Diálogo Urbano n 03

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A revista que que vai apresentar as comunidades, as pessoas e as idéias que podem transformar o futuro da cidade.

Transcript of Diálogo Urbano n 03

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Julho de 2009

Jornalista responsável e editor Chico Junior

Produção Luiz Calvão Thaisa Araújo

Projeto gráfico e diagramação Agência21

Equipe de Arte Chris Saraiva Diana Acselrad Leo CalvãoRoberto Tostes

Reportagem Camila Elias

Colaboraram neste número Ana Paula de DeusEduardo PachecoLanda AraújoPaulo MagalhãesRosilene Miliotti

Diálogo Urbano é uma produção realizada em parceria pela CJD Edições, Agência 21 e Dialog

Redação e endereço para correspondênciaAv. Ataulfo de Paiva 1175/603 – Leblon 22440-034 – Rio de Janeiro – RJTel: (21) 2512-2826 | 3904-1386

E-mail: [email protected]

TiRAgEM DESTA EDição: 12.500 exemplares

Capa Arte sobre foto de Chico JuniorJoão Eugênio, 59 anos, aluno do curso de alfabetização do PAC Manguinhos

EDITORIAL

NÚMEROS

Muita coisa interessanteAlemão, Cidade de Deus, Mangui-

nhos, Rocinha, Vidigal, Vigário geral.

Ufa! Neste número demos uma geral

legal em várias comunidades do Rio

de Janeiro. Sempre atrás do que está

rolando de interessante nas comuni-

dades e que, de alguma forma, mexe

com a vida e o cotidiano das pessoas.

Como é o caso do trabalho que o

artista plástico Valmir Vale desenvolve

em Vigário geral, lugar onde nasceu

e foi criado. Depois de passar alguns

anos na Espanha, voltou com a idéia

de mexer na numeração e nas facha-

das das casas do lugar, usando a sua

arte, o mosaico. Com isso, pretende

embelezar e dar identidade à comuni-

dade, além de promover a geração de

renda entre os jovens.

Também de Vigário vem o perfil

deste mês, a conhecida Chupetinha,

dona da pensão do mesmo nome e

que já recebeu muita gente famo-

sa, como gilberto gil, Tony garrido,

Wanessa Camargo, Pedro Bial, David

Byrne, para citar alguns. Começou

servindo quentinhas para a Casa da

Paz, instalada em Vigário, e não pa-

rou mais. Cresceu, aprimorou-se (fez

o curso do Senac, tornou-se chef e

virou referência).

Já apresentou até os seus quitu-

tes no programa da Ana Maria Braga,

o Mais Você da TV globo.

No Alemão, 12 rapazes deixaram

de lado o preconceito e estão se for-

mando em profissionais da beleza,

aprendendo a fazer unhas, maquiagem

e o ofício de cabeleireiros. Alguns so-

nham em ter seu próprio salão de bele-

za. Eles fazem parte do Protejo, projeto

inserido no Rio Cultura de Paz, da Se-

cretaria de Estado de Assistência Social

e Direitos Humanos, em parceria com o

Pronasci, do Ministério da Justiça.

Além de falarmos da comida da

Chupetinha, a repórter Landa Araújo

saiu da Rocinha, onde mora, e deu

um pulo no Vidigal, para mostrar al-

guns points gastronômicos do lugar,

como a galinha caipira da Sol. Vale a

pena provar.

E também é da Landa a matéria so-

bre o já famoso muro da Rocinha, que,

embora ainda esteja no papel, vem cau-

sando polêmica. Mas com a apresenta-

ção do projeto por parte do governo do

Estado, tudo indica que o assunto vai

terminar bem, principalmente para os

moradores, que é o que interessa.

Em Manguinhos, um projeto reali-

zado pelo Canteiro Social do PAC, levou

para a sala de aula moradores semi-anal-

fabetos que estão trabalhando nas obras.

Tai um bom exemplo a ser seguido.

Boa leitura.

Chico Junior

sumário

85.655 moradores do Complexo do Alemão, divididos em 17 comunidades

26.634 imóveis do Complexo do Alemão

5.186 empresas ou empreendores do Complexo do Alemão

31.432 moradores do Complexo de Manguinhos, divididos em 18 comunidades

11.444 imóveis do Complexo de Manguinhos

2.942 empresas ou empreenderes do Complexo de Manguinhos

Fonte: Governo do Estado do Rio de Janeiro / Secretaria de Obras

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AconteceCinema na CDD, Circulando no

Alemão, obras de Manguinhos

Mosaicos em Vigário

Projeto de artista plástico quer

dar identidade à comunidade

Perfil: Chupetinha

Em Vigário Geral ela é referência

pela determinação e pela comida

Rio Cultura de Paz

Rapazes do Alemão fazem curso

profissionalizante de beleza

Muro da Rocinha

Parque ecológico é resultado do

diálogo entre governo e moradores

PAC: Alfabetização

Trabalhadores de Manguinhos

voltam à sala de aula

Inventando moda

Mulheres da Cidade de Deus

produzem acessórios sustentáveis

Sabores do Vidigal

Conheça alguns dos points

gastronômicos do Vidigal

Foto Favela Vidigal, Manguinhos

e Vigário Geral

Ponto FinalPolíticas públicas e

participação comunitária

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sumário

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A certificação de modelo de gestão ambiental foi o grande presente que o canteiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de Manguinhos re-cebeu como fruto da Semana do Meio Ambiente, em junho. Trata-se do pri-meiro canteiro do PAC no país a rece-ber o título. As vistorias da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsá-vel pela certificação, levaram em con-sideração a não utilização de telhas de amianto (material cancerígeno), a cria-ção de um viveiro de mudas e palestras sobre preservação para trabalhadores e comunidade, num projeto de conscien-tização das pessoas.

Para o vice-governador e secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão, esse é um bom exemplo das ações que estão sendo implementadas no Rio de Janei-ro. Pezão ressaltou a preocupação com a melhoria da qualidade de vida da po-pulação, seja por meio da substituição de telhas de amianto por outras que não levassem risco aos trabalhadores, até os projetos de reciclagem e de me-lhoria da alimentação das comunidades do entorno por intermédio de oficinas.

- Esse é o melhor exemplo que po-demos dar das intervenções que esta-

mos fazendo nas comunidades. Não se trata apenas de fazer obras, pavimentar ruas, construir casas. Queremos cons-truir uma nova consciência nessas áre-as, mudar definitivamente e pra valer a realidade dessas milhares de famílias – afirmou Pezão.

Projetos

O que chamou a atenção dos ór-gãos ambientais para o canteiro foi a quantidade de projetos que estão sendo desenvolvidos na obra, incluin-do os que garantem trabalho e renda para os moradores. Por exemplo, todo papel recolhido na obra é levado para uma cooperativa que trabalha com ar-tesanato e produção de pequenas pe-ças de papel reciclado, como caixas de presentes. As garrafas pet recolhidas são enviadas para a fabricação de vas-souras e, durante uma oficina, os mo-radores aprenderam também a fazer móveis. Aparas de madeira e de me-tal também são reaproveitadas, assim como há um incentivo para a criação de hortas comunitárias para a melho-ria da qualidade da alimentação.

Assistir a um filme, como se es-tivesse no cinema, é diversão e edu-cação na Cidade de Deus. É só reunir os amigos, escolher um filme, orga-nizar um espaço comunitário e falar com o Carlos, Claudinei ou Celso, do Cineclube CDD Alfazendo, que a ses-são está garantida.

“Escolas, grupos, ONGs e igrejas entram em contato conosco e nós levamos os equipamentos e o filme para o local. Por exemplo, em uma escola, se a aula é sobre o período colonial, eles escolhem um filme que conte as histórias dessa época e nós levamos, além de som, proje-tor multimídia, microfone sem fio e um telão. Gostaríamos de organizar sessões nas praças daqui mas, infe-lizmente, não temos como garantir a segurança das pessoas”, diz Carlos Oliveira, coordenador do Cineclube da ONG Alfazendo.

