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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓSNA AMAZÔNIA BRASILEIRA
DIANA AGUIAR
APOIO: REALIZAÇÃO:
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
RIO DE JANEIRO, 2017
INICIATIVA
ActionAid Brasil rio de janeiro
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recife
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APOIOMott Foundation
PESQUISA
Diana Aguiar
COORDENAÇÃO EDITORIALGerardo Cerdas Vega
ISBN978-85-89473-19-4
FOTO CAPAEstação de Transbordo de Cargas da Hidrovias do Brasil e da Bunge/Amaggi, em Miritituba (PA). crédito: ActionAid/FASE
FOTOSActionAid / Fase
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Mórula_Oficina de Ideias
REVISÃO Danielle Lopes Bittencourt
IMPRESSÃORotaplan
TIRAGEM
1000 exemplares
As opiniões vertidas nesse texto são de inteira responsabilidade da autora e não necessariamente refletem o ponto de vista institucional da ActionAid Brasil ou da Mott Foundation.
Os sujeitos políticos das territorialidades insurgentes diante dos megaprojetos que aterrissam no Tapajós são a fonte de inspiração incontornável deste esforço analítico. As lutas que travam em defesa de seus direitos territoriais e modos de vida são o epicentro potente e fértil de um outro futuro (que brota do passado e presente) para o território e seus povos. Sem estas, todo esforço analítico é vazio de sentido. Diante destas, todo esforço analítico é marginal.
As análises aqui contidas foram realizadas com base em pesquisa de campo de cuja construção e condução participaram ativamente Sara Pereira (FASE Programa Amazônia) e Guilherme Carvalho (Coordenador do Programa Amazônia da FASE), além de Gerardo Cerdas (ActionAid Brasil), fundamentais neste processo. Além disso, este texto se beneficiou dos comentários de leitores mais que especiais, aos quais a dívida da autora não comporta agradecimentos suficientes: Carlos Brandão (IPPUR/UFRJ), Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ), Marcela Vecchione (NAEA/UFPA), Karina Kato (CPDA/UFRRJ) e Gerardo Cerdas (ActionAid Brasil). O estudo configura um resultado parcial de uma pesquisa em curso para processo de doutoramento em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio de Janeiro. As análises e possíveis equívocos são de inteira responsabilidade da autora.
Seminário “Impactos, desafios e perspectivas dos Grandes Projetos na Bacia do Tapajós” realizado pelo Ministério Público Estadual em Itaituba (Pará) nos dias 23 e 24 de maio de 2016
4 APRESENTAÇÃO
10 INTRODUÇÃO
16 MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA: O CASO DO TAPAJÓS
46 TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
76 COMENTÁRIOS FINAIS
79 ABREVIATURAS E SIGLAS
80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
GERARDO CERDAS VEGA assessor de políticas
actionaid brasil
Um movimento muito profundo caracteriza os nossos tempos: a tran-siçãodovérticedinâmicodaeconomiaglobaldoAtlânticoparaoeixoÁsia—Pacífico.Claramente,nãosetratadeumprocessolinearnemdeuma tendência irreversível, sem percalços, mas de uma disputa de di-mensõesgigantescas,cujosprimeiroscapítulosdatamdeváriosséculos,equehojesemanifestanaformamaisdiretaeevidentedoembatehege-mônicoentreosEstadosUnidoseaChina.Disputaquequestiona(em-bora não necessariamente abale) os limites e a abrangência da ordemgeopolíticaestabelecidaapósaSegundaGuerraMundial,quetevecomoganhador inconteste os Estados Unidos e como principal contendor aUniãoSoviética,comaChinapraticamenteemruínasapós sucessivasguerrasanticoloniaiseinternas,ocupandoumlugarmarginalnabalançadopoderinternacionalatépoucotempo.
Nessesentido,aemergênciaeconômicachinesa,fenômenoquesur-preendeuatodosporsuaintensidadeeenvergadura,verificadoespecial-menteapartirdosanos2000,épartedoprocessomaiordereemergên-ciaeconômicadaÁsiaOrientaldesdeadécadade1960.Paradiversosanalistas,setratadeumamudançaglobaldopodereconômicocompou-cosprecedentesnahistóriamundial,dadasuavelocidadeeextensãoge-ográfica,acomeçarpelarápidaascensãojaponesaapóssuagrandeder-rotabélica(décadasde1950e1960),seguidadoaceleradocrescimentodepaíseseregiõescomoCoreiadoSul,Taiwan,HongKong,Cingapura,MalásiaeTailândia(nasdécadasde1980e1990).Aascensãochinesaalimenta-se tanto desse dinamismo econômico e tecnológico regionalquanto das tendências centrífugas que a globalização introduziu comforça,apartirdosanos1990,namaiorpartedaseconomiasocidentais.
A China tem sabido capitalizar essas tendências e, hoje em dia, seprojeta como um claro oponente ao poderio econômico e financeiroamericano(noplanomilitar,avantagemamericanaéaindaesmagado-ra).Apartirdefinsdadécadade1970,enobojodeumaeranascentedefinanceirização,defato,ospaísesindustrializados(nomeadamenteosEstadosUnidos,mastambémpaísesdaEuropaeatéoJapão)começa-ramvorazmenteaprocurarnovosmercadosparaseucapitalexcedenteemãodeobrabarataparasuasempresas,permitindo-lhesassimofere-cerprodutosindustriaiscadavezmaisbaratosaconsumidorescadavez
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maisávidos.AChinapassou,desdeentão,aseroalvoprincipaldacorri-dadoscapitalistasocidentaisbuscandobaratearseuscustosealcançarastaxasextraordináriasdelucroquearelaçãoentrecapitaletrabalholhesnegavanospaísesdeorigem.
Masessa‘fase’daglobalização,emqueaChinaeravistaapenascomoaâncoradeumcapitalismoansiosoporlucrosexponenciaisàscustasdotrabalhoquaseservildecontingentespopulacionaisempobrecidos,che-gouaofimentreofinaldadécadade1990eosnossosdias.Oquehojevemosacontecer,deformaaparentementeimbatível,éomovimentodeumaChinaquepassouacomandargrandeparceladoprocessodagloba-lização,emergindocomooatormaisimportantedastransformaçõesdaeconomiamundialdaúltimadécadaemeia,muitoemparticularapóso terremotofinanceirode2008,cujoepicentroesteve justamentenospaísesocidentais.
Hoje, a China não apenas exporta bens industriais de pouco ou ne-nhumvaloragregado, comonopassado,masosbancoschinesese suasempresasdeconstruçãoeserviçospercorremoplanetaparacolocarseudinheiro,suasmercadorias(cadavezmaissofisticadasdopontodevistatecnológico)esuaexpertiseemserviçosdealtaqualificação,comoosdeengenhariacivil.Tudoissosemnosesquecerdofatodeelatersetrans-formadonodestinodamaiorpartedascommoditiesminerais,energéticase agrícolas produzidas no mundo, bens indispensáveis à sustentação docrescimentodessanação.Comoafirmaumaobrarecentesobreotema:
AChinaestácadavezmaisescrevendosuasprópriasregrasereinven-
tandoaglobalizaçãoàsuaprópriaimagem,abandonandogradualmente
muitasdasnormaseconvençõesusadaspelosEstadosUnidosepelaEu-
ropaaolongodesualongaeatéentãoincontestadatuteladoTerceiro
Mundo.(French,2014:17)1.
Nosúltimosanos,oschinesestêmsabido,também,seposicionarcomoumsócionãoapenas importante,masestratégicoparagrandepartedospaísesemdesenvolvimento—tantonaÁsiaquantonaÁfricaenaAmé-ricaLatina—,mediantemecanismosdecomércioecooperaçãobaseadosnaexportaçãodecapitaisetecnologias,emtrocaderecursosenergéticoseminerais,fundamentaisparasustentarsuaexpansãoerápidaurbanização
APRESENTAÇÃO
1. FRENCH, Howard W. China’s Second Continent. How a million migrants are building a new empire in Africa. New York, Vintage Books, 2014.
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dosúltimosanos.Depasso,essemecanismotemsidopeça-chaveparapo-sicionarbancoseempresasestataischinesasemsetoresigualmenteestra-tégicos,passandoacontrolarparcelasignificativadasreservasdepetróleodescobertasnosúltimosanosao redordomundo,dentreoutros.Atual-mente, no contexto das mudanças nos Estados Unidos e da prolongadaconvalescênciaeconômicaeuropeia,odebatesobreopapeldaChinanomundoganhamaisforçaenovoscontornos.
O Brasil não tem ficado imune à expansão chinesa. Há uma cres-cente literaturaaesse respeito, tantonoâmbitoacadêmicoquantodasociedade civil e, consciente da relevância do tema para o nosso país,aActionAidpublicou,em2016,umrelatórioqueabordaastendênciasdosinvestimentoschinesesdosúltimosanos, intitulado“Dinâmicaca-pitalistadosinvestimentoschinesesnoBrasil”.Esseprimeirorelatórioapresentouumquadrogeraldaexpansãochinesapelomundoedacres-centepresençadoscapitaischinesesnoBrasil,emparticular,ondetempassadoacontrolarimportantesativosnasáreasdeconstrução,automo-bilísticaebancária,dentreoutras,mas fundamentalmentenos setoresenergético(petróleo,gásehidroeletricidade)edemineração.Hojeemdia, comoa imprensavemecoando,aChinanãoéapenasoprincipaldestinodasexportaçõesbrasileiras,maséjáomaiorcredordoBrasil,e,em2016,concedeuaopaísempréstimosquesuperamos15bilhõesdedólares,concentrando72%dosempréstimosconcedidosparaaAméricaLatinacomoumtodo.
Agora,numsegundorelatório—produtodepesquisadesenvolvidapelaparceriainstitucionalentreaActionAideaFASE,—busca-sefor-necermaiselementosaodebatesobreapresençachinesanopaísesobreosimpactosparaapopulaçãobrasileiradessacadavezmaisimportanterelaçãocomograndedragãoasiático, levandoadiscussãoparaonívelmaisconcreto(eporissomesmomaisdifícildecompreender)dasdinâ-micasdessesinvestimentosnosâmbitoslocaleterritorial.Paraavançarnessa direção, apresentamos à/ao leitor/a os resultados desta pesquisarealizadaemregiõesdabaciadorioTapajós,emplenaAmazôniabrasi-leira,quemostraascontradiçõeseastendênciasdaintegraçãodoBrasilàsnovasdinâmicasdeacumulaçãoemescalaglobal,dasquaisaChina,comomencionadoantes,éoatormaisrelevante.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
TalveznãosejanecessárioenfatizaraquiovalorestratégicodaAma-zôniaparaograndecapital,nacionaloutransnacional,cujavoracidaderespeitapoucoslimitesequevemliteralmenteadevastando.MasnuncaédemaislembrarquedesdequeoregimemilitarbrasileirodeuinícioàconquistadaAmazônia,comacriaçãodaOperaçãoAmazôniaedaSu-perintendênciadeDesenvolvimentodaAmazônia(emmeadosdosanos1960) e com a inauguração da rodovia Transamazônica (em 1970), aagressãoàfloresta“aferroefogo”jálevouàdevastaçãoe/oudegradaçãode40%dela,comimpactosabsolutamentedeletériosparaseuspovos.
Esseprocessocontinuaaindahojeapassosaceleradoseénessecontex-toquebuscamosinseriraanálisedapresençadeinvestimentoschinesesnaAmazônia,emdisputacomoutroscapitais,tentandoolharparaafor-maespecíficapelaqualocapitalchinêsentranacorridapelocontroledeumadasregiõesdomundo,queéchaveparaadisputageopolíticacontem-porânea.Emparticular,olharparaadinâmicadosinvestimentoseminfra-estruturatemnospermitido,mediantearealizaçãodotrabalhodecampoeolevantamentodeevidênciasempíricas,umacompreensãoinicialmaisaprimoradadaformaemquetodosessesinteressesetodaagrandedisputageopolíticadenossosdiasseentrelaçamcomavidadospovosindígenas,comunidadestradicionais,camponeseseoutrosgrupossociaispresentesnoterritório,comconsequênciasmuitasvezesdevastadorasparaeles.Háprocessoscomplexosportrásdasaparênciasquenemsempreasnossasca-tegoriaspermitemcaptar,sendonecessárioiraocampoparaapreenderasnuancesmoleculares,porassimdizer,queaacumulaçãodecapitalesuaslógicasdeexpulsãoestãoganhandononívelterritorial.
Apesquisaqueapresentamosforneceelementosrelevantesparaumaabordagemdotema.Emborahajaaindalacunasimportantesnoquedizrespeitoaoacessoàinformaçãonoslocaisvisitados,assimcomojuntoàsagênciasepoderesestataisqueregulam(oudeveriamregular)aentradado capital nas áreas em disputa e junto às empresas ou consórcios deempresasatuantesnaregião,éprecisosublinharqueapesquisaqueo/aleitor/atememmãosconstituiumvaliosotrabalhodelevantamentodeinformaçõesemapeamentosobreosempreendimentoslogísticosquesemultiplicamnesseterritório,sobreosquaiséfrequentesedepararcominformaçõescontraditóriaseincompletas.Olevantamentorealizadoem
APRESENTAÇÃO
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campoéricoemdetalhesenosofereceumpanoramamaisprecisodasdinâmicasdeacumulaçãodecapitalpresentesnosterritóriosameaçadosda Amazônia brasileira, desde uma perspectiva analítica multiescalar,quepermite,emváriosníveis,umaabordagemdosatorese interessesqueascompõem.
Estapesquisa,portanto,éumesforçoconcretoenecessárioparaco-meçaralidarcomessaslacunasesistematizarmaisdetalhadamenteosdadosexistentessobreosinvestimentospresentesnoterritório,olhan-doparaocasochinêsnumcontextomaior.NãoobstanteapresençadocapitalchinêsnabaciadoTapajóssejaaindaincipiente,otrabalhore-alizadonospermiteafirmarqueele jáaparecefirmenacontendacomoutroscapitaisquebuscamocontrolesejadaprodução,sejadasrotasdeescoamento,paraascommoditiesquecrescentementepassamacomporapaisagemdaregião,atingindomaisumavezavidadeinúmerascomu-nidadesepovostradicionaisdaflorestaedosrios,emnome,dessavez,daintegraçãodoBrasilàglobalização.
Parafinalizar,émuitoimportantedestacarotrabalhorealizadopelosmembrosdaequipedaFASEqueparticiparamdoprocessodepesquisaeelaboraçãodesterelatório.Emespecial,queremosagradeceraDianaAguiar,daFASENacional,assimcomoosuportedaSaraPereiraedoGuilhermeCarvalho,daFASEAmazônia.Semesseempenhoe semoconhecimentoecontatoslocaisdaFASEnabaciadoTapajós,arealiza-ção dessa pesquisa não teria sido possível. A ActionAid agradece tam-bémoapoiofinanceirodaFundaçãoCharlesMottStewart,fundamentalparaviabilizarasvisitasàregiãoeolevantamentodasinformaçõesindis-pensáveisàelaboraçãodestematerial.
Assim,desejamosumaboaleituraeesperamosqueestetrabalhosub-sidiesuasanáliseseofereçaelementosparaummaioraprofundamentonesses temas por parte de outros/as pesquisadores/as e organizações,tantonoBrasil,quantoemoutrospaíses.Esperamostambémquesejaútilaosesforçosdeorganizaçõesemovimentossociais, locaisenacio-nais,queatuamnadefesadaAmazôniaeporumBrasilondeaintegra-çãoaomercadomundialnãopassemaispelasubordinaçãodanaturezaedospovos indígenase tradicionaisàvoracidadedestrutivadocapitalglobalizado.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
INTRODUÇÃO
Movimentossociaiscríticosdaglobalizaçãoneoliberalenfatizamainten-sificaçãodosfluxosdedinheiro,mercadoriaseinformaçãoqueparecemterencurtadoasdistânciasepotencializadocadeiasprodutivasdeslocali-zadasquesedeslocamnogloboembuscadosmelhoreslugareseoportu-nidades para acumular capital, driblando e removendo obstáculos regu-latóriosintereintraestatais,integrandodeformasubordinadaosgrupossociaissubalternosqueencontramnocaminhoe/ouespoliando-osdefor-maviolenta.
Masainfraestruturaqueviabilizataisfluxos,asveiasquerasgamoespaçoplanetárioparacanalizá-los—comooscabosdefibraótica,asferrovias, os gasodutos, etc. — estão encarnadas de superlativa mate-rialidade(Barreda,2005;Hildyard,2016),constituindoumaafirmaçãocontundentedaeuforiaglobalizanteedosprocessosdeacumulaçãoporespoliação(Harvey,2004).Fluxoeterritorialidadesãoduasdimensões,emconflitoeacomodação,deummesmoprocesso.
Vivemos em uma era de megaprojetos2. Estima-se que o gasto di-rigidoaeste tipodeprojetosejade6a9trilhõesdedólaresanuais,oequivalentea8%doProdutoInternoBruto(PIB)mundial.Aindaqueprojetos“faraônicos”nãosejamumfenômenorecente,comoaprópriareferênciaàantiguidadeegípciadaexpressãodemonstra,opadrãoatu-alcorrespondeaomaiorboomde investimentosdahistória.Sehá100anosamaiorpartedosgrandesprojetossemediaemmilhõesdedóla-res,aSegundaGuerraMundialesuabombaatômicaeaGuerraFriaesua corrida espacial transformaram o panorama. Alguns megaprojetosdosúltimos50anossãoemsimesmosmaioresdoqueoPIBdemuitospaíses (Flyveberg,2014).Sãonúmerosquedizemrespeitoamegapro-jetosdiversos,comoosdecunhoextrativo (petróleo,gás,mineração),megaeventos(CopadoMundoeJogosOlímpicos),urbanos,militaresdedefesaeaeroespacial,etc.,masosprojetosdeinfraestruturaparaviabili-zá-losrepresentamumaporçãosignificativadoconjunto.
Oeixodinâmicodosinvestimentosemmegaprojetosdeinfraestrutu-rajásedeslocoudaseconomiascentraisdosistema-mundoparaaseco-nomiasditas“emergentes”,comosBRICS(Brasil,Rússia,Índia,ChinaeÁfricadoSul),eemespecialcomaChina,partindoemescalada.Emape-nascincoanos,de2004a2008,aChinagastoumaiseminfraestruturado
2. Ao que parece, a literatura acadêmica do campo da Gestão utiliza a convenção de que megaprojetos são aqueles com custo superior a 1 bilhão de dólares, embo-ra reconheça que o sentido estrito da palavra “mega” do ponto de vista técnico se refira à casa dos milhões, o que caracterizaria os pro-jetos orçados em bilhões — cada vez mais comuns — tecnicamente como “gigaprojetos” (Flyveberg, 2014).
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quedurantetodooséculoXXeconstruiutantosquilômetrosdeviasparatrensdealtavelocidadequantotodaaEuropaaolongodeduasdécadas(ibid).Nosoitoanosentre2003e2010,oBrasilconstruiuquaseodobrodequilometragemdeferrovias(909km)emrelaçãoaosoitoanosanterio-res(512kmentre1995e2002).Esuperouessamarca,construindomais1088kmnosquatroanosseguintes(2011a2014)3.
Éumatendênciaquenãomostrasinaisdearrefecimento.Aocontrá-rio,umthink tankcorporativo4estimaque,entre2013e2030,oinves-timentoeminfraestrutura—grandepartenaformademegaprojetos—seráde3,4trilhõesdedólaresanuaisou4%doPIBmundial.Deacordocomesteagentedemercado,nãosetratasomentedeumaestimativa,masdeum“imperativo”paragarantirastaxasdecrescimentodaecono-miamundialsupostamentenecessáriasparaobem-estardaspopulações.
Amegalomaniadopadrãoatualdedesenvolvimentocapitalistanãodiz respeito somente a números de investimento, embora estes ilumi-nemaintensificaçãodasprivatizaçõesdebenspúblicossobafachadadeconcessões,parceriaspúblico-privadas(PPPs)etodasortedeusodere-cursospúblicosparadiminuirriscoseatraircapitaissobreacumulados,queestãoembuscadeinvestimentosmaisseguros.Emumcontextoderetração dos orçamentos públicos, a suposta inexorabilidade de mega-projetosdeinfraestruturaparaassegurarodesenvolvimentocapitalistatemjustificadoacanalizaçãodeprogramasepolíticaspúblicasemproldagarantiaderetornoaoinvestimentoprivado.
