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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA DIANA AGUIAR REALIZAÇÃO:

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓSNA AMAZÔNIA BRASILEIRA

DIANA AGUIAR

APOIO: REALIZAÇÃO:

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

RIO DE JANEIRO, 2017

INICIATIVA

ActionAid Brasil rio de janeiro

Rua Morais e Vale, 111 / 5º andar Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20021-260

recife

Rua Viscondessa do Livramento, 168 Derbi – Recife – PE – CEP 52010-060

www.actionaid.org.br

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)sede nacional

Rua das Palmeiras, 90Botafogo – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22270-070

www.fase.org.br

APOIOMott Foundation

PESQUISA

Diana Aguiar

COORDENAÇÃO EDITORIALGerardo Cerdas Vega

ISBN978-85-89473-19-4

FOTO CAPAEstação de Transbordo de Cargas da Hidrovias do Brasil e da Bunge/Amaggi, em Miritituba (PA). crédito: ActionAid/FASE

FOTOSActionAid / Fase

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Mórula_Oficina de Ideias

REVISÃO Danielle Lopes Bittencourt

IMPRESSÃORotaplan

TIRAGEM

1000 exemplares

As opiniões vertidas nesse texto são de inteira responsabilidade da autora e não necessariamente refletem o ponto de vista institucional da ActionAid Brasil ou da Mott Foundation.

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Os sujeitos políticos das territorialidades insurgentes diante dos megaprojetos que aterrissam no Tapajós são a fonte de inspiração incontornável deste esforço analítico. As lutas que travam em defesa de seus direitos territoriais e modos de vida são o epicentro potente e fértil de um outro futuro (que brota do passado e presente) para o território e seus povos. Sem estas, todo esforço analítico é vazio de sentido. Diante destas, todo esforço analítico é marginal.

As análises aqui contidas foram realizadas com base em pesquisa de campo de cuja construção e condução participaram ativamente Sara Pereira (FASE Programa Amazônia) e Guilherme Carvalho (Coordenador do Programa Amazônia da FASE), além de Gerardo Cerdas (ActionAid Brasil), fundamentais neste processo. Além disso, este texto se beneficiou dos comentários de leitores mais que especiais, aos quais a dívida da autora não comporta agradecimentos suficientes: Carlos Brandão (IPPUR/UFRJ), Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ), Marcela Vecchione (NAEA/UFPA), Karina Kato (CPDA/UFRRJ) e Gerardo Cerdas (ActionAid Brasil). O estudo configura um resultado parcial de uma pesquisa em curso para processo de doutoramento em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio de Janeiro. As análises e possíveis equívocos são de inteira responsabilidade da autora.

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Seminário “Impactos, desafios e perspectivas dos Grandes Projetos na Bacia do Tapajós” realizado pelo Ministério Público Estadual em Itaituba (Pará) nos dias 23 e 24 de maio de 2016

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4 APRESENTAÇÃO

10 INTRODUÇÃO

16 MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA: O CASO DO TAPAJÓS

46 TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

76 COMENTÁRIOS FINAIS

79 ABREVIATURAS E SIGLAS

80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO

GERARDO CERDAS VEGA assessor de políticas

actionaid brasil

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Um movimento muito profundo caracteriza os nossos tempos: a tran-siçãodovérticedinâmicodaeconomiaglobaldoAtlânticoparaoeixoÁsia—Pacífico.Claramente,nãosetratadeumprocessolinearnemdeuma tendência irreversível, sem percalços, mas de uma disputa de di-mensõesgigantescas,cujosprimeiroscapítulosdatamdeváriosséculos,equehojesemanifestanaformamaisdiretaeevidentedoembatehege-mônicoentreosEstadosUnidoseaChina.Disputaquequestiona(em-bora não necessariamente abale) os limites e a abrangência da ordemgeopolíticaestabelecidaapósaSegundaGuerraMundial,quetevecomoganhador inconteste os Estados Unidos e como principal contendor aUniãoSoviética,comaChinapraticamenteemruínasapós sucessivasguerrasanticoloniaiseinternas,ocupandoumlugarmarginalnabalançadopoderinternacionalatépoucotempo.

Nessesentido,aemergênciaeconômicachinesa,fenômenoquesur-preendeuatodosporsuaintensidadeeenvergadura,verificadoespecial-menteapartirdosanos2000,épartedoprocessomaiordereemergên-ciaeconômicadaÁsiaOrientaldesdeadécadade1960.Paradiversosanalistas,setratadeumamudançaglobaldopodereconômicocompou-cosprecedentesnahistóriamundial,dadasuavelocidadeeextensãoge-ográfica,acomeçarpelarápidaascensãojaponesaapóssuagrandeder-rotabélica(décadasde1950e1960),seguidadoaceleradocrescimentodepaíseseregiõescomoCoreiadoSul,Taiwan,HongKong,Cingapura,MalásiaeTailândia(nasdécadasde1980e1990).Aascensãochinesaalimenta-se tanto desse dinamismo econômico e tecnológico regionalquanto das tendências centrífugas que a globalização introduziu comforça,apartirdosanos1990,namaiorpartedaseconomiasocidentais.

A China tem sabido capitalizar essas tendências e, hoje em dia, seprojeta como um claro oponente ao poderio econômico e financeiroamericano(noplanomilitar,avantagemamericanaéaindaesmagado-ra).Apartirdefinsdadécadade1970,enobojodeumaeranascentedefinanceirização,defato,ospaísesindustrializados(nomeadamenteosEstadosUnidos,mastambémpaísesdaEuropaeatéoJapão)começa-ramvorazmenteaprocurarnovosmercadosparaseucapitalexcedenteemãodeobrabarataparasuasempresas,permitindo-lhesassimofere-cerprodutosindustriaiscadavezmaisbaratosaconsumidorescadavez

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maisávidos.AChinapassou,desdeentão,aseroalvoprincipaldacorri-dadoscapitalistasocidentaisbuscandobaratearseuscustosealcançarastaxasextraordináriasdelucroquearelaçãoentrecapitaletrabalholhesnegavanospaísesdeorigem.

Masessa‘fase’daglobalização,emqueaChinaeravistaapenascomoaâncoradeumcapitalismoansiosoporlucrosexponenciaisàscustasdotrabalhoquaseservildecontingentespopulacionaisempobrecidos,che-gouaofimentreofinaldadécadade1990eosnossosdias.Oquehojevemosacontecer,deformaaparentementeimbatível,éomovimentodeumaChinaquepassouacomandargrandeparceladoprocessodagloba-lização,emergindocomooatormaisimportantedastransformaçõesdaeconomiamundialdaúltimadécadaemeia,muitoemparticularapóso terremotofinanceirode2008,cujoepicentroesteve justamentenospaísesocidentais.

Hoje, a China não apenas exporta bens industriais de pouco ou ne-nhumvaloragregado, comonopassado,masosbancoschinesese suasempresasdeconstruçãoeserviçospercorremoplanetaparacolocarseudinheiro,suasmercadorias(cadavezmaissofisticadasdopontodevistatecnológico)esuaexpertiseemserviçosdealtaqualificação,comoosdeengenhariacivil.Tudoissosemnosesquecerdofatodeelatersetrans-formadonodestinodamaiorpartedascommoditiesminerais,energéticase agrícolas produzidas no mundo, bens indispensáveis à sustentação docrescimentodessanação.Comoafirmaumaobrarecentesobreotema:

AChinaestácadavezmaisescrevendosuasprópriasregrasereinven-

tandoaglobalizaçãoàsuaprópriaimagem,abandonandogradualmente

muitasdasnormaseconvençõesusadaspelosEstadosUnidosepelaEu-

ropaaolongodesualongaeatéentãoincontestadatuteladoTerceiro

Mundo.(French,2014:17)1.

Nosúltimosanos,oschinesestêmsabido,também,seposicionarcomoumsócionãoapenas importante,masestratégicoparagrandepartedospaísesemdesenvolvimento—tantonaÁsiaquantonaÁfricaenaAmé-ricaLatina—,mediantemecanismosdecomércioecooperaçãobaseadosnaexportaçãodecapitaisetecnologias,emtrocaderecursosenergéticoseminerais,fundamentaisparasustentarsuaexpansãoerápidaurbanização

APRESENTAÇÃO

1. FRENCH, Howard W. China’s Second Continent. How a million migrants are building a new empire in Africa. New York, Vintage Books, 2014.

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dosúltimosanos.Depasso,essemecanismotemsidopeça-chaveparapo-sicionarbancoseempresasestataischinesasemsetoresigualmenteestra-tégicos,passandoacontrolarparcelasignificativadasreservasdepetróleodescobertasnosúltimosanosao redordomundo,dentreoutros.Atual-mente, no contexto das mudanças nos Estados Unidos e da prolongadaconvalescênciaeconômicaeuropeia,odebatesobreopapeldaChinanomundoganhamaisforçaenovoscontornos.

O Brasil não tem ficado imune à expansão chinesa. Há uma cres-cente literaturaaesse respeito, tantonoâmbitoacadêmicoquantodasociedade civil e, consciente da relevância do tema para o nosso país,aActionAidpublicou,em2016,umrelatórioqueabordaastendênciasdosinvestimentoschinesesdosúltimosanos, intitulado“Dinâmicaca-pitalistadosinvestimentoschinesesnoBrasil”.Esseprimeirorelatórioapresentouumquadrogeraldaexpansãochinesapelomundoedacres-centepresençadoscapitaischinesesnoBrasil,emparticular,ondetempassadoacontrolarimportantesativosnasáreasdeconstrução,automo-bilísticaebancária,dentreoutras,mas fundamentalmentenos setoresenergético(petróleo,gásehidroeletricidade)edemineração.Hojeemdia, comoa imprensavemecoando,aChinanãoéapenasoprincipaldestinodasexportaçõesbrasileiras,maséjáomaiorcredordoBrasil,e,em2016,concedeuaopaísempréstimosquesuperamos15bilhõesdedólares,concentrando72%dosempréstimosconcedidosparaaAméricaLatinacomoumtodo.

Agora,numsegundorelatório—produtodepesquisadesenvolvidapelaparceriainstitucionalentreaActionAideaFASE,—busca-sefor-necermaiselementosaodebatesobreapresençachinesanopaísesobreosimpactosparaapopulaçãobrasileiradessacadavezmaisimportanterelaçãocomograndedragãoasiático, levandoadiscussãoparaonívelmaisconcreto(eporissomesmomaisdifícildecompreender)dasdinâ-micasdessesinvestimentosnosâmbitoslocaleterritorial.Paraavançarnessa direção, apresentamos à/ao leitor/a os resultados desta pesquisarealizadaemregiõesdabaciadorioTapajós,emplenaAmazôniabrasi-leira,quemostraascontradiçõeseastendênciasdaintegraçãodoBrasilàsnovasdinâmicasdeacumulaçãoemescalaglobal,dasquaisaChina,comomencionadoantes,éoatormaisrelevante.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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TalveznãosejanecessárioenfatizaraquiovalorestratégicodaAma-zôniaparaograndecapital,nacionaloutransnacional,cujavoracidaderespeitapoucoslimitesequevemliteralmenteadevastando.MasnuncaédemaislembrarquedesdequeoregimemilitarbrasileirodeuinícioàconquistadaAmazônia,comacriaçãodaOperaçãoAmazôniaedaSu-perintendênciadeDesenvolvimentodaAmazônia(emmeadosdosanos1960) e com a inauguração da rodovia Transamazônica (em 1970), aagressãoàfloresta“aferroefogo”jálevouàdevastaçãoe/oudegradaçãode40%dela,comimpactosabsolutamentedeletériosparaseuspovos.

