Diagrama o n o casada - primeira - Seção sindical do ANDES · A farsa do rombo. A ameaça de...

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3 cadernos ADUNESP PREVID˚NCIA . As principais medidas . A farsa do rombo . A ameaça de êxodo nas universidades . A reação do funcionalismo público . A reforma que queremos . Entrevistas (Antônio Luís de Andrade e Démerson Dias) . Artigos . Imagens da luta ADUNESP Seção Sindical do Andes/SN - Junho 2003 É hora de luta contra a privatizaçªo e a retirada de direitos

Transcript of Diagrama o n o casada - primeira - Seção sindical do ANDES · A farsa do rombo. A ameaça de...

3cadernosADUNESP

PREVIDÊNCIA

. As principais medidas. A farsa do rombo

. A ameaça de êxodo nas universidades. A reação do funcionalismo público

. A reforma que queremos. Entrevistas (Antônio Luís de Andrade e Démerson Dias)

. Artigos. Imagens da luta

ADUNESPSeção Sindical do Andes/SN - Junho 2003

É hora de luta contra a privatizaçãoe a retirada de direitos

ExpedienteExpediente

Publicação da Associação dos Docentes da UnespAdunesp Seção Sindical

Diretoria: Antônio Luís de Andrade (presidente), Ana Maria Ramos Estevão(secretária-geral), Marcelo Batista Hott (vice-secretário), Rubens Pereira dos

Santos (tesoureiro-geral), Alonso Bezerra de Carvalho (vice-tesoureiro).

Praça da Sé, 108, 3º andar, SP. Fones (11) 3242-7080 e 3242-0125.

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Jorn. resp.: Bahiji Haje (Reg. 19.458)Secretaria: Elaine GalhardoDistribuição: Juliana Breda

I lustrações: KarmoImpressão: Gráfica MultCores (Fone 14-222-5911)

ApresentaçãoApresentação

Em todo o país, os servidores já começam a passar da perplexidade para ainsatisfação aberta. A maioria esmagadora votou em Luís Inácio Lula da Silva eesperava mudanças. A promessa está sendo cumprida, só que pelo avesso. Aprincipal mudança prometida pelo novo governo é a reforma da Previdência. Leia-se: acabar com a aposentadoria integral dos servidores, instituir a cobrança paraos inativos e criar os fundos de pensão, atendendo a um antigo pedido dos bancos.

As propostas do governo Lula, encaminhadas ao Congresso no dia 30 deabril, conseguem ser piores do que as defendidas pelo governo FHC. A reformanada mais é do que o aprofundamento de medidas aprovadas pelo governoanterior (como o desfiguramento da Previdência do setor privado), que reduziramainda mais as condições de vida do povo brasileiro. Isso sem falar na manutençãodo salário mínimo nos miseráveis patamares da era FHC, no aumento do superávitprimário (tudo o que o governo “economiza” para pagar os juros e serviços dadívida pública) etc.

Nas universidades públicas, a exemplo do que já aconteceu em 1998, areforma da Previdência tende a gerar um novo êxodo, que tornaria ainda maisprecária a situação do ensino superior público no Brasil. Como mostra estapublicação, na página 11, a reforma em São Paulo também já começou.

Na campanha eleitoral, Luís Inácio Lula da Silva falou em respeitarcontratos. Pelo que se vê, trata-se apenas dos contratos mantidos com o grandecapital. Os contratos com a classe trabalhadora, entre eles os direitosprevidenciários dos servidores públicos, estão sendo descaradamente pisoteados.

Esta nova edição dos Cadernos Adunesp tem o objetivo de subsidiar estedebate. As matérias procuram mostrar – com números e fatos indiscutíveis – que aargumentação do governo Lula para liquidar com direitos historicamenteconquistados não se sustenta. A cada dia, fica mais claro que a base desustentação desta e de outras reformas que virão(tributária, trabalhista, sindical) é política. Por trás delas,está a completa submissão deste governo, eleito sobre aesperança da maioria sofrida do povo brasileiro, aosinteresses do imperialismo. Leia-se: grandes corporaçõesmultinacionais e nacionais, bancos, especuladores.

Mas a reação já se apresenta. Em todo o país,centenas de milhares de servidores já saíram às ruas paraprotestar contra a reforma e um calendário de lutas está emandamento. Todos nós temos um papel a cumprir nele.

Leia esta publicação com atenção. Além dasmatérias, há entrevistas e artigos (inclusive mostrando arealidade em outros países que já fizeram a reforma) quetrazem avaliações e informações importantes para quese forme em nossa categoria uma opinião sólida eesclarecida sobre o assunto.

A Adunesp, contrária a qualquer retirada dedireitos dos trabalhadores, soma-se ao conjunto dofuncionalismo público para defender reformas, sim! Masreformas que acabem com os privilégios dos sanguessugas que gravitam aoredor do Estado e que garantam o uso destes recursos públicos unicamente embenefício da população.

Capa:

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Apresentação .....................................................................................................................................3

Em focoReforma ataca servidores e agrada banqueiros...........................................................................................6As principais medidas da proposta do governo Lula....................................................................................8A farsa do rombo.....................................................................................................................................9Projeto de Alckmin é só o começo da reforma em SP...............................................................................11Reforma pode gerar êxodo nas universidades públicas..............................................................................12Modelo de fundos privados é proposta do Banco Mundial...........................................................................13Funcionalismo pode ir à greve em junho...................................................................................................14A reforma que queremos........................................................................................................................14

Entrevistas“Justiça social é distribuir renda, não atacar trabalhadores”

Com Antônio Luís de Andrade (Tato)..............................................................................................16

“O atual governo transita perigosamente próximo ao estelionato com a nação”Com Démerson Dias....................................................................................................................19

ArtigosMitos e falácias: a verdade sobre a Previdência Social Brasileira

Augusto Massayuki Tsutiya...........................................................................................................24

Retomando o debate da reforma da Previdência SocialLaura Tavares Soares...................................................................................................................30

Reforma dos regimes previdenciários dos servidores públicos do Brasilna perspectiva histórica e da experiência internacional

Milko Matijascic e José Olavo Ribeiro............................................................................................36

A reforma da Previdência Social na América LatinaJúlio C. Vergara............................................................................................................................41

Capitalismo dos fundos de pensãoRicardo Bellofiore.........................................................................................................................44

Imagens da luta

ÍndiceÍndice

Em focoEm foco

Por que o servidor tem aposentadoria integral

Reforma ataca servidorese agrada banqueiros

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 20036

No dia 30 de abril, o governoLula enviou ao Congresso Nacionaluma proposta de emenda constitucional(PEC 40) que muda radicalmente o siste-ma de previdência dos servidores públi-cos brasileiros. Por trás dos argumentosde déficit, privilégios etc, está o indis-cutível e avassalador interesse dosbanqueiros nacionais e estrangeiros,principais beneficiários com a criaçãodos fundos de pensão, um mercado quecomeçaria com um público potencial de5 milhões de pessoas.

As propostas contidas na PEC,como mostra texto a seguir, são draconia-nas e conseguem ser piores do que aspretendidas pelo governo FHC em 1998.De uma só tacada, acaba o direito àaposentadoria integrale passa a vigorar umteto de R$ 2.400,00;abre-se espaço para aprivatização da Previ-dência, através da criaçãodos fundos de pensão;estipula-se a contribuiçãopara inativos em 11%; cor-tam-se 30% do valor das pen-sões... entre outras.

O discurso do gover-no petista pode ser sintetizadona frase dita pelo ministro JoséDirceu (Casa Civil), durantedebate sobre a reforma tributá-ria na Assembléia Legislativade São Paulo, no dia 29 demaio. Vaiado pelos funcionáriospresentes, que protestavamcontra a reforma previdenciária,ele disse que “não é ético osservidores lutarem pela manu-tenção desse direitos”. De qualética está falando o ministro?Daquela que permite ao gover-no desviar bilhões de dólaresdo país para encher os bolsosde meia-dúzia de banqueiros,condenando a uma vida miserá-vel dezenas de milhões de bra-sileiros, privados de saláriosdignos, saúde e educação dequalidade, moradia decente,

O projeto encaminhado ao Congresso

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saneamento básico...?A reforma da Previdência come-

çou a aparecer como prioridade do novogoverno logo no início do mandato. Ain-da meio surpresos, os servidores públi-cos brasileiros vêem-se novamente, igual-zinho nos tempos de FHC, como vilões deum déficit que ameaçaria o sistema. Umrombo que, como reconhece o própriogoverno, não existe (leia matéria na pá-gina 9), mas que é usado para sensibilizaros desinformados e cativos dos grandesmeios de comunicação. Na verdade, ogoverno usa boa parte do dinheiro desti-nado à seguridade social (gastos comprevidência, saúde e assistência social)para pagar os juros da dívida pública aos

banqueiros, do jeitinho que exige o Fun-do Monetário Internacional.

Para nós, docentes das univer-sidades estaduais paulistas, o assuntointeressa de perto. Quem não se lembrado tamanho da evasão que Unesp, USPe Unicamp sofreram quando o governoFHC ameaçou impor a reforma? Foramcentenas de pedidos de aposentadoriapor parte de docentes e servidores, atéhoje não respostas, num prejuízo indis-cutível para estas instituições. Na página11, vemos que o governo Alckmin jáenviou à Assembléia Legislativa de SPprojeto que institui a cobrança de 5%sobre os vencimentos do funcionalismoestadual, índice que se soma aos 6% já

pagos ao Ipesp e aos 2% des-tinados ao Iamspe.

Quanto aos de-mais pontos(teto, fundos

privados, co-brança dos inati-

vos), o tucanoprefere esperar a

aprovação da reformafederal, como forma de

facilitar o serviço.

Quem deseja a reformaÉ claro que o rombo na

Previdência, se existisse, nãopoderia ser produto das apo-sentadorias integrais dosservidores, já que estes pa-gam, durante toda a vida,para recebê-las quando seaposentam. Tirá-las dofuncionalismo, portanto,

não resolveria o pro-blema, mas o agrava-ria, pois diminuiria aarrecadação geral daPrevidência.

O problemanão é esse. O que há

por trás da reformasão interesses

poderosos.Pressionadospela crise geral

Da forma como é colocado o debate na imprensa,a impressão que se tem é que os funcionários públi-cos, privilegiados de carteirinha, estariam usufruindode um direito totalmente ilegal. Mas não é nada disso.Não se diz, ou se minimiza, os seguintes fatos:

1) O funcionário público paga 11% do seu saláriointegral a título de contribuição previdenciária. A ex-ceção fica com os militares, que recolhem 7,5%. Otrabalhador privado, por outro lado, também paga11%, mas somente até um determinado teto, atual-mente em R$ 1.561,56. O máximo de contribuição nosetor privado, portanto, é de R$ 171,77, mesmo que otrabalhador receba mais do que o valor do teto. Essadiferenciação dá direito ao funcionário público dereceber a aposentadoria integral, enquanto o privadorecebe, no máximo, R$ 1.561,56.

2) Enquanto as empresas do setor privado reco-lhem para a Previdência, o governo, como emprega-dor público, não o faz, o que se constitui num dosfatores geradores do déficit. Além disso, é público enotório que o governo, ao longo das últimas déca-das, vêm desviando recursos previdenciários paraoutros fins. Isso para não falar na sonegação porparte das grandes empresas.

3) Quando se aposenta, o trabalhador privado podesacar integralmente o seu Fundo de Garantia (FGTS).O funcionário público não tem FGTS.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 7

do capitalismo, alguns setores patronaisquerem que o governo lhes dê garantia denovas fontes de lucros. Neste caso, esta-mos falando dos grandes bancos, muitointeressados em botar as mãos neste ricofilão que é a previdência pública.

A salvação da lavouraDe uma hora para a outra, a re-

forma da Previdência passou a ser decisi-va para a salvação da economia do país.Como disseram vários ministros, findo orombo anual de R$ 70 bilhões que o siste-ma apresentaria, estaria aberto o caminhopara o fim da recessão econômica, a cria-ção de empregos, a melhoria da saúde eda educação... enfim, quase que um ter-ceiro milagre de Fátima. É claro que ahistória real é bem diferente.

De fato, o governo Lula penacom a falta de dinheiro. Mas ele existe. Oproblema é o destino que toma. Os jurose encargos da dívida pública previstosna Lei Orçamentária de 2003 são da or-dem de R$ 93,644 bilhões. É dinheiroeconomizado pelo país para ser enviadodireto aos bolsos de meia dúzia de ban-queiros. Para se ter uma idéia, se a Previ-dência Social não arrecadasse um centa-vo sequer em 2003, esse dinheiro seriasuficiente para pagar todos os benefíci-os do INSS no ano (em 2002, o totalpago pelo Instituto a mais de 16 milhõesde pessoas foi de R$ 92,110 bilhões).

A solução da crise econômica,portanto, dependeria de uma mudança radi-cal na política econômica do governo. Seriapreciso romper o extorsivo acordo com oFundo Monetário e investir os recursosnacionais, oriundos do trabalho de dezenasde milhões de brasileiros, em benefíciospara o conjunto da população. Assim, seriapossível minimizar o problema do desempre-go, atualmente em 20% da população eco-nomicamente ativa, e tirar da informalidademais da metade da classe trabalhadora, quehoje está excluída do regime geral da Previ-dência. O aumento da arrecadação previ-denciária, inclusive, seria gigantesco.

FHC deu os primeirospassos em 1998

Através da aprovação da Emen-da Constitucional 20/98, FHC conseguiudar passos importantes na privatização daPrevidência. A EC 20/98 prevê, por exem-plo, a criação dos regimes previdenciárioscomplementares, tanto para os servido-res, quanto para os trabalhadores da inici-ativa privada. O teto geral do setor priva-do, que era de 20 mínimos, foi reduzidopara 10 e desatrelado do salário mínimo, oque explica a defasagem atual (os R$1.561,00 são bem inferiores a 10 mínimos).

A EC 20/98 também estabeleceuregras de transição para a idade mínima deaposentadoria no setor público. Por estasregras, que o governo Lula pretende extin-guir agora, o servidor público que entrou

antes de 98 pode se aposentar com o be-nefício integral por tempo de contribuição.Este tempo é acrescido de um “pedágio”correspondente a 20% do tempo que faltapara a idade mínima, desde que o servidortenha 53 anos e a servidora esteja com 48anos. Detalhe importante: toda a bancadapetista votou contra a EC 20/98.

FHC também tentou instituir acobrança dos inativos, mas o STF consi-derou a medida inconstitucional.

Como fica o PL 9/99

Diante das derrotas verificadasnas tentativas de 1998, o governo FHCvoltou à carga no ano seguinte e enviouao Congresso o projeto de lei complemen-tar nº 9. O PL 9/99 propunha novamentetodas as medidas tentadas em 98. Mais umavez, o voto contrário da oposição (lideradapelo PT) enterrou as pretensões tucanas.

Antes de enviar ao Congresso asua proposta de reforma da Previdência(PEC 40), o governo Lula ameaçou apro-var o PL 9/99 e liquidar boa parte da fatu-ra. Como a reforma engloba tudo – e umpouco mais – do que há naquele projeto,é possível que o PL seja deixado de lado.

A tramitação da reforma

O governo Lula tem urgência naaprovação da reforma da Previdência,pois se comprometeu com o FMI a fazê-laaté setembro ou outubro. No momento, aproposta (PEC 40) encontra-se na Comis-são de Constituição e Justiça da Câmarados Deputados e já tem parecer favoráveldo relator Maurício Rands (PT/PE). Até omeio de junho, é possível que já estejavotada na CCJ e encaminhada ao plenárioda Câmara. Lá, serão necessárias duasvotações e o quorum mínimo para aprova-ção é de 3/5 dos votos (308 dos 513 votosda Casa). No Senado, também em duasvotações, precisará de 54 dos 81 votos.

1998: com o Plano Real em declarada crise, ogoverno tucano tenta impor as reformas

cobradas pelo FMI, como a da Previdência

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Adunesp mantém site para consultasA Adunesp criou um Grupo de Trabalho (GT) sobre Seguridade Social/Assuntos de Aposentadoria. Este GT é responsável

pela edição de um boletim eletrônico regular, que tem o objetivo de realizar análises, esclarecer dúvidas, acompanhar as votaçõesem Brasília, entre outros. A seção “Perguntas e respostas” traz uma parte das dúvidas que chegam por e-mail. Se você quer esclarecimentos

gerais ou específicos, por parte da assessoria jurídica do Sindicato, mande um e-mail para

[email protected]

Também poderão ser enviadas mensagens aos parlamentares. Para isso, basta encaminhá-las aos seguintes endereços:

[email protected] [email protected] [email protected]

Cadernos Adunesp - Nº 2 - Agosto 20028

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LA 1) Instituição do teto deR$ 2.400,00

A proposta do governo unifica os dois sistemas dePrevidência no país – servidores públicos e traba-lhadores privados – e estabelece um teto único paratodos de R$ 2.400,00. Para receber mais do que isso,os funcionários terão que contribuir para fundos deprevidência complementar.

Teto atual (inic. privada) = R$ 1.561,00 Contribuição máxima de R$ 171,77

Teto unificado (depois da reforma) = R$ 2.400,00Contribuição máxima de R$ 264,00

Como ficam os servidores

Para os que entrarem no serviço público após a refor-ma, vale a íntegra da medida. Aos que estão no serviçopúblico e já completaram as exigências para se apo-sentar ou o farão antes da aprovação da reforma, oministro da Previdência, Ricardo Berzoíni, afirma queterão os direitos respeitados (integralidade). Para osque completarem o tempo somente após a aprova-ção, a situação é mais confusa e dependerá da apro-vação das regras de transição em leis complementa-res futuras. Ao que tudo indica, não haverá nenhumtipo de compensação, por parte do governo, àquelesque contribuíram por algum tempo (podem ser 10,15 ou 20 anos, por exemplo) sobre a remuneraçãointegral, o que se caracterizaria num estelionato.

2) Fundos complementaresA Previdência contará com dois regimes:

Geral: Trata-se do regime de repartição, com teto deR$ 2.400,00 e máximo de contribuição de R$ 264,00.Todos contribuem para um fundo global público, quegarante o pagamento.

Privado: Trata-se do regime de capitalização. Parater um benefício superior ao teto, o trabalhador teráque pagar aos fundos complementares.

3) Inativos contribuirãoAtualmente, aposentados e pensionistas não contri-buem para a Previdência, uma vez que fizeram issodurante toda a vida laboral. Pela reforma, todos osinativos (tanto os que já estão aposentados, quantoos que o farão no futuro), passam a contribuir com11% de seu benefício.Isenção – Será taxada a parte do salário que excederR$ 1.058,00 (atual limite de isenção do IR).

4) Sobe a idade mínimaA idade mínima de aposentadoria para o funciona-lismo público passa dos atuais 48 para 55 anos (mu-lheres) e de 53 para 60 anos (homens). O argumentodo governo é que a expectativa de vida da populaçãoestá aumentando, o que pode inviabilizar o sistemano futuro. Ou seja, paga-se por viver mais (!).

Para quem vale a medida

Para todos os que entraram no serviço público até1998. Para os demais, já está valendo o limite deidade de 55 e 60 anos.

5) Quem se aposentarantes da idade mínima,

terá benefício menorMesmo após a aprovação da reforma, ainda serápossível se aposentar antes de completada a idademínima, mas haverá perda nos benefícios. Para cadaano que faltar, haverá uma redução de 5% (podendochegar ao máximo de 35% de desconto).

Para quem vale a medida

Para todos os servidores públicos (futuros e atuais).

6) Cômputo de tempona iniciativa privada

Para os servidores que têm tempo na iniciativa pri-vada, o cálculo será proporcional, levando em contaas regras do INSS (teto).

Para quem vale a medida

Para todos os servidores públicos (futuros e atuais).

7) Redução de 30%no valor das pensões

As pensões a cônjuges e filhos serão reduzidas em30% em caso de morte do(a) servidor(a).

Para quem vale a medida

Somente para as pensões concedidas após a apro-vação da reforma.

8) Militares estão de foraOs militares não estarão sujeitos ao teto de R$ 2.400,00 e continuarão recebendo benefício integral. Asalterações que ainda podem ser propostas pelo governo são as seguintes: fim da pensão vitalícia para filhassolteiras (as que já recebem, não perdem), elevação da contribuição atual de 7,5% para 11%, contribuiçãode 11% para os inativos.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 9

O maior argumento utilizadopelo governo Lula para justificar a ne-cessidade de reforma da PrevidênciaSocial é a existência de um pretensorombo no sistema. Embora os númerosmudem ao sabor da ocasião, os maisconhecidos são aqueles que indicam umburaco de R$ 70 bilhões, sendo R$ 53 birelativos aos gastos com servidorespúblicos e R$ 17 bi com o setor privado.

Nos dias 24 e 25 de maio, duran-te o seminário “A Reforma da Previdên-cia”, promovido pelo PT e Fundação Per-seu Abramo, esse debate gerou polêmica.Rosa Marques, da PUC/SP, foi contun-dente ao afirmar que, somando INSS eaposentadoria dos servidores públicos, osuperávit do sistema foi de R$ 15 bilhõesem 2002. Sulamis Dain, da UERJ, outradas expositoras presentes, disse que, “aolongo dos últimos anos, a receita da se-guridade tem sido mais que suficientepara financiar os gastos do regime geral,os de assistência social, os pagamentosde inativos daUnião, o orçamentodo Ministério daSaúde e ainda gerara metade do superá-vit primário do go-verno federal”.

Rosa eSulamis baseiam-seem estudos elabo-rados anualmentepelo Sindicato dosAuditores da Re-ceita Federal (Una-fisco). A entidadeprova, com dadosirrefutáveis, que ovolume de recursos destinados à segu-ridade social (veja na página seguinte)é mais do que suficiente para bancar osgastos da Previdência... e ainda sobramuito dinheiro.

De acordo com estudos do Insti-tuto Brasileiro de Planejamento Tributário

Governo reconhece quesistema é superavitário, masaposta na desinformação

(IBPT), como mostraquadro abaixo, aarrecadação globaldos tributos desti-nados à segurida-de social em 2002foi de R$ 174.949bilhões. Como setrata de contribui-ções e impostosque saem direta ou indiretamente do bol-so dos cidadãos, o IBPT chegou à con-clusão que, no ano passado, cada brasi-leiro pagou o equivalente a R$ 1.000,00para financiar a seguridade social.

“É às custas dos recursos quedeveriam ser destinados à classe maispobre da população que o governo man-tém parte do superávit primário”, avaliaIsabel Vieira, diretora de Estudos Técni-cos da União Nacional dos Agentes Fis-cais de Tributos Federais/Unafisco, ementrevista concedida ao jornal Brasil deFato (maio/2003).

E nem mesmo o governo é capazde rebater os estudos do Unafisco. Tam-bém presente ao seminário, o ministro daCasa Civil e ex-presidente do PT, JoséDirceu, foi claro: “É verdade que, se ogoverno não pagasse os juros da dívida,haveria superávit da Previdência. Essa

avaliação já nos foi mostrada há dez anosatrás pela Unafisco. Mas, como fazemospara reduzir o gasto com juros?”

O próprio Dirceu tentou respon-der a charada: “As dívidas interna eexterna não têm solução política, na atualconjuntura internacional e na forma queganhamos a eleição, com as coligaçõesque fizemos.”

Em um único aspecto, o ministrotem razão. O problema, longe de ser mate-mático, é político. O governo Lula, contra-riando as expectativas de dezenas demilhões de brasileiros, mantém a política

econômica de seu ante-cessor, qual seja a deatender aos interessesdos grandes gruposeconômicos imperialis-tas. O maior deles,como se sabe, são osbancos credores daeterna dívida públicabrasileira. O superávitprimário (tudo o que opaís economiza parapoder pagar os juros dadívida) foi aumentadopara 4,25% do PIB logono início do governo.Compor esse superávit

e agradar ao FMI e aos banqueiros requermuito jogo de cintura, o que inclui desviarrecursos da seguridade social, arrocharos salários do funcionalismo, cortar gas-tos públicos etc etc. Uma receitinha queFHC conhecia muito bem.

Como se vê, o governo Lula sabe

A arrecadação dos tributos vinculados à seguridade social em 2002

EM R$ BILHÕES

TRIBUTOS 2001 2002 % CRESC.

COFINS 46,364 52,266 12,73%CSSL 9,366 13,363 42,68%PIS 11,396 12,870 12,93%CPMF 17,197 20,368 18,44%INSS 62,492 76,082 21,75%TOTAIS 146,815 174,949 19,16%

Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

A farsa do rombo

Governo reconhece quesistema é superavitário, masaposta na desinformação

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200310

que não há rombo na Previdência, mas apos-ta na desinformação da maioria da popula-ção. Para isso, conta com a providencialajuda dos grandes meios de comunicação.

Constituição de 88 crioutributos para bancara seguridade social...

A Constituição Federal de 1988 de-termina que uma série de tributos – algunsnovos, outros já existentes – sejam exclusi-vamente utilizados para bancar os gastospúblicos com a chamada seguridade social,que compreende não só a Previdência, mastambém a saúde e a assistência social. É ocaso da CPMF, da Cofins e de outros, alémdos recursos obtidos diretamente com a con-tribuição dos trabalhadores. Como mostraquadro produzido pelo Instituto Brasileiro dePlanejamento Tributário (página anterior),eles somaram R$ 174,949 bilhões em 2002.

... mas FHC deu um jeitinho na leiQuando ainda era ministro da Fa-

zenda no governo Itamar Franco, FernandoHenrique Cardoso enviou ao Congresso aProposta de Emenda Constitucional do Fun-do Social de Emergência (FSE). A idéia eragarantir, legalmente, que o governo utilizassea maior parte dos recursos da seguridade so-cial para outros fins, principalmente para opagamento dos juros da dívida interna e ex-terna aos banqueiros. A PEC foi aprovada,embora toda a bancada do Partido dos Tra-balhadores tenha votado contra. Algunsanos depois, o FSE mudou de nome epassou a se chamar Desvinculaçãode Recursos da União (DRU), massua função continua a mesma.

Déficit no setorprivado também

é fraude

E não é só em rela-ção à Previdência do funcio-nalismo público que o go-verno manipula os dados. Omesmo ocorre com o setorprivado. O tal rombo na Pre-vidência dos trabalhadoresprivados (os R$ 17 bilhões),jamais poderia ser considera-do como tal. Ocorre que aConstituição de 88 instituiu a cha-mada Previdência Rural, garantindo opagamento de uma salário mínimo de apo-

sentadoria, pelo menos, a todos os traba-lhadores rurais. Obviamente, não foi ne-nhuma generosidade, mas uma forma deanistiar os latifundiários, que não registra-vam a maioria dos seus empregados.

A medida, de caráter eminentemen-te social, colabora para minimizar a miséria nocampo. Seria uma espécie de programa socialde renda mínima rural e, portanto, não pode-ria ser caracterizada como rombo.

Governo não entra coma sua parte

Os números apresentados porvárias instituições idôneas, como o Una-fisco, e que sequer são rebatidos pelogoverno, poderiam ser ainda mais contun-dentes. Em outras palavras, poderia so-brar muito mais dinheiro na PrevidênciaSocial. Bastaria, por exemplo, que o go-verno entrasse com a sua parte no siste-ma. Como se sabe, os patrões da iniciati-va privada (aqueles que não sonegam)são obrigados a recolher na proporção de2 X 1. O governo – federal, estaduais oumunicipais – não faz isso.

De acordo com o Boletim Esta-tístico de Pessoal do Ministério do Plane-jamento, publicado em outubro de 2003, aUnião paga anualmente R$ 36,5 bilhõesem salários, R$ 20,3 bi em aposentadoriase R$ 9,8 bi em pensões. Somando-se apo-sentadorias e pensões, temos um total debenefícios na ordem de R$ 30,1 bilhões.

Se fizesse a sua parte, o governo federaldeveria recolher R$ 8 bilhões.

Esse montante poderia ser bas-tante superior se o governo federal (desdea época de Collor) não viesse enxugandosistematicamente o quadro de funcionáriospúblicos, através de demissões, PDVs (osprogramas de demissão voluntária), da nãoreposição de aposentadorias etc.

Além disso, nas últimas déca-das, boa parte dos recursos da Previdên-cia foi desviada para obras como a cons-trução de Brasília, a rede de hidrelétricas,a Ponte Rio Niterói, Companhia Siderúrgi-ca Nacional (CSN) etc. O detalhe é que amaioria destas obras foi privatizada du-rante o governo FHC, vendidas a preçode banana para o capital privado.

Isso sem falar nasonegação

No dia 14/5, o ministério da Pre-vidência divulgou a lista dos devedoresdo INSS, com 176.790 nomes, entre pes-soas físicas e jurídicas. O maior devedor éa Transbrasil Linhas Aéreas, com umadívida de R$ 409 mi. A Varig deve R$373,2 mi. A dívida total chega a R$ 153 bi.

Démerson Dias, coordenadorexecutivo da Fenajufe e Sintrajud (Federa-ção Nacional e Sindicato Paulista dosJudiciários Federais), ressalta que a listado calote é maior ainda. “Não estão sen-do computados aqueles que se antecipa-ram e entraram no Refis”, diz ele, referin-do-se ao programa de refinanciamento dadívida, oferecido pelo governo em condi-

ções ultrafavoráveis aos devedores.O mais irônico é que dez dos

maiores caloteiros fazem parte doConselho de DesenvolvimentoEconômico e Social (Codes), quevem assessorando Lula na elabo-ração das reformas, em sua mai-oria banqueiros e empresários.Juntos, devem algo em tornode R$ 1,4 bilhão. São eles: Ro-ger Agnelli (Vale do Rio Doce),Roberto Setúbal (Banco Itaú),Fernando Xavier Ferreira (Tele-fônica/Telesp), Miguel JorgeFilho (Santander/Banespa),Márcio Artur Cypriano (Bra-desco), Luiz Fernando Furlan

(Sadia), Daniel Feffer (Cia Suza-no de Papel e Celulose), Fábio

Colleti Barbosa (ABN Amro Bank/Real), José Cutrale (Sucocítrico Cutra-

le) e Alain Juan Pablo Belda (Alcoa).Se você não se deu conta... Luiz

Fernando Furlan é o ministro do Desen-volvimento, Indústria e Comércio Exterior.

