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    AS CRIANAS PS-MODERNAS: O QUE PRECISO PARAENTENDER MELHOR O PS-MODERNO?

    LYOTARD EXPLICAR S CRIANAS

    Alexandre Lopes CampeloUniversidade Federal do Piau/UFPI Brasil

    RESUMO: O artigo reuni consideraes acerca de algumas cartas que Jean-Franois Lyotard escreveu a propsito do debate ps-moderno em seu livro Ops-moderno explicado s crianas, relacionando-as com os argumentos da obraCondio ps-moderna para verificarmos uma possvel defesa de ruptura entremodernidade e ps-modernidade, tal reunio das consideraes contidas nas

    cartas, que J. F. Lyotard escreveu, a propsito do debate ps-moderno nos farmostrar que no h uma mudana considervel das regras do discurso cient-fico na ps-modernidade, comparadas s da modernidade, elas apenas se cons-tituram mais explcitas. O trabalho verifica ainda que J. F. Lyotard pondera afavor, no de uma ruptura ou simples sucesso de pocas, mas declara existiruma nova direo depois da anterior.

    Palavras-chave: Modernidade, ps-modernidade, totalitarismo, legitimidade,formao, filosofia.

    CHILDREN POSTMODERN: WHAT IS NEEDED TO BETTER UNDERSTANDTHE POSTMODERN? LYOTARD EXPLAIN TO CHILDREN

    ABSTRACT:Article gathered considerations about some letters that Jean-FranoisLyotard wrote about the postmodern debate in his book The postmodern explainedto children, relating them to the arguments of the work postmodern condition toverify a possible defense rupture between modernity and postmodernity, such ameeting of the considerations contained in the letters, that J. F. Lyotard wrote,concerning the postmodern debate will show us that there is a considerable

    change of the rules of scientific discourse in postmodernity, compared to

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    modernity, they only constituted more explicit. The paper also notes that J. F.Lyotard weighs in favor, not a break or simple succession of seasons, but saysthere is a new direction after the previous one.

    Keywords: Modernity, postmodern, totalitarianism, legitimacy, training,philosophy.

    Neste artigo reunimos consideraes acerca de algumas cartas que J. F. Lyo-tard escreveu a propsito do debate ps-moderno em seu livro O ps-modernoexplicado s crianas1. Nosso objetivo relacion-las com os argumentos daobra Condio ps-moderna para verificarmos uma possvel defesa de ruptura

    entre modernidade e ps-modernidade.De acordo com a nota do editor francs, no foi fcil conseguir a autoriza-o para tal publicao, contudo, os argumentos utilizados visavam persuadir oautor de que era preciso ilib-lo de acusaes que o caracterizavam como irra-cional, neoconservador, terrorista intelectual, liberal simplrio, niilista, dentreoutras atribuies. Mas o que nos mostra a referida nota que J. F. Lyotard notinha nenhuma preocupao com as crticas de seus adversrios, pois, segundoele, essas crticas advinham no de uma leitura de seus escritos, ou mesmo deargumentos ad rem, ao contrrio, seus adversrios operavam via argumentos adhominem, logo contra-argumentar sob essas condies no merecia nenhuma

    disposio. J. F. Lyotard relutava em publicar tais cartas alegando que os textoseram ingnuos, a ponto de no oferecerem nenhuma contribuio para o de-bate acerca do ps-moderno, que ele prprio via de maneira nebulosa.

    Todavia, o argumento que mudou a opinio de J. F. Lyotard consistia em afir-mar que, mesmo sendo pueris e inacabados, os textos contribuam com o debate,pois traziam o pressentimento de que algo estava se transformando dentro dahistria contempornea. Assim, so por essas razes que consideramos a dis-cusso de tais textos extremamente valiosa para darmos continuidade ao pro-cesso de anlise de uma possvel ruptura entre modernidade e ps-modernidadedentro da condio ps-moderna. Para isso, exporemos as consideraes que

    nosso autor constri acerca da modernidade e da ps-modernidade, suas crti-cas ao totalitarismo, a questo da legitimidade, e, finalmente, seu entendimentosobre a formao filosfica.

    Em Resposta pergunta: o que o ps-moderno?, numa das dez cartas, J. F.Lyotard projeta seu estarrecimento diante das leituras que o acompanham, afir-mando, enfaticamente: estamos num perodo de permissividade, e do ar do

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    1. O Ps-moderno explicado s crianas: correspondncia 1982-1985, da Editora Publi-

    caes Dom Quixoteque/Portugal, 2 edio de 1993.

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    tempo que eu falo2. Dentre tantas leituras, li um pensador reputado que de-fende a modernidade contra aqueles a quem ele chama os neoconservadores, eque pretendem, julga ele, sob o estandarte do ps-modernismo, desembaraar-

    se do projecto moderno que ficou inacabado, o das Luzes3. De acordo comJ. F. Lyotard, J. Habermas pensava que se a modernidade falhou foi por considerarque a totalidade da vida fragmentou-se em especialidades e o indivduo con-creto vive a desestrutura. A soluo para isso, segundo J. Habermas, seria umaaproximao do discurso com o conhecimento da tica, com a poltica, o quesignifica uma passagem para a unidade da experincia4. Todavia, a questocolocada por J. F. Lyotard saber que unidade essa pensada por J. Habermas.Assim questiona:

    O fim visado pelo projeto moderno ser a constituio de uma uni-

    dade sciocultural no seio da qual todos os elementos da vida cotidianae do pensamento venham ocupar seu lugar, como num todo orgnico?Ou ser que a passagem que preciso abrir entre os jogos de linguagemheterognios, os do conhecimento, da tica, da poltica de uma outraordem? E, nesse caso, como seria ele capaz de realizar a sua sntese efe-tiva?5

    Essas questes levam J. F. Lyotard a julgar que a ps-modernidade impe umareviso da Aufklrung, ou seja, questiona a noo de um fim unitrio da histriae do sujeito. Tal crtica iniciada por L. Wittgenstein e W. Adorno, por exemplo, considerado por J. Habermas, segundo J. F. Lyotard, sinal de neoconservado-

    rismo.E o realismo?

    Existe um desafio sobre o qual J. F. Lyotard fala a partir da arte. Segundo ele,h convites os mais diversos para suspender a experimentao artstica umamesma chamada ordem, um desejo de unidade, de identidade, de seguranae de popularidade6, no sentido de encontrar pblico. Os efeitos de realidade semultiplicam, contudo, o capitalismo, segundo J. F. Lyotard, tem o poder de des-realizar os papis da vida social e as representaes ditas realistas j s podemevocar a realidade sob a forma da nostalgia ou da pardia como ocasio de so-

    frimento mais do que de satisfao7

    .Para no tornar-se mero suporte, a arte deve recusar-se a usos teraputicos.

    Aqueles que aceitam pr em dvida artes plsticas e narrativas, sero condena-

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    2. LYOTARD, J. F. 1993, p. 13.3. op. cit., p. 14.4. op. cit., p. 15.5. Ibid.6. op. cit., p. 16.

    7. op. cit., p. 16-17.

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    dos a no receber credibilidade junto dos amadores preocupados com a reali-dade e identidade, e ficam sem audincia garantida8. O realismo do qual J. F.Lyotard fala impositor de um tipo de boa imagem e boas narrativas. A ex-

    perimentao artstica atacada quando se manifesta a respeito das regras dobelo.

    O poder do capital produz um conformismo com o Kitsch, segundo J. F. Lyo-tard, este realismo do seja l o que for o dinheiro: faltando critrios estticos,continua a ser possvel e til medir o valor das obras em funo do lucro que sepode obter com elas. Este realismo acomoda-se a todas as tendncias, como ocapital a todas as necessidades, desde que as tendncias e as necessidades ten-ham poder de compra9.

    De acordo com J. F. Lyotard, nem a cincia nem a indstria esto protegidas dasuspeita relativa realidade daquilo que a arte e a escrita no podem negar,da predominncia da tecnocincia, ou seja, da subordinao macia dos enun-ciados cognitivos finalidade da melhor performance possvel que o critriotcnico10. Contudo, tanto o mecnico quanto o industrial, ao entrarem nocampo reservado ao artstico, aqueles com origem no conhecimento cientficoe na economia capitalista, no fogem regra de que no h realidade que noseja atestada por um consenso entre parceiros sobre conhecimentos e compro-missos11. E mais, este recuo indispensvel para que nasam a cincia e o ca-pitalismo12. Para J. F. Lyotard, a modernidade, sem uma data definida, rgida, inseparvel do enfraquecimento da crena e da descoberta dopouco de reali-dade da realidade, associada inveno de outras realidades13.

    Diante da perspectiva de dizer o que o sublime14J. F. Lyotard afirma que o su-blime ocorre quando a imaginao falha ao presentificar a concordncia com

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    8. op. cit., p. 18.9. op. cit., p. 19-20.10. op. cit., p. 20.11. op. cit., p. 21.12. Ibid.13. Ibidem.