Esseprocessocontinuaaindahojeapassosaceleradoseénessecontex-toquebuscamosinseriraanálisedapresençadeinvestimentoschinesesnaAmazônia,emdisputacomoutroscapitais,tentandoolharparaafor-maespecíficapelaqualocapitalchinêsentranacorridapelocontroledeumadasregiõesdomundo,queéchaveparaadisputageopolíticacontem-porânea.Emparticular,olharparaadinâmicadosinvestimentoseminfra-estruturatemnospermitido,mediantearealizaçãodotrabalhodecampoeolevantamentodeevidênciasempíricas,umacompreensãoinicialmaisaprimoradadaformaemquetodosessesinteressesetodaagrandedisputageopolíticadenossosdiasseentrelaçamcomavidadospovosindígenas,comunidadestradicionais,camponeseseoutrosgrupossociaispresentesnoterritório,comconsequênciasmuitasvezesdevastadorasparaeles.Háprocessoscomplexosportrásdasaparênciasquenemsempreasnossasca-tegoriaspermitemcaptar,sendonecessárioiraocampoparaapreenderasnuancesmoleculares,porassimdizer,queaacumulaçãodecapitalesuaslógicasdeexpulsãoestãoganhandononívelterritorial.

Apesquisaqueapresentamosforneceelementosrelevantesparaumaabordagemdotema.Emborahajaaindalacunasimportantesnoquedizrespeitoaoacessoàinformaçãonoslocaisvisitados,assimcomojuntoàsagênciasepoderesestataisqueregulam(oudeveriamregular)aentradado capital nas áreas em disputa e junto às empresas ou consórcios deempresasatuantesnaregião,éprecisosublinharqueapesquisaqueo/aleitor/atememmãosconstituiumvaliosotrabalhodelevantamentodeinformaçõesemapeamentosobreosempreendimentoslogísticosquesemultiplicamnesseterritório,sobreosquaiséfrequentesedepararcominformaçõescontraditóriaseincompletas.Olevantamentorealizadoem

APRESENTAÇÃO

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campoéricoemdetalhesenosofereceumpanoramamaisprecisodasdinâmicasdeacumulaçãodecapitalpresentesnosterritóriosameaçadosda Amazônia brasileira, desde uma perspectiva analítica multiescalar,quepermite,emváriosníveis,umaabordagemdosatorese interessesqueascompõem.

Estapesquisa,portanto,éumesforçoconcretoenecessárioparaco-meçaralidarcomessaslacunasesistematizarmaisdetalhadamenteosdadosexistentessobreosinvestimentospresentesnoterritório,olhan-doparaocasochinêsnumcontextomaior.NãoobstanteapresençadocapitalchinêsnabaciadoTapajóssejaaindaincipiente,otrabalhore-alizadonospermiteafirmarqueele jáaparecefirmenacontendacomoutroscapitaisquebuscamocontrolesejadaprodução,sejadasrotasdeescoamento,paraascommoditiesquecrescentementepassamacomporapaisagemdaregião,atingindomaisumavezavidadeinúmerascomu-nidadesepovostradicionaisdaflorestaedosrios,emnome,dessavez,daintegraçãodoBrasilàglobalização.

Parafinalizar,émuitoimportantedestacarotrabalhorealizadopelosmembrosdaequipedaFASEqueparticiparamdoprocessodepesquisaeelaboraçãodesterelatório.Emespecial,queremosagradeceraDianaAguiar,daFASENacional,assimcomoosuportedaSaraPereiraedoGuilhermeCarvalho,daFASEAmazônia.Semesseempenhoe semoconhecimentoecontatoslocaisdaFASEnabaciadoTapajós,arealiza-ção dessa pesquisa não teria sido possível. A ActionAid agradece tam-bémoapoiofinanceirodaFundaçãoCharlesMottStewart,fundamentalparaviabilizarasvisitasàregiãoeolevantamentodasinformaçõesindis-pensáveisàelaboraçãodestematerial.

Assim,desejamosumaboaleituraeesperamosqueestetrabalhosub-sidiesuasanáliseseofereçaelementosparaummaioraprofundamentonesses temas por parte de outros/as pesquisadores/as e organizações,tantonoBrasil,quantoemoutrospaíses.Esperamostambémquesejaútilaosesforçosdeorganizaçõesemovimentossociais, locaisenacio-nais,queatuamnadefesadaAmazôniaeporumBrasilondeaintegra-çãoaomercadomundialnãopassemaispelasubordinaçãodanaturezaedospovos indígenase tradicionaisàvoracidadedestrutivadocapitalglobalizado.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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INTRODUÇÃO

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Movimentossociaiscríticosdaglobalizaçãoneoliberalenfatizamainten-sificaçãodosfluxosdedinheiro,mercadoriaseinformaçãoqueparecemterencurtadoasdistânciasepotencializadocadeiasprodutivasdeslocali-zadasquesedeslocamnogloboembuscadosmelhoreslugareseoportu-nidades para acumular capital, driblando e removendo obstáculos regu-latóriosintereintraestatais,integrandodeformasubordinadaosgrupossociaissubalternosqueencontramnocaminhoe/ouespoliando-osdefor-maviolenta.

Masainfraestruturaqueviabilizataisfluxos,asveiasquerasgamoespaçoplanetárioparacanalizá-los—comooscabosdefibraótica,asferrovias, os gasodutos, etc. — estão encarnadas de superlativa mate-rialidade(Barreda,2005;Hildyard,2016),constituindoumaafirmaçãocontundentedaeuforiaglobalizanteedosprocessosdeacumulaçãoporespoliação(Harvey,2004).Fluxoeterritorialidadesãoduasdimensões,emconflitoeacomodação,deummesmoprocesso.

Vivemos em uma era de megaprojetos2. Estima-se que o gasto di-rigidoaeste tipodeprojetosejade6a9trilhõesdedólaresanuais,oequivalentea8%doProdutoInternoBruto(PIB)mundial.Aindaqueprojetos“faraônicos”nãosejamumfenômenorecente,comoaprópriareferênciaàantiguidadeegípciadaexpressãodemonstra,opadrãoatu-alcorrespondeaomaiorboomde investimentosdahistória.Sehá100anosamaiorpartedosgrandesprojetossemediaemmilhõesdedóla-res,aSegundaGuerraMundialesuabombaatômicaeaGuerraFriaesua corrida espacial transformaram o panorama. Alguns megaprojetosdosúltimos50anossãoemsimesmosmaioresdoqueoPIBdemuitospaíses (Flyveberg,2014).Sãonúmerosquedizemrespeitoamegapro-jetosdiversos,comoosdecunhoextrativo (petróleo,gás,mineração),megaeventos(CopadoMundoeJogosOlímpicos),urbanos,militaresdedefesaeaeroespacial,etc.,masosprojetosdeinfraestruturaparaviabili-zá-losrepresentamumaporçãosignificativadoconjunto.

Oeixodinâmicodosinvestimentosemmegaprojetosdeinfraestrutu-rajásedeslocoudaseconomiascentraisdosistema-mundoparaaseco-nomiasditas“emergentes”,comosBRICS(Brasil,Rússia,Índia,ChinaeÁfricadoSul),eemespecialcomaChina,partindoemescalada.Emape-nascincoanos,de2004a2008,aChinagastoumaiseminfraestruturado

2. Ao que parece, a literatura acadêmica do campo da Gestão utiliza a convenção de que megaprojetos são aqueles com custo superior a 1 bilhão de dólares, embo-ra reconheça que o sentido estrito da palavra “mega” do ponto de vista técnico se refira à casa dos milhões, o que caracterizaria os pro-jetos orçados em bilhões — cada vez mais comuns — tecnicamente como “gigaprojetos” (Flyveberg, 2014).

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quedurantetodooséculoXXeconstruiutantosquilômetrosdeviasparatrensdealtavelocidadequantotodaaEuropaaolongodeduasdécadas(ibid).Nosoitoanosentre2003e2010,oBrasilconstruiuquaseodobrodequilometragemdeferrovias(909km)emrelaçãoaosoitoanosanterio-res(512kmentre1995e2002).Esuperouessamarca,construindomais1088kmnosquatroanosseguintes(2011a2014)3.

Éumatendênciaquenãomostrasinaisdearrefecimento.Aocontrá-rio,umthink tankcorporativo4estimaque,entre2013e2030,oinves-timentoeminfraestrutura—grandepartenaformademegaprojetos—seráde3,4trilhõesdedólaresanuaisou4%doPIBmundial.Deacordocomesteagentedemercado,nãosetratasomentedeumaestimativa,masdeum“imperativo”paragarantirastaxasdecrescimentodaecono-miamundialsupostamentenecessáriasparaobem-estardaspopulações.

Amegalomaniadopadrãoatualdedesenvolvimentocapitalistanãodiz respeito somente a números de investimento, embora estes ilumi-nemaintensificaçãodasprivatizaçõesdebenspúblicossobafachadadeconcessões,parceriaspúblico-privadas(PPPs)etodasortedeusodere-cursospúblicosparadiminuirriscoseatraircapitaissobreacumulados,queestãoembuscadeinvestimentosmaisseguros.Emumcontextoderetração dos orçamentos públicos, a suposta inexorabilidade de mega-projetosdeinfraestruturaparaassegurarodesenvolvimentocapitalistatemjustificadoacanalizaçãodeprogramasepolíticaspúblicasemproldagarantiaderetornoaoinvestimentoprivado.

Noentanto,ésobretudodopontodevistadecomosematerializamnoespaçoplanetárioqueosmegaprojetosproduzemreordenaçõesespa-ço-temporaiseconsequentesconflitosentreterritorialidades.Nessesenti-do,ocasodoTapajóséemblemático.Paraesseterritórioestãoplanejadosempreendimentosdiversos,constituindoumadasfronteirasespeculativasemmaisfrenéticaexpansãonaAmazôniabrasileira.Alémdashidrelétri-casdoComplexoTapajósqueestãonosplanosdecenaisdoMinistériodeMinaseEnergia(MME),oterritórioestárecortadoporpedidosdealvarásdepesquisamineráriafeitosporgigantesdosetoraoDepartamentoNa-cionaldePesquisaMineral(DNPM).Aomesmotempo,estãoavançandoprojetosquevisamaconverteroTapajósemumextensocorredorlogís-ticomultimodalparaoescoamentodecommoditiesagrícolasdonortedo

3. MPOG, 2016. Programas de Infraestrutura: PAC e PIL. Apresentação de Maurício Muniz, Secretário do Pro-grama de Aceleração do Crescimento — SEPAC / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Dis-ponível em: http://www.planejamento.gov.br/apre-sentacoes/apresentaco-es-2015/brasilianas-1.pdf Última visualização: agosto de 2016.

4. McKinsey Global Institute, 2013. Infrastructure pro-ductivity: How to save $1 trillion a year. McKinsey and Company.

INTRODUÇÃO

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MatoGrossorumoaoAtlânticoNortee,quiçá,intensificaraexpansãodafronteiraagrícolarumoaosuldoPará.