41 milhões detrabalhadores

estão no mercado informal e, portanto, nãocontribuem para a Previdência. A inserção

deste contingente (54% da População Economicamen-te Ativa) praticamente dobraria a arrecadação do siste-

ma com contribuições.

20,6%foi o índice de desempregados em abril/2003, medido pela Fun-dação Seade/Dieese. Só na Grande São Paulo, corresponde a1,94 milhão de pessoas. A queda nos altos juros (26,5%), polí-tica mantida pelo atual governo a pedido dos especuladoresestrangeiros, poderia impulsionar a retomada do crescimento

econômico e a geração de empregos. A aplicação emterritório nacional do que é pago aos banqueiros a

título de serviços da dívida pública(para 2003, a previsão é de R$ 93,644bilhões) também poderia gerar empre-

gos e aumentar, de forma gigantesca, osrecursos da Previdência.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 11

O governador de São Paulo,Geraldo Alckmin, enviou à AssembléiaLegislativa, no dia 20 de maio, um projetoque institui a cobrança previdenciária dosservidores em 5%. A intenção é que este-ja aprovado, no máximo, em 45 dias.

Atualmente, o servidor paulistacontribuiu com 6% para o Ipesp, valordirecionado para o pagamento de pensões,e com 2% para o Iamspe, a título de assis-tência médica. Somando-se as atuais taxascom os 5%, o desconto total irá para 13%.

Apoiando-se na informação deque haveria um déficit de R$ 7,5 bilhões naPrevidênciapaulista, Alck-min deixa claroque a medida ésó o começo dareforma previ-denciária emSão Paulo. Ementrevista aojornal O Estadode S. Paulo (21/5/2003), o se-cretário da CasaCivil, ArnaldoMadeira, disseque o governoestadual apostana aprovação da reforma do governo fede-ral para completar a carga. “Aprovada areforma em Brasília, nós voltaremos aotema com segurança, porque ela abre ou-tras possibilidades para as previdênciasestaduais. Aí, então, serão discutidosassuntos como a taxação dos inativos e osfundos de pensão.”

Para evitar uma corrida à apo-sentadoria, o projeto encaminhado à As-sembléia Legislativa oferece uma “vanta-gem” ao servidor que já reunir condiçõespara deixar a ativa. Quem atingir o tempode serviço obrigatório, mas quiser conti-nuar trabalhando até os 70 anos, estaráisento da taxa de 5%.

De acordo com Madeira, o esta-do possui, hoje, 1,028 milhão de servido-res, sendo 597 mil na ativa, 245 mil inati-vos e 186 mil pensionistas.

Em São Paulo

Covas tentou em 99O projeto apresentado por Alck-

min resgata parte da proposta que o ex-governador Mário Covas tentou imple-mentar em 1999 e que foi amplamenterepudiada pelo funcionalismo. Váriasmanifestações, que chegaram a reunir 50mil servidores em frente ao Palácio dosBandeirantes, fizeram-no recuar.

A proposta de Covas previacontribuições que chegavam a 25%, nocaso do pessoal da ativa, e instituía acobrança para os inativos. Também abriaespaço para a criação dos fundos comple-

mentares priva-dos. Além dareação dos ser-vidores, o entãogovernadorlevou em contaa manifestaçãodo SupremoTribunal Federalem relação àproposta dereforma no âmbi-to federal, enca-minhada porFHC. O STFconsiderou in-

constitucional a cobrança dos inativos.

Dirceu quer enquadrarbancada petista em SP

Diante da ameaça de parte dabancada petista na Assembléia Legislati-va de São Paulo, de dificultar a aprovaçãodo projeto enviado por Alckmin, o gover-no federal decidiu intervir diretamente naquestão. O ministro da Casa Civil, JoséDirceu, já se reuniu com os deputados nodia 29 de maio, para “puxar a orelha” doscompanheiros. Queixoso, o tucano Arnal-do Madeira disse-lhe: “O PSDB vai votaras reformas federais, estamos mantendo acoerência. O que não dá para fazer é comoo PT está fazendo: defende em Brasília areforma da Previdência e aqui, na Assem-bléia Legislativa paulista, não” (Jornal daTarde, 29/5/2003).

Projeto enviado à ALé só o início da reformaProjeto enviado à ALé só o início da reforma

Alckmin e Lula: propostas idênticaspara confiscar o funcionalismo

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Confira a íntegra doprojeto de Reforma daPrevidência Estadual

“Institui contribuição previdenciária paracusteio de aposentadoria dos servido-res públicos e de reforma dos militaresdo Estado de São Paulo, e dá outras pro-vidências correlatas.

Artigo 1º - Fica instituída contribuiçãoprevidenciária mensal destinada ao cus-teio de aposentadoria e reforma, nos ter-mos desta lei complementar.

Artigo 2º - São contribuintes obrigatórios:

I - os servidores públicos da Administra-ção direta, do Poder Legislativo, do Po-der Judiciário, do Ministério Público e doTribunal de Contas do Estado;

II - os servidores das autarquias, inclu-sive as de regime especial, não submeti-dos ao regime da Consolidação das Leisdo Trabalho;

III - os membros da Magistratura e doMinistério Público, bem como os Conse-lheiros do Tribunal de Contas do Estado;

IV - os militares do Estado;

V - os servidores pertencentes aos Qua-dros Especiais instituídos pelo artigo 7ºda Lei nº 10.430, de 16 de dezembro de1971, pelo artigo 7º da Lei nº 119, de 29de junho de 1973, e pelo artigo 3º da Leinº 6.470, de 15 de junho de 1989;

VI - os servidores extranumerários deque trata o artigo 324 da Lei nº 10.261,de 28 de outubro de 1968;

VII - os servidores regidos pela Lei nº500, de 13 de novembro de 1974;

VIII - os servidores em disponibilidade.

Parágrafo único - Na hipótese de acu-mulação remunerada, a contribuição serádevida em relação a cada um dos cargosou das funções-atividades ocupados.

Artigo 3º - O custeio das aposentadoriase das reformas será atendido pela con-tribuição previdenciária mensal dos con-tribuintes obrigatórios indicados no arti-go 2º desta lei complementar.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200312

Artigo 4º - A contribuição previdenciáriamensal de que trata esta lei complementarcorresponderá à alíquota de 5% (cincopor cento) sobre o valor constituído porvencimentos ou salários, vantagens pes-soais e demais vantagens de qualquernatureza, incorporadas ou incorporáveis,excetuados o salário-esposa, o salário-família, as diárias, as ajudas de custo, oauxílio-transporte e a gratificação pelaprestação de serviço extraordinário.

§ 1º - O décimo-terceiro salário será con-siderado para fins de incidência da con-tribuição a que se refere esta lei com-plementar.

§ 2º - Para os casos de acumulaçãoremunerada, considerar-se-á, para finsde contribuição, o somatório das remu-nerações percebidas, observado o dis-posto no ‘caput’ deste artigo.

Artigo 5º - A contribuição de que trataesta lei complementar será recolhida nadata do pagamento dos vencimentos ousalários, mediante desconto mensal nafolha de pagamento.

§ 1º - O contribuinte deverá recolherdiretamente a contribuição quando:

1 - deixar, por qualquer motivo, tempo-rariamente, de perceber vencimentosou salários;

2 - afastar-se do cargo ou da função-atividade, com prejuízo de vencimentosou de salários, para exercer mandatoeletivo municipal, estadual ou federal,nos termos do artigo 38 da ConstituiçãoFederal e do ‘caput’ do artigo 125 daConstituição Estadual.

§ 2º - Nas hipóteses mencionadas noitem 2 do parágrafo anterior, a alíquotaincidirá sobre a remuneração relativa aocargo ou à função-atividade de que ocontribuinte é titular.

Artigo 6º - Os recursos provenientesda contribuição instituída por esta leicomplementar serão destinados ao Te-souro para compor o custeio dos pro-ventos das aposentadorias dos servi-dores públicos e das reformas dos mili-tares do Estado.

Artigo 7º - Os recursos de que trata estalei complementar serão consignadoscomo receita no orçamento do Estado.

Artigo 8º - Esta lei complementar entraem vigor na data de sua publicação, pro-duzindo efeitos após decorridos 90 (no-venta) dias da data da publicação.

Disposição Transitória

Artigo único - O servidor abrangido poresta lei complementar, que tenha com-pletado as exigências para a aposenta-doria voluntária ou vier a completá-las,de acordo com a legislação vigente, eque permanecer em atividade no servi-ço público, ficará isento do pagamentoda contribuição previdenciária até a datada aposentadoria compulsória.”

Geraldo Alckmin

Em 1998, quando Fernando Hen-rique Cardoso anunciou a intenção dedesfigurar a previdência dos servidores, oserviço público sofreu uma verdadeiraavalanche de pedidos de aposentadoria.

Nas universidades públicas, quejá vivem uma falta crônica de pessoal, asituação foi ainda mais grave. Na Unesp,por exemplo, como mostra estudo da pró-pria instituição (“Diagnóstico da situaçãoprevidenciária na Unesp”), aquele anoregistrou um pedido recorde de aposenta-dorias: 203 docentes e 370 servidorestécnico-administrativos (veja no quadro).

A nova tentativa de reforma,desta vez sob a batuta do governo Lula,volta a espalhar o pânico. Com pontosconsiderados ainda mais draconianos doque os pretendidos por FHC, a propostaatual deixou dúvidas por todo lado. Temgente que ainda não conseguiu acumulartempo suficiente para obter o benefíciointegral, mas pensa em se aposentar pro-porcionalmente para “perder menos”. Ou-tros, que já atingiram os pré-requisitos àaposentadoria, mas que gostariam de ficarna ativa por mais tempo, não sabem o quefazer. Embora o ministro da Previdência,Ricardo Berzoíni, diga que os direitos ad-quiridos serão respeitados, a forma como oatual governo vem atacando os servidoresdeixa sérias dúvidas no ar.

No dia 28 de maio, diretores daAdunesp estiveram reunidos com o pró-reitor de Administração, professor Rober-to Bazilli, na tentativa de obter mais infor-mações sobre a situação na Universidade.Bazilli informou que o levantamento dis-ponível na reitoria, até 30 de abril, é de310 aposenta-dorias para ocorpo docentee 400 para ostécnico-admi-nistrativos. Eledisse, ainda,que não háprevisão dereposição des-sas aposenta-dorias, mas que“a reitoria está

Ameaça ao ensino público

Reforma pode gerar êxodonas universidades públicas

aguardando os acontecimentos para to-mar providências”.

Nas outras universidadesNa USP, de acordo com uma

contagem recente, 1.005 docentes têmtempo de serviço necessário para se apo-sentar. A situação é considerada maiscrítica na Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas (FFLCH), onde a esti-mativa é de que 27% dos 360 professoresestejam em condições de sair da ativa.

Na Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ), que já computa umdéficit de 500 docentes, 800 dos 3.200professores têm mais de 55 anos e reúnemcondições de requerer o benefício. NaUFMG, 27% dos 2.400 docentes estão emigual situação.

Caos anunciadoA política do governo anterior em

relação ao ensino superior público – queparece estar sendo seguida pelo atual –foi de sucateamento das universidades.Ainda que menos grave, a situação nasestaduais paulistas também é preocupante.O arrocho salarial e as condições cada vezmais precárias de trabalho desestimulam acarreira e dão munição para que a concor-rência privada atraia os bons profissionais.Somado à política de não contratação,esse quadro leva a um déficit crescente deprofessores e técnico-administrativosqualificados. Agora, com a nova ameaçade reforma e retirada de direitos consagra-dos, como a aposentadoria integral, umnovo êxodo pode acontecer.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 13

A economista Laura Tavares, daUniversidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ), explica que a proposta de privati-zação da previdência pública não é frutoda criatividade do governo brasileiro. Aidéia dos fundos de pensão para saláriosmais altos, primeiramente aplicado nosEstados Unidos e Chile, foi sugerida peloBanco Mundial, em 1994.

A íntegra da proposta constano documento “Envelhecimento semcrise: políticas de proteção dos idosos epromoção do crescimento” e prevê umaaposentadoria básica para os pobres,paga pelo governo. Para aqueles querecebem salários maiores, a solução écolocar seu dinheiro em fundos comple-mentares privados, que o aplicariam nomercado financeiro, revertendo-o para asaposentadorias no futuro.

“O problema é que, nos EUA,por exemplo, há 40 milhões de pessoasque não são pobres o suficiente paraserem atendidas pelo governo, mas nãotêm dinheiro para recorrer aos fundos”,diz Sulamis Dain, também economista daUERJ. Ela lembra que, no Chile, “que écitado como exemplo de sucesso dosfundos de pensão, na verdade o governotem que injetar dinheiro para pagar asaposentadorias privadas”. A economistatambém ressalta o caso dos vizinhos ar-gentinos. “A Argentina está sem dinheiropara pagar as aposentadorias.”

Laura Tavares, uma das articulis-tas presentes nesta edição dos CadernosAdunesp, informa que apenas oito paíseslatino-americanos ainda não realizaram areforma, entre eles o Brasil, a Venezuela eo Equador. Estudiosa do caso chileno, elacomenta que o modelo de capitalizaçãodaquele país foi inaugurado nos anos 80,ainda durante a ditadura Pinochet. “Osistema é, hoje, amplamentecriticado, tendo emvista os inúmerosproblemas de sus-tentação financeira;os altos custos detransição e de admi-nistração do sistema – sem-pre penalizando os cofres públicos; as

A origem

Modelo dos fundos privadosé proposta do Banco MundialModelo dos fundos privadosé proposta do Banco Mundial

baixas taxas de reposiçãoquanto se trata de traba-lhadores de baixos salári-os; e o seu caráter exclu-dente, mantendo uma co-bertura muito baixa dapopulação ocupada”. Lau-ra estima que o processode transição de um regimepara o outro tenha custa-do aos cofres públicoscerca de 25% do Produto

la como eles gostariam.No dia 6 de maio, os austríacos pro-

tagonizaram o maior protesto trabalhista dahistória do país. Quase toda a Áustria paroucontra a proposta de reforma previdenciáriaque, em alguns casos, corta até 30% dosbenefícios pagos. As medidas incluem a pe-nalização dos chamados “aposentados pre-maturos”, que param de trabalhar antes dos60 anos. A aposentadoria integral seria re-servada apenas para quem a solicitasse aos65 anos (homens) e 60 (mulheres).

A França viveu situação seme-lhante menos de uma semana depois. Nodia 13, mais de 200 passeatas e outras ma-nifestações sacudiram as 70 maiores cida-des do país. A proposta de reforma previ-denciária do governo retira, em 82 artigos,uma série de direitos adquiridos pelos tra-balhadores, principalmente os do serviçopúblico. Entre as principais mudanças, estáo aumento do tempo de contribuição detodos os trabalhadores para 40 anos, uni-formizando a previdência dos setores pú-blico e privado. A idade mínima para a ob-tenção do benefício passaria para 60 anos.O tempo de contribuição deve ser progres-sivo, passando para 41 anos a partir de 2010

e para 42 depois de 2020.Diante da reação vigorosa

dos trabalhadores, os governosdestes dois países encontram-senum impasse. Embora não te-

nham desistido da reforma, pro-curam cooptar as lideranças sindi-

cais para amenizar a resistência popu-lar. Muitos capítulos ainda estão por vir.

Interno Bruto (PIB) chileno.“O risco de receber um benefício

muito baixo não afeta somente os traba-lhadores pobres como também o Estado,que tem que conceder um benefício assis-tencial à grande maioria deles para com-plementar sua aposentadoria, posto que acapitalização dos fundos não é suficientesequer para pagar a aposentadoria míni-ma”, finaliza a economista da UERJ.

Na França e na Áustria,milhões nas ruas contra a

reforma da seguridade

Assim como no Brasil, a propos-ta gestada no Banco Mundial vem sendotentada em vários países. Com a crise mun-dial do capitalismo, que atinge, também,os países mais ricos, setores da classe do-minante começam a pressionar os gover-nos das várias nações para encontrar no-vos nichos de lucro fácil. Neste quadro, apolítica dos governos ruma para a mesmadireção: jogar a conta na mesa dos traba-lhadores. Mas a parada não é tão tranqüi-

�O processo de transição de um regimepara o outro no Chile custou aos cofres

públicos cerca de 25% do PIB.�

Cadernos Adunesp - Nº 2 - Agosto 200214

Reação

Funcionalismo públicopode ir à greve na segundaquinzena de junho

Funcionalismo públicopode ir à greve na segundaquinzena de junho

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A reforma da Previdência diz respeito à vida de milhões de brasileiros. Sefor aprovada, significará uma grande retirada de direitos duramente conquistados,além de uma gigantesca transferência de recursos públicos para o setor privado, nocaso, os bancos que pretendem gerir os fundos de pensão.

A única possibilidade de impedir que aconteça é a mobilização e a luta dostrabalhadores. Nos dias 14 e 15 de maio, várias categorias do funcionalismo públicopararam no país, em protesto contra a reforma. A greve foi mais forte nasuniversidades federais (80%), no INSS, no poder Judiciário e entre os funcionáriosda Receita Federal, mas atingiu dezenas de outros segmentos.

O calendário aprovado na última plenária nacional dos servidores públicosfederais prevê a realização de uma nova plenária nos dias 2 e 3 de junho, em São Paulo; uma marcha a Brasília no dia 11;seminário sobre a reforma das três esferas (federais, estaduais e municipais) no dia 12; nova plenária nacional em 14 dejunho e greve por tempo indeterminado na segunda quinzena.

A reforma que queremos

1) Ampla auditoria nas contas da Previdênciapara levantar os responsáveis pelos desvios de recursos do sistema e a lista comple-

ta dos sonegadores. Ressarcimento dos cofres públicos.

2) Unificação dos sistemas público e privadocom aposentadoria integral para todos os trabalhadores do país.

3) Fim do Fator Previdenciáriocriado por FHC e imposto aos trabalhadores privados.

4) Correção dos benefícios pagosdos trabalhadores privados (a maioria ganha salário mínimo).

5) Inserção dos trabalhadores informaisao sistema (54% da População Economicamente Ativa).

6) Nenhuma cobrança dos inativosque já pagaram, ao longo de sua vida laboral, pelo direito ao benefício.

Se você leu com atenção os textos anteriores, viu que a reforma proposta pelogoverno Lula visa unicamente utilizar a Previdência como fator de ajuste do déficit fiscal,alimentado pela dívida pública interna e externa. Ou seja, transferir um volume gigantescode recursos dos trabalhadores aos interesses privados, particularmente os dos banquei-

ros. Também defendemos uma reforma da Previdência, mas sobre as seguintes bases:

7) Gestão democrática da Previdênciacompartilhada com os trabalhadores, com acesso integral aos seus números e movimentações.

Cadernos Adunesp - Nº 2 - Agosto 2002 15

EntrevistasEntrevistas

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200316

Adunesp – O presidente Lula foi eleito com53 milhões de votos e sob grande expec-tativa da classe trabalhadora brasileira.No entanto, o que se vê, pouco tempoapós a posse, é a implementação de umalinha econômica igual a de FHC e a tenta-tiva de implementar reformas totalmenterepudiadas na época do governo anterior.Como você vê isso?

Tato – Na realidade, como vêm afirman-do alguns ministros do governo Lula, oprograma de governo apresentado nacampanha eleitoral játrazia, de maneira cla-ra, propostas que es-tão sendo apresenta-das e implementadasagora. Isso sem falarna aliança com seto-res da direita, que le-vou à vice-presidên-cia um dos maioresempresários do país,e da enigmática e es-tranha liberalidade deespaço dado ao PTpela grande imprensa.Creio que não seriadespropositado pen-sarmos que Lula eraa bola sete na estra-tégia e na engenhariapolít ica de setorespoderosos da classedominante. Lula poderia ser a figura for-te e emblemática o suficiente para “refor-mar” o desgastado neoliberalismo de

�Justiça social é distribuir renda,não atacar os trabalhadores�

FHC. Ele, na verdade, era a figura chavena composição do quebra-cabeças daengenharia política, configurando umaforte coalizão de classes capaz de imple-mentar novas reformas e concluir aque-las que o governo anterior não havia con-seguido. Por outro lado, é inegável quehavia uma expectativa no seio dos traba-lhadores, das classes médias, de que ogoverno Lula pudesse apresentar uma al-ternativa de política econômica e socialdiferente do que fez o governo FHC. Nes-se marco, há um conjunto de lideranças,

não só Lula, tantona América Latinacomo na Europa,que construíramsuas vitórias eleito-rais sobre essa es-perança por mudan-ças. Infelizmente, láfora essas lideran-ças deram conse-cução e aprofunda-ram as polít icaschamadas neolibe-rais, concluindo re-formas que a direi-ta não conseguiufazer. Uma análiseracional das medi-das que vêm sendoadotadas pelo atu-al governo sinalizaa manutenção da

política neoliberal. Só que, agora, o novogoverno desfruta de uma credibilidadeque FHC não mais possuía.

Adunesp – E por que FHC terminou o man-dato praticamente sem credibilidade?

Tato – A falta de credibilidade se dava pordois fatores. Primeiro, FHC não desfrutavamais de um conjunto de forças políticas quefosse capaz de romper as resistências quehavia no interior do Congresso Nacional.E, segundo, o crescimento e a organizaçãoda ação política dos movimentos sociais,principalmente o sindical. Nessa nova con-juntura, em tempos de governo Lula, muitagente deve estar se sentindo entre doismundos. Há uma clara disputa pelo movi-mento sindical. Há uma deliberada tentati-va de influir em suas deliberações e priori-dades. Há, inquestionavelmente, uma táci-ta adesão de muitas lideranças às políticase diretrizes do atual governo e isso atinge omovimento social e sindical em cheio. Mui-tas lideranças, hoje, estão em cargos deconfiança na administração pública, o quefaz toda a diferença e abre espaço para mi-nar resistências. Temo por um sindicalismochapa branca. Por outro lado, já podemosperceber em muitas lideranças e entre pes-soas que tinham esperança de que haveriamudanças o sentimento de alguém que re-cebeu um cheque sem fundos, descobriuque a assinatura era falsificada e está ame-açado de ser processado porque o chequeera roubado. Eu diria que, pela expectativaque muitos tinham na mudança, o quadroatual poderia ser caracterizado, no mínimo,como de estelionato eleitoral.

Adunesp – O governo Lula está fazendoum esforço gigantesco para aprovar tais

AntônioLuís de

Andrade(Tato)

Não se diz paraa população que esses“privilégios” são leis,

direitos que foramconquistados e que

não podem serrevertidos. Os marajás

da Previdênciacontinuarão

por longos anosna folha do

Estado.

Para o presidente da Adunesp e 2ºtesoureiro do Andes, Antônio Luís deAndrade (Tato), a tentativa dereformar a Previdência acontece nomomento em que o governo atual estáterminando de fazer a chamadablindagem institucional e econômicado neoliberalismo. Ele enumera comoexemplos, também, a autonomia doBanco Central, a manutenção dosacordos internacionais, o aumento dataxa de lucratividade e de acumulaçãoem nosso país, entre outros. “Acho queé possível barrar a reforma, mas, paraisso, teremos que colocar milhões depessoas nas ruas”, considera.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 17

reformas, inclusive instituindo um clima deinquisição dentro do partido, perseguindoparte da esquerda. Como você vê isso?

Tato – Esse clima de inquisição dentro dopartido já se dá há um bom tempo. Há umaespécie de força política de ferrenho matizstalinista, que é o principal instrumento uti-lizado pelo governo para quebrar o moralaté daqueles que possam pensar em resis-tir. E é aí que entra, estrategicamente, a po-sição do Lula, na implementação das refor-mas que não foram feitas por FHC. Há al-gum tempo, César Benjamin publicou umartigo na revista Caros Amigos, que se ini-cia perguntando ao leitor: “Quanta verda-de você pode agüentar?”, citando Nitzche.Neste artigo, ele levanta a suspeita de queLula poderia ser a mais urdida e complexamanobra de engenharia política que as clas-ses dominantes no Brasil desenvolveramem conluio com os interesses imperialistas.Há setores da classe dominante brasileiraque ditam a política econômica em comumacordo com os interesses imperialistas e ocapital financeiro, e contam com a voluntá-ria adesão do governo. Aliás, eu não acre-dito nessa idéia de que o governo é refém.Isso é conversa pra boi dormir, é quererenganar o povo. O que acontece é que ogoverno atual está terminando de fazer achamada blindagem institucional e econô-mica do neoliberalismo.

Adunesp – E quais são os instrumentosdessa blindagem?

Tato – O neoliberalismo, que estava desa-creditado e vinha numa crise braba, tinhaduas alternativas: aprofundava o modeloe caía num beco sem saída, ou se propu-nha fazer reformas que desenvolvessempolíticas de cunho mais social; reformasque fossem capazes de aliviar as pressõessobre o governo, mas sem fugir das dire-trizes básicas do neoliberalismo. No casodo governo Lula, essa blindagem institu-cional passa por aprovar questões con-cretas de interesse do “mercado”, como aautonomia do BC (atendendo aos recla-mos do capital financeiro); passa por hon-rar e garantir os acordos internacionais;reformar a Previdência; concluir a reformado Estado; implementar a reforma sindicale trabalhista de acordo com os interessesdo capital, para aumentar a taxa de lucrati-vidade e acumulação no nosso país. Astais reformas trabalhistas, inclusive, foramtentadas ou estão em debate em quasetodo mundo. Na França e na Itália, porexemplo, tais reformas só não provocaramdanos mais graves aos direitos e conquis-tas dos trabalhadores porque milhões depessoas saíram às ruas.

Adunesp – Nesse sentido, não é demaisdizer que o governo Lula está indo além doque conseguiu FHC?

Tato – Em boa medida, sim. Veja o caso daelevação do superávit primário e da taxa dejuros; da manutenção dos privilégios e be-nefícios do setor financeiro... tudo issoaponta para a continuidade e aprofunda-mento da política do governo anterior, ouseja, atender às necessidades do capital,em detrimento do trabalho. O governo temdado declarações de que é possível umaAlca que beneficie o Brasil. Essa é uma afir-mação criminosa, pois cada dia fica maisclaro que se trata de uma proposta de re-colonização da América Latina pelo imperi-alismo norte-americano. O que dizer, então,da Medida Provisória que garantiu a libera-ção da comercialização da soja transgênicado Rio Grande do Sul? Isso foi feito ao arre-pio do interesse público, da saúde da po-pulação. O governobaixou um canetaçomesmo sem termosnenhuma segurançade que não haveráprejuízos à saúde doconsumidor, da se-gurança alimentar.Isso foi feito apenaspara favorecer umamultinacional como aMonsanto, que ga-nha com as sementese com os herbicidas.O governo deveriater mandado destruiraquelas lavouras,pois quem correu orisco de plantar, mes-mo sendo proibido,deveria no mínimo ar-car com o ônus dis-so como qualquer outro capitalista. E, se ogoverno não quisesse causar prejuízos, queindenizasse os produtores e destruísse asafra transgênica. Outra questão é a refor-ma do Estado: nós não temos claro se ogoverno vai propor diretrizes diferentesdaquelas que foram apresentadas pelo mi-nistro Bresser Pereira, o que gera mal estarno seio do funcionalismo público. Vemoscom reserva a deliberada tentativa do go-verno de querer colocar a população con-tra o servidor público. Nos parece que amanutenção da política de gratificações earrocho, com a concessão de um reajusteindecente de 1%, depois de anos de arro-cho salarial, aponta para a manutenção deuma política de governo que, na prática, dácontinuidade à reforma do Estado iniciadapor Collor e desenvolvida por FHC. Seráconcluída por Lula?

Adunesp – Isolar o funcionalismo públicoé uma tática central do governo para apro-var estas reformas?

Tato – Não só o funcionalismo público, maso movimento sindical como um todo. Há,claramente, uma tentativa do governo Lulade interferir na direção das entidades sindi-cais. Por exemplo, quando o presidente daRepública diz que o seu candidato preferi-do para a direção da Central Única dos Tra-balhadores (CUT) é o Luís Marinho, do Sin-dicato dos Metalúrgicos do ABC, o mesmoque implantou o banco de horas, que de-fendeu investimentos públicos nas monta-doras, que aceitou a flexibilização das leistrabalhistas e por aí afora.

Adunesp – No caso específico da reformada Previdência, o governo tenta mostrarque o pessoal da iniciativa privada nãotem nada a perder.

Tato – A estratégia éessa. O governo estátrabalhando com atese de que o proble-ma seria a existência demarajás e privilegia-dos no serviço públi-co, exatamente comofez Collor. A tese deFHC era a da lesão aopatrimônio público eda existência dos va-gabundos, bem finan-ciados pelo Estado.Tenta-se, com isso, fa-zer uma dicotomizaçãoentre o bem e o mal. Ogoverno está do ladodo bem porque defen-de o fim dos privilégi-os dos marajás e dos

privilegiados. Mas não diz para a popula-ção que esses “privilégios” são leis, direi-tos que foram conquistados e que não po-dem ser revertidos. Os marajás da Previ-dência continuarão por longos anos na fo-lha do Estado. O governo não fala que aproposta de reforma retira direitos dos tra-balhadores em geral, inclusive tunga os tra-balhadores da iniciativa privada com a ele-vação do teto (que aumenta o limite de con-tribuição), do tempo de aposentadoria etc.O governo também não fala que o saláriode referência será corroído, como foi o atu-al teto (R$ 1.561,00), que quando foi insti-tuído era equivalente a 10 salários mínimos.

Adunesp – Não era essa a política defendi-da publicamente pelo PT durante os gover-nos anteriores...