A iniciativa conta com o apoio da Lansa (Linha Amarela), do Insti-tuto Invepar, do Comitê Comunitá-rio e da Estruturar, Cooperativa de Trabalho. Quem estiver interessado em promover um “cineminha”, ligue para 2445-0173 ou vá até a Travessa Pafos 26, Cidade de Deus.

Cineclube na Cidade de Deus

Canteiro do PAC de Manguinhos é modelo de gestão ambiental

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No último sábado de maio, as ruas do Morro do Alemão foram to-madas por um mutirão de arte e cultura. Era a sexta edição do Circulan-do – diálogo e comunicação na favela, evento que reúne artistas e ati-vistas desde 2007, trimestralmente, no conjunto de favelas do Alemão.

A cada edição, o Núcleo de Comunicação Crítica do Observató-rio de Favelas, coletivo que produz o Circulando, avança na propos-ta de promover comunicação, trocas, cultura e diálogo na favela. “Cada vez mais e, sobretudo hoje, a gente consegue trazer as fon-tes necessárias para dialogar e diminuir a idéia de gueto. A favela tem que ser entendida como parte da cidade”, afirmou Alan Brum, coordenador-geral do Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento, na ensolarada tarde de sábado.

O Raízes, juntamente com o Observatório de Favelas, dá su-porte à produção do Circulando desde sua primeira edição, em março de 2007. De lá pra cá o evento cresceu, reunindo sem-pre moradores de outras favelas da cidade, além de gestores do poder público no intuito de dialogar através de intervenções culturais. “Inicialmente, por falta de costume e de cultura, era difícil a gente mobilizar e envolver a comunidade. Essa conquista foi gradativa. O Circulando é uma proposta em que a gente dá visibilidade às ações e às potencialidades existentes no Comple-xo do Alemão e com as pessoas que desenvolvem cultura na cidade”, diz Alan.

A assistente da Secretaria de Cultura Ivete Miloski subiu a Avenida Central no Morro do Alemão para observar o traba-lho dos grafiteiros e durante a visita ressaltou a importância da aproximação entre governo e iniciativas como a do Circulando. “O fato de congregar uma série de linguagens é importante”,

ressaltou ela. “Uma das nossas preocupações é pegar esses pro-jetos e torná-los visíveis”, afirmou.

Favela interferindo na cidadeO público que comparece ao evento participa e responde com

entusiasmo à proposta. “Buscamos trazer pessoas que produzem e consomem cultura na cidade para que eles saibam que o Complexo do Alemão pode ser uma referência cultural. Por isso, o Circulando 6 está mostrando força e energia muito maior do que as outras edições”, explicou Alan.

Na parte da manhã, um mutirão de grafiteiros, alunos da Ofici-na de Graffiti da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, começou a transformar os muros das casas da comunidade em grandes telas. A grafitagem é a marca do Raízes e por isso é uma atividade já tradicional no Circulando. Professores da Escola de Ar-tes Visuais do Parque Lage (EAV) estiveram com os alunos para conhecer o trabalho.

À tarde foi a vez da apresentação da Orquestra Voadora, que desceu a ladeira da Avenida Central arrastando moradores e visitantes. O público se misturou aos músicos da Orquestra, que to-caram de Tim Maia a Jimi Hendrix. Também animaram a platéia, as bandas Diversatividade, o reggae da Pangea e da Alforria, o grupo de samba PC do Repique e a rapper Jamille.

Fora do palco, ainda rolaram exposição de fotografias dos alunos do Projeto Memórias do PAC, apresentação da Capoeira Martins, ma-labares, exibições audiovisuais com Coletivo Mate com Angu, oficina de pinhole (fotografia artesanal) e espaço recreativo infantil.

Circulando no AlemãoPor Rosilene Miliotti

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No lugar de números pintados com giz ou placas, um mosaico perso-nalizado. Essa é a ideia que o artista plástico Valmir Vale, nascido e criado em Vigário Geral, trouxe após morar dez anos na Espanha. Além de facili-tar a identificação das casas e estabe-lecimentos comerciais de seu bairro natal, a iniciativa pretende incentivar a arte, a cultura e o desenvolvimento socioeconômico.

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Casas de Vigário Geral têm numeração inspirada na Europa

Por Camila EliasFotos: Thaisa Araújo

arte

“Ao me aproximar das obras de Gaudí, impregnadas de mosaico, na igreja da Sagrada Família e no Parque Guell, em Barcelona, comecei a visualizar Vigário. Apesar de ser uma arte barata de se produzir, que utiliza mate-rial reciclado, fragmentos de vidros, azulejos e pedrinhas, ela nunca teve aspecto popular. Sempre esteve nas obras da elite. Então pensei em profissionalizar algumas pesso-as e transformar a comunidade, usando esta arte nobre. Além disso, o mosaico é muito utilizado como terapia para quem quer deixar as drogas e pode ser feito em grupo, envolvendo as pessoas”, imaginou Valmir.

De volta a Vigário, em 2008, embora tenha encon-trado mais urbanização, percebeu que o local já não era tão contente e havia pouco desenvolvimento comercial. Decidiu, então, colocar o mosaico em prática, iniciando pela numeração das casas.

“Hoje, mesmo passados 16 anos, as pessoas ainda as-sociam Vigário à chacina. A convivência com esse estigma provocou uma evasão de 12 para 6 mil habitantes e, con-sequentemente, a redução de comércios e da sensação de pertencimento dos moradores. Como dar número aos esta-belecimentos é mais abrangente, esse é o ponto de partida para o meu propósito de dar identidade, fomentar a estética tornando a comunidade mais plausível de visitação e gerar renda. Quero que passem a se referir a Vigário como aquele lugar bonito onde tem mosaico”, continua ele que, na dé-cada de 90, ficou conhecido por realizar uma escultura com 12 mil cápsulas de balas, que integra o acervo do Museu do Senado Federal.

Valmir e a Drogaria Estrela D’Alva: número novo e pintura nova. À direita, um dos trabalhos do artista.

Inclusao Postal Carteiro sem saber precisamente onde entregar cor-

respondências e casas com numeração despreocupada com a aparência estão prestes a serem incomuns, no que depender de Valmir. Hoje, já se vê em quase uma rua in-teira, como a Travessa São Jorge, fachadas com números envoltos por uma miscelânea de cores e formas.

“No asfalto está tudo numerado. Mas aqui o carteiro tem que procurar pelo nome. É tudo no bate-boca. A iden-tificação está facilitando muito o trabalho e ele já se diz nosso fã. Além disso, a casa que não tem número fica sem roupagem, sem pertenci-mento. Em mosaico, ga-nha mais personalidade. E os moradores podem encomendar do jeito que querem, com florzinhas, grande, pequeno, amare-lo, rosa...”, explica.

Para o artista plásti-co, além de casas nume-radas, as ruas também devem estar sinalizadas.

“Vigário existe há mais de 50 anos e só ago-ra os Correios resolveram oficializar nome e CEP das ruas. O projeto Favela-Bairro havia tentado co-locar placas, que foram arrancadas. Agora, junto com os moradores, eu quero construí-las. O mo-saico é permanente e se repõe com facilidade”.

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Eu não tinha placa. Então, encomendei

porque achei interessante, bonita e para incentivar outras pessoas. Agora está

mais fácil chegar correspondências. E a casa fica mais decente do que com

um número escrito de qualquer jeito ou sem. Melhora o visual da comunidade.

