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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO LICENCIATURA EM PEDAGOGIA AFETIVIDADE POSITIVA: FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA COM OS CONTEÚDOS ESCOLARES LEÔNIDAS MARQUES DA SILVA Natal 2016 [Di

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

AFETIVIDADE POSITIVA: FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA

COM OS CONTEÚDOS ESCOLARES

LEÔNIDAS MARQUES DA SILVA

Natal

2016

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LEÔNIDAS MARQUES DA SILVA

AFETIVIDADE POSITIVA: FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS DA

EJA COM OS CONTEÚDOS ESCOLARES

Artigo apresentado ao Curso de

Pedagogia do Centro de Educação, da

Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, como requisito parcial para

a obtenção do grau de licenciado em

Pedagogia, sob orientação da Prof.ª

Dr.ª Cibelle Amorim Martins.

Natal

2016

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LEÔNIDAS MARQUES DA SILVA

AFETIVIDADE POSITIVA: FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS DA

EJA COM OS CONTEÚDOS ESCOLARES

Artigo apresentado ao Curso de Pedagogia

do Centro de Educação, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito parcial para a obtenção do grau

de licenciado em Pedagogia, sob orientação

da Prof.ª Dr.ª Cibelle Amorim Martins.

Aprovado em: _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Cibelle Amorim Martins – Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Vânia Aparecida Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Iracema Pinho de Sousa

Universidade Federal do Cariri

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AFETIVIDADE POSITIVA: FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS DA

EJA COM OS CONTEÚDOS ESCOLARES

Leônidas Marques da Silva1

RESUMO

Este trabalho fundamenta-se em apresentar as contribuições que a afetividade positiva

desempenha, como fator de aproximação dos sujeitos da EJA com os conteúdos

escolares. Para tanto, a pesquisa realizou-se na Escola Municipal Luiz de França Lima,

localizada na comunidade de Serrinha, zona rural do município de São Gonçalo do

Amarante-RN. Para a concretização, foram elaboradas 10 questões de âmbito social,

econômico e cultural, que foram respondidas por 18 alunos que estão na modalidade de

ensino EJA, nos 7º e 9º anos. As perguntas tinham questões que procuravam identificar,

faixa etária, sexo, estado civil, quantidade de filhos que possuem, se estavam no campo

de trabalho formal, quais os motivos de terem interrompido os estudos e os que

trouxeram novamente para a sala de aula. Essas discussões foram respaldadas com as

contribuições de alguns teóricos clássicos e contemporâneos, que também possuem

algumas obras que tratam da afetividade, como fator indissociável no processo de

assimilação dos conteúdos escolares, conhecimentos estes, necessários para que os

aprendizes da EJA, possam conquistar e satisfazer as motivações e anseios pelas quais

desejam e seguem pelo caminho da conquista de um trabalho que possa lhe oferecer a

garantia de um futuro promissor, com melhores condições salariais, ou o de chegar a

faculdade e escolher a profissão tão sonhada e que por algum motivo alheiro ao nosso

conhecimento, teve que esperar pela sua concretização.

Palavras-chave: Sujeitos da EJA. Afetividade. Fator de aproximação.

1 [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Os desafios de levar uma educação de qualidade para todos ainda são recorrentes

nos dias de hoje. Se olharmos para a história do Brasil, quando aqui chegaram as

primeiras embarcações e nelas os jesuítas, existia o propósito de catequizar um povo

que se acreditava não possuir uma alma, a menos que se convertessem, pois essa era a

condição para aquela gente escapar de ser dizimada ou expulsa de suas próprias terras.

Com isso, inicia uma trajetória marcada pela exclusão, começando pelo

aprisionamento daquelas pessoas que aqui habitavam, quando chegaram os primeiros

colonizadores, sendo forçadas ao trabalho escravo. O Período Colonial também foi

marcado pela exploração dos povos africanos, que eram trazidos ao Brasil com o

propósito de serem escravizados pelos senhores feudais.

Naquela época a prática do ensino ficava a cargo dos religiosos e esses

começariam a ensinar a doutrina de sua religião (o catolicismo), pois os jesuítas

acreditavam que sem o domínio da escrita e da leitura, ficaria mais difícil converter os

nativos, colocando-os a serviço da igreja, como também o de prepará-los para o

trabalho, tornando-os mão de obra a ser explorada pelos colonizadores.

Os colonizadores encontravam forte resistência na apropriação do domínio das

letras. Isso porque a formação cultural desses indivíduos não levava em conta sua

identidade cultural, pois muitas dessas pessoas são provenientes das regiões rurais que

emigraram para os centros urbanos à procura de melhores condições de vida para suas

famílias, o que não encontram quando chegam ao destino procurado.

Este é um dos grandes desafios da contemporaneidade na erradicação do

analfabetismo por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pois as nossas escolas

foram pensadas para atender um público infanto-juvenil, não adequando o ensino ao

perfil do público da EJA, o que provoca o desinteresse pelos conteúdos por parte dos

adultos.

Outro ponto a se considerar, consiste na linguagem utilizada para transmitir o

conteúdo programado, muitas vezes são palavras que não fazem parte do cotidiano

desses alunos, assim como também os exemplos utilizados em sala de aula como forma

de facilitar o aprendizado. O público alvo da EJA é formado, em sua maioria, por

trabalhadores e trabalhadoras, que já possuem família e vivem em um contexto bastante

diferente da criança e do adolescente.

