Dia Mundial da Poesia - Antologia Comemorativa

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Dia Mundial da Poesia, 21/03/2012 BE-ESOD Antologia dedicada ao Dia Mundial da Poesia O PRIMEIRO ASTRONAUTA O primeiro astronauta devia ter sido Silvestre José Nhamposse Só ele teria sacudido os pés à entrada da Lua Só ele Teria pedido Com suave delicadeza: - dá licença? Mia Couto, Raiz de Orvalho e outros Poemas um dizer ainda puro imagino que sobre nós virá um céu de espuma e que, de sol em sol, uma nova língua nos fará dizer o que a poeira da nossa boca adiada soterrou já para lá da mão possível onde cinzentos abandonamos a flor. dizes: põe nos meus os teus dedos e passemos os séculos sem rosto, apaguemos de nossas casas o barulho do tempo que ardeu sem luz. sim, cria comigo esse silêncio que nos faz nus e em nós acende o lume das árvores de fruto. diz-me que há ainda versos por escrever, que sobra no mundo um dizer ainda puro. de Um Mover de Mão Vasco Gato, in Anos 90 e agora

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Semana da ESOD/ Serão de Poesia, dedicado ao Dia Mundial da Poesia, 21 de março

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Dia Mundial da Poesia, 21/03/2012 BE-ESOD

Antologia dedicada ao

Dia Mundial da Poesia

O PRIMEIRO ASTRONAUTA O primeiro astronauta devia ter sido Silvestre José Nhamposse Só ele teria sacudido os pés à entrada da Lua Só ele Teria pedido Com suave delicadeza: - dá licença?

Mia Couto, Raiz de Orvalho e outros Poemas

um dizer ainda puro imagino que sobre nós virá um céu de espuma e que, de sol em sol, uma nova língua nos fará dizer o que a poeira da nossa boca adiada soterrou já para lá da mão possível onde cinzentos abandonamos a flor. dizes: põe nos meus os teus dedos e passemos os séculos sem rosto, apaguemos de nossas casas o barulho do tempo que ardeu sem luz. sim, cria comigo esse silêncio que nos faz nus e em nós acende o lume das árvores de fruto. diz-me que há ainda versos por escrever, que sobra no mundo um dizer ainda puro.

de Um Mover de Mão Vasco Gato, in Anos 90 e agora

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NO POEMA No poema ficou o fogo mais secreto O intenso fogo devorador das coisas Que esteve sempre muito longe e muito perto

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

DIA DA ÁRVORE Cortaram uma árvore E a terra chorou

Cortaram outra árvore E a terra chorou

E tantas árvores mais...

E a terra chorou Chorar tanto também cansa Quem pode enxugar as lágrimas Da terra cansada?

Nem as mãos de uma criança... Matilde Rosa Araújo, Fadas Verdes

HAVIA na minha rua uma árvore triste.

Quebrou-a o vento.

Ficou tombada dias e dias, sem um lamento.

(Assim fiquei quando tu partiste…) Saul Dias, Obra Poética

SOMOS FOLHAS BREVES ONDE DORMEM Somos folhas breves onde dormem aves de sombra e solidão. Somos só folhas e o seu rumor. Inseguros, incapazes de ser flor, até a brisa nos perturba e faz tremer. Por isso a cada gesto que fazemos cada ave se transforma noutro ser.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos

GLÓRIA

Depois do inverno, morte figurada, A primavera, uma assunção de flores. A vida Renascida E celebrada Num festival de pétalas e cores.

Miguel Torga, Poesia Completa

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AS ÁRVORES E OS LIVROS

As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas. E são histórias de reis, histórias de fadas, as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras.

Jorge de Sousa Braga, Herbário

AS PALMEIRAS

Também o deserto vem do mar. Não sei em que navio, mas foi desses lugares que chegaram ao meu jardim as palmeiras. Com o sol das areias em cada folha, na coroa o sopro ainda húmido das estrelas.

Eugénio de Andrade, Ofício de paciência

METAMORFOSES DA PALAVRA

A palavra nasceu: nos lábios cintila.

Carícia ou aroma, mal pousa nos dedos.

De ramo em ramo voa, na luz se derrama.

A morte não existe: tudo é canto ou chama.

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa

HAI-KAI

Nós temos cinco sentidos: São dois pares e meio d’asas. - Como quereis o equilíbrio?

David Mourão-Ferreira, Obra Poética

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ÁRVORE cego de ser raiz imóvel de me ascender caule múltiplo de ser folha aprendo a ser árvore enquanto iludo a morte na folha tombada do tempo.