ApavimentaçãodaBR-163,asobrasdahidroviaTapajós-TelesPires,umaferroviaentreLucasdoRioVerde(nortedoMatoGrosso)eItaituba(Pará)emaisdevinteterminaisportuáriosprivadosestãoprevistosparaaregião,algunsdosquaisjáemoperação,construçãoelicenciamento.AlgumasdessasobrasestavamprevistasemprogramasgovernamentaiscomooProgramadeAceleraçãodoCrescimento(PAC)eoProgramadeInvestimentosemLogística(PIL)eoespelhoregionaldestes,aIniciati-vaparaaIntegraçãodaInfraestruturaRegionalSulamericana(IIRSA).Se as concessões a capitais privados já eram uma tendência no plane-jamento público, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) dogovernoemexercícioconsolidaaprivatizaçãodessesempreendimentoscomoregra,apontandoparaumatendênciaàinternacionalizaçãodessasconcessõeseparaoendividamentoexterno.

Os terminais portuários privados ajudam a visualizar a complexi-dade de capitais presentes: de três das maiores tradings do setor agrí-cola (as norte-americanas Bunge e Cargill e a francesa Louis Dreyfus

“Em um contexto de retração dos orçamentos públicos, a suposta inexorabilidade de megaprojetos de infraestrutura para assegurar o desenvolvimento

capitalista tem justificado a canalização de programas e políticas públicas em prol da garantia de retorno

ao investimento privado”

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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Commodities)a joint-venturesqueenvolvemcapitalchinês(Cianport),passando por uma gigante argelina da siderurgia e agronegócio (Cevi-tal),empresasderuralistasmato-grossenses(Ammagi)eumaempresadecapitalaberto(HidroviasdoBrasilSA),quetemcanalizadoinvesti-mentosdaInternationalFinanceCorporation—IFC(obraçocorpora-tivodoBancoMundial),doBancoNacionaldeDesenvolvimentoEco-nômicoeSocial(BNDES)edeoutrasempresasfinanceiras.Nocasodaferrovia,porexemplo,algumasdastradingsestrangeiraseumagigantechinesadosetordeinfraestruturajásinalizaraminteressenaconcessão.

OmunicípiodeItaituba,nomédioTapajós,éoepicentrodegrandepartedessesinvestimentos.Comumaeconomiabaseadanogarimpoile-galdeouroe,emmenorescala,nocomércioilegaldemadeira,acidadeestá inquietacomos investimentoseseuspotenciais impactossobreagarimpagem.SendoaregiãoummosaicodeUnidadesdeConservação,possivelmenteomaiordomundo,as instâncias federaisdedisciplina-mentoterritorial—taiscomooInstitutoChicoMendesdeConservaçãodaBiodiversidade(ICMBio)eoInstitutoBrasileirodoMeioAmbienteedosRecursosNaturaisRenováveis(IBAMA)—intensificamsuaatua-ção.OMinistérioPúblicoFederaleoEstadualdesenvolvemaçõesdiver-sasdeexigibilidadededireitos.

AlgunspovosindígenasepovosecomunidadestradicionaisdoTapa-jóstêmmobilizadoumvibranteprocessoderesistênciaaosmegaproje-toshidrelétricos,emarticulaçãocomredesregionais,nacionaisetrans-nacionaisdeativismo,reivindicandooDireitoàConsultaLivre,PréviaeInformadadeacordocomaConvenção169daOrganizaçãoInterna-cionaldoTrabalho(OIT)ecomosDireitosTerritoriaisgarantidospelaConstituiçãode1988efortalecidospelaPolíticaNacionaldeDesenvol-vimentoSustentáveldosPovoseComunidadesTradicionais.Ospode-respúblicoslocaisalegamsesentiremalienadosdasdecisões,inclusivepelogovernodoestadodoPará,earticulamumconsórciodeprefeitu-ras.Ealgunsempresárioslocaissemovimentamparasebeneficiaremdoaquecimentodomercadodeterrasedeoutrasoportunidadesdeagen-ciamentodosinteressescapitalistas.Oencontroentreessasmúltiplasediversasterritorialidadesprovocareordenaçõesespaço-temporaisecon-sequentesconflitose(re)acomodações.

INTRODUÇÃO

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Vista do rio Tapajós (e da cidade de Itaituba) a partir de Santarenzinho

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MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:

O CASO DO TAPAJÓS

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O COMPLEXO HIDRELÉTRICO DO TAPAJÓS

QuandoasobrasdaUsinaHidrelétrica(UHE)deBeloMontejáestavamemcursonorioXingu,asatençõesdemovimentosporjustiçaambientaleemdefesadosdireitosterritoriaisdepovosindígenasetradicionaissedirigiramemparteparaorioTapajós,umoutroafluentedoAmazonas.Desdequeosplanejamentoselétricosduranteosgovernospetistasde-terminaramqueaexpansãodaofertadeenergiadopaíscentrariafogonaconstruçãodemegaprojetoshidrelétricosnabaciaamazônica,fluxosmigratóriosdetrabalhadoresembuscadeoportunidadesforamseguin-doosanúnciosdosmegaprojetoseachegadadasempreiteiras,consti-tuindoumarededeofertademão-de-obraeserviçosquesedeslocavanoespaçonamedidadotempodecadaprojeto.

De Santo Antônio e Jirau no rio Madeira (próximo a Porto Velho,Rondônia) a Belo Monte no rio Xingu (próximo à cidade de Altamira,Pará),achegadadeforasteirosprovocouinchaçopopulacional,violênciaecaosnaprovisãodeserviçospúblicos.Osempreendimentoscausaramtensões,insegurança,capturadeterras5,aquecimentodomercadodeter-raseexpulsões,alémdeprofundadesarticulaçãodotecidosocial local.As transformações no ciclo hidrológico dos rios — com consequênciasdevastadoras, inclusivenaBolívianocasodorioMadeira—,aerosãodabiodiversidade,aspressõesdedesmatamentosobreaflorestaeodes-mantelamentodasterritorialidadesconstitutivasdosmodosdevidadepovosindígenasetradicionaisdaregiãosomentepoderãosersistemati-zados,entendidoseavaliadosemsuacomplexidadeaolongodaspróxi-masdécadas.

Nenhum desses processos ocorreu sem encontrar forte resistência:grevesdetrabalhadores,ocupaçõesdecanteirosdeobrasporpovosindí-genasemovimentossociais,caravanasemobilizaçõesabundaram.OEsta-donãohesitouemutilizaraForçaNacionalnarepressãoaosmovimentos.

Todoesteprocessoaconteceemumcontextonoqualaexploraçãodopotencialenergéticodabaciaamazônicaérelativamenterecente,so-bretudoquandocomparadaaoutrasbaciashidrográficasdaAméricadoSul.6 Isto sedeveprovavelmenteàcomplexidadehidrológicadabacia,

5. Uma literatura vasta sobre desenvolvimento rural e estudos agrários tem dedi-cado atenção ao crescente fenômeno global de “land grab” (captura de terras), como a passagem de enor-mes porções de terras, travestida ou não de lega-lidade, das mãos de grupos sociais subalternos para agentes econômicos pode-rosos, não raro empresas transnacionais.

6. Por exemplo, as bacias do Uruguai, São Francisco, Pa-raná e Tocantins têm, em média, mais barragens por 100 quilômetros de exten-são de rio do que a bacia amazônica. Para mais in-formações: International Rivers (2014). The State of the World’s Rivers: Mapping the Health of the World’s Fifty Major River Basins. Disponível em: http://www.internationalrivers.org/worldsrivers.

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às dificuldades de acesso devido à densidade da floresta tropical e, fi-nalmente,masnãomenosimportante,àresistênciahistóricadasredesdesolidariedadelocaisetransnacionaisdemovimentossocioambientaiseindígenascontraasnumerosastentativasdeexecutarprojetosparaaconstruçãodemegahidrelétricasnaregião(AguiareVecchione,2015;Sevá,2005).

Com uma área que se expande por aproximadamente 7.050.000km²,abaciaamazônicaéamaiordoplaneta,abrigandoosmaioresní-veisdebiodiversidadedomundo.Abrangendocercade40%doterritó-riodaAméricadoSul,estende-sepornovepaísesdaregião.Em2014,havia105barragensnabaciaamazônicaeoutras254estavamemfasedeconstruçãooudeconcepçãodoprojeto7.

ParaooesteparaenseestáplanejadooComplexoTapajós,umcon-juntodeseis8megaprojetoshidrelétricos:SãoLuizdoTapajóseJatobá(norioTapajós)eJamanxin,CachoeiradoCaí,CachoeiradosPatoseJardimdoOuro(astrêsnorioJamanxin,tributáriodoTapajós).AsseishidrelétricasselocalizariamnomunicípiodeItaituba.Amaiordelas,SãoLuizdoTapajós,logosetornouoepicentrodomaiorconflitoam-bientalemcursonoBrasil,mobilizandoaresistênciadopovoindígenaMunduruku, de povos tradicionais (sobretudo os que vivem na áreade afetação direta do reservatório previsto para essa e outras usinasnomédioTapajós,comoascomunidadesdePimentaleSãoLuizedeMontanhaeMangabal),demovimentostapajônicos(muitosdosquaisdoBaixoTapajós,emSantarém)eredesnacionaisetransnacionaisdeativismo.Apesardenãoseremosúnicosatingidospelomegaprojeto,osMundurukusseconstituíramnosujeitopolíticomaisvisíveldare-sistência.

OpovoMundurukuestáespalhadoaolongodabaciadoTapajós.Emsuasassembleiasanuais,otemadosmegaprojetoshidrelétricostemlu-garcativonaagendaenaspreocupações,mobilizandofalascombativas.Umconvidadonão-indígenaconsegue“pescar”palavrasemportuguês,que não se traduzem em Munduruku, nas falas das lideranças nessasimportantes reuniões daorganizaçãopolíticadessepovo. “Governo”e“barragem”estãoentreasmaisfrequenteseenérgicas9justamentepelapreocupaçãoqueprovocam.

7. International Rivers (2014), op. cit.

8. O número de hidrelétricas do Complexo Tapajós varia bas-tante entre os relatórios escri-tos a respeito. Isto certamente tem a ver com o fato de que os Planos Decenais de Expansão de Energia (PDE) do MME, pu-blicados anualmente, variaram bastante quanto a dispor de dados específicos sobre as hi-drelétricas do complexo. A UHE São Luiz do Tapajós já aparece como indicativa desde o PDE 2017, publicado em 2008. No entanto, é a partir do PDE 2019, de 2010, que as seis hidrelé-tricas do Complexo aparecem como “novos projetos hidrelé-tricos a serem viabilizados”. Naquele ano, além das seis, também é mencionada a UHE Chacorão (de 3336 MW) no rio Tapajós, que desaparece a partir do PDE 2020, de 2011. Neste PDE, também desapare-ce a UHE Jardim do Ouro, per-manecendo as demais. A partir do PDE 2021, de 2012, somente a UHE São Luiz do Tapajós e a UHE Jatobá permanecem nos planos e são apresentadas como “estratégicas de inte-resse público, estruturantes e prioritárias para efeito de licitação e implantação, con-forme Resolução do [Conselho Nacional de Política Energéti-ca] CNPE nº3 de maio de 2011” (p. 79). A UHE Chacorão e as três UHEs previstas para o rio Jamanxin em 2010 e 2011 não têm aparecido explicitamente nos últimos quatro PDEs.