Dona Julia, 73 anos e moradora há 40

Polo artistico

Andando por Tenerife, nas Ca-nárias, Valmir notou semelhanças entre o aspecto tranquilo de vilas e de ruas sem calçada de lá com Vigário Geral. A diferença é que na ilha da Espanha, todas as casas exibem uma fachada bonita.

“Aqui, muitas vezes, você en-tra numa casa que não é pintada por fora mas dentro tem todos os eletrodomésticos que você possa imaginar. Mas agora muitas casas que receberam o mosaico resol-veram pintar sua fachada para não destoar. Isso é bom porque vemos o entorno mudando natu-ralmente com a arte”.

Com esta mudança, ele vis-lumbra que sua comunidade se transforme num reduto artístico. Que cada esquina ganhe uma caracterização própria, feita, é claro, em mosaico.

“Quando Vigário era de barro e barraco, tinha mais vida cultu-ral e comunitária. Domingo, aqui parece uma zona fantasma. Nin-guém quer viver num lugar em-blemático. Eu quero resgatar os artistas que têm aqui, músicos, sambistas. E num possível ‘point’, fazer uma arte que os represen-tem. Ou numa esquina em que o pessoal se reúne para jogar bu-raco, uma que lembre o baralho. Eu espero que, artisticamente, Vi-gário seja uma espécie de Santa Teresa popular.”

Geracao de rendaPara dar conta de tantos trabalhos, Valmir

pretende capacitar mais jovens e criar uma co-operativa que ofereça aplicações de mosaico em móveis, quadros, relógios e decorações. E, ainda, elaborar letreiros e fachadas para estabe-lecimentos comerciais.

“Capacitei dez pessoas. O resultado é rápi-do. Depois de 10 horas de aprendizado, já fa-zem sozinhas e se autodesenvolvem. Com as encomendas, elas vão ter mais uma renda. O número é uma vitrine para a cooperativa que gostaria de montar. Onde é mais bonito, tem mais butique, mais cabeleireiro, atrai cliente e gera mão de obra. O dinheiro circula. Os letrei-ros vão dar mais visibilidade aos comércios”.

Para Chupetinha, referência em culinária na comunidade, que já recebeu visitas de per-sonalidades nacionais como Pedro Bial e inter-nacionais como David Byrne, a fachada em mo-saico é um sonho: “Sabe uma coisa que você viu e amou? Desde que Valmir me mostrou a projeção da minha fachada, sonho com isso. É a primeira vez que ela vai ter o meu nome. As pessoas sabem quem eu sou mas não sa-bem onde é, se não per-guntar. Imagina, vai ser a casa mais bonita. Escrevi até para o Gugu e Lucia-no Huck. É um sonho que não abro mão de ser re-

alizado. São 15 anos dando duro aqui. Eu acho que mereço”, diz entusiasmada.

Os projetos de Valmir parecem ter infinitas possibilidades mas são limitados pela falta de patrocínio. Vigário tem cerca de 1500 casas, mas apenas 100 foram beneficiadas pela numeração:

“Cada número em mosaico, dependendo do tamanho, custa de R$ 20 a R$ 40, que paga o trabalho dos jovens envolvidos. Nem todo mun-do pode comprar. Eu quero que todas as casas e ruas sejam identificadas, que todos os estabe-lecimentos tenham seus letreiros, que todas as esquinas transpirem arte, que todos possam ter uma renda melhor. Eu sei que artista tem sem-pre uma visão romântica de transformação da realidade, mas com apoio e investimento isso é possível”, conclui.

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Ela tem mania de criança. Desde pequena, não larga a chupeta. A mãe bem que tentou colocar pimenta, ardia, mas ela até que gos-tava. Assim, Lizietia Carmem não poderia ser conhecida por outro

nome, ganhou o apelido de Chupetinha. A garra é de gigante. Aos 50 anos, com muita batalha e suor, ela é exemplo de conquista e empreendedorismo, em Vigário Geral, e deixa a comunidade, visitantes, famosos e estrangeiros, com água na boca.

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Ela acorda às 5h da manhã, sobe para a laje, onde funciona a pensão, coloca o feijão no fogo, prepara as carnes, verduras e legu-mes, chupa chupeta, faz o cardápio e, às 11h, está tudo pronto. Por dia são, no mínimo, treze opções de comida caseira que variam entre bife a rolé, carne assada, frango e peixe, acompanhados de arroz, feijão, macarrão, aipim, salada e farofa. Tudo bem temperadinho. As opções de pratos são múltiplas. “Sou uma chef de cozinha, formada pelo Senac, posso criar qualquer prato. Quando fui ao programa da Ana Maria Braga, fiz um bobó à mineira; no lugar de camarão, salga-dos. Disseram que estava uma delícia”, lembra.

Na parede, as fotos mostram que a lista de visitantes famosos é grande. “Não sei enumerar todos que já provaram minha comida. Estão ali no mural e tenho mais de cem fotos que ainda não revelei. Não gostaria de esquecer de citar ninguém porque todos são es-peciais. Mas lembrando rapidamente, já estiveram aqui Gilberto Gil, Tony Garrido, Wanessa Camargo e Pedro Bial, que ficou dez dias na minha casa enquanto fazia uma matéria”. Além de famosos, Chu-petinha costuma receber grupos estrangeiros de diversas partes do mundo que visitam Vigário Geral.

Em um dia, ela serve cerca de 50 refeições bem fartas. Quer dizer, prepara. Ela não gosta e não serve ninguém. Isso fica por conta da amiga de infância Dagmar, que trabalha com ela desde o início, há 15 anos, e do marido João Azevedo, casado com Chu-petinha há 35. Às 17h, ela fecha a pensão. Limpa, organiza o local, tempera as carnes para o dia seguinte e, por volta das 20h, vai para casa descansar.

Quando chega em casa, não liga para televisão e também não é de sair. “A pensão é o meu lazer, é o que eu gosto de fazer. Não saio de casa, não vou a festas. O que eu tenho que ver na rua, vejo aqui da minha janela. Em casa, cuido do lar. Só quando vou dormir é que ligo a tevê. Só durmo se ela, o ar condicionado e o ventilador estive-rem ligados”. Descontraída, ninguém diria que ela tem síndrome do pânico. “Quem faz as compras no supermercado é o meu marido. É muito difícil eu ir à rua. Viajei pela primeira vez em 2008. Fui para São Paulo fazer um almoço e um coffee break, no Itaú Cultural. Não sinto vontade nenhuma de conhecer outros lugares”.

Sem papas na línguaBem-humorada, ela não poupa apelidos, nem os clientes esca-

pam. “Eu posso não lembrar o nome mas o apelido eu não esqueço”. E as suas zombarias chegam a divertir quem está por perto. Com as pessoas, é um carinho só mas também é briguenta. Se acontece algo de que ela não gosta, resolve logo na hora e sem papas na língua. “Sou brava que nem um cão. Mentira, falta de respeito e abusos me tiram do sério. E quando o João diz que eu não posso beber cerveja”, conta ela que, desde que não seja domingo, gosta de tomar uma cervejinha em casa com a Dagmar.

Por Camila AlvesFotos: Thaisa Araújo

A chef que dá gosto a Vigário Geral

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A volta por cimaNascida e criada em Vigário, filha de pais potiguares, a vida

nunca foi fácil para Chupetinha. Aos sete anos, ela perdeu o pai, que deixou sete filhos. Entre uma faxina e outra, a mãe sempre deu duro para criá-los. Adolescente, casou com o torneiro me-cânico João.

Antes de se dedicar à culinária, ela era costureira na fábrica da Duloren. Mas ficou desempregada e, com dois filhos para criar, foi fazer faxina na Casa da Paz, em Vigário, em 93. Mal sabia que ali nasceria um empreendimento.