Tato – Há uma fala do Lula, creio que na

Muitaslideranças, hoje,

estão em cargos deconfiança naadministração

pública, o que faz todaa diferença e abreespaço para minar

resistências. Temo porum sindicalismochapa branca.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200318

época do Sarney, de que o governo queriaelevar o tempo de aposentadoria porque otrabalhador que começa a trabalhar com 14anos, quando chega aos 60 já morreu. Ago-ra, a proposta do governo Lula vai exata-mente neste mesmo sentido. Quanto maisde baixa renda é o trabalhador, mais preju-dicado. O prejuízo menor fica com aquelesde maior escolaridade, que entram mais tar-de no mercado de trabalho e que, portanto,terão um salário maior do que a grande mas-sa dos trabalhadores, seja no setor públicoou no privado.

Adunesp – Um dos argumentos usadospara justificar a reforma é que o governoestaria fazendo justiça social.

Tato – Pelo que se sabe, fazer justiça socialé distribuir renda, acabar com os privilégi-os dos bancos, terimposto sobre he-rança, criar uma po-lítica tributária quedesonere o salário etribute o capital.Acabar com a ban-dalheira das contasCC5. O governo, sequisesse, poderiaacabar com a remes-sa de lucros comisenção de impos-tos; acabar com ofinanciamento dosgrandes bancos emultinacionais como dinheiro público;cobrar dos devedo-res da Previdência,na justiça, e execu-tar de fato as dívi-das trabalhistas. Isso sim seria acabar comprivilégios e atender aos interesses da am-pla maioria dos brasileiros.Mas não, o que assistimos acontecer sãoescandalosas anistias dadas pelo governoaos devedores da Previdência. Entre essesdevedores, inclusive, está o ministro Fur-lan, dono da Sadia, e os empresários queforam convidados pelo governo para faze-rem parte do Conselho de Desenvolvimen-to Econômico e Social (Codes). Aliás, mui-to se fala desse passivo que haveria na Pre-vidência. Eu quero saber, por exemplo,

quanto que os governos anteriores à Cons-tituição de 1988 pegaram e não devolveramdos antigos institutos de previdência e dopróprio INSS? Quanto o governo deve, desua parte, ao funcionalismo público, porconta da Previdência, desde 1988? Qual é omontante de recursos que foram desvia-dos da seguridade social, principalmentepela DRU? Isso ninguém diz. Ninguém, nogoverno, quer fazer auditoria das contasda Previdência.

Adunesp – E esses cálculos que o governoapresenta, mostrando que haveria um rom-bo de 70 bilhões de reais?

Tato – Os cálculos que o ministro RicardoBerzoíni, da Previdência, vem apresentan-do têm sido contestados por especialistas,que dizem haver ali distorções gritantes.

Na verdade, todos es-ses elementos são uti-lizados porque o gover-no tem um compromis-so político com a ban-ca internacional. E omais grave é que pare-ce estar havendo umadeliberada omissão porparte das centrais sin-dicais. Elas parecemestar raciocinando doseguinte ponto de vis-ta: se vierem os fundosprivados, nós quere-mos a nossa parte,como existe na Europa,mesmo que isso seja ar-rancando o couro dotrabalhador.

Adunesp – Neste sen-tido, o que você acha da posição da CUTsobre a Previdência?

Tato – A impressão que se tem é que a Cen-tral está capitulando por dois motivos: paranão enfrentar o governo e se desgastar comisso e, por outro lado, porque teria alguminteresse na reforma, que lhe daria um po-der econômico que ela não tem hoje.

Adunesp – Quais são as perspectivas quevocê vê na situação política? É possívelbarrar a reforma da Previdência?

Tato – Acho que é possível barrar, mas nóstemos que colocar milhões de pessoas nasruas. E também devemos apoiar os deputa-dos e senadores que têm se manifestadocontra essa reforma, sendo fiéis ao que estácolocado na sua trajetória de luta. Temosque conversar com aqueles que, por contade cargos que possuem no governo, hoje,se ausentam dessa discussão política. Te-mos que cobrar coerência deles.

Adunesp – Você se refere à esquerda doPartido dos Trabalhadores?

Tato – É uma parte da esquerda do PT e deoutros partidos que, historicamente, posi-cionaram-se contra essa política e que hojecapitulam diante do governo. É preciso res-saltar, ainda, a necessidade de envolvimen-to do conjunto da sociedade nesta ques-tão, pois ninguém está contente com essaPrevidência que está aí. Queremos uma Pre-vidência justa, por regime de repartição, queseja do interesse do conjunto dos traba-lhadores, e não uma Previdência que aten-da aos interesses do mercado. Então, sócom a mobilização e uma pressão grandedos movimentos sociais é que teremos con-dições de barrar essa reforma. Precisamoster uma frente parlamentar que, pelo me-nos, permita uma resistência no interior doCongresso Nacional. A reforma da Previ-dência, na prática, procura selar todo o pro-cesso de privatização do Estado começadocom o governo Collor, pois pretende des-truir definitivamente o serviço público.Quem perde com isso não é apenas o servi-dor público enquanto trabalhador. Isso égrave e vai atingir o conjunto da popula-ção excluída do país, seja o trabalhador comou sem carteira, da zona rural ou urbana,que não vai poder se beneficiar do serviçopúblico e não tem dinheiro para pagar ainiciativa privada.

Adunesp – A menos que coloquemos mi-lhões nas ruas...

Tato – A menos que coloquemos milhõesde pessoas nas ruas para dizer a esse go-verno que não queremos isso. É como dizaquela propaganda do PDT: “PresidenteLula, você foi eleito para mudar o Brasil enão mudar de lado”.

Pelo que sesabe, fazer justiçasocial é distribuir

renda, acabar com osprivilégios dos

bancos, ter impostosobre herança, criar

uma políticatributária que

desonere o salárioe tribute ocapital.

DémersonDias

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 19

Adunesp – O governo Lula, eleito pelamaioria esmagadora da classe trabalhado-ra brasileira, apresenta como prioridade arealização das reformas reclamadas pelogrande capital e que os governos anterio-res foram incapazes de concluir. Comovocê avalia esse quadro?

Démerson – Anali-sar um governo eminício de mandato ésempre uma temeri-dade, pois nos fal-tam referenciais his-tóricos que só serãoconhecidos no futu-ro. Contudo, é pos-sível alinhar algu-mas variáveis quenos ajudam a com-por um quadro pre-liminar. Se, por umlado, é certo que aeleição de Lula éuma conquista daclasse trabalhadora,também é verdadeque esse processoeleitoral se deu nosmarcos de uma democracia burguesa e nãode um processo de ruptura com o modelovigente. As possibilidades de alteração daconjuntura dependem, sobretudo, dos

Démerson Dias, coordenadorexecutivo da Fenajufe e Sintrajud(Federação Nacional e SindicatoPaulista dos Judiciários Federais),lembra que o governo atual nãorealizou nenhum novo estudo sobre aPrevidência e trabalha rigorosamentecom os dados do seu antecessor.“Dependendo de como faz a leiturados dados, você chega à conclusão quequiser”, critica. Para o sindicalista,como aconteceu nas privatizações, ogoverno Lula se dispõe a arcar com oônus da reforma previdenciária àscustas do tesouro e entregar o bônuspara os oportunistas de plantão.

�O atual governo transitaperigosamente próximo

ao estelionato com a nação�

compromissos que o governante se dispõea cumprir. Para surpresa de quem supunhaser esse um governo de esquerda, ele man-tém, quando não aprofunda, a política ditamacroeconômica neoliberal e perpetra umduro ataque contra direitos elementares daclasse trabalhadora. Isso sem falar na re-

forma tributária, quenão ataca a concen-tração de riqueza, nemtampouco a elisão fis-cal. A rigor, a propos-ta para a Previdênciacompõe o repertóriode alterações na polí-tica fiscal do novo go-verno. Não por acaso,postula a transferên-cia direta de recursospúblicos para o setorprivado. Ainda assim,apesar da primazia daquestão econômica,entendo que o aspec-to de maior gravidadenesse início de gover-no é a perda dos com-promissos históricosde classe e o abando-

no da perspectiva de democratizar as ins-tâncias de poder. O ataque aos trabalhado-res públicos corresponde a um prenúncioda perda desses compromissos. Pois não

se trata de uma perda facilmente recupe-rável, mas da destruição de um princípiosocial histórico e muito caro aos traba-lhadores.

Adunesp – A reforma da Previdência, tidacomo carro chefe das prioridades do novogoverno, vem sendo sustentada por um marde números, que bombardeiam a opiniãopública pela via da grande imprensa. O maiscontundente dos argumentos é o déficit nascontas previdenciárias, que estaria em 70bilhões de reais (53 no setor público). Oque há por trás destes números?

Démerson – O proclamado déficit é umainvenção do neoliberalismo. Invençãonão, produto. Historicamente, os recursosda Previdência foram utilizados para co-brir outras atividades do Estado. Enganam-se os que pensam que isso mudou; ocorreque, nas garras do neoliberalismo, o paíspassou a ter uma única prioridade: pagarjuros aos especuladores e doar dinheiroaos organismos internacionais a título deuma dívida eterna. Nem sempre temos con-seguido abordar a questão dos dados deforma adequada. É insustentável, lógica epoliticamente, a proposta de reforma daPrevidência que tramita no CongressoNacional. Mas é, sobretudo, injusta. Esta-mos falando de um país que está entre osmais ricos do mundo e que tem a pior dis-

Toda empresa,para estar em diacom a Previdência,

recolhe 20%de sua folha a esse

título. A União, não!A União, portanto,

é a maiorcaloteira daPrevidência.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200320

tribuição de riqueza. A proposta do go-verno não é financiar a solução para osproblemas sociais a partir dos setores nosquais a riqueza está concentrada, mas dossetores excluídos.

Adunesp – O governo fez estudos novospara embasar suas propostas?

Démerson - Na área das ciências humanas,os números podem servir para justificarqualquer verdade, basta dispô-los de for-ma conveniente. O governo atual não reali-zou nenhum novo estudo sobre a Previ-dência, trabalha rigorosamente com os da-dos do seu antecessor. Dependendo decomo faz a leitura dos dados, você chega àconclusão que quiser. No caso, a intençãoé convencer a sociedade de que existe umproblema, sendo que os valores exorbitan-tes num país de salário mínimo diabólico ecom a pior distribuição de riqueza do mun-do apelam para a subjetividade das pesso-as. Como é possível num país de saláriomínimo de R$ 240,00 chorados, fora a cor-rosão inflacionária, existir alguma despesana casa dos bilhões? Mas os escândalosem torno das falácias da Previdência sãotão abusivos que até a própria imprensaacaba por reconhecer as contradições. Su-pondo que seja, de fato, esse o montantedo déficit, como explicar que as estimativasdos devedores são, no patamar mais mo-desto, maiores do que o dobro desse pre-sumido déficit? Na lista do calote, divulga-da agora, não constam os que se antecipa-ram e entraram no Refis, ou seja, o calote éainda maior. Um segundo tema é a questãodo superávit, que é como uma mais-valiado Estado, só que não explora apenas otrabalhador público, mas todos os que sãoexcluídos pela institucionalidade. Da mes-ma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscalé uma excrescência generalizada, seja emtermos legais, em termos administrativos,sociais e até em termos humanitários. O ter-ceiro tema, vinculado imediatamente aoanterior, é a própria dívida. O que é escoa-do pelo país para sustentar o sistema deagiotagem mundial é muito maior do quequalquer rombo existente nas contas pú-blicas. Se abordarmos a questão do aludi-do déficit da Previdência em paralelo comqualquer um desses temas, o debate desa-ba pela total inconsistência. Por isso, a re-forma é, sob todos os aspectos, insusten-tável. O atual governo transita perigosa-mente próximo ao estelionato com a nação.

Adunesp – A rigor, o dinheiro que um fun-cionário paga a vida toda, a título de contri-buição para a Previdência, não deveria sersuficiente para bancar sua aposentadoria?

Démerson – Sim. Para projetar as contri-

buições no setor público, vamos pegar umexemplo qualquer, ainda que de valor pe-queno. Alguém que receba um salário deR$ 2.000,00 contribuirá mensalmente comalgo em torno de R$ 220,00, que corres-ponde à contribuição atual de 11% (lem-bro que o teto para o setor privado hoje éde R$ 171,77, enquanto que no setor pú-blico não existe teto de aposentadoria,porque não existe teto de contribuição).Considerando que ele tenha pago isso aolongo de 35 anos de trabalho, terá contri-buído com mais de R$ 90.000,00. A primei-ra pergunta é: para onde foi essa poupan-ça? Sim, porque toda a argumentação dogoverno é que os que contribuem hoje nãosão suficientes para cobrir os que estãoaposentados. Ora, mas se isso é necessá-rio, alguémroubou essacontribuição.Imagine, aténos dias dehoje, o quevocê pode pro-gramar comuma aplicaçãode R$ 200,00mensais, ga-rantidos aolongo de 35anos. Não épouca a rouba-lheira. Daí aexigência (for-mal, administra-tiva e, sobretu-do, moral) deuma auditoriana Previdência.Estou tratando da situação individual doaposentado. Como existe muita má-fé emtorno desse debate, alguns poderão lem-brar (somente nessa hora) que o sistemaé baseado no pacto de gerações etc. Ocor-re que o próprio governo focaliza o as-pecto atuarial e jurídico, mas só no quelhe é favorável. Por que a abordagem atu-arial só considera as supostas perdas dosistema e não considera as perdas docontribuinte? Pelo que está sendo pro-posto, o governo pretende se apropriarindevidamente de um direito. Isso, alémde abuso de poder, corresponde à impo-sição do mais forte, o Estado sobre omais fraco, o aposentado ou servidor.Chamo a atenção para um fato da maiorgravidade: existe uma criminalização, aindaque moral, dos servidores e aposentados.E o governo contribui com esse precon-ceito. O aposentado que contribuiu portoda sua vida laboral em condições espe-ciais é tido como se fosse um usurpadordo direito alheio. E tudo isso para entre-gar a poupança previdenciária nas mãos

de agiotas e especuladores.

Adunesp – Segundo dados do último bole-tim estatístico do Ministério do Planejamen-to, de outubro de 2003, a União pagou (deset/2001 a out/2002) um total de R$ 36,5bilhões em salários, sendo R$ 20,3 bi emaposentadorias e R$ 9,8 bi em pensões.Esses gastos totalizam R$ 30,1 bilhões. Oque há por trás destes números?

Démerson – No discurso da mídia, é comose estes R$ 30 bi saíssem integralmente dotesouro. Ocorre que, além da roubalheiraque eu informei antes, esses R$ 36,5 bi desalários revertem para a Previdência algoem torno de R$ 4 bilhões. Aqui há outrogolpe. Toda empresa, para estar em dia com

a Previdência, recolhe 20%de sua folha a esse título. AUnião, não! A União, por-tanto, é a maior caloteira daPrevidência. E ainda ficachorando que há sonega-ção. Se contribuísse comoo setor privado (2 para 1),aqueles R$ 4 bilhões repre-sentariam R$ 12 bilhões. Aequação não fecha ainda,claro, mas agora o governopaga de fato R$ 18 bilhões,pois R$ 4 bilhões ele reco-lhe do funcionalismo e R$ 8bi ele deveria contribuir en-quanto empregador, se essenegócio de Previdência fos-se levado a sério. Mas de-tectamos um outro proble-ma cujo responsável é opróprio governo. O tama-

nho do Estado encolheu. Conforme as pes-soas iam se aposentando, as vagas foramsendo extintas por conta da inteligentíssi-ma política de Estado mínimo. Ora, descon-tando as falcatruas apontadas, se o gover-no pretendia usar como álibi a proporçãoentre ativos e aposentados, deveria ter cha-mado novos funcionários para ocuparemesses cargos. Ocorre que, por outra gatu-nagem, vários desses cargos foram substi-tuídos por empresas terceirizadas, onde umcara trabalha igual ao que se aposentou,mas ganha só um terço do salário. Os ou-tros dois terços vão para o dono da empre-sa. Ou seja, o cargo extinto foi simplesmen-te transformado em lucro para a iniciativaprivada. Só que isso não é razão de escân-dalo. A Previdência é.

Adunesp – Fala-se muito em altas aposen-tadorias...

Démerson – Muita generalização é patro-cinada pela leitura apressada dos númerosoficiais do governo. No caso do Judiciário,

Por que aabordagem atuarial sóconsidera as supostasperdas do sistema enão as perdas do

contribuinte?Pelo que está sendoproposto, o governo

pretende se apropriardo dinheiro docontribuinte.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 21

não se faz distinção entre os salários pa-gos a juízes e a funcionários. A média sala-rial é altíssima, pois a estrutura do Judiciá-rio brasileiro não pode ser comparada pro-porcionalmente à do Executivo. E não parapor aí. Somente agora o governo está con-tabilizando a sua contribuição para a Previ-dência dos servidores, apesar de nunca teraportado recursos significativos especifi-camente para esse fim. E o confessa comose estivesse fazendo um grande favor aosservidores. Dizer a verdade parece ser umgrande sacrifício para esse governo.

Adunesp – Você tem dito que o déficit dogoverno tende a aumentar com a aprova-ção da reforma. Por que?

Démerson – Se o sistema tem problemashoje, como é que uma mudança que só re-percutirá no futuro pode ser resolvida coma simples mudança no regime? Se o sistemafor unificado e o funcionalismo niveladopor baixo, não irá mais contribuir sobre ototal da remuneração. Haverá diminuiçãode receita, portanto,mas o governo conti-nuará pagando as atu-ais aposentadorias.Que mágica é essa emque o sistema estáquebrado, o governoentrega parte da arre-cadação para outrosgestores, os gastosem curto e médio pra-zo não são reduzidos,mas o sistema deixa deestar quebrado? Seráum novo milagre?Algo me diz que, comonas privatizações, ogoverno se dispõe aarcar com o ônus àscustas do tesouro eentrega o bônus paraos oportunistas deplantão.

Adunesp – Analisando a proposta divul-gada pelo governo, quais setores do capi-talismo serão beneficiados diretamente coma criação dos fundos de pensão?

Démerson – O governo conta com a inge-nuidade da sociedade ao pautar as refor-mas e até mesmo funcionários públicossão induzidos a erro. O discurso sublimi-nar é que a reforma possibilita a transfe-rência de recursos dos que têm saláriosminimamente dignos para os que ganhamos vergonhosos salários pagos num paísque possui a pior distribuição de riquezado mundo. Desde quando os problemassócio-econômicos do país são devidos às

classes médias? E desde quando a solu-ção para os miseráveis é aumentar o nú-mero de excluídos? Dois equívocos prin-cipais a que se induz a sociedade: a) osrecursos oriundos da reforma não serãodestinados aos mais pobres, mas ao mer-cado de capitais, justamente para piorar oaprisionamento do país aos capitais espe-culativos, que nenhum benefício concre-to trazem para a economia nacional; b) aconcentração de riqueza não se dá pelasclasses econômicas intermediárias, muitomenos pelos trabalhadores. São justamenteaqueles que não dependem da venda deseu trabalho os destinatários da maior par-cela riqueza.

Adunesp – Como você vê a proposta defundos complementares?

Démerson – Por obra de alguma cabeçailuminada, os governos brasileiros embar-caram na tese de que o valor suplementardo salário pode ser buscado através deuma previdência complementar. A diferen-

ça entre a tese atuale a do governo ante-rior é que, enquantoantes se pensavabasicamente em sis-temas de capitaliza-ção, hoje o governofala em fundos depensão, inclusivenas mãos dos sindi-catos. Ocorre que aPrevidência e tam-bém os fundos depensão nas mãos doEstado estiveram, aolongo desses 80anos de regime pre-videnciário no Bra-sil, entre os princi-pais fomentadoresde desenvolvimentointerno. O governo

agora ameaça abrir mão da administraçãodesse patrimônio e ainda pretende que asociedade considere essa uma boa idéia.Isso sem falar no enorme problema querepresentará dar garantias a esse sistema.Como não se trata de mera capitalização,que mecanismos os trabalhadores terãopara protegê-los de má administração detais fundos? Se, nas mãos do Estado, quenão visa lucro, a Previdência conseguiudar prejuízo, que dirá com os administra-dores sacando periodicamente um peda-ço do bolo? Vão ressuscitar as Capemisda vida. Vejam se há cabimento um gover-no desviar parte da poupança que alavan-cou o desenvolvimento do país, sem a qualnem Getúlio, nem Jucelino, seriam mais quemera referência bibliográfica, para entre-

gar de mão beijada ao mercado de especula-ção. Estamos falando de cinco milhões declientes cativos nas mãos do mercado, com-preendendo servidores das três esferas.

Adunesp – Qual tipo de previdência vocêdefende?

Démerson – Acabei não comentando aposição que defendo e que tem razoávelaceitação nos sindicatos do judiciário. So-mos favoráveis à unificação do sistema.Essa é a melhor forma de discutir com asociedade se A ou B deve ou não ter crité-rios diferenciados. Há gente no setor pú-blico que defende o regime próprio. Só quedefendemos que todos possam contribuirsobre o total recebendo o equivalente aose aposentar. Se há desequilíbrio nas con-tas, como é que o governo quer abrir mãoda contribuição integral dos servidores?Defendo a integralidade na aposentadoria.É decepcionante que, em nosso país, umministro, em tese um agente público e soci-al que deveria dar exemplo, fale em reduçãode salário porque o aposentado não preci-sa de tanto salário quanto quem está naativa. O ministro Guido Mantega deveriaser interditado politicamente e interpeladojudicialmente. E o seria, se neste país hou-vesse um debate sério sobre o papel dosagentes públicos.

Adunesp – Manter o poder aquisitivo pas-sou a ser visto como privilégio...

Démerson – No Brasil, o aposentado, alémdo salário integral, deveria ser indenizadopela sociedade, pois a exploração e as con-dições de trabalho são criminosas. O capi-talista visa o acúmulo e o incremento deseu patrimônio, já o trabalhador é criminali-zado mesmo se busca apenas manter seunível de vida. Os cínicos poderão dizer quehá países piores, ao que respondo que oobjetivo do Estado é garantir o bem comume não o mal comum. É uma contaminaçãodo ideário capitalista e neoliberal a visãoesdrúxula de que o ser humano só vale peloque produz e/ou pelo que consome, sendoque nem todos têm acesso ao consumo.

Adunesp – Atualmente, como está a mobi-lização da sua categoria e do funcionalis-mo em geral? Você acha que é possível bar-rar a reforma? Como?

Démerson – Não é admissível que o go-verno se empenhe em garantir somente oscontratos de capital e prejudique um con-trato de 80 anos com a classe trabalhado-ra. Parcela significativa da categoria aindanão superou a perplexidade de testemu-nhar a desenvoltura do governo Lula emse alinhar a projetos, não só denunciados

Os recursosoriundos da reformanão serão destinadosaos mais pobres, mas

ao mercado decapitais, justamente

para pioraro aprisionamento

do país aoscapitais

especulativos

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200322

por ele em passado recentíssimo, mas, piorainda, de cunho neoliberal. No judiciário,estamos nos esforçando para acompanharo calendário dos servidores federais e aslutas gerais em relação aos temas prioritá-rios, como a Alca. O quadro está evoluin-do muito rapidamente e é difícil avaliar comprecisão onde avançamos ou recuamos.Penso que, no geral, o tempo é desfavorá-vel à tese governista. Justamente porqueé baseada em falácias. Quando a socieda-de se der conta de que o problema da Pre-vidência não é atuarial, mas social e políti-co, ficará claro o que realmente está por

trás da reforma. Mas isso não quer dizerque devemos apenas fazer uma luta de re-sistência, como fazíamos no governo an-terior. A sociedade postulou pelas mudan-ças e, implicitamente, existe o consensode que o neoliberalismo, enquanto mode-lo ou solução, está esgotado e desmasca-rado. A sorte do governo, se é que pode-mos dizer assim, é que ainda não foi feitaessa associação em relação ao governo eàs reformas. É imprevisível saber o queocorrerá quando essa associação for fei-ta. Como eu mencionei os crimes do capi-tal, considero pertinente resgatar que o

governo jurou de pés juntos que iria cum-prir os contratos. Para nós, operadores dodireito, fica cada vez mais evidente queessa promessa só se aplicava aos contra-tos com o capital. A reforma da Previdên-cia é o primeiro contrato que o governorompe. Quando consideramos que a Pre-vidência não é uma questão secundária,fica patente a opção governamental emaprofundar o neoliberalismo, ainda que asociedade tenha votado contra esse mo-delo. A menos que tenhamos votado nummessias e não num presidente pretensa-mente democrático.

Cadernos Adunesp - Nº 2 - Agosto 2002 23

ArtigosArtigos

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200324

IntroduçãoO grande sociólogo Emir Sader, no

início da década de 1990, profetizou o queseriam os tempos bicudos da era FHC, nostermos seguintes: “Dos que nada têm, lhestiraremos tudo. Porque o Estado brasilei-ro está falido, pagaremos suas dívidas comas taxas mais altas do mundo. Porque aprevidência é deficitária, transformaremosa aposentadoria dos que a financiam emfonte de financiamento para o capital.Porque a “Constituição Cidadã”é incom-patível com o Estado privatizado, privati-zaremos a Constituição e faremos do po-der de consumo o atestado da cidadania edo mercado o verdadeiro espaço danação”.(grifo nosso)

Ainda na mesma linha, a observa-ção aguda do Deputado José Pinoti (PSB),na revista Carta Capital, de 15/4/1998, naépoca da primeira Reforma da PrevidênciaSocial: “O Brasil é um país que está privati-zando a cidadania, transformando-a emmercadoria. Cada um que se vire, para com-prar a aposentadoria. O papel do governoé contribuir para que isso não aconteça,deveria conter o apetite do capital e defen-der o cidadão. Mas está alimentando o ca-pital e tirando direitos do trabalhador. Asituação é parecida na saúde e educação.”

Essa é a herança deixada à socie-dade brasileira pelos governos comprome-tidos com a agenda do Consenso de Wa-shington, tendo seu ápice no governo doex-presidente Fernando Henrique.

Começa aí a derrocada da cidada-nia e a grande jogada do capital especulati-vo, com o objetivo de apropriar-se do capi-tal formado à custa de muita luta: a Previ-dência Social do trabalhador.

Segundo dados apresentadospela Revista Carta Capital, em 1998, a aber-

Mito e falácias: a verdadesobre a Previdência Social

BrasileiraPor Augusto Massayuki Tsutiya *

* Augusto Massayuki Tsutiya é Procurador Federal, Advogado, Engenheiro Civil e Doutor em Engenharia(USP), Professor dos cursosde graduação e pós-graduação de Direito Público e Previdenciário na Universidade de Taubaté-UNITAU. Foi docente da UNESP e

diretor da ADUNESP-CENTRAL (gestão 94-96).

tura da Previdência Social ao mercado fi-nanceiro significava nada menos queR$160 bilhões.

Observação importante é apresen-tada por Serge Goulart, em sua obra “De-volvam nossa previdência”: “Do ponto devista do capital, seu objeivo é apropriar-se de uma quantia fabulosa de capital,cerca de 134 bilhões de reais por ano,para injetar diretamente no mercado fi-nanceiro (ver resolução do BC no AnexoI) para garantir o financiamento do pa-gamento da dívida externa e interna, e umoxigênio para a continuidade do delírioda especulação financeira.”

Após ter dilapidado os recursosnaturais, reduzindo à miséria a quase totali-dade dos países do terceiro mundo, o capi-talismo selvagem descobriu uma nova mo-dalidade de exploração. Não mais pela ex-ploração de mão-de-obra barata, mas atra-vés de algo pior: a especulação.

Sem gerir desenvolvimento eempregos, apropria-se do capital cons-truído à custa de muito suor e sanguepela classe trabalhadora. Exemplo dessemodelo foi inicialmente implantado noChile, em 1981, por imposição do FundoMonetário Internacional (FMI). Os resul-tados são por demais conhecidos. Segun-do Carta Capital, em artigo publicado emabril/1998, citando observação de Wal-demar Cortés Carabantes, presidente doFondo de Pensiones de la Educación doChile, uma das três únicas Administrado-ra de Fondos de Pensiones (AFP): “ Ob-servem o que se está fazendo no Chile enão se deixem levar pela fantasia. Emmarço, as AFPs chilenas acumulavamrentabilidades negativas de 2,9% no anoe de 1,2% nos últimos 12 meses. Metadedas pessoas não está mais pagando as

suas contribuições.” Portanto, o sistemaprevidenciário chileno, já em 1998, esta-va quebrado. Pelo que consta, a situaçãoatual é bem pior.

Somente oito países adotaram talmodelo: Chile (1981), Peru (1993), Argentina(1994), Colômbia (1994), Uruguai (1995), Mé-xico (1997), Bolívia (1997) e El Salvador (1998).

Os sistemas implantados nessespaíses seguiram receituário do Banco Mun-dial, braço financeiro do FMI, conformeestudo intitulado Envelhecer sem crise, abíblia neoliberal sobre Previdência.

O Estado (a sociedade) fica res-ponsável para manter os benefícios dosmais carentes, enquanto que quem tiverdisponibilidade deverá complementar a suaaposentadoria no mercado financeiro.Avelha lógica: privatizar os lucros e sociali-zar os prejuízos.

É o sistema criado pela primeiraReforma da Previdência Social, que será as-sunto do presente artigo.

Enfrentamos momentos cruciais,haja vista que o atual governo anuncia novareforma da Previdência Social, com ênfasena reforma do sistema previdenciário doservidor público. Como estudioso do tema,observo incongruência nos discursos dasautoridades encarregadas de apresentar oprojeto dessa reforma.

Tendo em vista a pouca tradiçãobrasileira nos estudos concernentes à Pre-vidência Social, importa nesse primeiro mo-mento discutir o sistema e o regime adota-dos pelo Constituinte em 1988. A partir des-se referencial, apontar as falácias do discur-so governamental. Primordialmente, no quese refere ao Sistema de Proteção Social - aSeguridade Social e não somente Previdên-cia Social, como parecem entender equivo-cadamente muitos dos reformistas.