Mia Couto, Raz de Orvalho e outros Poemas

DIZEM Dizem?

Esquecem. Não dizem?

Dissessem.

Fazem?

Fatal. Não fazem?

Igual.

Por quê

Esperar?

- Tudo é

Sonhar. Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: poesias escolhidas por Eugénio de Andrade

NÃO BASTA ABRIR A JANELA

Não basta abrir a janela Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. Alberto Caeiro

Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: poesias escolhidas por Eugénio de Andrade

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INSTANTE

A cena é muda e breve: Num lameiro, Um cordeiro A pastar ao de leve; Embevecida, A mãe ovelha deixa de remoer; E a vida Pára também, a ver.

Miguel Torga, Poesia Completa

SEGREDO

Sei um ninho. E o ninho tem um ovo. E o ovo, redondinho, Tem lá dentro um passarinho Novo. Mas escusam de me atentar: Nem o tiro, nem o ensino. Quero ser um bom menino E guardar Este segredo comigo. E ter depois um amigo Que faça o pino A voar...

Miguel Torga, Poesia Completa

PASTORAL Não há, não, duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais, não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm, que é próprio das folhas; pecíolo algumas; bainha nem todas. Umas são fendidas, crenadas, lobadas, inteiras, partidas, singelas, dobradas. Outras acerosas, redondas, agudas, macias, viscosas, fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes, nos actos distantes, mesmo semelhantes

são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento, e lançam apelos nas ondas que fazem; outras vão e jazem

sem mais movimento. Mas outras não jazem, nem caem, nem gritam, apenas volitam

nas dobras do vento.

É dessas que eu sou. António Gedeão, Obra Completa

MISTÉRIOS DA ESCRITA

Escrevi a palavra flor.

Um girassol nasceu

no deserto de papel.

Era um girassol

como é um girassol.

Endireitou o caule,

sacudiu as pétalas

e perfumou o ar.

Voltou a cabeça

à procura do sol

e deixou cair dois grãos de pólen

sobre a mesa.

Depois cresceu até ficar

com a ponta de uma pétala

fora da Natureza.

Álvaro Magalhães, O Limpa-palavras e outros Poemas

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QUASE DE NADA MÍSTICO

Não, não deve ser nada este pulsar de dentro: só um lento desejo de dançar. E nem deve ter grande significado este vapor dourado, e invisível a olhares alheios: só um pólen a meio, como de abelha à espera de voar. E não é com certeza relevante este brilhante aqui: poeira de diamante que encontrei pelo verso e por acaso, poema muito breve e muito raso, que (aproveitando) trago para ti. de Às Vezes o Paraíso

Ana Luísa Amaral, in Anos 90 e agora

AS FLORES

Era preciso agradecer às flores Terem guardado em si, Límpida e pura, Aquela promessa antiga De uma manhã futura. Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

EM TODOS OS JARDINS

Em todos os jardins hei-de florir, Em todos beberei a lua cheia, Quando enfim no meu fim eu possuir Todas as praias onde o mar ondeia. Um dia serei eu o mar e a areia, A tudo quanto existe me hei-de unir, E o meu sangue arrasta em cada veia Esse abraço que um dia se há-de abrir. Então receberei no meu desejo Todo o fogo que habita na floresta Conhecido por mim como um beijo. Então serei o ritmo das paisagens, A secreta abundância dessa festa Que eu via prometida nas imagens. Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

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CANÇÃO MÍNIMA

No mistério do sem-fim, equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro, uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta. Cecília Meireles, Antologia Poética

NÃO VALE A PENA PISAR

O capim não foi plantado nem tratado, e cresceu. É força tudo força que vem da força da terra. Mas o capim está a arder e a força que vem da terra com a pujança da queimada parece desaparecer. Mas não! Basta a primeira chuvada para o capim reviver. Manuel Rui, in Sophia de Mello Breyner Andresen (org.), Primeiro Livro de Poesia

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas: De grandes serras paradas À espera de movimento; De searas onduladas Pelo vento; De casas de moradia Caídas e com sinais De ninhos que outrora havia Nos beirais; De poeira; De sombra de uma figueira; De ver esta maravilha: Meu Pai a erguer uma videira Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga, Poesia Completa

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EPÍLOGO Estas páginas foram escritas a caminhar sobre a água, e só assim se podem ler.

Não procurei nada, não retive nada.

Limitei-me a acusar o choque – brutal, por vezes – de um grão de pólen ou de uma brisa inesperada.

Não conheço outro ritmo que não seja o das estações.