9. Notas da autora durante as-sembleia Munduruku na aldeia Dace Watpu, localizada às margens do Tapajós na área administrativa do município de Itaituba, de 22 a 25 de se-tembro de 2015. Todo agrade-cimento ao povo Munduruku pelo convite e pela confiança necessária para estar presente nesta importante assembleia.

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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TERRAS INDÍGENAS

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL

BARRAGEM PROJETADA

ALAGAMENTOPREVISTO

USINA HIDRELÉTRICA

ASSENTAMENTOSRURAIS

AM

MT

PA

RIO ABACAXIS RIO

PARA

UARI

RIO CANUMÃ

RIO

JURU

ENA

RIO CURURU OU CURURURI

RIO S. MANUEL OU TELES PIRES

RIO CREPORIRI

O M

AUÉS

RIO IRIRI

RIO IRIRI

RIO AMAZONAS

RIO TAPAJÓS

FLONA DO JATUARANA

FE DOAPUÍ

RDSBARARATI

PE DOSUCUNDURI

PARNA DO JURUENA

TIMUNDURUKU

TI CAYABI

PARNA DO RIO NOVO

APA DOTAPAJÓS

FLONA DO JAM

ANXIM

APA DO JAMAN

XIM

FLONA DOCREPORI

APA DOTAPAJÓS

FLONA DO AMANÃ

PARNA DAAMAZÔNIA

PARNA DOJAMANXIM

FLONA DOTRAIRÃO

FLONA DEALTAMIRA

RESEX RIOZINHO DO

ANFRÍSIO

FLONA DEITAITUBA 1

FLONADE

ITAITUBA 2

TI SAI CINZA

FLONA DE

PAU-ROSA

ESEC ALTOMAUÉS

FLONA DEURUPADI

RESEX TAPAJÓS

ARAPIUNS

FLONA DO TAPAJÓS

REBIONASCENTES

DA SERRA DO CACHIMBO

TIPANARÁ

RESEX RIO IRIRI

TI BRAGANÇA/MARITUBA

TI MUNDURUKU/TAQUARA

TI MARÓ

TI COBRA GRANDE

TI ANDIRÁMARAU

TI IRIRI

TI XIPAYA

TI KURUÁYA

TIMENKRAGNOTI

TIBAÚ

BR-163

BR-163

BR-230

BR-1

63

BR-230

BR-230

ITAITUBA

SANTARÉM

RIO TAPAJÓS

RIO JAMANXIM

USINAS DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO DO TAPAJÓS

NOME DA HIDRELÉTRICA RIO POTÊNCIA INSTALADA

SÃO LUIZ DO TAPAJÓS TAPAJÓS 6133 MW

JATOBÁ TAPAJÓS 2336 MW

JAMANXIN JAMANXIM 881 MW

CACHOEIRA DO CAÍ JAMANXIM 802 MW

CACHOEIRA DOS PATOS JAMANXIM 528 MW

JARDIM DO OURO JAMANXIM 227 MW

IMAGEM 1 | PRINCIPAIS HIDRELÉTRICAS E ÁREAS PROTEGIDAS

base cartográfica: Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. Disponível em: https://www.internationalrivers.org/sites/default/files/attached-files/tapajos_digital.pdf.

quadro: Levantamento de dados da autora. FONTE: MME 2010

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DeacordocomoMME(2007),abaciaamazônicaéondeseconcen-traomaiorpotencialhidrelétrico(77milMW),edentresuassub-bacias,o Tapajós, com 24.626 MW, corresponde a 32% do total, com a maiorpartedopotencialprojetadoreconhecidamentesob“restriçãoambiental”(p.37).A“interferênciadiretaemterrasindígenas”nãoestáapresentadaporsub-baciaeequivale,segundoaestimativadoMME,a44%dototaldopotencialprojetado.Certamente,estaproporçãoémaisaltanoTapajós.

Emagostode2016,oIBAMAdecretouocancelamentodolicencia-mentodeSãoLuizdoTapajós.OanúnciofoicelebradocomcautelapelopovoMundurukuepelosmovimentosderesistênciaaomegaprojeto.Aoquetudoindica,adecisãofoipermitidapelogovernointerinonãoporumapreocupaçãocomosdireitosterritoriaisdospovosdaflorestaecomajustiçaambiental,massimportemerodesgastecomummegaprojetotãocontroverso.Etambémpelaavaliaçãodeque,emrazãodaatualcriseeconômicaecomoiníciodaoperaçãodeBeloMonte,opaísestáentran-doemumperíododesobreofertadeenergia,enãodedemandacrescen-te,comopreviamosPlanosDecenaisquejustificavamanecessidadedashidrelétricas.OavançodolicenciamentodestaedasoutrashidrelétricasdoComplexoTapajósaindaestáindefinidonocontextoatual.

Além de geração de energia, as hidrelétricas do Complexo Tapajóscriariamumasucessãodelagos,tornandoorionavegávelemtodasuaex-tensão.Hoje,orioéplenamentenavegávelporbarcaçasdegrandepor-tedesdesuaporçãomédia,naalturadaaldeiaDaceWatpu,próximaàscorredeirasdeSãoLuiz(municípiodeItaituba),atédesembocarnoBai-xoAmazonas,noentornodacidadedeSantarém.Seusdoisformadores,JuruenaeTelesPires,nascemnoMatoGrosso—nocoraçãodeextensaspastagensdecriaçãodegadoelatifúndiosprodutoresdesojaeoutrascom-moditiesagrícolas—eseencontramnadivisanortedoestadocomoParáeoAmazonas,setransformandonorioTapajósecompletandoasub-ba-cia.TodootrechoamontantedascorredeirasdeSãoLuiz,nomunicípiodeItaituba,nãoéatualmentenavegávelporgrandesembarcações.Aoala-garumextensoterritóriocomseusreservatórios(verImagem1),asUHEsdocomplexohidrelétricocriariamumasucessãodelagos,viabilizandoahidroviaTapajós-TelesPires,transformandoorioemumgrandecorredorlogístico.Háoriscodeocomplexo,aocontrário,inviabilizarahidrovia,

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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casoaseclusasparaapassagemdeembarcaçõesnãosejamintegradasaoprojetodaobra.Essetemortemlevadoassociaçõesdoagronegócioacolo-carolobbypelaseclusasentreseusobjetivosprioritários(verQuadro4).

Oescoamentodecommoditiesagrícolasatravésdahidrovianãoéaúni-caformadeexploraçãoeconômicadoterritórioempossívelconflitocomocomplexohidrelétrico.Agarimpagemdeouro,principalatividadeeco-nômicadaregiãodesdeadécadade1960,executada,sobretudo,deformailegal,podeserprejudicadapelocomplexo.Deacordocomalgunsestudos,osreservatóriosdasprincipaishidrelétricasinundariamgarimpos(verima-gens2,3e4).Aperspectivagerapreocupaçõesnapopulaçãolocal.

IMAGEM 2 | FLONA ITAITUBA II E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS

PARÁ

GARIMPOS INUNDÁVEIS DA FLONA ITAITUBA II

GARIMPOS

FLONA ITAITUBA II

FLONA ITAITUBA I

PARNA DA AMAZÔNIA

GARIMPODIAMANTE

FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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IMAGEM 3 | FLONA ITAITUBA I E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

GARIMPOS INUNDÁVEIS DA FLONA ITAITUBA I

GARIMPOS

FLONA ITAITUBA II

APA DO TAPAJÓS

FLONA ITAITUBA IPARÁ

FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012

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IMAGEM 4 | APA DO TAPAJÓS E A DISTRIBUIÇÃO DOS GARIMPOS INUNDÁVEIS E NÃO INUNDÁVEIS

GARIMPOS INUNDÁVEIS DA APA DO TAPAJÓS

GARIMPOS

FLONA ITAITUBA I

APA DO TAPAJÓSI

FLONA ITAITUBA II

PARÁ

FLONA CREPORI

FONTE: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 2012

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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REGIÕES BENEFECIADAS

• A hidrovia servirá para escoar principalmente a produção das regiões oeste e médio-norte do Estado, que concentram mais da metade da produção agrícola.

• Serão transportados pela hidrovia grãos para exportação e para abastecer o Nordeste brasileiro.

HIDROVIA TAPAJÓS-TELES PIRES

Existem projetos alternativos de construção da hidrovia (ver Imagem5),semnecessariamentepassarpelocomplexohidrelétrico,realizandoobrasderemoçãodeobstáculosderochasetrechosarenosos.Noentan-to,alicitaçãodaHidroviaTapajós-TelesPiresaindanãosaiudopapel.

Houve uma tentativa de licitação em 2012, que foi suspensa pararevisão do edital. Especula-se que, em razão do custo estimado daobra, ela não teria atraído o setor privado. De acordo com a Associa-çãodosProdutoresdeSojaeMilhodoEstadodoMatoGrosso,comahidrovia, o custo de transporte por tonelada de soja cairia de R$ 227paraR$60,representandoumaeconomiadeR$2bilhõesanuais.10

10. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2012/09/1149127-hidrovia-no-para- deve-reduzir-em-r-2-bi- custo-de-frete-de-graos- do-mt.shtml

IMAGEM 5 | CORREDOR LOGÍSTICO DO TAPAJÓS

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

PRINCIPAIS PORTOS

TRECHOS COM PROBLEMAS DENAVEGAÇÃO

TRAJETO DA HIDROVIA

FERROGRÃO – (LUCAS DO RIO VERDE (MT) /MIRITITUBA (PA)

RODOVIASMT

PA

AM

SANTARÉM

ITAITUBA

JACARECANGA

APIACÁSInício dahidrovia

BUBURÉ

SÃO LUIZ DO TAPAJÓS

CACHOEIRAS

ROCHASE AREIA

ARENOSO

RIO

JURU

ENA

RIO TELES PIRES

RIO

TAPA

JÓS

BR-230

BR-163

FONTE: Folha de S. Paulo, 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/09/1156103-licitacao-de-projeto-da-hidrovia-tapajos-teles-pires- e-suspensa.shtml

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AtualmentetramitanoCongressoNacionalumprojetodedecretole-gislativo(PDC119/2015)paraaimplementaçãodeobrasqueviabilizemahidroviaparaanavegaçãonosriosTapajós,TelesPireseJuruena11.

Mas enquanto o Complexo Tapajós não sai das páginas dos pla-nos decenais da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a HidroviaTapajós-TelesPiresnãosaidossonhosdosruralistasdoCentro-Oeste,o capitaldoagronegóciomobiliza alternativasparaa saídapeloNortedopaís,emsubstituiçãoaoescoamentohoje realizadoprincipalmenteporportosdoSudeste.EscoandodiretamentenoAtlânticoNorte,eco-nomiza-setempodenavegaçãoatéaEuropa—segundomaiordestinodasojabrasileira—eatéaChina,viacanaldoPanamá.Essaeconomiadetempoéespecialmentesignificativaparaafronteiradeexpansãodasoja,maisdistanteecomumalogísticamaisproblemáticarumoaospor-tosdoSudeste.Sãoessastambémasregiõesondeomonocultivodogrãomaiscresce:onortedoMatoGrosso,osulesudestedoParáearegiãodoMATOPIBA—englobandoosuldoMaranhão,todooTocantins,osuldoPiauíeooestedaBahia.