    14. Na obra O Inumano (1997), J. F. Lyotard diz que o sublime um sentimento contradi-trio, prazer e dor felicidade e angstia, exaltao e depresso(p. 98). Em outro momento domesmo livro, J. F. Lyotard afirma que O sublime ser talvez o modo da sensibilidade artsticaque caracteriza o modernismo(p. 99). Alm disso, o sentimento do sublime, cuja analtica I.Kant introduz sem qualquer justificao, o que no hbito, possui a propriedade interessantede no ter uma comunicabilidade imediata. O sentimento do sublime manifesta-se quando faltaa apresentao de formas livres. compatvel com o in-forme. exatamente quando falta aimaginao que apresenta formas, que tal sentimento aparece. E este ltimo deve passar pelamediao de uma idia da razo a qual a Idia de liberdade. Achamos sublimes espetculosque excedem qualquer apresentao verdadeira de uma forma, ou seja, onde se significa a su-perioridade do nosso poder de liberdade em relao ao manifestado no prprio espetculo. Aoisolar o sublime, I. Kant salienta algo que est em relao direta com o problema da falncia

    do espao e do tempo. As formas livremente flutuantes que suscitavam o sentimento do belo

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    um conceito. Segundo ele, temos, por exemplo, a ideia do mundo (a totalidade da-quilo que ), mas no temos a capacidade de dar um exemplo dele15. So ideiascomo tantas outras impresentificveis16. Por exemplo, a pintura moderna tem como

    propsito fazer ver que h algo que se pode conceber e que no se pode ver nemfazer ver17, ou seja, presentificar o que h de impresentificvel.

    A confirmao da negao da existncia de uma ruptura entre modernidadee ps-modernidade surge com a resposta seguinte pergunta feita e respondidapor J. F. Lyotard: O que ento ops-moderno? O ps-moderno faz certamenteparte do moderno, o diferendo que na esttica moderna h o sublime, ou seja,prazer e dor, segundo I. Kant18. Tem uma consistncia envolta em consolaoe prazer. Mas o ps-moderno

    seria aquilo que no moderno alega o impresentificvel na prpria

    presentificao; aquilo que se recusa consolao das boas formas, aoconsenso de um gosto que permitiria sentir em comum a nostalgia do im-possvel; aquilo que se investiga com presentificaesnovas, no para asdesfrutar, mas para melhor fazer sentir o que h de impresentificvel.Um artista, um escritor ps-moderno est na situao de um filsofo: otexto que escreve, a obra que realiza no so em princpio governadaspor regras j estabelecidas, e no podem ser julgadas mediante um juzodeterminante, aplicando a esse texto, a essa obra, categorias conhecidas.Estas regras e estas categorias so aquilo que a obra ou o texto procura.O artista e o escritor trabalham portanto sem regras, e para estabelecer as

    regras daquilo que foi feito. Da que a obra e o texto tenham as proprie-dades do acontecimento, da tambm que cheguem demasiado tardepara o seu autor, ou, e vem a dar no mesmo, que a sua preparao co-mece sempre demasiado cedo. Ps-moderno devia ser entendido se-gundo o paradoxo do futuro (ps) anterior (modo)19.

    De acordo com J. F. Lyotard, o que parece caracterizar a ps-modernidade o acontecimento que representado, se que assim podemos afirmar, pelo im-presentificvel, ou seja, no compete ps-modernidade fornecer realidademas inventar aluses ao concebvel que no pode ser presentificado20.

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    passam a faltar. De certo modo a questo do sublime est intimamente ligada ao que M. Hei-degger chama de retirada do ser, retirada de doao. O acolhimento feito ao sensvel, ou seja,ao significado encarnado no aqui-agora, antes de qualquer conceito, j no teria lugar, nemmomento. Esta retirada significaria a nossa situao atual(p. 117-118.).

    15. LYOTARD, J. F. 1993, p. 22.16. Ibid.17. Ibidem.18. op. cit., p. 21.19. op. cit., p. 26.

    20. op. cit., p. 27.

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    Retomando questes j discutidas emA condio ps-moderna, J. F. Lyotardenfatiza em mais uma carta,Apostila s narrativas, o agravamento do cenrioque subjaz a essa condio. EmA condio ps-moderna, J. F. Lyotard discute

    as metanarrativas e como elas marcaram a modernidade no sentido de fazer crerno progresso da tecnocincia capitalista. De acordo com J. F. Lyotard, as narra-tivas no so mitos por procurarem legitimidade num ato original fundador, massim, porque visam a orientar todas as realidades humanas. O caracterstico damodernidade o projeto.

    Contudo, no argumento de J. F. Lyotard, o projeto moderno, ou seja, aqueleda realizao da universalidade, no foi esquecido, mas sim destrudo, segundoele, uma das formas dessa destruio foi Auschwitz, mas h uma outra des-truio: a vitria da tecnocincia capitalista, que destri o projeto moderno aotempo que faz crer realiz-lo. O que se obteve com os objetos trazidos pelas

    cincias e pelas tecnologias contemporneas no veio acompanhado de maisliberdade ou de mais educao, nem de melhor distribuio de riqueza, ao con-trrio, acelerou o processo de deslegitimao j presente na modernidade. Afonte de legitimidade na histria moderna, a partir de 1792, o povo que nopassa de uma ideia. O que acontece nas guerras exatamente a disputa pelaboa ideia de um determinado povo, em Auchwitz todo um povo foi destrudo.Conforme J. F. Lyotard, o crime que inaugura a ps-modernidade, crime delesa-soberania, j no regicdio, mas populicdio (distinto dos etnocdios)21.

    As metanarrativas, diante do exposto acima, sofrem com sua credibilidade,j que, para J. F. Lyotard, essas narrativas tm a funo de legitimar, o que noimpede, depois dos questionamentos acerca delas, que as mesmas tenham des-aparecido. Segundo J. F. Lyotard, em A condio ps-moderna, uma questopungente a identificao do conhecimento com a narrativa e, para um escla-recimento do que vimos at agora, J. F. Lyotard nos diz:

    no que a teoria seja mais objetiva do que a narrativa. A narrativado historiador est submetida quase s mesmas regras de estabelecimentoda realidade do que a do fsico. Mas a histria uma narrao que temainda por cima a pretenso de ser uma cincia, e no simplesmente umromance. Em contrapartida, a teoria cientfica no tem em princpio a

    pretenso de ser narrativa (embora a astrofsica contempornea contecom gosto a histria do cosmos desde o Big Bang). Por outras palavras,penso que hoje em dia preciso distinguir regimes de frases diferentes egneros de discursos diferentes. H na narratologia geral um elementometafsico no criticado, uma hegemonia concebida a um gnero, o na-rrativo, sobre todos os outros, uma espcie de soberania das pequenas na-rrativas, que lhe permitiria escapar crise de deslegitimao.Escapam-lhe, certo, mas porque tambm no tem valor de legitima-

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    21. op. cit., p. 33.

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    o. A prosa do povo, quero dizer: a sua prosa real, diz uma coisa e o seucontrrio. Quem v caras no v coraes e o rosto o espelho daalma. Foi o romantismo que pensou que ela era consistente, orientada

    por uma tarefa de expressividade, de emancipao, de revelao de umasageza. A ps-modernidade tambm o fim do povo-rei das histrias22.

    Finalmente, J. F. Lyotard traz-nos de volta para a percepo no s do sujeitohumano, como daquilo que ele cria, recria e representa. A cincia, a tcnica ea sociedade so constitutivos dessa natureza que o homem transforma e deses-tabiliza constantemente.

    Em Missiva sobre a histria universal, J. F. Lyotard nos mostra que o gnero na-rrativo no tem privilgio sobre todos os outros gneros de discurso, tampoucona anlise dos fenmenos humanos e menos ainda no trabalho filosfico. Afirma

    que emA condio ps-moderna algumas das suas reflexes sucumbiram ao queele denominou de aparncia transcendental. Mas a questo central a seguinte:poderemos hoje continuar a organizar a multiplicidade de acontecimentos quenos chegam do mundo, o humano e no-humano, colocando-os sob a Idia deuma histria universal da humanidade?23.

    J. F. Lyotard nos adverte que no tratar tal questo como filsofo, contudo,ela merecedora de diversos esclarecimentos: no primeiro esclarecimento, ficaevidente que poderemos continuara organizar. A modernidade faz isso; a pr-pria palavra modernidade no uma poca, mas um modo, de acordo com a ori-gem latina da palavra. Na modernidade existe o esforo para controlar todos os

    dados, incluindo a si prprio, exemplo disso o prprio Discurso de Descartes, o gnero narrativo na primeira pessoa. J. F. Lyotard mostra que este modo mo-derno da organizao do tempo desenvolve-se no sc. XVIII na Aufklrung24;nos sculos XIX e XX o pensamento e a ao so regidos pela ideia da emanci-pao. As grandes narrativas tentam ordenar os acontecimentos desde a narra-tiva crist at a narrativa capitalista da emancipao da pobreza pelodesenvolvimento tecnoindustrial25. H nessas narrativas disputas, mas, tambm,permanece a necessidade de liberdade universal.