Outra música que não a das gotas de chuva nos limoeiros.

Outra fuga que não a de um pássaro assustado com a sua própria sombra.

No fundo, o que me recuso a acreditar é que estejamos condenados.

Apesar dos prados envenenados, da lenta agonia dos rios e do mar.

Da atmosfera cada vez mais carregada das cidades.

Contanto que a poesia seja – continue a ser –

um lugar

onde ainda se pode

respirar

Jorge de Sousa Braga, Os Pés Luminosos, in O Poeta Nu

A HERA

A meticulosa beleza do real Onda após onda pétala após pétala E através do pano branco do toldo A sombra aérea da hera Tecedora incessante de grinaldas

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

AMANHECER Acordei, ao abrir as portadas senti gotículas nas minhas pestanas. Pensei, será a manhã a chorar? Não! Pois ao fundo ouvia a alegria! Era nos arbustos, os pássaros a chilrear. Ao longe, o cantar da água caindo sobre as pedras da nascente. Os campos verdejantes com as papoilas a darem-lhe um toque de luz, sobre a névoa matinal! Até que, lentamente, muito lentamente, o Sol se vai espreguiçando com um raio aqui, outro acolá até que por fim, sobre o orvalho brilhará, reflectindo toda a pureza de uma linda manhã de Primavera!

Tiago Aires, 8º ano, Concurso de Poesia de Gaia Nascente, ESOD/2010-11

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ESTE RIO ESSE FERMENTO Na larga encosta deste monte aberto ao voo das nuvens, nesta moita de bravura silvestre (distante ainda das cores sonantes da vila) irrompe silencioso o primeiro fio, a nascente… E lá em baixo, no primeiro vale ainda sem nome, ele já é um novelo a enrolar o seu destino: afirma-se fermento por entre jovens margens, e leveda campos, casas e estufas e leveda até os corpos de jovens enamorados. Mas só no calor da foz Só na foz ele cozerá o pão da sua imensidade!

Francisco Martins, Concurso de Poesia de Gaia Nascente, ESOD/2010-11

NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética

A PALAVRA Falo da natureza. E nas palavras vou sentindo A dureza das pedras, A frescura das fontes, O perfume das flores. Digo, e tenho na voz O mistério das coisas nomeadas. Nem preciso de as ver. Tanto as olhei, Interroguei, Analisei E referi, outrora, Que nos próprios sinais com que as marquei As reconheço, agora.

Miguel Torga, Poesia Completa

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ÁRVORES São plátanos palmeiras castanheiros jacarandás amendoeiras e até as oliveiras que quando a noite cai na infância formam uma cortina escura na estrada frente à casa: árvores apagando os dias que a memória avidamente esconde no corpo do seu gémeo. Penetra inutilmente na terra essa raiz do branco plátano adolescente e o campo do tempo onde as palmeiras eram pilares do corpo nu símbolo de si mesmo, à luz do dia fixo, já se estende na húmida manhã dos castanheiros. Esquecimento que tudo enfim possuis e geras a ofuscante luz igual à da memória, do tempo como ela filho, construtor da ausência, em vão te invoco Tu que mudas a roxa amendoeira em brancas flores do jacarandá entrega a minha vida às árvores que foram na manhã e no crepúsculo no meio-dia e na noite, palavra clara que traz o dia em si fechado.

Gastão Cruz, Crateras

ÁRVORES Sem fadiga, as árvores regressam ao poema. Primeiro as laranjeiras, a seguir entram as tílias. Sempre estiveram perto, incapazes de se afastarem dos pequenos olhos imensos. À sombra dos cavalos podia vê-las chegar carregadas do seu aroma, dos seus frutos frios. A tarde chegava ao fim mas tive tempo ainda de as sentir, com um sorriso, aproximar.

Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede

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POEMA DAS ÁRVORES As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos, e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores, e então crescem as flores, e as flores produzem frutos, e os frutos dão sementes, e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas. Sem verem, sem ouvirem, sem falarem. Sós. De dia e de noite. Sempre sós.

Os animais são outra coisa. Contactam-se, penetram-se, trespassam-se, fazem amor e ódio, e vão à vida como se nada fosse.

As árvores, não. Solitárias, as árvores, exauram terra e sol silenciosamente. Não pensam, não suspiram, não se queixam. Estendem os braços como se implorassem; com o vento soltam ais como se suspirassem; e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós. Nas planícies, nos montes, nas florestas, A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós E entretanto dar flores.