“Hoje há oito pensões na comunidade. Mas naquela época, não tinha onde comer por aqui. Então, na hora do almoço, as meninas me pediam para colocar mais água no feijão. Vinha uma, depois vi-nham duas, três, quatro. No fim de semana, elas me ajudavam com um trocado para inteirar na carne. Até que o meu horário na Casa da Paz não deu mais porque eu tinha que acordar muito cedo para preparar a comida. Saí de lá, estipulei um preço e passei a fazer o almoço do pessoal”, lembra.

Após um mês fazendo refeições em casa, a vinda de uma em-presa de saneamento básico e do Afro Reggae impulsionaram as vendas. Ela passou a preparar 75 quentinhas por dia.

“Eu não tinha como servir. Na minha casa, no térreo, tinha uma mesa de apenas quatro lugares. Aqui em cima, era uma laje que não prestava, estava cheia de infiltração. Mas um dos engenheiros de saneamento básico, Paulo César, me deu de presente a reforma de toda a estrutura e pude transformar a laje numa pensão”.

Hoje, o estabelecimento da Rua Paris é sinônimo de conquista. “Eu sempre dizia que construiria minha casa e que nunca mais ia passar fome. O João já viu dois irmãos falecerem por não ter o que

comer. Hoje eu não como se eu não quiser. Às vezes, fico três dias sem comer porque não sinto vontade. Enquanto isso aqui existir, nunca mais vou passar fome, nem meus filhos, nem meus netos. Enquanto Deus me der força e saúde, vou lutar com unhas e den-tes”, conta emocionada.

“Muita gente gosta dela. Fizemos nossa casa com muito suor. Ela é espelho de luta e muita fé, além de uma dona-de-casa exem-plar, sempre preocupada com o lar, diz João, orgulhoso.

FrutosEmbora o salão de sua pensão esteja sempre cheio, fora as

quentinhas que prepara, Chupetinha afirma não ter uma poupança recheada. “As pessoas pensam que eu sou rica. Felizmente, embora meu prato preferido seja o miojo que o João faz, dá para eu ter uma alimentação melhor. Mas não dá para guardar dinheiro, o que eu ganho eu invisto aqui. Pense bem. Aqui todos têm poder aquisiti-vo baixo, não posso colocar o preço lá de fora. Então cobro R$ 5. Como vou enriquecer assim?”

“E eu só compro produtos de boa qualidade para que as pesso-as gostem, se sintam bem e voltem. Há tempos que quero comprar um carro usado para facilitar trazer as compras do mercado mas não sobra dinheiro”, completa João.

O sonho de Chupetinha continua e no que depender da garra dela, ele vai se realizar. “Meu sonho é ter um restaurante dentro de Vigário, com azulejos, um chão melhor, mesas de uma cor só e uma fachada em mosaico com um lugar, na janela, onde eu possa colher plantinhas para tempero. Minha comunidade merece. Eu não creio em nenhuma religião porque o homem confunde a cabeça da gente, mas acredito em Deus e tenho muita fé de que vou conseguir”.

Ela é espelho

de luta e

muita fé...

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MASCULINAS

Beleza em Por Eduardo PachecoFotos: Ratão Diniz

No Complexo do Alemão, 12 rapazes deixam de lado o preconceito e se qualificam em curso de beleza

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Seja por conta do surgimento de inúmeras técnicas e produ-

tos, de aspirantes a Gisele Bündchen nas passarelas, de semanas

fashions nas principais capitais do país ou de programas de TV

segmentados, o mercado da estética e da beleza, além de pro-

missor, vem apresentando novas características, que começam a

vencer a barreira do preconceito: o interesse cada vez maior de

homens, dispostos a conquistar postos de trabalho em um negó-

cio primordialmente feminino.

De olho nesta nova tendência, jovens do sexo masculino beneficiados pelo Protejo – iniciativa que garante a pessoas, de 15 a 29 anos, em situação de risco social, cursos ministrados pelo Senac com objetivo de capacitá-los para o mercado de tra-balho – estão ampliando seus horizontes ao buscar na área de beleza a possibilidade de um emprego formal. O Protejo é um projeto do Rio Cultura de Paz / Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que envolve o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, e o Ministério da Justiça.

Se há alguns anos era inconcebível para os representantes do sexo masculino incluir no seu cotidiano assuntos como a nova escova revolucionária para os cabelos ou a cor de esmal-te adequada para uma festa de gala, hoje são tratados com a devida atenção pelos 12 alunos do Complexo do Alemão que optaram pelo curso de beleza.

Sem preconceitosDando de ombros para o preconceito que estigmatiza os

homens que se aventuram pelo ofício, um dos alunos do cur-so, Antônio Josias de Souza, de 27 anos, tem se empenhado bastante para conquistar seus objetivos. “Os amigos pegam no meu pé. Já escutei muita gracinha por ter escolhido o curso de beleza. Deixo as provocações de lado, encaro numa boa, pois só penso em me formar para, no futuro, abrir meu próprio salão”, vislumbra.

No que depender desses jovens, a entrada de homens neste mercado já deve ser encarado como realidade. Antes mesmo da indicação dos jovens pelas Mulheres da Paz, senhoras da co-munidade responsáveis por acompanhar os alunos do Protejo, o curso de beleza estava entre os mais votados dentre muitas opções. Sua margem de votos foi tão alta que se alinhou em preferência ao “queridinho” dos cursos, o de administração de empresas. Dos 190 alunos atendidos pelo Protejo no Complexo do Alemão, 44 optaram pelo curso.

“Nossos jovens são espertos e notaram o grande potencial do mercado da beleza. Espero que eles possam ter retorno do empenho que estão imprimindo durante a qualificação pro-fissional”, diz Daiane dos Santos, uma das coordenadoras do Protejo no Complexo do Alemão.

Com a abertura das vagas, notou-se um número conside-rável de homens - mais de um terço da turma - de olho na for-mação profissional na área da beleza. O crescente interesse de homens, no entanto, não é encarado como ameaça pelas mulheres. Muito pelo contrário, para as meninas que estão cursando o mesmo módulo, a presença deles tem deixado as aulas mais alegres.

“Fiquei satisfeita ao ver que nossa turma não é composta unicamente por mulheres. Além de deixar o ambiente mais misturado, eles são bons colegas de turma”, explica Michelle Vieira Santos, de 23 anos.

Preparação Em junho, quase três meses após o início das aulas, o

diagnóstico é de um corpo de profissionais do sexo masculino em qualificação, que não abre mão de alicates, lixas, blushes e tesouras quando o assunto é trabalho.

De terça a sexta-feira, os 12 alunos homens se juntam a outras 32 jovens do sexo feminino, das oito da manhã ao meio-dia. Se a formação teórica é similar à dos outros cursos profis-sionalizantes contemplados no programa, com aulas sobre ci-dadania, ética, meio ambiente e prevenção de doenças, a parte prática se divide em três etapas.

A primeira, tratamento de unhas, teve duração de um mês. Por ter sido a pioneira, causou certa desconfiança por parte do público feminino inscrito no curso, já que os próprios alunos servem como “modelos” nesta fase de preparação. Em outras palavras, era hora de ver como os homens se sairiam como ma-nicures, cuidando para manter os “bifes” (gíria usada no metiê para designar uma cutícula mal tirada) no seu devido lugar. A aluna Michelle, uma das voluntárias, deu seu veredicto após a primeira experiência.

“Confesso que fiquei tensa quando fiquei sabendo que um homem cuidaria das minhas mãos. Sempre fiz minhas unhas com mulheres. Mas, no final, todos estavam muito concentrados em fa-zer um trabalho bem feito. Já tem aluno homem sendo considera-do manicure oficial da turma”, garantiu.

Com a aclamação por parte do público feminino, os jovens estavam aptos para a próxima etapa. Na maquiagem, os meni-nos dispunham de 15 dias para provar que seriam capazes de igualar a técnica do preparo de maquiagens com as mulheres, habituadas desde cedo a pintar suas bonecas.