Noentanto,ésobretudodopontodevistadecomosematerializamnoespaçoplanetárioqueosmegaprojetosproduzemreordenaçõesespa-ço-temporaiseconsequentesconflitosentreterritorialidades.Nessesenti-do,ocasodoTapajóséemblemático.Paraesseterritórioestãoplanejadosempreendimentosdiversos,constituindoumadasfronteirasespeculativasemmaisfrenéticaexpansãonaAmazôniabrasileira.Alémdashidrelétri-casdoComplexoTapajósqueestãonosplanosdecenaisdoMinistériodeMinaseEnergia(MME),oterritórioestárecortadoporpedidosdealvarásdepesquisamineráriafeitosporgigantesdosetoraoDepartamentoNa-cionaldePesquisaMineral(DNPM).Aomesmotempo,estãoavançandoprojetosquevisamaconverteroTapajósemumextensocorredorlogís-ticomultimodalparaoescoamentodecommoditiesagrícolasdonortedo
3. MPOG, 2016. Programas de Infraestrutura: PAC e PIL. Apresentação de Maurício Muniz, Secretário do Pro-grama de Aceleração do Crescimento — SEPAC / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Dis-ponível em: http://www.planejamento.gov.br/apre-sentacoes/apresentaco-es-2015/brasilianas-1.pdf Última visualização: agosto de 2016.
4. McKinsey Global Institute, 2013. Infrastructure pro-ductivity: How to save $1 trillion a year. McKinsey and Company.
INTRODUÇÃO
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MatoGrossorumoaoAtlânticoNortee,quiçá,intensificaraexpansãodafronteiraagrícolarumoaosuldoPará.
ApavimentaçãodaBR-163,asobrasdahidroviaTapajós-TelesPires,umaferroviaentreLucasdoRioVerde(nortedoMatoGrosso)eItaituba(Pará)emaisdevinteterminaisportuáriosprivadosestãoprevistosparaaregião,algunsdosquaisjáemoperação,construçãoelicenciamento.AlgumasdessasobrasestavamprevistasemprogramasgovernamentaiscomooProgramadeAceleraçãodoCrescimento(PAC)eoProgramadeInvestimentosemLogística(PIL)eoespelhoregionaldestes,aIniciati-vaparaaIntegraçãodaInfraestruturaRegionalSulamericana(IIRSA).Se as concessões a capitais privados já eram uma tendência no plane-jamento público, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) dogovernoemexercícioconsolidaaprivatizaçãodessesempreendimentoscomoregra,apontandoparaumatendênciaàinternacionalizaçãodessasconcessõeseparaoendividamentoexterno.
Os terminais portuários privados ajudam a visualizar a complexi-dade de capitais presentes: de três das maiores tradings do setor agrí-cola (as norte-americanas Bunge e Cargill e a francesa Louis Dreyfus
“Em um contexto de retração dos orçamentos públicos, a suposta inexorabilidade de megaprojetos de infraestrutura para assegurar o desenvolvimento
capitalista tem justificado a canalização de programas e políticas públicas em prol da garantia de retorno
ao investimento privado”
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Commodities)a joint-venturesqueenvolvemcapitalchinês(Cianport),passando por uma gigante argelina da siderurgia e agronegócio (Cevi-tal),empresasderuralistasmato-grossenses(Ammagi)eumaempresadecapitalaberto(HidroviasdoBrasilSA),quetemcanalizadoinvesti-mentosdaInternationalFinanceCorporation—IFC(obraçocorpora-tivodoBancoMundial),doBancoNacionaldeDesenvolvimentoEco-nômicoeSocial(BNDES)edeoutrasempresasfinanceiras.Nocasodaferrovia,porexemplo,algumasdastradingsestrangeiraseumagigantechinesadosetordeinfraestruturajásinalizaraminteressenaconcessão.
OmunicípiodeItaituba,nomédioTapajós,éoepicentrodegrandepartedessesinvestimentos.Comumaeconomiabaseadanogarimpoile-galdeouroe,emmenorescala,nocomércioilegaldemadeira,acidadeestá inquietacomos investimentoseseuspotenciais impactossobreagarimpagem.SendoaregiãoummosaicodeUnidadesdeConservação,possivelmenteomaiordomundo,as instâncias federaisdedisciplina-mentoterritorial—taiscomooInstitutoChicoMendesdeConservaçãodaBiodiversidade(ICMBio)eoInstitutoBrasileirodoMeioAmbienteedosRecursosNaturaisRenováveis(IBAMA)—intensificamsuaatua-ção.OMinistérioPúblicoFederaleoEstadualdesenvolvemaçõesdiver-sasdeexigibilidadededireitos.
AlgunspovosindígenasepovosecomunidadestradicionaisdoTapa-jóstêmmobilizadoumvibranteprocessoderesistênciaaosmegaproje-toshidrelétricos,emarticulaçãocomredesregionais,nacionaisetrans-nacionaisdeativismo,reivindicandooDireitoàConsultaLivre,PréviaeInformadadeacordocomaConvenção169daOrganizaçãoInterna-cionaldoTrabalho(OIT)ecomosDireitosTerritoriaisgarantidospelaConstituiçãode1988efortalecidospelaPolíticaNacionaldeDesenvol-vimentoSustentáveldosPovoseComunidadesTradicionais.Ospode-respúblicoslocaisalegamsesentiremalienadosdasdecisões,inclusivepelogovernodoestadodoPará,earticulamumconsórciodeprefeitu-ras.Ealgunsempresárioslocaissemovimentamparasebeneficiaremdoaquecimentodomercadodeterrasedeoutrasoportunidadesdeagen-ciamentodosinteressescapitalistas.Oencontroentreessasmúltiplasediversasterritorialidadesprovocareordenaçõesespaço-temporaisecon-sequentesconflitose(re)acomodações.
INTRODUÇÃO
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Vista do rio Tapajós (e da cidade de Itaituba) a partir de Santarenzinho
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:
O CASO DO TAPAJÓS
O COMPLEXO HIDRELÉTRICO DO TAPAJÓS
QuandoasobrasdaUsinaHidrelétrica(UHE)deBeloMontejáestavamemcursonorioXingu,asatençõesdemovimentosporjustiçaambientaleemdefesadosdireitosterritoriaisdepovosindígenasetradicionaissedirigiramemparteparaorioTapajós,umoutroafluentedoAmazonas.Desdequeosplanejamentoselétricosduranteosgovernospetistasde-terminaramqueaexpansãodaofertadeenergiadopaíscentrariafogonaconstruçãodemegaprojetoshidrelétricosnabaciaamazônica,fluxosmigratóriosdetrabalhadoresembuscadeoportunidadesforamseguin-doosanúnciosdosmegaprojetoseachegadadasempreiteiras,consti-tuindoumarededeofertademão-de-obraeserviçosquesedeslocavanoespaçonamedidadotempodecadaprojeto.
De Santo Antônio e Jirau no rio Madeira (próximo a Porto Velho,Rondônia) a Belo Monte no rio Xingu (próximo à cidade de Altamira,Pará),achegadadeforasteirosprovocouinchaçopopulacional,violênciaecaosnaprovisãodeserviçospúblicos.Osempreendimentoscausaramtensões,insegurança,capturadeterras5,aquecimentodomercadodeter-raseexpulsões,alémdeprofundadesarticulaçãodotecidosocial local.As transformações no ciclo hidrológico dos rios — com consequênciasdevastadoras, inclusivenaBolívianocasodorioMadeira—,aerosãodabiodiversidade,aspressõesdedesmatamentosobreaflorestaeodes-mantelamentodasterritorialidadesconstitutivasdosmodosdevidadepovosindígenasetradicionaisdaregiãosomentepoderãosersistemati-zados,entendidoseavaliadosemsuacomplexidadeaolongodaspróxi-masdécadas.
Nenhum desses processos ocorreu sem encontrar forte resistência:grevesdetrabalhadores,ocupaçõesdecanteirosdeobrasporpovosindí-genasemovimentossociais,caravanasemobilizaçõesabundaram.OEsta-donãohesitouemutilizaraForçaNacionalnarepressãoaosmovimentos.
Todoesteprocessoaconteceemumcontextonoqualaexploraçãodopotencialenergéticodabaciaamazônicaérelativamenterecente,so-bretudoquandocomparadaaoutrasbaciashidrográficasdaAméricadoSul.6 Isto sedeveprovavelmenteàcomplexidadehidrológicadabacia,
5. Uma literatura vasta sobre desenvolvimento rural e estudos agrários tem dedi-cado atenção ao crescente fenômeno global de “land grab” (captura de terras), como a passagem de enor-mes porções de terras, travestida ou não de lega-lidade, das mãos de grupos sociais subalternos para agentes econômicos pode-rosos, não raro empresas transnacionais.
6. Por exemplo, as bacias do Uruguai, São Francisco, Pa-raná e Tocantins têm, em média, mais barragens por 100 quilômetros de exten-são de rio do que a bacia amazônica. Para mais in-formações: International Rivers (2014). The State of the World’s Rivers: Mapping the Health of the World’s Fifty Major River Basins. Disponível em: http://www.internationalrivers.org/worldsrivers.
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às dificuldades de acesso devido à densidade da floresta tropical e, fi-nalmente,masnãomenosimportante,àresistênciahistóricadasredesdesolidariedadelocaisetransnacionaisdemovimentossocioambientaiseindígenascontraasnumerosastentativasdeexecutarprojetosparaaconstruçãodemegahidrelétricasnaregião(AguiareVecchione,2015;Sevá,2005).
Com uma área que se expande por aproximadamente 7.050.000km²,abaciaamazônicaéamaiordoplaneta,abrigandoosmaioresní-veisdebiodiversidadedomundo.Abrangendocercade40%doterritó-riodaAméricadoSul,estende-sepornovepaísesdaregião.Em2014,havia105barragensnabaciaamazônicaeoutras254estavamemfasedeconstruçãooudeconcepçãodoprojeto7.
ParaooesteparaenseestáplanejadooComplexoTapajós,umcon-juntodeseis8megaprojetoshidrelétricos:SãoLuizdoTapajóseJatobá(norioTapajós)eJamanxin,CachoeiradoCaí,CachoeiradosPatoseJardimdoOuro(astrêsnorioJamanxin,tributáriodoTapajós).AsseishidrelétricasselocalizariamnomunicípiodeItaituba.Amaiordelas,SãoLuizdoTapajós,logosetornouoepicentrodomaiorconflitoam-bientalemcursonoBrasil,mobilizandoaresistênciadopovoindígenaMunduruku, de povos tradicionais (sobretudo os que vivem na áreade afetação direta do reservatório previsto para essa e outras usinasnomédioTapajós,comoascomunidadesdePimentaleSãoLuizedeMontanhaeMangabal),demovimentostapajônicos(muitosdosquaisdoBaixoTapajós,emSantarém)eredesnacionaisetransnacionaisdeativismo.Apesardenãoseremosúnicosatingidospelomegaprojeto,osMundurukusseconstituíramnosujeitopolíticomaisvisíveldare-sistência.
OpovoMundurukuestáespalhadoaolongodabaciadoTapajós.Emsuasassembleiasanuais,otemadosmegaprojetoshidrelétricostemlu-garcativonaagendaenaspreocupações,mobilizandofalascombativas.Umconvidadonão-indígenaconsegue“pescar”palavrasemportuguês,que não se traduzem em Munduruku, nas falas das lideranças nessasimportantes reuniões daorganizaçãopolíticadessepovo. “Governo”e“barragem”estãoentreasmaisfrequenteseenérgicas9justamentepelapreocupaçãoqueprovocam.
7. International Rivers (2014), op. cit.
8. O número de hidrelétricas do Complexo Tapajós varia bas-tante entre os relatórios escri-tos a respeito. Isto certamente tem a ver com o fato de que os Planos Decenais de Expansão de Energia (PDE) do MME, pu-blicados anualmente, variaram bastante quanto a dispor de dados específicos sobre as hi-drelétricas do complexo. A UHE São Luiz do Tapajós já aparece como indicativa desde o PDE 2017, publicado em 2008. No entanto, é a partir do PDE 2019, de 2010, que as seis hidrelé-tricas do Complexo aparecem como “novos projetos hidrelé-tricos a serem viabilizados”. Naquele ano, além das seis, também é mencionada a UHE Chacorão (de 3336 MW) no rio Tapajós, que desaparece a partir do PDE 2020, de 2011. Neste PDE, também desapare-ce a UHE Jardim do Ouro, per-manecendo as demais. A partir do PDE 2021, de 2012, somente a UHE São Luiz do Tapajós e a UHE Jatobá permanecem nos planos e são apresentadas como “estratégicas de inte-resse público, estruturantes e prioritárias para efeito de licitação e implantação, con-forme Resolução do [Conselho Nacional de Política Energéti-ca] CNPE nº3 de maio de 2011” (p. 79). A UHE Chacorão e as três UHEs previstas para o rio Jamanxin em 2010 e 2011 não têm aparecido explicitamente nos últimos quatro PDEs.
9. Notas da autora durante as-sembleia Munduruku na aldeia Dace Watpu, localizada às margens do Tapajós na área administrativa do município de Itaituba, de 22 a 25 de se-tembro de 2015. Todo agrade-cimento ao povo Munduruku pelo convite e pela confiança necessária para estar presente nesta importante assembleia.
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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TERRAS INDÍGENAS
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL
BARRAGEM PROJETADA
ALAGAMENTOPREVISTO
USINA HIDRELÉTRICA
ASSENTAMENTOSRURAIS
AM
MT
PA
RIO ABACAXIS RIO
PARA
UARI
RIO CANUMÃ
RIO
JURU
ENA
RIO CURURU OU CURURURI
RIO S. MANUEL OU TELES PIRES
RIO CREPORIRI
O M
AUÉS
RIO IRIRI
RIO IRIRI
RIO AMAZONAS
RIO TAPAJÓS
FLONA DO JATUARANA
FE DOAPUÍ
RDSBARARATI
PE DOSUCUNDURI
PARNA DO JURUENA
TIMUNDURUKU
TI CAYABI
PARNA DO RIO NOVO
APA DOTAPAJÓS
FLONA DO JAM
ANXIM
APA DO JAMAN
XIM
FLONA DOCREPORI
APA DOTAPAJÓS
FLONA DO AMANÃ
PARNA DAAMAZÔNIA
PARNA DOJAMANXIM
FLONA DOTRAIRÃO
FLONA DEALTAMIRA
RESEX RIOZINHO DO
ANFRÍSIO
FLONA DEITAITUBA 1
FLONADE
ITAITUBA 2
TI SAI CINZA
FLONA DE
PAU-ROSA
ESEC ALTOMAUÉS
FLONA DEURUPADI
RESEX TAPAJÓS
ARAPIUNS
FLONA DO TAPAJÓS
REBIONASCENTES
DA SERRA DO CACHIMBO
TIPANARÁ
RESEX RIO IRIRI
TI BRAGANÇA/MARITUBA
TI MUNDURUKU/TAQUARA
TI MARÓ
TI COBRA GRANDE
TI ANDIRÁMARAU
TI IRIRI
TI XIPAYA
TI KURUÁYA
TIMENKRAGNOTI
TIBAÚ
BR-163
BR-163
BR-230
BR-1
63
BR-230
BR-230
ITAITUBA
SANTARÉM
RIO TAPAJÓS
RIO JAMANXIM
USINAS DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO DO TAPAJÓS
NOME DA HIDRELÉTRICA RIO POTÊNCIA INSTALADA
SÃO LUIZ DO TAPAJÓS TAPAJÓS 6133 MW
JATOBÁ TAPAJÓS 2336 MW
JAMANXIN JAMANXIM 881 MW
CACHOEIRA DO CAÍ JAMANXIM 802 MW
CACHOEIRA DOS PATOS JAMANXIM 528 MW
JARDIM DO OURO JAMANXIM 227 MW
IMAGEM 1 | PRINCIPAIS HIDRELÉTRICAS E ÁREAS PROTEGIDAS
base cartográfica: Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. Disponível em: https://www.internationalrivers.org/sites/default/files/attached-files/tapajos_digital.pdf.
quadro: Levantamento de dados da autora. FONTE: MME 2010
19
DeacordocomoMME(2007),abaciaamazônicaéondeseconcen-traomaiorpotencialhidrelétrico(77milMW),edentresuassub-bacias,o Tapajós, com 24.626 MW, corresponde a 32% do total, com a maiorpartedopotencialprojetadoreconhecidamentesob“restriçãoambiental”(p.37).A“interferênciadiretaemterrasindígenas”nãoestáapresentadaporsub-baciaeequivale,segundoaestimativadoMME,a44%dototaldopotencialprojetado.Certamente,estaproporçãoémaisaltanoTapajós.
Emagostode2016,oIBAMAdecretouocancelamentodolicencia-mentodeSãoLuizdoTapajós.OanúnciofoicelebradocomcautelapelopovoMundurukuepelosmovimentosderesistênciaaomegaprojeto.Aoquetudoindica,adecisãofoipermitidapelogovernointerinonãoporumapreocupaçãocomosdireitosterritoriaisdospovosdaflorestaecomajustiçaambiental,massimportemerodesgastecomummegaprojetotãocontroverso.Etambémpelaavaliaçãodeque,emrazãodaatualcriseeconômicaecomoiníciodaoperaçãodeBeloMonte,opaísestáentran-doemumperíododesobreofertadeenergia,enãodedemandacrescen-te,comopreviamosPlanosDecenaisquejustificavamanecessidadedashidrelétricas.OavançodolicenciamentodestaedasoutrashidrelétricasdoComplexoTapajósaindaestáindefinidonocontextoatual.
Além de geração de energia, as hidrelétricas do Complexo Tapajóscriariamumasucessãodelagos,tornandoorionavegávelemtodasuaex-tensão.Hoje,orioéplenamentenavegávelporbarcaçasdegrandepor-tedesdesuaporçãomédia,naalturadaaldeiaDaceWatpu,próximaàscorredeirasdeSãoLuiz(municípiodeItaituba),atédesembocarnoBai-xoAmazonas,noentornodacidadedeSantarém.Seusdoisformadores,JuruenaeTelesPires,nascemnoMatoGrosso—nocoraçãodeextensaspastagensdecriaçãodegadoelatifúndiosprodutoresdesojaeoutrascom-moditiesagrícolas—eseencontramnadivisanortedoestadocomoParáeoAmazonas,setransformandonorioTapajósecompletandoasub-ba-cia.TodootrechoamontantedascorredeirasdeSãoLuiz,nomunicípiodeItaituba,nãoéatualmentenavegávelporgrandesembarcações.Aoala-garumextensoterritóriocomseusreservatórios(verImagem1),asUHEsdocomplexohidrelétricocriariamumasucessãodelagos,viabilizandoahidroviaTapajós-TelesPires,transformandoorioemumgrandecorredorlogístico.Háoriscodeocomplexo,aocontrário,inviabilizarahidrovia,
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
20
casoaseclusasparaapassagemdeembarcaçõesnãosejamintegradasaoprojetodaobra.Essetemortemlevadoassociaçõesdoagronegócioacolo-carolobbypelaseclusasentreseusobjetivosprioritários(verQuadro4).
Oescoamentodecommoditiesagrícolasatravésdahidrovianãoéaúni-caformadeexploraçãoeconômicadoterritórioempossívelconflitocomocomplexohidrelétrico.Agarimpagemdeouro,principalatividadeeco-nômicadaregiãodesdeadécadade1960,executada,sobretudo,deformailegal,podeserprejudicadapelocomplexo.Deacordocomalgunsestudos,osreservatóriosdasprincipaishidrelétricasinundariamgarimpos(verima-gens2,3e4).Aperspectivagerapreocupaçõesnapopulaçãolocal.