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Sistemas de proteção socialA preocupação com a proteção

social das pessoas carentes já vem desde aAntigüidade. O primeiro sistema de prote-ção conhecido é o assistencialismo. Já eraconhecida tal proteção na Antigüidade.Desde o Código de Manú (Índia) e do Có-digo de Hamurabi (Babilônia), passandopela era contemporânea através da famosa“Poor Law”, na Inglaterra, em 1601. No Bra-sil, tal sistema foi implantado através daassistência médica prestada pelas SantasCasas de Misericórdia, sendo pioneira aSanta Casa de Santos. Como o próprio nomesugere, tal proteção dependia de caridade.Não exigia contribuição do beneficiário.

O segundo sistema de proteçãosocial conhecido é o mutualismo. Consti-tuía-se de contribuição financeira de umgrupo de pessoas visando à proteção recí-proca, ou seja, todos os que pertencem aogrupo contribuem para eles mesmos. Comoexemplo desse sistema, citem-se os Colégi-os Gregos e Romanos, os sodalícios (naAntigüidade), as corporações de ofícios,as guildas ou ligas (na Idade Média). NoBrasil tivemos, como exemplo, as antigasorganizações operárias ou os montepios deservidores públicos.

Com o advento da revolução in-dustrial, tais sistemas restritos de proteçãosocial se tornaram insuficientes. Com o sur-gimento do Estado moderno, passamos paraa fase atual - o intervencionismo Estatal, oque aconteceu após a Revolução Francesa.

Inicia-se aí um longo calvário daclasse trabalhadora. Desprovida de qual-quer proteção e sem o poder de associar-se, tornou-se presa fácil da ganância doscapitalistas. Isso porque sempre valeu avelha máxima: “Entre o fraco e o forte:a leiliberta, a liberdade escraviza.” E tal liber-dade escravizadora foi levado ao seu ápi-ce, refletido nas longas jornadas de traba-lho, salários pífios e nenhuma proteção nocaso de doença, morte ou velhice.

Surge, então, Karl Marx, com seuManifesto Comunista, de fevereiro de1848, com a famosa frase: “Trabalhado-res de todos os países, uni-vos”. Inicia-se uma contra-revolução. Formam-se ossindicatos com o intuito de fazer frente àexploração capitalista.

Foram tempos obscuros. Muitosangue foi derramado, fruto de repressãodos detentores do poder.

A revolta dos trabalhadores dasminas de carvão no sul da França/Bélgica éretratada na obra prima (Germinal), do gran-de escritor francês Emile Zola.

A burguesia, acuada diante doscrescentes movimentos sociais, como sem-pre acontece, prefere entregar os anéis paranão perder os dedos. Para evitar tal desíg-

nio, houve por bem instituir sistema de pro-teção social aos trabalhadores.

Surge aí o estadista alemão Ottovon Bismarck, com seu Plano Continental.Entra em cena a PREVIDÊNCIA SOCIAL,na forma de Seguro Social.

Plano Continental (Seguro Social)Com o intuito de arrefecer a revol-

ta da classe trabalhadora, Bismarck, em1883, principiou a introdução de uma sériede seguros sociais. Iniciou com o auxílio-doença. Seguiu-se, em 1884, o seguro aci-dente de trabalho. E, em 1889, o seguro con-tra a velhice e invalidez.

Para o custeio do sistema de prote-ção social, instituiu o sistema tríplice de cus-teio: empregadores, empregado e o Estado.

Nesse sistema, somente o empre-gado tinha direito à proteção social, desdeque contribuísse para tal. Tratava-se, por-tanto, de seguro.Sem contribuição,não havia direitoalgum a benefícios.

Esse siste-ma foi denominadoPlano Continental,haja vista que se pro-pagou por todo ocontinente europeu.

O sistemade proteção socialfoi instituído como intuito de mino-rar as agruras dosmenos favoreci-dos, diante das cri-ses econômicas. Omundo viria aindaa assistir a derro-cada do sistemamonopolista cria-do pelo capitalismo. Surge uma das maio-res crises do capitalismo, cujo ápice ocor-reu com a queda da Bolsa de Valores deNova York, em 1929. A nação americana,tão próspera, viu-se, de repente, mergu-lhada numa crise sem precedentes. Inú-meras famílias foram jogadas, da noite parao dia, para um estado de indigência. A ocu-pação do Central Park por milhares de fa-mílias, um dos símbolos da prosperidadeamericana, foi o ápice da crise. Calou pro-fundamente o orgulho americano.

Surge daí a necessidade de resol-ver tal crise social. Novo sistema de prote-ção começa a nascer.

Plano Atlântico(Seguridade Social)O presidente Roosevelt, preocu-

pado com a questão social, colocou em prá-tica a política do “New Deal”, embasado na

filosofia do welfare state (Estado do bem-estar social). Baseava-se no princípio deque o Estado democrático tem o dever deassegurar a cada cidadão um nível de vidasuficientemente digno e colocar, acima detudo, o bem-estar social. Para a sua imple-mentação criou-se a célebre “Social Securi-ty Act”, em 1935, que se tornou a Segurida-de Social Americana.

A partir de então, todo cidadãoamericano no momento de seu registro denascimento, como primeiro ato, tem inscri-ção obrigatória na seguridade social. Essafórmula que dá amparo generalizado ao ci-dadão contra riscos sociais em geral, cria-da pelos norte-americanos, deu origem àidéia de seguridade social. Ao contrário dosistema protetivo criado por Bismarck, queera de seguro social, que somente protegiaquem contribuía para o sistema, este prote-gia todos os cidadãos independentemente

de contribuição.A despeito de já

existir um sistema de se-guridade social, somen-te houve irradiação des-sas idéias a partir do fa-moso Relatório Beverid-ge, em 1942, na Inglater-ra. Em meio às agrurasda ocupação nazista deLondres, o nobre inglêsLorde Beveridge ideali-zou um sistema univer-sal de proteção social.Tinha como fundamen-to a proteção do berçoao túmulo. Uma prote-ção básica, suficientepara que o trabalhadore sua família pudessemsobreviver sem maioresagruras, o período de

desemprego, doença, morte. As idéias con-tidas no famoso Relatório Beveridge foramadotadas, em 1946, na Inglaterra. Ficou co-nhecido como Plano Atlântico.

É necessário que se realce, nessemomento, a diferença entre o Plano Conti-nental (Bismarck, 1883) e o Plano Atlântico(Lorde Beveridge,1942), visto que são es-ses dois sistemas que foram adotados emtodo o mundo. O Plano Atlântico de Segu-ridade Social é universal, protege todos oscidadãos. Por outro lado, o Plano Conti-nental nada mais é que um seguro social,protege somente aqueles que contribuempara o sistema. Quem não tem disponibili-dade financeira, fica excluído do sistema.

Com o término da Segunda Guer-ra Mundial, a questão dos direitos huma-nos tornou-se assunto da mais alta signifi-cância. Para evitar que os homens se auto-destruam, experiência vivenciada nas duas

Com certoatraso, a seguridadesocial foi finalmentepositivada na CartaMagna de 88. No

título VIII- Da OrdemSocial, no capítulo II,o Constituinte houve

por bem criar osistema de proteção

social.

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grandes guerras, as nações reuniram-se emtorno da Organização das Nações Unidas(ONU) e firmaram um importante documen-to - a Declaração Universal dos Direitos doHomem, em 1948. O direito à SeguridadeSocial foi erigido ao patamar de direito detodos os povos. O artigo 85 assim o deter-mina: “Todo o homem tem direito a um pa-drão de vida capaz de assegurar a si e asua família saúde e bem-estar, inclusivealimentação, vestuário, habitação, cuida-dos médicos, os serviços sociais indispen-sáveis, o direito à seguridade social nocaso de desemprego, doença, invalidez,viuvez, velhice, ou outros casos de perdados meios de subsistência em circunstân-cias fora de seu controle.“ (grifo nosso)

Com isso, procura o mundo evitarque fenômenos como o fascismo ou o na-zismo não mais ocorram. Multidões de es-fomeados e sem esperanças uniram-se emtorno de líderes carismáticos, cuja conse-qüência é por todos conhecida

No entanto, somente em 1973, numevento no Casaquistão, a Seguridade Soci-al começou a universalizar. Os países parti-cipantes discutiram as perspectivas da se-guridade social para o ano 2000 e se com-prometeram a implantar o avençada nestecongresso. O Brasil esteve representado.As idéias principais baseavam-se nas pro-postas do Lorde Beveridge.

Enfim, somente naConstituição Federal de 1988 taltema foi incorporado, criando-seum capítulo denominado Segu-ridade Social. A despeito da de-nominação, vê-se claramenteque o Constituinte não implan-tou um sistema tal como foi idealizado porLorde Beveridge.

Seguridade Social naConstituição Federal de 1988

Com certo atraso, a SeguridadeSocial foi finalmente positivada na CartaMagna. No título VIII - Da Ordem Social,no capítulo II, o constituinte houve por bemcriar o sistema de proteção social embasa-da na filosofia de Lorde Beveridge.

Portanto, oficializou-se a Segu-ridade Social. Sistema instituído com afinalidade de dar a todos proteção em re-lação à Saúde, Previdência Social e As-sistência Social.

A despeito da grande conquistada sociedade, equívocos foram cometidosna elaboração desse importante instrumen-to de cidadania.

O sistema é denominado Seguri-dade Social. No entanto, verifica-se que so-mente a saúde e a assistência social se in-serem nessa filosofia. Por outro lado, a Pre-vidência Social conserva ainda a filosofia

ultrapassada introduzida por Bismarck há120 anos , qual seja a de seguro social.

É mister que demonstremos no-vamente a diferença capital entre osdois sistemas.

O sistema de Seguridade Socialidealizado por Lorde Beveridge é univer-sal. Todos têm direito à proteção social, in-dependentemente de estar contribuindo ounão. Por outro lado, o sistema do segurosocial idealizado por Bismarck exige que osegurado faça a sua contribuição, sem aqual fica excluído do sistema protetivo.

Assim, para o direito comparadoo Brasil adotou um sistema de SeguridadeSocial. Mas, somente parainglês ver, haja vista que aPrevidência Social conservaainda a ultrapassada idéia deseguro social.

Sistemas definanciamento daSeguridade Social

São basicamentedois os sistemas de financi-amento da Seguridade Soci-al: (1) Capitalização e (2) Solidariedade (Re-partição Simples), que, por sua vez, é sub-dividida em profissional e social, consoan-te Figura 01.

No Sistema de Capitalização, acontribuição é recolhida mensalmente emum fundo, consoante regras do mercadofinanceiro. No momento que o cidadão ti-ver fundo suficiente, retirará quantia men-sal. Tal sistema parte da premissa de que amaioria dos cidadãos não consegue pou-par o suficiente para enfrentar as agrurasda vida. Uma das razões é porque as pes-soas não ganham o suficiente para a pou-pança ou, se ganharem, não conseguemplanejamento futuro. E o Estado intervématravés da instituição de fundos para que ocidadão possa, através do dinheiro poupa-do, atravessar sem maiores problemas es-ses momentos de infortúnio.

No sistema de Solidariedade Pro-fissional, os cidadãos que estão na ativarecolhem uma certa quantia, principalmen-te de seus salários, que é utilizada para cus-tear as aposentadorias dos inativos. O exem-plo desse sistema é o francês.

No sistema de Solidariedade Soci-al, as aposentadorias são custeadas poroutras fontes de recursos públicos, recolhi-

dos sob a forma de impostos ou outras con-tribuições. Nesse caso, o cidadão será, quan-do aposentado, custeado pelo conjunto dapopulação que paga esses tributos. Este sis-tema é aplicado na Irlanda e Dinamarca.

No Brasil, existe um modelo híbri-do com características do sistema de solida-riedade profissional e social, haja vista quetanto o segurado quanto a sociedade, atra-vés do orçamento da Seguridade Social, con-tribuem para o pagamento dos benefícios.

Regimes de Previdência Socialno Brasil

Após a Emenda Constitucional n°20, de 16/12/1998, os regimes de Previdên-cia Social foram estruturados consoante odisposto na Figura 02.

Regime PrincipalA Previdência Social principal fi-

cou subdividida em setor público esetor privado. No sistema constitu-cional, se o cidadão não for servidorpúblico estatutário, pertence obriga-

toriamente ao Regime Geral da Previdên-cia Social (RGPS), que trata do setor pri-vado, administrado pelo Poder Público,através do Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS), órgão do Ministério do Es-tado da Previdência.

São, portanto, dois regimes previ-denciários distintos.

O Regime Geral de PrevidênciaSocial (RGPS) está previsto no Capítulo daSeguridade Social, no artigo 201, da CF/88.

O Regime de Previdência do setorpúblico, por sua vez, é subdividido em ser-vidor civil e militar.

Por outrolado, o servidor públicocivil tem seu regime previdenciário definidono artigo 40 da CF. O do militar encontra-sedisciplinado no artigo 142, § 3°, inciso X.

Regime ComplementarConsoante pode-se depreender da

Figura 02, o regime complementar subdivi-de-se em Oficial e Privado.

O Regime Previdenciário Comple-mentar Oficial está previsto no artigo 40,§§ 14,15 e 16. Para entrar em vigor, neces-

sário que se aprove a famigerada PL 09/99,que ainda não foi aprovada graças à inter-ferência da bancada oposionista, lideradapelo Partido dos Trabalhadores. Estranha-mente, justamente aqueles que combate-ram tal projeto querem hoje aprová-lo.

A partir da aprovação da PL 09/99, criar-se-á a Aposentadoria Comple-mentar Oficial e os entes públicos estarãoautorizados a fixar o teto da remuneraçãodo funcionalismo público, o valor pagopelo Regime Geral de Previdência Social(RGPS). Acima desse teto, o servidor de-verá contribuir para a Previdência Com-plementar, depositando mensalmente va-lores que deverão ser capitalizados nomercado financeiro e cujos rendimentosdeverão propiciar a sonhada complemen-tação da aposentadoria/pensão.

Atente-se que tais valores serãoaplicados no mercado. Qualquer turbulên-cia, comum nesses tempos, pode levar à der-rocada esses Fundos, o que aconteceu noChile: anos e anos de economia feita pelaclasse trabalhadora foram consumidos numtoque de mágica, por ata-ques especulativos enceta-dos, por exemplo, pelo me-g a e s p e c u l a d o r -George Soros, mestre doanterior presidente do Ban-co Central, Armínio Fraga.

Trata-se da ado-ção do sistema de capitali-zação, tal qual preconizadopelo FMI, embasado na ló-gica do Consenso de Wa-shington: privatizar o lucroe socializar os prejuízos.

O Regime Previ-denciário ComplementarPrivado está previsto noartigo 202, da CF/88. Foiregulamentado pela LeiComplementar n° 109, de29/05/2001.

Esse regime, porsua vez, subdivide-se em entidades aber-tas e fechadas.

As primeiras são abertas a todosos cidadãos, ou seja, aqueles que podemcontribuir com uma mensalidade para o sis-tema bancário. São os planos de Previdên-cia dos bancos, como o Itaúprev, Bradesco-Previdência. Como se trata de seguro, é fis-calizado pela Superintendência de SegurosPrivados (SUSEP), órgão do Banco Central.

As entidade fechadas, como opróprio nome sugere, são de exclusividadede grupos de funcionários de empresas.Empresas estatais, como o Banco do Brasil- PREVI, e Petrobrás - PETROS, possuemtais fundos. Há que se observar que as en-tidades fechadas ou abertas operam sobreo sistema de capitalização. Aplicam o capi-

tal investido do segurado no mercado fi-nanceiro. O processo de privatização re-cente teve a participação de diversos fun-dos, mormente a PREVI e a PETROS.

Qualquer derrocada no sistema fi-nanceiro pode levar à ruína esses fundos e,conseqüentemente, a sonhada complemen-tação da aposentadoria.

MitoUma vez apresentados o sistema

e o regime de Previdência Social adotadospela Constituição e modificados pela Emen-da Constitucional n° 20, analisemos o sig-nificado de tal modelo.

Atento aos ditames da Declaraçãodos Direitos do Homem da ONU, em 1948, oconstituinte assumiu o Estado do Bem- Es-tar Social (Welfare State). Nessa filosofia, asociedade se solidariza com o indivíduoquando o mercado o coloca em dificulda-des. Mais precisamente, o risco a que qual-quer cidadão, em princípio, está sujeito - denão conseguir prover seu próprio sustentoe cair na miséria - deixa de ser problema

meramente indi-vidual, dele cida-dão, e passa aconstituir umaresponsabilida-de social, políti-ca. O Estado doBem-Estar assu-me a proteçãocomo direito detodos os cida-dãos porque acoletividade de-cidiu pela incom-patibilidade entredestituição e de-senvolvimento.Era a concep-

ção inicial gesta-da na época doCongresso Naci-onal Constituin-

te, que elaborou a presente Carta Magna.No entanto, acompanhando o mo-

vimento do capitalismo mundial, propagadordas idéias da terceira via, comandada pelogrupo das sete maiores potências, cujas idéi-as foram expressas no Consenso de Washing-ton, retomou-se o mito do desenvolvimentoeconômico baseado nas idéias da mão invisí-vel do mercado de Adam Smith.

Nessa perspectiva, problematizou-se a Seguridade Social. De forma eficiente dedistribuição de renda, passou a ser encaradacomo elemento gerador de déficit atravanca-dor do progresso, do desemprego. Iniciou-se, assim, campanha no sentido de diminuirou eliminar a proteção social do trabalhador.

Ana Elizabete Mota, em sua obraCultura da Crise e Seguridade Social, Edi-

tora Cortez, p.221, assim sintetiza: “Paraisso, o tema da seguridade é tratado deforma deslocada da sua razão de ser - aproteção social dos trabalhadores brasi-leiros - e introduzido num outro patamartemático: a viabilidade financeira da Pre-vidência, o valor dos benefícios e das con-tribuições, a necessidade de redefiniçãode ajustes e reformas, sem os quais os sis-temas entraria em falência.

Transfere-se, assim, o tema daconstitucionalidade dos direitos e garan-tias sociais para o domínio da governabi-lidade, do orçamento fiscal, do alto custodas contribuições patronais e da falta deeqüidade na concessão de benefícios eaposentadorias.”

Dentre outros argumentos, a bur-guesia defende o mito de que é preciso supri-mir as contribuições patronais, sob o argu-mento de que são muito elevadas e de queproduzem impactos na lucratividade das em-presas e, conseqüentemente, no emprego.Estancado o déficit, o país poderá crescer etrazer bem-estar a todos. O velho mito da mãoinvisível do mercado de Adam Smith.

O que no fundo quer o grandecapital é transformar os trabalhadores noseu grande financiador, através da institui-ção da Previdência no sistema de capitali-zação. Todas as atenções são voltadas paraa Previdência, que deverá ser desdobradaem dois sistemas: previdência pública e bá-sica, sob regime de repartição simples, comtetos de contribuição e de benefícios infe-riores aos vigentes; e previdência comple-mentar privada, dirigida para os trabalha-dores de maior salários, sob o regime decapitalização. Em contrapartida, admite ereforça a existência da assistência social,desde que custeada pelo Estado.

Esgotou-se o filão dos anos 50 e70, em que os investimentos públicos fo-ram carreados para a iniciativa privada. Porexemplo, os recursos da Previdência Socialforam utilizados na construção de Brasília,TransAmazônia etc. Agora, o capital pro-cura transformar a Previdência e a Saúdeem negócios rentáveis, isto é , em mercado-rias, utilizando-se de grandes aportes finan-ceiros que deverão ser depositados nosfundos de pensão ou seguros privados.

Como bem definiu Ana ElizabeteMota, na obra já citada, pg. 227: “Nessesentido, uma das grandes prerrogativasdo grande capital, para fazer a sua refor-ma e subtrair direitos sociais e trabalhis-tas estabelecidos na Constituição, substi-tuindo-os pelo direito do consumidor e daassistência aos pobres, coerente com a suaproposta de privatizar e assistencializara Seguridade.”

Resumindo: privatizar os lucros esocializar os prejuízos.

O velho mito da mão invisível do

De formaeficiente de distribuiçãode renda, a Seguridade

Social passou a serencarada como elemento

gerador de déficit eatravancador do

progresso. Iniciou-secampanha no sentido dediminuir ou eliminar a

proteção socialdo trabalhador.

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mercado de Adam Smith lança suas som-bras sobre a Seguridade Social brasileira. Talmito já foi afastado nos países desenvolvi-dos e que propiciou o surgimento justamen-te do sistema de seguridade social, em faceda crise social criada pelo capitalismo.

Mais uma vez, concretiza-se a pro-fecia de Marx: “a história se repete.” A pri-meira vez como farsa e a seguir como tra-gédia. Os países europeus, em especial,aprenderam a lição. Qualquer movimentono sentido de restringir seus direitos à Se-guridade Social tem resposta imediata. Gran-des mobilizações em defesa desse únicobastião de proteção da maioria da popula-ção. Justamente tal sistema criado por Lor-de Beveridge, para minorar a crise criadapela ideologia liberal.

O Estado Social e Democrático deDireito, tal qual positivado na ConstituiçãoFederal, so-mente sobrevi-verá com justi-ça social, emque todos te-nham direitoao Estado doBem-Estar So-cial (WelfareState). Issopressupõe adiminuição dasdesigualdades sociais. E a Seguridade So-cial, mormente a Previdência Social, é umadas formas mais eficientes.

Mirem-se no exemplo dos paíseseuropeus: lutemos pela Previdência So-cial Pública no sistema de Solidariedade(Repartição Simples). Não aceitemos estemodelo que nos querem fazer descer go-ela abaixo - o de capitalização. É justa-mente este que, preocupado exclusiva-mente com o lucro, criou umas da maio-res crises do capitalismo mundial, con-textualizado na quebra da Bolsa de NovaYork (1929). A partir daí, entrou em cenao Estado intervencionista, que inclusivecriou um dos sistemas mais eficientes deproteção social: a Seguridade Social.

Faláciasa) Déficit do Regime

Previdenciário BrasileiroSegundo dados apresentados

pela Revista Veja, edição 1786, de 22/1/2003,o déficit da Previdência Social em 2002 foide 70 bilhões de reais, dos quais 53 milhõesdo setor público e 17 bilhões do setor pri-vado (RGPS).

De início, verifica-se a falácia de talassertiva. Como explicitado anteriormente,não se pode misturar os dois regimes de Pre-vidência, haja vista que são coisas distin-tas. O Regime Geral de Previdência Social,previsto no artigo 201, CF/88, é custeado

por toda a sociedade e faz parte do sistemade Seguridade Social, conjuntamente com aSaúde de Assistência Social. O plano decusteio do referido sistema é composto,basicamente, pelas contribuições sociaiscobradas do segurado, da empresa e, na fal-ta de numerário suficiente para pagamentodos benefícios, o Estado aloca verbas espe-cíficas no orçamento da seguridade social(art.165, § 5°, inciso III, da CF/88).

Por outro lado, os benefícios porinatividade do servidor público (tanto ci-vil, quanto militar) são pagos através derecursos alocados no orçamento fiscal(art.165, §5°, inciso I, da CF/88).

Analisando-se o orçamento daSeguridade, para o exercício de 2001(dadosfornecidos pela ANFIP), verifica-se quehouve um superávit de R$ 31,464 bilhões,consoante se depreende da Fig.03.

Vê-se, claramente, que os benefíci-os previdenciários pagos aos servidores pú-blicos não constam de tal peça orçamentária.Nem poderia constar, haja vista que são regi-mes diversos. As verbas alocadas para o pa-gamento dos benefícios por inatividade vêmdiretamente do orçamento fiscal.

Portanto, desmistifica-se a falá-cia do déficit do Regime Geral de Previ-dência Social. Pelo contrário, há um supe-rávit de R$ 31 bilhões e 464 milhões (da-dos de 2001-ANFIP). Os resultados de2002 devem ser bem melhores, haja vistaque houve aumento de arrecadação emface do programa REFIS e a verdadeira re-núncia fiscal praticada no apagar das lu-zes do governo FHC, que anistiou as mul-tas dos débitos previdenciários.

b) Equilíbrio financeiro atuarial daPrevidência Social

Regras foram inseridas pela Emen-da Constitucional n° 20 (Reforma da Previ-dência) no artigo 201, “caput”, CF/88, noque concerne ao Regime Geral de Previdên-cia Social (RGPS) e no artigo 40, “caput”,CF/88, no que concerne à aposentadoriado servidor público.

Como visto anteriormente, a Cons-tituição, no artigo 195, instituiu o custeioda Seguridade Social. Assim, as contribui-ções recolhidas são destinadas a fazer frenteàs despesas com Saúde, Previdência Soci-

al e Assistência Social.Por conseguinte, não existe no or-

çamento rubrica que possa destinar verbadiretamente à Previdência Social. Nessa pers-pectiva, não há como falar em equilíbrio fi-nanceiro e atuarial da Previdência Social, mas,sim, da Seguridade Social. Equívoco come-tido pelos defensores da reforma. Exemplotípico é o artigo publicado pela Revista Veja,ed.22/1/2003, que aponta déficit de 17 bi-lhões de reais nas contas do Regime Geralde Previdência Social, dos quais 15 bilhõessão provenientes de pessoas que nuncacontribuíram para a Previdência. Trata-se,no caso, dos 5 milhões de trabalhadores ru-rais que recebem o benefício de um saláriomínimo, desde que comprovem o exercíciode atividade laboral em período equivalenteà carência do benefício. No ano de 2003, são132 meses de atividade.

No sistema daPrevidência Social,somente quem con-tribui tem direito abenefícios. Portan-to, se não existecontribuição, trata-se de AssistênciaSocial, cuja filosofiaé de Seguridade So-cial, que independede contribuição.

Querer que as contribuições dossegurados arquem com as despesas da Se-guridade Social significa que o Poder Pú-blico nada investirá na Saúde, Previdênciae Assistência Social. Nada na área social.Cada um que se vire para comprar sua apo-sentadoria, seu plano de saúde. Isso con-traria os ditames da Constituição Federal,que no seu artigo 3°, inciso I, elenca comoobjetivo da República Federativa do Brasilconstruir uma sociedade, livre, justa e soli-dária, tendo princípio fundamental a digni-dade humana.

c) O servidor público - O grande vilãoPara analisarmos tal questão, fun-

damental que colacionemos trecho do arti-go intitulado“ A Previdência e seus Refor-mistas”, publicado na Revista Consulex,n°149, de 31/3/2003, pg.19, de autoria doex-ministro Jarbas Passarinho: “(...) Em pri-meiro lugar, é necessário saber ao menossuperficialmente a origem da PrevidênciaSocial e qual a relação entre o Estado eas profissões vinculadas ao serviço públi-co. O presidente Getúlio Vargas, aprovei-tando os estudos de Eloy Chaves, sepa-rou a previdência e assistência social dotrabalhador da devida aos servidores doEstado. Aquele trabalha para si mesmo,segundo as regras do mercado. A ele, opresidente criou o Ministério do Traba-lho servindo-se da colaboração importan-

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te de Lindolfo Collor, garantiu justiça narelação entre o empregador e empregado,sob a direção do Estado.

Para os servidores públicos, o pre-sidente, considerando que eles servem aoEstado, que é o patrão, trabalham para acomunidade, deu-lhes garantias em com-pensação às serventias naturais da profis-são civil e militar. Quem ingressasse no ser-viço público (por concurso), no ramo civilou militar, teria restrições de sua cidada-nia mas assegurava duas vantagens impor-tantes: a estabilidade e a aposentadoriaintegral, pelo último salário ou vencimen-to, além do pagamento em dia, o que não sedava com os servi-dores estaduais emunicipais, muitasvezes vítimas deatrasos considerá-veis de meses nãopagos.”

Segundoainda Passarinho:“(...) Assim foi eassim se manteveaté a metade dadécada dos oiten-ta do século passa-do. Os servidoresdo Estado nãocontribuíram se-não para a pensãoque deixavam pormorte. A União co-meçou a ter difi-culdade financei-ra para honrar sua obrigação. O governocriou, então, a contribuição obrigatóriados servidores na atividade para a apo-sentadoria, segundo o princípio adotadopara os trabalhadores assalariados. Cadaum contribui diferindo um percentual doseu vencimento mensal, que é absorvidopelo Orçamento Fiscal, pretensamentepara cobrir os gastos futuros com a apo-sentadoria. Só que isso é ainda muito pou-co em comparação com o que o Tesourotem a pagar para os inativos. Confessan-do quebra do Tesouro e a mudança radi-cal da concepção de serviço público ado-tada nos anos de 1940 por Getúlio Var-gas, o governo FHC tentou obrigar tam-bém os aposentados e pensionistas a con-

tribuírem como fontes,para cobrir o quechamou de “rombo da Previdência”. OSupremo impediu. Ora, não se tratava dainstituição Previdência Social, mas de umagarantia implícita no contrato de traba-lho, ao submeter-se o candidato ao serviçopúblico mediante concurso, o que o diferedo trabalhador assalariado comum.”

Não existe propriamente um siste-ma previdenciário do setor público. Paraque isso ocorra, é míster que haja sistemade financiamento, com a participação doempregador e do Estado, que se fundiriamna mesma pessoa.

Tal sistema não existe. O que seacha positivado é a apo-sentadoria do servidorpúblico, que é paga porrecursos extraídos doorçamento fiscal. Ne-nhuma contribuição doempregador (no caso, aAdministração Pública)encontra-se definida.

O equilíbrio fi-nanceiro e atuarial,como quer o artigo 40 daCF/88, foi colocado demaneira equivocadapela EC n° 20, haja vistaque as contribuições re-colhidas do servidorpúblico não são depo-sitadas em fundos, massão alocadas diretamen-te com verbas do orça-mento fiscal. Não há

para o servidor público um orçamento daseguridade social, tal qual definido para osetor privado.