Para Wilma Corrêa da Silva, Mulher da Paz voluntária nes-ta fase de qualificação, a grande vantagem dos homens sobre as mulheres é a agilidade durante o serviço. “Os meninos fa-zem menos fofoca que nós, tornando o trabalho mais veloz e a concentração mais aguçada”.

No entanto, há quem garanta que os homens tenham o mes-mo dom de fofocar que as mulheres, superando-as em alguns ca-sos. “Aqui na turma tem um monte de homens fofoqueiros, capa-zes de falar mais do que três mulheres juntas. Pelo menos, botaram em prática com muito bom gosto tudo o que aprenderam sobre maquiagem”, brincou uma das alunas.

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Cortes modernosPara conseguir o diploma profissionali-

zante, porém, os alunos precisam ainda pas-sar pela última etapa, a dos cortes de cabelo. De longe a mais esperada pelos homens, ela promete revelar o Edward Mãos de Tesoura adormecido em cada um. “Acho que eu levo jeito para o corte. Sou muito atento às novi-dades que surgem e logo peço para fazerem igual”, revela Carlos Vinicius, de 15 anos.

Influenciados, sobretudo, pelos cortes que enfeitam as cabeças dos jogadores de futebol, os futuros profissionais da área da beleza do Complexo do Alemão sonham em colocar as mãos nas madeixas de seus grandes ídolos ou, na pior das hipóteses, reproduzirem os cortes mais estilosos comunidade a fora.

Para Carlos, uma oportunidade de de-monstrar que o talento, amparado pela ob-servação das tendências, pode ser a chave para um futuro promissor. “O corte moicano está fazendo muito sucesso. Vários jogado-res, como o Cristiano Ronaldo (considerado recentemente o melhor jogador do mundo), o Leonardo Moura (jogador do Flamengo) e o Ibson (também do Flamengo), adotaram o es-tilo. Daqui a pouco, eu mesmo poderei aplicar o corte”, entusiasmou-se.

Aos poucos, esses 12 jovens do Comple-xo do Alemão estão conseguindo inúmeras vitórias, que vão além do campo pessoal. Fora conseguir uma profissão digna e sonhar com caminhos mais virtuosos para a sua vida, eles começam a quebrar os paradigmas e precon-ceitos sobre a participação da mão-de-obra masculina neste tipo de mercado. E, de que-bra, vão adquirindo confiança para realizar um trabalho bem feito.

“Já consegui adquirir a confiança do pes-soal da minha turma e de algumas voluntárias que se apresentaram durante a qualificação. A meta agora é provar que sou capaz de me tornar referência quando o assunto é trata-mento de beleza”, diz Antônio, aquele mesmo que pretende montar seu próprio negócio, en-quanto manuseava sua tesoura.

No que depender da dedicação e da entre-ga de cada um desses alunos que optaram pelo curso, não vão faltar aspirantes a modelo na comunidade querendo passar pelas suas mãos. Afinal, cuidar da beleza não sai de moda.

ANTONIO E MICHELE: ambiente descontraído nas aulas e visão de futuro

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Por Landa AraújoFoto: Ricardo Sousa

O assunto gera polêmica e divide opiniões. A ideia de

levantar um muro de 3.900 metros de extensão no

entorno de uma das maiores favelas da América Latina, com

o objetivo de impedir o crescimento de moradias em áreas

de preservação ambiental, colocou em campos opostos mo-

radores e governo do Estado. Com a apresentação, na última

semana de junho, do projeto do Parque Ecológico e dos Eco-

limites da Rocinha, pela Emop (Empresa de Obras Públicas do

governo do Estado), as partes chegaram a um consenso.

O projeto final incluiu várias sugestões dos moradores, inclu-

sive as apresentadas na Oficina do Imaginário. Segundo o presi-

dente da Emop, Ícaro Moreno, a integração com a comunidade

permitiu enriquecer o projeto original, que já previa a criação do

Parque Ecológico. “As idéias dos moradores, através do entendi-

mento com as lideranças e da Oficina do Imaginário, contribuí-

ram muito para o aperfeiçoamento do projeto”.

Estima-se que o parque, que ocupará uma área de 8 mil

m² e terá 700 metros de extensão, será entregue à comuni-

dade em fevereiro de 2010.

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ECOLIMITEO ecolimite, ou muro social, é a nomenclatura que substitui o

tão falado “muro”. Para pôr fim à simbologia “de separação”, como diz o presidente da União Pró-Melhoramento dos Moradores da Ro-cinha (UPMMR), Antônio Ferreira de Melo, o Xaolim, o governador Sérgio Cabral se reuniu em maio com presidentes de associações de moradores e líderes comunitários, resultando em um consenso sobre a obra na Rocinha.

A iniciativa do novo projeto partiu dos representantes da associa-ção de moradores. Ela foi levada ao arquiteto Luiz Carlos Toledo, que participara da criação do plano diretor (base para as obras do Progra-ma de Aceleração e Crescimento - PAC). Ele colocou as pretensões no papel, dando vida aos objetivos propostos pela comunidade.

“Nesse trabalho, nos limitamos a dar forma a um conjunto de desejos e necessidades relatados pela associação de moradores. Nos baseamos naquilo que eles consideravam a melhor solução para impedir o crescimento da Rocinha em direção à mata e, ao mesmo tempo, qualificar seu território, objetivando não só a quali-dade de vida dos moradores como também estimular o crescimen-to das atividades turísticas”, informa Toledo.

Junto a isso, a criação de espaços onde as pessoas possam ter mo-mentos de lazer e estar mais próximos do verde.

“Somos a favor do controle do crescimento desordenado rumo à mata. Nós não só protestamos contra o muro, da forma como foi apresentado, como mostramos uma outra alternativa, o que chamamos de ecotrilhas. Da sugestão dos moradores nasceu um novo conceito de ecolimite”, diz Xaolim.

Ele entende que os muros são “necessários” em alguns trechos, para a proteção não só da mata, mas dos próprios moradores. Sem problemas em relação ao muro. A comunidade está satisfeita. O parque mostra que a integração da favela com a mata é pos-sível, e o projeto é fruto da participação dos moradores, em uma integração entre a população e o Estado.

De acordo com a Emop, o Parque terá, além da área verde, eco-trilhas, ciclovia, quadra poliesportiva, academia de ginástica ao ar livre, bosque, brinquedos, horta comunitária, anfiteatro, paredão de escala, mirante e um centro de estudos ambientais. Serão gastos R$ 10 milhões no projeto.

Os equipamentos foram escolhidos pela própria comunida-de através da Oficina do Imaginário, um projeto que está sendo implementado pela EMOP nas obras de urbanização de favelas. Crianças, adolescentes e adultos que moram em áreas abrangi-das pelas intervenções são convidadas a colocar em desenhos os equipamentos que desejariam ver incluídos nas obras. No caso do Parque Ecológico da Rocinha, 90% dos equipamentos propostos foram incluídos no projeto.

O projeto também inclui a pavimentação das ruas Maria do Carmo (1 KM) e Dionéia (700 m), com instalação de sistema de drenagem. Haverá, ainda, o reflorestamento de 8,8 hectares ao lado do parque.

“Será feita uma trilha pavimentada onde as pessoas possam pas-sear e será aberta uma clareira, que nós chamamos de área de con-vivência, pois a gente entende que a cidade não pode permanecer partida e ter um símbolo concreto de um muro”, diz Xaolim.