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Este é um dos pontos principais que trata esta pesquisa, não só a linguagem, mas a

maneira com a qual os conteúdos escolares são apresentados aos alunos, o que leva em

alguns casos o sujeito da EJA, a não se apropriar de determinados assuntos, primordiais

para a construção da sua vida profissional e do pleno exercício de sua cidadania. Não se

pode desprezar o conhecimento adquirido ao longo de suas experiências cotidianas, por

meio das quais outros saberes são incorporados aos conteúdos curriculares.

Grande parte da população brasileira sofre com os efeitos provocados em

decorrência da situação do analfabetismo, que se estabeleceu nas camadas menos

favorecidas, e que convivem com o estigma da exclusão social, vivendo à parte de

políticas públicas que reforçam ainda mais essa condição. Nesse contexto, a sala de aula

da EJA, é composta por pessoas com uma história marcada pelo descaso de iniciativas

públicas, que sobremaneira, não vêm contribuindo para superar esse quadro.

Diante do exposto, e com essas marcas ainda presentes nos sujeitos da EJA,

percebe-se um interesse em querer reconstruir a sua história no cenário social e cultural

do qual eles fazem parte. Trilhar sua trajetória de outra maneira, sendo a educação uma

ferramenta motivacional e emancipadora. Entendendo que os sujeitos da EJA precisam

encontrar na escola um espaço de acolhimento e respeito às suas necessidades, saberes e

contexto sociocultural, essa pesquisa pretende descobrir como a afetividade positiva

pode contribuir para a aprendizagem e aquisição de conhecimentos. Para tanto,

delimitou-se como objetivo principal o de compreender como a afetividade positiva faz

essa mediação dos sujeitos da EJA com os conteúdos curriculares. É com esse propósito

e com base em um trabalho realizado com o Programa Mais Educação, com os alunos

da modalidade da EJA, na Escola Municipal Luiz de França Lima, o qual fez despertar

o interesse por realizar essa pesquisa. Elegemos como objetivos específicos:

a) Diferenciar os elementos característicos da afetividade referentes à faixa etária

dos sujeitos da EJA;

b) Identificar os aspectos motivacionais que trazem de volta esses sujeitos para a

sala de aula;

c) Definir os fatores da afetividade positiva na prática docente que contribuem para

o processo de aprendizagem e aquisição de conhecimentos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

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2.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA EJA

A história da EJA surge com o início da colonização, com a chegada do Europeu

em solo brasileiro, e que em meio àquela gente de pele branca, vieram os jesuítas com o

propósito de catequizar os nativos e colocá-los a serviço da igreja. Mais tarde, o

objetivo era prepará-los para o trabalho nas lavouras e na casa grande, onde viviam os

senhores de engenho com suas famílias.

Com a chegada da família real no Brasil, passa a existir dificuldade em encontrar

pessoas qualificadas para servir a aristocracia portuguesa. Diante da necessidade, tem

início o processo de escolarização dos adultos que iriam trabalhar para a corte, segundo

Friedrich:

Com a vinda da família real para o Brasil, surgiu a necessidade da

formação de trabalhadores para atender a aristocracia portuguesa e,

com isso, implantou-se o processo de escolarização de adultos com o

objetivo de servirem como serviçais da corte e para cumprir as tarefas

exigidas pelo Estado. (FRIEDRICH, 2010, p. 6)

Com o passar dos tempos, alguns defensores de uma educação igualitária e para

todos, sem que houvesse apenas uma educação elitista, foram surgindo, e quando

falamos em EJA, uma grande referência nesse âmbito é o teórico e educador Paulo

Freire, que defendia uma educação libertadora e democrática, por meio da qual o sujeito

busca se libertar da opressão, emancipar-se, para garantir seus direitos e exercer em

plenitude sua cidadania. Freire acrescenta:

Por isto é que o poder dos opressores, quando se pretende amenizar

ante a debilidade dos oprimidos, não apenas quase sempre se expressa

em falsa generosidade, como jamais a ultrapassa. Os opressores,

falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua “generosidade”

continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da

injustiça (FREIRE, 1987, p. 20).

Diante das constantes lutas pela universalização da educação, no período militar,

surgem programas governamentais para erradicar o analfabetismo. Tratava-se de uma

espécie de controle do pensamento dos sujeitos, uma vez que não se praticava a

construção de um pensamento crítico, através do qual as pessoas seriam construtoras de

sua própria história. Não havia diálogo com o educando e o principal objetivo era a

qualificação de mão-de-obra para o trabalho. Não se pretendia que os sujeitos

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construíssem os subsídios intelectuais necessários para a melhoria de suas condições de

vida e a conquista de direitos sociais.

O programa denominado Movimento Brasileiro de Alfabetização, reduzia-se ao

único objetivo de alfabetizar como mero processo de decodificação da língua, método

esse parecido com o de Paulo Freire, porém não havia estímulo para o pensamento

crítico, como se ver abaixo:

Na época do regime militar, surge um movimento de alfabetização de

jovens e adultos, na tentativa de erradicar o analfabetismo, chamado

MOBRAL, esse método tinha como foco o ato de ler e escrever, essa

metodologia assemelha-se a de Paulo Freire com codificações,

cartazes com famílias silábicas, quadros, fichas, porém, não utilizava

o diálogo como a de Freire e não se preocupava com a formação

crítica dos educandos (MARTINS, 2013, p. 5).

