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  • 7/29/2019 Diagramao Mulheres Presdios

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    78 detentas vivem em

    presdios masculinosNas Penitencirias de Canela e Caxias do Sul, mulheres cumprem suaspenas em unidades carcerrias destinadas a homens

    Encarceradas:Mara Dias e Isabel Bittencout* so duas das 11 detentas da Penitenciria Estadual de Canela, uma das mais pacfcas do estado

    Letcia RossaRenata SantosYngrid Lessa

    Oaspecto de residnciad a impresso de queno est se chegando auma cadeia. As paredes amare-

    las e vibrantes contrastam como uniorme pesado dos ofciaisque azem a segurana do local.A diviso entre a liberdade e oaprisionamento dos detentos eita apenas por meio de telasde proteo e no com murosaltos, como so geralmente cer-cados os maiores presdios. APenitenciria Estadual de Cane-la possui atualmente 133 presos deste total, 11 so mulheres.

    Mara Dias uma delas.

    Aos 47 anos, ela cumpre suapena de 26 anos, 10 meses equatro dias por latrocnio roubo seguido de morte. Sobo olhar da diretora do presdio,Giane Rockemback, e sob aguarda de um policial, a encar-cerada detalhou reportagema sua rotina em um presdiomodulado para homens. Todosos dias, ao acordar s 6h30min damanh, ela segue para o banhei-ro comunitrio (que tambm utilizado pela ala masculina) daPenitenciria de Canela. Apsterminar sua higiene pessoal,a taquarense de nascimentocaminha poucos metros atchegar cozinha da priso. alique ela trabalha desde novem-bro de 2011.

    Logo ao lado, a 75 km de

    distncia, na cidade vizinhaCaxias do Sul, outras 67 deten-tas esto encarceradas na Peni-tenciria Industrial de Caxias,tambm direcionada apenas ahomens.

    Por se tratarem de cadeiasmasculinas com alas destinadasa mulheres, os presdios deCanela e Caxias no contamcom direitos especfcos comocreches, beros e seo de ges-tantes, normas integrantes daLei de Execuo Penal do Bra-sil. Outra questo que, empresdios ou alas emininas, nodeveria se admitir a presena deagentes penitencirios homens.Mas no Brasil se aceita issocom o argumento de que elesseriam imprescindveis para amanuteno da segurana, de-

    ende o socilogo e consultorde Segurana Pblica MarcosRolim.

    A fscalizao das irregularidades envolvendo mulheresem penitencirias masculinascomeou em 2008 aps a criao de uma resoluo do Conselho Nacional de Justia que estabelece que o juiz responsvel pelaregio deve vistoriar as prisesmensalmente. Este projeto defscalizao oi desenvolvido emuno do caso ocorrido em no

    vembro de 2007, no Par, ondeuma mulher fcou presa comhomens na mesma cela. Paraevitar atos como este que oexpedida esta resoluo, risao juiz da Vara de ExecuesCriminais de Porto Alegre, Sidinei Jos Brzuska.

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    Em Canela

    Com inormaes atual-izadas em agosto deste ano, aSuperintendncia de ServiosPenitencirios do Rio Grandedo Sul revela que o perodomais longo de pena a sercumprida vai de 30 a 50 anosde encarceramento: na Peni-

    tenciria, sete mulheres en-caixam-se neste grupo. Comidade entre 18 e 60 anos, aspresas ainda esto inseridasem programas educacionais ede laborterapia interna e ex-terna.

    Ao darem entrada na Pen-itenciria, as mulheres so in-tegradas quase imediatamenteao trabalho interno e educativo.Com o homem dierente. Pri-

    meiro precisamos analisar suasatitudes para s ento direcio-narmos eles a alguma atividadelaboral. Mas, no geral, no hdierenciaes entre homens emulheres, destaca a administra-dora da Penitenciria Estadualde Canela, Giane Rockemback.

    Em CaxiasCaxias do Sul, por sua vez,possui uma populao prisionalpraticamente sete vezes supe-rior de Canela. Das 67 encar-ceradas de Caxias do Sul, 54%cumprem uma pena grave, que

    vai de 30 a 50 anos. As ativi-dades de laborterapia externae interna so praticadas pormetade das detentas de Caxiasdo Sul.

    A incerteza do futuro

    Desde a primeira semana de fevereiro de 2011, a

    canelense Isabel Biencourt*, de 41 anos, uma das de-

    tentas provisrias da Penitenciria Estadual de Canela

    Presa por trco de drogas, Isabel aguarda seu julgamen-

    to ainda sem data denida.

    Responsvel pela limpeza das salas administravasdo presdio, Isabel tambm frequenta as aulas de croch

    ministradas nas teras tarde por integrantes do Lions

    Clube de Canela. Isso muito importante para o meu

    psicolgico porque assim s penso em coisas boas, frisa

    a detenta.

    Apesar da esperana em sair da priso, ao citar as ex-

    pectavas para o futuro ela simplesmente d os ombros.

    No sei o que me espera. A sociedade muito precon-

    ceituosa e chego a ter medo do amanh, lamenta.