GUARDAS FLORESTAIS MIRINSDo encontro com o governador surgiu a idéia da

criação da Guarda Florestal Mirim, formada por jovens moradores, de 16 a 24 anos, responsáveis por cuidar das áreas de convivência. Eles terão aulas básicas de espanhol e inglês, segurança cidadã e educação am-biental. Este projeto está em andamento e será apre-sentado ao governador na próxima reunião. “Foi com-binado com o governador que teríamos encontros de 40 em 40 dias”, informa Xaolim.

OBRAS E MORADORES O canteiro de obras para a construção deste novo

projeto, incluindo a pavimentação das ruas, já começou suas atividades. No total, 70 famílias serão remaneja-das. Algumas serão indenizadas e outras, encaminha-das aos apartamentos construídos pela Emop na Ro-cinha. De acordo Ícaro Moreno, presidente da Emop, “estas pessoas ganharão a posse dos imóveis”.

Lúcia Rodrigues, 40 anos, moradora há 12 anos da localidade conhecida como Cobras e Lagartos, faz par-te de uma comissão que acompanha as obras, Mesmo dizendo aceitar a situação pelo bem de todos, ela não esconde a tristeza de sair de sua casa de 112 m². “É uma sensação péssima, pois minha casa foi construída durante 12 anos. Mas se for para o bem da Rocinha, para a criação de um parque, o que se pode fazer?” desabafa Lúcia.

Ela lembra que comprou o terreno sem nada e come-çou a construir aos poucos. Durante 5 anos de trabalho como babá, dividiu seu tempo entre a Alemanha – onde trabalhava por três meses – e o Brasil. “Eu não estou sa-tisfeita porque jamais imaginava que todo o meu sonho ia acabar”, diz.

As negociações estão sendo feitas diretamente en-tre os moradores e a Emop. Xaolim acredita que as ne-gociações estão acontecendo sem problemas, pois ele não foi procurado por nenhum morador para qualquer reclamação. “O momento é de diálogo e a associação é parceira, mas atenta. Sempre vamos lutar por uma cidade integrada onde o pertencimento da cidade é de todos, não só da cidade formal, como também da in-formal, que é a favela. O pobre, morador da favela tem direito à cidade também. E a mata pertence a cidade, pertence a todos”, diz Xaolim.

LÚCIA vai ter que sair da sua casa, onde vive há 12 anos, “mas se for para o bem da Rocinha, o que se há de fazer?”

XAOLIM: “O parque mostra que a integração da favela com a mata é possível”

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A Equipe de Ação Social do governo do Estado reuniu aproximadamente 50 moradores da Rocinha no mês de junho para participarem da Oficina do Imaginário, com o objetivo de que estimular a participação dos moradores no processo da implantação das obras do ecolimite, por intermédio de desenhos.

De acordo com Ruth Jurberg, da Secretaria de Ação Social e Direitos Humanos do Estado, coordenadora da oficina, pretendeu-se conhecer os desejos da população para a área que será trabalhada e tentar, sempre que possível, garantir a implantação desses desejos. “Preten-demos que a comunidade se sinta mais participativa e tenha também o sentimento de pertencimento, já que seus desejos e idéias estão se refletindo nas interven-ções físicas. Este parque é um projeto realizado a muitas mãos, várias delas da comunidade. Os moradores coloca-ram seus desejos no papel e agora podemos mostrar que eles foram atendidos”.

Na opinião de Xaolim, a iniciativa de dar margem ao morador para se expressar foi muito boa. “Achei sensa-cional a Oficina do Imaginário. O setor social do governo consultou a população da Rocinha, perguntando o que a gente queria. Foi uma participação muito boa da popula-ção e estamos na expectativa do resultado deste trabalho. De repente, o morador descobre o desenho dele se tor-nando realidade, vai ser melhor ainda”.

Oficina do Imaginário

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Sempre tive vontade de estudar, mas nunca tive

oportunidade.

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Elas trançam tiras de garrafas PET, fazem fuxico com retalhos, miçangas com jornal, revista ou encarte, cortam, costuram, colam e, misturados à criatividade, elas influenciam a moda local e no entorno. Segundo Iara Oliveira, uma das fundadoras e coordenadora da cooperativa, os produtos fazem sucesso. É só ela sair na rua com algum acessório, principalmente bolsa, que é assediada.

“Quando eu saio usando uma das bolsas, feitas em PET, volto sem. As pessoas me param, me pedem para comprar e eu acabo tendo que tirar as minhas coisas de dentro e atendendo ao pedido. Agora as meninas fize-ram uma de pimenta para mim, para ninguém querer. É a sétima bolsa”, conta orgulhosa.

Atualmente, os produtos são também comercia-lizados em duas lojas: Linha Básica, na Freguesia, e Nay Tay, no Center Shopping Jacarepaguá. Mas Iara chama atenção para a importância de se comprar dentro da comunidade.

“Todas as vezes que alguém sai da comunidade e compra fora, deixa de gerar renda e emprego onde mora. Muitas roupas e acessórios que estão no shopping, saem daqui ou de outras favelas. Temos que valorizar quem faz aqui dentro. Assim impulsionamos o desenvol-vimento local”, diz Iara.

Isso sem falar na economia que o consumidor tem na hora de comprar. Se ele optar por comprar diretamen-te na Cidade de Deus, o preço dos colares varia de R$ 7 a R$ 15; os chaveiros, arcos, presilhas e broches, de R$ 3 a R$ 5 e, ainda, encontra brincos por R$ 1,50.

Inventando

Mulheres da Cidade de Deus produzem acessórios sustentáveis

Vinte artesãs, da Cidade de Deus, fabricam acessórios que todas as mulheres, por maior que seja a variedade e a quantidade que elas têm, nunca perdem a oportunida-de de comprar: bolsa, brinco, pulseira, colar, broche, presi-lha, arco, chaveiro. Mas, tudo feito de material reciclado. O trabalho das Mulheres Eco-Artesãs, do Grupo Alfazendo, gera produtos integrados com a qualidade, o meio ambiente e o desenvolvimento socioe-conômico da comunidade.

Por Camila EliasFotos: Thaisa Araújo

ArTEsãs PosAm, orgulhosas, com as bolsas

e colares que produzem22

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Alinhamento ecológico

Um das preocupações, não só da Cidade de Deus mas de todo o mundo, é o lixo. Pensando nisso, o Alfazendo uniu à geração de renda e à produção dos acessórios, a reciclagem. “Aqui, temos matéria-prima de sobra. Muito resíduo sólido, como latinhas, PETs, papel e papelão que podem ser rea-proveitados e que ganham um valor agregado muito maior. Por exemplo, em números, o quilo de PET, que são 70 garra-fas, custa R$ 0,70. Em uma bolsa, dependendo do tamanho, usamos de 28 a 40 unidades, e ela passa a valer de R$ 15 a R$ 50. E a sensação de contribuir para um lugar melhor é imensurável”, diz Carlos Alberto Oliveira, coordenador e co-fundador do Alfazendo.

Economia solidária

Uma das intenções do Alfazendo é impulsionar a eco-nomia solidária dentro da Cidade de Deus, incentivando o empreendedorismo, o surgimento de cooperativas, onde os trabalhadores se beneficiam igualmente dos frutos gerados, a formação de rede de parcerias e, consequentemente o crescimento econômico. “Nossa vontade é criar uma rede de economia solidária dentro da CDD. Já fazemos parte de um grupo de artesanato. Mas essas parcerias podem aumentar e trazer ainda mais benefícios para todos os moradores”, conta Iara.

Atualmente, a receita da produção das Mulheres Eco-Ar-tesãs é dividida em três partes: 25% fica para a compra de material, 20% para a manutenção do espaço e 55% para as artesãs. Para Sueli Pereira, de 39 anos, o trabalho na coopera-tiva compensa. “Além de o artesanato me trazer bem-estar e paz, melhora meu rendimento financeiro.”