    No segundo esclarecimento, proposto por nosso autor, a respeito da questoinicial poderemos continuar a organizar etc?, mesmo a resposta sendo nega-

    tiva, ela no pode deixar de admitir a persistncia do ns. Mas em que consisteo ns? uma comunidade de sujeitos. Mas ele independente da Idia de umahistria da humanidade?26, questiona J. F. Lyotard.

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    22. op. cit., p. 33-34.23. op. cit., p. 37.24. op. cit., p. 38.25. op. cit., p. 38-39.

    26. op. cit., p. 39.

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    Na modernidade a emancipao consiste na terceira pessoa, que toma partena comunidade dos locutores atuais. Contudo, a terceira pessoa ser banida e ons da questo colocada por J. F. Lyotard27 faz parte da tenso que a humani-

    dade sentir. Assim, preciso rever o estatuto do ns que a pergunta impe. preciso repensar o projeto da humanidade livre. Nesse objeto perdido, o sujeito conduzido a espcies de luto: o luto da unanimidade, que, anterior a este, foio prprio luto de Deus que deu lugar ao modo moderno. Conforme J. F. Lyotard,outra maneira de fazer o luto da emancipao universal seria trabalhar a perdado sujeito prometido pelo projeto moderno.

    O terceiro esclarecimento refere-se s palavras poderemos ns? da per-gunta poderemos ns hoje continuar a organizar os acontecimentos segundo aIdeia de uma histria universal da humanidade?28. E mais, temos fora e com-petncia para sustentarmos o projeto moderno? Questiona J. F. Lyotard. A dis-

    cusso que se segue nos leva a pensar sobre o enfraquecimento do sujeitomoderno. As grandes narrativas de emancipao foram invalidadas, refutadas,um exemplo disso J. F. Lyotard d-nos a saber, a partir da seguinte afirmao deG. W. F. Hegel: tudo o que real racional, tudo o que racional real29. Ora,Auschwitz refuta completamente e inquestionavelmente tal doutrina. J. F. Lyotardapresenta uma srie de acontecimentos que enfatizam o enfraquecimento damodernidade. Assim ele nos diz: as grandes narrativas tornaram-se pouco cre-dveis. Nesse ponto, somos tentados a dar credibilidade grande narrativa do de-clnio das grandes narrativas30. J. F. Lyotard mostra, com isso, a fragilidade daprpria crtica a respeito das grandes narrativas. O que est em causa na ques-

    to podemos perpetuar as grandes narrativas?31, no se podemos, mas se de-vemos. O que est em causa aqui a contingncia do encadeamento nasituao que descrevi como enfraquecimento da modernidade32. Uma delas japresentamos, a falncia da racionalidade diante do real de Auschwitz. Logo,o poder tem a ver com o justo. preciso dizer que ao que concerne ao encade-amento, diversas so as maneiras de faz-lo, o que resta decidir.

    J. F. Lyotard completa:

    toda poltica se contm na forma como se encadeia uma frase atualem outra frase. No uma questo de volume do discurso, nem de im-

    portncia do locutor ou do destinatrio. Nas outras frases, que atualmenteso possveis, uma ser atualizada, e a pergunta atual : qual? Para res-ponder a esta pergunta, a descrio do enfraquecimento no nos fornecefio condutor. por isso que sob o termo ps-modernidade as perspecti-vas mais contrrias podem achar-se reunidas. Limito-me a indicar, atra-

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    27. Continuaremos a pensar e a agir a coberto da Idia de uma histria da humanidade?(op. cit., p. 40).

    28. op. cit., p. 41.

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    vs destas observaes, a direo antimitologizante na qual creio quedeveramos trabalhar a perda do ns moderno33.

    Ainda em Missiva sobre a histria universal, so abordadas algumas outrasquestes: a questo da universalidade das grandes narrativas, em seguida o es-tatuto do ns, a razo do enfraquecimento da modernidade e a questo con-tempornea de legitimao.

    Ao entrarmos em uma cultura preciso aprendermos os nomes, as unidadesde medida, de espao, de tempo e de valor de troca; so os chamados desig-nadores rgidos34. Esses nomes so aprendidos, alojados em pequenas histriase a vantagem da narrativa admitir uma multiplicidade de famlias heterog-neas de discurso35. Nas sociedades selvagens, diz-nos J. F. Lyotard, a forte co-erncia desta organizao duplicada pelo modo de transmisso da narrativa36.

    Nessas sociedades, por exemplo, a sociedade dos Cashinahua, a frase, legiti-mando o destinador que apresenta o seu universo, legitima-se a si prpria juntodo destinatrio37. E mais,a narrativa e a sua transmisso fornecem de uma svez resistncia a sua legitimidade38, que asseverada pela potncia do dis-positivo narrativo, a narrativa, de acordo com J. F. Lyotard, a prpria autori-dade. Autoriza um ns infrangvel, fora do qual no h nada a no ser eles39.

    A oposio desta conduta, ou modo de agir, a das grandes narrativas de le-gitimao que caracterizam a modernidade ocidental. De acordo com I. Kant, se-gundo J. F. Lyotard, elas so cosmopolitas. Reportam-se superao daidentidade cultural especfica no sentido de uma identidade cvica universal40.

    Onde se coloca o estatuto do ns?J. F. Lyotard caminha para essa descrio apontando o fracasso do ns, o

    povo francs41. O exemplo escolhido por ele o fracasso do movimento ope-rrio, o fracasso da ideia do trabalhador emancipado da condio proletria.Segue-se que a multiplicao das lutas de independncia desde a Segunda Gue-rra Mundial e o reconhecimento de novos nomes nacionais parecem indicar oreforo das legitimidades locais e a dissipao de um horizonte universal de

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    29. op. cit., p. 42.30. op. cit., p. 43.31. Ibid.32. Ibidem.33. op. cit., p. 43-44.34. Ibid.35. op. cit., p. 45.36. Ibid.37. op. cit., p. 46.38. Ibid.39. op. cit., p. 47.40. Ibid.

    41. op. cit., p. 48.

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    emancipao42. Depois da Segunda Guerra Mundial surgem os jogos de domi-nao do mercado, tais jogos agravam as desigualdades, as fronteiras no caem,servem, ao contrrio, para fins especulativos e o mercado mundial no faz uma

    histria universal no sentido da modernidade. As diferenas culturais so almdo mais encorajadas como mercadorias tursticas e culturais, a todos os nveis dagama43.

    Sobre isso, chamamos a ateno para a expanso do chamado multicultura-lismo que vem sendo amplamente incentivado, no s por conta de uma tomadade conscincia de que as diferenas, ao invs de engessarem a convivncia hu-mana, ao contrrio, intensificam a compreenso da realidade, mas sim, porquetal incentivo significa um controle social mediado pelo mercado. Essa questotem a ver, acreditamos, com o apaziguamento da sociedade civil. A estratgiacomporta o esvaziamento das diferenas, reduzindo-as mera diversidade cul-

    tural, ou a meras singularidades.Prosseguindo com nossa discusso, J. F. Lyotard questiona: qual , final-

    mente, o ns que tenta pensar esta situao de enfraquecimento? Os intelec-tuais? Eles estaro sempre entrando em confronto com este enfraquecimento. Acontundncia do discurso de J. F. Lyotard surge ao afirmar o seguinte:

    mas a violncia da crtica oposta escola nos anos sessenta, seguidapela degradao inexorvel das instituies de ensino de todos os pasesmodernos, mostra suficientemente que o saber e a sua transmisso dei-xaram de exercer autoridade que fazia com que ouvssemos os intelec-

    tuais quando eles passavam da ctedra tribuna. Num universo em queter sucesso ganhar tempo, pensar tem apenas um defeito, mas esse in-corrigvel: faz perder tempo44.

    J. F. Lyotard no pretende dar respostas s questes anteriores a esta citao,mas p-las em debate; todavia, enftico ao afirmar que preciso traar umalinha de resistncia ao enfraquecimento moderno45.

    Em Memorando Sobre A Legitimidade, J. F. Lyotard aborda a questo do to-talitarismo do ponto de vista da linguagem da legitimao que, segundo ele, mais radical do que qualquer outra, pois realiza-se sem recorrer a entidades,

    que frequentemente no interrogamos por negligncia, como poder, sociedade,povo, tradio, etc46.

    Quanto a isso, J. F. Lyotard recorre a algumas exposies para nos demons-trar a questo do totalitarismo: uma delas diz respeito distino feita por I. Kant

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    42. Ibid.43. op. cit., p. 49.44. Ibid.45. op. cit., p. 50.

    46. op. cit., p. 53.