António Gedeão, Obra Completa

FLORES

Nnguém oferece flores. A flor, em sua fugaz existência, já é a oferenda. Talvez, alguém, de amor, se ofereça em flor. Mas só a semente oferece flores.

Mia Couto, Tradutor de Chuvas

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DA REALIDADE Que renda fez a tarde no jardim, Que há cedros que parecem de enxoval? Como é difícil ver o natural Quando a hora não quer! Ah! não digas que não ao que os teus olhos Colham nos dias de irrealidade. Tudo então é verdade, Toda a rama parece Um tecido que tece A eternidade.

Miguel Torga, Poesia Completa

AQUIETAÇÃO

FOLHAGENS

Há árvores de folhas persistentes

e outras, cujas folhas são caducas FOLHINHA

Mas o que me faz confusão, é que andem nuas no inverno e vistam um sobretudo de folhas no verão!

Jorge Sousa Braga, Herbário

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O JARDIM O jardim está brilhante e florido. Sobre as ervas, entre as folhagens, O vento passa, sonhador e distraído, Peregrino de mil romagens. É Maio ácido e multicolor, Devorado pelo próprio ardor, Que nesta clara tarde de cristal Avança pelos caminhos Até os fantásticos desalinhos Do meu bem e do meu mal. E no seu bailado levada Pelo jardim deliro e divago, Ora espreitando debruçada Os jardins do fundo do lago, Ora perdendo o meu olhar Na indizível verdura Das folhas novas e tenras Onde eu queria saciar A minha longa sede de frescura.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

CANÇÃO DO SEMEADOR

Na terra negra da vida, Pousio do desespero, É que o Poeta semeia Poemas de confiança. O Poeta é uma criança Que devaneia. Mas todo o semeador Semeia contra o presente. Semeia como vidente A seara do futuro, Sem saber se o chão é duro E lhe recebe a semente.

Miguel Torga, Antologia Poética

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TRADUTOR DE CHUVAS

Um lenço branco apaga o céu. A fala da asa vai traduzindo chuvas: não há adeus no idioma das aves. O mundo voa e apenas o poeta faz companhia ao chão.

Mia Couto, Tradutor de Chuvas

SEMENTEIRA

O poeta faz agricultura às avessas: numa única semente planta a terra inteira. Com lâmina de enxada a palavra fere o tempo: decepa o cordão umbilical do que pode ser um chão nascente. No final da lavoura o poeta não tem conta para fechar: ele só possui o que não se pode colher. Afinal, Não era a palavra que lhe faltava. Era a vida que ele, nele, desconhecia.

Mia Couto, Tradutor de Chuvas

ALGUMAS PREPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO Os pássaros nascem na ponta das árvores As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores Os pássaros começam onde as árvores acabam Os pássaros fazem cantar as árvores Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal Como pássaros poisam as folhas na terra quando o outono desce veladamente sobre os campos Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores mas deixo essa forma de dizer ao romancista é complicada e não se dá bem na poesia não foi ainda isolada da filosofia Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros Quem é que lá os pendura nos ramos? De quem é a mão a inúmera mão? Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo, Homem de Palavra

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PRESERVAÇÃO

Chama-se liberdade o bem que sentes, Águia que pairas sobre as serranias; Chamam-se tiranias Os acenos que o mundo Cá de baixo te faz; Não desças do teu céu de solidão, Pomba da verdadeira paz, Imagem de nenhuma servidão!

Miguel Torga, Poesia Completa

TEU NOME

Ínfimas estrelas meus olhos alastro-os percorro com elas o livro dos astros e é nesta fome das imensidões que leio o teu nome nas constelações

Anthero Monteiro, Canto de Encantos e Desencantos

DESPERTAR

É um pássaro, é uma rosa, É o mar que me acorda? Pássaro ou rosa ou mar, tudo é ardor, tudo é amor. Acordar é ser rosa na rosa, canto na ave, água no mar.

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa

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VAIDADE

Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a Terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

Florbela Espanca, Sonetos

LITANIA

O teu rosto inclinado pelo vento; a feroz brancura dos teus dentes; as mãos, de certo modo, irresponsáveis, e contudo sombrias, e contudo transparentes; o triunfo cruel das tuas pernas, colunas em repouso se anoitece; o peito raso, claro, feito de água; a boca sossegada onde apetece navegar ou cantar, ou simplesmente ser a cor dum fruto, o peso duma flor; as palavras mordendo a solidão, atravessadas de alegria e de terror, são a grande razão, a única razão.

