planeta.

A Fundação Christiano Rosa e oMeio Ambiente

Desde sua instalação, em 1997, aFundação vem trabalhando para a pre-servação da Mata Atlântica. Reuniões,palestras, seminários, cursos e capaci-tações foram feitos em Piquete e em outrascidades valeparaibanas visando a sensi-bilizar a comunidade para a importânciadesse bioma. Muitos talvez não saibam,mas a Fundação Christiano Rosa vemdesenvolvendo importantes projetos paranosso município, para o Vale do Paraíba e o

A Importância da Preservação ambientalEstado de São Paulo. Atualmente, vemtocando dois projetos: “Plano de Bacia doParaíba do Sul” e “Elaboração de subsídiospara revisão do Plano Estadual de RecursosHídricos”. Neste ano, a Fundação tornou-se membro do Conselho Estadual de MeioAmbiente (CONSEMA).

Ao longo desses anos de trabalho, aFundação constatou que são muitas asdificuldades para o desenvolvimento deprojetos ambientais. Um grande desafio éo de trabalhar a conscientização e oenvolvimento da sociedade nas questõesambientais. Em Piquete observa-se que, aospoucos, a população vem se conscien-tizando e questionando os agravos ambi-entais. Falta, ainda, o comprometimentocom ações preservacionistas. Muitosquerem participar de algum trabalho, masnão sabem como.

Piquete está todo inserido dentro dobioma Mata Atlântica. Vivemos cercadospela Mantiqueira e por um mar de morrosque precisam ser preservados e recu-perados. Nossas nascentes estão quasetodas descobertas, precisando ser reve-getadas. Assistimos, dia-a-dia à redução dovolume de água de nossos rios, aodesmoronamento de encostas e ao as-soreamento da calha de nossos ribeirõesdevido à erosão. Se Piquete mantémsignificativos fragmentos de Mata Atlân-tica e é privilegiado pela natureza com suasinúmeras paisagens, cresce nossa respon-sabilidade em preservá-la. Há muito a serfeito, mas é preciso maior engajamento detodos nessa luta que está apenas come-çando.

A Busca por ParceriasA Fundação Christiano Rosa vem

trabalhando para sensibilizar nossos gover-nantes e a comunidade para a importânciade se preservar a Mata Atlântica no

município. Constata-se que a população, àmedida que vem se esclarecendo, torna-sesensível e busca colaborar. Quanto àsnossas autoridades... faltam ações efetivas.

Uma parceria de sucesso feita pelaFundação foi com a FPV/IMBEL. Com aresponsabilidade de uma empresa cidadã,preserva um dos mais ricos fragmentos deMata Atlântica do Estado de São Paulo. Sãoquase 3 mil hectares de inquestionávelriqueza avalizada por iminentes cientistas.

Por meio da parceria com a FPV/IMBEL,a Fundação Christiano Rosa, nos últimosanos, elaborou e vem desenvolvendo umprojeto de recuperação de mata ciliar aolongo do Ribeirão Limeira, que tem suasnascentes na mata da FPV. O objetivo éplantar, em etapas, espécies nativas da MataAtlântica regional, formando um corredorecológico. Já foram plantadas mais de 50 milmudas de aproximadamente 90 espécies.Atualmente, uma nova etapa desse projetovem sendo desenvolvida: foram cercados 9hectares em terras da IMBEL e estão sendoplantadas mais 16 mil mudas.

A Produção de MudasFator importante nos projetos de

recuperação de mata ciliar é a produçãode mudas. A Fundação Christiano Rosamantém um viveiro e vem produzindogrande parte das mudas plantadas emseus projetos. Grata surpresa é ver queKiko Ribeiro, capacitado em um curso deviveirista ministrado pela Fundação,tornou-se referência regional em coleta desementes e produção de mudas nativas.Conhece como poucos os fragmentos demata do município e sabe localizar asmatrizes. Assim, sementes de cedro,jequitibá, jatobá, guatambu, entre outrasmais de 100 espécies da Mata Atlântica,são por ele coletadas.

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O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, dezembro de 2010

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroÓrbita mútua

Pé de araçá

Na belíssima varanda da fina residência,com vista aberta para o mar, noite quente elímpida, pertinho de uma das famosas praiasde Caraguatatuba, quatro casais aco-modados em redes e cadeiras conversavamanimadamente. Três dos casais eramrelativamente jovens, enquanto o quartoestava na casa dos setenta. O assunto eravariado e discutia-se desde problemasnormais do dia-a-dia até reminiscênciasfamiliares, já que eram mais ou menosligados ao mesmo tronco.