O processo de alfabetização tanto de crianças, como de jovens e adultos, para

além da mera decodificação do código linguístico, precisa estar inserido em um

contexto sociocultural. Além disso, precisa considerar as características inerentes às

fases de desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. O público da EJA é caracterizado por

pessoas que não conseguiram concluir a Educação Básica no tempo adequado, e que

precisou de alguma maneira trabalhar para contribuir com as despesas em casa, por

conta de uma gravidez precoce, ou por falta de motivação no âmbito familiar e, em

outros casos, por abandonarem os estudos por falta de motivação causada muitas vezes

pela não identificação com os conteúdos da maneira que são apresentados na sala de

aula.

Esses sujeitos possuem uma história marcada pela exclusão social, tendo que

viver à margem de uma sociedade letrada, mas que ainda não deu a devida importância

para uma educação de qualidade para todos, ou seja, uma educação universalizada, onde

todos tenham vez e voz.

Não precisamos ir muito além, para encontrarmos alguns fatores que

desmotivam jovens e adultos a retornarem à escola e darem continuidade aos estudos. O

que vemos são escolas sucateadas ou superlotadas, como reforça STRELHOW:

A educação brasileira foi sempre colocada em planos posteriores ao

crescimento econômico e interesses das classes dominantes. Nos dias

atuais, ainda não demos a devida atenção à educação, é só olharmos

para o ensino público brasileiro que encontraremos escolas sucateadas

e super populadas, corpo docente mal remunerado, um mínimo

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investimento numa educação de qualidade e assim por diante.

(STRELHOW, 2010, p. 2)

Diante dessa realidade educacional, os sujeitos da EJA estão numa posição que

merece ser cuidadosamente analisada frente a políticas públicas e projetos educacionais

que busquem ampliar o acesso e a permanência de jovens e adultos na escola,

combatendo o analfabetismo nessa faixa etária. Em um primeiro momento, deve-se

considerar a faixa etária e o contexto social e econômico em que se encontram tais

sujeitos.

Quando paramos para identificar quem são os sujeitos da EJA, levantamos alguns

questionamentos: Onde moram? A qual faixa etária eles pertencem? Quais são as suas

condições socioeconômicas? Quais as motivações os trazem de volta para a sala de

aula? E o que nos deparamos como resposta, traduz para nós uma realidade bem

diferente do que vemos muitas vezes propagados pelos meios de comunicação em

massa. Schwartz ainda acrescenta quando fala:

É preciso enxergá-los como geralmente são, sujeitos inteligentes, que

desenvolveram estratégias de sobrevivência em uma cultura escrita

sem estar adequadamente instrumentalizados para isso, resolvendo

problemas, vivendo, trabalhando e amando. (SCHWART, 2012, p. 63)

Nós somos fruto de uma formação educacional pautada muitas vezes em

concepções machistas, preconceituosas e misóginas. Vivemos num cenário marcado

pela exclusão de um povo que teve seus direitos negados desde a chegada dos

colonizadores ao Brasil. Povo este, em sua maioria, pessoas esquecidas pela tonalidade

de sua pele, pela baixa condição social e que são sentenciadas a permanecerem nessa

mesma condição. Outra característica que podemos perceber, é que existe um número

expressivo de pessoas em sua maioria do sexo feminino, que por essa razão, tem seus

salários em alguns setores, inferiores, apesar de exercerem a mesma função que as

pessoas do sexo masculino.

A EJA tem um papel importante na vida desses sujeitos, sobretudo, oferecendo

condições de igualdade e inclusão, contribuindo dessa maneira para a superação de uma

desigualdade histórica no que se que refere ao acesso à educação. Para que esses

indivíduos se apropriem dos conteúdos correspondentes a cada etapa de formação

escolar, é necessário, antes de tudo, conhecer essa história de exclusão, considerar as

peculiaridades da faixa etária, bem como, do contexto social ao qual pertencem. Os

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jovens, ou adultos precoces, que hoje compõem boa parte das turmas de EJA, estão

voltando para as salas de aula para darem continuidade àquilo que haviam deixado para

assumir responsabilidades que caberiam apenas a adultos. De acordo com o Parecer

11/2000 do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB), a função reparadora da EJA

fica definida como:

[...] não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de

um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o

reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser

humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma

perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante.

(BRASIL, 2000, p. 7)

O mesmo Parecer define também a função equalizadora como aquela que:

[...] vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos

sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A

reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção

forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais

oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser

saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas

arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do

trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos

canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para

estes "novos" alunos e "novas" alunas, demandantes de uma nova

oportunidade de equalização. (BRASIL, 2000, p. 9)

A EJA possui três funções, mas será dado destaque a última apresentada no

parecer:

Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por

toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de

qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da

EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo

potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em

quadros escolares ou não escolares. Mais do que nunca, ela é um apelo

para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para

o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade.