IMAGEM 2 | FLONA ITAITUBA II E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS
PARÁ
GARIMPOS INUNDÁVEIS DA FLONA ITAITUBA II
GARIMPOS
FLONA ITAITUBA II
FLONA ITAITUBA I
PARNA DA AMAZÔNIA
GARIMPODIAMANTE
FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012
21
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
IMAGEM 3 | FLONA ITAITUBA I E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
GARIMPOS INUNDÁVEIS DA FLONA ITAITUBA I
GARIMPOS
FLONA ITAITUBA II
APA DO TAPAJÓS
FLONA ITAITUBA IPARÁ
FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012
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IMAGEM 4 | APA DO TAPAJÓS E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS
GARIMPOS INUNDÁVEIS DA APA DO TAPAJÓS
GARIMPOS
FLONA ITAITUBA I
APA DO TAPAJÓSI
FLONA ITAITUBA II
PARÁ
FLONA CREPORI
FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012
23
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
REGIÕES BENEFECIADAS
• A hidrovia servirá para escoar principalmente a produção das regiões oeste e médio-norte do Estado, que concentram mais da metade da produção agrícola.
• Serão transportados pela hidrovia grãos para exportação e para abastecer o Nordeste brasileiro.
HIDROVIA TAPAJÓS-TELES PIRES
Existem projetos alternativos de construção da hidrovia (ver Imagem5),semnecessariamentepassarpelocomplexohidrelétrico,realizandoobrasderemoçãodeobstáculosderochasetrechosarenosos.Noentan-to,alicitaçãodaHidroviaTapajós-TelesPiresaindanãosaiudopapel.
Houve uma tentativa de licitação em 2012, que foi suspensa pararevisão do edital. Especula-se que, em razão do custo estimado daobra, ela não teria atraído o setor privado. De acordo com a Associa-çãodosProdutoresdeSojaeMilhodoEstadodoMatoGrosso,comahidrovia, o custo de transporte por tonelada de soja cairia de R$ 227paraR$60,representandoumaeconomiadeR$2bilhõesanuais.10
10. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2012/09/1149127-hidrovia-no-para- deve-reduzir-em-r-2-bi- custo-de-frete-de-graos- do-mt.shtml
IMAGEM 5 | CORREDOR LOGÍSTICO DO TAPAJÓS
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
PRINCIPAIS PORTOS
TRECHOS COM PROBLEMAS DENAVEGAÇÃO
TRAJETO DA HIDROVIA
FERROGRÃO – (LUCAS DO RIO VERDE (MT) /MIRITITUBA (PA)
RODOVIASMT
PA
AM
SANTARÉM
ITAITUBA
JACARECANGA
APIACÁSInício dahidrovia
BUBURÉ
SÃO LUIZ DO TAPAJÓS
CACHOEIRAS
ROCHASE AREIA
ARENOSO
RIO
JURU
ENA
RIO TELES PIRES
RIO
TAPA
JÓS
BR-230
BR-163
FONTE: Folha de S. Paulo, 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/09/1156103-licitacao-de-projeto-da-hidrovia-tapajos-teles-pires- e-suspensa.shtml
24
AtualmentetramitanoCongressoNacionalumprojetodedecretole-gislativo(PDC119/2015)paraaimplementaçãodeobrasqueviabilizemahidroviaparaanavegaçãonosriosTapajós,TelesPireseJuruena11.
Mas enquanto o Complexo Tapajós não sai das páginas dos pla-nos decenais da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a HidroviaTapajós-TelesPiresnãosaidossonhosdosruralistasdoCentro-Oeste,o capitaldoagronegóciomobiliza alternativasparaa saídapeloNortedopaís,emsubstituiçãoaoescoamentohoje realizadoprincipalmenteporportosdoSudeste.EscoandodiretamentenoAtlânticoNorte,eco-nomiza-setempodenavegaçãoatéaEuropa—segundomaiordestinodasojabrasileira—eatéaChina,viacanaldoPanamá.Essaeconomiadetempoéespecialmentesignificativaparaafronteiradeexpansãodasoja,maisdistanteecomumalogísticamaisproblemáticarumoaospor-tosdoSudeste.Sãoessastambémasregiõesondeomonocultivodogrãomaiscresce:onortedoMatoGrosso,osulesudestedoParáearegiãodoMATOPIBA—englobandoosuldoMaranhão,todooTocantins,osuldoPiauíeooestedaBahia.
Mesmocomomelhoramentologístico,ochamado“ArcoNorte”nãopassariaaseroportodesaídaprincipaldasojaexportadapelopaís,masteriatudoparasetornaroeixomaisdinâmico:ocrescimentodecargaexportadaentre2015e2025,estimadoporumacorporaçãotransnacio-nalfinanceiraholandesa(Rabobank,2016),éde288%paraosportosdoPará(SantarémeBarcarena)eAmapá(Santana),166%paraManause53%paraSãoLuísdoMaranhão(Itaqui)eSalvador.Nomesmoperíodo,osportosdoSuleSudeste(RioGrande,Paranaguá,SantoseVitória)de-vemcrescer2%emvolumedecargaexportada.Emnúmerosabsolutos,noentanto,ovolumeexportadopelosportosdessaregiãomaishistorica-menteestabelecidaaindacorresponderáamaisdametadedototal,seasestimativaspublicadaspelobancoholandêsseconfirmarem.
Buscando viabilizar o Arco Norte, já em 2011 o Projeto Nor-te Competitivo (PNC) — um estudo de eficiência logística con-tratado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pe-las federações das indústrias dos nove estados da Amazônia Legal— concluiu que a pavimentação da BR-163 e a hidrovia Juruena-Tapajós12sãoprojetosaltamenteprioritáriosparaosetor.
11. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ficha-detramitacao?idProposi-cao=1307295
12. O PNC enfatizou a hidrovia pelo rio Juruena e não pelo outro formador do Tapajós, o Teles Pires. No entanto, nos debates posteriores sobre a possível inclusão da hidrovia no PAC 2 (que aca-bou não acontecendo em razão da avaliação declara-da de que o projeto era de-masiado complexo) e sobre a importância da hidrovia, a rota Tapajós-Teles Pires esteve em maior evidência.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
BR-163
ABR-163foiinauguradaem1973,naépocadodesenvolvimentismomi-litarnaAmazônia.Desdeentão,opéssimoestadodaestradaalimentoua demanda por sua pavimentação durante muito tempo. No entanto,comoospovosdaflorestabemsabem,estradasmaistrafegáveisgeramaumento de fluxos. De tudo. De mercadorias, de pessoas, de ameaçassobreaflorestaeamodosdevidamenosmediadospordinâmicascapi-talistas.Aexpressão“espinhadepeixe”éfrequentementeutilizadaparasereferiraosrasgosnaflorestaparaatividadeseconômicas(emespecial,extraçãomadeireiraeposteriormentepastagensparagado)nasbordasdegrandesestradas.Otemoremtornodaintensificaçãodessasatividadesge-rouumimportantedebatesobreodesenvolvimentoterritorial13daregiãoemrespostaaoanúnciodoasfaltamentodaBR-163em2003nogovernoLula.EsseprocessodesembocounoPlanodeDesenvolvimentoRegionalSustentávelparaaÁreadeInfluênciadaRodoviaBR-163,maisconhecido
IMAGEM 6 | COMPLEXOS PORTUÁRIOS DO ARCO NORTE
13. Gavriloff, Alexandre; et al. Amazônia revelada: Os des-caminhos ao longo da BR-163. São Paulo: CNPQ, 2005.
Araújo, Roberto, Edna Cas-tro, Gilberto Rocha, Maria Elvira Sá, Armin Mathis, Maurílio Monteiro, Claudio Putty, Raimunda Monteiro, Otávio Canto e José Bennati. 2008. Estado e Sociedade na BR-163: desmatamento, conflitos e processos de ordenamento territorial. In: Castro, Edna (orgs.). Socie-dade, território e conflitos: BR-163 em questão. Belém: NAEA.
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
ETC PORTO VELHO
ETC MIRITITUBA
SANTARÉM
ITACOATIARA
ETC MARABÁ
PORTO DE SANTANA
SÃO LUÍS
SALVADOR
BARCARENA
PORTO DE ILHÉUS
ARCO NORTE
FONTE: Ministério da Agricultura, 2015.
26
comoPlanoBR-163Sustentável,lançadopelogovernofederalemjunhode2006.Asavaliaçõesdosmovimentossociaislocaissobreaimplemen-taçãodoplanoenvolvemumsentimentodefrustração.Odesmatamentodescontroladoentre2004e2013noentornodarodovia—nacontramãodesuadiminuiçãonoconjuntodaAmazônia14—confirmaostemores.
14. h t t p s : / / t h e i n t e r c e p t .com/2017/02/20/de-sorri-so-a-santarem-industria--da-soja-transforma-ba-cia-do-tapajos-em-um-ta-buleiro-de-grandes-obras/ ?comments=1#comments
Posto em construção na BR-163
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Apesar de objetivos e razões diametralmente opostos, os ruralistastampoucoestãosatisfeitos.Desdeoanúnciodapavimentaçãoem2003,asagroestratégiasdosetorseconsolidaramnoestabelecimentodepor-tos nas margens do Tapajós, mas parte da rodovia continua sem pavi-mentaçãoeduranteépocasdeintensachuva,osatolamentoscostumaminviabilizarotráfego.Aobratambémtemsidoatravessadapordisputaspolíticas:BlairoMaggi,ruralista,entãosenadore,atualmente,ministrodaAgricultura,teriapressionadoparaqueasobrasdepavimentaçãofos-sematéMiritituba,excluindo172kmeisolandoSantarémeoportodaCargill15.Oprojetofoianunciadodestaformaem2004eaindahojeesteéotrechomenosavançadodarodovia.
AOdebrechtTransport(OTP),empresaquecontrolaaconcessioná-riadarodoviaRotadoOeste,nãotemobtidoosempréstimosnecessá-rios do BNDES para a continuidade da obra em razão da insegurançajurídicanocontextodaLavaJato,levandoaempresaaatécolocaracon-cessionáriaàvendaemnovembrode201616.UmaoutrasoluçãopensadapassapelareestruturaçãosocietáriadaprópriaOTPpeloBNDES17,queétantoacionista(viaBNDESPar)comofinanciadordoempreendimen-to. O problema não é um fato isolado, mas atravessa o contexto atualdosanúnciosdeinteressedasempresaschinesasemconcessõesdein-fraestruturanoBrasil,jáqueasempreiteirasbrasileirasnãopodemdarcontinuidadeaobrasimportantes.Mesmoastratativasdevendaparcialoutotaldealgumasdestasempresasagruposchinesestêmsido invia-bilizadasdiantedafaltadesegurançajurídicaemrelaçãoaseusativos.
A situação já levoualgumas tradings adiversasvezesconsideraremavalizaremempréstimosparaquesepossafinalizaraobradepavimen-taçãodaBR-163deformamaiscélere18.Apesardetudoisso,semprequeascondiçõesdaestradapermitem,ascarretasdoMatoGrossocontinu-ampercorrendointensamenteosquase2milkmrumoaosnovostermi-naisportuáriosdooestedoPará.
15. h t t p s : / / t h e i n t e r c e p t .com/2017/02/20/de-sorri-so-a-santarem-industria- da-soja-transforma-bacia- do-tapajos-em-um-tabu-leiro-de-grandes-obras/ ?comments=1#comments
16. http://www.valor.com.br/empresas/4781631/odebre-cht-coloca-venda-controle- de-rodovia-no-mt
17. http://www.valor.com.br/empresas/4845402/nego-ciacao-com-bndes-para- odebrecht-transport
18. http://www.valor.com.br/agro/4891398/tradings- podem-avalizar-pavimen-tacao-da-163
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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ESTAÇÕES DE TRANSBORDO DE CARGAS
AindaqueessecorredorlogísticoprioritáriodoArcoNortemobilizeoimagináriodosruralistasdoCentro-Oesteháanos,foramduastradingsnorte-americanasaspioneirasnoaproveitamentodospotenciaisdees-coamentodegrãosdiretamentepeloAtlânticoNorte.ACargillcomeçouaoperarseuterminaldetransbordodecargasemSantarémem2003,mesmosemobter licençapara tal.Fechao triênio2014-2016comin-vestimentosda ordemdeR$675 milhõesem infraestrutura logísticaeportuárianoBrasil,82%dosquaisnoArcoNorte,deondepretendeex-portar5,5milhõesdetoneladasanuais19.Comosinvestimentos,ogruposaltoudasextaposiçãoentreosexportadoresdasojanoBrasilem2014paraaquartaposiçãoem2016,encostandoemsuamaiorconcorrente,aBunge.AapostaéapoiadapelamatrizdogrupoeconômiconosEstadosUnidos,jáqueoBrasiléomaiorexportadordegrãose,portanto,impor-tantenaestratégiaglobaldaCargill20.
OportodeSantarémnãoserveapenasaocarregamentodegrãosquechegamdoCentro-OestepelaBR-163.Eleacabouviabilizandoaexpan-sãodomonocultivodesojanoplanaltosantareno,emespecialnomuni-cípiovizinhodeBelterra(GayosodaCosta,2011).Outrasempresases-tãointeressadasnasconcessõesportuáriasemSantarém,masogovernotemtidodificuldadederealizarosleilões,emespecialpelapercepçãodeinsegurançajurídicapelosetoremmeioàcrisepolíticadopaís21.Alémdisso,amobilizaçãopopularemSantarémcontraosempreendimentoséintensa,emespecialdascomunidadesquilombolasedeoutrospovostradicionaisnaregiãodoMaicáquedemandamoDireitoàConsultaLi-vre,PréviaeInformadadeacordocomaConvenção169daOITeapar-tirdeseusprotocoloscomunitáriosdeconsulta22.
ABungeestabeleceuem2014suaestaçãode transbordodecargas(ETC)emMiritituba,umdistritodeItaituba,namargemdireitadorioTapajós, inaugurandoumanovatendênciaparaosetor:apartirdaex-periênciadaCargill,queenfrentoua resistênciadeumapulsantemo-bilização popular em Santarém, as tradings passaram a mirar seu alvono entorno de Itaituba. Três outros terminais estão atualmente em
19. http://www.valor.com.br/agro/4529437/cargill-am-plia-aporte-em-logistica- no-brasil
20. http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/cargill- preve-investimento-de-r- 600-mi-no-brasil
21. h t t p : / /a g e n c i a b r a s i l .e b c . c o m . b r/e c o n o m i a /noticia/2016-06/marca-do-para-sexta-feira-lei-lao-de-area-no-porto-de-santarem-e-suspenso
22. h t t p : / /t e r ra d e d i re i t o s .o r g . b r / 2 0 1 6 / 0 6 / 1 5 /m p f - t r i b u n a l - m a n t e m suspensao-do-licencia-mento-de-porto-no-mai-ca-em-santarem/
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
construçãoemMiritituba (dasempresasCargill,CianporteHidroviasdoBrasil)e4ETCsprevistasparaomunicípiovizinhodeRurópolis(dasempresasOdebrechtTransport,LouisDreyfusCommodities,BertolinieCianport)jáestãoemprocessodelicenciamentoambientalnaSecre-tariadeMeioAmbienteeSustentabilidade(SEMAS)doestadodoPará,emBelém.ABertolinijáoperaumterminaldemenorporteemMiriti-tubaquenãoseencontradocumentadoemnenhumafontepesquisada,mas que visitamos em pesquisa de campo. A empresa do Ministro daAgriculturaBlairoMaggi(Ammagi)estáoperandoemjoint-venturecomaBungeemMiritituba.Especula-sequeoutrasempresastenhamcom-pradoterraseplanejeminiciarolicenciamentodeoutrosterminaisnaregião(verQuadro1).
Da esquerda para a direita: ETC Hidrovias do Brasil, ETC Rio Turia (Bunge + Amaggi) e ETC Cianport vistas da cidade de Itaituba
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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QUADRO 1 | ESTAÇÕES DE TRANSBORDO DE CARGAS (ETC) NO MÉDIO TAPAJÓS
EMPRESA LOCALIZAÇÃO STATUS DO EMPREENDIMENTO
Bunge e Ammagi em joint-venture (ETC Rio Turia)
Miritituba (Itaituba)
Em operação desde 2014. Em julho de 2016, a empresa vendeu 50% das operações desta ETC à Ammagi por US$ 145 milhões.
Cianport (ETC Itaituba)
Miritituba Em construção.
Santarenzinho (Rurópolis)
Comunitários de Santarenzinho (Rurópolis) alegam que a empresa comprou terra na área. Investimento confirmado de acordo com notícia da SEMAS/PA. Licença de instalação emitida de acordo com a SEMAS/PA.
Cargill Miritituba Em construção.
Hidrovias do Brasil SA (ETC HBSA Tapajós)
Miritituba Em construção.
Bertolini (ETC Rurópolis)
Santarenzinho Em licenciamento prévio.
Miritituba Não encontramos registros, mas visitamos um terminal de transbordo da empresa em operação em Miritituba.
Odebrecht Transport (ETC Santarenzinho)
Santarenzinho Com licença prévia.
Louis Dreyfus Commodities (LDC Tapajós)
Santarenzinho Em licenciamento prévio.
ETC Unirios Miritituba
A empresa é proprietária de três terrenos em Miritituba (ver Quadro 3). Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) em elaboração de acordo com a Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós (ATAP).
Brick Logística (ETC Via Norte) Santarenzinho EIA/RIMA em elaboração de acordo com a ATAP.
Amaggi SantarenzinhoComunitários de Santarenzinho alegam que a empresa comprou terra na área. A ATAP também divulga futura ETC da empresa na área.
Cevital Miritituba
Segundo a mídia especializada, a empresa comprou terrenos em Miritituba e Santarém. De acordo com levantamento cartorial, a empresa teria um arrendamento de terra em Miritituba. Não há registros de processo de licenciamento nestes locais. Um terminal portuário da empresa em Barcarena está em licenciamento.
Caramuru Miritituba Investimentos previstos de acordo com a mídia especializada.
ChibatãoLocalização
não confirmadaInvestimentos previstos de acordo com a mídia especializada
Mobile Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.
Cantagalo Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.
DSR Paraná Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.
Ipiranga Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.
Julio Simões Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.
Reicon Miritituba Investimentos previstos de acordo com a mídia especializada. A empresa era proprietária de um terreno em Miritituba, mas repassou à Cargill em acordo (ver Quadro 3).
Elaboração da autora.
FONTES: SEMAS (https://www.semas.pa.gov.br/2014/05/28/sema-mostra-dados-de-reestruturacao-da-logistica-portuaria-no-para/); ATAP (ATAP e ATOC. 2014. Logística da Região Norte para o Agronegócio: Estações de Transbordo de Cargas e Terminais Portuários (Amazônia); VALOR ECONÔMICO. 31
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
OsterminaisnaregiãodeItaitubanãosãoaúltimaparadaantesdasaídadacargaparaoAtlântico,massimumpontoestratégicodetrans-bordonocorredormultimodal.Daí,acargapartepelorioTapajósede-poispelorioAmazonasrumoaportoslocalizadosemBarcarenanonor-desteparaense,emSantananoAmapáounaIlhadeMarajó,deondeétransferidaparaembarcaçõesdemaiorportequeseguemparaodestinofinalnoexterior(verQuadro2).
QUADRO 2 | CADEIA LOGÍSTICA DAS ETCs
EMPRESALOCALIZAÇÃO NO TAPAJÓS
LOCALIZAÇÃO DO TERMINAL PORTUÁRIO PARA EXPORTAÇÃO
Bunge – Ammagi MirititubaTerfron (Terminal Portuário Fronteira Norte) em Barcarena em operação
Cianport (ETC Itaituba) Miritituba e Santarenzinho Santana do Amapá em operação
Cargill Miritituba Santarém em operação
Hidrovias do Brasil SA (ETC HBSA Tapajós) Miritituba Barcarena em operação
Bertolini (ETC Rurópolis) Miritituba e SantarenzinhoBarcarena (através de parceira com o porto da joint-venture ADM/Glencore)
Odebrecht Transport (ETC Santarenzinho) SantarenzinhoA empresa desistiu do projeto em Barcarena em razão da Operação Lava Jato
Louis Dreyfus Commodities (LDC Tapajós) Santarenzinho Marajó (terreno comprado)
Elaboração da autora.
FONTES: VALOR ECONÔMICO, SITES DAS EMPRESAS Entreosinvestimentosdocumentadosemrazãodoestágiodelegaliza-
çãodoempreendimentoeosanúnciosnamídiaespecializadadeaquisiçãodepropriedadedeterracomvistasainvestiremnovosterminaisnaregião,estima-sequemaisde20portospassarãoaoperarnaregiãodeItaitubaeRurópolisnapróximadécada23.Aestimativaéaproximadaporquenãoháumsóagenteno território—dospoderespúblicos locaisaoMinistérioPúblico,deempresáriosdaregiãoaosmovimentossociais—queafirmemterumnúmeropreciso.Afaltadeinformaçãosobreosempreendimentoséendêmica.Easprefeiturasdaregião,aindaquenãoseoponhamàchega-dadosinvestimentos,formaramumconsórcioparabuscarincidirsobreodestinodosrecursosmovimentadospelosempreendimentos.