Conversa sem rumo é como barco àderiva, razão pela qual pode ancorar emqualquer porto ou mesmo encalhar em pontoindeterminado. E foi o que aconteceu...Levada pela corrente, a conversaembaraçou-se num recife do noticiário eestacou na polêmica sobre a liberalizaçãoda mulher. A discussão começou em banho-maria, amena, já que ninguém tinha coragemde colocar ardor nas defesas e ataques.Mas...Vocês sabem... Às vezes, uma palavramal dita vira maldita e pode descambar parauma troca de insultos e o caldo ferver... E ofogo da polêmica estava começando acrepitar com mais entusiasmo.

A vivência é a grande amiga da pre-caução e, antes que a coisa pudesse chegara um ponto crítico, o patriarca da turma ali,de bem vividos setenta e cinco anos, que,como sua esposa, ainda nada dissera arespeito, tomou da palavra e sugeriu que sefizesse um jogo. Explicou, então, as regras:primeiramente, as mulheres deveriam falarpalavras femininas que significassem coisasboas e puras do mundo. Logo após, oshomens deveriam pronunciar palavrasmasculinas com significados altruísticos.Terminada essa rodada, na segunda, asmulheres deveriam falar das masculinas comconotações negativas e os homens pro-

nunciar vocábulos femininos com sig-nificados repulsivos. O casal de anciãos nãoparticiparia dessas fases. Para os dois,ficariam as palavras finais, quando, então,discutiriam sobre o resultado encontrado.

Vamos resumir em algumas palavras oque disseram as mulheres dos belos termosfemininos: felicidade, paz, justiça, piedade,fraternidade, amizade...

Algumas palavras masculinas ditaspelos homens: amor, caráter, destino,princípio, beijo, abraço...

Na rodada seguinte, as madamesdeveriam dizer os vocábulos masculinosmaléficos: orgulho, ódio, ciúme, crime...

Os machões jorraram os deles: guerra,fome, miséria, dor...

É evidente que encontraram palavras pramais de metro... O que demos aqui foi umapequena amostragem. Vamos consideraresses dois tempos como jogo empatado.Esperavam, agora, a vez do casal de velhos,que se sentavam unidos numa mesma rede.

Ela, cabelos branquinhos, olhando paraele disse a palavra feminina mais re-presentativa:

– A vida.Olhando-a meigamente, o velho com-

panheiro deu a sua parte:– O universo.Chegara a vez de ela dizer o pior termo

masculino. Segurando a mão dele, ela disse:– O homem.Com um braço enlaçou-a bem junto de

si, enquanto dizia a pior palavra feminina:– A mulher.Por instantes ficaram estáticos diante do

fraternal abraço do casal. Isso acabou porprovocar uma confraternização entre gregose troianos. Um vento mais forte desencalhouo barco que rumou para novos assuntos.

Brincar, brincar, brincar... Essa era achamada das crianças residentes à AvenidaGeneral Gomes Carneiro nos anos douradosde nossa querida infância.

As brincadeiras eram muitas: futebol,chicotinho queimado, estrear nova sela, jogode botões, bolinha de gude, béti, bafo,fincão, breque, queimada, peteca, pinhão,empinar pipas nas tardes vagas e calorentas,brincar nas águas pouco recomendadas doribeirão Sertão.

Somente dois motivos nos afastavamdas brincadeiras: quando estávamos naescola ou quando tirávamos o dia paraandar pelos campos adjacentes da Avenidana busca de frutos silvestres como araçá,goiaba, amora, moranguinho, pitanga... Naépoca das mangas, nosso endereço eramas mangueiras da Estrela, onde pas-sávamos horas e horas pendurados nosgalhos altos das mesmas à procura dasmangas amarelinhas.

Dos frutos que corríamos atrás, os maissaborosos eram as amoras. Às vezes,chegávamos de mansinho sob as amoreirasdo seu Viana e surpreendíamos aves degrande porte como uru, inhambu, jaú, jacu emuitas outras que não conhecíamosdeliciando-se com as amoras graúdas,pretinhas e doces. No araçazeiro que existiano meio do eucaliptal acima do quintal daúltima casa do corredor da Avenida, a qualpertencia ao saudoso seu Amâncio, geral-mente os frutos que colhíamos estavamtodos bicados pelos pássaros. Os araçássão frutos pequenos, doces, arredondados,com sementes, lembrando uma goiaba. Apolpa varia conforme a espécie. Esses frutoseram os preferidos das aves frugívoras.