Nos sistemas de financiamentoexistentes, para que haja o equilíbrio finan-ceiro e atuarial somente com a participaçãodo servidor público, é míster que se adoteo sistema de capitalização. Não é o modeloatualmente adotado pela Constituição, queé o da Repartição Simples. É o que se pre-tende no futuro com a Previdência Comple-mentar Oficial.

Assim, o déficit de R$ 53 bilhõesanunciada pela Revista Veja trata-se deoutra falácia. Configura-se, em verdade,obrigação do Estado para com os servido-res que, em troca de restrição de sua cida-

dania, optaram por servir à sociedade.

ConclusãoO regime de Previdência Social

para o setor privado, criado pela EmendaConstitucional n° 20, desdobrou-se em doissistemas: previdência pública e básica, sobregime de repartição simples, com tetos decontribuição e benefícios limitados; e pre-vidência complementar privada, dirigidapara os trabalhadores de maiores salários,sob o regime de capitalização.

Para o setor público, a reforma abriubrecha para fixar o teto dos benefícios nosmesmos moldes do Regime Geral de Previ-dência Social (RGPS); e, para quem ganharacima desse teto, a Previdência Complemen-tar Oficial no sistema de capitalização.

Esses sistemas foram idealizadoscom o intuito de formação de grandes fun-dos para financiar o grande capital, similarao modelo americano, em que grande par-te de sua economia é financiada pelos fun-dos de pensão.

Para tanto, uma das grandes prerro-gativas do grande capital é subtrair os direi-tos sociais e trabalhistas estabelecidos naConstituição, substituindo-os pelos direitosdo consumidor e assistência aos pobres.

Em suma: privatizar os lucros esocializar os prejuízos.

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VIANNA, Maria Lúcia Teixeira Werneck. AAmericanização ( perversa) da SeguridadeSocial no Brasil, Editora Revan,Rio de Janeiro,1998.

Não existe noorçamento rubricaque possa destinarverba diretamente àPrevidência Social.

Nessa perspectiva, nãohá como falar em

equilíbrio daPrevidência

Social, mas, sim, daSeguridade

Social.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200330

Retomando o debateda reforma da

Previdência Social

ApresentaçãoA pauta de reformas colocada pelo

governo Lula provoca um amplo e demo-crático debate a respeito de assunto tãocomplexo e delicado como é a Reforma daPrevidência. Este debate se insere hoje numcontexto muito especial para nós, brasilei-ros e latino-americanos. A histórica elei-ção de Lula representa um marco para oBrasil e a América Latina, abrindo efeti-vamente um novo período onde teremosuma oportunidade única de re-fundar nos-so país com a esperança de construir umasociedade mais justa e igualitária!

É, portanto, com esse espírito –o de contribuir e participar dessa cons-trução coletiva - que apresento algunspontos para a nossa reflexão e debate,tratando de re-visitar um tema sobre oqual trabalho desde 1985, quando parti-cipei da gestão do então ministro WaldirPires no Ministério da Previdência e As-sistência Social, o MPAS.

IntroduçãoMobilizada pelo espírito da aber-

tura democrática de meados dos anos 80,a sociedade brasileira participou de inten-so debate a respeito das mudanças que sefaziam necessárias para transformar o en-tão Estado autoritário num Estado demo-crático. Entre as reformas debatidas nes-se período estava a da Previdência Social,marcada pelo centralismo autoritário daditadura militar e já corroída pelo modeloeconômico que endividou o Estado brasi-leiro e gerou as bases para uma crônicacrise fiscal. Importantes mudanças foramfeitas ainda antes da Constituição de 1988,como a isonomia entre trabalhadores ur-banos e rurais e a universalização do en-tão INAMPS (Instituto Nacional de As-

* Laura Tavares Soares é doutora em Economia do Setor Público. Professora da UFRJ e Pesquisadora do Laboratório dePolíticas Públicas da UERJ. Autora dos livros Ajuste Neoliberal e Desajuste Social na América Latina (Ed. Vozes, 2001); OsCustos Sociais do Ajuste Neoliberal na América Latina (Ed. Cortez, 2a. ed. 2002); e O Desastre Social (Ed. Record, 2003).

Organizadora do livro Tempo de Desafios: a Política Social Popular e Democrática no Governo do Rio Grande do Sul (Ed.Vozes, 2002). Correio eletrônico: [email protected]

Laura Tavares Soares *

sistência Médica Previdenciária).Com a Constituição de 1988 a Pre-

vidência Social entrava para o capítulo daSeguridade Social, concepção inovadoraque tratava de implantar um sistema deProteção Social mais amplo e inclusivo,onde os seus benefícios fossem universa-lizados e superassem a visão securitáriada equivalência contributiva, onde cadaum não recebesse apenas de acordo como que contribuía, mas também de acordocom suas necessidades. O sistema exclu-sivamente baseado no Seguro reproduziaa profunda desigualdade pré-existente nomercado de trabalho em termos de oportu-nidades e salários, além de deixar de foraos que não conseguiam inserir-se nessemercado de modo formal.

Com a crise econômica e a crisefiscal do Estado brasileiro já no final dosanos 80, e com a eleição de Collor a par-tir de um programa neoliberal, iniciou-se– antes mesmo de que lográssemosconstruir a Seguridade Social previstana Constituição – um processo de des-monte do Estado e de retrocesso do pon-to de vista da concepção generosa deuma Proteção Social universal baseadanos direitos de cidadania.

A década de 90 foi profunda-mente marcada pela agenda neoliberal,cujas reformas faziam parte das chama-das “condicionalidades” dos emprésti-mos externos do FMI. Os Pontos cen-trais dessa agenda eram:· Diminuir o déficit fiscal atribuído ao gastopúblico (partindo da premissa de que gas-to público não é investimento – sobretudoo gasto social)· Promover a reforma do Estado, remode-lando suas funções na perspectiva de au-mentar a sua “eficiência” através da di-

minuição de custos.· Aumentar a “competitividade” reduzindoos custos sociais das empresas e flexibili-zando a mão-de-obra.

Ao analisar-se as reformas nomarco proposto pelos Organismos Inter-nacionais para a Seguridade Social na Amé-rica Latina, uma parte dos países adotou ochamado modelo de capitalização, transfor-mando seus sistemas públicos de reparti-ção em sistemas privados baseados nosseguros individuais. Outros países adota-ram um sistema misto, mantendo uma Pre-vidência Pública Básica e abrindo espaçopara uma Previdência Complementar pre-dominantemente privada. A aplicação me-cânica desses modelos, no entanto, na mai-oria dos casos não levou em consideraçãonem a evolução histórica nem a composi-ção estrutural de cada sistema de segurida-de social, desrespeitando, portanto, as es-pecificidades de cada país.

O modelo de capitalização – inau-gurado pelo Chile nos anos 80 ainda naditadura de Pinochet - é hoje amplamentecriticado tendo em vista os inúmeros pro-blemas de sustentação financeira do siste-ma; os altos custos de transição e de admi-nistração do sistema – sempre penalizandoos cofres públicos; as baixas taxas de repo-sição quanto se trata de trabalhadores debaixos salários; e o seu caráter excludente,mantendo uma cobertura muito baixa dapopulação ocupada. Além disso, não háevidências de que a poupança gerada poresse sistema tenha significado um aumen-to do investimento produtivo direto e mui-to menos uma elevação das taxas de cresci-mento econômico. A experiência chilenatraz alguns dados ilustrativos. O processode transição de um regime a outro trouxeuma série de problemas e de riscos difíceis

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de solucionar. As estimativas são de que atransição chilena custou aos cofres públi-cos cerca de 25% do PIB, e só foi possívelgraças à disponibilidade de recursos dochamado Fundo do Cobre. A proporção detrabalhadores com baixos salários que con-tribuem regularmente para os fundos pre-videnciários é de cerca de 50%. Os encar-gos e comissões penalizam muito mais es-ses trabalhadores, na medida em que sãobaseados em uma taxa uniforme ou em umaquantia mínima. O risco de receber um be-nefício muito baixo não afeta somente ostrabalhadores pobres como também o Es-tado, que tem que conceder um benefícioassistencial à grande maioria deles paracomplementar sua aposentadoria, postoque a capitalização dos fundos não é sufi-ciente sequer para pagar a aposentadoriamínima (no caso chileno, 80% do saláriomínimo). Quanto ao argumento de que apoupança gerada por esse sistema seriautilizada para impulsio-nar o crescimento econô-mico, as evidências tam-bém mostram que a reali-dade é bem diferente.Mais uma vez no Chile,onde o regime de capita-lização é obrigatório e ataxa mínima de contribui-ção (10% da remunera-ção do trabalhador) ébem alta, a taxa de pou-pança de 21% do PIB em1980 manteve-se em ní-veis abaixo de 20% aolongo da década. Os em-presários, por sua vez,não aumentaram seus in-vestimentos produtivosno país e o que os im-pediu foi simplesmentea escassez de fundos,admitindo-se que a demanda do consu-midor não foi suficiente para atrair inves-tidores e que um novo regime de pou-pança deprimiu ainda mais os “merca-dos”. Quanto à meta de promover o de-senvolvimento dos mercados de ações,as evidências são de que nos países me-nos desenvolvidos os mercados de capi-tais funcionam de forma deficiente. Istosem falar na atual crise mundial dessesmercados, mesmo nos países avançados,inclusive nos EUA, onde, junto com oReino Unido, já se iniciou um debate so-bre o pernicioso papel de seus mercadosde ações relativamente à sua competiti-vidade perante a Alemanha e o Japão.

A pergunta que se faz hoje - nasdiversas críticas a esse modelo de capitali-zação - é se seria realista esperar que umsistema de benefícios não apenas garantaa segurança da aposentadoria como tam-

bém resolva os problemas de sub-investi-mento e baixo crescimento econômico1 .

Com relação ao modelo misto,aparentemente tão claro e tão lógico, nacomplexa realidade brasileira reveste-se demúltiplas interrogações e indefinições. Nãoé à toa que o processo de reforma foi defla-grado em 1993 e ainda era considerado “in-completo” ao final do governo FHC. Osproblemas e perguntas relativas a essemodelo que ainda permanecem são: o ta-manho da Previdência Pública ou do Siste-ma “Básico” (definição dos tetos), definin-do qual a sua cobertura; o seu poder redis-tributivo dada a exclusão dos contribuin-tes com altos salários; qual o preço pagopelos cofres públicos em termos de subsí-dios e incentivos / isenções fiscais parafinanciar a Previdência Complementar Pri-vada; a baixa taxa de contribuição e a sus-tentabilidade do sistema complementar;como resolver a incorporação dos “infor-

mais” em um sis-tema baseado ex-clusivamente emcontribuições in-dividuais; entreoutros.

A experiênciados países queadotaram um sis-tema misto comuma PrevidênciaPública ou um Re-gime Básico “Mí-nimo” foi a cons-tituição de uma“Previdência paraPobres” e o forta-lecimento de umsistema privadoc o m p l e m e n t a rpara os que “po-dem pagar”, com

altas taxas de exclusão inclusive de setoresda classe média, hoje afetada pelo desem-prego e pela precarização do trabalho. Emnenhum desses países há evidências deredução do déficit fiscal ou de aumento dataxa de poupança com investimentos pro-dutivos e geração de empregos.

As reformas no BrasilA Previdência Social brasileira ain-

da é o maior Sistema de Seguro Social daAmérica Latina, possuindo a maior cober-tura tanto urbana como rural. Além disso,desde os anos 70, mas, sobretudo, a partirda Constituição de 1988, assumia caracte-rísticas de Seguridade Social ao incorporara Assistência Social, com programas debase universal, e a Saúde – cujo sistema deacesso universal é único na América Lati-na. O Sistema Previdenciário brasileiro pos-sui ainda um corpo de benefícios sociais

de natureza assistencial muito importantepara uma parcela relevante da populaçãobrasileira (a maioria) não segurada. Dessaforma, a Previdência representa uma pode-rosa política social para amplos e desfavo-recidos setores no Brasil. Em inúmeras ci-dades de pequeno e médio porte, os bene-fícios previdenciários, sobretudo as apo-sentadorias, se constituem hoje na única e/ou principal fonte de renda das famílias debaixa renda, sobretudo na área rural. A am-pliação dos benefícios rurais representouuma das mais importantes políticas sociaisno Brasil2 .

A propostas de reforma da Previ-dência dos anos 90 tiveram início no con-texto do debate das chamadas ReformasConstitucionais em 1993, inserida no mar-co das reformas neoliberais que atingiramo Estado brasileiro as quais, por sua vez,situaram-se num processo de ajuste estru-tural ainda mais amplo. Este processo deajuste possuiu determinações e implicaçõeseconômicas e políticas. As de natureza eco-nômica eram as mais evidentes e serviramde base para os principais argumentos danecessidade da reforma por parte dos go-vernos Collor e FHC.

Dessa forma, a Previdência Socialtal como concebida na Constituição de 1988foi seriamente atingida pela Emenda Cons-titucional 20/98 feita no período FHC, ten-do sua abrangência e seu caráter públicoperigosamente abalados pelas propostasrestritivas quanto aos benefícios sociais eà estrutura de financiamento; com conse-qüências sociais imprevisíveis – dada a suaimportância para extensos setores da po-pulação, sobretudo os mais carentes, quedependem dos benefícios da Previdênciapara a sua subsistência. A Reforma reves-tiu-se de um fundamento técnico, apresen-tado pelos tecnocratas da Previdência, mas,sobretudo, pelos economistas do Ministé-rio da Fazenda, através de fórmulas e equa-ções extremamente complicadas, praticamen-te incompreensíveis por parte da grandemaioria da população, e que praticamentepassaram desapercebidas, como foi o casodo Fator Previdenciário, cuja equação in-troduziu a idade no cálculo da aposentado-ria, fazendo com que os segurados, inde-pendentemente de entrar precocemente nomercado de trabalho, passassem a ser obri-gados a trabalhar mais tempo para aposen-tar-se com o mesmo valor; ou seja, os tra-balhadores de mais baixa renda (e entre eles,sobretudo as mulheres) - que são os quecomeçam a trabalhar mais cedo – foram osprincipais afetados.

Essa reforma foi aprovada peloCongresso em dezembro de 1998 (atravésda Emenda Constitucional no. 20) sem ne-nhum tipo de debate com a sociedade ecom os setores envolvidos. Todas as ques-

Com a criseeconômica e acrise fiscal do

Estado brasileirojá no final dos

anos 80, e com aeleição de Collor,

iniciou-se umprocesso dedesmonte do

Estado

tões problemáticas da Reforma FHC nãoencontraram nem canais de expressão nemforos de debate políticos eficazes, na medi-da em que o Congresso, principal locus dediscussão e decisão (formal) em torno daReforma foi totalmente controlado e mani-pulado pelo então governo FHC.

O regime dos servidores públicostambém foi alterado, aumentando o tempode contribuição da maioria das categorias,e implantando um regime de transição paraos antigos funcionários. No entanto a alte-ração mais importante está no artigo 202 daConstituição a partir da EC 20: a fixação deum teto de benefícios para esse regime quan-do fosse assegurada a complementação deaposentadorias e pensões por meio de pla-nos de aposentadoria complementar, exo-nerando os entes federativos de garantir opagamento de benefícios acima do teto fi-xado para o Regime Geral da PrevidênciaSocial (RGPS). Essas novas regras consti-tucionais permitem o estabelecimento deregras que possibilitariam introduzir no Bra-sil um processo similar ao dos EUA de cres-cimento dos Fundos de Pensão, basicamen-te a partir de mudanças no regime de previ-dência dos servidores públicos. “Os fun-dos de pensão, embora sejam um instrumen-to para garantir direitos dos empregados,mas que no caso dos servidores estatutári-os têm a finalidade de substituir, com direi-tos menores, o atual sistema, são altamenteatraentes para o setor privado como umaforma de atrair poupança tendo em vistauma renda na aposentadoria.” 3

A partir do momento em que en-trasse em vigor a legislação complementar– sintetizada no Projeto de Lei Comple-mentar 09/99 - destinada a regulamentar onovo sistema, seria assegurado aos funci-onários públicos estatutários um regime“básico”, específico, porém submetido àsmesmas regras gerais do RGPS, que asse-guraria um benefício até o limite máximolegalmente definido, acrescido de um be-nefício a ser concedido por um regime deprevidência complementar sob regime decapitalização e, presumivelmente, de con-tribuição definida. Isto traria repercussõesprofundas ao dimensionar o volume de re-cursos que seriam transferidos para a pre-vidência privada. Uma vez aderindo a essesistema, para fazer jus à complementação,os servidores teriam que contribuir por umlongo período, com base nas regras dopróprio plano, para ao final da sua vidaprofissional se habilitarem a um benefícioque dependeria do quanto houvessempoupado e do quanto as suas poupançasindividuais tivessem capitalizado. Umaentidade de previdência aberta ou umaseguradora lhe pagaria um benefício cujovalor dependeria das reservas, cujas re-gras de reajuste ou preservação do poder

de compra são desconhecidas.4

Com isso, a intenção até agora foidemonstrar, de modo resumido, que o pon-to de partida para qualquer reforma no fu-turo tem que levar em consideração essasmudanças já implementadas pela EC 20/98(e as previstas na respectiva legislaçãocomplementar) no sentido de revertê-las oumodificá-las no contexto de um novo Pro-jeto de Previdência Pública. Mantidas asregras impostas por essa emenda, uma uni-ficação do sistema previdenciário brasilei-ro nessas bases seria “nivelado por baixo”,na medida em que o atual teto do RGPS émuito restrito – com a conseqüente redu-ção da Previdência Pública - e que o FatorPrevidenciário impõe perdas consideráveispara os seus segurados.

A questão do financiamento nocontexto da seguridade 5

O financiamento da PrevidênciaSocial continua sendo o principal argumen-to para a sua reforma. A Constituição de1988 preconizava que a Seguridade Social,como uma totalidade, deveria ser financia-da por “toda a sociedade”, de forma “dire-ta e indireta”, mediante recursos dos orça-mentos da União, Estados e Municípios;das contribuições sociais (empregadores -folha de salários, faturamento e lucro - eempregados); e das receitas de concursosde prognósticos. Apesar da criação formaldo Orçamento da Seguridade Social, estenunca foi implementado na prática tal comoprevisto na Constituição. Não foram defi-nidos critérios claros sobre a partilha derecursos entre os três setores (Previdên-cia, Saúde e Assistência Social) e os recur-sos têm sido negociados a cada lei orça-mentária anual. Desde 1992 o que tem ocor-rido é uma “especialização” das fontes, re-sultando, pela primeira vez desde os anos70, em uma divisão de recursos onde ascontribuições sobre folha de salários fica-ram restritas à Previdência Social, sobran-do uma parte das demais contribuições eos recursos fiscais, submetidos ao ajuste,para a Assistência Social e a Saúde (estacom alguns acréscimos parciais, como par-te da Contribuição sobre a MovimentaçãoFinanceira, a CPMF). A retirada de recur-sos contributivos da Seguridade Socialpara a Saúde representou uma substanci-al redução dos recursos para a Assistên-cia Médica no SUS.

A especialização das fontes derecursos, além de fragmentar os setorescomponentes da Seguridade, deixa-os su-jeitos ao comportamento cíclico de cadafonte da qual dependem. Em oposição aessa especialização, existiram propostas,oriundas principalmente daqueles setoresque queriam preservar a unicidade da Se-

guridade Social, de vinculação de recursos.Esta vinculação se daria basicamente deduas formas: através de percentuais dife-renciados das receitas de impostos e decontribuições, ou através de percentualúnico do conjunto das receitas que com-põem o Orçamento da Seguridade Social.Esta vinculação a um percentual único doconjunto das receitas, além de dar maiorunicidade e visibilidade ao Orçamento Úni-co da Seguridade, garantiria que o impactodas possíveis flutuações cíclicas de cadauma das fontes fosse distribuído de formamais equânime pelos setores, diminuindosua vulnerabilidade.

O que se quer destacar, portanto,é que a Seguridade Social no Brasil nuncase constituiu na prática, sendo o seu pro-cesso de implantação interrompido. Ape-sar da sua “existência” legal e formal, elafoi constrangida do ponto de vista de suasações, de seu financiamento, e de seusgastos. Boa parte do que está inscrito naConstituição a respeito da SeguridadeSocial não foi cumprido, o que tornou os“ímpetos reformistas” do passado recen-te apressados e superficiais, não indo àraiz dos problemas e apresentando “solu-ções” fragmentadas. É por isso que pro-pomos incluir, no debate de uma nova re-forma da Previdência, a perspectiva daSeguridade Social, tratando de pensar umsistema amplo de Proteção Social para to-dos, e não apenas para os “incluídos”.

O programa do PT para aPrevidência

Em seu programa de governo, oPartido dos Trabalhadores (PT) apresen-tou a sua proposta de Reforma da Previ-dência. Nela propõe “a criação de um sis-tema previdenciário básico universal,público, compulsório, para todos os tra-balhadores brasileiros, do setor públicoe privado. O sistema deve ter caráter con-tributivo, com benefícios claramente es-tipulados e o valor do piso e do teto debenefícios de aposentadoria claramentedefinido....Em complemento ao sistemapúblico universalizado, aos trabalhado-res tanto do setor público como do pri-vado que almejam valores de aposenta-dorias superiores ao oferecido pelo tetoda previdência pública, haverá o siste-ma de planos complementares de aposen-tadorias, com ou sem fins lucrativos, decaráter facultativo e sustentado por em-pregados e empregadores”.6

No que diz respeito ao RGPS, oprograma do PT assume a existência de umdéficit explicando em parte a sua natureza;colocando como “um dos objetivos de umareforma estratégica”, “adotar normas declareza, transparência e eficácia contá-

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bil, definindo claramente cada modalida-de de benefício e sua fonte de financia-mento”.7 Reconhece ainda a baixa taxa decontribuição entre os trabalhadores comoum fator de restrição da cobertura do siste-ma previdenciário. Destaca a importânciada fiscalização e das punições contra a so-negação e a fraude. No entanto, associaessa informalidade ao peso das contribui-ções dos empregadores de forma linear,além de considerá-lo um “elemento de re-dução de competitividade dos produtosbrasileiros”. Dessa forma, propõe que asfontes de financiamento “devam ser ob-jeto de negociação no âmbito da Refor-ma Tributária”. Assume, ainda, a pre-missa de que uma política de forte cresci-mento econômico terá conseqüências po-sitivas no “equilíbrio financeiro do sis-tema previdenciário”.8

Com relação à Previdência do Se-tor Público, afirma a existência de um “défi-cit” ainda maior que o do setor privado.Sobre os Regimes Próprios de PrevidênciaSocial (RPPS), afirma que “no nosso gover-no, respeitando o princípio do direito ad-quirido, combatendo privilégios, buscan-do uniformizar e racionalizar os procedi-mentos administrativos que hoje estão ex-pressos em uma miríade de centros difusosde administração previdenciária nos en-tes federados, acelerando o processo deimplementação dos RPPS de sorte a re-cepcionar as contribuições previdenciá-rias dos servidores para fins de aposenta-doria, já que atualmente em muitos entesfederados não há contribuição para aque-la finalidade, deve buscar a negociaçãode um contrato coletivo do setor públicono qual os assuntos trabalhistas e previ-denciários devem ser objeto de ampla edemocrática negociação.”9

Finalmente, quanto à previdênciacomplementar, o PT propõe que esta “podeser exercida através de fundos de pensão,patrocinados por empresas ou instituídospor sindicatos...”, devendo ser entendidatambém “como poderoso instrumento defortalecimento do mercado interno futuroe fonte de poupança de longo prazo parao desenvolvimento do país. É necessáriocrescimento e fortalecimento dessa insti-tuição por meio de mecanismos de incen-tivo”. Para o seu desenvolvimento, se co-loca como “imprescindível” a revisão e oaprimoramento de todo o sistema regulató-rio da previdência complementar, “uma vezque ele tem se mostrado, em alguns dosseus aspectos, inibidor do crescimento dosetor”. Dessa forma, “a regulamentaçãodos novos fundos de pensão, com foco noestímulo à sua difusão, beneficiará notá-vel contingente de participantes atual-mente excluídos desse sistema.” 10

Tendo apenas como referência o

que está no Programa de Governo do PT, esem entrar no mérito das informações vei-culadas pela imprensa a respeito do queseria a Reforma da Previdência, levantamosalguns pontos que consideramos relevan-tes para o debate aberto pelo governo Lulasobre tão complexo e delicado tema.

As principais questões que aindaestão postas e que constituem pontos pro-blemáticos a serem resolvidos na propostaem pauta seriam, em síntese:· O tamanho da Previdência Pública (ou,como diz o Programa do PT, do SISTEMAPÚBLICO UNIVERSALIZADO); ou seja,qual seria a abrangência da previdênciaestatal. No caso brasileiro, se mantidos osatuais tetos (de contribuição e de benefíci-os) em dez (10) salários mínimos, a cobertu-ra se manteria mais ou menos como estáhoje, ou seja, com uma abrangência aindaque relevante dada a distribuição salarialda população empregada no setor privado,insuficiente do ponto de vista do cumpri-mento de um papel redistributivo na medi-da em que apenas reproduz a atual estrutu-ra salarial. Por outro lado, na hipótese deunificação do siste-ma, esse teto seria in-suficiente para incor-porar os salários maisaltos através de con-tribuições progressi-vas que permitissemalguma redistribuição“para baixo”, “expul-sando” do sistemapúblico aqueles capa-zes de dar essa maiorcontribuição.· Além disso, semessa contribuiçãoprogressiva – oumesmo sem um teto– que permita incluiros salários mais al-tos, é bem possívelque aumente, aí sim,o déficit da Previdên-cia Pública.· Caso esses tetos sejam rebaixados, a Pre-vidência Pública reduziria sua cobertura eexcluiria parcela importante da classe mé-dia, jogando-a nos braços da PrevidênciaComplementar Privada (classe média essa,por sinal, com cada vez menos condiçõesde pagar por um seguro privado, como jáse verifica nos Seguros-Saúde privados).Com isso se estaria processando uma im-portante transferência de poupança públi-ca para uma poupança privada.· Qual seria o preço pago pela Sociedade,em termos de subsídios e incentivos fis-cais, para financiar a expansão de uma Pre-vidência Complementar Privada.· Quais as garantias que esses fundos de

capitalização garantam um benefício ou umaaposentadoria equivalente ao valor dascontribuições individuais – tendo em vistaa crise mundial dos mercados de capitais eas evidências internacionais da falência, dainoperância e dos altos custos dos segu-ros privados.· Qual o custo da transição e os riscos deum aumento indesejado do déficit fiscal11 .· Com a baixa taxa de contribuição para aPrevidência dos trabalhadores brasileiros(devidamente apontada no programa doPT), como sustentar uma Previdência Pú-blica no curto prazo baseada apenas nosbaixos salários, certamente concentradosem ocupações precarizadas e em empresaspequenas que são intensivas em mão-de-obra e que contribuem proporcionalmentemais que as grandes empresas intensivasem capital.· Dado o brutal aumento da informalidade edo desemprego, não se pode sobrecarre-gar a folha de salários como base do finan-ciamento da Previdência. O princípio damultiplicidade e diversidade de fontes, com-binando outros recursos contributivos

(além da folha de sa-lários) com recursosfiscais, já apontadona Constituição, pre-cisa ser incorporadoe debatido nas pro-postas de reforma.· O corte ou a redu-ção dos valores dosbenefícios, além denão resolver esseproblema estruturaldo Financiamento,traria conseqüênciassociais graves, sobre-tudo em momentos decrise e de recessão. Épreciso, portanto,deixar claro para aSociedade que o pro-blema não está nogasto e sim na receita

previdenciária. Nessa perspectiva, é preci-so repor o debate que transformou em “lu-gar comum” os chamados “privilégios” dosfuncionários públicos (a grande maioria combaixos salários e sem outros benefícios dosetor privado, como o FGTS). Se existemprivilégios, é preciso identifica-los de for-ma isolada, suprimindo-os mais em funçãode princípios éticos do que financeiros.

Finalmente, outro ponto proble-mático diz respeito à redefinição – de umavez por todas e de forma mais clara etransparente – da real incidência do gas-to previdenciário sobre as contas públi-cas, sobretudo o seu alegado impactosobre o déficit fiscal. Neste sentido é pre-ciso levar em conta:

O processo detransição de um

regime a outro noChile trouxeuma série de

problemas e de riscos.Estima-se que

a transição chilenacustou aos

cofres públicoscerca de 25%

do PIB.

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· A verdadeira natureza financeira do défi-cit fiscal = o peso da dívida e dos juros.· Os cálculos do suposto déficit previden-ciário que consideram como receita apenasa folha de salários, não considerando oconjunto das contribuições sociais; e queinclui como gasto os benefícios com As-sistência Social.· A arrecadação das contribuições quetem crescido proporcionalmente mais doque o PIB.· A Desvinculação sistemática de Recur-sos da União (a DRU) que “esteriliza” deforma linear 20% de toda a arrecadação.Segundo Melo Filho12, dados oficiais re-velam que em 2001 o total da arrecadaçãodas contribuições sociais foi de R$136,9bilhões (receita previdenciária líquida, CO-FINS, CSLL, CPMF, etc.), enquanto que adespesa total foi de R$105,4 bilhões (dosquais apenas R$73,6 bilhões com benefíci-os previdenciários); o que deu um superá-vit de R$ 31,5 bilhões, repassados ao Orça-mento Fiscal da União,para gerar superávitprimário e para pagar adívida pública. Segun-do documento da AN-FIP (Associação Naci-onal dos Auditores Fis-cais da Previdência), emrelação ao ano 2000,durante a execução or-çamentária do primeirosemestre verificou-seque as receitas própri-as do Orçamento daSeguridade superaramas suas despesas emR$ 5,783 bilhões, mes-mo considerando-seos R$ 12,140 bilhõesrelativos à previdênciados servidores públi-cos federais (Encar-gos Previdenciários da União), essa cate-goria sobre a qual se lançam acusaçõestão graves e que hoje é colocada comobode expiatório do suposto déficit previ-denciário.· Os pedidos de aposentadoria – sobretu-do do setor público - sempre aumentamquando são anunciadas reformas da Pre-vidência – aumentando mais ainda os gas-tos com aposentadorias.· E, finalmente, que o gasto público socialseja considerado como fator de investi-mento e de desenvolvimento, e não ape-nas como “déficit”.