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa

A UMA CEREJEIRA EM FLOR

Eugénio de Andrade, As Mãos e os Frutos (1948)

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LEMBRAR

… e quando Abril chegou e as árvores em bordados e rendas e brocados de prata e ouro ornou. e quando Abril chegou cristais adormecidos e ecos já perdidos de sons ele acordou e um outro Abril chegou em supremo desafio à funda solidão do inverno escuro frio e às turvas íris mortas de um desfeito olhar suaves ele abriu portas as do algum doce lembrar

Maria Virgínia Monteiro, Longo é o Tempo

Lenda da princesa –

- a olhar - o - mar

era uma vez a princesa encantada sobre a areia e vinha um príncipe espreita-la em horas de maré-cheia e marés foram passadas tantas tantas marés vivas a baterem nas cansadas mãos da princesa estendidas que sozinha a ouvir o mar e a olhar as sombras esquivas dizia em tom do queixar: «… minha forma de mistério a vir nas ondas rolar cores macias de espuma cabelos feitos da bruma que banha a luz do luar

…/… ó minha forma marinha – meu sonho de parte alguma – és tu que não deixas ver-te ou meu olhar fatigado que nem sequer te adivinha?

quantas marés a passar marés cheias marés vivas já bateram a deixar minhas mãos assim feridas?»

e ao ver as sombras perdidas dizia em tom do queixar: – «– é o teu chegar sem chegar é o meu morrer de mil vidas…»

Maria Virgínia Monteiro, Longo é o Tempo

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O RESPIRAR DO AR

O respirar do ar, do rouxinol a doce cantilena, o bosque e o seu luar na noite tão serena, com chama que consome e não dá pena.

S. João da Cruz, in Poesias Completas

CAIXINHA DE MÚSICA

Grilo, grilarim, Tens um canto azul Na noite de cetim!

Cigarra, cigarraia, Tens um canto branco No dia de cambraia!

Formiga, miga, miga, Só tu cantas os nadas Do silêncio do Sol, Das estrelas caladas....

Matilde Rosa Araújo, O Livro da Tila

ALUCINA-ME A COR!

Alucina-me a cor! A rosa é como a lira, a lira pelo tempo há muito engrinaldada, e é já velha a união, a núpcia sagrada, entre a cor que nos prende e a nota que suspira. Se a terra, às vezes, cria a flor que não inspira, a teatral camélia, a branca enfastiada, muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada como a perdida cor dalguma flor, que expira… Há plantas ideais dum cântico divino, irmãs do oboé, gémeas do violino, há gemidos no azul, gritos no carmesim… A magnólia é uma harpa etérea e perfumada e o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada, tem notas marciais: soa como um clarim!

Gomes Leal, Claridades do Sul

IBISCO

Há sempre lugar para um ibisco crescer ou florir Numa coluna de mármore Num muro caiado de branco Sob o azul celeste ou até num poema breve como este

Jorge de Sousa Braga, O poeta nu

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O HIBISCO Cansado de servir de modelo

a uma legião de pintores,

transformou as anteras num pincel,

e na falta de guaches e de papel,

pincela com pólen amarelo

a cabeça dos beija-flores!

Jorge de Sousa Braga, Herbário

NAQUELE TEMPO

Sob o caramanchão de glicínia lilaz As abelhas e eu Tontas de perfume Lá no alto as abelhas Doiradas e pequenas Não se ocupavam de mim Iam de flor em flor E cá em baixo eu Sentada no banco de azulejos Entre penumbra e luz Flor e perfume Tão ávida como as abelhas

Sophia de Mello Breyner Andresen, abril de 1998, Obra Poética

GLICÍNIAS

Não se vêem ramos nem Folhas apenas cachos de flores brancas ou lilás suspensas no azul das manhãs

Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu

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13 – POEMA DA MINHA NATUREZA

Crescem as flores no seu dever biológico, e as cores que patenteiam, por sua natureza, só podem ser aquelas, e não outras. Vermelhas, amarelas, cor de fogo, lilases, carmesins, azuis, violetas, assim, e só assim, tudo conforme a sua natureza. Ásperas são as folhas, macias, recortadas ou não, tudo conforme; e o aprumo como tal, ou rasteiras, ou leves, ou pesadas, tudo no seu dever, por sua natureza. É como os animais. Em cada qual, por sua natureza, todo o dever se cumpre. Comem, dejectam, dormem, fazem amor nas horas competentes, lutam, caçam, agridem, rosnam à Lua, trinam, assobiam, escondem-se, espreitam, fogem, amarinham, dançam, mudam de pele, agacham-se, disfarçam-se, tudo conforme a sua natureza. Assim eu penso, e amo, e sofro, e vou andando. Tudo conforme a minha natureza.