Mesmocomomelhoramentologístico,ochamado“ArcoNorte”nãopassariaaseroportodesaídaprincipaldasojaexportadapelopaís,masteriatudoparasetornaroeixomaisdinâmico:ocrescimentodecargaexportadaentre2015e2025,estimadoporumacorporaçãotransnacio-nalfinanceiraholandesa(Rabobank,2016),éde288%paraosportosdoPará(SantarémeBarcarena)eAmapá(Santana),166%paraManause53%paraSãoLuísdoMaranhão(Itaqui)eSalvador.Nomesmoperíodo,osportosdoSuleSudeste(RioGrande,Paranaguá,SantoseVitória)de-vemcrescer2%emvolumedecargaexportada.Emnúmerosabsolutos,noentanto,ovolumeexportadopelosportosdessaregiãomaishistorica-menteestabelecidaaindacorresponderáamaisdametadedototal,seasestimativaspublicadaspelobancoholandêsseconfirmarem.

Buscando viabilizar o Arco Norte, já em 2011 o Projeto Nor-te Competitivo (PNC) — um estudo de eficiência logística con-tratado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pe-las federações das indústrias dos nove estados da Amazônia Legal— concluiu que a pavimentação da BR-163 e a hidrovia Juruena-Tapajós12sãoprojetosaltamenteprioritáriosparaosetor.

11. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ficha-detramitacao?idProposi-cao=1307295

12. O PNC enfatizou a hidrovia pelo rio Juruena e não pelo outro formador do Tapajós, o Teles Pires. No entanto, nos debates posteriores sobre a possível inclusão da hidrovia no PAC 2 (que aca-bou não acontecendo em razão da avaliação declara-da de que o projeto era de-masiado complexo) e sobre a importância da hidrovia, a rota Tapajós-Teles Pires esteve em maior evidência.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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BR-163

ABR-163foiinauguradaem1973,naépocadodesenvolvimentismomi-litarnaAmazônia.Desdeentão,opéssimoestadodaestradaalimentoua demanda por sua pavimentação durante muito tempo. No entanto,comoospovosdaflorestabemsabem,estradasmaistrafegáveisgeramaumento de fluxos. De tudo. De mercadorias, de pessoas, de ameaçassobreaflorestaeamodosdevidamenosmediadospordinâmicascapi-talistas.Aexpressão“espinhadepeixe”éfrequentementeutilizadaparasereferiraosrasgosnaflorestaparaatividadeseconômicas(emespecial,extraçãomadeireiraeposteriormentepastagensparagado)nasbordasdegrandesestradas.Otemoremtornodaintensificaçãodessasatividadesge-rouumimportantedebatesobreodesenvolvimentoterritorial13daregiãoemrespostaaoanúnciodoasfaltamentodaBR-163em2003nogovernoLula.EsseprocessodesembocounoPlanodeDesenvolvimentoRegionalSustentávelparaaÁreadeInfluênciadaRodoviaBR-163,maisconhecido

IMAGEM 6 | COMPLEXOS PORTUÁRIOS DO ARCO NORTE

13. Gavriloff, Alexandre; et al. Amazônia revelada: Os des-caminhos ao longo da BR-163. São Paulo: CNPQ, 2005.

Araújo, Roberto, Edna Cas-tro, Gilberto Rocha, Maria Elvira Sá, Armin Mathis, Maurílio Monteiro, Claudio Putty, Raimunda Monteiro, Otávio Canto e José Bennati. 2008. Estado e Sociedade na BR-163: desmatamento, conflitos e processos de ordenamento territorial. In: Castro, Edna (orgs.). Socie-dade, território e conflitos: BR-163 em questão. Belém: NAEA.

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

ETC PORTO VELHO

ETC MIRITITUBA

SANTARÉM

ITACOATIARA

ETC MARABÁ

PORTO DE SANTANA

SÃO LUÍS

SALVADOR

BARCARENA

PORTO DE ILHÉUS

ARCO NORTE

FONTE: Ministério da Agricultura, 2015.

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comoPlanoBR-163Sustentável,lançadopelogovernofederalemjunhode2006.Asavaliaçõesdosmovimentossociaislocaissobreaimplemen-taçãodoplanoenvolvemumsentimentodefrustração.Odesmatamentodescontroladoentre2004e2013noentornodarodovia—nacontramãodesuadiminuiçãonoconjuntodaAmazônia14—confirmaostemores.

14. h t t p s : / / t h e i n t e r c e p t .com/2017/02/20/de-sorri-so-a-santarem-industria--da-soja-transforma-ba-cia-do-tapajos-em-um-ta-buleiro-de-grandes-obras/ ?comments=1#comments

Posto em construção na BR-163

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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Apesar de objetivos e razões diametralmente opostos, os ruralistastampoucoestãosatisfeitos.Desdeoanúnciodapavimentaçãoem2003,asagroestratégiasdosetorseconsolidaramnoestabelecimentodepor-tos nas margens do Tapajós, mas parte da rodovia continua sem pavi-mentaçãoeduranteépocasdeintensachuva,osatolamentoscostumaminviabilizarotráfego.Aobratambémtemsidoatravessadapordisputaspolíticas:BlairoMaggi,ruralista,entãosenadore,atualmente,ministrodaAgricultura,teriapressionadoparaqueasobrasdepavimentaçãofos-sematéMiritituba,excluindo172kmeisolandoSantarémeoportodaCargill15.Oprojetofoianunciadodestaformaem2004eaindahojeesteéotrechomenosavançadodarodovia.

AOdebrechtTransport(OTP),empresaquecontrolaaconcessioná-riadarodoviaRotadoOeste,nãotemobtidoosempréstimosnecessá-rios do BNDES para a continuidade da obra em razão da insegurançajurídicanocontextodaLavaJato,levandoaempresaaatécolocaracon-cessionáriaàvendaemnovembrode201616.UmaoutrasoluçãopensadapassapelareestruturaçãosocietáriadaprópriaOTPpeloBNDES17,queétantoacionista(viaBNDESPar)comofinanciadordoempreendimen-to. O problema não é um fato isolado, mas atravessa o contexto atualdosanúnciosdeinteressedasempresaschinesasemconcessõesdein-fraestruturanoBrasil,jáqueasempreiteirasbrasileirasnãopodemdarcontinuidadeaobrasimportantes.Mesmoastratativasdevendaparcialoutotaldealgumasdestasempresasagruposchinesestêmsido invia-bilizadasdiantedafaltadesegurançajurídicaemrelaçãoaseusativos.

A situação já levoualgumas tradings adiversasvezesconsideraremavalizaremempréstimosparaquesepossafinalizaraobradepavimen-taçãodaBR-163deformamaiscélere18.Apesardetudoisso,semprequeascondiçõesdaestradapermitem,ascarretasdoMatoGrossocontinu-ampercorrendointensamenteosquase2milkmrumoaosnovostermi-naisportuáriosdooestedoPará.

15. h t t p s : / / t h e i n t e r c e p t .com/2017/02/20/de-sorri-so-a-santarem-industria- da-soja-transforma-bacia- do-tapajos-em-um-tabu-leiro-de-grandes-obras/ ?comments=1#comments

16. http://www.valor.com.br/empresas/4781631/odebre-cht-coloca-venda-controle- de-rodovia-no-mt

17. http://www.valor.com.br/empresas/4845402/nego-ciacao-com-bndes-para- odebrecht-transport

18. http://www.valor.com.br/agro/4891398/tradings- podem-avalizar-pavimen-tacao-da-163

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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ESTAÇÕES DE TRANSBORDO DE CARGAS

AindaqueessecorredorlogísticoprioritáriodoArcoNortemobilizeoimagináriodosruralistasdoCentro-Oesteháanos,foramduastradingsnorte-americanasaspioneirasnoaproveitamentodospotenciaisdees-coamentodegrãosdiretamentepeloAtlânticoNorte.ACargillcomeçouaoperarseuterminaldetransbordodecargasemSantarémem2003,mesmosemobter licençapara tal.Fechao triênio2014-2016comin-vestimentosda ordemdeR$675 milhõesem infraestrutura logísticaeportuárianoBrasil,82%dosquaisnoArcoNorte,deondepretendeex-portar5,5milhõesdetoneladasanuais19.Comosinvestimentos,ogruposaltoudasextaposiçãoentreosexportadoresdasojanoBrasilem2014paraaquartaposiçãoem2016,encostandoemsuamaiorconcorrente,aBunge.AapostaéapoiadapelamatrizdogrupoeconômiconosEstadosUnidos,jáqueoBrasiléomaiorexportadordegrãose,portanto,impor-tantenaestratégiaglobaldaCargill20.

OportodeSantarémnãoserveapenasaocarregamentodegrãosquechegamdoCentro-OestepelaBR-163.Eleacabouviabilizandoaexpan-sãodomonocultivodesojanoplanaltosantareno,emespecialnomuni-cípiovizinhodeBelterra(GayosodaCosta,2011).Outrasempresases-tãointeressadasnasconcessõesportuáriasemSantarém,masogovernotemtidodificuldadederealizarosleilões,emespecialpelapercepçãodeinsegurançajurídicapelosetoremmeioàcrisepolíticadopaís21.Alémdisso,amobilizaçãopopularemSantarémcontraosempreendimentoséintensa,emespecialdascomunidadesquilombolasedeoutrospovostradicionaisnaregiãodoMaicáquedemandamoDireitoàConsultaLi-vre,PréviaeInformadadeacordocomaConvenção169daOITeapar-tirdeseusprotocoloscomunitáriosdeconsulta22.

ABungeestabeleceuem2014suaestaçãode transbordodecargas(ETC)emMiritituba,umdistritodeItaituba,namargemdireitadorioTapajós, inaugurandoumanovatendênciaparaosetor:apartirdaex-periênciadaCargill,queenfrentoua resistênciadeumapulsantemo-bilização popular em Santarém, as tradings passaram a mirar seu alvono entorno de Itaituba. Três outros terminais estão atualmente em

19. http://www.valor.com.br/agro/4529437/cargill-am-plia-aporte-em-logistica- no-brasil

20. http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/cargill- preve-investimento-de-r- 600-mi-no-brasil

21. h t t p : / /a g e n c i a b r a s i l .e b c . c o m . b r/e c o n o m i a /noticia/2016-06/marca-do-para-sexta-feira-lei-lao-de-area-no-porto-de-santarem-e-suspenso

22. h t t p : / /t e r ra d e d i re i t o s .o r g . b r / 2 0 1 6 / 0 6 / 1 5 /m p f - t r i b u n a l - m a n t e m suspensao-do-licencia-mento-de-porto-no-mai-ca-em-santarem/

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construçãoemMiritituba (dasempresasCargill,CianporteHidroviasdoBrasil)e4ETCsprevistasparaomunicípiovizinhodeRurópolis(dasempresasOdebrechtTransport,LouisDreyfusCommodities,BertolinieCianport)jáestãoemprocessodelicenciamentoambientalnaSecre-tariadeMeioAmbienteeSustentabilidade(SEMAS)doestadodoPará,emBelém.ABertolinijáoperaumterminaldemenorporteemMiriti-tubaquenãoseencontradocumentadoemnenhumafontepesquisada,mas que visitamos em pesquisa de campo. A empresa do Ministro daAgriculturaBlairoMaggi(Ammagi)estáoperandoemjoint-venturecomaBungeemMiritituba.Especula-sequeoutrasempresastenhamcom-pradoterraseplanejeminiciarolicenciamentodeoutrosterminaisnaregião(verQuadro1).