Emumdebatepúblicocomprefeitos,secretáriosmunicipaisevere-adores,emaudiênciadoMinistérioPúblicoEstadual(MPE)doParáem
23. Notícia da SEMAS/PA fala em nove terminais portu-ários em Itaituba e 17 em Rurópolis, totalizando 26.
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
32
Itaituba,nodia24demaiode2015,erageraloceticismodapopulaçãopresente de que as intenções dos poderes públicos locais envolvessemqualquercoisaalémdaapropriação/aproveitamentopelosgruposmaisinfluentesdosroyaltiesederecursosresiduaisassociadosaosempreen-dimentos.Era,noentanto,compartilhadaa sensaçãodeque todoses-tavamsendoatropeladosporempreendimentosqueatendiammaisaosinteressesexternosdoqueaqualquervisão—mesmoquemalestrutu-rada,nãocompartilhadaounãopublicamentedebatida—dedesenvol-vimentoterritorial.
Os atropelamentos são mais do que simbólicos,no entanto. DesdequeoportodaBungecomeçouaoperar,ofluxodecarretasvindasdoMatoGrossopelaBR-163cresceuexponencialmente, causandoengar-rafamentos,poluiçãosonoraedoar,mortesnasestradaseaexploraçãosexualdeadolescentesnospostosdetriagem.
Audiência Pública do MPF sobre a UHE São Luiz do Tapajós em Itaituba em 25 de maio de 2016
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Essespostossãopartedacadeia logísticamultimodaldarodoviaàsestaçõesdetransbordo,comtanquesdeabastecimentodecombustível,áreadeconveniênciaepátiosextensosondeascarretasaguardamcomumasenhasuavezdedescarregarosgrãosnoterminalportuário.Alémdas terras na beira do rio para estabelecer as ETCs, as empresas têmcompradotambémterrenosaolongodarodovia,emespecialnaalturadoKm30,noentroncamentodaBR-163edaRodoviaTransamazônica.Emconsequência,opreçodaterraemtodaaregiãoexplodiuempoucosanos.Apartirdeumaanálisesuperficialdacadeiadominialdestesimó-veis,contidasnos registroscartoriaisacessados (verQuadro3),épos-sível afirmar que houve grilagem de terras públicas em muitos destesprocessos.UmainvestigaçãomaisdetalhadapeloInstitutoNacionaldeColonização e Reforma Agrária (Incra) permitiria avaliar os mecanis-moseaextensãodasilegalidadesfundiárias.
Carretas na BR-163
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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Posto de triagem da Bunge
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
QUADRO 3 | A EXPLOSÃO DO MERCADO DE TERRAS EM ITAITUBA
ETC RIO TURIA (BUNGE)
A empresa Rio Turia Empreendimentos e Participações Ltda., com sede em São Paulo e representante da Bunge no
Brasil, comprou um terreno de 36 hectares para a construção de sua ETC em julho de 2004 por 900 mil reais. De
acordo com a cadeia dominial da propriedade, o vendedor, uma empresa local (SOMA — Souza Madeiras, Ltda.),
tinha comprado o imóvel rural dois meses antes (em maio de 2004) por 5 mil reais de uma agricultora/camponesa
que tinha acabado de quitar no dia anterior o imóvel, cujo domínio da terra havia sido emitido pelo Incra em seu
nome no ano 2000 sob condição de pagamento em prestações de um total de R$ 1.208,89.
ETC CARGILL
A empresa Cargill Agrícola S/A, com sede em São Paulo, comprou a propriedade de 70 hectares para a construção
de sua ETC por 3 milhões de reais em janeiro de 2011. O vendedor tinha comprado o imóvel rural de um agricultor
de nome Raimundo por 20 mil reais em 2003.
Em junho de 2015, a Cargill recebeu outra propriedade em Itaituba da empresa Reicon — Rebelo Indústria,
Comércio e Navegação LTDA para quitar uma hipoteca entre ambas. O valor atribuído ao imóvel para efeitos da
transação foi de 4 milhões de reais. A Reicon havia adquirido esta propriedade de 6 hectares do mesmo agricultor
Raimundo em 2001 por 30 mil reais.
HIDROVIAS DO BRASIL (HBSA)
A empresa Hidrovias do Brasil — Miritituba S.A., com sede em São Paulo, adquiriu um imóvel de 10 hectares
em julho de 2011 por R$ 4,5 milhões de um empresário de Santarém. Este havia adquirido o imóvel do agricultor
Raimundo exatos treze dias antes por 50 mil reais.
A HBSA tem hipotecado o imóvel como garantia em empréstimos. Em fevereiro de 2015, recebeu empréstimo de
R$ 404 milhões do Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Banco da Amazônia e outros. O imóvel foi avaliado na ocasião
pelas partes por R$ 4,24 milhões. A hipoteca foi cancelada em julho de 2016. Em junho de 2016, uma nova hipoteca
garantiu um crédito (de valor não especificado no registro do imóvel) do BNDES, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e
Banco da Amazônia. O imóvel (incluídas suas benfeitorias) foi então avaliado entre as partes por R$ 8,5 milhões.
UNIRIOS
A empresa Unirios Rodoflovial e Logística LTDA, com sede em Vitória do Xingu — PA, adquiriu um imóvel de 15
hectares de um comerciante residente em Itaituba em fevereiro de 2013 por 150 mil reais. O proprietário anterior
havia adquirido este imóvel do agricultor Raimundo por 50 mil reais em 2005.
Um mês antes, em janeiro de 2013, a Unirios já havia adquirido dois outros imóveis de propriedade do agricultor
Raimundo. Um de 2 hectares e outro de 11 hectares, cada um por 15 mil reais.
Elaboração da autora. FONTE: Cartório de Registro de Imóveis de Itaituba – PA.
NOTA: O cartório não encontrou registro do imóvel da ETC da empresa Cianport, que deve estar em nome de outra pessoa/empresa.
Segundo informações, a empresa Cevital tem um registro de arrendamento de terra, mas não tivemos acesso a este.
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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SantarenzinhopertenceadministrativamenteaomunicípiovizinhoaItaituba,Rurópolis.Estánolimiteentreosdoismunicípiosemaispró-ximadeMirititubaoudacidadedeItaituba(queficanamargemopostadorioTapajós)doquedazonaurbanadeRurópolis.Hárelatosdedis-putasentreosdoismunicípiossobreocontroleadministrativodaárea,oquenãosurpreendedadooafluxodeinvestimentosali.Umavezesgota-dososimóveisruraisnamargemdireitadorioTapajósemMiritituba,osinvestidoresdirigiramsuaatençãoaSantarenzinho,namesmamargem.Nãotemosdadosprecisossobreacompradeterrasnaárea,cujosregis-troscartoriaisencontram-senacidadedeRurópolis.MasocruzamentodedadosdaSEMAS/PA,denotíciasdamídiaespecializada(ValorEco-nômico)edeinformaçõesobtidasempesquisadecampocompõemumpanoramadosinvestimentosnalocalidade(verQuadro1).
Saindo da BR-163, estrada para acesso local à área onde estão previstas as ETCs em Santarenzinho
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Empesquisadecampo,encontramosumaáreaqueestásendoterrapla-nadapara,segundorelatosdosmoradoresvizinhosquepersistemnolocal,nivelaroterrenocomorio.Fragmentosdeartefatosarqueológicosvisíveiseramabundantesempequenosamontoadosdeterrapretaespalhadospeloterreno.OachadocondizcomosaberarqueológicoquereconheceoTapajóscomoumdosterritóriosdeocupaçãomaisantigadaAméricadoSul,estima-daemaomenos10milanos(Fausto,2000).Algunsdosgrafismosdascerâ-micasencontradasnasescavaçõescorrespondemaosgrafismosqueosíndiosMundurukusaindahojepintamsobreaprópriapele.Alémdos“exemplarescerâmicosmaisantigosconhecidosnasAméricas,datadosemaproximada-mente8.000AP[AnosAntesdoPresente]”(RochaeOliveira,2016,p.398),asescavaçõesarqueológicasemdezenasdesítiosaolongodetodaabaciaen-contrarampontasdeprojétileartefatosdepedralascadaepinturasrupestres.Aterraplanagemestavadestruindoumimportantepatrimônioculturaldospovosdafloresta,semocultaçãoeemplenaluzdodia,masinvisívelàsnar-rativasdeprogressoquerelegamaocupaçãomilenardaqueleterritórioaoregistrodo“arcaico”,“atrasado”,“emnecessidadedemodernização”e,nãorarasvezes,aototalostracismoouaostatusdainexistência.
Navizinhançadaáreasendoterraplanada,encontramosumafamíliadepescadoresquevivehádécadasnabeiradorioTapajós.Quemconhe-ceaspraiasdaregiãosabedabelezadocontrastedaságuasazuiscomafloresta.Acasasimplesestáapoucosmetrosdeumapraiadeondetiramáguaparatudoedeondepartemparapescareestácercadaporterrenosvazioscompradosporempresasdiretamentedasmãosdosparentesevi-zinhosdelongadatadaquelafamília.
Dentre as empresas que reconheciam ter comprado terreno na áreaestavam Odebrecht, Cianport e Amaggi, além de conhecido político eempresáriolocalqueteriaadquirido“trêsterrenos”,possivelmentecomo“laranja”ouatravessadordosnegóciosdas tradings.Segundorelatam,asprimeirasfamíliasavenderemsuasterrasofizeramporvaloresentre100e150milreais.Aúltimadasvendasteriasidofeitaporumavizinhapor2milhões.“Elasoubeesperar”,disseram.Elestinhamtambémrecebidoumaoferta,de5milhõesdereais,erecusado.Nãoescondiamestarespe-culandoumapróximaoferta.Entendiamque,umavezquecomeçassemasobrasnosterrenosvizinhos,seriaimpossívelpermanecerali.
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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Terreno sendo terraplanado para futura instalação portuária em Santarenzinho
Fragmentos arqueológicos em terra preta, removidos pela terraplanagem
Casas de famílias cercadas por terrenos vendidos para instalações portuárias em Santarenzinho
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
As compras das terras concretizavam a fricção de territorialidadesantagônicas—doEstado,docapitalesubalternas/insurgentes—tãoin-compatíveisqueodesembarquedeumadeterminavaaaniquilaçãodaoutracomotalesuatransformação.Osinvestidoresesuasfontesdefi-nanciamentosvêmdaspartesmaisdiversasdomundo,sematerializan-doaliemempreendimentoslogísticos.
Diferentemente do complexo hidrelétrico, os terminais portuáriosnão mobilizaram muita resistência em Itaituba. Não estando em umaáreadeafetaçãodiretadeTerrasIndígenas(TIs),aomenosnãoempro-cessodeautorreconhecimentocomotal,asfamíliasquevivemdapesca,agriculturaedoagroextrativismosofremcomainvisibilidade,oamplodesconhecimentodeseusdireitos—inclusiveseusdireitoscomopovosecomunidadestradicionais—epartemdapercepçãodeinexorabilidadedosempreendimentos.PartedasmobilizaçõesacontecidasemMirititu-baenoKm30foramdirecionadasnãoaospoderespúblicos,masàATAP(verQuadro4),embuscadereassentamentosebenfeitoriasquepudes-semsuprirodéficitdeserviçospúblicos.Comoacontececomfrequên-cia,quantomenosasseguradospelospoderespúblicosestãoosdireitosdaspopulações,maisestessetransformamemmoedadebarganhaparaospoderesprivadosque investemna localidade.OMinistérioPúblicoFederal(MPF)noParátematuadocadavezmaisnaárea,demandandoestudos integrados de impacto dos diversos empreendimentos em im-plementação,planejadoseprevistos,quesesobrepõemali.
Associação de terminais privados realizam obras de interesse público em convênio com a prefeitura de Itaituba
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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QUADRO 4 | ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS
NOME ANO INTEGRANTES OBJETIVOS AUTODECLARADOS
ATAP – Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós
Novembro2012
Bertolini, Brick Logística*, Cargill, Chibatão Navegações, Cianport, Hidrovias do Brasil, Odebrecht Transport (OTE), Reicon, Rio Turia (Bunge) e Unirios
*Preside a ATAP e a ATOC (Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tocantins)
• Perseguir o uso compartilhado das águas: – O risco à navegabilidade oferecido
pelos barramentos hidrelétricos – Construção de eclusas nos
barramentos
• Defender a ampliação e manutenção da malha hidroviária: – Obras, dragagens, balizamento e
sinalização
• Enfrentar os desafios socioambientais – Mitigações, compensações e
desenvolvimento local
Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja)
Fevereiro 2005
Ruralistas do estado Desenvolve ações e projetos que visam ao crescimento sustentável da cadeia produtiva da soja e do milho em Mato Grosso
Movimento Pró-Logística – Mato Grosso
Agosto2009
Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (AMPA), Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Organização das Cooperativas Brasileiras em Mato Grosso (OCB/MT), Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (FIEMT), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso (Fecomércio/MT), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso (CREA/MT), Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e Instituto Ação Verde.
Articular a implantação e manutenção da infraestrutura de logística federal e estadual em Mato Grosso e nos acessos aos portos, por meio de:
• Articulação diretamente em Brasília e em Mato Grosso junto aos Poderes Executivo e Legislativo;
• Realização de Simpósios;
• Participação em Câmaras Setoriais e Conselhos;
• Estradeiros com formação de caravanas para percorrer rodovias e verificar in loco a implantação ou a situação de conservação, com participação de produtores, empresários, técnicos dos governos federal e estadual.
• Desenvolvimento de estudos econômicos sobre as áreas de influência das rotas de escoamento da produção.
FONTES: ATAP, APROSOJA.
41
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
FERROVIA
Comosenãobastassemtodososempreendimentosplanejadoseemim-plementaçãonaregião,asegundafasedoPIL,de2015,incluiuumpro-jetodeferroviaentreonortedoMatoGrossoeItaitubapara integrarocorredorlogísticomultimodaldeescoamentodosgrãosdoMatoGrossopeloTapajós.Oprojetocomeçouasergestadoporempresasdoagronegó-cioem2012,apósanúnciodogovernodenovasconcessõesferroviárias,que,naquelemomento,foramavaliadaspelasempresascomoinsuficien-tesparaescoarosnovosfluxosdecommoditiesagrícolasqueconvergiampara o Arco Norte. Segundo o presidente da empresa estruturadora doprojeto,aEstaçãodaLuzParticipações(EDLP),amigodelongadatadoentãosenadorBlairoMaggi,ambosiniciaramosdiálogoseconvidaramaLouisDreyfus,depoisaCargill,aBungeefinalmenteaADMparacomporogrupo“Pirarara”eformataroprojeto24.Emcomum,astradingstinham,sobretudo,apresença(ouintençãodeestarpresentes)noArcoNorteeainsatisfaçãocomoescoamento saturadoepoucoestratégicogeografica-menteviaportosdoSuledoSudeste.Algunsanosdepois,aferroviafoiincluídanosplanosdogoverno,jábatizadacomonomedeFerrogrão.
Oempreendimentojáteveseusestudosdeviabilidade—realizadospelaEDLP—aprovadospeloMinistériodosTransportes.Segundoes-tes,aferroviaterá930kmdeextensãoentreSinop(MT)eItaituba,ca-pacidadede30milhõesdetoneladasporanoecustodeR$11,5bilhões,70%dosquaisfinanciadospeloBNDES25.Osnúmerosdiferemdosdi-vulgadospeloPILem2015paraa ferrovia: com1140kmdeextensãototalentreLucasdoRioVerde(MT)eItaituba,osinvestimentosproje-tadosparaaFerrogrãopeloprogramaforamde9,9bilhõesdereais.Osetorprivadoprevêumareduçãoem40%nocustodofretedasojaedomilhocomaoperaçãodaferrovia26.
Oconsórciode tradingsquetemdefendidoomegaprojetoferroviá-rioconsideratrêspossibilidades:“uminvestidorbancarintegralmenteocustodoprojeto;umaassociaçãocomoutracompanhia(comastradingseaEDLPcomoacionistasminoritários);ouarcarcomtodooaportene-cessário.Asegundaalternativaéapreferida.”27Dentreasdificuldades
24. http://www.valor.com.br/agro/4711597/ferrograo- marca-protagonismo-das- tradings
25. http://www.valor.com.br/agro/4425284/governo- aprova-estudo-para-fer-rograo
26. http://www.valor.com.br/brasil/4709095/setor-pri-vado-mostra-interesse- mas-aguarda-detalha-mento
27. http://www.valor.com.br/agro/4301872/tradings-ra-tificam-interesse-na-cons-trucao-da-ferrograo
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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detirá-ladopapelestáaexpectativadelongoprazonoretornodoinves-timentoeadificuldadedefinanciamentopúbliconocontextoatual.MasaentradadoprojetonoProgramadeParceriasdeInvestimentos(PPI)dogovernoemexercíciomostraquesuaprioridadenasagroestratégiasdo setor está sendo considerada condição suficiente para emplacá-lo.Umadassoluçõespensadaspelogovernoéampliaroprazodeconcessãopara50anosoumais28.AsinalizaçãodeinteressedeinvestimentopelaChinatambémconsolidaaviabilidadeeconômicadoempreendimento,anunciadopara ira leilãonosegundosemestrede2017.Umdos“en-traves”, a sobreposição com áreas protegidas no Tapajós, foi superadocomaassinaturadeumamedidaprovisória(MPnº758),emdezembrode201629,quealterouoslimitesdoParqueNacionaldoJamanximedaÁreadeProteçãoAmbientaldoTapajós(APATapajós),ambosestabele-cidosem2006justamentenocontextodecriaçãodeummosaicodeáre-asprotegidasnaqueleterritório.Certamentenãoseráoúltimocasoemqueoredirecionamentodoscorredoreslogísticos,refletindoadimensãodageopolíticachinesaeasagroestratégiasdosexportadoresdesoja,inci-dirásobreoordenamentoterritorialnaAmazôniabrasileira.
EntreasferroviasdoPIL,ocustodaFerrogrãoésomentemenordoqueoprevistoparaaBioceânica(ouTransoceânica),cujotrechobrasileiroestáorçadoem40bilhõesdereais.Com3,5milkmdeextensão,vaidesdeafronteiradoestadodoAcrecomoPeru,passandoporPortoVelhoemRon-dôniaeLucasdoRioVerdenoMatoGrossoatéomunicípiodeCampinorteemGoiás30.Daí,aferroviasegueatéoRiodeJaneiro.Oprojetoéconside-radoporalgunscomosendomaisumainiciativafederal—aventadadesdeogovernoLulaedinamizadapelosacordoscomaChinaduranteogovernoDilma—doqueumapropostaprioritáriaparaosetor.Esteaavaliacomodeexecuçãodesmasiadocomplexaecara—emespecialpelodesafioemcruzarosAndeseasáreasprotegidas—ecomprovávelfretemaisaltodoquesolu-çõeshidroviáriasouferroviáriasrumoaoAtlânticoNorte31.
Aindaassim,em2014e2015,osgovernosdoBrasil,ChinaePeruassinaram memorandos com as diretrizes dos estudos de viabilidadedaobra.AempresachinesaChinaRailwayEryuanEngineeringGroup(Creec), responsávelpela realizaçãodosestudos,depoisdegastar200milhõesdereaisnoslevantamentos,anunciouemjulhode2016queo
28. http://www.valor.com.br/brasil/4665859/temer-de-fine-concessoes-no-dia- 25-e-estuda-megaprazo- para-ferrovia
29. http://www.planalto.gov.br/ccivi l_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv758.htm
30. Site do PIL: http://www.logisticabrasil.gov.br/ Últi-ma visualização: agosto de 2016
31. http://www.valor.com.br/agro/4059496/ferrovia- ate-o-peru-e-recebida- com-ceticismo-por-tra-dings
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
megaprojetoéviável,podeserconstruídoemnoveanosecruzará,entreacostaperuananoPacíficoeoestadodeGoiás,umtotalde5milkmdeextensão32.