Hoje, é raro deparar com um pé de araçápor aí. Talvez aquele daqueles tempos estejapor lá ainda, quem sabe! Velho, lânguido,desfolhado... Somente voltando paraconferir “in loco”...

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Acesse na internet, leia edivulgue o informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”

Um homem – era aquela noite amiga,Noite cristã, berço do Nazareno –,Ao relembrar os dias de pequeno,E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e amenoAs sensações da sua idade antiga,Naquela mesma velha noite amiga,Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha brancaPede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,Só lhe saiu este pequeno verso:“Mudou o Natal ou mudei eu?”

Soneto de Natal

Machado de Assis (1839 - 1908)

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O ESTAFETAPiquete, dezembro de 2010 Página 7

O programa “Esporte Espetacular”, daGlobo, no dia 5 de dezembro, apresentouuma entrevista com o tenista americanoAndré Agassi, um dos seis atletas quevenceram os quatro torneios do GrandSlam, famoso circuito deste esporte. O exNúmero 1 do tênis mundial esteve no Brasilpara uma partida amistosa contra GustavoKuerten, em comemoração aos dez anosda chegada do brasileiro ao topo doprestigiado ranking da ATP, justamenteapós uma vitória sobre Agassi, em 2000,no Masters de Lisboa.

Conhecido internacionalmente por suarebeldia, André Agassi lançou uma bio-grafia na qual relata que, por um bom tempo,teve uma relação de “amor e ódio com otênis”. Na entrevista, conta que o pai oobrigava a jogar tênis, esporte individual,e que ele preferia o futebol, esporte deequipe. As roupas coloridas e os cabeloslongos, por exemplo, incomuns nesteelitizado esporte, foram, de certa forma, umamaneira de protestar. O tenista diz, ainda,que chegou a usar drogas para “fugir darealidade”, e que isso o ajudava a “aturar”o mundo do tênis. Detalhes à parte, o queimporta é que Agassi tornou-se, na opiniãode muitos, um dos melhores tenistas dahistória.

Não sou um aficcionado por tênis. Aentrevista me chamou a atenção justamente

De que lado está Deus?

Vivem dizendo por aí que o Natalmudou, já não é o mesmo, tornou-sefesta do consumo, que o presépioficou esquecido e deu lugar ao PapaiNoel. Talvez não seja o Natal quetenha mudado, mas as relações, asociedade, o modo das pessoasviverem. Na verdade, acho que omundo nunca deixou de se trans-formar, e nessas mudanças todas épreciso reinventar o Natal.

Não vejo o Papai Noel como rivaldo presépio. Essa figura tão cara atodos nós foi inspirada em um bispodo século IV, da cidade de Mira. Oscristãos sempre tiveram na figura doseu bispo um pai, um pastor. SãoNicolau, fiel aos princípios evan-gélicos, se esmerava em fazer o bem,especialmente aos mais pobres,sobretudo em época de Natal. Ele perso-nificou a generosidade cristã porque foi, defato, um bom velhinho. Se o presépio nosrecorda a generosidade divina que nos deuJesus como luz a iluminar nossas trevas, oPapai Noel nos ensina a generosidadehumana, expressa na partilha de dons danoite de Natal. Não é preciso “atacar” afigura do papai Noel para salientar a domenino de Belém. Ambas trazem umamensagem de bondade e geram luz, vida ealegria em plena escuridão da noite de Natal.O menino na manjedoura e o bom velhinho,cada qual à sua maneira, nos inspiramsentimentos fraternais de perdão, acolhi-mento, simplicidade e amor, pois nos

Dizem que o Natal mudou...

pela aparente franqueza com que um ídolocomo Agassi expõe suas frustrações,angústias e medos; por isso continueiassistindo. Em determinado ponto, Agassirelata que em todas as partidas invocavasempre a proteção de Deus, visando àvitória. Quando perdia pontos ou eravencido ao final, questionava-se sobre porque fora esquecido por Ele. Solidarizei-mecom o atleta derrotado... E percebi o quantoegoístas, o quanto mimados somos. Nãoaceitamos a derrota... E a arrogância é tanta,que nem consideramos a possibilidade desermos inferiores ao adversário – seja elequal for; o motivo da derrota é sempre oesquecimento por parte de Deus.

Vamos lá, meu amigos... O mundo temmais de seis bilhões de pessoas e Deus temque olhar por todas. E não se esqueçam deque também a natureza é criação d’Ele...