(BRASIL, 2000, p. 11)

Ressaltamos o sentido de solidariedade que a sociedade deve assumir para com

esses sujeitos, que encontram preconceito tanto dentro da escola, como para além de

seus muros. Nas igrejas, nas reuniões familiares, num jogo de futebol, na novela,

reproduzindo comportamentos discriminatórios. É comum ouvirmos alguém falar de

forma incorreta ou demonstrar desconhecimento de conteúdos simples, para ser rotulado

como “estudante do Mobral”. Outro exemplo de preconceito é quando alguém dá uma

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resposta errada quando questionado, e logo é taxado como estudante do Mobral, e essa

forma de pensar faz com que o estudante desenvolva um sentimento de vergonha pela

própria condição, dificultando a possibilidade de superá-la. Como explica Cury (2001):

O fenômeno do pensamento nos faz diferentes de milhões de espécies

da natureza, mas estamos perdendo o sentido de espécie. Estamos

ilhados em nossos pequenos mundos. Não percebemos que acima de

sermos americanos, alemães, judeus, palestinos, russos ou brasileiros,

somos uma única espécie. Perdemos a afetividade e o instinto de

preservação. Quando a emoção está sob a ditadura do ódio, fecha-se o

território de leitura da memória e bloqueia-se a capacidade de pensar.

Neste momento os instintos prevalecem sobre a arte de pensar. O eu

deixa de gerenciar com lucidez o universo da emoção e com

serenidade o mundo dos pensamentos. (CURY, 2001, p. 93)

O preconceito provoca na pessoa um sentimento de inferioridade, agravando-se

ainda mais quando essa mesma pessoa já possui uma história marcada pela exclusão.

No tópico seguinte, veremos como essa relação entre o professor e o sujeito da EJA

precisa ser estabelecida de modo a não reforçar esse sentimento, afinal, o estudante do

Mobral de ontem, é o mesmo dos dias de hoje, que estão ocupando as cadeiras da EJA,

e que merecem todo o respeito, em função do enorme esforço que fazem. Voltar a

estudar, em alguns casos, no mesmo nível de ensino dos filhos, é um passo difícil, e

exige dos profissionais dessa modalidade uma postura de superação e redução das

barreiras impostas pela sociedade a esses indivíduos. Ao retornarem para as salas de

aula e darem continuidade aos seus estudos, alguns já possuem suas famílias, já se

encontram inseridos no mercado de trabalho, e quando vão para a sala de aula depois de

uma intensa jornada, se fazem presentes com seu material para aprenderem os

conteúdos necessários e melhorarem suas condições de vida.

2.2 AFETIVIDADE NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO NA EJA

Em função do que foi exposto anteriormente, se refletirmos sobre a realidade

vivenciada na sala de aula com os aprendizes da EJA, percebemos em suas expressões o

desejo de aprender aqueles códigos que são apresentados a eles, mas em função de não

possuírem familiaridade com os conteúdos, e nem tão pouco, em alguns casos, nenhum

afeto para com os professores, preferem abandonar mais uma vez os estudos Morales

observa que:

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A qualidade das relações interpessoais manifesta-se de muitas

maneiras: dedicar tempo à comunicação com os alunos, a manifestar

afeto e interesse (expressar que eles importam para nós), a elogiar com

sinceridade, a interagir com os alunos com prazer. O oposto é a

rejeição, a distância, a simples ignorância a respeito dos alunos, o

desinteresse (mostrado ao menos por oposição). (MORALES, 2006, p.

54)

Por isso que é tão importante o desenvolvimento do diálogo em sala de aula, para

que haja uma maior aproximação entre aluno e professor, pois além do papel de

provocador, problematizador, o professor também acaba estabelecendo relações de

afetividade, sobretudo, pela aproximação etária com seus alunos. Cabe ao professor

abrir espaço para essas conexões afetivas, levando os sujeitos a se motivarem em dar

continuidade aos estudos.

Conforme o diálogo estabelecido e também a forma como o professor conduz e se

relaciona com seus alunos na sala de aula, ele poderá desenvolver uma aproximação ou

um afastamento com os alunos. Nos primeiros dias de aula, o aluno da EJA traz

expectativas de superar os obstáculos que o mundo letrado coloca para quem não

domina a escrita, e é através do desenvolvimento da afetividade positiva com os

conteúdos, que os alunos continuarão motivados a prosseguirem, o que acrescenta

Miranda:

Sem afeto não haveria interesse, nem motivação; e,

consequentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e

não haveria espaço para a inteligência operar. A afetividade é um pré-

requisito para a inteligência, desde a mais tenra idade. (MIRANDA,

2010, p. 55).

Quando falamos em afetividade, Wallon ressalta a importância da afetividade

como “combustível” para a formação e o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. “Ele

ainda destaca que a afetividade é central na construção do conhecimento e da pessoa”

(WALLON, 2010, p. 37).