António Gedeão, Obra Completa

RESSURREIÇÃO

Volto a cantar, e voltam-me à memória As rústicas imagens, Que guardei na retina De menino: O repique do sino Depois das negras horas da Paixão, E a brejeira Canção Que num toco Já oco De cerdeira - Flauta que um pica-pau lhe dera - A seiva assobiava à primavera...

Miguel Torga, Antologia Poética

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POEMA DO CORAÇÃO

Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração, e também a Bondade, e a Sinceridade, e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração. Então poderia dizer-vos: «Meus amados irmãos, falo-vos do coração», ou então: «com o coração nas mãos.»

Mas o meu coração é como o dos compêndios Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral) e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos). O sangue a circular contrai-os e distende-os segundo a obrigação das leis dos movimentos.

Por vezes acontece ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados, e uma lâmina baça e agreste, que endurece a luz nos olhos em bisel cortados. Parece então que o coração estremece. Mas não. Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático, que esse vento que sopra e ateia os incêndios, é coisa do simpático. Vem tudo nos compêndios.

Então, meninos! Vamos à lição! Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão, Obra Completa

ESSÊNCIA

Uma mão vazia Em que nada se pode ler, O reflexo de um dia Sem amanhecer, Um movimento sempre parado, Um Romeu nunca amado, Um olhar estático, Um poema nada enfático, Um actor pouco dramático, Um pássaro que não pia, Um observador que não via, Um poeta que não sente, Um político que mente, Um sábio sem ciência, Uma mnemónica que esqueci, Uma mãe sem paciência O perto ali... Tudo sem essência, É como eu sem ti.

Maria João Rodrigues, 9º ano, Concurso de Poesia de Gaia Nascente, ESOD/1999-2000

O TEU OLHAR

O teu olhar, O mais belo que eu já vi, Vicia-me de maneira tal Que não penso em nada senão em ti... Brilhantes... Incandescentes... Os teus lindos olhos Encantam toda a gente! Sou incapaz de resistir A tão doce olhar... Não o consigo impedir, Quero-te amar! Miguel Nuno Rodrigues, 7º ano

Concurso de Poesia de Gaia Nascente, ESOD/1999-2000

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URGENTEMENTE

É urgente o amor. É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer.

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa

NÃO POSSO ADIAR O AMOR

Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço que é uma arma de dois gumes amor e ódio Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore não posso adiar para outro século a minha vida nem o meu amor nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração

A. Ramos Rosa, Viagem através duma Nebulosa

NÃO ME PEÇAM RAZÕES

Não me peçam razões, que não as tenho, Ou darei quantas queiram: bem sabemos Que razões são palavras, todas nascem Da mansa hipocrisia que aprendemos. Não me peçam razões por que se entenda A força de maré que me enche o peito, Este estar mal no mundo e nesta lei: Não fiz a lei e o mundo não aceito. Não me peçam razões, ou que as desculpe, Deste modo de amar e destruir: Quando a noite é de mais é que amanhece A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, Os Poemas Possíveis

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DAR AS MÃOS

vamos dar as mãos que a mão dada desafia toda a indiferença, toda a crueldade vamos dar as mãos porque a tua mão noutra mão amiga constrói pontes sobre desfiladeiros pontes de amizade, de pertença ao homem salutar à criança confiante ao sorriso da jovem enamorada dar-se as mãos é um raio de sol na noite escura é o coração a falar de poesia é o Homem a crescer no carinho e na fraternidade.

Fernando Morais, Ao Povo do Mundo

IMORTALIDADE

Todo o poeta verdadeiro é imortal pelo que antevê pelo que pressente pelo que redescobre todo o poeta é imortal no seu amor à humanidade pela recusa da injustiça pela recusa da malvadez pela recusa da covardia pela institucionalização do amor pelo sonho construído pela raiz do pensamento pela liberdade de todos os seres todo o poeta é imortal pela redenção da chuva e do calor pela lealdade com todos pelo que semeou no coração dos homens pelo que realizou ontem e hoje e pelo que fará em todos os futuros todo o poeta é imortal!

Fernando Morais, Ao Povo do Mundo

TEMPO DE POESIA

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia.

Todo o tempo é de poesia.

Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram. Corpos que em sangue soçobram. Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança. Sob o arco da aliança da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos à confusão da harmonia.

António Gedeão, Obra Completa

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LÁGRIMA DE PRETA

Encontrei uma preta que estava a chorar, pedi-lhe uma lágrima para a analisar.