Da esquerda para a direita: ETC Hidrovias do Brasil, ETC Rio Turia (Bunge + Amaggi) e ETC Cianport vistas da cidade de Itaituba

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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QUADRO 1 | ESTAÇÕES DE TRANSBORDO DE CARGAS (ETC) NO MÉDIO TAPAJÓS

EMPRESA LOCALIZAÇÃO STATUS DO EMPREENDIMENTO

Bunge e Ammagi em joint-venture (ETC Rio Turia)

Miritituba (Itaituba)

Em operação desde 2014. Em julho de 2016, a empresa vendeu 50% das operações desta ETC à Ammagi por US$ 145 milhões.

Cianport (ETC Itaituba)

Miritituba Em construção.

Santarenzinho (Rurópolis)

Comunitários de Santarenzinho (Rurópolis) alegam que a empresa comprou terra na área. Investimento confirmado de acordo com notícia da SEMAS/PA. Licença de instalação emitida de acordo com a SEMAS/PA.

Cargill Miritituba Em construção.

Hidrovias do Brasil SA (ETC HBSA Tapajós)

Miritituba Em construção.

Bertolini (ETC Rurópolis)

Santarenzinho Em licenciamento prévio.

Miritituba Não encontramos registros, mas visitamos um terminal de transbordo da empresa em operação em Miritituba.

Odebrecht Transport (ETC Santarenzinho)

Santarenzinho Com licença prévia.

Louis Dreyfus Commodities (LDC Tapajós)

Santarenzinho Em licenciamento prévio.

ETC Unirios Miritituba

A empresa é proprietária de três terrenos em Miritituba (ver Quadro 3). Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) em elaboração de acordo com a Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós (ATAP).

Brick Logística (ETC Via Norte) Santarenzinho EIA/RIMA em elaboração de acordo com a ATAP.

Amaggi SantarenzinhoComunitários de Santarenzinho alegam que a empresa comprou terra na área. A ATAP também divulga futura ETC da empresa na área.

Cevital Miritituba

Segundo a mídia especializada, a empresa comprou terrenos em Miritituba e Santarém. De acordo com levantamento cartorial, a empresa teria um arrendamento de terra em Miritituba. Não há registros de processo de licenciamento nestes locais. Um terminal portuário da empresa em Barcarena está em licenciamento.

Caramuru Miritituba Investimentos previstos de acordo com a mídia especializada.

ChibatãoLocalização

não confirmadaInvestimentos previstos de acordo com a mídia especializada

Mobile Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.

Cantagalo Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.

DSR Paraná Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.

Ipiranga Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.

Julio Simões Santarenzinho Investimento confirmado de acordo com a SEMAS/PA.

Reicon Miritituba Investimentos previstos de acordo com a mídia especializada. A empresa era proprietária de um terreno em Miritituba, mas repassou à Cargill em acordo (ver Quadro 3).

Elaboração da autora.

FONTES: SEMAS (https://www.semas.pa.gov.br/2014/05/28/sema-mostra-dados-de-reestruturacao-da-logistica-portuaria-no-para/); ATAP (ATAP e ATOC. 2014. Logística da Região Norte para o Agronegócio: Estações de Transbordo de Cargas e Terminais Portuários (Amazônia); VALOR ECONÔMICO. 31

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OsterminaisnaregiãodeItaitubanãosãoaúltimaparadaantesdasaídadacargaparaoAtlântico,massimumpontoestratégicodetrans-bordonocorredormultimodal.Daí,acargapartepelorioTapajósede-poispelorioAmazonasrumoaportoslocalizadosemBarcarenanonor-desteparaense,emSantananoAmapáounaIlhadeMarajó,deondeétransferidaparaembarcaçõesdemaiorportequeseguemparaodestinofinalnoexterior(verQuadro2).

QUADRO 2 | CADEIA LOGÍSTICA DAS ETCs

EMPRESALOCALIZAÇÃO NO TAPAJÓS

LOCALIZAÇÃO DO TERMINAL PORTUÁRIO PARA EXPORTAÇÃO

Bunge – Ammagi MirititubaTerfron (Terminal Portuário Fronteira Norte) em Barcarena em operação

Cianport (ETC Itaituba) Miritituba e Santarenzinho Santana do Amapá em operação

Cargill Miritituba Santarém em operação

Hidrovias do Brasil SA (ETC HBSA Tapajós) Miritituba Barcarena em operação

Bertolini (ETC Rurópolis) Miritituba e SantarenzinhoBarcarena (através de parceira com o porto da joint-venture ADM/Glencore)

Odebrecht Transport (ETC Santarenzinho) SantarenzinhoA empresa desistiu do projeto em Barcarena em razão da Operação Lava Jato

Louis Dreyfus Commodities (LDC Tapajós) Santarenzinho Marajó (terreno comprado)

Elaboração da autora.

FONTES: VALOR ECONÔMICO, SITES DAS EMPRESAS Entreosinvestimentosdocumentadosemrazãodoestágiodelegaliza-

çãodoempreendimentoeosanúnciosnamídiaespecializadadeaquisiçãodepropriedadedeterracomvistasainvestiremnovosterminaisnaregião,estima-sequemaisde20portospassarãoaoperarnaregiãodeItaitubaeRurópolisnapróximadécada23.Aestimativaéaproximadaporquenãoháumsóagenteno território—dospoderespúblicos locaisaoMinistérioPúblico,deempresáriosdaregiãoaosmovimentossociais—queafirmemterumnúmeropreciso.Afaltadeinformaçãosobreosempreendimentoséendêmica.Easprefeiturasdaregião,aindaquenãoseoponhamàchega-dadosinvestimentos,formaramumconsórcioparabuscarincidirsobreodestinodosrecursosmovimentadospelosempreendimentos.

Emumdebatepúblicocomprefeitos,secretáriosmunicipaisevere-adores,emaudiênciadoMinistérioPúblicoEstadual(MPE)doParáem

23. Notícia da SEMAS/PA fala em nove terminais portu-ários em Itaituba e 17 em Rurópolis, totalizando 26.

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Itaituba,nodia24demaiode2015,erageraloceticismodapopulaçãopresente de que as intenções dos poderes públicos locais envolvessemqualquercoisaalémdaapropriação/aproveitamentopelosgruposmaisinfluentesdosroyaltiesederecursosresiduaisassociadosaosempreen-dimentos.Era,noentanto,compartilhadaa sensaçãodeque todoses-tavamsendoatropeladosporempreendimentosqueatendiammaisaosinteressesexternosdoqueaqualquervisão—mesmoquemalestrutu-rada,nãocompartilhadaounãopublicamentedebatida—dedesenvol-vimentoterritorial.

Os atropelamentos são mais do que simbólicos,no entanto. DesdequeoportodaBungecomeçouaoperar,ofluxodecarretasvindasdoMatoGrossopelaBR-163cresceuexponencialmente, causandoengar-rafamentos,poluiçãosonoraedoar,mortesnasestradaseaexploraçãosexualdeadolescentesnospostosdetriagem.

Audiência Pública do MPF sobre a UHE São Luiz do Tapajós em Itaituba em 25 de maio de 2016

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Essespostossãopartedacadeia logísticamultimodaldarodoviaàsestaçõesdetransbordo,comtanquesdeabastecimentodecombustível,áreadeconveniênciaepátiosextensosondeascarretasaguardamcomumasenhasuavezdedescarregarosgrãosnoterminalportuário.Alémdas terras na beira do rio para estabelecer as ETCs, as empresas têmcompradotambémterrenosaolongodarodovia,emespecialnaalturadoKm30,noentroncamentodaBR-163edaRodoviaTransamazônica.Emconsequência,opreçodaterraemtodaaregiãoexplodiuempoucosanos.Apartirdeumaanálisesuperficialdacadeiadominialdestesimó-veis,contidasnos registroscartoriaisacessados (verQuadro3),épos-sível afirmar que houve grilagem de terras públicas em muitos destesprocessos.UmainvestigaçãomaisdetalhadapeloInstitutoNacionaldeColonização e Reforma Agrária (Incra) permitiria avaliar os mecanis-moseaextensãodasilegalidadesfundiárias.

Carretas na BR-163

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Posto de triagem da Bunge

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QUADRO 3 | A EXPLOSÃO DO MERCADO DE TERRAS EM ITAITUBA

ETC RIO TURIA (BUNGE)

A empresa Rio Turia Empreendimentos e Participações Ltda., com sede em São Paulo e representante da Bunge no

Brasil, comprou um terreno de 36 hectares para a construção de sua ETC em julho de 2004 por 900 mil reais. De

acordo com a cadeia dominial da propriedade, o vendedor, uma empresa local (SOMA — Souza Madeiras, Ltda.),

tinha comprado o imóvel rural dois meses antes (em maio de 2004) por 5 mil reais de uma agricultora/camponesa

que tinha acabado de quitar no dia anterior o imóvel, cujo domínio da terra havia sido emitido pelo Incra em seu

nome no ano 2000 sob condição de pagamento em prestações de um total de R$ 1.208,89.

ETC CARGILL

A empresa Cargill Agrícola S/A, com sede em São Paulo, comprou a propriedade de 70 hectares para a construção

de sua ETC por 3 milhões de reais em janeiro de 2011. O vendedor tinha comprado o imóvel rural de um agricultor

de nome Raimundo por 20 mil reais em 2003.

Em junho de 2015, a Cargill recebeu outra propriedade em Itaituba da empresa Reicon — Rebelo Indústria,

Comércio e Navegação LTDA para quitar uma hipoteca entre ambas. O valor atribuído ao imóvel para efeitos da

transação foi de 4 milhões de reais. A Reicon havia adquirido esta propriedade de 6 hectares do mesmo agricultor

Raimundo em 2001 por 30 mil reais.

HIDROVIAS DO BRASIL (HBSA)

A empresa Hidrovias do Brasil — Miritituba S.A., com sede em São Paulo, adquiriu um imóvel de 10 hectares

em julho de 2011 por R$ 4,5 milhões de um empresário de Santarém. Este havia adquirido o imóvel do agricultor

Raimundo exatos treze dias antes por 50 mil reais.

A HBSA tem hipotecado o imóvel como garantia em empréstimos. Em fevereiro de 2015, recebeu empréstimo de

R$ 404 milhões do Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Banco da Amazônia e outros. O imóvel foi avaliado na ocasião

pelas partes por R$ 4,24 milhões. A hipoteca foi cancelada em julho de 2016. Em junho de 2016, uma nova hipoteca

garantiu um crédito (de valor não especificado no registro do imóvel) do BNDES, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e

Banco da Amazônia. O imóvel (incluídas suas benfeitorias) foi então avaliado entre as partes por R$ 8,5 milhões.

UNIRIOS

A empresa Unirios Rodoflovial e Logística LTDA, com sede em Vitória do Xingu — PA, adquiriu um imóvel de 15

hectares de um comerciante residente em Itaituba em fevereiro de 2013 por 150 mil reais. O proprietário anterior

havia adquirido este imóvel do agricultor Raimundo por 50 mil reais em 2005.

Um mês antes, em janeiro de 2013, a Unirios já havia adquirido dois outros imóveis de propriedade do agricultor

Raimundo. Um de 2 hectares e outro de 11 hectares, cada um por 15 mil reais.

Elaboração da autora. FONTE: Cartório de Registro de Imóveis de Itaituba – PA.

NOTA: O cartório não encontrou registro do imóvel da ETC da empresa Cianport, que deve estar em nome de outra pessoa/empresa.