O afeto é um sentimento que regula o interesse ou repulsa, por determinados

conteúdos ou pessoas. É ele quem vai promover uma aproximação ou distanciamento de

determinados eventos, tanto na sala de aula, como na vida cotidiana de cada um, como

explica Davis:

O afeto é [...] um regulador da ação, influindo na escolha de objetivos

específicos e na valorização de determinados elementos, eventos ou

situações pelo indivíduo. Dessa forma, amor, ódio, tristeza, alegria ou

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medo levam o indivíduo a procurar – ou a evitar – certas pessoas ou

experiências. (DAVIS, 1994, p. 84)

Podemos também entender o afeto como sendo a energia que irá favorecer o

desenvolvimento das funções cognitivas e, dessa maneira, o aluno que se sente

protegido, acolhido, respeitado, ouvido, acaba sendo afetando, porém, positivamente,

tanto com relação ao professor, quanto no que se refere aos conteúdos, quando estes são

situados na sua realidade. Isso contribui para o seu desenvolvimento cognitivo, ou seja,

o afeto determina a velocidade da aprendizagem, o que podemos perceber dessa

maneira nas palavras de Davis:

O afeto pode, sim, ser entendido como a energia necessária para que a

estrutura cognitiva passe a operar. E mais: ele influência a velocidade

com que constrói o conhecimento, pois quando as pessoas se sentem

seguras, aprendem com mais facilidade. (DAVIS, 1994, p. 84)

Muitas são as contribuições de estudiosos na área da afetividade e no processo de

desenvolvimento da aprendizagem, dentre eles podemos destacar Piaget e Vygotsky,

mas é em Wallon que encontraremos os estudos dedicados à afetividade e sua relação

com o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Este autor defende que o processo de

desenvolvimento do ser humano integra três dimensões indissociáveis: motora, afetiva e

cognitiva. Portanto, a afetividade é fator essencial para a aprendizagem.

Quando nos reportamos aos aprendizes da EJA, o conceito de afetividade se

traduz na maneira pela qual os educandos se apropriam e a integram ao seu processo de

aprendizagem a sua relação com o professor e com os conteúdos. Esses sujeitos já

trazem consigo experiências acumuladas ao longo da vida, embora vividas muitas vezes

precocemente. Desde experiências com o mundo do trabalho, a família, ou ainda, nas

suas descobertas pessoais.

Quando esses mesmos sujeitos chegam à sala de aula, e encontram um ambiente

acolhedor, um professor que respeita as suas diferenças de saberes constitutivos, em

meio a todos esses fatores, não demora muito para que os laços afetivos possam se

estabelecer e dessa maneira, provocar um impacto positivo e favorável ao processo de

aquisição de conteúdos curriculares. Cada qual ao seu tempo, uma vez que a

aprendizagem acontece de maneira diferente, em função de realidades bem distintas e

peculiares de cada um dos aprendizes.

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2.3 AFETIVIDADE POSITIVA COMO FATOR DE MEDIAÇÃO ENTRE OS

SUJEITOS DA EJA E OS CONTEÚDOS CURRICULARES

Os conteúdos escolares, quando são apresentados para os alunos durante o

desenvolvimento de uma aula, em alguns momentos eles causam um sentimento de

estranheza nos aprendizes pelo fato de ser o primeiro contato com essas informações. A

estranheza também pode ser explicada em função do meio em que vivem, por não ser

comum se falar de determinado assunto, seja pela baixa escolaridade dos pais, ou pela

falta de oportunidade que no período em que poderiam estar apenas estudando, foi

necessário entrar para o mercado de trabalho. Em outros casos, os quais podem ser

percebidos nos dias hoje, o abandono da escola é o motivo.

A afetividade positiva se refere não à construção de um sentimento paternal ou

maternal pelos professores, mas uma condição para a produção de um espaço favorável

ao processo de aprendizagem. Apesar do ambiente escolar ser um local convencional,

com regras e papeis atribuídos a cada ator da prática educativa, o estabelecimento de

laços afetivos positivos entre alunos e professores constitui um alicerce para facilitar o

reingresso na escola e seu bem-estar no mundo social e cultural, não esquecendo do

profissional, como afirma LIBÂNEO:

Não estamos falando da afetividade do professor para com

determinados alunos, nem de amor pelas crianças. A relação maternal

ou paternal deve ser evitada, porque a escola não é um lar. Os alunos

não são nossos sobrinhos e muito menos filhos. Na sala de aula o

professor se relaciona com o grupo de alunos. Ainda que o professor

necessite atender um aluno em especial ou que os alunos trabalhem

individualmente, a interação deve estar voltada para a atividade de

todos os alunos em torno dos objetivos e do conteúdo da aula.

(LIBÂNEO, 2013, p. 276).

O Professor precisa estar atento a maneira como os alunos estão se sentindo

durante o momento de sua aula, pois o modo que nos sentimos, influencia sobremaneira

como aprendemos, como afirma Morales:

O modo como nos sentimos influi poderosamente em como e quando

aprendemos. Ignorar essa dimensão emocional não conduz a nada e,

além disso, prestar atenção ao âmbito afetivo dos alunos pode

melhorar o aprendizado convencional das matérias. (MORALES,

1998, p. 140).

A educação pode ser vista apenas como a forma com a qual os aprendizes se

apropriam da técnica de codificação e decodificação dos signos, valorizando dessa

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maneira, no campo cognitivo, a razão. Por outro lado, o projeto de educação pode levar

em consideração a afetividade como fator primordial para o desenvolvimento da

aprendizagem, o que demonstra Leite em seu discurso:

[...] durante séculos, o trabalho educacional foi dirigido,

essencialmente, para os aspectos cognitivos dos objetos abordados,

centrados, portanto, na razão, ficando a afetividade praticamente

marginalizada nesse processo. Como exemplo, pode-se citar a própria

área da alfabetização: a grande questão dominante era a aprendizagem

do código escrito, suas convenções, não se assumindo como objetivo a

formação do leitor autônomo, o que implicaria, necessariamente, a

inclusão da dimensão afetiva nesse processo. (LEITE, 2013, p. 47).