ConclusãoSe uma Reforma da Previdência é

inevitável e necessária, em um governoDemocrático e Popular como o nosso elanão pode ser vista isolada e fragmentada-

mente. Reforçamos a idéia de retomar aperspectiva da Seguridade Social – con-sagrada na Constituição de 1988 e nuncaefetivada – que tenha como propósitomaior a construção de um Sistema de Pro-teção Social que garanta a cidadania da-queles que não têm possibilidade de in-corporação pelo “mercado”.

É preciso, portanto, ir mais alémda perspectiva do Seguro baseado no mer-cado formal de trabalho. No nosso caso, os“não-incorporáveis” ou “não incluídos”nesse mercado representam a grande maio-ria da população. Mesmo num cenário oti-mista de crescimento econômico, as possi-bilidades de ampliação de um mercado for-mal de trabalho ainda são muito remotas noatual contexto mundial.

É preciso superar o princípio daequivalência – só recebe aquele que con-tribui – substituindo-o pelo princípio danecessidade e do direito. É preciso explici-tar que todos pagam pela Previdência Soci-

al na medida em queos custos das con-tribuições são re-passados aos pre-ços finais dos pro-dutos pelas empre-sas. Mais do queisso, dada a atual es-trutura de impostospredominantementeindireta, os pobrespagam proporcio-nalmente mais im-postos que os ricos.

No âmbito dascontribuições sobrefolha de salários, épreciso reduzir a suaregressividade: tan-to para os contribu-intes individuais (osque recebem mais

deveriam ter alíquotas maiores de contri-buição – do setor público e do setor priva-do) como para as empresas (diminuindo oscustos para as pequenas empresas intensi-vas em mão-de-obra e aumentando a con-tribuição das grandes empresas intensivasem capital e para as quais o custo da mão-de-obra é muito menor).

Os trabalhadores rurais – dadasas suas condições de trabalho e a sua me-nor expectativa de vida - devem continuarrecebendo seus benefícios independente-mente de contribuição.

É preciso, ainda, recolocar os ter-mos do debate sobre os funcionários pú-blicos, levando em consideração: o gravedesmonte do aparato público estatal; umcongelamento de salários sem preceden-tes; um processo de terceirização crescen-te, eliminando antigas carreiras que deixa-

ram de ser consideradas como “carreirasde Estado” (como nas áreas de Saúde e deEnsino Superior); a redução ou simples eli-minação da perspectiva de estabilidade ede uma carreira futura como elementossubstantivos para a constituição de umverdadeiro serviço que se pretenda públi-co, cujas características não podem e nãodevem ser igualadas às do setor privadoque atende aos princípios do “mercado”.A igualdade deve ser pensada no sentidoda responsabilidade estatal na proteçãoprogressiva aos mais frágeis – os que es-tão em condições inferiores de trabalho erenda – tanto do setor público como dosetor privado.

Na hipótese de optar por uma Pre-vidência Complementar, priorizar a consti-tuição de um sistema público, avaliandocom cuidado os riscos de uma transferên-cia de uma poupança pública para uma pou-pança privada, onde as garantias de queesta venha a representar de fato um “au-mento da taxa global de poupança” e quesignifique um aumento dos investimentosprodutivos são desmentidas pelas experi-ências internacionais (particularmente a doChile, no caso da América Latina).

Considerar, ainda, as evidênciasque demonstram a permanência do altocusto dessa opção baseada na capitaliza-ção: tanto para os contribuintes (que nocaso chileno chegam a pagar 35% de suascontribuições que não são baixas - em tor-no a 10% do seu salário - como custos ad-ministrativos das seguradoras privadas);como para o Estado (que é obrigado a com-plementar o pagamento de cerca de 40%das aposentadorias mínimas, em torno a80% do salário mínimo, no Chile).

A instauração, portanto, de umdebate público efetivamente democráticosobre o tema – tal como proposto pelo presi-dente LULA - certamente permitirá ama-durecer sobre as alternativas e as conseqü-ências de uma Reforma dessa natureza.

Notas

1 Relacionado a esse debate ver: Soares, L.Tavares.Ajuste Neoliberal e Desajuste Social na AméricaLatina. Petrópolis/RJ: Ed.Vozes, 2001; Beattie,R.e McGillivray,W. Uma estratégia arriscada: refle-xões acerca do informe do Banco Mundial intitu-lado Envelhecimento sem Crise. Revista Interna-cional de Seguridade Social da AISS, vol. 49, no.3-4, 1995; Banco Mundial. Envelhecimento semCrise: políticas para a proteção dos idosos e pro-moção do crescimento. Ed. Oxford UniversityPress: Nova York, 1994.

O corte ou aredução dos valoresdos benefícios, além

de não resolver oproblema estruturaldo financiamento,

traria conseqüênciassociais graves,sobretudo em

momentos de crisee de recessão.

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2 A esse respeito, ver textos de Guilherme Delgadodo IPEA.

3 Este é apenas um esboço do problema, de naturezamuito mais complexa. Sobre o Financiamento daSeguridade Social e sua relação com a Reforma Tri-butária, recomendamos especialmente a leitura dostrabalhos da Profa. Sulamis Dain, entre outros au-tores. Recomendamos ainda a leitura dos documen-tos das entidades dos Fiscais da Receita Federal(UNAFISCO) e dos Fiscais da Previdência (FENA-FISP) que apresentam dados e informações impor-tantes sobre o tema do Financiamento, bem comoproposições relevantes a respeito do tema.

4 Ver texto de Luiz Alberto dos Santos: O projetode Lei Complementar no.09/99 – PrevidênciaComplementar no Serviço Público – síntese daabordagem do problema. (Texto obtido na pági-na internet da Assessoria Parlamentar do PT, no-

vembro de 2000, p.3).

5 Idem, p.4.

6 Ver Reforma da Previdência. PROGRAMA DEGOVERNO DO PT. (Texto acessado na página dainternet do PT).

7 Idem.

8 Idem.

9 Idem. Parte do texto foi sublinhado pela autora.

10 Idem. Negritos da autora.

11 NUM EXEMPLO LIMITE, em 1998 – na épo-ca da reforma FHC - foram feitas estimativas docusto de transição numa eventual privatização“a la” chilena do sistema brasileiro - calculado

em 188% do PIB, ou R$ 1 trilhão e quatrocen-tos bilhões a transferência de recursos que seriafeita a fundos de pensão privados, abrindo im-portante filão para as seguradoras internacio-nais, a um custo de transição que será no míni-mo equivalente ao chileno, de 5% do PIB aoano, bem maior do que a totalidade do gastofederal com a Saúde mais a implementação darenda mensal vitalícia para 3,8 milhões de indi-víduos idosos. A elevação da carga compatívelcom esses custos de transição viria, em últimainstância, do povo brasileiro.

12 Hugo Cavalcanti Melo Filho*. Acerto de con-tas. Reforma da Previdência deve ser precedidade estudo. Revista Consultor Jurídico. Página daInternet, fevereiro de 2003. (* Presidente da As-sociação Nacional dos Magistrados da Justiça doTrabalho – ANAMATRA).

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Reforma dos regimes previdenciários dosservidores públicos do Brasil na perspectiva

histórica e da experiênciainternacional1

As reformas da previdência públi-ca, em todos os países, incluindo o Brasil eo debate que vem sendo veiculado pelamídia na atualidade, têm seguido a lógicada retração dos direitos, utilizando a termi-nologia de Pierson (2000). Segundo Merri-en (2001, 2003), as bases do Consenso deFiladélfia, baseadas em concepções eco-nômicas keynesianas e numa concepçãoweberiana do Estado foram substituídaspelas normas do Consenso de Washing-ton, onde dominam as normas da economiaclássica e de um ponto-de-vista crítico emrelação à ação do Estado. Em outras pala-vras, os trabalhadores passam a:· contribuir com valores maiores e/ou pormais tempo, e, concomitantemente,· depender de condições mais rigorosas deacesso às aposentadorias via elevação daidade fixada para ter direito aos benefíciose/ou redução do valor das prestações.

Esse movimento vem atingindo oBrasil desde o início dos anos 1990 e váriastêm sido as etapas do processo de refor-mas que visam remover as medidas preco-nizadas pela Constituição de 1988. A lógi-ca financeira ou fiscal das reformas foi apre-sentada em Matijascic (2002, 2003) e Mati-jascic e Leite Ribeiro (2003), de modo que écabível, no contexto do presente artigo, sedeter nas propostas referentes aos regimesprevidenciários do serviço público e verifi-car em que medida elas podem ser conside-radas um avanço ou um retrocesso no âm-bito dos direitos sociais existentes no país.

Considerando o escopo sugerido,

Milko Matijascic2

José Olavo Leite Ribeiro3

é preciso se deter na experiência internaci-onal, que adota os parâmetros da técnicados seguros sociais e vem sendo divulga-da por estudos patrocinados pela OIT- Or-ganização Internacional do Trabalho, comoem OIT (2002). Mas, mesmo com base nes-ses preceitos, será necessário situar os co-mentários historicamente no cenário brasi-leiro, marcado por elevados contrastes nadistribuição de renda e pela pobreza de umaparcela significativa da população. Em ou-tros termos, cabe seguir a proposição deEsping Andersen (1996) e situar os proble-mas nacionais em seu contexto para com-preender o que motivou os desdobramen-tos históricos de cada país.

Essa abordagem não é inócua,pois 85% dos servidores recebem saláriosinferiores a dois mil Reais. Assim, regrasuniformes que atingem a todos de formaidêntica não são defensáveis sob o prismada técnica dos seguros sociais, que prevê-em a a manutenção de um status na apo-sentadoria similar àquele existente em seuciclo de vida laboral.

Benefícios previdenciários deservidores: O debate atual

A reforma da previdência dos ser-vidores públicos que possuem estatutospróprios está na ordem do dia. O debatenacional que vem sendo apresentado pelamídia considera que as aposentadorias dosservidores representam um privilégio, quan-do comparadas às regras fixadas para oINSS. O ônus, segundo a argumentação da

mídia, seria insuportável para as finançaspúblicas, pois força a elevação da cargatributária e, por isso mesmo, reduz a com-petitividade dos produtos brasileiros nosmercados interno e externo. Para piorar, osservidores são acusados de prestar mausserviços, sua idoneidade é sempre coloca-da em xeque e a população é consideradauma vítima desse contexto. A reforma daprevidência regida pelos estatutos do ser-vidor são necessárias, portanto, para re-mover as desigualdades e dar condições àretomada do crescimento econômico quan-do é aceita a argumentação arrolada.

São dois os argumentos básicosque direcionam a discussão. O primeirodeles diz respeito ao déficit, ou seja, a arre-cadação de contribuições é insuficiente parapagar as despesas com aposentadorias epensões e o Estado é obrigado a utilizarrecursos do erário público para cobrir asnecessidades de financiamento. SegundoRicardo Berzoini, Ministro da PrevidênciaSocial, os dados apresentados revelam queo déficit, para o ano de 2002, teria sido de2,2% para a União; 1,7% para os Estados ede 0,3% para os municípios.

O segundo argumento conside-ra a enorme desigualdade que diferenciao valor das aposentadorias do INSS eaqueles que são pagos para os servido-res que possuem estatutos próprios.Considerando os servidores do governofederal, a média do valor da aposentado-ria representa 2.272 Reais para servido-res civis do Executivo, 4.265 para milita-

1 O presente artigo se baseia em relatório parcial de pesquisa patrocinada pela ANFIP- Associação nacional dos Fiscais deContribuições Previdenciárias

2 Doutor em Economia pela Unicamp, Consultor de Organismos Internacionais, Pesquisador da Unicamp e Coordenadorde Cursos de Especialização do Unisal- Americana.

3 Professor de Economia da UniFMU em S. Paulo, Mestrando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp, desenvol-ve pesquisa sobre o Déficit da Previdência Social no Brasil.

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res, 7.900 para o Legislativo e 8.027 parao Judiciário, enquanto que no caso doINSS esse total representou somente 389em 2002, segundo dados fornecidos peloBoletim do Servidor Público editado peloMinistério do Planejamento.

De acordo com os argumentosapresentados pela mídia, essa prodigalida-de afeta duramente as finanças públicas erequer medidas urgentes. O problema téc-nico mais grave é que o valor das contri-buições é insuficiente para pagar benefíci-os de tal magnitude, especialmente quan-do se considera que o seu valor é equiva-lente ao último salário bruto recebido peloservidor e a correção de seu valor é idênti-ca àquela destinada aos servidores em ati-vidade que ainda arcam com o ônus de con-tribuir para a previdência.

Partindo dos pressupostos apre-sentados, é possível dizer que a lógica sebaseia numa argumentação contábil, semconsiderar questões contratuais e o contex-to histórico em que os sistemas foram elabo-rados e consolidados, deixando entrever queessa seria uma questão estritamente técni-ca. No entanto, a literatura internacional e aprópria experiência do Brasil e da AméricaLatina apontam para o sentido oposto. Aestrutura demográfica, econômica, do mer-cado de trabalho, a situação social e o uni-verso cultural dos países são distintos, nãocabendo falar em modelo único ou em regrasideais, conforme vêm apontando os traba-lhos da OIT - Organização Internacional doTrabalho - sobre essa temática.

Além disso, a própria argumenta-ção econômica, que faz crer que essa é amelhor opção e aquela que deve gerar re-sultados mais efetivos é contestável, ten-do em vista que o desempenho de sistemasreformados com base nas premissas dosdefensores do Consenso de Washington émuito ruim e vem se agravando, colocandoem risco a qualidade de vida da populaçãoidosa e as finanças do Estado. A argumen-tação foi detalhadamente analisada em Ma-tijascic e Leite Ribeiro (2003), não cabendo,no presente escopo, retomar todas as suasdimensões. No entanto, o fato de nenhumdos países desenvolvidos adotar reformasdo tipo estrutural como no México, Argenti-na ou Colômbia, é muito revelador e mereceser sublinhado reiteradamente.

É preciso desfazer mitos e esclare-cer a situação, com base em argumentos te-óricos e empíricos baseados na experiênciabrasileira e de outros países. A experiênciabrasileira não é singular, nem desafia a nor-ma internacional, a despeito de existirem pro-blemas que devam ser removidos. Segundorelatório do Banco Mundial (2001), num uni-verso de 99 países, 23 adotam regime de apo-sentadorias único para os servidores e tra-balhadores do setor privado (entre eles EUA,

Japão, Chile, Argentina e Suécia) enquanto70 (a grande maioria) mantêm regimes sepa-rados (entre eles Alemanha, França, Itália,Bélgica, China, Índia e Brasil). Os demais 6países da amostra oferecem proteção ape-nas para seus servidores públicos (paísesmuito pobres da África).

Além disso, o tratamento contá-bil, que privilegia argumentos de matiz es-tritamente fiscal, é impróprio e não é efeti-vo, num contexto marcado pela estagna-ção econômica e por uma economia de mer-cado que não consegue criar fontes de di-namismo que permitam a retomada do de-senvolvimento econômico e social do Bra-sil, a despeito da privatização, da desregu-lamentação e da abertura para a concorrên-cia externa, que foram os quesitos já refor-mados com base nos ditames do Consensode Washington.

O primeiro mito é analisar a ques-tão das aposentadorias e pensões de ser-vidores com estatutos próprios sob a óticade um fundo previdenciário ou de um regi-me financeiro de repartição. No primeirocaso, seria necessário possuir recursos su-ficientes para queum indivíduo outoda uma geraçãopudesse receberbenefícios pro-porcionais àscon t r i bu i çõesefetivamente rea-lizadas, enquantono segundo ostrabalhadores ematividade da cate-goria deveriamsustentar os ina-tivos com baseem suas contri-buições.

A for-mulação dos sis-temas de aposen-tadorias e pen-sões do serviçopúblico, conforme apontou o ex-ministroRoberto Brant em 2001 é baseada no Esta-tuto do Servidor Público Civil Federal, doinício da década de 1950, que consolidou aestrutura ainda hoje vigente, baseada noprincípio do pro labore facto, por meio doqual a aposentadoria é uma extensão daremuneração da atividade. O referido Esta-tuto, conforme aponta Brant, foi a matrizdos demais regimes públicos nos Estadose Municípios. Assim, segundo Brant, cadaunidade da Federação adotou um regimepróprio de previdência, sem exigência decontribuição ou então com contribuiçãoapenas simbólica. Trata-se, portanto, de umsistema contratual que não relaciona con-tribuições e benefícios. Assim, a argumen-

tação baseada em déficit é juridicamenteinsustentável para o serviço público.

Entre 1938 e 1978 existiu um fun-do previdenciário para servidores federaischamado de IPASE- Instituto de Pensões eAposentadorias dos Servidores do Esta-do. Mas a falta de transferência de recur-sos por parte do Estado e a pouca transpa-rência em relação à utilização de fundos dostrabalhadores fez com que o IPASE fosseextinto e os servidores, com “carreiras típi-cas de Estado”, passassem a adotar a sis-temática descrita por Brant, enquanto osdemais passavam a ser atendidos pelo re-gime geral de previdência social, ou sejapelo antigo INPS.

Mas no processo que elaborou aConstituição de 1988 considerou que a du-alidade no tratamento dos servidores nãoera desejável e o serviço público federaldeveria adotar um regime jurídico único-RJU. Nos estados e municípios a mesmasistemática foi prevista, ou seja, o estatutodeveria ser o mesmo para todos os servi-dores, embora fosse possível preservar asregras para quem ingressou no sistema an-

tes de 1988.Já na reforma constituci-

onal aprovada em dezem-bro de 1998, o servidorcom estatutos própriospassava a se diferenciardos demais trabalhadorespor ter que se submeter auma idade mínima pararequerer a aposentadoriapor tempo de contribui-ção e precisar contar comdez anos de permanênciano cargo e cinco na fun-ção.No entanto, o princípio

da paridade da aposenta-ria com o último saláriobruto recebido foi manti-do, sendo consideradototalmente inadequadopelos críticos da reforma

por não levar em conta a evolução salarialde toda a carreira do servidor e utilizar abase de cálculo para o final do período.Segundo os críticos da reforma isso, por sisó, justificaria a necessidade de prosseguircom o processo.

Desde logo, é inegável que exis-tam diferenças muito acentuadas entre osrendimentos de servidores públicos e aque-les do restante da população. A desigualda-de, aliás, é uma das marcas da desigualdadeno Brasil, quando é considerado o contextointernacional e não apenas no terreno dasaposentadorias. Mas, vale dizer, cerca de80% dos salários do país são inferiores aomontante considerado necessário para ga-rantir a sobrevivência de uma família de qua-

O tratamentocontábil, com

argumentos de matizestritamente fiscal, é

impróprio numcontexto marcado pela

estagnaçãoeconômica e por umaeconomia de mercado

que não consegueretormar o

desenvolvimento.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200338

tro pessoas segundo o DIEESE com baseno valor do salário mínimo de 1940.

No entanto, comparando-se ossalários médios do setor público com car-gos de qualificação semelhante ao setorprivado, percebe-se que exatamente aque-les que seriam atingidos pelas reformas pro-postas pelo governo (os que ganham mais)estão em desvantagem pois em 1995 ga-nhavam cerca de 19% a menos do que rece-beriam trabalhando no setor privado nodesempenho funções similares (Pereira,1997), enquanto a vantagem de rendimen-tos era observada apenas para servidoresmenos qualificados e com salários maisbaixos. Embora estes dados sejam de 1995deve-se supor que, dada a política salarialadotada pelo governo FHC para o setorpúblico, no mínimo manteve-se esta defa-sagem em anos recentes.

Mesmo considerando-se que amédia do rendimento não servidores é bemabaixo da média dos servidores, em tornode R$ 580, é imperativo observar que não éa remoção das diferenças, ao nivelar os ren-dimentos do serviço público com aquelespagos para os trabalhadores que são regi-dos pela CLT- Consolidação das Leis doTrabalho, que resolve a questão. Seria ne-cessário fazer o inverso, ou seja, elevar aparticipação do salário na renda nacional,que é uma das mais baixas do mundo, ouseja, 37% para 2000, segundo dados dascontas nacionais do IBGE. Esse é um dosverdadeiros responsáveis pelas desigual-dades que marcam o Brasil.

Observando a realidade brasilei-ra, é preciso observar ainda que os hiatosde renda são grandes no próprio serviçopúblico e mesmo no âmbito de uma carreiraespecífica. Faltam estudos empíricos preci-sos para explicar porque esse fenômenoocorre, mas ele certamente guarda relaçãocom um histórico de legislação laboral con-servadora e baseada na meritocracia. A cri-ação de mecanismos que mantenham o ser-vidor em sua carreira, evitando que ele sejatentado a utilizar os seus conhecimentospara privilegiar os interesses da iniciativaprivada, merece toda a atenção por partedos analistas. A manutenção de regras di-ferenciadas para as aposentadorias, aliás,segue essa mesma lógica, e, a despeito dascríticas, se manteve intacta por décadas. Odesafio da remoção das desigualdades éprofundo e passa pela revisão da lógicaeconômica que vem presidindo a constru-ção da nação que transfere recursos damassa salarial para o excedente econômi-co. Os hiatos de renda da massa salarialnão são os determinantes de última instân-cia das injustiças sociais, embora contribu-am para agravar a situação social brasileira.

A maior prova da especificidade doserviço público enquanto mercado de traba-

lho são as diferenças de gênero, nível derendimentos e de instrução quando compa-rados aos demais trabalhadores que se inse-rem nos regimes de CLT. Existe uma concen-tração maior de mulheres no serviço públicoque se referem às melhores condições en-volvidas nas relações de trabalho em ques-tões relacionadas aos direitos sociais e aoseu efetivo cumprimento, ao contrário doque ocorre na iniciativa privada, conformeatestam os relatórios das agências interna-cionais e as estatísticas do IBGE.

Exatamente é por isto que organis-mos internacionais, como a OCDE e a OIT,defendem explicitamente a diferenciação dascondições de trabalho para os servidorespúblicos vis a vis os trabalhadores priva-dos, considerando os primeiros como tendouma relação estatutária e permanente com oEstado e que lhes permitam maior indepen-dência no exercício de suas funções e quetornem a carreira pública mais atrativa doque no setor privado (OCDE, 1999).

As questões relacionadas ao ní-vel de instrução mostram que as carreirasdo serviço público são peculiares e preci-sam de pessoal mais qualificado que, emgeral, requerem uma remuneração melhor.Em suma, o diferencial de rendimentos mé-dios em favor do serviço público reflete aspeculiaridades de um grupo populacionalcom melhores condições de instrução e emexigências específicas de carreiras cujo eixoé uma qualificação maior. A desigualdadeem relação aos trabalhadores regidos pelaCLT se devem, em parte, a um nível de qua-lificação demasiadamente baixo em temposmarcados pela globalização e pelos impera-tivos da competitividade.

Para finalizar a argumentação, énecessário perceber que muitas das infor-mações divulgadas pela mídia são engano-sas e contraditórias. Para começar, o Brasilnão possui uma das maiores cargas tribu-tárias do mundo. Ao comparar os dadosbrasileiros com aqueles existentes nos paí-ses desenvolvidos, é possível perceber quenosso índice está abaixo da média dos paí-ses desenvolvidos. Em 2002 o Brasil apre-sentou uma carga tributária equivalente a35,6% do PIB (estimativa), enquanto aUnião Européia (15 países) suportou umacarga média de 42,2% (mais 6,6%). Este di-ferencial pode parecer pouco, mas repre-sentaria para o país uma arrecadação extrade cerca de 89 bilhões de reais em 2002, quese não fossem destinados a pagamento dejuros dariam para recompor a infra-estrutu-ra sucateada do país e ainda dobrar os gas-tos com educação e saúde, por exemplo.

Além do mais, a carga tributáriabrasileira não tem se elevado em anos re-centes por causa dos gastos sociais ou comaposentadorias dos servidores públicos oudo regime geral do INSS, mas sim devido às

metas de superávit primário acordadas como FMI para pagamento de juros da dívidapública interna e externa (entre 1955 e 2002,64,4% da elevação da carga foram destina-dos ao orçamento fiscal e apenas 35,6%foram para a área social).

Os defensores do Consenso deWashington contra-argumentam que a qua-lidade atual dos serviços é ruim. Embora esseproblema deva ser objeto de preocupação, épossível contra-argumentar que o Estado éresponsável pela maioria das ações do âm-bito social e a iniciativa privada não atendepopulações de baixa renda, tendo em vistaque a taxa de retorno obtida junto a essepúblico é modesta, cabendo ao Estado oônus de atender essas necessidades de for-ma quase integral, ao contrário de outrassociedade marcadas por um mercado ágil enão avesso a riscos como o brasileiro.

O mesmo raciocínio se aplica paracomparar o valor gasto com servidores emrelação ao PIB ou para o número de servi-dores em comparação com a população tra-balhadora ou total. Os dois valores são re-duzidos, com base nos dados coletadosjunto aos organismos internacionais. Ogasto total com salários dos servidorespúblicos no Brasil (federais, estaduais emunicipais) representou, em 1999, 9,5% doPIB, enquanto nos EUA foi de 7,8%, naAlemanha de 10,4% e na Suécia de 16,1% enuma média de 16 países analisados (todospaíses desenvolvidos) foi de 11,7% do PIB.No Brasil o emprego público como percen-tual do emprego total é de apenas 11,5%enquanto nos EUA representa 16,0%, naAlemanha 19,2% e na Suécia 37,9%. To-mando-se o número de servidores públi-cos como percentual da população do paísverificam-se os percentuais de 4,7% para oBrasil e 7,2%, 7,9% e 14,9% para os demais,respectivamente. Não é verdadeiro, portan-to, o argumento que diz existir uma dimen-são excessiva da máquina estatal no Brasil.A situação tende a ser a inversa e a crescen-te queixa da população quanto à qualidadedos serviços revela, cada vez mais, ser ne-cessário aumentar o efetivo que atende apopulação, sob pena de deteriorar a situa-ção e aumentar a já alarmante contravençãoe violência que vem destruindo acelerada-mente o tecido social do Brasil após a ado-ção das teses do Consenso de Washington.

Em se tratando das questões refe-rentes às aposentadorias e pensões desti-nadas aos servidores, cabe destacar queas regras aplicadas no Brasil não são dife-rentes daquelas que atendem os segura-dos de países desenvolvidos. Em geral, avariação salarial indexa os reajustes dasaposentadorias dos servidores na maioriados países (como em Portugal, na Alema-nha e na França) enquanto outros adotamcomo indexador um índice de preços (como

é o caso dos EUA e da Itália), podendo,ainda, haver uma combinação de índicesde correção, tendo em vista que as perdassalariais podem ser superiores àquelas afe-ridas junto aos preços ou ao PIB. Essa éuma característica a ser considerada pelareforma no Brasil, onde as perdas impostasaos vencimentos do funcionalismo foramda ordem de 35% em dez anos.

A fixação do valor dos benefícioscom base nos vencimentos obtidos no fi-nal da carreira não é uma extravagância tu-piniquim, pois embora o valor da aposenta-doria nunca seja equivalente ao último sa-lário em outros países, está muito próximo,pois a variação salarial dos países desen-volvidos é modesta. Na Itália, por ex., ado-ta-se uma média salarial de toda a carreira,nos EUA uma média dos últimos 3 anos, naAlemanha os 2 últimos anos e na França osúltimos 6 meses.

A idade mínima para fins de apo-sentadoria também éuma regra que existeem outros países, masessa idade varia bas-tante de 57 anos paraos EUA até 65 anospara Itália e Alema-nha.. A antecipaçãodo acesso às aposen-tadorias por parte dasmulheres também exis-te em inúmeros casos,mas a tendência não édefinida. Dos paísesacima só a Itália apre-senta regra diferenci-ada, com 60 anos paramulheres.

A diferençamaior fica por contado financiamento e dagestão. A maioria dospaíses criou mecanismos específicos paraque a sociedade possa controlar o montan-te dos recursos que o Estado deposita en-quanto empregador e de que forma os re-cursos ou fundos são utilizados. Esse tipode situação, com a extinção arbitrária doIPASE em 1978, foi eliminada, gerando todaa sorte de confusão que estamos a assistir.

Reformas propostas e asincertezas que pairam

no horizontePartindo de todos os pressupos-

tos apresentados, é preciso se deter diantedas propostas que vem sendo divulgadas,conforme o projeto enviado ao Parlamentoem 30/4/2003.

A proposta de contribuição de11% para aposentarias e pensões é ambí-gua. Todas as sociedades desenvolvidas

prevêem que os valores das aposentadori-as devem ser inferiores aos últimos salári-os, situando-se entre 65 e 80% dos mes-mos. Mas isso é fixado com base em critéri-os atuariais, em que o valor dos benefíciosé calculado com base nas contribuiçõesefetuadas por empregados e empregado-res e sociais, levando em conta as necessi-dades financeiras dos inativos. Contribuirpara financiar benefícios na condição debeneficiário é uma contradição. Isso é es-pecialmente válido para todos aqueles quenão leguem direitos de pensão.

A mídia vem apresentando o pro-blema da idade mínima de forma confusa.Não existe redução da idade mínima dosatuais servidores para a aposentadoria. Aproposta visa reduzir o valor dos benefíci-os para homens que se aposentam com 53anos e mulheres com 48, que tenham cum-prido 35 ou 30 anos de contribuição, res-pectivamente. Os valores das aposentado-

rias devem sofrer umaredução de 35%, sen-do acrescido em 5%para cada ano adici-onal de idade até atin-gir o máximo de 100%.A redução do valor dobenefício para quemse aposenta maiscedo se dá em todosos países desenvolvi-dos, mas não definin-do um período de tran-sição, haverá contes-tação por parte da so-ciedade.