Oanúnciodoschineses tambémincluiuaprojeçãodeque37%dacargadegrãosdoMatoGrossosejatransportadapelaferroviaatéoPa-cífico,51%pelosportosdolitoralsulbrasileiroeapenas12%peloNortedo país. As ferrovias do Centro-Oeste aos portos do Arco Norte (Fer-rogrãoeFerroviaNorte-Sul)aindaestãoprevistasparaira leilão,masespeculaçõesapontamquearepartiçãoanunciadadascargasnestapro-porçãoentreoseixosinviabilizariaoscorredoreslogísticosqueapontamparaoNorte33.ConsiderandoaconvergênciadosinvestimentosdosetornoArcoNorte,muitosjárealizados,essaperspectivapodetornaraBio-ceânicaaindamenosinteressantedopontodevistadasagroestratégiasdosexportadoresdecommoditiesagrícolas.
A possibilidade de implementação da Bioceânica coincide com atendênciaglobalde investimentosem infraestrutura,que, levandoemconsideraçãoadimensãogeopolítica,temimpulsionadoainfraestruturalogísticadirigidaaoeixodoPacífico,comforteincidênciadadiplomaciachinesa, por meio de acordos bilaterais, e do capital chinês, por meiodacomprade terras (sobretudoempaísesquepermitemacompradegrandes porções de terra porentes estrangeiros) edaparticipaçãoemleilões de megaprojetos. Em um contexto de retração dos orçamentospúblicos, o apetite chinês por commodities e oportunidades de investi-mentosapontaparaaparticipaçãocadavezmaiordoscapitaisdessepaísemmegaprojetosextrativosedeinfraestruturanoBrasilenaAméricaLatina,comoseverámaisadiante.
OcasodoTapajósevidenciacomoosprogramaseplanosdeinvesti-mentosgovernamentaisemultilateraisvãoprovocandoreordenamentosespaço-temporaisnosterritóriosporondeestãoprevistosdecruzarem,mesmomuitotempoantesdeseconcretizarem.Estesservemcomore-ferênciaainvestidoresqueengrossamfrentesespeculativasembuscadeoportunidadesdeacumulação.
Se os poderes públicos e privados locais e os contrapoderes insur-gentessesentematropelados(aindaqueunsde formamaisassimétri-cadoqueoutros)porempreendimentosquechegamsemquetenham
32. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2016/07/1 79 0 57 1 - fe r rov i a - b i o -c ea n i c a - p a ra - l i g a r- o - brasil-ao-pacifico-e-via-vel-indica-estudo.shtml
33. Ibid
MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS
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participado das decisões que incidem sobre suas territorialidades, osagentesdocapitaltambémfazemapostasquepodemnãoteraretribui-ção esperada. A fundamental e insuperável diferença é que têm maistrunfos,maisacessoainformaçõesprivilegiadaseapoderososcanaisdeinfluênciasobreoscentrosdecisóriosnacionais,muitasvezesocupadosporagentesdesuaprópriafraçãodecapital.AbancadaruralistanoCon-gressoNacionaleocontrolemassivodosprincipaisministériosquepla-nejaramoinvestimentoeminfraestruturanosúltimosanossãopartedaestratégiadessebloconopoder(verQuadro4).
Noentanto,nenhumplanejamentoaterrissanoterritório talcomoprevistonaspáginasdedocumentosministeriais.Damesmaformaqueprovocareordenamentosespaço-temporaisemseuprocessodeaterris-sagem,cadaplanotambémprecisaencontraraderência,entremeadape-las fissuras inerentes aos conflitos territoriais pré-existentes e aos queprovocam(Hildyard,2016).Comoefeitoreverso,asterritorialidadesemconflitoperturbamomaiscartesianodosplanosgovernamentais.
Poroutrolado,astransformaçõesgeopolíticasedaeconomiamun-dial vão moldando o planejamento governamental e reformulando osplanos,confirmandoounãosuaviabilidadedeacordocomasterritoria-lidadesestataisecapitalistasemconfluênciaouconflito.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
TERRITORIALI-DADES EM
FRICÇÃO COMO RESULTADO
DE CONEXÕES GLOBAIS
UMA BREVE HISTÓRIA TERRITORIAL DO TAPAJÓS
Não é incomum os planejadores de grandes projetos e os investidoresdesconsiderarem em suas estratégias os grupos sociais estabelecidos eem situação de subalternização, tratando regiões que consideram “re-motas” como espaços vazios. A história da ocupação não-indígena naAmazôniabrasileira—dasexpediçõesnos temposcoloniaisàMarchaparaoOestedeGetúlioVargase,posteriormente,aosprogramasdeco-lonizaçãodaditaduramilitar—podeserresumidanolema:“terrasemhomensparahomenssemterra”34.Amesmalógicapermanecesubjacen-teaosgrandesprojetosde investimentoaindahoje:mesmoquandoospovos da floresta não são ignorados completamente, considera-se queestes,emúltimainstância,sebeneficiarãoda“modernização”edo“pro-gresso”.Oquenãoficasempreexplícitoéqueosprojetosserãoimple-mentadosatravésdeesforçosdedesterritorializaçãodessespovosparadarlugaraomodernoempreendimento:
“Separarosíndios(etodososdemaisindígenas)desuarelaçãoorgâni-
ca,política,social,vitalcomaterraecomsuascomunidadesquevivem
daterra—essaseparaçãosemprefoivistacomo ‘condiçãonecessária’
paratransformaroíndioemcidadão.Emcidadãopobre,naturalmente.
Porquesempobresnãohácapitalismo,ocapitalismoprecisadepobres,
comoprecisou(eaindaprecisa)deescravos.”(ViveirosdeCastro,2016)
OantropólogoViveirosdeCastroenfatizanotrechoacima“(etodososdemaisindígenas)”queesseprocedimentodeextermíniodepovosnãosecircunscrevesomenteaos“índios”,masaos“indígenas”,aquelesquetêm“comoreferênciaprimordialarelaçãocomaterraemquenasceuouondeseestabeleceuparafazersuavida,sejaelaumaaldeianafloresta,umvila-rejonosertão,umacomunidadedebeira-rioouumafavelanasperiferiasmetropolitanas” (ibid). Esse entendimento — ou melhor dizendo, essepertencimento—temsidofundamentalnasaliançasentreMundurukuseberadeirosnoTapajósnaresistênciaaosmegaprojetosqueseimpuseramnosúltimosanosedecorredapercepçãodequeháalgoqueosuneeosdistinguedo“outro”(docidadãobranco,dorepresentantedoEstado,do
34. A frase é do General Médici em seu discurso no marco zero da Transamazônica em 1970, mas cabe na boca de muitos planejadores gover-namentais e investidores ainda hoje.
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investidor):arelação,opertencimentoeoexercíciocotidianodemodosdevidaligadosàterra.Essaconvivênciaentreos“indígenas”doTapajós(índioseberadeiros)nemsemprefoipacíficaouresultouemconvergên-cia,maséresultadodeumalongahistóriaterritorialmarcadaporconfli-tos,atravessamentose(re)acomodações.
AocupaçãohumanaemSantarémeseusarredoresestá,deacordocomachadosarqueológicos,entreasmaisantigasdaAméricadoSul,decercade10milanos(Fausto,2000).Osprimeirosassentamentospor-tuguesesdatamdeporvoltade1639comoestabelecimentodaaldeiaTapajós(hojeacidadedeSantarém,aprincipaláreaurbanadetodaaba-cia).DuranteoséculoXVII,algumasexpediçõesviajaramorioeencon-trarampovosindígenasemtodaasuaextensão(Monteiroetal,2014).Deacordocomoconhecimentoescrito,oriofoinavegadoemsuatota-lidadepelaprimeiravezem1742(Torres,2014).Oprimeiroencontroentreosviajantesnão-indígenaseospovosMundurukuparecetersidoem1768eacarretoureferênciasàregiãocomoMundurukania,dadaaocupaçãogeneralizadadaáreaporestespovos.
ÉapenascomaexploraçãodaborrachanoséculoXIXqueseconsolidaaocupaçãonãoindígenanaárea(Monteiroetal,2014).Acoletadaborra-chainicialmenteusouforçadetrabalhoindígena,mas,comoaquecimen-todomercadoglobalecomoetnocídiodemuitospovos indígenasqueaexploraçãorepresentou,amigraçãointernadoNordestedopaís(prin-cipalmentedosestadosdoCearáeMaranhão)foiseintensificando.Du-ranteoséculoXIX,apopulaçãodoBaixoAmazonasaumentoudezvezes,e a prosperidade dos poucos que controlavam a economia da borracha,atravésdeumesquemadeendividamentocontínuodosseringueiros,foiencerradacomocontrabandodesementesdaHevea Brasiliensis em1876.NosReaisJardinsBotânicosdeLondres,assementesforamtransformadasemmudas,favorecendoodesenvolvimentodaconcorrêncianaÁsia,emmelhorescondiçõeslogísticasederendimentodaexploraçãodaborracha,produzidaapreçosmaisbaixos.Issoresultounofimdomonopóliodolá-texdoBrasilnosmercadosinternacionais(Grandin,2009).
Apartirdesteprocessodebiopiratariaintercontinental,aeconomiadeexploraçãointensivadaborrachanoBrasilentrouemdeclínionoiní-ciodoséculoXXeBelémterminouporcederlugaraCingapuracomoo
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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principalportoexportadordeborracha(ibid).Ocontrolequeoscoloni-zadoreseuropeustinhamsobreaproduçãonaÁsia instou iniciativasderecuperaçãodaproduçãoamazônica,nenhumabem-sucedida.Amaisicô-nicafoioestabelecimentopeloindustrialistanorteamericanoHenryFord,apartirdofinaldadécadade1920,dacidadedeFordlândiaeposterior-mente de um empreendimento similar em Belterra, ambas no Tapajós,paraaproduçãocontroladadeborrachaparaomercadoestadunidense.Osempreendimentos foramumfracasso,sendoabandonadosapósduasdécadas.DuranteaSegundaGuerraMundial,outrainiciativafoiexperi-mentadabrevemente.OproblemaemquestãoeraocontextodeincertezaemtornodocomérciodaborrachaatravésdoPacífico,dadoocrescentecontrolejaponêsdaquelasrotas.Em1942,opresidentebrasileiroGetúlioVargaseopresidenteestadunidenseFranklinRooseveltselaramumacor-dodeguerraquecontinhaaintençãodegarantirofornecimentodeborra-chaparaosEstadosUnidos.Comoresultadodesteacordo,estabeleceu-seoprogramabrasileirodemigraçãodos “soldadosdaborracha”—comoeramchamadosnapropagandadogoverno—doNordestedoBrasilparaaAmazônia.Oprograma,noentanto,foidesastroso,levandoàmortemui-tostrabalhadoresmigrantesrurais(Secreto,2007).
Assim,desdeo surtodaborrachae suas tentativasde revitalizá-lo,oterritóriodoTapajósfoialvodemovimentosdeocupaçãoeexpansãodafronteiraeminterfacecomosmercadosglobaiseasdisputasgeopo-líticasemcurso.Essesprocessosforamatravessadosporviolência,masconformaramahistóriaterritorialeaformaçãosocialnaregião.
OpesquisadorMaurícioTorres(2014)chamaaatençãoparaalgunselementosimportantesdaformaçãodeumnovocampesinatodaflorestaduranteaeconomiadaborracha.Osmigrantesfrequentementecaptura-vammulheresindígenase,emalgunscasos,assubmetiamacasamentosforçados. Olhando para além da brutal e inerente violência patriarcaldesteprocesso,adinâmicaresultanteimplicouumaimportantepresen-ça de hábitos e saberes indígenas nestes agregados familiares e comu-nidadescamponesasemergentes.Emespecialapósodeclíniodosurtodaborracha(consolidadoem1912,apesardastentativasposterioresderevitalizá-lo),estenovocampesinatodafloresta—quetinhasidoforma-donocontextodosurgimentodeumaatividadeeconômicacapitalista
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
dirigidaaosmercadosglobaisequeagoraviaosproprietárioseatraves-sadoresdaeconomiadaborracharepentinamentedesaparecerem—es-teveenvolvidoemummododevidabaseadoprincipalmenteemformasnão-capitalistasdeprodução,umacombinaçãodeextraçãodeborrachaempequenaescala,deoutraspráticasdeagroextrativismoparaautocon-sumoedeagriculturadesubsistência,emespecialatéadécadade1950.
Comadescobertadeouroem1958,essasatividadesprodutivasfo-ramcontinuamenteabandonadasourelegadasasegundoplano,estabe-lecendo-seumsurtodegarimpo,envolvendoantigosseringueiroseseusdescendentesnaatividadedegarimpeiro.ApesardeoTapajóstersidologoapontado,nofinaldadécadade1960,comoumdosterritóriosmaisabundantesemtermosdereservasdeouronomundo(em1965,opro-jetoRadarnaAmazônia—RADAMpesquisouaárea),apenasdezanosdepoisdesuadescoberta,asatividadesdegarimpagemdeouroestavamemcrisedevidoàstécnicasrudimentares,nãopermitindoamineraçãoalémdereservasdeacessomaisfácil,pertodasuperfícieenasmargensdos rios (Machado, 2013). No entanto, o garimpo se recuperou rapi-damente, sujeito à influência da política internacional e de interesseseconômicosdiversos,expressandoaproduçãodoespaçonesseterritóriocomoumresultadodefricçõesglobaiscontínuas.
Desde o início do projeto colonial até os primeiros assentamentos,desdeaexploraçãodaborrachaatéosciclosdegarimpagem,décadasderelativainvisibilidadedoterritórioparaosprojetoscapitalistasfavoreceua(re)existênciadosmodosdevidaedeproduçãoprofundamenteligadosàfloresta,nãosóentreospovosagroextrativistasdafloresta,mastambémnas várias aldeias indígenas da região. Essas (re)existências se favorece-ramdosinterstíciosdosprocessosaqueorioTapajóstemsidosubmetido,duranteosúltimostrêsséculos,comoumlocaldepermanenteexpansãodefronteiraparaaacumulaçãodecapital.Ahistóriadaexpansãodafron-teiracapitalistanaregiãosignificouoconflitodediversasdinâmicasterri-toriais,jáqueaexpansãodeforçassociaiseeconômicasgerouconfrontoscomasterritorialidades(subalternas/insurgentes)dosgrupossociaisante-riormenteestabelecidos,levandoaprocessosderesistência,mastambémdeacomodação,apropriaçãoeinfluênciamútuas(Little,2002).Essahis-tóriaterritorialépermeadaporumaeconomiapolíticaterritorialquefoi
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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setransformandoaolongodotempoedossucessivosencontrospromovi-dospelaexpansãodafronteiradaacumulaçãodecapital.
Maisumaexpressãodissoestánastransformaçõesdaeconomiadoga-rimpoaolongodotempo.Oaumentodopreçodoouronosmercadosglo-bais,devidoàcrisedaarquiteturamonetáriainternacionalnosanos1970,tornouousodenovastecnologiasdemineraçãoeconomicamenteviáveis,especialmenteapartirde1978,superando,assim,crisesanterioresdepro-dutividade.Alémdisso,asestradasdoPlanoNacionaldeDesenvolvimento—PNDIeII(Transamazônica/BR-230eCuiabá-Santarém/BR-163)faci-litaramoacessoaosmercados.Osprojetosdecolonizaçãoimplementadosemconjuntocomasestradas(ProjetosIntegradosdeColonização—PIC)promoveramamigraçãodeforadaAmazôniapara“ocupar”aterranabeiradasestradasparaapequenaagricultura,masfalharamemestabelecerumaagriculturaeconomicamenteviável,levandopartedestetrabalhomigrantequetinhaseestabelecidonoentornodacidadedeItaitubaasevoltarparaatividadesdemineraçãoeasesomaràforçadetrabalhoexistentedosex--seringueiroseseusdescendentes.Logo,Itaitubatornou-seoepicentrodeumaeconomiaaquecida,chegandoaterumdosmaiorestráfegosaéreosdoplanetanadécadade1980emrazãodaquantidadedeaviõesmonomo-torestransportandogarimpeiros,suprimentoseouroilegalmenteextraídodosgarimposnomeiodaflorestaedacidadeparaforadali.Deacordocomalgumasestimativas,teriamsaídodegarimposnoTapajósatéaatualidade,oficialeilegalmente,porvoltade800toneladasdeouroouoequivalentea16vezesaproduçãototaldeSerraPelada,apesardeosnúmerosoficiaisfalaremsomenteem194toneladas(Monteiroetal,2014).
A formaçãosocialdospovosdaflorestanaAmazônia foiseconsti-tuindoaolongodeváriasrodadasdeterritorialização,provocadaspeloavançodasfronteirasdaexpansãoeconômicaedainteraçãoconflitivaetransformadoraentreospovosindígenas,doscolonizadoreseuropeuse,nocasodoTapajós,dosmigrantesnordestinosquesetransformaramemseringueirosedepoisgarimpeiros.Asreivindicaçõesdedireitosterrito-riais dos povos indígenas e das várias populações extrativistas não sãoestáticas,damesmaformaqueassuasterritorialidadestambémsãoins-tigadasaresponderaosprocessosdeacumulaçãoporespoliaçãoporelesconfrontadosaolongodotempo.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
IMAGEM 7 | PROVÍNCIA MINERAL DO TAPAJÓS
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
COLÔMBIA
VENEZUELA
GUIANA
SURINAME
GUIANA FRANCESA
BOLÍVIA
PERU
RIO BRANCO PORTO VELHO
MANAUS
MACAPÁ
BELÉM
SÃO LUÍS
PALMAS
BRASÍLIA
GOIÂNIACUIABÁ
OCEANOATLÂNTICOBOA VISTA
A
BC
DE
F
G
H
IJ
K
1718
14
1
2
3 45
6
7
89
10
11
1213
1516
RODOVIAS
RIOS
AMAZÔNIA LEGAL
ZONAS GARIMPEIRAS
1 ALTO RIO NEGRO
2 RORAIMA
3 TROMBETAS
4 JARI
5 AMAPÁ
6 GURUPI
7 ALTAMIRA
8 SERRA PELADA
9 CARAJÁS
10 CUMARU
11 TOCANTINS
12 PEIXOTO DE AZEVEDO / ALTA FLORESTA
13 ARIPUANA / TELES PIRES
14 TAPAJÓS
15 POCONÉ / CUIABÁ
16 PORTO E LACERDA
17 RIO MADEIRA
18 SUL DO AMAZONAS
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
RESERVAS GARIMPEIRAS
TAPAJÓS
RIO MADEIRA II
RIO MADEIRA
SERRA PELADA
PROJETO SERRA PELADA
CUMARU
TEPEQUÉM
PEIXOTO DE AZEVEDO
ZÉ VERMELHO
CABEÇA
RIO JUREMA
FONTE: Base cartográfica elaborada por Wanderley (2015) com base em dados do DNPM (2014)
52
OsterritóriosdoTapajósforamespecialmentesujeitosaestetipodeprocesso de reconhecimento de direitos territoriais, refletindo respos-tasinstitucionaisnoordenamentofundiárioaumhistóricoconflitivodeocupação.Aspressõesmaisrecentesdasfazendasdecriaçãodegadoedemonoculturadasoja(sobretudonoplanaltosantareno,noBaixoTa-pajós)envolvemafiguradeocupaçãomaisrecentedoruralistadoSuleCentro-Oeste,quebusca terras“maisbaratas”paraaexpansãoagro-pecuária,esesomaramàpressãoeconômicaconstantedagarimpagemdeourodesdeosanos1960edaexploraçãomadeireira,especialmentedesdeaaberturadeestradasnadécadade1970peladitaduramilitar.Jáseesperavaqueestaspressõeseconflitosdecorrentesaumentassemdes-deoanúnciodapavimentaçãodaBR-163(Cuiabá-Santarém),em2004.Neste contexto, o assassinato da missionária católica Dorothy Stang,em2005,naregiãodeAltamira(maisalestedoTapajós,norioXingu,ondehojeestáestabelecidaaUHEBeloMonte),setornouumsímbolodopanoramadeconflitosviolentosqueatravessamapolíticafundiáriaeterritorialnaregião.