Segundo informações, a empresa Cevital tem um registro de arrendamento de terra, mas não tivemos acesso a este.

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SantarenzinhopertenceadministrativamenteaomunicípiovizinhoaItaituba,Rurópolis.Estánolimiteentreosdoismunicípiosemaispró-ximadeMirititubaoudacidadedeItaituba(queficanamargemopostadorioTapajós)doquedazonaurbanadeRurópolis.Hárelatosdedis-putasentreosdoismunicípiossobreocontroleadministrativodaárea,oquenãosurpreendedadooafluxodeinvestimentosali.Umavezesgota-dososimóveisruraisnamargemdireitadorioTapajósemMiritituba,osinvestidoresdirigiramsuaatençãoaSantarenzinho,namesmamargem.Nãotemosdadosprecisossobreacompradeterrasnaárea,cujosregis-troscartoriaisencontram-senacidadedeRurópolis.MasocruzamentodedadosdaSEMAS/PA,denotíciasdamídiaespecializada(ValorEco-nômico)edeinformaçõesobtidasempesquisadecampocompõemumpanoramadosinvestimentosnalocalidade(verQuadro1).

Saindo da BR-163, estrada para acesso local à área onde estão previstas as ETCs em Santarenzinho

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Empesquisadecampo,encontramosumaáreaqueestásendoterrapla-nadapara,segundorelatosdosmoradoresvizinhosquepersistemnolocal,nivelaroterrenocomorio.Fragmentosdeartefatosarqueológicosvisíveiseramabundantesempequenosamontoadosdeterrapretaespalhadospeloterreno.OachadocondizcomosaberarqueológicoquereconheceoTapajóscomoumdosterritóriosdeocupaçãomaisantigadaAméricadoSul,estima-daemaomenos10milanos(Fausto,2000).Algunsdosgrafismosdascerâ-micasencontradasnasescavaçõescorrespondemaosgrafismosqueosíndiosMundurukusaindahojepintamsobreaprópriapele.Alémdos“exemplarescerâmicosmaisantigosconhecidosnasAméricas,datadosemaproximada-mente8.000AP[AnosAntesdoPresente]”(RochaeOliveira,2016,p.398),asescavaçõesarqueológicasemdezenasdesítiosaolongodetodaabaciaen-contrarampontasdeprojétileartefatosdepedralascadaepinturasrupestres.Aterraplanagemestavadestruindoumimportantepatrimônioculturaldospovosdafloresta,semocultaçãoeemplenaluzdodia,masinvisívelàsnar-rativasdeprogressoquerelegamaocupaçãomilenardaqueleterritórioaoregistrodo“arcaico”,“atrasado”,“emnecessidadedemodernização”e,nãorarasvezes,aototalostracismoouaostatusdainexistência.

Navizinhançadaáreasendoterraplanada,encontramosumafamíliadepescadoresquevivehádécadasnabeiradorioTapajós.Quemconhe-ceaspraiasdaregiãosabedabelezadocontrastedaságuasazuiscomafloresta.Acasasimplesestáapoucosmetrosdeumapraiadeondetiramáguaparatudoedeondepartemparapescareestácercadaporterrenosvazioscompradosporempresasdiretamentedasmãosdosparentesevi-zinhosdelongadatadaquelafamília.

Dentre as empresas que reconheciam ter comprado terreno na áreaestavam Odebrecht, Cianport e Amaggi, além de conhecido político eempresáriolocalqueteriaadquirido“trêsterrenos”,possivelmentecomo“laranja”ouatravessadordosnegóciosdas tradings.Segundorelatam,asprimeirasfamíliasavenderemsuasterrasofizeramporvaloresentre100e150milreais.Aúltimadasvendasteriasidofeitaporumavizinhapor2milhões.“Elasoubeesperar”,disseram.Elestinhamtambémrecebidoumaoferta,de5milhõesdereais,erecusado.Nãoescondiamestarespe-culandoumapróximaoferta.Entendiamque,umavezquecomeçassemasobrasnosterrenosvizinhos,seriaimpossívelpermanecerali.

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Terreno sendo terraplanado para futura instalação portuária em Santarenzinho

Fragmentos arqueológicos em terra preta, removidos pela terraplanagem

Casas de famílias cercadas por terrenos vendidos para instalações portuárias em Santarenzinho

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As compras das terras concretizavam a fricção de territorialidadesantagônicas—doEstado,docapitalesubalternas/insurgentes—tãoin-compatíveisqueodesembarquedeumadeterminavaaaniquilaçãodaoutracomotalesuatransformação.Osinvestidoresesuasfontesdefi-nanciamentosvêmdaspartesmaisdiversasdomundo,sematerializan-doaliemempreendimentoslogísticos.

Diferentemente do complexo hidrelétrico, os terminais portuáriosnão mobilizaram muita resistência em Itaituba. Não estando em umaáreadeafetaçãodiretadeTerrasIndígenas(TIs),aomenosnãoempro-cessodeautorreconhecimentocomotal,asfamíliasquevivemdapesca,agriculturaedoagroextrativismosofremcomainvisibilidade,oamplodesconhecimentodeseusdireitos—inclusiveseusdireitoscomopovosecomunidadestradicionais—epartemdapercepçãodeinexorabilidadedosempreendimentos.PartedasmobilizaçõesacontecidasemMirititu-baenoKm30foramdirecionadasnãoaospoderespúblicos,masàATAP(verQuadro4),embuscadereassentamentosebenfeitoriasquepudes-semsuprirodéficitdeserviçospúblicos.Comoacontececomfrequên-cia,quantomenosasseguradospelospoderespúblicosestãoosdireitosdaspopulações,maisestessetransformamemmoedadebarganhaparaospoderesprivadosque investemna localidade.OMinistérioPúblicoFederal(MPF)noParátematuadocadavezmaisnaárea,demandandoestudos integrados de impacto dos diversos empreendimentos em im-plementação,planejadoseprevistos,quesesobrepõemali.

Associação de terminais privados realizam obras de interesse público em convênio com a prefeitura de Itaituba

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QUADRO 4 | ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS

NOME ANO INTEGRANTES OBJETIVOS AUTODECLARADOS

ATAP – Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós

Novembro2012

Bertolini, Brick Logística*, Cargill, Chibatão Navegações, Cianport, Hidrovias do Brasil, Odebrecht Transport (OTE), Reicon, Rio Turia (Bunge) e Unirios

*Preside a ATAP e a ATOC (Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tocantins)

• Perseguir o uso compartilhado das águas: – O risco à navegabilidade oferecido

pelos barramentos hidrelétricos – Construção de eclusas nos

barramentos

• Defender a ampliação e manutenção da malha hidroviária: – Obras, dragagens, balizamento e

sinalização

• Enfrentar os desafios socioambientais – Mitigações, compensações e

desenvolvimento local

Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja)

Fevereiro 2005

Ruralistas do estado Desenvolve ações e projetos que visam ao crescimento sustentável da cadeia produtiva da soja e do milho em Mato Grosso

Movimento Pró-Logística – Mato Grosso

Agosto2009

Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (AMPA), Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Organização das Cooperativas Brasileiras em Mato Grosso (OCB/MT), Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (FIEMT), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso (Fecomércio/MT), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso (CREA/MT), Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e Instituto Ação Verde.

Articular a implantação e manutenção da infraestrutura de logística federal e estadual em Mato Grosso e nos acessos aos portos, por meio de:

• Articulação diretamente em Brasília e em Mato Grosso junto aos Poderes Executivo e Legislativo;

• Realização de Simpósios;

• Participação em Câmaras Setoriais e Conselhos;

• Estradeiros com formação de caravanas para percorrer rodovias e verificar in loco a implantação ou a situação de conservação, com participação de produtores, empresários, técnicos dos governos federal e estadual.

• Desenvolvimento de estudos econômicos sobre as áreas de influência das rotas de escoamento da produção.

FONTES: ATAP, APROSOJA.

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FERROVIA

Comosenãobastassemtodososempreendimentosplanejadoseemim-plementaçãonaregião,asegundafasedoPIL,de2015,incluiuumpro-jetodeferroviaentreonortedoMatoGrossoeItaitubapara integrarocorredorlogísticomultimodaldeescoamentodosgrãosdoMatoGrossopeloTapajós.Oprojetocomeçouasergestadoporempresasdoagronegó-cioem2012,apósanúnciodogovernodenovasconcessõesferroviárias,que,naquelemomento,foramavaliadaspelasempresascomoinsuficien-tesparaescoarosnovosfluxosdecommoditiesagrícolasqueconvergiampara o Arco Norte. Segundo o presidente da empresa estruturadora doprojeto,aEstaçãodaLuzParticipações(EDLP),amigodelongadatadoentãosenadorBlairoMaggi,ambosiniciaramosdiálogoseconvidaramaLouisDreyfus,depoisaCargill,aBungeefinalmenteaADMparacomporogrupo“Pirarara”eformataroprojeto24.Emcomum,astradingstinham,sobretudo,apresença(ouintençãodeestarpresentes)noArcoNorteeainsatisfaçãocomoescoamento saturadoepoucoestratégicogeografica-menteviaportosdoSuledoSudeste.Algunsanosdepois,aferroviafoiincluídanosplanosdogoverno,jábatizadacomonomedeFerrogrão.

Oempreendimentojáteveseusestudosdeviabilidade—realizadospelaEDLP—aprovadospeloMinistériodosTransportes.Segundoes-tes,aferroviaterá930kmdeextensãoentreSinop(MT)eItaituba,ca-pacidadede30milhõesdetoneladasporanoecustodeR$11,5bilhões,70%dosquaisfinanciadospeloBNDES25.Osnúmerosdiferemdosdi-vulgadospeloPILem2015paraa ferrovia: com1140kmdeextensãototalentreLucasdoRioVerde(MT)eItaituba,osinvestimentosproje-tadosparaaFerrogrãopeloprogramaforamde9,9bilhõesdereais.Osetorprivadoprevêumareduçãoem40%nocustodofretedasojaedomilhocomaoperaçãodaferrovia26.

Oconsórciode tradingsquetemdefendidoomegaprojetoferroviá-rioconsideratrêspossibilidades:“uminvestidorbancarintegralmenteocustodoprojeto;umaassociaçãocomoutracompanhia(comastradingseaEDLPcomoacionistasminoritários);ouarcarcomtodooaportene-cessário.Asegundaalternativaéapreferida.”27Dentreasdificuldades

24. http://www.valor.com.br/agro/4711597/ferrograo- marca-protagonismo-das- tradings

25. http://www.valor.com.br/agro/4425284/governo- aprova-estudo-para-fer-rograo

26. http://www.valor.com.br/brasil/4709095/setor-pri-vado-mostra-interesse- mas-aguarda-detalha-mento

27. http://www.valor.com.br/agro/4301872/tradings-ra-tificam-interesse-na-cons-trucao-da-ferrograo

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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detirá-ladopapelestáaexpectativadelongoprazonoretornodoinves-timentoeadificuldadedefinanciamentopúbliconocontextoatual.MasaentradadoprojetonoProgramadeParceriasdeInvestimentos(PPI)dogovernoemexercíciomostraquesuaprioridadenasagroestratégiasdo setor está sendo considerada condição suficiente para emplacá-lo.Umadassoluçõespensadaspelogovernoéampliaroprazodeconcessãopara50anosoumais28.AsinalizaçãodeinteressedeinvestimentopelaChinatambémconsolidaaviabilidadeeconômicadoempreendimento,anunciadopara ira leilãonosegundosemestrede2017.Umdos“en-traves”, a sobreposição com áreas protegidas no Tapajós, foi superadocomaassinaturadeumamedidaprovisória(MPnº758),emdezembrode201629,quealterouoslimitesdoParqueNacionaldoJamanximedaÁreadeProteçãoAmbientaldoTapajós(APATapajós),ambosestabele-cidosem2006justamentenocontextodecriaçãodeummosaicodeáre-asprotegidasnaqueleterritório.Certamentenãoseráoúltimocasoemqueoredirecionamentodoscorredoreslogísticos,refletindoadimensãodageopolíticachinesaeasagroestratégiasdosexportadoresdesoja,inci-dirásobreoordenamentoterritorialnaAmazôniabrasileira.