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    quanto poltica da Aufklrung crtica, no Projeto de Paz Perptua. Segundo J.F. Lyotard, a questo da legitimao no diretamente tratada na segunda seo,primeiro artigo, contudo, ele gostaria de discutir a distino dos regimes, des-

    ptico e republicano, para tanto, preciso colocar em questo a instncia delegitimao ao sujeito da frase normativa frase que tendo por objeto uma fraseprescritiva lhe d a fora de lei47. Em resumo: a autorizao autoriza a autori-dade, ou seja: a frase normativa que autoriza Y [instncia que legitima a pres-crio dirigida a X] a normatizar48.

    Refletindo sobre o totalitarismo, J. F. Lyotard diz que, as narraes, tanto asmticas quanto s metanarrativas ou narrativas de emancipao, so processosde linguagem que marcaram um crculo vicioso bastante conhecido: Y tem au-toridade sobre X, porque X autoriza Y a t-la: criam-se, portanto, as peties deprincpio, ou seja, as concluses j esto inseridas nas premissas.

    Para esclarecer o funcionamento do exposto acima, J. F. Lyotard passa a tra-tar daquilo que sustenta seu discurso: a linguagem. Ela o objeto de umaIdeia49, e no um armazm de artigos. O que existem so frases que exprimemsignificaes e situam um destinador, um destinatrio e um referente. Assim,essas frases sero ou descritivas, ou prescritivas, ou narrativas, ou interrogativasetc.

    H ainda um outro aspecto que ordena a argumentao de J. F. Lyotard a res-peito do totalitarismo, a saber: cada frase chega como um acontecimento no nosentido de uma excepcionalidade, mas no sentido de que ela nunca neces-

    sria no seu contedo50

    . Ora, precisamos entender isso. Conforme J. F. Lyotard, necessrio que algo acontea, a ocorrncia, mas aquilo que acon-

    tece (a frase, o seu sentido, o seu objeto, os seus interlocutores) nunca necessrio. Necessidade da contingncia ou, se preferires, ser do no ser.Entre uma frase e uma frase, o encadeamento em princpio no pr-de-terminado51.

    Os gneros de discurso existem, cada um deles, com seu fim, por exemplo,convencer. As regras so respeitadas e promovem o encadeamento das frases,mas, segundo J. F. Lyotard, essas regras s so respeitadas na potica e na ret-

    rica clssicas. As infraes a essas regras passam a ser cometidas pelos escrito-res e artistas modernos, pois o valor no est na conformidade com as regras, masno acontecimento.

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    47. op. cit., p. 54.48. Ibid.49. op. cit., p. 55.50. op. cit., p. 56.

    51. Ibid.

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    J. F. Lyotard retoma a reflexo sobre a narrativa de legitimao e o totalita-rismo primeiro, a partir da narrao mtica, cuja importncia est no na anlisedos contedos narrativos, mas sim, na pragmtica da narrao. Cita o exemplo

    dos Cashinahua para mostrar que a transmisso narrativa obedece obrigaes edestinaes a respeito daquele que ouve, daquele que conta e daquele que objeto da narrativa, portanto, a pragmtica narrativa impe regras de autentica-o e de conservao da comunidade a partir da repetio dos nomes. Este dis-positivo de linguagem, que contempla trs instncias narrativas, (o narrador, oouvinte e o heri) , segundo J. F. Lyotard, exemplar para o regime que I. Kantchamava de desptico e, portanto, para a legitimao da instncia normativaque lhe corresponde52. Essas narrativas ordenam, transmitem tradies, legis-lam. H uma poltica nesta prtica narrativa e, por isso, J. F. Lyotard a consideratotalitria53. A narrativa como legitimao conduz-nos a pensar no totalita-

    rismo moderno, o exemplo imediato a que recorre J. F. Lyotard o Nazismo.Continuando a abordagem do totalitarismo e tomando como via de compre-

    enso aquela que o permite falar da linguagem da legitimao, J. F. Lyotard pros-segue para o aspecto que engloba a questo do republicanismo onde h,segundo ele, a fragmentao da identidade popular. Do ponto de vista da lin-guagem, ela organiza regimes de frases e gneros de discurso que repousamsobre a sua dissociao e que por isso deixa entre eles jogo, ou, se preferir-mos, que preserva a possibilidade de que o acontecimento na sua contingnciaseja levado em considerao54.

    Esta organizao chamada de deliberativa, ela prpria da poltica, e tem porcaractersticas as seguintes: o fim superior formulado atravs de uma frase ca-nnica, ou seja, uma prescritiva interrogativa; as respostas so dadas pelas filo-sofias da histria, pouco debatidas, mas presentes. Depois, passa-se da prescriopara um imperativo hipottico e, para isso, recorre-se ao gnero dos especialistas,em seguida, so montados cenrios ou simulaes, s ento, surge o regime da ar-gumentao que Aristteles chamava dialtica. Chega-se ao momento da deci-so, do escrutnio, da legitimao, em seguida ao normativo, e, finalmente, aoexecutrio e as infraes punidas. Por conta dessa heterogeneidade, h uma es-pcie de fragilidade do discurso deliberativo, agravada pela deliberao constantedos cientistas. Segundo J. F. Lyotard, no h certeza na repblica, pois h incertezasobre a identidade do ns. Por isso h vrias narrativas.

    Diante disso, se quisermos uma definio a respeito da modernidade, J. F.Lyotard nos diz claramente que:

    As grandes narrativas que existem so narrativas de emancipao, noso mitos. Preenchem, como eles, uma funo de legitimao, legitimam

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    52. op. cit., p. 58.53. op. cit., p. 59.

    54. op. cit., p. 60.

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    instituies e prticas sociais e polticas, legislaes, ticas, maneiras depensar simblicas. Diversamente dos mitos, no encontram, no entanto,essa legitimidade em actos originais fundadores, mas num futuro a fazer

    advir, ou seja, numa Idia a realizar. Essa Idia (de liberdade, de luz, desocialismo, de enriquecimento geral) tem um valor legitimante porque universal. D modernidade o seu modo caracterstico: oprojecto, ouseja, a vontade orientada para um objetivo55.

    Essa vontade, orientada para um objetivo, poderia ser compreendida ao pen-sarmos na questo: O que so as Luzes? Mas, de acordo com J. F. Lyotard, issono pde ser feito neste escrito. O que interessa afirmar aqui que a narrativada histria universal da humanidade passa, invariavelmente, pela discusso destahistria que dialtica no sentido kantiano, ou seja, sem concluso56.

    A legitimidade extrada de uma comunidade, esta a nica coisa certa, asociedade real precisa da comunidade para isso. Poderamos acrescentar queum exemplo disso, atualmente, o surgimento de diversas comunidades reli-giosas que, adquirem sua legitimidade diante da sociedade soberana, da qualelas fazem parte, exatamente por se constiturem enquanto comunidades. Nasociedade soberana, estabelecida nos Estados-Naes, A soberania no opovo, mas a Ideia da comunidade livre. E a histria s a est para marcar a ten-so desta falta. A repblica invoca a liberdade contra a segurana57.

    J. F. Lyotard afirma que diante do exposto, fica mais fcil saber o que vem aser o totalitarismo. H a diferena daquele que no se manifesta a respeito da le-

    gitimao moderna pela Ideia de liberdade, e aquele que, ao contrrio, produtodisso. Quando, por exemplo, fecha-se os olhos para a Declarao dos Direitosde 1789, isso no caracteriza um abandono do projeto moderno, como diz J.Habermas a propsito da ps-modernidade, mas sua liquidao58. Pode-sesuspeitar que a histria universal no conduz seguramente para o melhor comodizia I. Kant, ou, antes, que a histria no tem necessariamente uma finalidadeuniversal59.

    Ainda partindo do texto da Declarao do Direitos do Homem, especifica-mente no Prembulo, possvel observar a relao da autoridade na tradio eda autoridade na Ideia. A instncia legitimadora a Assembleia, uma instncia

    singular. Surge da uma questo mpar: como saber, depois, se as guerras con-duzidas pela instncia singular em nome da instncia universal so guerras delibertao ou de conquista?60.

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    55. op. cit., p. 62-63.56. op. cit., p. 63.57. op. cit., p. 64.58. Ibid.59. Ibidem.

    60. op. cit., p. 65.

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    Face ao nazismo, a organizao deliberativa tem as mesmas caractersticas,e o ncleo deste equvoco est na ideia de povo, o nazismo soube valoriz-lo.De acordo com J. F. Lyotard,

    As festas nazis, monumentais ou familiares, exaltam a identidade ger-mnica tornando sensveis aos olhos e aos ouvidos as figuras simblicasda mitologia ariana. Trata-se de uma arte da persuaso, que s conseguiulugar eliminando as correntes vanguardistas orientadas para a reflexo61.

    Ainda segundo J. F. Lyotard, citando G. W. F. Hegel, o ideal de liberdade ab-soluta vazio e conduz ao Terror. De acordo com J. F. Lyotard,

    a nica instncia normativa, a nica fonte de lei, o nico Y, a puravontade, que nunca isto ou aquilo, nunca determinada, apenas po-

    tncia de ser tudo. Por isso julgar que qualquer acto singular, mesmoprescrito pela lei, executada dentro de regras, no est altura do ideal.O Terror realiza a suspeita de que ningum suficientemente emanci-pado. Transforma-a em poltica. Qualquer realidade singular conspiracontra a vontade pura universal62.