Outra propostaestabelece que o tem-po de contribuiçãona iniciativa privadae nos regimes previ-denciários do serviço

público deverá ser proporcional. Ou seja,se alguém contribuiu ao longo de 66% desua carreira para o INSS e 34% no serviçopública terá o seu cálculo fixado em 66% deacordo com as regras do INSS e 34% noserviço público.

A situação é complexa, pois é difí-cil determinar o valor de contribuição parao período anterior a 1994, onde os mecanis-mo de reajuste via índices de preços nãosão confiáveis. Além disso, se o seguradoquisesse receber aposentadorias de maiorvalor ele não podia ultrapassar o teto decontribuições do INSS. Pior ainda, ao dei-xar a iniciativa privada, se o segurado even-tualmente possuísse algum plano de pen-são, somente seria possível sacar somentea parcela que ele depositada e não aqueladepositada pelo empregador, consideran-do vigentes antes de 1998, quando se deua reforma constitucional. Essa situação

deve ser debatida detidamente, para evitarinjustiças ou a deterioração da qualidadedo serviço público.

A redução no valor das pensõesé uma regra que se aplica a quase todos ospaíses, pois se considera que a morte deum cônjuge reduz as despesas domésticas.Mas o valor de 30%, aplicado a todas assituações é questionável, pois ele atinge atodos, sem discriminação, possuindo ounão tem capacidade para trabalhar, receben-do ou não de mais de uma fonte de rendi-mento, ou ainda, do nível total de rendi-mentos familiares. Num contexto como obrasileiro, isso pode elevar o nível de po-breza, mesmo entre servidores. A previdên-cia, vale lembrar, foi criada para reduzir orisco de pobreza na velhice.

O aumento do teto da iniciativaprivada de R$ 1.561 para R$ 2.400 é de efi-cácia duvidosa. Como o INSS se pauta pelareajuste das contribuições e benefícios comregras diferentes das aplicadas ao saláriomínimo, acaba ocorrendo um imediato au-mento de arrecadação, que dificilmente terácomo contrapartida um benefício de maiorvalor no futuro, se o teto vigente no mo-mento da aposentadoria for menor que oproposto, conforme vem ocorrendo reite-radamente há décadas.

Além disso, como os servidoresdeverão complementar os benefícios supe-riores ao teto do INSS através de fundosde pensão, é preciso conhecer detalhes:· quem custeará os seus gastos administra-tivos,· qual seria a alíquota de contribuição; e· tipo de plano estabelecido.

Tudo isso é essencial para garan-tir um futuro mais tranquilo, mas o tipo deplano é crucial. Se for adotado um plano decontribuição definida, similar ao chileno ouargentino, por exemplo, o aposentado po-derá ter que se contentar com os valorespagos pelo INSS, pois os mercados de ca-pitais podem sofrer perdas que pulverizemo valor dos benefícios e não obedeçam àsconvenções da OIT, que falam em garanti-as mínimas de 40% em relação ao valor mé-dio dos salários. É preciso que haja umagarantia que fixe o patamar de benefíciosnum nível mínimo mais elevado, ainda quea gestão se dê via fundos de pensão, ouseja, é preciso manter planos de benefíciosdefinidos que sejam viáveis atuarialmente.

Remate e juízo crítico:Um debate que se inicia

Ao considerar as propostas quevêm sendo realizadas é possível dizer quehaverá uma retração nos direitos sociais, aexemplo do vem ocorrendo em todos ospaíses e no Brasil nas últimas décadas. Masé preciso evitar que as propostas não dete-

Não se podecalar diante da

situação. Não podemosaceitar passivamente

uma reformaprevidenciária

subordinada a umaperspectiva de ajustefiscal que tenha por

objetivo reduzirdireitos sociais

e não aumentá-los.

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Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200340

riorem ainda mais a qualidade do serviçopúblico e não tratem igualmente seguradosque possuam uma situação muito diferen-ciada, num contexto marcado por desigual-dades históricas de grande envergadura.A progressividade tributária deve ser umaregra central para organizar sistemas previ-denciários, pois somente terá credibilidadeum sistema que seja considerado justo porparte da população.

O modelo de previdência destina-do aos servidores do Brasil não é diferentedaquele existente para países desenvolvi-dos selecionados pelo estudo, excetuandoos E.U.A. Mas, mesmo nos E.U.A., quepossuem um grau de confiança maior emrelação à ação dos fundos de pensão e dosmercados de capitais que a Europa Ociden-tal, por exemplo, os planos oferecidos sãode benefícios definidos para um montanteaproximado de 65% dos últimos vencimen-tos, o que propicia um grau de proteção muitorazoável, diante da ampla gama e qualidadedas políticas públicas reservadas aos maisidosos. Não é possível promover reformasde maneira transparente sem esclarecer qualé o tipo de fundo de pensão que será adota-do e quais serão as garantias conferidas aosinativos do serviço público.

Assim, a pretensa generosidadebrasileira acaba representando uma formade compensação pecuniária em relação ànecessidade de contratar planos de saúde,moradia e segurança mais sofisticados, parasuprir a pobre qualidade dos serviços públi-cos. Discutir a reforma da previdência dosservidores, sem discutir o seu plano de car-reira e a adoção de um plano plurianual quecontemple a volta dos investimentos e es-tratégias de ação social que venham a seradotadas após a realização de amplas refor-mas é temerário, considerando a pouca cre-dibilidade que as ações com esse intuito ti-veram na história do século passado.

Não se pode calar diante da Re-forma da Previdência, entregue com todasas ‘pompas e circunstâncias’ ao Congres-so Nacional, pelo atual governo. As refor-mas, como estão propostas, não solucio-narão os problemas do país, muito menospossibilitarão a retomada do crescimentoeconômico como tem sido apregoado atra-vés da mídia. O desmonte do Estado brasi-leiro iniciado pelo governo FHC, terá suaobra acabada com a aprovação desta pro-posta já que o seu núcleo, os servidorespúblicos, serão dura e injustamente atingi-dos. Aqueles que reconhecem a importân-cia estratégica do Estado e das políticassociais públicas universais na construçãode uma sociedade mais justa, mais solidáriae mais desenvolvida, não podem aceitarpassivamente uma reforma previdenciáriasubordinada a uma perspectiva de ajustefiscal que tenha por objetivo reduzir direi-tos sociais e não aumentá-los. Para tanto énecessário mobilizar não só os servidorespúblicos, mas trazer toda a sociedade aodebate e à luta por uma Previdência Socialinserida num contexto mais amplo de políti-cas sociais universais que representem umdireito real de cidadania e tragam perspec-tivas de superação do atual quadro socialdeplorável em que se encontra o Brasil.

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O presente artigo foi elaborado conjunta-mente para o Caderno 3 da Adunesp e

Revista Adusp(Especial Previdência, junho 03).

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 2003 41

A reforma da PrevidênciaSocial na América Latina

Júlio C. Vergara *

IntroduçãoNa década passada, por imposi-

ção do Banco Mundial, foi realizada emtoda a América Latina a reforma total ouparcial dos sistemas de Seguridade Socialpor sistemas de contas individuais em fun-dos de pensão.

Ainda que os proponentes detais contas tenham, originalmente, espe-rado que poderiam estimular o crescimen-to, aumentando a poupança nacional, eatravés disso o surgimento de um merca-do de capitais regional, que diminuiria ocusto do crédito na América Latina, aevidência inicial convenceu até o maisentusiasta dos proponentes das contasindividuais que o efeito líquido sobre oarrocho nacional será mínimo.

No entanto, o aumento do déficitgovernamental, devido à perda de receita,provenientes da Seguridade Social duran-te o período de transição, levou o país asérios problemas financeiros. No caso daArgentina, a atual crise orçamentária podeser atribuída, em grande parte, à decisão deprivatizar seu sistema de Seguridade Soci-al. As receitas perdidas, mais o investimen-to resultante dos gastos adicionais, exce-deram o déficit orçamentário de seu gover-no no ano de 2001.

Em outras palavras, se a Argen-tina não tivesse privatizado seu sistemade Seguridade Social, em 1994, e feito todoo restante exatamente da mesma maneira,teria produzido um superávit orçamentá-rio em 2001. O total de fundos transferi-dos da administração nacional ao setorprivado, no conceito de previsão socialexplica os 85% do endividamento estatalpara cobrir o déficit orçamentário (US$36 bilhões entre 1995 e 2001) e cerca de50% da dívida externa total (pública + pri-vada) tomada no período de sete anos.

* Júlio C. Vergara é professor de Economia da Universidade Nacional de Buenos Aires – UBA e daUniversidade Jesuíta de Salvador – República Argentina.

Em julho de 1994, a Argentina pôsem marcha o sistema de capitalização naPrevidência Social. Este adotou uma formadual. De um lado, a continuação de um sis-tema estatal de repartição, para aqueles quenão optaram pelas contas individuais; deoutro, um sistema de capitalização em con-tas individuais dividido entre umas 30AFJP’s (associações de fundos para apo-sentadorias e pensões), que são subsidiá-rias dos grandes bancos internacionais(City Corp, Bank of Boston, ABN Amro,Santander, BBV etc) e nacionais (Banco Rio- do Grupo Perez Companc, Galicia - do Gru-po Scazani, Quilmes - do Grupo Bemberg,Roberts - do grupo de igual nome etc).

Desde o início até dezembro de2001, os fundos transferidos pelos traba-lhadores para as AFJP’s somaram, aproxi-madamente, US$ 30 bilhões. Destes, pas-saram para as contas dos trabalhadoressomente dois terços do total, já que US$ 10bilhões foram tomadas pelas AFJP’s como“custos administrativos” e pagamento deseguros (US$ 4 bilhões). Cabe notar que ascompanhias seguradoras pertencem aosmesmos grupos financeiros das AFJP’s.

Os novos programas ocorrem comaltos custos administrativos, que provém,diretamente, do ingresso da aposentadoriados trabalhadores e se credita, em sua mai-or parte, na atividade financeira. Num ce-nário otimista, esses sistemas privatizadoscustarão muitas vezes mais para serem ad-ministrados do que um sistema público tí-pico. A modificação de um sistema públicopara um privado também implica em perdade arrecadação. Por exemplo, no caso doChile, a perda de arrecadação foi em tornode 8% do PIB nos anos imediatamente pos-teriores à reforma.

Na Argentina, no mês de marçode 2003 três resoluções foram publicadas

no Boletim Oficial, comunicando a autori-zação governamental para elevar a porcen-tagem de comissão de administração no sis-tema das AFJP’s. As quatro grandes, querepresentam 70% dos fundos acumulados,elevaram suas taxas de administração e se-guro. Uma elevação da comissão de 2,29%para 2,49% sobre o salário bruto, que impli-ca uma subida de 8,7%; uma segunda reso-lução autoriza a Siembra AFJP a elevar suacomissão de 2,3% para 2,9%, permitindoum aumento de 26,1%. No caso da Conso-lidar AFJP, o incremento é de 11,8%, já quea comissão passará de 2,32% para 2,59%.

Decisão demoradaNa Superintendência das AFJP’s,

instituição autônoma do Estado Nacionalpara regular o mercado de fundos de pen-são, informou que o chefe do órgão, Horá-cio Picado, assinou também a norma queautoriza a Orígenes AFJP a passar a suacobrança de 2,35% para 2,6%, com umasubida de 10,6%. Nas outras AFJP’s, se-gundo as consultas realizadas, não há umadecisão de ajustar os preços que cobramde seus filiados. No entanto, segundo ad-mitiu o titular da Profesión + Auge AFJP,Horácio López Santiso, as razões pelasquais as administradoras líderes do merca-do estão aumentando são válidas tambémpara o resto do mercado.

Segundo as AFJP’s, há um enca-recimento significativo do preço do seguroque cobre os pagamentos de pensões porinvalidez e falecimento. “Há um aumentoimportante dos sinistros e a arrecadaçãonão evoluiu”, explicou o diretor da Oríge-nes AFJP, Ricardo Sarinelli. Ele disse, tam-bém, que cresceu não só o número de pen-sões, mas também seu valor, devido aosmecanismos de atualização no momento dopagamento. O sistema paga 113.458 benefí-

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cios, dos quais os benefícios eram 95.872,dos quais 66.470 eram pensões. Sarinelliafirmou, ainda, que a necessidade de rea-justar as comissões corresponde ao preçodo seguro e não aos gastos administrati-vos. Neste setor, afirma que o prêmio doseguro, que vai de 0,25% a 0,9% dos salári-os, está muito desatualizado e que quandose renovarem os contratos na metade doano, poderiam chegar a valores de 1,2%.Estes valores fazem parte da comissão.

“Como os incrementos vão serinevitáveis, deveríamos voltar a pensar naspropostas para melhorar os custos, como aidéia de cobrar a comissão sobre o fundoacumulado e sobre a rentabilidade”, decla-raram duas fontes do mercado. O pedidode cobrar sobre os fundos poupados nascontas e não sobre o fluxo de investimen-tos responde ao fato de que somente cercade 30% dos filiados faz regularmente seuspagamentos. Segundo as AFJP’s, se estaproporção fosse mais alta, melhorariam ascomissões.

Contabilizando ilusõesAntes de entrar na avaliação dos

custos administrativos do sistema priva-do, é bom dissipar uma ilusão sobre o po-tencial de incrementar a arrecadação comas contas privadas em relação à tradicionalarrecadação fiscal. Normalmente, as açõesoferecem uma taxa de valorização maior doque a dos bônus governamentais. A dife-rença é pequena, se vista como uma manei-ra de incrementar a taxa de reingresso paracada trabalhador, convertendo seu dinhei-ro em ações através de contas individuais,comparando-se com as dos bônus gover-namentais nos fundos centralizados.

Ainda que esta troca pudesse le-var a uma maior arrecadação, é importanteque as entradas adicionais são simplestransferências do outro lado, e não umanova riqueza para a Nação em seu conjun-to. A não ser que a troca das contas priva-das aumente significativamente a poupan-ça, uma possibilidade que poucos econo-mistas consideram provável, a Nação emseu conjunto não enriquece como resulta-do da troca das contas privadas. Isto signi-fica que se os valores das aposentadoriasfossem maiores, então alguém estaria rece-bendo menos.

O custo das contas privadasA experiência das nações em de-

senvolvimento, administrando sistemasnacionais de contas privadas, combinadacom a evidência dos custos dos planos depensões de contribuições definidas nosEstados Unidos, mostra claramente que umsistema privado melhor administrado cus-tará várias vezes mais que administrar um

sistema público bem administrado.Os custos administrativos dire-

tos das contas privadas variam substan-cialmente entre as nações. A tabela abaixocompara os custos de um grupo represen-tativo de nações e, também, do SSI dosEstados Unidos.

Ainda que algumas nações te-nham obtido mais êxitos que outras em con-ter os custos das contas privadas, como aBolívia, os países com custos mais baixos,todavia, pagam valores que (medidos comoparte das contribuições) são mais de 10vezes o custo de operar a totalidade do sis-tema norte-americano.

Tabela 1 - Porcentagem anualdos custos das contas privatizadas

Argentina 23,0%Bolívia 4,8%Colômbia 14,1%Chile 15,6%El Salvador 19,0%México 22,1% Uruguai 14,3%Estados Unidos 0,5%

Fonte: James, Smalhout, e Vittas 1999, tabe-la1; e Social Security Trustees Report 2000,

tabela IV.A.1.

É importante reconhecer que osvalores das contas privadas mostradas natabela subestimam a medida real das trans-ferências de trabalho dos setores financei-ros a cada ano, porque excluem comissõesdos corredores das bolsas de valores, quesão cobradas das firmas que administramas contas. Mesmo que estas pareçam pe-quenas, seguramente são substanciais emrelação ao custo de um sistema público bemadministrado. Na Argentina, por exemplo,se estas comissões cobradas na bolsa devalores correspondesse a somente 0,05%do valor dos ativos, aumentariam os cus-tos administrativos em aproximadamente1% das contribuições anuais. Isto é maisdo que o dobro do custo total da adminis-tração do sistema nos EUA.

Os parágrafos seguintes analisamoutros custos adicionais, como os deriva-dos do processo das rendas vitalícias, dosorganismos supervisores e dos chamado“custo de oportunidade do tempo dos tra-balhadores”. Isto é uma estimativa do cus-to que significa o tempo que os trabalha-dores devem dedicar-se a administrar suascontas e que perdem para as outras ativi-dades. Isto é totalmente ignorado pelo Ban-co Mundial e pelos demais proponentesdo sistema privado, que o consideram umcusto adicional substancial. Seria como pro-por um novo tipo de automóvel sem consi-derar o tempo que seus proprietários de-

vem investir em manutenção.Uma demonstração cabal disso,

que mostra que o tempo investido para su-pervisionar estas contas é substancial, é arecente decisão do governo do Chile decomeçar a oferecer cursos de “conscienti-zação de benefícios” nas escolas, para queos trabalhadores estejam melhor prepara-dos para administrar suas contas.

Na Argentina, o custo incremen-ta-se porque, diferentemente do sistemachileno, não são as AFJP’s que se ocupamem fiscalizar a honestidade dos patrões, massim a AFIP (organismo nacional autôno-mo). Assim, o trabalhador será notificadopor sua AFJP da falta de recolhimentos,pois será ele quem se dedicará a reclamarna justiça e solicitar à AFIP a aplicação dasleis penais tributárias correspondentes.Desde já, estas denúncias acarretam um ris-co adicional: que o seu patrão tome conhe-cimento de quem o denunciou e o demita.

Num mercado de trabalho com22% de desocupação aberta e 17% de subocupação, é muito provável que o traba-lhador abra mão de exigir os recolhimentosfuturos por parte do patrão, para preservaros atuais.

O custo total dascontas individuais

A discussão anterior indica queos sistemas de contas individuais impõemum bem operado sistema de benefícios de-finidos. Em outras palavras, eles desviamrecursos na forma de trabalho e capital quepoderiam ser usados, produtivamente, deoutra maneira. A maior parte destes custosconstitui-se em apropriações para o setorfinanceiro.

Financiando a transiçãoFinalmente, analisamos o grave

problema que representa a transição de umsistema central para um privado, num perí-odo imediatamente após a reforma. Os de-veres para o governo continuam iguaismesmo quando não tem que fazer os inves-timentos obrigatórios para pagar estes be-nefícios. Esta diferença é grande.

Alguns defensores do sistemaprivado argumentam que este não deve servisto como um aumento da dívida pública,mas a recente experiência da Argentinamostra que nem os mercados e nem o FMIaceitam este argumento na prática.

Desde que a maioria das naçõesem desenvolvimento apresentou problemasde endividamentos crônicos e pagam seusjuros extraordinariamente altos em sua dí-vida, o impulso para a privatização da pre-vidência social e a conseqüente renúncia aimportantes investimentos aparece comomuito imprudente.

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Na Argentina, a crise financeira queé resultado, em parte, pelo déficit criado pelaprivatização da Previdência Social, levou aum colapso econômico geral e a um colapsodo sistema de contas privadas, que foramconfiscadas pelo governo para pagar suasobrigações. Entre elas, a de capitalização deprovisões, cujos saldos em dólar foram pe-sificados e passaram de US$ 25 bilhões (emdezembro/2001) para US$ 9 bilhões (em ja-neiro/2002).

Exigir queos trabalhadores de-positem suas contri-buições de segurida-de social em um sis-tema financeiro pri-vado pode proporci-onar grandes benefí-cios aos banqueiros,mas não é evidenteque possa ajudar anenhum outro setor.O trabalhador assu-me todos os riscos:

1) O risco da evasãopatronal, já que asAFJP’s não se encar-regam de reclamarpelos fundos nãodepositados. Portan-to, é o trabalhador que tem que controlar oefetivo depósito dos mesmos;2) O risco do desemprego, já que o seguro-desemprego não ampara a sua conta e sódura seis meses, ficando como sua a res-ponsabilidade de investir para o sustentode sua conta;3) O risco do trabalho não registrado. Hoje

em dia, somente cerca de 45% dos traba-lhadores preenchem os requisitos legaispara serem incorporados ao regime de Pre-vidência Social, ficando, portanto, para osindivíduos a responsabilidade de investir;4) Os riscos dos investimentos falidos. AsAFJP’s mostraram índices de alta rentabili-dade até o ano de 1998. A partir daí, a renta-bilidade foi escassa, quando não negativa,mantendo-se somente por altas taxas co-

bradas dos emprésti-mos ao Estado nacio-nal e provincial. A par-tir das dívidas, só po-demos registrar as fa-lências.

Entre asconclusões

1) De acordo com osdados do Banco Mun-dial, os custos admi-nistrativos de operarsistemas privatizadosde contas individuaissão de 10 a 50 vezesmaior do que os cus-tos similares do siste-ma público dos Esta-dos Unidos. Estes va-lores adicionais são

transferências diretas dos depósitos futu-ros (fundos de aposentadorias) dos traba-lhadores ao sistema financeiro;2) De acordo com os dados do Banco Mun-dial, o custo para operar um organismo pú-blico que supervisione a operação de umsistema de contas individuais (é equiva-lente da Comissão de Valores e Câmbio –SEC – suas iniciais em inglês para estas

contas) fica entre 62 e 400% dos custosadministrativos para operar-se todo o sis-tema de Seguridade Social dos EUA. Namaioria dos países, o custo para operar estecorpo de supervisores é muito maior do queaquele para operar a totalidade do sistemade previdência norte-americano;3) O custo para converter os fundos acu-mulados em contas individuais para ren-das, que provém de um fluxo de ingressospor habitante, é entre 11 e 22 vezes o custode operar o mesmo sistema nos EUA. Estesvalores são transferências diretas do ingres-so da aposentadoria dos trabalhadores parao setor financeiro;4) Os defensores de contas individuais nãoconsideram o “custo de oportunidade” paraos trabalhadores, na forma do tempo ne-cessário para supervisionar estas contas.Se o tempo necessário para administrar es-tas contas é igual à meia hora por ano, os“custos de oportunidade” seriam entre 55a 280% dos custos administrativos do sis-tema de Seguridade Social dos EUA;5) As AFJP’s não assumem riscos; cobramsua comissão mal esta é depositada e,quando o trabalhador se aposenta é a com-panhia de seguros que administra seusfundos acumulados (e esta é uma subsidi-ária dos grupos financeiros proprietáriosda AFJP), que cobra uma comissão men-sal sobre o montante acumulado. Em casode quebra, se a AFJP não for absorvidapor outro fundo, é o Estado nacional quese encarregará de garantir a prestação daSeguridade Social. Uma característica dosistema é sua tendência à concentração;das 32 companhias iniciais, sobraram hoje14, sendo que quatro delas somam 70%dos depósitos.

Algunsdefensores do sistema

privado dizem queeste não deve ser vistocomo um aumento dadívida pública, mas arecente experiência daArgentina mostra que

nem os mercados enem o FMI aceitam

este argumentona prática.

Cadernos Adunesp - Nº 3 - Junho 200344

O capitalismodos fundos de pensão

Ricardo Bellofiore *

1 - Um dos nós sobre os quais apolítica econômica dos últimos anos vol-tou com mais insistência é o das despesascom pensões. Trata-se, na realidade, deuma das armas da ofensiva neoliberal dosgovernos e do patronato, em quase todosos países, ao menos a partir de um relatóriodo Banco Mundial, Adverting the old agecrisis: Policies to protect the old and pro-mote growth, divulgado em 1994 1. Susten-tava-se aí a oportunidade do sistema depensões articular-se sobre três “pilastras”.A primeira, constituída pelo sistema públi-co, obrigatório, a reparti-ção e a prestação defini-da, que deveria limitar-sea garantir um nível mínimode pensão: neste caso, defato, os atuais trabalhado-res com as próprias con-tribuições pagam as pen-sões dos atuais pensionis-tas através da mediaçãodo Estado. A segunda pi-lastra, igualmente obriga-tória, é um sistema priva-do com capitalização, pos-sivelmente com contribui-ções definidas: neste caso,os trabalhadores fazempoupança financeira comfins previdenciários emcontas individuais, quesão investidas por gesto-res institucionais, os “fun-dos de pensão”, que lucram um rendimen-to que se acumula no tempo como capital eque lhes garantirá o dinheiro das pensõesquando se aposentam. A terceira, faculta-tiva, e também privada e com capitalização,é, pelo contrário, dadas às eventuais reser-vas ulteriores com fins pensionísticos denatureza voluntária. A tese do Banco Mun-dial, mas logo após, de todos os responsá-

* Ricardo Bellofiore é professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universita Degli Studi di Bergamo (Itália).Tradução de Edmundo Fernandes Dias. Reprodução gentilmente cedida pela Revista Outubro (edição nº 7, 2002)

veis pela política econômica, é que as ten-dências demográficas e as mudanças es-truturais do capitalismo conduzem ineluta-velmente para um decidido e rápido enfra-quecimento da primeira pilastra e, portan-to, em direção à necessidade de um reforçosubstancial da segunda, que vem, assim, aconstituir-se como o sustentáculo do sis-tema previdenciário. As razões são repeti-das, de tal modo, que parecem óbvias edotadas da força do senso comum.

Podem ser sintetizadas nestes ter-mos: a taxa da despesa pensionística sobre

o Produto Inter-no Bruto depen-de diretamenteda chamada“taxa de substi-tuição” das pen-sões em relaçãoaos proventosdo trabalho, istoé, do nível realdas pensõesmédias pagasaos beneficiári-os em relação àprodutividademédia por traba-lhador, e do nú-mero de pensio-nistas aos em-pregos. Tal taxaveio aumentan-do no tempo e,

se se mantiver, é previsível que atingirá per-centuais dificilmente sustentáveis nas pró-ximas décadas. Por um lado, a culpa seriadebitada à excessiva “generosidade” doEstado social da época keynesiano-fordis-ta. O provento dos pensionistas esteve li-gado às retribuições dos trabalhadores,então em rápida ascensão pela dinâmicaveloz da produtividade: quando esta últi-

ma diminui, não se pôde ou não se quisreduzir as pensões no momento e na medi-da adequados. A distribuição dos proven-tos foi colocada, assim, contra o trabalha-dor e a favor do pensionista. Por outro lado,o “envelhecimento” da população, o nú-mero de potenciais pensionistas sobre apopulação em idade de trabalho, conexo,evidentemente, com fatores como a amplia-ção da esperança de vida e a queda da taxade natalidade – eventos difíceis de seremavaliados negativamente e relacionados dealgum modo com o vituperado Estado as-sistencial –, aumentou o número de inati-vos em relação aos ativos (as “taxas dedependência”), o que, em conjunto com aextensão da cobertura pensionística públi-ca, a crescente zona de beneficiários, teriaacabado por fazer pesar cada vez mais assaídas previdenciárias.

No que se refere à pilastra públicado sistema, tudo isso impõe, além da ampli-ação da idade para aposentar-se, tambémum rebaixamento do nível real das pensões.É aqui que a introdução da segunda pilas-tra se revela como condição essencial parafornecer aos trabalhadores um acesso aosrecursos reais mais substanciais que aque-les que a pensão pública tem condições degarantir daqui para frente. Atemoriza-se,com certezas cada vez menores, dizendoque os sistemas de repartição – os quais,certamente, têm sua vantagem de testemu-nhar um pacto explícito de solidariedadeentre gerações – seriam, porém, vulnerá-veis aos riscos de uma espécie de grevefiscal dos ativos em face aos inativos nomomento em que o peso dos segundossobre os primeiros supere certos umbraiscríticos, como o raciocínio dominante dácomo certo. Por outro lado, a introdução dedoses crescentes de capitalização nos sis-temas de pensão e o desenvolvimento des-tes fundos de pensão, além de serem ne-

A tese do BancoMundial é que as

tendências demográficase as mudançasestruturais do

capitalismo conduzeminelutavelmente para

um decidido erápido

enfraquecimentodo sistemapúblico.

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cessários para integrar o grau de coberturada pensão pública, ainda seriam conveni-entes para a economia no seu conjunto: aconstituição e/ou o reforço do sistema defundos poderiam elevar as poupanças, e,por isso, os investimentos, o emprego.Mas, convenientemente, também, para ostrabalhadores: as taxas de rendimento ga-rantidas dos fundos individuais nos siste-mas de capitalização seriam seguramentesuperiores às do sistema público, comodemonstram os procedimentos passados epresentes dos mercados financeiros.