    No sei o que esperar quando sair da priso. No tenho sonhos, mas sei que a sociedade ser

    muito preconceituosa Isabel Bittencourt*, presa provisria de Canela desde 2011

    Promotor Bortoloo: Pagamos com a

    vida por causa do preconceito

    O Ministrio Pblico Estadual o rgo responsvel porscalizar as penitencirias gachas. Um dos prossionais re-

    sponsveis por executar este trabalho o 4 promotor de

    Jusa da Promotoria de Jusa de Controle e de Execuo

    Criminal de Porto Alegre, Gilmar Bortoloo. Ele explica que a

    Lei de Execuo Penal a legislao nacional que indica os

    direitos e deveres do preso. O problema que quase nada

    cumprido por falta de condies materiais e de recursos hu-

    manos. H uma cultura no sendo de que a pena no deve

    servir para recuperar o indivduo, mas sim para vingar o delito

    comedo, arma.

    Apesar da scalizao do MP por meio de encontros com de-

    tentos e anlise da situao jurdica de cada um, algumas normas

    descumpridas nos sistemas prisionais gachos levam a uma es-

    pcie de paralisao por parte da sociedade e do Estado. Espe-

    ra-se que todos despertem para a necessidade da humanizao

    dos presdios. Estamos todos pagando com a vida por causa das

    omisses e do preconceito, completa Bortoloo.

    Mesmo com a inrcia perante os presdios do estado, pro-

    motores do Ministrio Pblico connuam a percorrer o interior

    das cadeias, promover aes para implementao de polcas

    pblicas (a exemplo de assistncias de sade e educao) e at-

    ender os familiares dos detentos.Canela: Presas fcam em cela e alojamento adaptados

    LETCIAROSSA

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    Prises no RS

    A situao das unidadescarcerrias de todo o ter-ritrio brasileiro oi abor-dada no arquivo MutiroCarcerrio: Raio-X do sistemapenitencirio brasileiro, elab-orado pelo Conselho Nacio-nal de Justia durante quatro

    anos e lanado em 2012. Nasinspees das cadeias ga-chas, o quadro analisado peloCNJ oi o de violncia e des-caso das autoridades em rela-o aos presidirios.

    No Rio Grande do Sul,conorme o estudo, as uni-dades prisionais viraram ter-reno rtil para a atuao dasorganizaes criminosas. Osnovos detentos, ao ingressa-rem nos presdios do estado,

    normalmente iliam-se a umadas organizaes criminosase comeam a trabalhar paraela. Entretanto, o CNJ noornece dados relacionados

    populao eminina nos pre-sdios.

    Sistema prisional

    Outro tropeo das peniten-cirias nacionais a alta de va-gas, que tem como consequn-cia uma reduo das condiesbsicas de vida dos presos. Em

    Canela, o presdio possui capa-cidade de engenharia para 100detentos. Porm, atualmente onmero de carcerrios de 133.Em Caxias do Sul o cenrio serepete. A Penitenciria Indus-trial deveria receber at 394indivduos. Contudo, a quan-tidade de presos 30% supe-rior: at setembro, estavamencarcerados 567 homens emulheres.

    A Comisso Interamericana

    de Direitos Humanos, por meiodo Inorme dos Direitos Huma-nos dos Detentos das Amricas,atualizado em 2011, revela que,dos 1.148 centros penais do Bra-

    sil, 448 possuem estrutura parao desenvolvimento de atividadesprodutivas. Neste contexto,89.009 presos participam deatividades laborais, o que repre-senta 24% de toda a populaoprisional do pas.

    Em relao massa emi-nina, o International Centre or

    Prison Studies elaborou em 2007um relatrio sobre mulheresencarceradas no Brasil. Os da-dos apontam que a proporode presidirias em qualquersistema penitencirio do mun-do varia entre 2% e 8%. Emdecorrncia dessa reduzida pro-poro, as prises e os sistemaspenitencirios se estruturambasicamente de acordo com asnecessidades masculinas e ape-nas adaptam-se s emininas.

    Polticas de segurana

    Procurado pela reporta-gem, o presidente do Con-selho Penitencirio do Rio

    Os direitos e deveres asse-

    gurados na Lei de Execuo Pe-

    nal LEP, de 1984, no so apli-

    cados na prca. O trabalhodesenvolvido dentro das

    unidades carcerrias precrio

    no apenas no Rio Grande do

    Sul, mas em todo o pas.

    A garantia dos direitos hu-

    manos s detentas uma obriga-

    o bsica do Estado que no

    tem sido cumprida. Os presos

    brasileiros tm os seus direitos

    solenemente ignorados pelo Es-

    tado desde sempre, assegura o

    socilogo e consultor de Segu-

    rana Pblica Marcos Rolim.A inexistncia de pol-

    cas pblicas gachas que

    combatam com efevidade

    os problemas prisionais re-

    sulta, de acordo com Marcos

    Rolim, na percepo de des-

    caso das autoridades peran-

    te os detentos.