    A citao acima nos oferece elementos bastante importantes, no s para oconfronto ou paralelo daquilo que chamamos de modernidade e ps-moderni-dade, mas tambm, nos d o alcance e o limite, ou pelo menos a origem da re-pulsa daquilo que vem sendo chamado de ps-modernismo.

    Quanto ao potencial do Terror, o que h de significativo sobre isso que eleesbarra no acontecimento, ou intensifica o seu insucesso, j que a organizaodeliberativa abre espao para o encadeamento tanto das frases como dos gne-ros de discurso e, tanto um como o outro, fazem parte do processo da vontade.A repblica, de acordo com J. F. Lyotard, por constituio atenta ao aconte-cimento63. J. F. Lyotard completa:

    o terror uma forma de levar em considerao a indeterminao doque acontece. A filosofia outra forma. A diferena entre estas duas for-mas reside no tempo disponvel para acolher e para julgar. A filosofia d

    a si prpria tempo, como se diz. A urgncia apressa a deciso republi-cana, poltica, em geral64.

    Por que, ento, para J. F. Lyotard, o totalitarismo moderno?

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    61. op. cit., p. 66.62. op. cit., p. 67.63. op. cit., p. 68.

    64. Ibid.

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    No caso do nazismo, o ns singular, nomeado, eleva a sua pretenso a daro seu nome ao objetivo que a histria humana persegue65. Quanto ao capita-lismo, J. F. Lyotard afirma que o totalitarismo que a reside no o habita no sen-

    tido poltico, mas apela para ahegemonia completa do gnero de discurso econmico. A frmula

    cannica simples deste ltimo : Cedo-te isto, se puderes contraceder-me aquilo. E este gnero tem a propriedade, entre outras, de apelar sem-pre a novos, isto para entrarem na troca (por exemplo hoje osacontecimentos tecnocientficos) e de neutralizar o seu poder de acon-tecimento atravs da sua liquidao66

    O capital, segundo J. F. Lyotard, no necessita nem politicamente, nem eco-nomicamente da deliberao. Ele necessita de uma sociedade que consuma. Eleno precisa de legitimao, est presente em toda parte mais como necessidadedo que como finalidade e esta significa ganhar tempo.

    As discusses aqui expostas nos reportam quela produzida por J. F. Lyotardno dcimo captulo dA condio ps-moderna, principalmente quanto ao usoque se tem feito dos conhecimentos tecnocientficos. A apreenso de tais con-hecimentos estimulada no porque isso significar uma melhoria de vida paraaqueles que se submetam a ela, mas por que induzir e facilitar uma dependn-cia desses meios, garante uma reproduo acrtica dos instrumentos que com-pem os mecanismos de controle da sociedade civil. por isso que Roberval de

    Jesus Leoni dos Santos nos diz:

    a sociedade civil, ao controlar-se a si mesma, dispensa, naturalmente,qualquer expertise, porque ela prpria, a, a superao de suas amarrasem torno dos transtornos do passado. No h necessidade de se conhe-cer os dados coligidos e nem de process-los em um universo metodo-lgico portanto, no h necessidade de conhecimentos substanciaisacerca do passado, porque tudo isso j est circunscrito a uma lgica pr-estabelecida, capaz de readaptar-se a qualquer momento, desde que selhe reprograme as determinaes. O papel da informtica nisso, portanto, essencial67.

    A quinta carta, desta sequncia de escritos que compem o livro O ps-mo-derno explicado s crianas, Telegrama A Propsito Da Confuso Das Razes.De que confuso das razes J. F. Lyotard trata? Segundo ele, o termo razo muito vasto68, limitando sua extenso, ele aceita dizer que razo, tal como nos

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    65. op. cit., p. 69.66. op. cit., p. 70-71.67. DOS SANTOS, R. J. L. 2002, p. 202.

    68. LYOTARD, J. F. 1993, p. 75.

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    chegou desde G. Galileu, pode ser compreendida como conjunto de regras queum discurso deve respeitar se visa reconhecer e fazer conhecer um objeto69.Segundo J. F. Lyotard, no h uma mudana considervel das regras do discurso

    cientfico hoje, comparadas s de outrora, elas apenas se constituram mais ex-plcitas. Podemos afirmar, portanto, que no h ruptura, por exemplo, quantoao discurso da cincia na modernidade e na ps-modernidade.

    A questo central neste escrito falar do discurso cientfico, e a diferenaque h entre ele e os outros gneros de discurso. Quando estes o tomam por ob-jeto, a ideia de razo cientfica se ideologiza. A questo defendida por J. F. Lyo-tard a de que a razo cientfica no independente de variveis empricas(tcnicas, sociais, psquicas, imaginrias), ao contrrio, elas afetam o seu conte-do mais do que o seu regime. A hiptese de J. F. Lyotard a seguinte: a razocognitiva reside nas regras do jogo da linguagem70. Questo largamente discu-

    tida emA condio ps-moderna. Diante disso, J. F. Lyotard prope que a dis-cusso se encaminhe para a questo do estatuto das regras do jogo.

    A razo cientfica nos induz a um sentimento de uma maior incerteza? Quala origem das regras do conhecimento? Qual a razo da razo? Em ltima ins-tncia, essa a questo que envolve um grande debate que J. F. Lyotard breve-mente percorre. Segundo ele, o classicismo era metafsico71. Na modernidade,em particular aquela ditada por S. Agostinho e I. Kant, a razo crtica, mas ofundamento do raciocnio proibido pela razo. Na ps-modernidade ela em-prico-crtica ou pragmatista72. Aqui, o que conta a necessidade das regrasexistirem. Mas, o que prevalece para J. F. Lyotard que a cincia seria um meiode revelar a razo, permanecendo esta a razo de ser da cincia73. O questio-namento em torno da cincia refere-se sua performatividade e no segundo ocritrio do verdadeiro ou do falso. Segue-se que, quanto mais equipamento tiverum laboratrio, as hipteses de ter razo sero melhores.

    Ser a razo do mais forte a razo verdadeira? pergunta J. F. Lyotard. Para ele,a tecnocincia um estado de razo. Uma razo ditada, ou pelo menos deter-minada, pelo capital mercantil. o regime do mais performativo. Existe umaruna da profisso cognitiva? Admitindo a analogia do desaparecimento do te-celo, posto em seu lugar o modo de produo fabril; o que restaria? J. F. Lyo-

    tard responde: restaria que o ofcio de conhecer no teria hoje em si mesmomais a sua legitimidade, a sua razo e o seu fim do que o de fabricar txtil sin-ttico74.

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    69. Ibid.70. op. cit., p. 76.71. op. cit., p. 77.72. Ibid.73. Ibidem.

    74. op. cit., p. 78.

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    No caso do saber pertencer aos poderes pblicos, s a estes poderes ele de-veria dar respostas. Nos dois casos, a razo da razo cognitiva inseri-se na ordemsocial, econmica e poltica. O crdito s grandes narrativas de emancipao

    justifica-se atravs disso. Separar cincia do Estado como pede P. Feyerabend,pe em discusso a confuso das razes a razo do Estado e a razo de saber75.Esta confuso relaciona-se com o projeto, segundo J. F. Lyotard, muito modernode uma metalinguagem. A dvida da razo surge da crtica da metalinguagem,ou seja, do declnio da metafsica76. Tudo isso indicativo, segundo J. F. Lyotard,do que est em jogo no pensamento filosfico hoje, ou seja, resistir ao pragma-tismo positivista e ao dogmatismo.

    Contra argumentando a acusao feita por G. Raulet de que seu ps-moder-nismo seria to impotente diante do totalitarismo, como o foi o vanguardismode Weimar face ao nazismo crescente77, J. F. Lyotard constri trs argumentos:

    em primeiro lugar, aproximar o termo totalitarismo do nazismo e do capitalismo,na sua face ps-moderna, superficial. Os dois se apoderam da totalidade davida de maneiras diferentes. O primeiro buscando, a partir da vontade, legitimi-dade, e o outro, tendo em vista o mercado sem preocupaes com a legitima-o. Neste caso, o vanguardismo no tem, segundo J. F. Lyotard, o mesmoalcance. O nazismo assassina e o capitalismo isola as vanguardas.