Dessa maneira se atribui igual importância para os aspectos afetivos que são

construídos na sala de aula. Ora mediada pelo professor com os conteúdos, ora mediada

com o professor e os alunos, e na interação desses mesmos em conjunto, uns com os

outros. É fundamental o papel do professor na promoção da afetividade positiva,

criando dessa maneira um fator de aproximação dos sujeitos da EJA, com os conteúdos,

sem desprezar as práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, pois é a qualidade

dessas referidas ações que dependerá o surgimento dos impactos positivos nos alunos.

Leite reforça que:

[...] a qualidade das relações afetivas, que se estabelecem entre os

alunos e os conteúdos desenvolvidos, depende, em grande medida, das

práticas pedagógicas concretas desenvolvidas, as quais produzem

impactos afetivos no aluno; esses impactos podem possibilitar

movimentos de “aproximação” ou de “afastamento”, de natureza

afetiva e subjetiva – ou seja, “relações de amor, ou ódio” nos extremos

– entre o aluno e o respectivo conteúdo. (LEITE, 2013, p. 50).

Outra questão importante a se levar em consideração, no campo afetivo de

aproximação dos sujeitos da EJA com os conteúdos, se dá na sequência de apresentação

dos conteúdos selecionados no plano de aula; é importante que o docente faça uma

relação do que está sendo visto na sala de aula, com a realidade dos alunos, e dessa

forma valorizar os conhecimentos que estes já trazem consigo, tornando a aprendizagem

mais significativa. A relação dos conteúdos curriculares com os saberes que os alunos

carregam, amplia as chances de obterem sucesso no processo de apropriação dos

conteúdos.

As atividades bem escolhidas e adequadamente desenvolvidas

aumentam as chances de sucesso no processo de aprendizagem do

aluno e a consequente relação afetiva de “aproximação” entre aluno e

o respectivo conteúdo. (LEITE, 2013, p. 55).

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Com base no que foi discutido até o momento e trazendo a seguir os relatos dos

sujeitos da EJA colhidos no desenvolvimento desta pesquisa, vamos apresentar o ponto

de vista desses sujeitos com relação ao lugar que eles ocupam na escola e na vida em

geral. Ao captar suas necessidades, medos, desejos, motivações que os trazem de volta

aos bancos da escola, é possível perceber com mais clareza, a necessidade de se

valorizar a afetividade positiva como um fator indispensável na formação de cidadãos

críticos, que tenham condições de conduzir sua vida para a melhor direção, enfrentando

com dignidade e cobrando o seu direito que um dia lhe foi negado.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a concretização desse trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica,

servindo de sustentação para a defesa da ideia central deste artigo, a qual se valeu das

contribuições de alguns teóricos clássicos e contemporâneos, que defendem a

importância da afetividade como fator de aproximação e mediação dos aprendizes com

os conteúdos escolares e com os professores.

Foi aplicado um questionário, com 18 alunos da modalidade de ensino EJA, do

7º e 9º anos, contendo perguntas objetivas e subjetivas, com o intuito de colher o

máximo de informações, para responder ao problema levantado.

Esta pesquisa de caráter qualitativo foi desenvolvida na Escola Municipal Luiz

de França Lima, localizada na comunidade de Serrinha, zona rural do município de São

Gonçalo do Amarante, no estado do Rio Grande do Norte. As perguntas além de serem

objetivas e subjetivas, elas fazem questionamentos de cunho econômico, social e

cultural, para a caracterização do perfil da amostra.

Antes da aplicação dos questionários, foi realizada uma breve conversa com os

alunos/sujeitos da pesquisa, explicando a importância da participação deles nessa

investigação. As respostas foram analisadas de acordo com os objetivos da pesquisa,

bem como, com as contribuições dos teóricos pesquisados para a consecução desse

trabalho, oferecendo maior credibilidade na sustentação do desvelamento do problema.

Procurando desvendar a importância que a afetividade positiva possui como

fator de aproximação dos sujeitos da EJA com os conteúdos escolares, após a tabulação

dos dados trouxemos algumas considerações sobre o papel que a afetividade possui no

ambiente escolar.

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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Analisando as respostas coletadas por meio da aplicação de um questionário

semiaberto, houve a preocupação em deixar os alunos livres para darem suas respostas

de acordo com a realidade de casa um, para tanto, foi dito que não havia necessidade de

se identificar, ou seja, escrever os seus nomes no questionário. Mesmo assim, alguns

insistiram em se identificar no questionário, fato que chamou a atenção pela necessidade

em serem ouvidos e em contar suas histórias.

O questionário aplicado trazia 10 perguntas, as quais abordavam a faixa etária,

condição de gênero, estado civil, se possuía filhos ou não, se estava trabalhando, em

quais profissões, como se sentia retornando para a sala de aula, o que fez interromper os

estudos anteriormente, o que fez retornar para a sala de aula, disciplina que mais se

identifica, professor que tem mais afinidade.