A mobilização social que se intensificou naquele momento, comumavisibilidade internacionalespecialparaa situaçãovulneráveldas/osdefensoras/esdedireitoshumanosnosterritórios,estáentreasrazõesquelevaramàcriaçãodomosaicodeunidadesdeconservaçãonoTapa-jós(DecretoPresidencialde13defevereirode2006),segundodeclarouoprópriogovernodoentãopresidenteLuladaSilvaem2006.APresi-dência tambémafirmouocompromissodogovernocomaConvençãoInternacionaldasNaçõesUnidassobreaDiversidadeBiológica(CBD)comoumadasrazõesparaodecretoqueestabeleceuomosaico.
AlémdoaumentonaextensãodoParqueNacional(PARNA)daAma-zônia35,seteoutrasáreasprotegidasforamestabelecidas,totalizandomaisde 6 milhões de hectares de terra. Todas estas áreas compõem, com asáreasprotegidaspreviamenteexistentes,umaextensãodeterrasnotavel-mentegrandeepublicamentereconhecidaforadomercadodeterras.Emumaépocaqueacapturaglobaldeterras(land grabbing)tornou-seumfe-nômenosocialdoSulGlobal(Borrasetal2011),oreconhecimentodestemosaicodeterraspúblicaspodeseranalisadopeloquerepresentanacon-tracorrentedasforçaseconômicas.
35. O PARNA da Amazônia é uma das áreas protegidas mais antigas da Amazônia, tendo sido estabelecida em 1974.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Essasporçõesdeterraestãooficialmenteforadomercadodeterras,mesmoqueosusosdosolosejamvariadosecontinuemsofrendoapres-são de atividades econômicas privadas, algumas das quais autorizadaspeloEstado,comoéocasodepartedaexploraçãomadeireiranasflo-restasnacionais(FLONAs),equeemmuitaspersistaummercadoinfor-maldeterras.Aindaassim,comoáreasprotegidas,sãoobstáculosparaaacumulaçãodecapitalemlargaescalae,dezanosapósasuademar-cação,elasestãoconstantementesobpressão.Emespecial,nocasodasUnidadesdeConservaçãodeUsoSustentável,aocupaçãopelospovosdaflorestaconstituiapromessadefuturodessesterritórioscoletivosedosmodosdevidaaestesconectados.
Comoresultadodapressãoderealizaçãodosmaisrecentesmegapro-jetos,em2012,nogovernodeDilmaRoussef,alei12.678estabeleceuadesafetaçãodeparcelasdeterradediversasáreasprotegidasdomosaiconoTapajós.Estaexclusão foiconcebidaparapermitiro licenciamentoambientaldocomplexohidrelétrico,jáqueosestudosdeviabilidadein-dicaramqueosreservatóriosdasrepresasinundariamáreasprotegidas,oquenãoépermitidopor lei.O resultadodessa sobreposiçãonão foirepensarosprojetos,masdesprotegerasáreasdentrodoregimefundi-árioparaviabilizarolicenciamentodosempreendimentos.Maisrecen-temente, em dezembro de 2016, foi a vez do presidente em exercícioMichelTemereditarumamedidaprovisória (MP758),delimitandoafaixa de domínio da BR-163 e da EF-170 (a Ferrogrão) no PARNA doJamanximedaAPATapajóseafastandodúvidasdeinvestidoresemrela-çãoàinsegurançajurídicaemtornodaconcessãodoprojetodeferrovia,talcomoprevistoparaosegundosemestrede2017.
Asáreasdesafetadasrepresentamaparcelamaisimediatamentevi-sível, mas à medida que os empreendimentos vão se estabelecendo, ésabido que a extensão de afetação será muito maior, como já fica evi-dentenoavançoaceleradodasinstalaçõesportuáriasedeinfraestrutu-raslogísticasassociadas,anteriormenterelatadas.Osváriosprojetosdeinvestimentoprevistoseemfasedeimplementaçãonoterritóriocons-tituemumaforteameaçaparaosdireitosterritoriaisqueospovosindí-genasetradicionaisadquiriramaolongodotempoepelosquaisseguemlutando.Diantedestabrevehistóriaterritorial—edosatravessamentos
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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dedinâmicascapitalistasegeopolíticasqueanteriormentemoldaramaocupação, a formação social e o ordenamento fundiário no Tapajós, oprocesso em curso e iminente tem potencial devastador. Entender osatuais atravessamentos capitalistas e geopolíticos, em especial o papeldofenômenoChinaedageopolíticadeinfraestrutura,éopassoaseguirnestaanálise.
A GEOPOLÍTICA DOS MEGAPROJETOS DE INFRAESTRUTURA
A globalização, como resultado complexo e caótico de processos mul-tiescalaresde integraçãodaeconomiamundial, tememsuadimensãomaterialconectadoindústriasecentroscomerciais,financeiroseurba-nospormeioderedesqueintegramemtemporealprocessosproduti-vosereprodutivos,aumentandoaescalaeoalcancedaacumulaçãodecapital no espaço planetário. Os fluxos de investimentos e comerciaisnoespaçomundialnãosãoumfenômenorecente,masaeuforiaglobali-zadoradosanos1990elevouopatamardamobilidadedasindústriasnasuperfícieterrestreesuacapacidadedeproduzirdeformacoordenadapormeiodefábricasglobais(Barreda,2004).
O espaço importa para a acumulação capitalista sobretudo em ra-zãodotempoqueamercadoria levaparapercorrê-loentreoselosdascadeias globais de valor e até o centros globais de consumo. Quantomaior o tempo, menor a competitividade de uma determinada cadeiadeprodução.Oimperativode“aniquilaroespaçopelotempo”,ineren-teàexpansãodocapitaltalcomoprevistoporMarx,implicainovaçõestecnológicasquepermitamintegrarregiõesmaisremotasàscadeiaspro-dutivas industriais sem que o tempo de circulação das mercadorias seamplieaopontodeinviabilizararealizaçãodovalor(Hildyard,2016).
Dissonãoderivaasuperaçãodasassimetriasentreregiõesnoespa-ço mundial. Ao contrário, as novas redes permitem conectar centroseconômicoscomáreasquedurantemuitotemponãoforamfacilmente
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
acessíveise,comisso,favorecemocontroleterritorialsubordinado.Den-treosefeitosparaosquaisesseprocessocontribui,estáumanovacorri-daporrecursosde“difícilacesso”,comoextraçãodepetróleosobgrossacamadadegelonoÁrtico,emareiasbetuminosas(tar sands),emáguasextremamente profundas e/ou sob camada de rochas de sal petrificado(pré-sal),extraçãodegáspormeiodefraturamentohidráulico(fracking)e mineração em regiões em conflito armado ou em profunda instabili-dadepolítica (Klare,2012).Emalgunsdessescasos,não foi somenteaescaladanopreçodascommoditiesmineraiseenergéticasquetornoueco-nomicamenteviávelaextraçãoderecursosdecustoalto,mastambémastecnologiaseacapacidadelogísticadeescoamentodedepósitosremotosquepodempermitirintegrá-losàcadeiaprodutivaindustrial(Hildyard,2016).Demaneirageral,ainfraestruturafísicaqueasformasdominan-tesdecapitalindustrialprecisamparaseexpandirviabilizamaconexãodas“zonasdesacrifício”ondeosrecursosnaturaissãoextraídos,comosparquesindustriaisondesãotransformadosembensdeconsumoedes-sescomoslugaresondea“classeglobaldeconsumo”habita(ibid).
Os espaços de produção periférica integram a economia mundialtantopormeiodaespoliaçãode recursosnaturais,quantopelaexecu-çãodeoperaçõesindustriaisecomerciaiselementares—naelaboraçãoinicialdosprodutos industriaisounamontagemfinaldessesprodutos(nas maquilas ou zonas de processamento de exportação). A produçãodetecnologiaeinovaçãoeadecomponentessofisticadosseguemcon-centradasemalgumasdezenasdecidadesglobais(Barreda,2004).So-mandoestasregiõesdocentroedaperiferiaglobal,“ocapitalmundialintegraseu“autômataglobal”,sempreemprocessodeconstrução.[...][Nesseprocesso,]estasredespermitemometabolismogeraldariqueza,alimentandoedrenandoostecidoseconômicosdoplaneta.”(ibid,2004,p.9e10,traduçãonossa).
Umfenômenoassociadoe fundamentaléodeslocamentodocentrodegravidadedaeconomiamundialemdireçãoaoPacíficojánadécadade1980—umresultadododinamismodoJapãonopós-Guerraeposterior-mentedoschamados“TigresAsiáticos”—esuaconsolidaçãonestesécu-locomaascensãodaChina.Issoacelerouademandaporinfraestruturaseinstrumentostécnicosqueviabilizassemaintegraçãocomonovoeixo
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
56
dinâmicodaeconomiamundial (ibid).Todaessareconfiguraçãogeopo-líticadoespaçoplanetáriotemimpactodiretosobreasagendasgoverna-mentaisemultilateraisdeinfraestrutura,asreconfigurando.
OBancoMundialéumdospromotoresda “aniquilaçãodoespaçopelotempo”emescalamundial,formulandopolíticaseimperativosparaodesenvolvimentoquetêmnodisciplinamentoterritorialumadesuasprincipaischaves(Hildyard,2016).OBancopublicaumÍndicedePer-formance Logística (LPI — Logistics Performance Index), comparando160paísesemumrankingglobal36.Em2016,oBrasilapareceuna55aposição.OutrospaísesdaAméricadoSulnãofiguramemposiçõesmui-tomelhores.Comoqualquerrankingglobalqueescolheignoraroconte-údoqualitativodosnúmeros,asrelaçõeshistóricasdepoderquecausamasassimetriaseapossibilidadedequeoutrasvariáveisouíndicespossamsermaisrelevantes,oÍndicedePerformanceLogísticaserve,sobretudo,parajustificaroaprofundamentodomodelocelebradonotopo.
Noafãdesuperaros“gargalos logísticos” identificadosnaAméricado Sul e assegurar o acesso a recursos, a redistribuição geográfica daspessoasedaproduçãoeoacessoamercados,aIniciativaparaaIntegra-çãodaInfraestruturaRegionalSul-Americana(IIRSA)talvezrepresen-teomaisambiciosoprogramadedisciplinamentoterritorialdahistóriadaregião.FormuladopeloBancoInteramericanodeDesenvolvimento(BID),elançadoemBrasíliaem2000peloentãopresidenteFernandoHenriqueCardosoepelospresidentesdosoutrospaísesdosubcontinen-te,aIIRSArepresentava,àépoca,adimensãofísicadainfraestruturadaintegraçãosubordinada,quetinhanaÁreadeLivreComérciodasAmé-ricas(ALCA)seupilarcomplementar.
As transformaçõespolíticasnaAméricadoSulao longodadécada— com a eleição de governos ditos progressistas — reconfiguraram ocontroledoprograma,quepassouaoConselhoSul-AmericanodeInfra-estruturaePlanejamento(COSIPLAN)daUniãodasNaçõesSul-Ameri-canas(UNASUL)em2009.Noentanto,essedeslocamentonãoafetousuaessênciadeconstituiçãodeeixosintegradoresdirigidosàexportaçãodecommodities.DuranteumcurtoperíododetempoapósaconsolidaçãodopapeldoCOSIPLAN,houveumdebateentrepolos,envolvendoespe-cialmenteBrasil,Argentina,Venezuela,EquadoreBolívia,disputando
36. http://lpi.worldbank.org/international/global/2016
57
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
ossentidosdainiciativa.Apartirdaliderançaequatoriana,ospaísesdaAliançaBolivarianaparaosPovosdaNossaAmérica(ALBA)defendiamaassociaçãodainiciativaintegradoraaumaNovaArquiteturaFinancei-raRegional(NAFR),querepresentasseareduçãodopapeldodólarnocomércioe investimentos intrarregionais,pormeiodaconstituiçãodeumfundoregionaldereservas,deumsistemadecomércioemmoedaslocaisedeumbancodefomentoregional,oBancodoSul37.
Apropostafoicontinuamenteempurradaparaescanteioeareconfi-guraçãoinstitucionaldaIIRSArepresentousobretudooaprofundamentodoprotagonismobrasileiro,nãomaiscomocondutordosinteressesnor-te-americanosnosubcontinente,masdeumprojetoprópriodeexpansão.
IMAGEM 8 | EIXOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA/COSIPLAN
37. Agradeço a Graciela Rodri-guez — Instituto Equit e da Rede Brasileira pela Integra-ção dos Povos (REBRIP) — por apontar esta disputa em torno da IIRSA e a proposta da NAFR.
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
6
5
73
8
2
1
9
10
6
5
7
3
8
2
1
9
10
EIXO ANDINO
EIXO PERU-BRASIL-BOLÍVIA
EIXO DA HIDROVIA PARAGUAI-PARANÁ
EIXO DE CAPRICÓRNIO
EIXO ANDINO DO SUL
EIXO DO SUL
EIXO MERCOSUL-CHILE
EIXO INTEROCEÂNICO CENTRAL
EIXO DO AMAZONAS
EIXO DO ESCUDO DAS GUIANAS
PARAGUAI
ARGENTINA
URUGUAISANTIAGO
BUENOSAIRES
MONTEVIDÉU
ASSUNÇÃO
BRASIL
BOLÍVIA
PERU
CHILE
EQUADOR
COLÔMBIA
VENEZUELA SURINAME
GUIANA
GUIANA FRANCESACAYENNE
PARAMARIBO
GEORGETOWN
CARACAS
BOGOTÁ
QUITO
LIMA
LA PAZBRASÍLIA
FONTE: BID, 2015. Disponível em: http://www19.iadb.org/intal/interactivo/site/?p=96
58
O processo consolidou o papel do BNDES como financiador da infra-estruturade integração regional, turbinandoa internacionalizaçãodasempresasbrasileirasnaAméricadoSul,emespecialasempreiteiras,jáqueosempréstimosdobancoparaobrasemoutrospaísesimplicavamacontrataçãodestasempresas.
A IIRSA estava para a América do Sul como o PAC para o Brasil.Defato,acarteiradeprojetosdaIIRSAnoBrasilcoincidiaemgrandemedidacomosprojetosdoPACedoPIL,comoumespelho.NoeixoAmazonasdaIIRSA,porexemplo,essefoiocasodosmegaprojetoshi-drelétricosdorioMadeiraedapavimentaçãodaBR-163,dentreoutros.AsduasfasesdoPrograma—PACIde2007a2010ePACIIde2011a
IMAGEM 9 | CARTEIRA DE PROJETOS IIRSA/COSIPLAN – EIXO DO AMAZONAS
OCEANOATLÂNTICO
OCEANOPACÍFICO
3
8
1
5
76
2
BRASIL
BOLÍVIAPERU
EQUADOR
COLÔMBIA
VENEZUELA SURINAMEGUIANA GUIANA FRANCESA
CAYENNE
PARAMARIBO
GEORGETOWN
BOGOTÁ
QUITO
LIMA
LA PAZBRASÍLIA
ILHÉUS
SALVADORBARREIRAS
SÃO RAIMUDONONATO
LUCAS DO RIO VERDEVILHENA
PORTO VELHO
RIO BRANCO
CRUZEIRO DO SULRECIFESALGUEIRO
FORTALEZA
ELISEU MARTINSBALSAS
GUARAÍ
PALMAS
IMPERATRIZMARABÁ
BELÉM
ALTAMIRA
ITAITUBA
MANAUS
CUIABÁ
TUCURUÍ
ÓBIDOS
MAUÉS
CAMPINORTE
MACAPÁ
FERREIRA GOMES
SANTARÉMPARINTINS
MANACAPURU
TABATINGA
LETÍCIA
65
738
2
1 ACESSO À HIDROVIA DO PUTUMAYO
ACESSO A HIDROVIA DO NAPO
ACESSO À HIDROVIA DO HUALLAGA-MARANÕN
ACESSO À HIDROVIA DO UCAYALI
CONEXÃO ENTRE A BACIA AMAZÔNICA E O NORDESTE SETENTRIONAL
REDE DE HIDROVIAS AMAZÔNICAS
ACESSO À HIDROVIA DO MORONA-MARANÕN-AMAZONAS
CONEXÃO FERROVIÁRIA PORTO VELHO-NORDESTE MERIDIONAL
FONTE: IIRSA, 2015. Disponível em: http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/cartera15_reunion_por_eje_informe_final_AMA.pdf 59
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
2014—representaraminvestimentosdeR$650bilhõeseR$1,1trilhãorespectivamente,maisdametadedosquaiseminfraestruturaenergéticaelogística,eaoutraparteemprojetossociaiseurbanos,muitossegura-menteeminfraestruturaurbana.AsegundafasedoPIL,anunciadaem2015,previa investimentosdaordemdeaproximadamenteR$200bi-lhõeseminfraestruturalogística.
TodoesseboomdeinvestimentosnoBrasilenaAméricadoSulcoin-cidiu com o período pós-colapso financeiro de 2007-2008, quando aseconomiasdocentrodocapitalismoestavamclaudicantes,easchama-daseconomiasemergentesestavamimprimindoumatrajetóriaprópriadecrescimentoapartirdaliderançadonovoeixodinâmicodaeconomiamundial,aChina.Duranteosprimeirosanospós-2008,osBRICS(Bra-sil,Rússia,Índia,Chinae,posteriormente,ÁfricadoSul)pareciamterdescoladoseusdestinosdoscentrosindustriaistradicionais,surfandonoaparentementeinsaciávelapetitechinêsporcommodities esebenefician-dodaaltahistóricadospreçosdessasmercadorias,resultantetanto(oumais)daespeculaçãofinanceiraquantodademandachinesa.PartedosinvestimentoseminfraestruturanoBrasilbuscavagarantirasfontesdeenergiaeoscanaisdeescoamentodapujanteproduçãoagropecuáriaemineraldopaísdiantedestaconjunturainternacionalfavorávelaoster-mosdetrocadabalançacomercialbrasileira.
AtransformaçãodoG20deumagrupamentodeMinistrosdeFinan-ças—talcomodesdesuacriaçãoapósasreverberaçõesdascrisesfinan-ceirasasiáticasnofimdadécadade1990—emumespaçodeconcertaçãomultilateralcomstatusdecúpulapresidencial(nopós-colapsofinanceirode2008)pareciarepresentaraconsagraçãodeumanovaera.OG7nãoeramaisocentrodegravidadedaeconomiamundialeumrenovadomul-tilateralismodemandavaaatualizaçãodosistemadegovernançainstaura-doemBrettonWoods,que,maisdemeioséculodepois,nãomaisrefletiaaconfiguraçãodopodereconômiconosistemainternacional.
Noentanto,desdeaprimeiracúpulapresidencialdoG20,hácercadeoitoanos,opadrãodólarflexível(quesubstituiuopadrãodólar-ourodeBrettonWoodsnadécadade1970)(Fiori,2009)permanecedepé—comtodasassuasinerentesinstabilidades—eamudançadosistemadecotasdoFundoMonetárioInternacional(FMI)edoBancoMundialestá
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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longedesersignificativa.PassadasasprimeirascúpulasdoG20,quandosefalavaenfaticamentedeumanecessáriareformadaarquiteturafinan-ceira e monetária internacional, a agenda dos encontros presidenciaisfoisetornandomaisteatraldoqueconsequente,eumtemaganhoupro-eminêncianapautadogrupo,sobretudoapartirde2013/2014:aneces-sidade de turbinar os investimentos em infraestrutura para garantir ocaminhoderetomadadocrescimentodaeconomiamundial.
AcriaçãodosBRICScomocoalizão,em2008/2009,refleteumaes-tratégiadefortalecimentodogrupodepaísesnacorrelaçãodeforçasnoprocessodeincidênciaporumaagendadereformasmaisambiciosa.AsprincipaiscríticasdogrupoforamdirigidasàrelutânciadoG7emabrirmão de seu controle sobre as Instituições Financeiras Internacionais(IFIs)eàinsistênciadospaísesqueemitemmoedasquesãounidadedecontanosistemainternacionaldeadotarempolíticasde“afrouxamentomonetário”(quantitative easing)—levandoinclusiveadiplomaciabrasi-leiraacunhar,em2012,aexpressão“tsunamimonetário”.