O Grupo Alfazendo, formado por mora-dores e ex-moradores ligados a movi-mento social na CDD, atua, desde 97,

em educação, oferecendo cursos de alfabetiza-ção e pré- vestibular. Após a formação de um comitê comunitário, em 2003, em que diversas ONGs se uniram para a criação de um plano de desenvolvimento, os fundadores do grupo per-ceberam que também era necessária uma ativi-dade que gerasse trabalho e renda, em especial para as mulheres.

“Em nossa comunidade, 53% da população são mulheres e, destas, 38% são chefes de famí-lias, com baixo grau de instrução e qualificação. Assim surgiu a ideia de criarmos a cooperativa Mulheres Eco-Artesãs, com capacitação em ofí-cio de baixo custo, que trouxesse mais mobili-dade de renda e ajudasse o meio-ambiente”, diz Carlos. “Além disso, produtos femininos são um bom negócio. Mulher consome o ano inteiro”.

Decisão tomada, o grupo ofereceu cursos de artesanato, cooperativismo e empreendedo-rismo para as mulheres do bairro e contou com o apoio de organizações, como o Instituto Rio, que auxilia projetos comunitários, e do Sebrae que prestou assessoria em qualidade, acaba-mento e apresentação. “Trabalhamos o nome Cidade de Deus em todas as peças”, diz Iara.

Ao término do curso, todas as alunas foram aproveitadas e deram início à cooperativa.

“Quando eu comecei o curso, achava que não ia conseguir aprender. Hoje sinto prazer em ficar trançando, percebo que tenho melhorado e ainda me divirto com as meninas daqui”, diz Darci Silva, 64 anos, artesã e ex-aluna do curso de alfabetização.

Além da cooperativa e da formação educa-cional, o grupo também oferece o Cineclube, disponibilizando equipamentos para a exibição de filmes na comunidade.

ContatoTrav. Pafos, 26 | Cidade de Deus.

Tel: 2445-0173Email: [email protected]

Grupo alfazendo

Produção dAs TirAs dE PET que serão usadas na confecção de bolsas

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De galinha caipira a pastel de morango com chocolate, podem esco-lher que a casa é de vocês. É assim que o Vidigal recebe os moradores e visitantes em seus pontos de encontro e de gastronomia. Eles ani-mam bastante as ruas da comunidade e para se chegar, é só escolher qual deles o frequentador mais se identifica. Variedades não faltam: uma cervejinha e um bom tira-gosto ou um mega almoço com tudo a que se tem direito. Esses lugares, essas comidas, têm sido cada vez mais apreciados e se tornado referência, unindo diferentes tribos na comunidade, vizinha à Avenida Niemeyer, Zona Sul do Rio.

Por Landa AraújoFotos: Ricardo Sousa

Galera animada na frente do Bar Jesus

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“Eu tenho uma variedade de mais de cem pratos”, comemora Solange Andrade, 39 anos, mais conhecida como Sol. Proprietária do restaurante Cardápio, fica feliz ao ver que o local se tornou re-ferência não só para os moradores, como para os visitantes, para os mototaxistas locais e os médicos que trabalham em um posto de saúde próximo. Há cinco anos, ela abriu o Cardápio para tentar uma nova forma de renda, por causa do desemprego que a preo-cupava.

Mãe de três filhos, começou em um espaço na sua residência, com a cara e a coragem, As louças foram emprestadas de uma amiga. Dois anos depois, conseguiu se instalar na Rua Nova, mais para o começo do Vidigal. As dificuldades iniciais só serviram de in-centivo e trampolim para que se dedicasse totalmente ao estudo de pratos mais elaborados, com a ajuda de livros de receita. Na lista de opções, café da manhã ao lanche com hambúrgueres. No almoço, peixe com três opções de saladas e galinha.

Sol faz questão de indicar a farofa feita com bacon e manteiga, que, segundo ela, rende elogios aos montes. As refeições com ga-linha proporcionam variadas maneiras de preparo: ao molho par-do, ao molho de maracujá, ao molho de cerveja – esta última, um sucesso entre os frequentadores do Vidigal. Os valores variam de R$ 6 (prato feito) a R$ 15 – pratos especiais ou do dia. “Eu adoro a comida da Sol, é como se eu estivesse comendo a comida da mi-nha casa. Aqui é super legal de comer”, diz Camila Jotta, aluna do projeto Afro em Nós e moradora do Flamengo. A jovem frequenta a comunidade há mais de quatro anos e é fã de carteirinha do restaurante. No dia em que fomos comprovar a comida da Sol, fez questão de completar: “hoje comi uma moqueca que estava divi-na”, diz Camila.

Veia artística se une à gastronomia local

Com a chegada da noite, mais agitação nos restaurantes, bares e barracas: locais de reunião dos atores, músicos e artistas, em sua maioria estudantes dos projetos do Nós do Morro. Para Jesus Vicente, 52 anos, comerciante que chegou ao Vidigal em 1977 e mineiro de Uberaba, a alegria dos jovens - público que mais gosta de recepcionar – não atrapalha em nada. No melhor estilo de boteco, as opções vão do frango assado ao torresminho e ao caldinho de mocotó, até as cachacinhas para acompanhar seus “belisquinhos”.

Desde 1995, o barzinho é referência para aqueles que gostam mais de um papo informal, com muita cervejinha e sinuca. Maria Pia Carone, estudante de teatro, ri e conversa com os amigos en-quanto fala do Bar Jesus: “Eu gosto muito daqui, a galera fica mais a vontade, não se limita”, Ela e um grupo de amigos se divertem após a aula de teatro.

A vinte passos dali, “Tião do pastel”, 38 anos, conta como foi conquistando a clientela: “Eu já fui aluno do curso livre de audio-visual e fiz contatos lá”, relembra ele, que prefere ser identificado pelo apelido e não como Edmilson Oliveira.

Em dois anos e meio, investiu na melhoria de sua barraca, fez obra e aumentou o espaço. A conquista do público fiel se deve aos diferentes sabores de seus pastéis: morango ou banana com cho-colate, pizza e carne seca, junto aos tradicionais - carne e queijo e camarão – acompanhados de muita atenção. Ele mesmo criou os novos sabores depois que teve suas vendas de empadas enfraque-

Adriana, a pizzaiola do Celestinol

Jesus Vicente: belisquinhos, cachacinhas e cervejinha

Camila, frequentadora do Cardápio: “é como se eu estivesse em casa”

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cidas; resolveu mudar de ramo e contou com a ajuda de um amigo para aprender a fazer a massa de pastéis.

“É muito bacana ver a dedicação dele, que vem melhorando a cada dia. O pastel é feito para agradar todo mundo”, opina An-dréia Sobrinho, 30 anos. Ela diz que casar a cerveja do Bar Jesus com o pastel do Tião já é mania entre os frequentadores. Em sua opinião, a barraca dos pastéis tende a se tornar um grande pontão de encontro.

As pizzas do CelestinolTais encontros marcam também a existência do Celestinol,

que funciona há cerca de 10 anos. Sueli Pires da Silva, 47 anos,

proprietária do bar e restaurante, faz questão de relembrar os estabelecimentos anteriores a este. “Primeiro veio o Barraco, depois veio o Pé Sujo”, nomes ousados e que trazem recorda-ções do marido que faleceu há um ano e meio. Seu Celestino foi fundador destes estabelecimentos e ícone de alegria entre os frequentadores do bar.

Apesar das dificuldades, Sueli não deixou a peteca cair e segue com o local que, conhecido pelo sanduíche e, principalmente, pelas pizzas, com mais de 17 sabores, além dos bens falados hambúrgue-res, que variam de R$ 2 a R$ 4. O bar, que também tem uma exten-são para um joguinho de sinuca e fliperama, reúne uma clientela diversificada. Não há como não comentar sobre o cheiro das pizzas produzidas por Adriana Oliveira, pizzaiola do Celestinol; dão água na boca em quem quer que passe pelo local.