    O Rio Grande do Sul pos-

    sui quatro estabelecimen-

    tos penais exclusivos para

    mulheres: a Penitenciria

    Feminina Madre Pelletier,

    de Porto Alegre, o Anexo

    da Penitenciria Moduladade Charqueadas, a Peniten-

    ciria Estadual Feminina de

    Guaba e o Albergue Femi-

    nino, tambm na capital.

    No interior do estado as

    mulheres cumprem pena em

    alas adaptadas nas unidades

    masculinas. Porm, a Const i-

    tuio Federal determina

    tratamento diferenciado s

    detentas, com penitencirias

    prprias que respeitem as

    condies sociais.De acordo com o juiz Si-

    dinei Jos Brzuska, na lti-

    ma dcada a maior parte

    das mulheres foi presa por

    uso ou trfico de drogas.

    Algumas j so trafican-

    tes, mas outras acabam em

    um relacionamento afetivo

    com homens que traficam

    e que as conduzem ao tr-

    fico, explica.

    Como vivem as detentas?

    Grande do Sul, doutor Rodrigo Puggina, inormou queno Presdio de Canela a Pro-motoria de Justia iscalizao estabelecimento mensalmente atravs de relatos dasapenadas. Ele explica quetambm h o envolvimentoda comunidade loca l na busca

    de trabalho e educao paraas mulheres. Elas recebemtratamento mdico, ginecolgico e outros que so

    voltados ao pblico emini-no, airma.

    O Conselho Penitencirio do RS criou um pro-

    jeto nas mesmas eseras doPrograma Nacional de Segurana Pblica com Cidadania Pronasci, que visamelhorar o quadro de segu

    rana pblica nos presdiosA verso gacha recebeu onome de RS na Paz e deveortalecer as polticas de se-gurana gacha.

    Cautela: Diretora do Presdio de Canela, Giane Rockemback

    LETCIAROSSA

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    Quais so os prin-

    cipais problemas en-

    contrados hoje nos

    Presdios?

    Sidinei: Os prdios dasnossas prises estodeasados, desatualiza-

    dos e destrudos. Outroproblema grave doponto de vista uncio-nal, pois existe carnciade servidores. Assim,o Estado est remdos presos. Temos umproblema de sade muitograve. Ns constatamosque do total de presos

    que morreram no RioGrande do Sul, 89%chegaram ao bito pordoenas inecciosas.

    Mais um problemarelevante a questocultural, pois a socie-dade acha que o siste-ma est bom, mas na

    verdade ele no est.

    Existe um olhar die-

    renciado para as mulheres

    presas do Estado?

    Sidinei: H uma reco-mendao do ConselhoNacional de Justia, ain-da no obedecida no RS,para que se crie uma Varaexclusivamente para asmulheres. Ns propusemosa duplicao da Vara deExecues Criminais dePorto Alegre para atenders detentas. Eu acreditoque deveria existir umaunidade judiciria s paraas detentas, pois a nossa

    prestao de servios estabaixo do esperado paraelas.

    A maioria das mulheres

    entra para o crime por cau-

    sa do trfco de drogas?

    Sidinei: Certa vez pergun-tei pra uma presa porqueela oi parar na cadeira e elame respondeu que tinhaflhos e que havia sidoabandonada pelo pai dascrianas. A prpria detentaj no possua mais pai oume. E ela me relatou queachava mais limpo guardardrogas em casa do que sedeitar com um bbado. As-

    sim, ela aceitou traf-car por dinheiro, poisganhava R$ 100 porsemana e sustentava osflhos com isso.

    Onde esto os

    benecios mnimosque estas detentas de-

    vem receber?

    Sidinei: Tudo est naLei de Execuo Penalmas o problema que oEstado no cumpre a leiPorm, ningum con-segue exigir deveres semalcanar direitos. pre-

    ciso oerecer condiespara que os presos vi-vam dignamente, maso Estado economiza eno ornece materiaisde higiene, por exem-plo. economizado ai-nda com servidores e acomida insufciente. L

    O juiz da Vara de Execues Penais

    de Porto Alegre, Sidinei Jos Brzus-

    ka, responsvel por scalizar as

    casas prisionais da regio metropoli-

    tana de Porto Alegre. Em entrevista

    reportagem, o magistrado retrata

    os problemas enfrentados nas peni-

    tencirias gachas e os impasses

    envolvendo mulheres nas prises.

    Marcos Rolim, consultor em

    segurana pblica:

    A Lei de Execuo Penal ,possivelmente, a

    norma mais descumprida no

    Brasil

    440.013

    detentos viviam no Brasil ao fnal de 2008. Odado vem da oitava edio do estudo WorldPrison Population List, que analisou 218pases independentes e seus territrios. Asinormaes oram compiladas pelo KingsCollege London. Os Estados Unidos possuemo maior ndice de populao prisional domundo: 756 presos a cada 100.000 habitan-tes. Em seguida surgem a Rssia, Ruandae Cuba.

    *Os nomes reais dos entrevistados foram alterados para preservar suas imagens.

    DIVULGA

    O

    ENTREVISTA