É certo que Ele está ao lado de todos emtodos os instantes. Ele é onipresente, meuscaros. Não podemos nos esquecer, porém,que não podemos esperar que Ele faça tudopor nós. Para ilustrar melhor o que tentolhes passar, veio-me à memória uma men-sagem que conheço como “Pegadas naareia”. Nela, assim como Agassi, alguémquestiona de Deus onde Ele estava nospiores momentos de sua vida – representadapor dois pares de pegadas em uma cami-nhada na areia da praia – se justamente

naquelas passagens havia somente um parde pegadas. Ao que é respondido: nestemomento, eu o carreguei no colo. Nãopreciso dizer mais nada, certo?

Nosso egoísmo nos cega a ponto deacharmos que devemos ser atendidos emtudo o que pedimos. Somos criançasmimadas crescidas... Não entendemos quederrotas devem servir como pontos deavaliação de nossos limites, de nossasnecessidades de superação ou de mudançade rota. Deus nos orienta por meiosdiversos e temos que ser inteligentes osuficiente para captar Suas mensagens eentendê-Lo. Se em algum momento per-demos algo que nos era muito caro,devemos acreditar que havia um propósito;mais adiante, aquela perda certamente nosserá recompensada.

No mês em que comemoramos o nas-cimento do filho de Deus, tocou-mepositivamente a entrevista de AndréAgassi. Todos temos alegrias e perdas.Saibamos, baseados na experiência deCristo na Terra, que seremos, certamente,vitoriosos em algum momento à frente. Éisso que o Natal vem nos mostrar. É issoque Agassi aprendeu e, segundo suaspróprias palavras, o faz muito mais feliz.Um ótimo Natal a todos e um 2011 cheio denovas derrotas vitoriosas ao lado d’Ele.

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

colocam em contato com a benevolência e aternura.

A tradição do Natal conserva figurasextremamente humanizantes. Talvez ostempos atuais estejam carecendo de ima-gens de pureza e bondade. Outro dia ouvide um amigo que o Natal é um momento doano que lhe causa muita tristeza; ele me dissenão gostar dos enfeites e luzes com as quaisas pessoas costumam ornamentar suascasas e outros locais onde vivem. Em suamorada não se externaliza nada, não secoloca enfeite algum. Fiquei intrigado e quissaber o motivo. Ele me disse: “Meu pai mebateu no rosto em uma noite de natal”.Entendi tudo... Sem bondade, sem amor, sem

generosidade, não há Natal. Ficadifícil ir ao presépio ou acreditar noPapai Noel, o bom papai que vem noNatal, não só a nos dar presentes, mastambém nos ensinar a presentear comgratuidade.

Não colabora com o espíritonatalino de amor e cuidado quem ficapor aí dizendo que o Papai Noel nãosignifica nada, que não existe. Quemfala assim não entende que o serhumano – homem e mulher – ésimbólico e precisa de imagens queexpressem suas crenças, seus senti-mentos, que o ajudem a entrar emcontato com o que há de melhor emsua própria humanidade. O símbolonatalino do Papai Noel não deve seragredido e criticado. Deveríamos,antes, nos perguntar o motivo pelo

qual alguns de nós não conseguimos maisver nele aquilo que ele poderia expressar.Precisamos de experiências de bondadetodos os dias. Na noite de Natal, vamos aopresépio, façamos nossas preces, contem-plemos a generosidade divina a nos dar ummenino como luz. Não deixemos, porém, deapoiar as “andanças” do bom velhinho, oPapai Noel, pois, mesmo num mundo consu-mista que tanto instrumentaliza sua imagem,ele pode nos ajudar a não esquecer que ahumanidade precisa ser generosa.

Como costuma dizer o bom velhinho:Feliz Natal a todos!

Pe. Fabrício Beckmann

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O ESTAFETA Piquete, dezembro de 2010 Página 8

A iconografia (do grego “Eikon”,imagem, e “graphia”, descrição, escrita) éuma forma de linguagem visual que utilizaimagens para representar determinado tema.

A iconografia estuda a origem e aformação das imagens. Na indústria editorial,a iconografia é a pesquisa e seleção dasimagens que serão publicadas em um livro,seja como tema principal da obra ou comocomplemento de um texto. A pesquisaiconográfica pode enriquecer um texto sobreum período histórico com imagens deesculturas, obras arquitetônicas, quadros oufotografias de pessoas. O pesquisadoriconográfico pode ser funcionário da editora

ou um profissional independente. A icono-grafia de uma obra editorial é o conjuntodas imagens que integram essa obra, sejaum livro, série ou coleção.