A caracterização dos sujeitos da pesquisa se apresentou da seguinte forma: dos 18

alunos pesquisados, que no momento se encontravam na sala de aula, 15 possuem

idades entre 15 e 20 anos, dois estão com idade entre 21 e 25 anos e apenas possui idade

acima de 35 anos. O que nos mostra que hoje as turmas da EJA, em sua maioria, é

formada por jovens, ou seja, a função reparadora da EJA está trazendo resultados

satisfatórios, pelo menos no campo onde foi realizada a pesquisa. Os jovens hoje

buscam melhores condições de vida, de trabalho, por isso, voltam a estudar para

conquistar um lugar no mercado de trabalho que possa lhes trazer retorno financeiro

mais favorável.

Dos alunos que responderam o questionário, 11 são do sexo feminino e 7 são do

sexo masculino. Outro dado que indica uma mudança neste público, pois o que se

observava anteriormente nas salas da EJA, era o público masculino em sua maioria,

enquanto a mulher “pertencia” apenas ao lar, tendo que se dedicar aos afazeres

domésticos e à família. Porém, a pesquisa demonstra uma inversão estatística nesse

sentido. A mulher tem conquistado mais espaço no mundo do trabalho e, portanto, tem

buscado mais qualificação.

Outro aspecto do público da EJA que pode ser observado na sociedade e foi

confirmado nos dados da pesquisa é o fato das pessoas estarem se casando mais tarde, o

que se diferencia das gerações passadas. Atualmente, as pessoas colocam como

prioridade a estabilidade financeira, para só mais adiante construir uma família. Dos 18

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alunos entrevistados, 10 são solteiros, seis se denominaram como união estável, e

apenas dois responderam que estão casados no civil.

Um desdobramento do dado anterior é o dado que obtivemos na questão seguinte

sobre filhos. Uma vez que os sujeitos estão demorando mais tempo para constituir

família, dos alunos da EJA que foram pesquisados, 11 não possuem filhos, seis possuem

apenas um filho, e apenas um entrevistado possui mais de três filhos. Uma das maiores

causas de abandono dos estudos é justamente a gravidez precoce, no entanto, este fator

vem sendo reduzido ao longo do tempo.

A inserção precoce no mundo do trabalho também era considerada uma causa de

abandono da escola, o que se confirma entre os sujeitos pesquisados, quando dos 18 que

responderam à pergunta sobre o exercício laboral, apenas sete estavam exercendo

alguma função remunerada nas mais diversas profissões como a de vaqueiro, motorista,

servente de pedreiro, costureira e jardineiro. Enquanto a maioria informou que estava

desempregada, o que provavelmente não significa que seja uma escolha.

Depois de traçar o perfil geral da amostra, analisando os dados estatísticos

gerados e buscando interpretá-los à luz dos teóricos que fundamentaram esta pesquisa,

seguiremos com a análise e discussão das questões abertas que foram respondidas pelos

sujeitos da EJA. Destacamos a seguir alguns trechos das respostas coletadas. Ao serem

perguntados sobre o que sentia ao retomarem os estudos, uma resposta chamou a

atenção pelo forte caráter emocional: “Eu me sinto vitoriosa porque quando eu era mais

nova não consegui terminar, porque vivia morando de casa em casa e a minha mãe

mandava” (Aluno A). Outro inquirido fez a seguinte declaração na pesquisa: “2Uma

pessoa muito feliz em saber que eu posso contar com os meus professores pra tudo”

(Aluno B).

Freire, quando discute a afetividade como uma prática que não se separa da

cognoscibilidade, reforça e acaba por justificar esses sentimentos manifestados pelos

sujeitos da pesquisa:

Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão

melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e

"cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos

objetos cognoscíveis que devo ensinar. A afetividade não se acha

excluída da cognoscibilidade. (FREIRE, 1996, p. 72).

2 Comentário dos alunos: “A “ e “B”, com sua fala corrigida de acordo com as regras gramaticais.

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Várias foram as respostas com forte teor emocional, pois a maioria demonstrou

grande satisfação em poder voltar a estudar. A exemplo dessas declarações, uma se

refere ao tempo que passou longe dos bancos da escola: “Eu estou me sentindo bem,

depois de 3 anos sem estudar, mas agora tenho a esperança que um dia eu chego lá”

(Aluno C). A Aluna F, quando questionada sobre como se sente ao retornar para a

escola, e continuar seus estudos, ela responde que se sente bem, que gosta de estudar,

gosta dos colegas e professores, mas expressa insatisfação com relação à escola não ser

mais animada. Para esta fala, Leite nos fala da importância do ambiente da escola ser

atrativo para manter o aluno motivado e, consequentemente, envolver-se com os

conteúdos:

Por conta dessa realidade, o aluno da EJA, ao tentar reatar o vínculo

interrompido, não pode encontrar um ambiente escolar que continue

produzindo impactos afetivos negativos; ao contrário, o ambiente de

sala de aula deve ser planejado de forma a garantir todas as condições

previsíveis no sentido de que as experiências aí vivenciadas produzam

impactos afetivos positivos, o que aumentará a chance de o aluno

continuar o seu processo escolar. (LEITE, 2013, p. 52)

Uma importante pergunta versou sobre o motivo pelo qual os alunos entrevistados

tiveram que interromper seus estudos anteriormente. Muitos deles expressaram sua

frustração ao serem obrigados a assumir responsabilidades tão cedo, tais como: gravidez

precoce, união matrimonial antes dos 18 anos de idade, a proibição de estudar imposta

pelo marido. Em conversa informal com os estudantes da EJA, é possível perceber o

entusiasmo com que expressam seus pensamentos em relação ao futuro, à melhoria de

suas vidas, ao desejo se inserir no mercado de trabalho, onde possa encontrar

estabilidade e retorno financeiro, o que só se viabiliza com a qualificação por meio dos

estudos, da formação educacional.