Recolhi a lágrima com todo o cuidado num tubo de ensaio bem esterilizado.

Olhei-a de um lado, do outro e de frente: tinha um ar de gota muito transparente.

Mandei vir os ácidos, as bases e os sais, as drogas usadas em casos que tais.

Ensaiei a frio, experimentei ao lume, de todas as vezes deu-me o que é costume:

nem sinais de negro, nem vestígios de ódio. Água (quase tudo) e cloreto de sódio.

António Gedeão, Obra Completa

REFLEXÃO TOTAL

Recolhi as tuas lágrimas na palma da minha mão, e mal que se evaporaram todas as aves cantaram e em bandos esvoaçaram em torno da minha mão. Em jogos de luz e cor tuas lágrimas deixaram os cristais do teu amor, faces talhadas em dor na palma da minha mão.

António Gedeão, Obra Completa

VER CLARO

Toda a poesia é luminosa, até a mais obscura. O leitor é que tem às vezes, em lugar de sol, nevoeiro dentro de si. E o nevoeiro nunca deixa ver claro. Se regressar outra vez e outra vez e outra vez a essas sílabas acesas ficará cego de tanta claridade. Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade, Sulcos da Sede

MÁQUINA DO MUNDO

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma. Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea. Espaço vazio, em suma. O resto, é a matéria. Daí, que este arrepio, este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo, esta fresta de nada aberta no vazio, deve ser um intervalo.

António Gedeão, Obra Completa

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IMPRESSÃO DIGITAL

Os meus olhos são uns olhos. E é com esses olhos uns que eu vejo no mundo escolhos onde outros, com outros olhos, não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores. De tudo o mesmo se diz. Onde uns vêem luto e dores uns outros descobrem cores do mais formoso matiz. Pelas ruas ou nas estradas onde passa tanta gente, uns vêem pedras pisadas, mas outros, gnomos e fadas num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos, querer ser depois ou ser antes. Cada um é seus caminhos. Onde Sancho vê moinhos D.Quixote vê gigantes. Vê moinhos? São moinhos. Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão, Obra Completa

AQUELA NUVEM

Aquela nuvem Parece um cavalo... Ah! Se eu pudesse montá-lo! Aquela? Mas já não é um cavalo, É uma barca à vela. Não faz mal. Queria embarcar nela. Aquela? Mas já não é um navio, É uma torre amarela A vogar no frio Onde encerraram uma donzela. Não faz mal. Quero ter asas Para a espreitar da janela. Vá, lancem-me no mar Donde voam as nuvens Para ir numa delas Tomar mil formas Com sabor a sal - Labirinto de sombras e de cisnes No céu de água-sol-vento-luz concreto e irreal...

José Gomes Ferreira, Poesia IV

MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, A tua beleza aumenta quando estamos sós E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho, Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

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EUGÉNIO ESPELHADO

Eugénio, larga os espelhos, larga os olhos da minha alma Eugénio, porque me não convences, porque Me olhas como coruja na noite Eugénio, porque me olhas se não podes ver nada Apenas a ti te vês no meu corpo gelado. Alisas as mãos na minha pele espelhada Mas elas não me trespassam, nem sequer me arrepiam Porque me tentas, quando sabes que congelei no tempo Porque me queres, se sabes que sou pedra angustiada Ai, e se um dia me quebrares, Eugénio Serei nada mais que estilhaços Eugénio, larga os espelhos, larga os olhos da minha alma Deixa-me ver.

Dedicado ao poeta Eugénio de Andrade. Helena Grilo, Poemas Góticos de uma Adolescente Alienada

PAPAGAIO

Há palavras feitas p'ra voar num céu de Maio. Leves palavras ao colo do vento, construídas como o papel colorido dos teus sonhos. Tomas uma e soltas o fio que a prende à tua mão. E a palavra ganha asas, eleva-se no ar com o seu longo ditongo voador. Até encontrar, no mais alto de ti mesmo, um lugar imenso para morar.