    Em segundo lugar, quanto a impotncia de seu ps-modernismo, J. F. Lyo-tard interessa-se em afirmar que o declnio dos ideais modernos trouxe com eleuma falncia dos intelectuais. Na ps-modernidade esto inscritos esses erros.So as vanguardas que tm salvado o pensamento. Em ltimo lugar, J. F. Lyotarddiz que sua luta foi contra a pseudo-racionalidade imposta pelo capitalismo,contra a performatividade78. Neste sentido, diz-se fiel dialtica aristotlica ea I. Kant. A confuso reinante instaura-se quando a Razo invocada. Para J.F. Lyotard, preciso dissociar a razo em trs tipos: a razo dos fenmenos, quepode legitimar um regime poltico; a razo que faz com que cada um suporte suasingularidade e nos permite admirar uma obra e a razo pela qual h um dever,ou uma dvida79. o racionalismo crtico que promove essas dissociaes epermite resistir ao totalitarismo presente.

    Em Nota sobre os sentidos de ps J. F. Lyotard prope observaes que des-

    tacam alguns problemas relacionados com o termo ps-moderno. A intenono , segundo o autor, resolv-los, fechar o debate, mas procurar evitar con-fuses e ambiguidades80. Para tanto, estabelece trs pontos, os quais expore-mos a partir de agora.

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    75. Ibid.76. op. cit., p. 80.77. LYOTARD, J. F. 1993, p. 87.78. op. cit., p. 88.79. op. cit., p. 88-89.

    80. op. cit., p. 93.

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    O primeiro ponto destacado por J. F. Lyotard diz respeito oposio entre ops-modernismo e o modernismo, ou o Movimento Moderno (1910-1945), emarquitetura. A primeira conotao do termo ps-moderno passa pela noo de

    ruptura tomada de Portoghesi. Segundo ele, esta ruptura diz respeito revoga-o da hegemonia concedida geometria euclidiana tal como foi sublimada,por exemplo, na potica plstica do Stijl.

    J para Gregotti, segundo J. F. Lyotard, a diferena modernismo/ps-moder-nismo caracteriza-se pelo desaparecimento da ntima relao que associava oprojeto arquitetural moderno com a idia de uma realizao progressiva daemancipao social e individual escala da humanidade81. A noo de eman-cipao ou o horizonte de universalidade no faz parte dos projetos do arquiteto,o que h uma bricolage. J. F. Lyotard considera o ps-modernismo comouma simples sucesso, de uma sequncia diacrnica de perodos em que cada

    um , em si mesmo, claramente identificvel. O ps indica algo como umaconverso: uma nova direo depois da anterior82. De acordo com J. F. Lyotard,a ideia de linearidade moderna e a modernidade correlaciona-se com a pos-sibilidade e necessidade de rompimento com a tradio para instaurar uma ma-neira de viver e de pensar absolutamente nova. A explicao a respeito do pse a respeito da necessidade do novo, poder parecer, no acrescentar quase nadaao debate ps-moderno. Contudo, aquilo que J. F. Lyotard pondera, no comouma simples sucesso, mas sim uma nova direo depois da anterior, nada maisreflete do que o prprio movimento da histria, portanto, possvel percebermosque a noo de uma ruptura entre modernidade e ps-modernidade no se ade-

    qua ao que de fato ocorre. Diante do que J. F. Lyotard expe, o que se mostramais factvel conduzirmos nossa compreenso dessa condio, que se apre-senta nos dias de hoje, a partir de uma noo de re-arranjo entre aquilo que eraprioridade para a modernidade e o que para a ps-modernidade.

    Finalizando o primeiro ponto acerca do ps-moderno, J. F. Lyotard diz su-peitar de que a ruptura, palavra aspejada pelo autor, , antes de tudo, umamaneira de esquecer ou de reprimir o passado, ou seja, de o repetir, mais do quede o ultrapassar83 (grifos nossos). Assim, tanto na arquitetura como na pintura,o que prevalece nas correntes vanguardistas ou neo-expressionistas a repetioe/ou a citao.

    A segunda conotao do termo ps-moderno est filiada desconfianado princpio do progresso geral da humanidade. A ideia de progresso estava li-gada certeza de que o desenvolvimento do conhecimento resultaria no des-envolvimento da humanidade. Contudo, quem era a vtima da falta dedesenvolvimento? O pobre? O trabalhador? O iletrado?

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    81. Ibid.82. op. cit., p. 94.

    83. Ibid.

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    As controvrsias foram inmeras, mas ao longo dos sculos XIX e XX, as ten-dncias que se opunham, assemelhavam-se quanto firme convico de que alegitimidade das descobertas e instituies seria gerada ao tempo que estas e

    aquelas contribussem para a emancipao da humanidade. Todavia, depois des-tes sculos, XIX e XX, um movimento contrrio a todas essas expectativas surge,pois os signos que as repudiam tornam-se, por conta de nossa ateno, mais evi-dentes. Segundo J. F. Lyotard, Auschwitz um exemplo incontestvel, sugerindo,portanto, que o pensamento que reabilitou atitudes to reacionrias no trouxea to aclamada emancipao universal.

    J. F. Lyotard amplia as dvidas a respeito desta emancipao e afirma quelonge de trazer progresso, as tecnocincias aumentaram o mal-estar. Qual arazo deste progresso de complexificao? questiona J. F. Lyotard. Para ele, asnecessidades imediatas humanas, como por exemplo, a felicidade, no tm per-

    tinncia alguma para o progresso, cuja preocupao numerizar. Quanto a isso,J. F. Lyotard afirma:

    Estamos no mundo tecnocientfico como se fssemos Gulliver, umasvezes demasiado grandes, outras demasiado pequenos, nunca numa es-cala apropriada. Nesta perspectiva, a exigncia de simplicidade surge emgeral, hoje, como uma promessa de barbrie.

    Seria preciso, mesmo relativamente a este ponto, elaborar a questoseguinte: a humanidade divide-se em duas partes. Uma defronta o des-afio da complexidade, a outra o antigo, terrvel desafio da sua sobrevi-

    vncia. talvez o principal aspecto do fracasso do projeto moderno, doqual te recordo que era em princpio vlido para a humanidade no seuconjunto84.

    Quanto ao que acabamos de citar, perguntamos: o que seria uma escala apro-priada no mundo tecnocientfico? Quem a determinaria? Quais seriam os crit-rios para isso? J. F. Lyotard no responde a essas questes e passa para o terceiroponto. Embora mais complexo, segundo ele, mais abreviada foi sua reflexosobre ele.

    As expresses do pensamento artstico, literrio, filosfico e poltico con-

    densam a questo da ps-modernidade. Do ponto de vista das artes visuais ouplsticas h uma ideia dominante, segundo J. F. Lyotard, de que, hoje, as van-guardas acabaram, pois expressavam uma modernidade ultrapassada. Mas, se-gundo nosso autor, o verdadeiro processo de vanguardismo foi na realidadeuma espcie de trabalho, longo, obstinado, altamente responsvel, orientadopara a procura das pressuposies implicadas na modernidade85. Ou seja, com-preender a obra dos pintores modernos, significa compar-la com uma anam-

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    84. op. cit., p. 96-97.

    85. op. cit., p. 97.

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    nese no sentido da teraputica psicanaltica86. Ao abandonarmos isso, corre-mos o risco de repetir a neurose moderna, geradora das infelicidades conhe-cidas durante dois sculos.

    J. F. Lyotard finaliza esta carta alertando que o ps, do ps-moderno, nosignifica um movimento (...) de repetio, mas um processo em ana, um pro-cesso de anlise, de anamnese, de anagonia, e de anamorfose, que elabora umesquecimento inicial87.

    Em Bilhete para um novo cenrio, o vigor da crtica ao projeto modernoaparece de maneira contundente. J. F. Lyotard retoma a discusso acerca do sur-gimento da Aufklrung no final do sc. XVIII, as aes e pensamentos dela de-correntes at o sc. XX. Segundo ele, na filosofia das Luzes havia a promessada liberdade para todos, logo, a emancipao da humanidade. As correntespolticas, excetuando-se, principalmente, o nazismo, tiveram por princpiolevar a uma cidadania mundial. Contudo, para os pases desenvolvidos, taisideais esto em declnio. O desenvolvimento tecnocientfico (artstico, econ-mico e poltico) possibilitou, dentre tantas coisas, os totalitarismos, a pobrezaa desculturao geral com a crise da escola, ou seja, da transmisso do saber,e o isolamento das vanguardas artsticas (e agora, durante algum tempo, a suarenegao)88.

    Os interditos a favor do projeto moderno existem. Um deles o silnciosobre o nazismo na Alemanha. De acordo com J. F. Lyotard:

    Este interdito, oposto anamnese, vale como smbolo para todo o

    Ocidente. Poder haver progresso sem anamnese? A anamnese conduz,atravs de uma dolorosa elaborao, a elaborar o luto das fixaes, dasafeies de todos os gneros, amores e terrores, que esto associadas aestes nomes89.

    Quanto ao declnio do projeto moderno, J. F. Lyotard afirma que tal decl-nio no significa decadncia, j que ele acompanhado pelo desenvolvimentovertiginoso da tecnocincia. O fato que a cincia nunca esteve a favor das ne-cessidades humanas, daquilo que os homens podem pensar que desejvel,proveitoso, confortvel. que o desejo de saber-fazer e de saber incomensu-

    rvel relativamente ao benefcio que se pode esperar do seu crescimento90.Diante disso, trs fatos chamam a ateno de J. F. Lyotard: a fuso das tc-

    nicas e das cincias do enorme aparelho tecnocientfico; a reviso em todas as

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    86. Ibid.87. op. cit., p. 98.88. op. cit., p. 102.89. Ibid.