É importante que o educador mantenha esses alunos motivados, uma vez

observados os objetivos que os trouxe de volta para a sala de aula, a rotina pedagógica

deve ser pautada na busca pela satisfação em conseguir atingir esses objetivos, tal como

afirma Leite (2013):

[...] é fundamental que esses objetivos atendam às necessidades

enfrentadas pelos alunos nas duas relações sociais, pois, certamente,

são essas as demandas que estão motivando os alunos a retomarem

seus estudos. Geralmente, tais demandas relacionam-se às situações de

trabalho ou processos subjetivos de insatisfação com a condição de

analfabetismo (não domínio do código). (LEITE, 2013, p. 53).

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A oitava pergunta explorou as motivações que levaram os sujeitos a retomarem

seus estudos, dentre elas estão: o desejo de terminar os estudos; o objetivo de fazer uma

faculdade; a vontade de construir uma carreira. A penúltima pergunta buscou perceber a

relação que os sujeitos estabeleciam entre afetividade e o conteúdo curricular. Ao

perguntar “Qual disciplina você possui maior afinidade e por quê?”, obtivemos

respostas muito semelhantes, apontando a íntima relação de afetividade entre o

conteúdo e o professor responsável. As seguintes respostas demonstram isso: “Eu gosto

de ciências porque o professor é legal e também, por ser uma disciplina boa” (Aluno

3D); “Eu gosto de matemática porque o professor é legal e gentil comigo” (Aluno E).

A última pergunta teve como objetivo perceber quais os sentimentos que se

constroem entre aluno e professor, no sentido de identificar os aspectos da afetividade

positiva que podem contribuir para o processo de aprendizagem. Um dado interessante

que chamou a atenção foi em saber que os nomes dos professores estavam vinculados às

disciplinas que eles possuem mais afinidade, e os depoimentos foram sempre

obedecendo uma ordem de lógica das disciplinas. A exemplo das respostas, podemos

citar a declaração da Aluna B: “As professoras de geografia e de português por elas

serem pessoas incríveis.”.

De acordo com os dados apresentados podemos perceber como a afetividade se

manifesta em suas falas ao se referirem aos professores, seja com as disciplinas

ofertadas na modalidade de ensino, ou pelo comportamento e postura do professor em

sala de aula, o tom da sua voz e a maneira como conduz a aula, o que Leite (2013)

reafirma sobre a importância da forma como se relaciona com os alunos:

Finalmente, é necessário relembrar que, nas atividades de ensino,

concentra-se a maior carga afetiva da relação professor/aluno: olhares,

posturas, conteúdos verbais, contatos, proximidade, tom de voz,

formas de acolhimento, instruções e correções, etc. constituem

aspectos da trama de relações interpessoais, com enorme poder de

impacto afetivo no aluno, seja positivo, seja negativo, - daí a

importância dessas decisões. (LEITE, 2013, p. 56).

O que percebemos é que a afetividade tem sua contribuição na aproximação dos

sujeitos da EJA, com os conteúdos escolares e com os professores, o que se revelou

através das falas dos alunos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

3 Comentários dos alunos D e E, corrigidos conforme o português padrão.

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A realização desse trabalho revelou para minha atuação enquanto docente, que o

público da EJA, é composto por indivíduos com desejos e especificidades próprias, e o

que os motiva para retornarem aos bancos da escola, é a busca por uma satisfação

pessoal, que vai desde o desejo de conseguir tirar uma carteira de motorista, seja ela

para conseguir um emprego melhor, para um alistamento militar ou o de apenas concluir

os seus estudos.

Foi um trabalho muito gratificante em realizá-lo, pois ocorreu uma receptividade

satisfatória tanto por parte dos alunos, como também por parte da própria escola, na

figura do diretor, concedendo um tempo para que eu pudesse conversar com os alunos.

Quanto à proposta da pesquisa, ela confirmou a ideia de que a afetividade pode ser

utilizada como fator de aproximação dos sujeitos da EJA com os conteúdos escolares, e

isso fica claro nas falas dos alunos pesquisados, pois uma sala de aula que tem por

parceiros cognoscitivos, a afetividade, os objetivos tendem a serem alcançados quando

ambos trabalhados de forma paralela, ou seja, afetividade e cognição, juntos conduzindo

jovens comprometidos com a construção do próprio futuro.

Durante o desenvolvimento do trabalho, houve um diálogo com as falas de alguns

teóricos, que tem trabalhos desenvolvidos pautados na afetividade como mediadora da

assimilação dos conteúdos, e também da atuação da postura do educador em sala de

aula, seja na maneira como utiliza a tonalidade de sua voz, a maneira de olhar, mas que

não interfere na sua prática docente e de atingir o objetivo principal, que está versado no

crescimento dos sujeitos conscientes de sua responsabilidade consigo e com o meio em

que vive.

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