Acriaçãoem2015doNovoBancodeDesenvolvimento(NDB—New Development Bank)—maispopularmenteconhecidocomoBancodosBRI-CS—edoArranjoContingentedeReservas(CRA—Contingent Reserve Ar-rangement)sãorespostasinstitucionais,aindaquelimitadas,aestadisputa.EnquantoasnegociaçõesporumaNovaArquiteturaFinanceiraRegionalnaAméricadoSulforamestranguladas,acoalizãodaspotênciasemergentesimplementouseusmecanismosmultilateraisemtemporecorde.Asinstitui-çõesfinanceirascriadaspeloblocoaindaterãotempodemostraraquevie-ram,masofocoanunciadodoNDBem“infraestruturaedesenvolvimentosustentável”iluminaoscaminhosdeanálise.Ovaloranunciadodacarteiradeinvestimentosdobanco(US$100bilhões)nãoésuficienteparareconfi-guraropanoramadofinanciamentodeinfraestruturaemumaerademega-projetos.Masé,acimadetudo,umaafirmaçãopolítica.
OrecentegolpeinstitucionalnoBrasil,noentanto,pareceapontarmudanças(aindaquehajamuitastrágicascontinuidades)napolíticadeinvestimentoseminfraestruturanopaísealgumastransformaçõessigni-ficativasnapolíticaexternabrasileira(PEB),comconsequênciasnotá-veisemrelaçãoàsestratégiasdeinserçãointernacionale,maisespecifi-camente,nosistemamultilateral.
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Temerindicourepresentantesdopartidoderrotadonaseleiçõespre-sidenciaisde2014paraoMinistériodeRelaçõesExteriores(inicialmen-teJoséSerra,candidatoderrotadoàpresidênciaem2002e2010,e,apósarenúnciadeste,AloísioNunes,vice-candidatoàpresidêncianachapaderrotadaem2014).Empoucosmeses,oprimeirochancelerempossa-dosinalizouaprioridadedenegociaçõesdeTratadosdeLivreComér-cio(TLC)comaUniãoEuropeiaeosEstadosUnidos(posiçãoquedeveser contrariada com a eleição de Donald Trump), o enfraquecimentodoMercosuleoutrasinstânciasregionaisearetiradadeembaixadasdocontinenteafricano.Comessasmudanças,oBrasilestálongedeaban-donaraapostadogovernolegitimamenteeleitoem2014naexportaçãodecommoditiesouno investimentoemmegaprojetosde infraestruturae extrativos, mas passa a fazê-lo por meio de uma agressiva aposta naprivatizaçãoeinternacionalizaçãodessesmegaprojetos,acomeçarpelomodelodeexploraçãodopré-sal.Comisso,tendeasedescolardatra-jetóriadeafirmaçãodeautonomianadeterminaçãodapolíticaexternaenoacessoconstanteàsnarrativasdesoberanianacionalecooperaçãoSul-SuldosBRICSemproldeumprojetolideradopeloG7esuasIFIs.
Noprimeirodiadegoverno,opresidenteemexercícioMichelTemerpublicouumamedidaprovisóriaqueestabeleceoProgramadeParceriasdeInvestimentos(PPI),emsubstituiçãoaoPACeaoPIL.Trata-sedeumprograma de “desestatização” — eufemismo do governo interino paraprivatizações—,quevisa a substituiropapel ativodoEstadonofinan-ciamentodemegaprojetosdeinfraestruturaporumpapelativodestenacelebraçãodeconcessõesePPPs.CabenotarqueoPPInãoinauguraasconcessões,quejáeramimportantesnoPACePIL,masasalçaàcondi-çãodosinvestimentoseminfraestrutura,subtraindoopapelanteriormen-teprotagonizadopeloBNDES.ObancopassouacomporoConselhodoPPI junto com cinco ministérios — Casa Civil, Fazenda, Planejamento,TransporteseMeioAmbiente.OconselhoécomandadodiretamenteporTemere,aoquetudoindica,oBNDESsetornará,especialmente,umes-truturadordenegóciosdasprivatizações.
Dopontodevistadasterritorialidadessubalternasedasperspectivasdesoberaniadospovossobreestas,nemoprojetoanterior,nemoatual sãodignosdecelebração.Mas,passadaumafasedeadaptação,casoseconsolide
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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eseconsigaconvencerosinvestidoresdequepodegarantirasegurançaju-rídicaepolíticanecessária,aondaprivatizadorapromovidaporumgovernoilegítimo,combaseemumprogramadegovernoquenãoganhouaselei-çõesecomumprojetodedesmontedelegislaçõesreguladoras,deverepre-sentarumacorrelaçãodeforçasaindamaisdesfavorávelparaossujeitosemsituaçãodesubalternizaçãoeresistindoaosmegaprojetos.
“BUILD IT AND THEY WILL COME”: A PRIVATIZAÇÃO E FINANCEIRIZAÇÃO DO INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA E O PAPEL DA CHINA
Emjunhode2016,umbancodeinvestimentoholandês—Rabobank—especializadoemcommoditiesagrícolaslançouumrelatóriovoltadoaosseusclientes,analisandoopanoramaeastendênciasdoinvestimentoemlogísticaportuárianoBrasileseusprováveisimpactosnaexportaçãodecom-modities agrícolas brasileiras. A narrativa de que há um sub-investimentohistóricoemlogísticanopaís,comconsequentes“gargalos”paraainserçãomaiseficientedaproduçãobrasileiradegrãosnascadeiasglobaisdevalor,eraenfatizadaparaapontarumnovohorizonte:asmudançasnalegislaçãoportuáriabrasileiraem2013teriamabertocaminhoparaainstalaçãodeno-vosportosprivados,eoscorredoresdoArcoNortedespontavamcomoasro-tasmaisdinâmicasemtermosdecrescimentodocomércioparaexportação.
ALei12.815de2013regulamentouoestabelecimentodeterminaisportuáriosdeusoprivado(TUP)nopaíseabriuocaminhoparaoboomdeportosparaexportaçãodecommodities,viaestadodoParáe,emes-pecial, na calha dos rios Tapajós e do baixo Amazonas, mirando à su-peração do “gargalo” apontado pelo agronegócio: ter a produção maiscompetitiva do mundo “da porteira pra dentro” e enfrentar uma dasinfraestruturas logísticasmaisprecáriase ineficientes “daporteiraprafora”.“Gargalo”,no jargãodaadministraçãodeprodução,serefereaoelomenoseficientedacadeiaprodutiva,noqualoesforçode“aniquilaroespaçopelo tempo”erealizarovalormais rapidamentesevê travado
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
pelafaltadecompetitividadedealgumapartenecessáriaaoprocessodemetabolismodocapital.SegundoorelatóriodoRabobank,o“gargalo”deescoamentodascommoditiesagrícolasétãoconsiderávelquequalquerga-nhomarginalcomnovosportosrapidamenteseesvaicomoaumentodovolumeproduzidoqueelesativamnasáreasaoredor,causandonovasatu-ração.DentreasáreascommaisprovávelampliaçãodaproduçãodesojacomaexpansãoportuárianoArcoNorte,aindadeacordocomorelatório,estãoonortedoMatoGrosso,osuleosudestedoParáeoMATOPIBA.
A margem de expansão dos corredores logísticos ainda é grande.“Construaeelesvirão”,dizotítuloeasconclusõesdorelatóriodobancodeinvestimentoholandês,apontandoos“gargalos”comoumproblema,mas, sobretudo, uma oportunidade de investimento para seus clientesnoBrasiledeganhostantonoaumentodaproduçãodegrãos,quantonaexploraçãocomercialdeportosnosnovoscorredoreslogísticos.
O crescimento do investimento privado no setor portuário pode estarmaisconsolidadodoquenorestantedosmodaisdacadeialogística,masatendênciadosprogramasgovernamentaisemultilateraisapontaparaoapro-fundamentodaparticipaçãoprivadaemtodaacadeiadetransportemultimo-dal.OPILdogovernoanteriorjáapontavanestesentidoeoPPIdogovernoemexercícioavançanamesmadireção.Segundoositedapresidência,opro-grama“temdeasseguraraestabilidadeeasegurançajurídicadosprojetos,comagarantiadamínimaintervençãonosnegócioseinvestimentos”38.Esseprogramaintensificaaneoliberalização(Brenneretal,2012)daagendadeinvestimentoseminfraestruturanopaísefavoreceaentradamaisintensadocapitalchinêsemumcontextoemqueocréditoestácontraídonoBrasil.
O investimento chinês em infraestrutura no Brasil esteve, por umperíodo, aquém da especulação que circula na mídia especializada. Osetordeenergia(sobretudopetróleoeredesdetransmissãodeenergiaelétrica)é,atéomomento,ocarro-chefedosinvestimentoschinesesnoBrasil(ColombiniNeto,2016).Énotório,noentanto,quemesmoquan-doaChinaaindanãosesobressaíanosinvestimentoseminfraestruturalogísticanopaísfrenteaoutroscapitais,o“fenômeno”China,eoqueesterepresentaparaademandadecommoditiesagromineraisexportadaspeloBrasil,jáerafundamentalnadeterminaçãoderotasedestinosdosinvestimentosdiversos.HojeaChinajáéomaiorinvestidornopaís.
38. http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/09/enten-da-o-programa-de-parce-rias-de-investimentos
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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OcasodoTapajóséemblemáticonestesentido.Apesardeconstituiroprincipalcorredorlogísticoemexpansãohojenopaís,oúnicoinves-timentodeorigemchinesaclaramente identificávelestá relacionadoàCianport,empresaquetemumterminalemfasedefinalizaçãoemMi-rititubaeoutroprevistoparaSantarenzinho.Enemnestecasosetratadeuminvestimentofeitodiretamentenosterminais.ACianportécon-troladapelaholdingFiagrilParticipações,comsedenoMatoGrosso.Suaprincipalsubsidiária,representando60%dosnegóciosdaholding,maisespecificamentenomonocultivodegrãos,produçãodebiodieseledis-tribuiçãodeagroquímicos,éaFiagrilLtda.Estasubsidiáriadamesmaholding que controla a Cianport teve participação majoritária vendidapara a empresa chinesa Hunan Dakang Pasture Farming Co. Ltd., emjulhode2016,comassessoriadonegóciorealizadapeloRabobank39.AempresachinesadoPengxinGroupnãoinvestiunaCianport,masanun-ciouemcomunicadonaépocadacelebraçãodonegócioqueestava“par-ticularmentemotivadaparatrabalharjuntocomosmúltiplosparceirosdaFiagril,tantonasculturasdesojaemilhocomoemlogística”40.
39. http://www.valor.com.br/agro/4629679/fiagril-con-clui-venda-de-controle- de-subsidiaria-para-em-presa-chinesas
40. http://www.valor.com.br/agro/4546939/chineses-a-certam-compra-de-57-de- filial-da-fiagril-de-mt
ETC Cianport em Miritituba
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
Mas, apesar desta ausência direta nos investimentos atualmenteexistentesnoTapajós,o“fator”Chinaédefinidornaexpansãodesteedeoutroscorredores.Porumlado,comojáanalisado,anecessidadede“aniquilar o espaço pelo tempo” e ter acesso mais rápido ao mercadochinês tem sido central no redirecionamento de rotas logísticas — asveiasquecompõemometabolismodocapitalemescalaglobal—,paraoArcoNortenoBrasil.Poroutro,hárazõesparaacreditarqueopano-ramadosinvestimentoseminfraestruturalogísticaserãotransformadosnapróximarodadadeconcessõesemrazãodassinalizaçõesdeinteresseporpartedeempresaschinesasnosleilõesdeferrovia,queforamdeter-minantesnaprópriainclusãodosprojetosnoPPI(verQuadro5).
AFiol,cujasobrasestão inacabadasháalgumtempo, foiprojetadaparaconectarasjazidasdeferroemCaetitédaempresaBahiaMinera-ção(Bamin41)aoPortoSulemIlhéus,outraobrainacabada,egarantiraexploraçãoeexportaçãodominériodeferroparaaChina.Ointeressede investidoreschinesesna ferrovia foi fundamentalparasua inclusãona agenda de concessões e pode viabilizar o projeto minerário, aindainexplorado.Alémdisso,algumasferroviasquecomeçaramasercons-truídascomoobrasdoPACequenogovernoanteriortinhampermane-cido sob responsabilidadedaempresapúblicaValec (como trechosdaNorte-SuleaprópriaFiol—verQuadro5eImagem10)estãoprevistasparaaprimeirarodadadeconcessãodeferroviasdoPPI,queincluitam-bémaFerrogrão,projetocompletamentenovo(greenfield).
Outroinvestimento greenfieldqueaparecianoPIL—,masquedife-rentementedaFerrogrão,nãoreapareceaindanoPPI—éaBioceânica.Aprojeçãodapartedaferroviaqueseriasituadaemterritórionacionalestavaformadaporoutrosprojetosdeferrovia.OtrechodeVilhena(RO)aCampinorte(GO)édenominadoFerroviadaIntegraçãoCentro-Oeste(Fico)eestáatualmentesobresponsabilidadedaempresapúblicaValecS.A.Nãoháprevisãoparaasobras(segundoositedaempresa,elaestábuscandoobteraLicençaPréviadoempreendimento).OstrechosVilhe-na(RO)aPortoVelho(RO)ePortoVelho(RO)aBoqueirãodaEsperan-ça(AC),nafronteiracomoPeru,aindanãotêmprojetosdefinidos.OutroprojetoqueestavanoPIL,masnãoreapareceunaprimeirafasedoPPI,foiotrechodaNorte-Sul,queligariaAçailândia(MA)aBarcarena(PA).
41. Depois de algumas transa-ções, a empresa encontra--se atualmente sob controle da holding Eurasian Resour-ces Group (ERG), com 40% de propriedade pertencendo ao governo do Cazaquistão. A jazida é o único projeto da ERG fora da África e do Ca-zaquistão.
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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IMAGEM 10 | FERROVIAS COM IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA PARA O ESCOAMENTO DE COMMODITIES VIA ARCO NORTE
7
VITÓRIA
AÇURIO DE JANEIRO
SANTOS
ITAQUIBARCARENA
MIRITITUBA
PORTO VELHO
OBRAS NÃO INICIADAS
EM CONSTRUÇÃO
SUAPE
7
FINALIZADAS OU EM FASE DE FINALIZAÇÃO
8
9
ILHÉUS
PECÉM
8
9
BIOCEÂNICA (PIL)
NORTE-SUL BARCARENA (PA) / AÇAILÂNDIA (MA) (PIL)
FERROGRÃO - LUCAS DO RIO VERDE (MT) / MIRITITUBA (PA) (PIL e PPI)
NORTE-SUL PALMAS (TO) / ANÁPOLIS (GO) (PIL e PPI)
ANÁPOLIS (GO) / ESTRELA D´OESTE (SP) / TRÊS LAGOAS (MS) (PIL)
RIO DE JANEIRO (RJ) / VITÓRIA (ES) (PIL)
FIOL - FERROVIA DE INTEGRAÇÃO OESTE-LESTE (PAC e PPI)
FERROVIA TRANSNORDESTINA (PAC)
LEILÕES PREVISTOS NOS DISTINTOS PROGRAMAS DE INFRAESTRUTURA
• PROGRAMAS DOS GOVERNOSPETISTAS (PAC) – Programa de Aceleração do Crescimento(PIL) – Programa de Investimento em Logística
• PROGRAMA DO GOVERNO EM EXERCÍCIO(PPI) – Programa de Parcerias de Investimento (concessão ou subconcessão)
NORTE SUL AÇAILÂNDIA (MA) /PALMAS (TO) (PIL)
MALHA FERROVIÁRIA CONSOLIDADA
FONTE: Ferrovias. Programa de Investimentos em Logística. MPOG, Valec e Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Disponível em: http://www.logisticabrasil.gov.br/ferrovias2. Última visualização: agosto de 2016
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
IMAGEM 11 | PROJETO DA FERROVIA BIOCEÂNICA
FONTES: MÍDIA ESPECIALIZADA.
*No caso da Transnordestina, não há leilão previsto: a CCCC entraria no negócio como investidor junto à atual concessionária, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No caso dos trechos da Norte-Sul e da Fiol, atualmente sob responsabilidade da empresa pública Valec, o leilão do PPI representará uma subconcessão.
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
BRASIL
BOLÍVIA
PERU
COLÔMBIA
EQUADOR
OCEANOPACÍFICO
OCEANOATLÂNTICO
MG
RJ
GO
MT
RO
AC
PORTO DO AÇU
BAGUA GRANDE
TARAPOTOBAYOVAR
PUCALLPA
RIO BRANCO
PORTO VELHO
VILHENA
CAMPINORTE
LUCAS DORIO VERDE
CORINTO
FERROVIA DE INTEGRAÇÃO
CENTRO-OESTE (FICO)
QUADRO 5 | SINALIZAÇÃO DE INTERESSE DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO EM FERROVIAS NO BRASIL
FERROVIA SINALIZAÇÃO DE INTERESSE EM (SUB)CONCESSÃO*
Norte-Sul: trechos entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) — concluído, mas ainda sem operações —, e entre Ouro Verde (GO) e Estrela D'Oeste (SP) — em fase de finalização (ambos sob responsabilidade da Valec)
Russian Railways International (RZD)China Communications Construction Company (CCCC)
Rumo ALL
Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) (atualmente sob responsabilidade da Valec) Ferrogrão
China Railway Corporation (estatal, através de uma holding com a estatal brasileira Valec)
China Railway Construction Corporation Limited (através de um consórcio com a Camargo Correa)
Consórcio formado pelas tradings Amaggi, Louis Dreyfus, Cargill, Bunge e ADM
Transnordestina CCCC
FONTE: Folha de São Paulo, 2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1790571-ferrovia-bioceanica-para-ligar-o-brasil-ao-pacifico-e-viavel-indica-estudo.shtml
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AFerroviaTransnordestina,sobconcessãodaCompanhiaSiderúrgicaNa-cional(CSN),estácomobrasincompletas.Sendoumaferroviacomcon-cessãojárealizadanoPAC,nãoestevenoPILenemestánoPPI,mashásinalizaçãodeinteressedeumaempresachinesaderealizarinvestimentocomaatualconcessionáriaeparticipardoempreendimento.
Ofatodeosinvestimentosgreenfield serem,atéomomento,menoscomuns no panorama dos investimentos chineses no Brasil tambémcontribuiparaabaixapercepçãodapresençachinesanosterritórios.Aoadquirirumempreendimentojáemoperação,osinvestidoreschinesesacabamporcontornaromomentomaisconflitivo,quevaidesdeasame-aças sentidas pelos sujeitos nos territórios já nos anúncios do investi-mento,passandopelosconflitosduranteosestudosdeviabilidadeedelicenciamentoambiental,atéoperíododasobras,quandose intensifi-camasespoliaçõesvividaspelascomunidades.
Nosúltimosanos,agiganteChinaThreeGorges(CTG)ouTrêsGar-gantascomprouUHEsemoperação(Salto,Garibaldi,JupiáeIlhaSol-teira)eaparticipaçãoemUHEsemfasedefinalização(SãoManoelemconstruçãonorioTelesPires,formadordoTapajós,nadivisaentreMatoGrossoePará;SantoAntoniodoJarinorioJari,nadivisaentreParáeAmapá;eCachoeiraCaldeirãoemconstruçãonorioAraguarinoAma-pá;comparticipaçãode33%,50%e50%respectivamente).ACTGeaStateGrid tambémtêmseenvolvidoemtratativasdecompra totalouparcialdaUHEBeloMonte42.Estescasossãoexemplaresnosentidodecontornaromomentodemaiorconflito,embora,nocasodeBeloMon-te,onão-cumprimentodascondicionanteseasituaçãobrutalvividaemAltamiraconfiguraesteumempreendimentodeaindaaltíssimoconflitoambiental,mesmojátendolicençadeoperação.NocasodoprojetodaUHESãoLuizdoTapajós,atualmentesuspenso,ojáanunciadointeres-sedaCTGnaconcessãopoderepresentar,casooempreendimentovol-teàagendagovernamental,aprovadefogoparaoschinesesnestafasemaisintensadeentradanopaís,dadaavibranteresistênciadospovosdoTapajósaoprojeto.