    90. op. cit., p. 103.

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    cincias91, principalmente dos modos de raciocnio e, por fim, a transforma-o qualitativa que o contributo das novas tecnologias92.

    Paralelo ao processo de complexidade da cincia, est inscrito aquele reali-

    zado pelas vanguardas artsticas h mais de um sculo. Este processo direciona-se s sensibilidades e no aos saber-fazer ou aos saberes. A complexidade noest restrita a um domnio, mas a maior parte deles, incluindo a vida cotidiana. preciso tornar a humanidade apta a adaptar-se quilo que excede ao que elaprocura. A simplificao torna-se, portanto, o ponto nevrlgico dessa adaptao.Em decorrncia disso, um novo cenrio est sendo instalado, sob o critrio dosubdesenvolvimento. Esse subdesenvolvimento, acreditamos, passa tambm pelototalitarismo que torna-se pleno quando elimina a contingncia da escrita, oacontecimento. Um exemplo disso est em Glosa sobre a resistncia. Nesta carta

    J. F. Lyotard anlisa os comentrios de Claude Lfort, a respeito do livro de G. Or-

    well, 1984.O que prevalece em sua anlise a crtica aos totalitarismos, assim como o

    faz G. Orwell ao denunciar a via de controle utilizada no romance, a Noviln-gua. No caso do totalitarismo real, suas bases no so polticas, mas econmi-cas e mass-miditicas. No caso da Novilngua, ela, alm de renunciar aospoderes da linguagem, anula o acontecimento. Assim como a Novilngua notm espao para os idiomas, a imprensa e a mdia no tem para a escrita. me-dida que a Novilngua se expande, a cultura declina. O basic language a ln-gua da rendio e do esquecimento93. No romance de G. Orwell, segundo J. F.Lyotard, o despotismo no s tortura a necessidade como seduz o desejo. Hoje,esta tortura d-se na medida em que, o que podemos observar uma generali-zao, segundo J. F. Lyotard, das linguagens binrias. De acordo com nosso autor,esse totalitarismo culmina

    No apagamento da diferena entre aqui-agora e ali-ento, que resultada extenso das tele-relaes, no esquecimento dos sentimentos em be-nefcio das estratgias, concomitantes hegemonia do comrcio, con-cluiremos que as ameaas que pesam por causa desta situao, a nossa,sobre a escrita, sobre o amor, sobre a singularidade, so, na sua naturezaprofunda, parentes das que foram descritas por Orwell94.

    A ameaa real e anloga quela descrita por Orwell. O impacto das de-mocracias miditicas, das tecnocincias, da competio econmica e militarmundial demonstram, em grande parte, o declnio dos ideais modernos. A pro-

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    91. Ibid.92. Ibidem.93. op. cit., p. 113.

    94. op. cit., p. 114.

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    messa de emancipao da humanidade no foi cumprida. De acordo com J. F.Lyotard,

    o prprio desenvolvimento que impede de a cumprir. O neo-anal-fabetismo, o empobrecimento dos povos do Sul e do Terceiro Mundo, odesemprego, o despotismo da opinio e portanto dos preconceitos re-percutidos pelos media, a lei de que bom o que performativo istono devido falta de desenvolvimento, mas ao desenvolvimento. porisso que j no ousamos chamar-lhe progresso95.

    E continua:

    uma guerra de libertao no anuncia que a humanidade continua aemancipar-se; nem a abertura de um novo mercado, que ela se enri-

    quece, e a escola j no forma cidados, pelo menos profissionais. Qual a legitimao que ns, portanto, temos a fornecer para a prossecuodo desenvolvimento?96

    Desse ponto de vista, que tipo de resistncia traada pelo romance de G.Orwell e pela arte? J. F. Lyotard responde que no serve para acalmar, mas paratestemunhar e salvar a honra. Segundo ele, o trabalho de escrever tem um pa-rentesco com o trabalho do amor, mas inscreve a marca do acontecimento ini-citico na linguagem, e oferece-o assim partilha, se no partilha doconhecimento, pelo menos de uma sensibilidade que pode e deve considerar

    comum97

    .H dvidas, no entanto, quanto ao alcance da resistncia produzida tanto

    pela escrita como pela arte, segundo J. F. Lyotard, temos disso uma quantidadede sinais negativos98, J. F. Lyotard refere-se chamada superao do vanguar-dismo e ao desprezo pela responsabilidade de resistir e de testemunhar assu-mida pelas vanguardas. Mas, mesmo mergulhado num claro pessimismo,recorda-nos que no devemos nos fechar em torres de marfim ou voltarmos ascostas aos novos meios de expresso produzidos pelas cincias e tcnicas con-temporneas, mas, ao contrrio, fazer uso deles para continuar a resistncia.

    Similar preocupao que desencadeia o romance de G. Orwell, o totalita-

    rismo, Ira Lewin discute este mesmo tema no livro This Perfect Day(Este MundoPerfeito), nele o autor inventa um mundo futuro, no qual a ao se passa 150anos depois da unificao de todos os pases. O heri, um rapaz apelidado deQuem, trava uma luta desesperada para encontrar liberdade na terra entorpe-cida por produtos psico-qumicos e computadores. Seu av, o Pai Jan, o pri-

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    95. op. cit., p. 114-115.96. op. cit., p. 115.97. op. cit., p. 116.

    98. Ibid.

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    meiro a lhe despertar a sensao de individualidade latente. Alm dele, outraspersonagens figuram no romance: Karl, Lils, Rei e Julia. A histria se desenrolaem vrias dcadas e continentes mostrando os triunfos e derrotas de Quem, para,

    finalmente, desencadear na destruio do super-computador Unicomp. Na li-teratura e no cinema no so poucos os exemplos aos quais podemos recorrerpara principiarmos uma discusso sobre os totalitarismos.

    Na ltima carta, Mensagem a propsito do curso filosfico, J. F. Lyotard nosoferece, num primeiro momento, uma reflexo sobre a formao filosfica dosprofessores. De acordo com ele, a filosofia no uma entidade, uma potncia,um corpo de saber, de saber-fazer, de saber sentir, mas que existe apenas emato99. Nosso autor lembrar-nos dos Pr-socrticos at Plato para considerarque, diante daquilo que se pode entender por formao, preciso compreen-dermos que seu ncleo essencial a reflexo filosfica e o pressuposto funda-

    mental que o esprito dos homens no lhes dado como preciso, e deve serre-formado100. Mas como o mestre se emancipa de sua monstruosidade infan-til? Questiona J. F. Lyotard. Para ele, os filsofos tm muitos pais para admitiruma paternidade. Em contrapartida, filosofar antes de mais nada uma autodi-dtica101.

    J. F. Lyotard entende o curso filosfico a partir da noo de que preciso re-comear, no do ponto de vista genealgico, mas retomar uma qualquer ques-to, ou qualquer tema102. Portanto, comea-se sempre pelo meio. por issoque o projeto de um curso filosfico, projeto que vem das cincias exatas, pa-rece votado ao fracasso103.

    E o que significa ser autodidata? No significa que no se aprende nada comos outros, significa, to-somente, que preciso desaprender. Neste processo, aleitura filosfica s filosfica se for autodidtica, ou seja, se for um exercciode desconsertao relativamente ao texto, um exerccio de pacincia. (...) umexerccio de escuta104. Neste exerccio preciso reexaminar os pressupostos,os subtentidos, consiste na anamnese, a saber, na procura daquilo que perma-nece impensado quando j est pensado105.

    J. F. Lyotard compreende que o curso filosfico trabalha a realidade afastando-se, principalmente, de um dos seus critrios que ganhar tempo. Essa a

    grande dificuldade do professor de Filosofia, fugir dos valores imperativos dodesenvolvimento, da performance, da velocidade, do contrato. Resgatando I.

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    99. op. cit., p. 119.100. Ibid.101. op. cit., p. 120.102. Ibid.103. Ibidem.104. op. cit., p. 121.

    105. Ibid.

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    Kant, J. F. Lyotard nos lembra: no se ensina filosofia, ensina-se, na melhor hi-ptese, simplesmente a filosofar106. E continua, preciso filosofar para ensinara filosofar107.