A moqueca de peixe da Sol

Ingredientes

1 kg de peixe em posta (olho de boi,cherne, dourado, cação)

5 tomates cortados em fatias

5 cebolas cortados em fatias

5 pimentões cortados em rodelas

½ litro de leite de coco

½ xícara de azeite de dendê

2 dentes de alho amassados

½ lata de extrato de tomate

CoentroSalPimenta do reino

Como fazer

Coloque em uma panela o azeite de dendê e o alho, deixe dourar.

Acrescente por ordem: as cebolas, os pimentões, e os tomates. Acres-

cente água (quantidade que dê para cobrir as postas por inteiro). Coloque

o leite de coco, o extrato de tomate, o coentro, sal e pimenta a gosto.

Acrescente o peixe e deixe cozinhar por 5 minutos sem mexer. Está

pronto. Bom apetite.

Sol: moqueca de peixe famosa

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Trabalhadoras do PAC / Manguinhos

Foto enviada por Cristiano Ferreira

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Foto: Thaisa Araújo

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Vidigal

Leblon e Ipanema vistos do Vidigal

Foto: Levi Ricardo

Foto: Joanna Alimonda

Clarice, Jardim Primavera, Duque de Caxias

Foto enviada por Ana Paula Mello Madureira

ParticipeMande sua foto para [email protected] Resolução: 300 DPI

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Por Camila EliasFotos: Joanna Alimonda

Da Grécia para o Vidigal, do Vidigal para a Gréciaas BACANTES

Sacerdotisas que celebram os mistérios do deus do vinho Baco, ou Dionísio. Uma tragédia sobre a morte de Penteu, o Rei de Tebas, dilacerado pelas sagradas bacan-tes por proibir qualquer tipo de adoração a Dionísio.

Num misto de teatro e dança, assim se desenrola a tragédia grega As Bacantes, de Eurípedes, sob direção do ateniense Sotiris Karamesinis. Apelidado carinhosamente de Soto, o diretor veio da Grécia para o Vidigal especial-mente para ensaiar os atores do grupo Nós do Morro e levará o espetáculo para seu país natal, berço do teatro.

Há dez anos, Soto pesquisa de longe o trabalho do Nós do Morro. Entusiasmado com as semelhanças entre Atenas e Vidigal, ele arrumou as malas e se mudou, em 2008, para a favela carioca, reduto de artistas. “

Amo a cultura brasileira, as músicas de samba-canção, a MPB, cheguei a estudar, inclusive, percussão brasileira em Paris. Mas enquanto acompanhava o Nós do Morro pelos jornais o que mais me chamou atenção foram algu-mas peculiaridades com Atenas. Cerca de 2500 anos atrás, o teatro era uma atividade que envolvia quase toda a co-munidade ateniense. E aqui no Vidigal tem isso. Em cada família, pelo menos uma pessoa tem alguma conexão com as artes cênicas. É comum ver música se desenvolvendo em comunidades populares, mas teatro não”, conta.

Novo métodoPara os estudantes de teatro, Soto trouxe uma

nova metodologia, baseada no sistema do diretor de teatro polonês Grotowski, que explora os movimentos corporais. “Está sendo uma experiência maravilhosa. A maneira que ele conduz é muito diferente. Para nós, este trabalho corporal é novidade. Os movimentos têm voz. Através de cada movimentação, chegamos à voz que ele quer. Assim fica mais fácil sentir e brincar com o texto”, diz Dhum Neves, músico e aluno do Nós do Morro.

Segundo Soto, esta é a primeira tradução de As Ba-cantes, feita por ele e Fernando Gil. “A que havia aqui era uma adaptação arcaica e muito poética, que dificultava a compreensão”. E, ainda, esta é a primeira vez que atores brasileiros interpretam tragédia grega, na Grécia. “Rece-bemos convite para participar do Festival de Delfos. O Nós do Morro vai ser o primeiro grupo a representar o Brasil lá”, diz.

“Ir para Grécia é um sonho. É a raiz do teatro. Uma coisa é fazer tragédia grega aqui, no nosso país, outra é lá. E conhecer os teatros históricos, poder sentir e sabo-rear esse legado, não tem explicação”, completa Rosana Barros, atriz e aluna do Nós do Morro.

As Bacantes têm previsão de estreia em outubro, no Vidigal, e segue, em 2010, para a Grécia, após temporada carioca. O grupo Nós do Morro é patrocinado pela Petro-bras desde 2001.

GUTI FRAGA (ao centro, blusa cinza), diretor do Nós do Morro, ao lado

do diretor grego SOTIRIS KARAMESINIS e o elenco de As Bacantes

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Desde meados dos anos 80, a temática da participação comunitária foi incorporada, por influência das entidades internacionais de cooperação técnica e financeira, às polí-ticas públicas, especialmente às de urbanização de favelas. Desde então, todas as políticas públicas implementadas no país incorporaram esta temática nos seus planos de ação.

Nesse sentido, a participação comunitária foi utilizada de diversas formas, banalizando-se o seu uso e desquali-ficando o seu sentido. Nesse artigo, vamos procurar fazer o registro de algumas formas de utilização desse procedi-mento e buscar qualificar o sentido da participação comu-nitária em políticas públicas.

Pode-se afirmar, em geral, que os resultados políticos da ação não são similares: pode resultar em negociação democrática, produzir relações clientelísticas e populistas, no protagonismo dos atores e mesmo na consolidação dos interesses coletivos. Mas também pode resultar em contro-le social ou mesmo em predomínio dos interesses privados ou corporativos. Sendo assim, as políticas públicas partici-pativas dependem de contextos e conjunturas específicas e de uma sociedade civil organizada e com espaços demo-cráticos de atuação.

Assim, tendo em vista estes condicionantes, a grande maioria das experiências participativas levou à criação, in-centivada pelo Estado, de instituições locais apenas para “prestar serviços” ao governo e, portanto, com escassa base de representação local. Isto resultou em intensa fragmen-tação política, produzindo disputas e conflitos no local da ação pública. Significou também a deflagração de processo de cooptação política e limitação da ação dos atores locais. Em outras experiências, as institucionalidades formadas no local foram transformadas em extensão do Estado, repre-

sentando mais a vontade do governo do que expressão das vontades coletivas. Dessa forma, prevaleceram as rela-ções de caráter clientelistas.

Há, no entanto, experiências importantes que podem ser tomadas como parâmetro para a participação comuni-tária. Em Recife, as políticas públicas participativas foram entendidas como a incorporação da comunidade na ela-boração das ações públicas municipais, exercitando um processo de compartilhamento no processo decisório. Esta experiência teve grande relevância por que capacitou e co–responsabilizou as comunidades para o exercício da ação pública. Em Belo Horizonte, as políticas participativas tiveram como referência as reivindicações coletivas do mo-vimento social organizado. O Projeto Vila Bairro, no Piauí, ampliou a idéia de participação, prevendo não apenas a mera participação nas ações propostas pelo poder público, mas fomentando a criação de outras ações complemen-tares com efetivo protagonismo da população. Em Santo André (SP), a participação da comunidade vem se caracte-rizando pela ação propositora de políticas públicas, dirigin-do o processo de forma compartilhada com os organismos públicos.

Portanto, a mera referência à noção de participação comunitária em políticas públicas não garante a incorpora-ção da comunidade na ação governamental e nem produz resultados unívocos. A conjuntura política e a capacidade dos atores locais são fatores determinantes para qualificar o sentido da participação comunitária.

Há consenso, tanto na dimensão governamental quanto na perspectiva da sociedade civil, que as políticas participativas redundam em maior satisfação do usuário e legitimidade para a ação pública.

Dilemas da participação comunitária

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