As estratégias empresariais para lidar com esses conflitos têm sesofisticadoaolongodotempo,43masnãocontamoscomelementossu-ficientes para entender os desafios específicos da forma de empresas
42. http://www.correiobrazi-liense.com.br/app/noticia/economia/2017/01/31/in-ternas_economia,569460/chineses-querem-comprar- a-usina-eletrica-de-belo- monte-no-para.shtml
43. As empresas transnacionais, o Estado e o modelo de “de-senvolvimento” na Pan Ama-zônia. Março de 2016. http://fase.org.br/wp-content/uploads/2016/04/S%C3%A-9rie-de-Entrevistas-sobre- a-Amaz%C3%B4nia-Diana- Aguiar-032016.pdf
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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
chinesasoperaremterritorialmente.Poroutrolado,umadasestratégiasderesistênciamaisutilizadasporcomunidadesinsurgentesemsituaçãodeconflitoambientalé formaraliançascomorganizaçõesemovimen-tosdospaísesdeorigemdos investimentospara sensibilizaraopiniãopúblicaeconstrangerosinvestidoresdiantedasviolaçõescometidasemnomedoslucros.Apossibilidadedequeestetipodeestratégiafaçasen-tidoemrelaçãoainvestimentoschinesesémínima.
Emumcontextodeavançodosinvestimentoschineseseminfraes-truturalogísticaedeempenhodoCongressoNacionalemoperarodes-montedaslegislaçõesambientais,sãoenormesosdesafiosquetêmpelafrentecomunidadesepovoscujosterritóriosestãonalinhadetraçadodecorredoreslogísticos,organizaçõesdeassessoriapopularemovimen-tosdeatingidaseatingidosambientais.
Algumasestimativasapontamparaointeressedeinvestidoreschine-sesdedesembolsarcercade20bilhõesdedólaresnacompradeativosnoBrasilem2017,umaumentode68%emrelaçãoa2016.Nestecontexto,oBrasiljáseriaosegundomaiordestinodeinvestimentoschineseseminfraestrutura,atrásapenasdosEstadosUnidos.HáváriasnegociaçõesemandamentoeomomentoconsolidaumprocessodeestabelecimentonopaísdeescritóriosdediversasempresasquesãogigantescorporativasnaChina,masinexperientesnomercadointernacionalequepassaramoúltimoperíodoavaliandooportunidadesdenegócionoBrasil44.
AChinaRailwayConstructionCorporationLimitedjáassinouacor-dosdeintençãodeinvestimentoseminfraestruturacomosgovernosdoPará(emjaneirode2016)edoMatoGrosso(emsetembrode2016).Jáemjulhode2014,aempresatinhaassinadoumacordocomaempreitei-raCamargoCorreaparaavaliaraformaçãodeconsórciosparadisputaroleilãodeferrovias,inclusiveaFerrogrãonoTapajós45.ÉprovávelqueainsegurançajurídicadasempreiteirasbrasileirasnocontextodaOpe-raçãoLava-Jato,comoanalisadoanteriormente,inviabilizeessastratati-vas.AgiganteChinaCommunicationsConstructionCompany(CCCC)anunciouemmaiode2016aaberturadeseuprimeiroescritórionoBra-sil,acompradaparticipaçãomajoritáriaemumaempreiteira(Concre-mat)eo investimentoemumterminalportuárioemSãoLuísdoMa-ranhãocomacessosàsferroviasTransnordestinaeCarajás46,assinando
44. http://exame.abril.com.br/economia/chineses-que-rem-investir-us-20-bilho-es-no-brasil/
45. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2014/07/1487636-empresa-chi-nesa-fecha-acordo-pa-ra-explorar-ferrovias-no--brasil.shtml
46. h t t p s : / /www.p o r t o se -navios.com.br/noticias/p o r t o s - e - l o g i s t i c a /34294-gigante-chines- desembarca-no-pais-e-in-veste-em-porto-da-wtorre
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
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em abril de 2017 o contrato para a construção do porto47. A empresatambémsinalizouaintençãodeparticipardediversosleilõesdeinfraes-trutura.AChinaRailwayEryuanEngineeringGroupCompanyestáre-alizandoosestudosdeviabilidadedaferroviaBioceânica.Emsetembrode2015,umacomitivadaAprosojafoiàChinasereunircomaempresaeapresentardadossobrecomoopotencialdecrescimentodaproduçãodasojanoMatoGrossonãopodesercontempladosomentecomospor-tosdoArcoNorte,numaleituraquediferedeoutrossetoresmaiscéti-cosemrelaçãoàBioceânica.Osruralistasdefendemquetêmcapacidadedeexpansãoprodutivaparaacommodity,mas,paraaviabilizaçãodeseuescoamento,precisamdeumagentecapitalistapoderoso.SenãoéoEs-tadobrasileiro,seráocapitalismodirigidopeloEstadochinês.
Nãoé somentenoBrasilounaAméricadoSulqueasempresaseadiplomaciachinesasampliamsuapresençanosinvestimentosemin-fraestrutura. É uma tendência global do capitalismo chinês, que criougigantescosgruposeconômicoscomcapacidadeociosadeconstruçãoequeacumulouumamassadecapitais incomparáveis,queprecisafazercircular as reservas imobilizadas em títulos de tesouro estadunidensea jurosbaixíssimo,adquirindonovosativos,emnovasrodadasdeacu-mulaçãoporespoliação.Trata-sedeumainternacionalizaçãodocapital
47. http://www.valor.com.br/empresas/4932602/cccc- avanca-no-pais-e-estuda- investir-em-infraestrutura
“ Em um contexto de avanço dos investimentos chineses em infraestrutura logística e de empenho do Congresso Nacional em operar o desmonte das
legislações ambientais, são enormes os desafios que têm pela frente comunidades e povos cujos territórios estão
na linha de traçado de corredores logísticos, organizações de assessoria popular e movimentos de atingidas
e atingidos ambientais”
71
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
chinêsfortementedirigidapeloEstadopormeiodemecanismosdefi-nanciamentoefacilitaçãoadministrativa(CintraePinto,2015).Aini-ciativaOne-Road-One-Belt(OROB),achamadanovarotadasedaconec-tandoaÁsia,aÁfricaeaEuropa,estána linhadefrentedaestratégiade expansão chinesa, fomentando um novo modelo de “cooperação”internacional,játestadopelaChinanaÁfrica,equeenvolvenenhumacondicionalidadepolítica,ouadoçãodenormasparaviabilizaroinves-timento,baixograudemilitarizaçãoenvolvidonaocupaçãoterritorialepromessasdeganhoseconômicosmútuos,buscandoconquistarconfian-çaedirimirconflitosemseuentorno.
Oprojetochinêsmobilizaimagináriosecausatemoresemrelaçãoaoexpansionismodogiganteemascensãoe,aomesmotempo,estabelecetendênciasedespertainteressesdeinvestidores.Éumprojetogeopolí-ticoecapitalistaqueredesenhaasveiasdometabolismodo“autômataglobal”,tendoaChinacomosuacolunavertebral.Alémdarotaterrestre(CinturãoEconômicodaRotadaSeda)edarotamarítima(NovaRotadaSedaMarítima)quecompõemaOROB,aChinatemprojetadoemcooperaçãocomseusvizinhosnaÁsiaumasériedecorredoresquecom-plementamopanorama.Osacordosbilateraisentreosgovernoschinêsebrasileiro,entreentidadesfederativasbrasileiraseempresaschinesaseosconsórcioseacordosdeinvestimentoentreasempresaschinesaseempresas brasileiras são derivações dessa dinâmica global que tem naÁsia-Pacíficoseueixomaisdinâmico.
Paraseterumaideia,oinvestimentoprevistodanovarotadasedaéde1,4trilhãodedólares,alavancadospeloSilkRoadFund,queatual-menterepresenta40bilhões,eplaneja-sequecheguea100bilhõesdedólares48,comomontanterestanteasercaptadonomercadoporgigan-tescorporativos.NocasodosinvestimentoschinesesnoBrasil,aassina-turaemoutubrode2016domemorandodeentendimentoqueestabele-ceoFundoBilateraldeCooperaçãoProdutiva,deUS$20bilhões,parececoncretizarnovasfontesdefinanciamento.Dototal,US$15bilhõesse-rãodirecionadospelaChinaapartirdoChinaLatinAmericanIndustrialCooperationInvestmentFund(Claifund),eUS$5bilhõesserãoinjeta-dospeloBrasil—nãosesabeaindaseapartirdoBNDESououtrafon-te.Este fundonãochegaa serumanovidade.Aproposta játinhasido
48. http://www.idsa.in/idsa-comments/china-one-ro-ad-one-belt-init iative_msanwal_290916
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
72
anunciada durante a visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, aoBrasilemmaiode2015,massónofinalde2016seustermosforamfirma-dos.Defato,em2015,oanúnciodapropostadestefundoficouàsombradeumacordofirmadoentreosdoispaísesparaacriaçãodeumfundodeUS$50bilhões,especialmentepensadoparaprojetosdeinfraestrutura49.EstefundomaioraparentementesaiudecenaeoFundodeCooperaçãoProdutivatemsidoprioridadenaagendadapolíticaexternadogovernoilegítimodeTemer.Aindaque,emprincípio,asempresasbrasileiraspos-samteracessoarecursostantoquantoaschinesas,ogovernoadmitequenaconjunturaatualserão,sobretudo,aschinesasarecebê-los50.
O fundo não implicará o depósito dos recursos pelos dois países.Trata-se de uma sinalização de disponibilidade. Os recursos serão re-passadosaoempreendimentoaprovadopeloconselhodofundo,sejavia
IMAGEM 12 | A NOVA ROTA DA SEDA CHINESA
49. http://www.valor.com.br/brasil/4056644/china-e--brasil-acertam-fundo-de--us-50-bilhoes-para-infra-estrutura
50. http://www.valor.com.br/brasil/4740841/brasil-e--china-criam-fundo-bila-teral-de-us-20-bi
MONGÓLIACAZAQUISTÃO
RÚSSIA
IRÃ
ÍNDIA
CHINA
QUÊNIA
ITÁLIASÉRVIA
GRÉCIA
POLÔNIAHOLANDA
PAQUISTÃO
UZBEQUISTÃO
INDONÉSIA
MALÁSIASRILANKA
LAOSTAI-
LÂNDIA
MYAN-MAR
ROTERDÃ
MOSCOU
ISTAMBUL
ATENAS
VENEZA
TEERÃ
CALCUTÁ
BISQUEQUEALMATY
ÜRÜMQI
COLOMBO
JACARTA
KUALALUMPUR
ZHANJIANG
FUCHEU
SIAN
BEIJING
NAIROBI
MAR DOSUL DACHINA
OCEANOÍNDICO
NOVA ROTA DASEDA MARÍTIMA
CINTURÃOECONÔMICO DAROTA DA SEDA
TURQUIA
MAR MEDITERRÂNEO
ROTAS DA SEDA
POR TERRA
POR MAR
NOVA VELHA
NOVA VELHA
FONTE: The Economist, 2016. Disponível em: http://www.economist.com/news/china/21701505-chinas-foreign-policy-could-reshape-good-part-world-economy-our-bulldozers-our-rules
73
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
financiamentodiretoàempresaoucompradedebênturesdosprojetos.Atendênciadefinanceirizaçãodeativosdeinfraestruturaéglobaleain-daincipientenoBrasilnaperspectivadospromotoresdaneoliberaliza-ção.Paraespecialistasdemercado51,o “amadurecimento”domercadodecapitaisnoBrasilerainibidopelopapeldoBNDESnomodeloante-rior,quedeve ter seuprotagonismoreduzidogradativamentenonovomodelo.Onovofundo,noentanto,nãodácontasozinhodanecessida-dedeinvestimentoparaosempreendimentosapontadosnasagroestra-tégias como necessários para concretizar os megacorredores logísticosparaescoamentodecommoditiesagrominerais.Espera-sequepartedosrecursospossamsercaptadosnomercadofinanceiro.
OpesquisadorNickHildyard(2016),daorganizaçãobritânicaCor-ner House, chama a atenção para a extração financeira envolvida nacriaçãodeativosfinanceirosatreladosamegaprojetosdeinfraestrutura,emumprocessoquedenominade“saqueorganizado”.Eleafirmaqueosrecursosnecessáriosparaasinfraestruturasdeinteressepúblico(hospi-tais,saneamentobásico,iluminaçãopública,etc.)poderiamsergaranti-doscomosrecursosexistentesnosbancosnacionaisemultilaterais.Sãoosmegaprojetosdesenhadospara“aniquilaroespaçopelotempo”ere-solveroproblemadadesconexãoentrecentrosdeextração,produçãoeconsumonaescalaevelocidadequeascadeiasglobaisdevalor(cadavezmaisexpandidasnoespaço)necessitamquetêmdemandadoummon-tantequeosrecursospúblicosnãopodemalcançar.
É neste ponto que entra a estruturação de ativos financeiros, emúltima instância subsidiadosegarantidospelos cofrespúblicosde for-maacriarfluxosestáveisede longoprazo,atraindoassimo interessedo capital financeiro. Uma das implicações dessa necessidade é que opotencial interessepúblicodeumprojetode infraestruturaficadees-canteiodiantedeprojetosdeinfraestruturadeinteressecapitalista,quepossamserexploradoscontinuamenteparagarantiraremuneraçãodosinvestidores. A reengenharia financeira utilizada para estruturar estespapéisatreladosamegaprojetosde infraestruturarespondeacrisesdesobreacumulação,direcionandomassasdecapitaiscomapetitedeopor-tunidades de investimento que ofereçam segurança jurídica e finan-ceira, e favorece afinanceirizaçãoe a criaçãodebolhasespeculativas.
51. Financiamento de Infra-estrutura e Segurança de Longo Prazo no Brasil. Se-minário do Valor Econômico. Novembro de 2016.
TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS
74
Osresultadospodemserdesastrososealgunsespecialistas jáapontamparaoiminenteestourodestasbolhas(ibid).
Outro instrumentoqueestásendopensadopelogovernobrasileiroparadar segurança jurídicaefinanceiraaos investimentosem infraes-truturaéacriaçãodeumsegurocambialqueprotejainvestimentoses-trangeirosdeoscilaçõescambiais52.Oquechamaatençãonestesmeca-nismosemoperaçãoouplanejadoséaextensãodaengenhariafinanceiraejurídicaqueoEstadosepropõeaapoiarparagarantirosmegaprojetosde infraestrutura que os investidores considerem estratégicos. Não háqualquerdebatepúblicoarespeitodeaquemeaquêservepotencializaresses megacorredores logísticos, que atividades econômicas extrativasserãoviabilizadaseemdetrimentodequemodosdeproduçãoedevidaqueseencontramnosterritóriosnalinhadetraçadodoscorredores.
“Não há qualquer debate público a respeito de a quem e a quê serve potencializar esses
megacorredores logísticos, que atividades econômicas extrativas serão viabilizadas e em detrimento de que modos de produção e de vida que se encontram nos
territórios na linha de traçado dos corredores”
52. http://www.valor.com.br/brasil/4863420/proposta- de-seguro-cambial-em- concessoes-agrada-setor.
75
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL
COMENTÁRIOSFINAIS
Apremissafundamentalsubjacenteaosmegaprojetosdeinfraestruturaéadequeosmodosdeproduçãoedevidanosterritóriossubalternossão inexistentes ou não expressam o “interesse nacional”, que fica re-duzidoaatividadeseconômicasquegeremvalordetrocadeformain-tegradanascadeiasglobaisdevalor,mesmoquesuasestruturassejamconcentradorasderenda,ambientalmentedevastadorasepromovamoetnocídiodepovos indígenas,camponesesepovosecomunidadestra-dicionais.Éuma ideiade“interessenacional”,acessadapara justificarocrescimentoeconômicocomofimemsimesmo,reafirmandoaconti-nuidadedocapitalismoextrativoeespoliadoreainvisibilizaçãodasas-simetriasdepoderquesentenciamosgrupossociaissubalternizadosàespoliaçãoouàinserçãosubordinadaaosempreendimentosquesepro-jetamsobreseusterritórios.
Aestesgruposbusca-senegarapossibilidadedeseremsujeitospolí-ticoscomsoberaniapopularsobreosdestinosdosterritóriosqueconsti-tuemeconstroem.Pelocontrário,ossistemasprodutivoslocaisquetêmdado sustentação à sociobiodiversidade dos territórios são taxados deimprodutivospornãopromoveraacumulaçãodecapitalemlargaescalaenãoviabilizaraextraçãofinanceira.Arealizaçãodedebatesquerespei-temostemposeasformasdeconsentimentolivre,prévioeinformado,apartirdosterritóriosqueseencontramnaslinhasdetraçadodosme-gacorredores,certamenteapontariaparaumdesenhodeinfraestruturasmenores,maisdescentralizadasequeservissemapotencializarossiste-massocioprodutivosoperadosemarticulaçãocomunitária.
Em conflito direto com as territorialidades capitalistas e estatais,cujos projetos implicam sua aniquilação e transformação em zonas desacrifícioparaoprocessodemetabolismodocapitalemescalaglobal,estasterritorialidadessubalternasseinsurgem.Alutaporsua(re)exis-tênciaconstituiaomesmotempoalutaporhorizontesalternativosquedeveminspirarqualqueresforçoanalíticoquesereconheçanocampodareivindicaçãodasoberaniadospovos,pelademocraciados“debaixo”,emcontraposiçãoealternativaaumaideiadesoberanianacionalhomo-geneizadora,definidapelos“decima”,ouaummeroentreguismoemtrocadeacumulaçãodepoderedinheiro.
77
Apartirdestaperspectivaemancipatória,entenderopapeldaChi-nanestesprocessosnãodevejamaisimplicarumaescolhaentreestaouaquelapotênciaglobalàqualoprojetodeinserçãointernacionaldoBra-sildevesesubordinarouentreestaouaquelaorigemdeinvestimentosquemelhorservemaesteprojeto.EntenderopapeldaChinaesuasim-plicaçõesqualificae subsidianossacapacidadederesistênciaparaqueconstruamosumprojetocomumquerespeiteereconheçaadiversidadesociocultural e produtiva e a multiterritorialidade contidas no Brasil,que reafirme o direito à autodeterminaçãodos sujeitospolíticos sobreseusterritóriosdevidaequeviseàampliaçãodobemcomumeàjustiçasocial,ambientaleagrária.
COMENTÁRIOS FINAIS
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ABREVIATURAS E SIGLAS
IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MME – Ministério de Minas e Energia
MP – Medida Provisória
MPE – Ministério Público Estadual
MPF – Ministério Público Federal
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
NAFR – Nova Arquitetura Financeira Regional
NDB – Novo Banco de Desenvolvimento
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OTP – Odebrecht Transport
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PARNA – Parque Nacional
PDE – Plano Decenal de Expansão de Energia
PIB – Produto Interno Bruto
PIC – Projeto Integrado de Colonização
PIL – Programa de Investimentos em Logística
PNC – Projeto Norte Competitivo
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PPI – Programa de Parcerias de Investimentos
PPP – Parceria Público-Privada
RADAM – Projeto Radar na Amazônia
RESEX – Reserva Extrativista
SEMAS/PA – Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará
TI – Terra Indígena
TLC – Tratado de Livre Comércio
TUP – Terminais Portuários de Uso Privado
UHE – Usina Hidrelétrica
UNASUL – União das Nações Sul-Americanas
ALBA – Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
APA – Área de Proteção Ambiental
ATAP – Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BR – Rodovia Federal
BRICS – Coalizão formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CBD – Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CNPE – Conselho Nacional de Política Energética
COSIPLAN – Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento
CTG – China Three Gorges (Três Gargantas)
DNPM – Departamento Nacional de Pesquisa Mineral
EDLP – Estação da Luz Participações
EF – Estrada de Ferro
EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
EPE – Empresa de Pesquisa Energética
ETC – Estação de Transbordo de Cargas
FLONA – Floresta Nacional
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IFI – Instituições Financeiras Internacionais
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DIANA AGUIAR integra o Grupo Nacional de Assessoria da FASE desde 2015, realizando pesquisa-ativista e assessoria e educação popular a redes e comunidades resistindo a processos de acumulação por espoliação relacionados a grandes projetos de investimento. É graduada em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro (2008) e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Foi pesquisadora do Transnational Institute (TNI) e facilitou a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo e Parar a Impunidade entre 2012 e 2015. Entre 2008 e 2010 foi coordenadora Global de Programas da International Gender and Trade Network (IGTN) e entre 2011 e 2013 facilitou a participação da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) em redes e processos transnacionais de mobilização para o enfrentamento da globalização financeira, como as contra-Cúpulas do G20 em Cannes, México e São Petersburgo.
A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓSNA AMAZÔNIA BRASILEIRA
DIANA AGUIAR
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