João Pedro Mésseder, Palavra que voa

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SOTAQUE DA TERRA

Estas pedras sonham ser casa sei porque falo a língua do chão nascida na véspera de mim minha voz ficou cativa do mundo, pegada nas areias do Índico agora, ouço em mim o sotaque da terra e choro com as pedras a demora de subirem ao sol junho 1986

Mia Couto, Raiz de Orvalho e Outros Poemas

SE TANTO ME DÓI QUE AS COISAS PASSEM

Se tanto me dói que as coisas passem É porque cada instante em mim foi vivo Na luta por um bem definitivo Em que as coisas de amor se eternizassem.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

PROMESSA

És tu a Primavera que eu esperava, A vida multiplicada e brilhante, Em que é pleno e perfeito cada instante.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética

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Índice O Primeiro Astronauta ........................................................................................................................... 1

um dizer ainda puro ............................................................................................................................... 1

No Poema .............................................................................................................................................. 2

Dia da Árvore ......................................................................................................................................... 2

Havia ...................................................................................................................................................... 2

Somos folhas breves onde dormem ...................................................................................................... 2

Glória ..................................................................................................................................................... 2

As árvores e os livros ............................................................................................................................. 3

As palmeiras ........................................................................................................................................... 3

Metamorfoses da palavra ...................................................................................................................... 3

HAI-KAI ................................................................................................................................................... 3

Árvore .................................................................................................................................................... 4

Dizem ..................................................................................................................................................... 4

Não Basta Abrir a Janela ........................................................................................................................ 4

Instante .................................................................................................................................................. 5

Segredo .................................................................................................................................................. 5

Pastoral .................................................................................................................................................. 5

Mistérios da escrita................................................................................................................................ 5

Quase de nada místico ........................................................................................................................... 6

As Flores ................................................................................................................................................. 6

Em todos os jardins ................................................................................................................................ 6

Canção mínima ...................................................................................................................................... 7

Não Vale a Pena Pisar ............................................................................................................................ 7

Bucólica .................................................................................................................................................. 7

Epílogo ................................................................................................................................................... 8

A Hera .................................................................................................................................................... 8

Amanhecer............................................................................................................................................. 8

Este rio esse fermento ......................................................................................................................... 9

No meio do caminho .............................................................................................................................. 9

A palavra ................................................................................................................................................ 9

Árvores ................................................................................................................................................. 10

Árvores ................................................................................................................................................. 10

Poema das árvores ............................................................................................................................... 11

Flores ................................................................................................................................................... 11

Da realidade ......................................................................................................................................... 12

Aquietação ........................................................................................................................................... 12

Folhagens ............................................................................................................................................. 12

O jardim ............................................................................................................................................... 13

Canção do Semeador ........................................................................................................................... 13

Tradutor de chuvas .............................................................................................................................. 14

Sementeira ........................................................................................................................................... 14

Algumas preposições com pássaros e árvores que o poeta remata com uma referência ao coração 14

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Preservação ......................................................................................................................................... 15

Teu Nome ............................................................................................................................................ 15

Despertar ............................................................................................................................................. 15

Vaidade ................................................................................................................................................ 16

Litania .................................................................................................................................................. 16

A Uma Cerejeira em Flor ...................................................................................................................... 16

Lembrar................................................................................................................................................ 17

Lenda da princesa – a olhar - o -mar .................................................................................................... 17

Foi para ti que criei as rosas ................................................................................................................. 18

Magnólia .............................................................................................................................................. 18

Frutos ................................................................................................................................................... 18

O Respirar do Ar ................................................................................................................................... 19

Caixinha de Música .............................................................................................................................. 19

Alucina-me a Cor! ................................................................................................................................ 19

Ibisco .................................................................................................................................................... 19

O Hibisco .............................................................................................................................................. 20

Naquele Tempo ................................................................................................................................... 20

Glicínias ................................................................................................................................................ 20

13 – Poema da Minha Natureza........................................................................................................... 21

Ressurreição ........................................................................................................................................ 21

Poema do Coração ............................................................................................................................... 22

Essência ............................................................................................................................................... 22

O Teu Olhar .......................................................................................................................................... 22

Urgentemente ..................................................................................................................................... 23

Não Posso Adiar o Amor ...................................................................................................................... 23

Não Me Peçam Razões ......................................................................................................................... 23

Dar as Mãos ......................................................................................................................................... 24

Imortalidade ........................................................................................................................................ 24

Tempo de Poesia.................................................................................................................................. 24

Lágrima de Preta .................................................................................................................................. 25

Reflexão Total ...................................................................................................................................... 25

Ver Claro .............................................................................................................................................. 25

Máquina do Mundo ............................................................................................................................. 25

Impressão Digital ................................................................................................................................. 26

Aquela Nuvem ..................................................................................................................................... 26

Mar Sonoro .......................................................................................................................................... 26

Eugénio Espelhado ............................................................................................................................... 27

Papagaio .............................................................................................................................................. 27

Sotaque da Terra.................................................................................................................................. 28

Se Tanto Me Dói que as Coisas Passem ............................................................................................... 28

Promessa ............................................................................................................................................. 28