    O segundo momento da carta diz respeito a uma distino elaboradapor I. Kant e recuperada por J. F. Lyotard acerca da filosofia. Para o fil-sofo de Knigsberg haveria um conceito escolar de filosofia e um outromundano. Aquele um exerccio dialtico, tanto em I. Kant quanto emAristteles. O mundano diz respeito a reconduzir os conhecimentos s fi-nalidades essenciais da razo humana. A razo da filosofia no mundoacrescenta um interesse prtico e, para I. Kant, os interesses so contra-ditrios. Segue-se disso a questo levantada por J. F. Lyotard, o profes-sor de Filosofia hoje ter mais a ver com a escola ou com o mundo?108.

    factvel compreender que as mesmas urgncias que acometem o mundo tam-bm dizem respeito escola, pois ela no est isolada, parte do mundo, por-tanto, ao pensar o mundo ou a escola, o professor de filosofia pode elaboraraquele trabalho de resistncia mencionado por J. F. Lyotard. Segundo ele, I. Kante, mais especificamente a modernidade, puseram a escola no centro do inte-resse popular e prtico da razo, cujo objetivo era formar o cidado na repblica.Filosofia e emancipao, por esse motivo, confundiram-se. O pressuposto, desteponto de vista, era que a Filosofia legislaria prtica e politicamente e, por isso,opathos seria deixado de lado.

    Se concordarmos que o curso de filosofia segue o curso filosfico, e que preciso um regresso infncia do pensamento, de que maneira tais aes seconcretizam se, segundo nosso autor, os interesses esto fixados? Ou seja, osalunos no esto dispostos pacincia, anamnese, ao recomeo109.

    Podemos ir alm, afirmando que o que est a, aquilo que nos cerca, j pa-rece dado desde sempre, naturalizado, banalizado, o que nos sugere algo maisdanoso para o pensamento, ou seja, o que nos cerca, o que est diante de nsj est interpretado, dito. O que deve, ento, fazer o professor de filosofia? Emprimeiro lugar, J. F. Lyotard nos diz o que o professor no deve fazer, ou melhor,alerta para a maneira como o professor no deve ser instrudo: instruir os pro-

    fessores no sentido de que sejam conviviais, preconizar a seduo, prescreverque captem a indulgncia das crianas atravs de estratgias demaggicas ougadgets, pior do que o mal110. Ou seja, preciso banir o aliciamento.

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    106. op. cit., p. 123.107. Ibid.108. Ibidem.109. op. cit., p. 124.

    110. Ibid.

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    Qual a resistncia que o curso filosfico pode criar? O mundo fala umidioma, o curso filosfico outro;

    o mundo fala velocidade, gozo, narcisismo, competitividade, sucesso,realizao. O mundo fala sob a regra da troca econmica, generalizadasob todos os aspectos da vida, incluindo as afeies e os prazeres. Esseidioma completamente diferente do idioma do curso filosfico, -lhe in-comensurvel. No h juiz para decidir este diferendo. O aluno e o pro-fessor so vtimas um do outro. A dialctica ou a dialgica no podeocorrer entre eles, apenas a agonstica111

    A finalizao da ltima carta, d-se a partir de trs observaes que dizemrespeito a algumas sadas para formar os professores de filosofia: a primeira in-voca Aristteles e suas retrica e dialtica, considerando a escola como umagora, logo o professor prepararia-se para a guerra das palavras, no necessa-riamente. Para I. Kant, segundo J. F. Lyotard, o filsofo seria como um guerreiroatento contra os mercadores da aparncia transcendental112. Em seguida, h asada platnica que aponta para a seleo dos espritos e, finalmente, a pitag-rica que separa os mathmatikoi dos politikoi. O democratismo rompido emfavor de uma repblica dos espritos. Diante dessas ltimas sadas, a Filosofiatorna-se matria de opo, ou relegada para o superior, ou ensinada apenas emcertos estabelecimentos do secundrio. Tudo aponta para uma sada desse g-nero, faamos o que fizermos113. Contudo, o pessimismo que conduz J. F. Lyo-tard em suas ltimas consideraes, no absoluto, j que ele afirma que mesmo

    rarefeita, a busca de anamnese, de elaborao, no desapareceu. E como fica ofilsofo? Segundo ele, o filsofo deve desenvolver o seu curso para l das ques-tes espordicas, ou dos modismos. preciso, como nova tarefa do pensamentodidtico, procurar a sua infncia em qualquer parte, mesmo que seja fora da in-fncia114.

    No incio deste artigo dissemos que o objetivo deste trabalho era reunir con-sideraes acerca de algumas cartas que J. F. Lyotard escreveu a propsito dodebate ps-moderno em seu livro O ps-moderno explicado s crianas, rela-cionando-as com os argumentos da Condio ps-moderna para continuarmosverificando uma possvel defesa de ruptura entre modernidade e ps-moderni-dade. Vimos, ao longo do artigo, que no h uma mudana considervel das re-gras do discurso cientfico na ps-modernidade, comparadas s da modernidade,elas apenas se constituram mais explcitas, neste sentido, dissemos no haverruptura.

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    111. op. cit., p. 125.112. LYOTARD, J. F. 1997, p. 126.113. Ibid.

    114. Ibidem.

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    Verificamos tambm que J. F. Lyotard pondera a favor, no de uma ruptura ousimples sucesso de pocas, mas declara existir uma nova direo depois da an-terior. De uma noo de ruptura, baseada numa linearidade, prpria da moder-

    nidade, J. F. Lyotard nos leva a perceber uma noo de re-arranjo entre aquiloque era essencial para a modernidade e o que para a ps-modernidade. Almdisso, nosso autor deixou claro que a ps-modernidade, ao invs de surgir deuma ruptura, , antes de qualquer coisa, uma maneira de esquecer ou de repri-mir o passado, ou seja, de o repetir, mais do que de o ultrapassar.

    Consideraes finais

    Neste artigo, reunimos ponderaes acerca de algumas cartas que J. F. Lyo-tard escreveu a propsito do debate ps-moderno em seu livro

    O ps-modernoexplicado s crianas, neste texto o autor pressente que algo estava se transfor-mando dentro da histria contempornea e, por essa razo, consideramos a dis-cusso de tais textos valiosa para o processo de compreenso da condio

    ps-moderna. Ao longo dessas cartas J. F. Lyotard critica o totalitarismo e dis-cute a questo da legitimidade.

    J. F. Lyotard diz que a ps-modernidade impe uma reviso daAufklrung, ouseja, questiona a noo de um fim unitrio da histria e do sujeito. O que ca-racteriza a ps-modernidade o acontecimento, representado pelo impresenti-ficvel, ou seja, no compete ps-modernidade fornecer realidade, mas

    inventar aluses ao concebvel que no pode ser presentificado. As metanarra-tivas sofrem com sua credibilidade, j que, para J. F. Lyotard, essas narrativastm a funo de legitimar, o que no impede, depois dos questionamentos acercadelas, que as mesmas tenham desaparecido.

    Ao abordar a questo do totalitarismo, J. F. Lyotard o faz a partir do ponto devista da linguagem da legitimao que, segundo ele, mais radical do que qual-quer outra, pois realiza-se sem recorrer a entidades, que frequentemente no in-terrogamos por negligncia, como poder, sociedade, povo, tradio.

    Em seguida, vimos que J. F. Lyotard afirma que o declnio dos ideais moder-nos trouxe com ele uma falncia dos intelectuais. Na ps-modernidade estoinscritos esses erros. Sua luta foi contra a pseudo-racionalidade imposta pelo ca-pitalismo, contra a performatividade. Mais adiante prope observaes que des-tacam alguns problemas relacionados com o termo ps-moderno. A intenono foi, segundo o autor, resolv-los, mas procurar evitar confuses e ambigui-dades. J. F. Lyotard entende o ps de ps-modernismo, no sentido de umasimples sucesso, de uma sequncia diacrnica de perodos em que cada um ,em si mesmo, claramente identificvel. O ps indica algo como uma conver-so, uma nova direo depois da anterior. A ideia de linearidade moderna e amodernidade correlaciona-se com a possibilidade e necessidade de rompimento

    com a tradio para instaurar uma maneira de viver e de pensar absolutamente

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    nova. J. F. Lyotard diz supeitar de que a ruptura , antes de tudo, uma maneirade esquecer ou de reprimir o passado, ou seja, de o repetir, mais do que de o ul-trapassar. Uma outra conotao do termo ps-moderno est filiada descon-

    fiana do princpio do progresso geral da humanidade, ideia que estava ligada certeza de que o desenvolvimento do conhecimento resultaria no desenvolvi-mento da humanidade.

    O Filsofo francs defende a ideia de que, longe de trazer progresso, as tec-nocincias aumentaram o mal-estar. As necessidades imediatas humanas notm pertinncia alguma para o progresso, cuja preocupao numerizar.

    Referindo-se formao filosfica, J. F. Lyotard compreende que o curso fi-losfico trabalha a realidade afastando-se, principalmente, de um dos seus cri-trios que ganhar tempo. Essa a grande dificuldade do professor de Filosofia,fugir dos valores imperativos dos desenvolvimentos, da performance, da velo-cidade, do contrato. No mundo ps-moderno o que importa a velocidade, ogozo, o narcisismo, a competitividade, o sucesso, a realizao. O mundo fala soba regra da troca econmica, generalizada sob todos os aspectos da vida, in-cluindo as afeies e os prazeres.

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