A iconografia do NatalBasta uma procura por imagens de

“Natal”, na internet, e uma lista imensa deimagens sobre o tema se apresenta dis-ponível. É possível conhecer as obras derenomados pintores de todas as épocas,disponíveis apenas em museus antes daevolução da rede de computadores Internet.

É possível, ainda, contextualizar asimagens por meio das pesquisas realizadassobre muitas dessas obras que resgatam o

Iconografia do Natalmomento histórico em que foram produzidas,identificando, por exemplo, os mecenas quepossibilitaram aos artistas da época viverde seu trabalho e legar-nos as mais belasobras de arte produzidas pelo homem.

O tema do Natal é dividido na icono-grafia em 3 momentos: a Natividade, aAdoração dos Pastores e a Adoração dosReis Magos, apresentados nas ilustraçõesdeste texto em trabalhos de Giotto, Murilo eAndrea Mantegna, respectivamente.

Sugere-se um passeio na internet àbusca por outras imagens. É uma aula dehistória. E é um privilégio apreciar trabalhosdos maiores gênios da pintura.

Pessoas de fino trato são as que sabemcomportar-se em qualquer lugar ou si-tuação. Sabem cumprimentar nobres eautoridades; escolher o traje adequadopara cada cerimônia; usar copos e talheresà mesa; saber dirigir-se a qualquer plateiae despertar a sua atenção; transitar comdesenvoltura no mundo das artes e dosesportes sofisticados.

Hoje, existem cursos de boas maneirasou etiqueta. Antigamente, as famílias ricasmatriculavam suas filhas em internatosreligiosos, para que aprendessem com asfreiras a administrar bem as casas dasfazendas e a receber com elegância osamigos e sócios do marido e respectivasfamílias.

Civilidade não se confunde comrefinamento. É o básico da convivência,usando uma expressão bem moderna.

Vamos socorrer-nos do Aurélio: “Con-junto de formalidades observadas entresi pelos cidadãos em sinal de respeitomútuo ou de consideração”.

Exemplo corriqueiro: à noite, diminuo ovolume do rádio ou da televisão, porqueminha vizinha entra no turno das seis (6)horas.

A complexidade das relações humanasvai atribuindo graus de importância às

Refinamento e Civilidadeatitudes. Muitas vezes, certos compor-tamentos chegam mesmo ao limite do perigo.

Nesta semana, a televisão nos mostrouo caso da menina que conseguiu sair doguarda-roupa em que tinha sido aprisionadapelo sequestrador e ligou para o 190. Se apolicial que atendeu não fosse mãe e nãoinsistisse que a criança fornecesse por-menores, poderia desligar pensando tratar-se de um dos milhares de trotes que o 190recebe todos os dias.

No entanto, a menina está salva e obandido recolhido ao lugar conveninente.

Garanto que, depois deste episódio,muitas crianças e adolescentes vão deixarde brincar com o telefone da Polícia e doCorpo de Bombeiros.

Infelizmente, neste início de século vintee um, a convivência humana parece estarsendo regida pela incivilidade.

Não se trata apenas de uma incivilidadede negação: a do não cumprir, a do nãocumprimentar, a do não ser prestativo.

É uma incivilidade da ação, em que aspessoas se agridem propositadamente.

Ambientes tradicionalmente de respeitocomo escolas e quadras esportivas têm sidopalco de graves ofensas gratuitas e até decrimes. Grupos de estudantes intimidamcolegas por motivos fúteis. Torcidas orga-

nizadas agridem esportistas que preferemoutras equipes.

As ofensas morais podem ser diretasou através do computador.

Muitos jovens se sentem tão inti-midados, que se afastam das escolas e dosestádios.

Está na moda usar os termos do inglês“bullying” e “cyberbullying” para disfarçara clara incivilidade, a nua grosseria e aindiscutível falta de educação.

Estamos em um país democrático. Emnenhum lugar se pode permitir que crian-ças, adolescentes, idosos e portadores dedeficiência sejam sistematicamenteofendidos por pessoas despreparadaspara o convívio social.

A escola pública precisa alertar os paise realizar um trabalho cuidadoso paradesviar nossa juventude destas práticasagressivas, humilhantes, que devem sercaracterizadas como tortura.

Estamos sempre apregoando os di-reitos humanos. Não raro, empunhamosestandartes pedindo paz.

Podemos esperar paz em um mundocoalhado de aprendizes de tortura-dores?

Abigayl Lea da Silva

Reproduções

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