2 – Não é difícil perceber nestasteses a sanção, por assim dizer, oficial eno nível máximo daquilo que se tornou aorientação básica dos executivos de direi-ta e de esquerda em voga no mundo, e queconduziu, mesmo nos países europeus, aum decidido ataque ao sistema de reparti-ção, ao qual se alinhou a tentativa, coroa-da de êxitos cada vez maiores, de introdu-zir em escala massiva os fundos de pen-são e de fazer destas modificações institu-cionais o pé-de-cabra para uma homolo-gação dos sistemas de financiamento“continentais”, cada vez mais nítida, con-tra aqueles típicos do capitalismo anglo-saxão. Estas tendências investiram na Itá-lia com particular violência e o será maisainda no futuro: porque está difundida aconvicção que o estado do nosso balan-ço pensionístico está mais degradado doque o dos outros países europeus; e, por-que o nosso sistema financeiro é relativa-mente mais atrasado do ponto de vista dacapitalização na Bolsa das nossas empre-sas. Faz tempo que a manobra, entre nós,envolve o destino e a utilização de hábeisrelatórios. Muitos gostariam, também, demudar de rota em direção aos mercadosfinanceiros para acelerar o desenvolvi-mento da previdência complementar, mes-mo que não se esteja ainda de acordo so-bre como fazê-lo. Não pretendo aqui en-trar no mérito das questões “empíricas”claramente fundamentais nessa discussão.Uma análise factual ajudaria a desacredi-tar muitos lugares comuns: mas isso já foifeito, ótima e repetidamente, por RobertoPizzuti, a cujos escritos remeto2. Gostariamuito mais de dar conta, ainda que em ter-mos sintéticos e absolutamente prelimina-res, de uma discussão em curso na esquer-da européia sobre a desejabilidade, em ter-mos de “princípio”, de uma transformaçãodo sistema de Previdência Social em dire-ção à capitalização que tenha os fundosde pensão como seu sustentáculo central,e sobre a possibilidade de um uso políticodestes últimos com a finalidade de um con-trole social da acumulação que interrompae inverta o sentido em direção à desigual-

dade, à precariedade, ao desemprego.Robin Blackburn deu substância

a uma posição favorável à “reforma daspensões” em um longo artigo na primeirasérie da New Left Review, revista da qualera editor à época 3. O artigo era significati-vamente intitulado The new collectivism:Pension reform, grey capitalism and com-plex socialism e, mais recentemente, deulugar a uma discussão, no primeiro númeroda nova série da revista, entre o próprioBlackburn e o mais cético Henri Jacot, eco-nomista francês ligado à CGT, como tam-bém a intervenções na revista francesaMouvements4. Sejamos claros, a posição deBlackburn não era, de fato, confortável nosconfrontos com o capitalismo dos fundosde pensão “anglo-saxões” na sua atual con-figuração. O autor tinha perfeita clareza queo capitalismo “dos grisalhos”5, no qual osinvestidores institucionais (dos quais osfundos de pensão fazem parte, conjunta-mente com os fundos de seguros e os fun-dos comuns de investimentos) concentrama poupança das famílias, é um capitalismoexasperado poruma obsessão pe-los rendimentosde prazo curto,que favorecem osinvestimentos es-peculativos sobreos produtivos;pela exigência deliquidez que é fun-ção da possibili-dade de adquirir evender os títulosfinanceiros o maisvelozmente possí-vel; e por compor-tamentos gregári-os que amplificamos efeitos expansi-vos mas tambémdepressivos dosmovimentos de ca-pital. Blackburn sabe muito bem que os cri-térios de gestão das empresas de tais in-vestidores são os que maximizam o valordas ações e estabelecem um patamar eleva-do de rendimento “mínimo” do capital so-bre os fundos internos, o que leva, por umlado, a favorecer cortes salariais e ocupaci-onais, reduzindo a capacidade produtiva e,por outro, a aumentar o endividamento so-bre o capital próprio, tornando frágil a es-trutura financeira e criando, assim, as pre-missas de crises financeiras cada vez maisgraves. Localiza, ao contrário, lucidamen-te, o nexo que liga a alta dos fundos depensão à desregulamentação dos merca-dos promovida ativamente pelos Estados,à liberalização dos capitais, às privatiza-

ções, e à contínua e perigosa alta dos valo-res na bolsa; e reconhece, plenamente, quenão seja possível deduzir, no papel, umasuperioridade do modelo “anglo-saxão”sobre o europeu ou o japonês. A sua visãoé, pelo contrário, crítica, a ponto de locali-zar no capitalismo dos fundos de pensãoum salto dramático ulterior no processo dealienação do trabalho. Na nova configura-ção do capitalismo, a própria poupança dosalário se torna o instrumento daquela es-peculação que, pelo trâmite das políticasempresariais e governamentais pretendidaspelos investidores institucionais ondeaquelas poupanças afluem e serão geridas,desestabiliza e agrava as condições de vidadas comunidades e dos trabalhadores.

Blackburn recorda todavia que,face às dificuldades da previdência e dosbalanços públicos, a exigência de desen-volver uma segunda pilastra de previdên-cia complementar seja objetiva; que a afir-mação de um novo regime de acumulação“global” do capital seja um fato incontes-tável e irreversível; e que porém – por uma

espécie de afortunadaheterogênese dos fins –a difusão dos fundos depensão, que é o movi-mento do capitalismo“complexo” dos nossosdias, possa constituir oinstrumento de uma iné-dita socialização dos in-vestimentos e, destemodo, de um crescimen-to estável mais veloz ede maior qualidade; emsuma, como recita o tí-tulo do artigo de Black-burn, teremos aqui osmeios para um verda-deiro e real “novo cole-tivismo”. A razão é logodita. O passivo inscritonas contas dos fundosde pensão, tratando-se

de reserva previdenciária, tem substanci-almente uma natureza intrinsecamente“social” e “pública”.

Esta natureza poderia tornar-serealidade se, sob o guarda-chuva de umalegislação estatal de garantia e de segu-ro, e, apoiando-se em gestores profissio-nais, os sindicatos fornecessem, por as-sim dizer, uma direção política à poupan-ça dos trabalhadores (concentrada noplano financeiro, mas dispersa do coman-do da empresa), e se colocassem entãoem condições de explorar diversamente opoder de controle crescente que as finan-ças detêm hoje sobre o comando da em-presa. Tratar-se-ia de trocar a estabilida-de da propriedade garantida pelas estra-

Robin Blackburntinha perfeita clareza

que o capitalismo “dosgrisalhos” é um

capitalismo exasperadopor uma obsessão pelosrendimentos de prazo

curto, que favorecem osinvestimentosespeculativos

sobre osprodutivos.

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tégias de investimento financeiro dosfundos de pensão com a promoção, porparte das empresas, de investimentos re-ais, visando, sobretudo, a favorecer umdesenvolvimento de longo prazo e eco-nomicamente sustentável. Os fundos depensão agiriam substancialmente comomecanismos de mediação reguladora en-tre economia e sociedade, caracterizados,pelo contrário, por uma fratura e amplia-ção crescentes. Uma política do gênero,sustentada pelos fundos, estaria em con-dições, por um lado, de tornar mais dinâ-mica e estável a economia real e, por ou-tro, de redistribuir de modo mais igualitá-rio os frutos do crescimento.

Não nos equivoquemos com ocaráter aparentemente reformista e “in-cremental” da proposta: o que Blackburntem em mente é a atualização do objetivomarxiano de um controle social sobre ascondições da própria reprodução de par-te do conjunto dos produtores. É esse oponto chave do conflito de classes entrecapital e trabalho, algo que escapa indu-bitavelmente ao antagonismo interno aoslocais de trabalho particulares, e aindamais aos conflitos dispersos sobre o ter-reno do consumo e da distribuição. Bla-ckburn estima, contudo, que são exata-mente estes os objetivos que as dinâmi-cas proprietárias e financeiras da globali-zação financeira colocariam, paradoxal-mente, na ordem do dia.

3 – Antes de proceder a algumasconsiderações críticas sobre esta perspec-tiva, vale a pena assinalar a convergência– absolutamente explícita – com as refle-xões mais recentes de Michel Aglietta. Re-firo-me, em particular, a dois textos: o pos-fácio à terceira edição de Régulation etcrise du capitalisme6, que deverá ser pro-ximamente traduzido em italiano; e o opús-culo Le capitalisme de demain, da Fonda-tion Saint-Simon, de 19987. O livro de Agli-etta, de 1976, e ainda mais a tese de douto-rado de 1974, que é sua base, onde as mar-cas marxianas eram ainda mais evidentes,é o primeiro e fundante texto da chamada“escola da regulação” francesa. Nele, ain-da hoje, é possível encontrar a versão maiscoerente e iluminadora de uma leitura do“fordismo” como fase do capitalismo, ca-racterizado pelos seguintes elementos:crescimento paralelo de produtividade edemanda graças ao crescimento da massasalarial, por meio da contratação coletiva;estrutura da produção centrada prepon-derantemente sobre bens de consumoduráveis de massa, que orientava um vo-lume alto e estável de investimentos emcapital fixo; separação de controle e pro-priedade e amplas de independência dos

managers em face dos acionistas; sistemamonetário e financeiro onde os bancoscentrais cooperam com os governos e con-trolam o sistema de bancos comerciais, eonde estes últimos prevalecem como fon-tes de financiamento em face aos recursosda Bolsa; limites estreitos aos movimen-tos de capital; intervencionismo eficaz dosEstados nacionais, orientados para a ob-tenção e manutenção do pleno empregodos trabalhadores por tempo indetermina-do e “garantido”.

O posfácio de 1997 e o texto de1998 delineiam os traços do sistema alter-nativo que veio se constituindo na longatransição nos anos 70, e que Aglietta dá,agora, como quase realizado. O novo capi-talismo “patrimonial” – assim batizado peloeconomista francês, exatamente pelo papelcentral que nele têm os mercados financei-ros – seria definido por: separação do salá-rio em relação à produtividade e do empre-go em relação à produção; deslocamentoda produção manufatureira nos paísesemergentes, com o correspondente acrés-cimo da concorrência neste setor; desen-volvimento de serviços mais ou menos qua-lificados nos países de industrializaçãomais antiga, com um peso crescente dastecnologias da informação nas seçõesavançadas desta economia de serviços;nova e diversificada, portanto, liberdadeextrema dos movimentos do capital; auto-nomia dos bancos centrais em relação aosgovernos e recurso crescente aos financia-mentos nas bolsas em detrimento do finan-ciamento bancário; redefinição das metasde intervenção pública, agora meros fiado-res dos custos e da produtividade “con-correncial” dos fatores. Não se pretendeenfatizar a compreensão segundo a qual anova época, “espontaneamente”, ou seja,na ausência de intervenções corretivas,produz reduções salariais, multiplicação daschamadas formas de trabalho atípicas, deexclusão social.

Não é o caso de insistir aqui nosdetalhes do funcionamento do novo regi-me de acumulação. Limito-me a observarque Aglietta, cuja heterodoxia o distan-ciou de Marx há quase duas décadas, nãovê este capitalismo como impermeável alinhas de intervenção que permitam con-ciliar eficiência e eqüidade. Giorgio Lun-ghini já assinalou isso em algumas inter-venções8. Segundo ele, as sugestões doautor francês permitiriam revigorar a filo-sofia social de Keynes (redistribuição dasriquezas e dos proventos, eutanásia dorentier, socialização dos investimentos) epoderia constituir a base de um renovadopapel do Estado no governo da economia.No que me toca, o que Aglietta propõe,me parece, na verdade, bastante tradicio-

nal. O empenho do Estado no terreno daeducação, do progresso técnico, das in-fra-estruturas, dos serviços socialmenteúteis está absolutamente em conformida-de com uma visão de um liberalismo tem-perado (talvez com uma ponta de orgulhotecnocrático de além dos Alpes). A con-vocação ao Banco Central, ou a um equi-valente “global”, como fiador em últimainstância da política anticíclica do Estadonão muda o quadro, enquanto constituiredes de segurança para um sistema pri-vado considerado substancialmente dinâ-mico por suas forças internas. A própriasustentação de Aglietta à proposta de in-troduzir uma renda de cidadania, financia-da por um imposto generalizado e progres-sivo sobre os proventos, está separadada aceitação da inelutabilidade do divór-cio entre eficácia econômica e justiça so-cial. Não há vestígio de uma intenção ecapacidade coletivas de determinar a alo-cação do crédito, a estrutura industrial, oconjunto e a composição do emprego.

Onde o raciocínio de Aglietta setorna interessante aos meus olhos é, con-tudo, precisamente, onde acaba convergin-do com as teses de Blackburn, ainda quecom um horizonte “moderado”, isto é, quan-do vê no “envelhecimento” da populaçãoe na “eqüidade intergeracional” promovi-dos por meio dos fundos de pensão, umaocasião para afirmar e estender a influênciados assalariados nas estratégias das em-presas. O ponto de maior relevo, que per-mite precisar ulteriormente o discurso feitoaqui, parece-me este. Segundo o autor fran-cês, a deterioração, na população, da rela-ção entre ativos e inativos pode dar lugar aconflitos vivos no terreno da distribuição edos impostos. Tais conflitos são mais ate-nuados quanto mais forte for o crescimen-to interno e, portanto, quanto mais aumen-ta o produto por trabalhador ou quanto maissão exportados capitais para países de cres-cimento elevado. Na medida em que os fun-dos de pensão permitem produzir e/ou im-portar maior quantidade de bens reais nosanos por vir – porque aumentada a pou-pança global da Nação, elevam-se os in-vestimentos e o estoque de capital e assimse alavanca o produto interno bruto – elescompletam uma ação positiva e decisiva.Por isso, conclui Aglietta, a batalha parasubtrair a gestão dos fundos de pensão àsdinâmicas especulativas e para afirmar umhorizonte de mais longo alcance é um dosdesafios cruciais dos nossos dias.

4 – A diferença de ênfase entreBlackburn e Aglietta é evidente. Onde Bla-ckburn entende ter firme a perspectiva an-ticapitalista e vê nos fundos de pensão aorigem de um possível dualismo de poder

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que dará vida a novos conflitos que, empotência, são o grau que conduz para forada ordem presente, Aglietta assume comoum dado as formas do atual desenvolvi-mento capitalista, ao qual delega quaseque totalmente a esfera da eficiência e selimita a corrigir as distorções da esfera “pri-vada”, reconciliando-a com o princípio dasolidariedade, via intervenção supletiva dooperador “público”. Sua perspectiva, exa-minando-se bem, não é de fato social-de-mocrática, mas pura e simplesmente umaperspectiva “social-liberal” como, de fato,é qualificada no interior da esquerda plu-ral francesa. Por outro lado, é claro que aanálise econômica de Aglietta é o funda-mento último do raciocínio mais radical deBlackburn. O interesse de sua crítica deri-va da sua sustentação compacta e ecumê-nica, que acaba sendo atualmente, com-patível, quando não explicitamente reivin-dicada, com as visões à primeira vista maisdisparatas, como entre nós as teses sobreas dinâmicas monetárias ou sobre a rendada cidadania, conduzidas pelos teóricosda “esquerda antago-nista” como ChristianMarazzi ou AndréaFumagalli, respectiva-mente, ou aquelasnas quais nossa “es-querda governamen-tal” vê nos investido-res institucionais oinstrumento únicopara obter, a um sótempo, a desentroni-zação do capitalismofamiliar e a obtençãode uma democraciaeconômica madura. Oponto aparente de for-ça do modo em queAglietta introduz aquestão da positivida-de – potencial – deum capitalismo dosfundos de pensão, é que a sua imposta-ção está, pelo menos em primeira instân-cia, imune às contestações que possamser, sensatamente levantadas contra os quesustentam a idéia de que os fundos depensão são necessários para garantir o fi-nanciamento das pensões.

Tais contestações, em síntese,podem ser agrupadas em dois tipos. O pri-meiro é a desmistificação dos cenáriospessimistas sobre as tendências das pró-ximas décadas. É certo que tais cenáriossão, quase sempre, construídos a partir dedados e projeções discutíveis. Para darapenas alguns exemplos: esquece-se fre-qüentemente que se os próximos são mar-cados pelo “envelhecimento” da popula-

ção, os anos de crescimento veloz do se-gundo pós-guerra também foram caracte-rizados por uma elevada taxa de depen-dência em conseqüência das então eleva-das taxas de fertilidade e, portanto, pelopeso que nos inativos tinha o número ele-vado de jovens em idade de trabalho; dá-se como certo que as taxas de atividade ede emprego permanecem no nível insatis-fatório dos nossos anos, enquanto um in-cremento razoável deles reduziria a rela-ção entre número de pensionistas e o em-prego, e, portanto, diminuiria ou inverteriao aumento da cota da despesa previdenci-ária sobre o produto interno bruto; lança-se para frente a reduzida dinâmica da pro-dutividade por empregado dos anos 90,quando apenas um retorno aos níveis dosanos 70 e 80 aumentaria o bolo a dividirentre ativos e inativos; uma elevação mo-derada dos fluxos migratórios pode con-tribuir para compensar a redução da po-pulação nativa em idade laboral; as políti-cas que induzem salários reais estagna-dos ou em redução são responsáveis por

uma compressãodas contribuições àprevidência pública.Poder-se-ia continu-ar com os exemplos.

Um segundoconjunto de contes-tações à “sabedoriaconvencional” sobrea oportunidade deum desenvolvimentoda previdência comcapitalização obriga-tória é mais funda-mental e pode ser re-conduzido a umaverdade afirmadaclaramente por Key-nes, na Teoria Geral.Face à idéia segundoa qual os trabalhado-res, ao fazerem pou-

pança financeira em contas individuais,estariam em condições de acumular fundos,ao longo do tempo, cujos rendimentos lhegarantiriam uma pensão em termos reais,vale ainda a observação que “como coleti-vidade, não podemos fazer reservas para oconsumo futuro, mediante mecanismos fi-nanceiros, mas apenas pela produção físi-ca corrente”. Em outras palavras, em ter-mos reais, os bens reais dos pensionistasde 2030 não podem ser retirados senão daprodução real de 2030. O mesmo ponto ésublinhado até mesmo por Milton Fried-man, grande adversário de Keynes, que,em 1999, reafirmou que “as taxas pagas pe-los trabalhadores de hoje são usadas parapagar os pensionistas de hoje”, ainda que

tenha perdido a ocasião de atacar a reservados fundos estatais no seu país e manifes-tar o temor de um crescimento de imposi-ções futuras. Em suma, a questão do paga-mento real das pensões se refere à distri-buição real do rendimento do período emque aquele pagamento é efetuado, e não hácomo contornar esta circunstância commágica de cartas. Pelo contrário, na medidaem que as políticas de compressão dos gas-tos previdenciários públicos ou a institui-ção da previdência complementar obriga-tória deprimem, ao invés de ampliar a forçade trabalho ocupada e a sua atividade, nãofazem senão piorar a situação.

5 – A argumentação de Agliettapareceria escapar a estas contra-deduçõesexatamente na medida em que desloca aênfase do financiamento das pensões parao crescimento, produzindo-lhe uma acele-ração. Mas as coisas são assim mesmo?Pode-se duvidar disso. As teses de Agli-etta parecem reger-se, sobretudo, no pres-suposto que a economia “global” de hojesofre uma carência não de demanda, masde poupança. Compreende-se, então, queo capitalismo dos fundos de pensão, esti-mulando as reservas monetárias para ofuturo possa ter aos seus olhos uma reca-ída positiva. Aglietta, vimos, consideraque os investidores institucionais poderi-am atenuar os conflitos distributivos liga-dos ao “envelhecimento” do “centro” ca-pitalista – Estados Unidos e Europa oci-dental in primis – na medida em que, porum lado, os seus empregos sustentassemo desenvolvimento real dos países de in-dustrialização mais antiga, e, por outro,elevasse ainda mais a produção de rique-za concreta nos países de capitalismo deindustrialização recente. Ora, o fato é queuma esperança do gênero já teve, por todaa década que acabamos de viver, mostra-da como falsa.

Para motivar este juízo, podemosnos referir a um livro de um outro autorfrancês, André Orléan9, que, de resto, temmuita sintonia com Aglietta, de quem foium estreito colaborador. Os mercados fi-nanceiros sobre os quais os investidoresinstitucionais atuam e pretendem liquidezelevada e liberdade de movimento quaseque perfeita, de fuga, mais do que de en-trada. Uma e outra, ao contrário do queafirma a teoria financeira dominante, nãogarantem, efetivamente, aderência à capa-cidade real de rendimentos das empresase à emissão de sinais pertinentes para aseleção dos investimentos. A racionalida-de dos mercados financeiros é, de fato,“auto-referencial”: os operadores ganhamnão se suas próprias previsões exprimema realidade efetiva, mas, se conseguemantecipar-se corretamente à opinião mé-

O reformismodos fundos de pensão

consiste em fazer voltaraos trabalhadores

como rendimento darenda o que lhe fogecomo rendimento do

trabalho. Pena que aidéia é duvidosa

economicamente esocialmentedestrutiva.

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dia do mercado. Um contexto de tal tipo,quando funciona bem, obriga quem aí ope-ra – e os fundos de pensão não poderiamfugir a esta regra – a seguir uma sucessãode rendimentos de curto prazo mais do queo que se espera no longo prazo; e quantovai mal, degenera em comportamentos mi-méticos que produzem crises financeiras efugas de capital. Não é por acaso que coma generalização do poder das finanças ecom a abertura “global” conexa aos capi-tais (aos quais os fundos contribuem pe-sadamente para a inevitável política de in-ternacionalização dos próprios investimen-tos) o desenvolvimento das áreas “jovens”do capitalismo tenha sido dramaticamentedesestabilizado e temporariamente inter-rompido, como testemunha, em particular,a crise do Leste asiático.

Nem a idéia que os investidoresinternacionais possam estar interessadosem critérios de gestão empresarial mais“éticos” goza de sorte melhor. Como es-clarece Orléan, com referência ao exemploamericano, o significado dos investidoresinstitucionais como gestores da poupan-ça coletiva é o de consentir aos acionistasminoritários colocar-se entre acionistasmajoritários e managers, para dirigir des-tes últimos em seu próprio benefício. Oseu poder é de “avaliação pública”, base-ado em um juízo forçadamente simplifica-do da arquitetura organizativa das empre-sas, em uma atitude recompensatória emrelação àqueles dirigentes de empresa –considerados também os mecanismos destock option, isto é, do fato que partesdas suas retribuições consiste em açõesdas empresas que dirigem – que garantemelevados rendimentos na Bolsa e uma re-levante distribuição dos dividendos. Ospróprios gestores dos fundos não esca-pam das leis que os avaliam segundo acapacidade de seguir, e não de derrubar orendimento médio do mercado, o chama-do benchmarking, o que torna ilusório,mais que iluminista qualquer projeto defazer dos fundos de pensão, que exprimemao grau máximo um novo individualismo,a vanguarda de um novo coletivismo. Ocapitalismo patrimonial, nos próprios paí-ses avançados, não pode produzir senãoum crescimento mais baixo e instável eacumular tensões que poderiam fazer vol-tar a prevalecer as tendências de crise fi-nanceira e a da estagnação real no próprio“velho” capitalismo.

Vale mais a pena compreender oprocesso do que confiar as pensões aeste jogo de azar, o qual acrescentaria demodo inaceitável o risco de quebra doseu valor real, principalmente, se no mo-mento de sua liquidação, ocorresse umaonda de rebaixamento.

Poder-se-ia objetar que, na rea-lidade, o ascenso da riqueza financeirafoi, nos últimos anos, incontrolável; queela mesma se fez motor da dinâmica posi-tiva da demanda, sobretudo nos EUA; eque as repetidas crises financeiras naperiferia pouco têm afetado as Bolsas dospaíses do centro, e que, pelo contrário,Wall Street pareceu prosperar como nun-ca nos anos da crise asiática. Mas, estáexatamente aqui o verdadeiro sentido dosprocessos descritos. No longo prazo, osrendimentos reais distribuídos pela Bol-sa não podem exceder o acréscimo realda riqueza medido pela dinâmica da pro-dutividade, salvo por uma ampliação dopeso da renda sobre os rendimentos; esua base sistemática, as finanças, têmcondição de dar lugar a rendimentos mo-netários crescentes somente se por trásda bolha financeira se ocultam proces-sos de redistribuição real consistentesna individualização de novas etapas ino-vadoras, ou na transferência de maisvalor de uma fração (ou área) capitalistaa uma outra, ou na compressão relativados salários.

Tudo isso, com efeito, é o queaconteceu e está acontecendo. A “finan-ceirização” das economias prosseguemais ou menos interrupta a partir do mo-mento em que nos anos 80, em condiçõesde estreitamento creditício, as empresascomeçaram a substituir o endividamentoperante os bancos pelo recurso à pou-pança financeira; e se acentuou quando,nos anos 90, a redução dos déficits pú-blicos, cujo financiamento por meio detítulos tinha contribuído decisivamenteao controle dos mercados de obrigaçõesna década anterior, acresceu ulteriormen-te o fluxo de dinheiro em relação aos títu-los acionários. Mas estes últimos, porprosseguir na sua corrida para frente, têmuma fome insaciável de dinheiro líquido,e isto projetou, inicialmente, a onda deprivatizações e agora o terrorismo previ-denciário. O certo é que, sem estes contí-nuos e crescentes afluxos, a especulaçãopoderia inverter-se. Por outro lado, a di-tadura dos mercados financeiros não é,de fato, cega, mas favoreceu em medidadeterminante o país hegemônico, os EUA;e mais do que gangrenar os conflitoscompetitivos intracapitalistas e incitar amudança tecnológica, permitiu, sobretu-do, descarregar todos os custos e riscossobre o único fator que permaneceu imó-vel e residual: o trabalho. O preço e o usoda força de trabalho têm de aceitar ser,daqui por diante, totalmente fatores “va-riáveis” e, pior, “dependentes”. No fun-do, o reformismo dos fundos de pensãoequivale a procurar uma saída deste in-

ferno; consiste em fazer voltar aos traba-lhadores como rendimento da renda o quelhe foge como rendimento do trabalho.Pena que a idéia, além de duvidosa eco-nomicamente, é socialmente destrutiva.

6 – Dito isto, infelizmente, não sedisse tudo. Se for verdade que a esperan-ça de Aglietta de poder “regular” por meiodos fundos de pensão “éticos” do sindi-cato o novo capitalismo patrimonial, pre-gando uma distribuição mais “igualitária”,pouco mais do que uma petição de princí-pio, são fundadas as críticas que apenasindiquei. Como também é verdade, pelasmesmíssimas razões, que a propriedadeformal das empresas, por parte dos traba-lhadores não tem nenhuma esperança detransmutar-se em propriedade real, em po-der de direção concreta, ao contrário doque espera Blackburn. Não se pode, toda-via, deixar de notar o quanto estas contri-buições estejam mais próximas do cernedas questões atuais do que as propostasem torno às quais se mobiliza não a nossaesquerda governamental, mas também, anossa esquerda alternativa. A primeira pre-tende regular o capitalismo sem um proje-to de sociedade, e de uma sociedade dife-rente; mas a segunda, muito repetidamen-te, acopla a uma retórica anticapitalista aexigência de demandas redistributivaspuras e simples – ainda que, freqüente-mente, meritórias – que poderão até en-contrar satisfação parcial e conjuntural,mas que não tocam os mecanismos de pro-dução e de acumulação. Parece-me que oque Aglietta e Blackburn têm presente,mais o segundo do que o primeiro, é que adinâmica natural deste capitalismo nãotolera outras distribuições. A preocupa-ção comum aos dois autores, compartilhá-veis para além da resposta que oferecem,me parece esta: ou temos condições decaptar de modo analítico e preciso as ca-racterísticas da nova fase e intervir demodo conseqüente sobre o terreno estru-tural, derrubando prioridades e comporta-mentos e encontrando, pelo menos paraBlackburn, o modo de incidir a fundo so-bre as escolhas que governam o processode acumulação, ou o estímulo de mil Seat-tle não levará a nada. Esta é uma questão,tenhamos claro, que não tem muito a vercom uma colocação de governo, ou com adiatribe entre os sustentadores da esquer-da política contra os da esquerda social.Nos anos 60 e 70, a capacidade de intervirsobre os desequilíbrios distributivos foimáxima quando se esteve em condiçõesde incidir sobre o processo de produção eacumulação e a incapacidade de resistireficazmente à reação do sistema foi fun-ção direta da ausência de uma projetuali-

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dade alternativa, mais do que da remoçãoda problemática da crise. Certamente, ne-nhum de nós, muito menos quem escreve,tem uma resposta pronta, quanto mais umaresposta adequada. Mas, quem sabe, con-cordarmos de que este é o problema quetemos diante de nós seria dar um passo àfrente. Será o caso de voltar a ele.

Notas

1 – World Bank. Adverting the old age crisis:Policies to protect the old and promote growth.

Londres : Oxford University, 1994.

2 – Felice Roberto Pizzuti. Al fondo dei fondi.Stato Sociale e penisione. II Manifesto, n. 0, nov.1999.

3 – Robin Blackburn. The new collectivism: Pen-sion reform, grey capitalism and complex socia-lism. New Left Review, n. 233, 1999.

4 – Henri Jacot. An unsuspected collectivism.New Left Review, n. I, 2000 e Robin Blackburn.Reply to Henri Jacot. New Left Review, n.I,2000. Robin Blackburn. Le retour du collecti-visme: la nouvelle économie politique des fondsde pension. Mouvements, n. 5, 1999 e HenriJacot. “Capitalisme gris”, “nouvelle nouveaucollectivisme” et fonds de pension, un com-mentaire sur la contribution de Robin Black-burn. Mouvements. n. 5, 1999.

5 – No original, “dai capelli grigi” (N. do T.).

6 – Michel Aglietta. Régulation et crise ducapi ta l isme. Par is: Édi t ions Odi le Jacob,1997, volume cujas várias traduções em in-glês foram todas publicadas pela New Left Re-view, enquanto o posfácio foi significativa-mente antecipado na revista inglesa no nú-mero anterior em que apareceu a contribuiçãode Blackburn.

7 – Michel Aglietta. Le capitalisme de demain:Note de la Fondation Saint-Simon. Paris: Fonda-tion Saint-Simon, 1998.

8 – Veja-se, por exemplo, Giorgio Lunghini, IIpoco frequentato Keynes. In: Jader Jacobelli.2000. Dove l’economia italiana Roma/Bari:Laterza, 2000.

9 – André Orléan. Le pouvoir de la finance. Paris:Odile Jacob, 1999.

Cadernos Adunesp - Nº 2 - Agosto 200250

Imagens da lutaImagens da luta

1999 - Milhares de servidores paulistas saem às ruaspara protestar contra a reforma previdenciária anunciada

por Covas

15/3/03 - Entidades paulistas do funcionalismo se unificam e promovemdebate sobre a Previdência na Casa de Portugal, em São Paulo

15/5/03- Ato unificado contra a reforma, na av. Paulista (SP)

14 e 15 demaio/2003 -

No Dia Naci-onal de Luta

contra areforma, o

protestorealizado em

São Paulo,que reuniu

várias catego-rias do funci-

onalismo

Associação dos Docentes da UnespSeção Sindical do Andes/SN