EntreasferroviasdoPIL,ocustodaFerrogrãoésomentemenordoqueoprevistoparaaBioceânica(ouTransoceânica),cujotrechobrasileiroestáorçadoem40bilhõesdereais.Com3,5milkmdeextensão,vaidesdeafronteiradoestadodoAcrecomoPeru,passandoporPortoVelhoemRon-dôniaeLucasdoRioVerdenoMatoGrossoatéomunicípiodeCampinorteemGoiás30.Daí,aferroviasegueatéoRiodeJaneiro.Oprojetoéconside-radoporalgunscomosendomaisumainiciativafederal—aventadadesdeogovernoLulaedinamizadapelosacordoscomaChinaduranteogovernoDilma—doqueumapropostaprioritáriaparaosetor.Esteaavaliacomodeexecuçãodesmasiadocomplexaecara—emespecialpelodesafioemcruzarosAndeseasáreasprotegidas—ecomprovávelfretemaisaltodoquesolu-çõeshidroviáriasouferroviáriasrumoaoAtlânticoNorte31.

Aindaassim,em2014e2015,osgovernosdoBrasil,ChinaePeruassinaram memorandos com as diretrizes dos estudos de viabilidadedaobra.AempresachinesaChinaRailwayEryuanEngineeringGroup(Creec), responsávelpela realizaçãodosestudos,depoisdegastar200milhõesdereaisnoslevantamentos,anunciouemjulhode2016queo

28. http://www.valor.com.br/brasil/4665859/temer-de-fine-concessoes-no-dia- 25-e-estuda-megaprazo- para-ferrovia

29. http://www.planalto.gov.br/ccivi l_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv758.htm

30. Site do PIL: http://www.logisticabrasil.gov.br/ Últi-ma visualização: agosto de 2016

31. http://www.valor.com.br/agro/4059496/ferrovia- ate-o-peru-e-recebida- com-ceticismo-por-tra-dings

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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megaprojetoéviável,podeserconstruídoemnoveanosecruzará,entreacostaperuananoPacíficoeoestadodeGoiás,umtotalde5milkmdeextensão32.

Oanúnciodoschineses tambémincluiuaprojeçãodeque37%dacargadegrãosdoMatoGrossosejatransportadapelaferroviaatéoPa-cífico,51%pelosportosdolitoralsulbrasileiroeapenas12%peloNortedo país. As ferrovias do Centro-Oeste aos portos do Arco Norte (Fer-rogrãoeFerroviaNorte-Sul)aindaestãoprevistasparaira leilão,masespeculaçõesapontamquearepartiçãoanunciadadascargasnestapro-porçãoentreoseixosinviabilizariaoscorredoreslogísticosqueapontamparaoNorte33.ConsiderandoaconvergênciadosinvestimentosdosetornoArcoNorte,muitosjárealizados,essaperspectivapodetornaraBio-ceânicaaindamenosinteressantedopontodevistadasagroestratégiasdosexportadoresdecommoditiesagrícolas.

A possibilidade de implementação da Bioceânica coincide com atendênciaglobalde investimentosem infraestrutura,que, levandoemconsideraçãoadimensãogeopolítica,temimpulsionadoainfraestruturalogísticadirigidaaoeixodoPacífico,comforteincidênciadadiplomaciachinesa, por meio de acordos bilaterais, e do capital chinês, por meiodacomprade terras (sobretudoempaísesquepermitemacompradegrandes porções de terra porentes estrangeiros) edaparticipaçãoemleilões de megaprojetos. Em um contexto de retração dos orçamentospúblicos, o apetite chinês por commodities e oportunidades de investi-mentosapontaparaaparticipaçãocadavezmaiordoscapitaisdessepaísemmegaprojetosextrativosedeinfraestruturanoBrasilenaAméricaLatina,comoseverámaisadiante.

OcasodoTapajósevidenciacomoosprogramaseplanosdeinvesti-mentosgovernamentaisemultilateraisvãoprovocandoreordenamentosespaço-temporaisnosterritóriosporondeestãoprevistosdecruzarem,mesmomuitotempoantesdeseconcretizarem.Estesservemcomore-ferênciaainvestidoresqueengrossamfrentesespeculativasembuscadeoportunidadesdeacumulação.

Se os poderes públicos e privados locais e os contrapoderes insur-gentessesentematropelados(aindaqueunsde formamaisassimétri-cadoqueoutros)porempreendimentosquechegamsemquetenham

32. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2016/07/1 79 0 57 1 - fe r rov i a - b i o -c ea n i c a - p a ra - l i g a r- o - brasil-ao-pacifico-e-via-vel-indica-estudo.shtml

33. Ibid

MEGAPROJETOS NA AMAZÔNIA:O CASO DO TAPAJÓS

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participado das decisões que incidem sobre suas territorialidades, osagentesdocapitaltambémfazemapostasquepodemnãoteraretribui-ção esperada. A fundamental e insuperável diferença é que têm maistrunfos,maisacessoainformaçõesprivilegiadaseapoderososcanaisdeinfluênciasobreoscentrosdecisóriosnacionais,muitasvezesocupadosporagentesdesuaprópriafraçãodecapital.AbancadaruralistanoCon-gressoNacionaleocontrolemassivodosprincipaisministériosquepla-nejaramoinvestimentoeminfraestruturanosúltimosanossãopartedaestratégiadessebloconopoder(verQuadro4).

Noentanto,nenhumplanejamentoaterrissanoterritório talcomoprevistonaspáginasdedocumentosministeriais.Damesmaformaqueprovocareordenamentosespaço-temporaisemseuprocessodeaterris-sagem,cadaplanotambémprecisaencontraraderência,entremeadape-las fissuras inerentes aos conflitos territoriais pré-existentes e aos queprovocam(Hildyard,2016).Comoefeitoreverso,asterritorialidadesemconflitoperturbamomaiscartesianodosplanosgovernamentais.

Poroutrolado,astransformaçõesgeopolíticasedaeconomiamun-dial vão moldando o planejamento governamental e reformulando osplanos,confirmandoounãosuaviabilidadedeacordocomasterritoria-lidadesestataisecapitalistasemconfluênciaouconflito.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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TERRITORIALI-DADES EM

FRICÇÃO COMO RESULTADO

DE CONEXÕES GLOBAIS

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UMA BREVE HISTÓRIA TERRITORIAL DO TAPAJÓS

Não é incomum os planejadores de grandes projetos e os investidoresdesconsiderarem em suas estratégias os grupos sociais estabelecidos eem situação de subalternização, tratando regiões que consideram “re-motas” como espaços vazios. A história da ocupação não-indígena naAmazôniabrasileira—dasexpediçõesnos temposcoloniaisàMarchaparaoOestedeGetúlioVargase,posteriormente,aosprogramasdeco-lonizaçãodaditaduramilitar—podeserresumidanolema:“terrasemhomensparahomenssemterra”34.Amesmalógicapermanecesubjacen-teaosgrandesprojetosde investimentoaindahoje:mesmoquandoospovos da floresta não são ignorados completamente, considera-se queestes,emúltimainstância,sebeneficiarãoda“modernização”edo“pro-gresso”.Oquenãoficasempreexplícitoéqueosprojetosserãoimple-mentadosatravésdeesforçosdedesterritorializaçãodessespovosparadarlugaraomodernoempreendimento:

“Separarosíndios(etodososdemaisindígenas)desuarelaçãoorgâni-

ca,política,social,vitalcomaterraecomsuascomunidadesquevivem

daterra—essaseparaçãosemprefoivistacomo ‘condiçãonecessária’

paratransformaroíndioemcidadão.Emcidadãopobre,naturalmente.

Porquesempobresnãohácapitalismo,ocapitalismoprecisadepobres,

comoprecisou(eaindaprecisa)deescravos.”(ViveirosdeCastro,2016)

OantropólogoViveirosdeCastroenfatizanotrechoacima“(etodososdemaisindígenas)”queesseprocedimentodeextermíniodepovosnãosecircunscrevesomenteaos“índios”,masaos“indígenas”,aquelesquetêm“comoreferênciaprimordialarelaçãocomaterraemquenasceuouondeseestabeleceuparafazersuavida,sejaelaumaaldeianafloresta,umvila-rejonosertão,umacomunidadedebeira-rioouumafavelanasperiferiasmetropolitanas” (ibid). Esse entendimento — ou melhor dizendo, essepertencimento—temsidofundamentalnasaliançasentreMundurukuseberadeirosnoTapajósnaresistênciaaosmegaprojetosqueseimpuseramnosúltimosanosedecorredapercepçãodequeháalgoqueosuneeosdistinguedo“outro”(docidadãobranco,dorepresentantedoEstado,do

34. A frase é do General Médici em seu discurso no marco zero da Transamazônica em 1970, mas cabe na boca de muitos planejadores gover-namentais e investidores ainda hoje.

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investidor):arelação,opertencimentoeoexercíciocotidianodemodosdevidaligadosàterra.Essaconvivênciaentreos“indígenas”doTapajós(índioseberadeiros)nemsemprefoipacíficaouresultouemconvergên-cia,maséresultadodeumalongahistóriaterritorialmarcadaporconfli-tos,atravessamentose(re)acomodações.

AocupaçãohumanaemSantarémeseusarredoresestá,deacordocomachadosarqueológicos,entreasmaisantigasdaAméricadoSul,decercade10milanos(Fausto,2000).Osprimeirosassentamentospor-tuguesesdatamdeporvoltade1639comoestabelecimentodaaldeiaTapajós(hojeacidadedeSantarém,aprincipaláreaurbanadetodaaba-cia).DuranteoséculoXVII,algumasexpediçõesviajaramorioeencon-trarampovosindígenasemtodaasuaextensão(Monteiroetal,2014).Deacordocomoconhecimentoescrito,oriofoinavegadoemsuatota-lidadepelaprimeiravezem1742(Torres,2014).Oprimeiroencontroentreosviajantesnão-indígenaseospovosMundurukuparecetersidoem1768eacarretoureferênciasàregiãocomoMundurukania,dadaaocupaçãogeneralizadadaáreaporestespovos.

ÉapenascomaexploraçãodaborrachanoséculoXIXqueseconsolidaaocupaçãonãoindígenanaárea(Monteiroetal,2014).Acoletadaborra-chainicialmenteusouforçadetrabalhoindígena,mas,comoaquecimen-todomercadoglobalecomoetnocídiodemuitospovos indígenasqueaexploraçãorepresentou,amigraçãointernadoNordestedopaís(prin-cipalmentedosestadosdoCearáeMaranhão)foiseintensificando.Du-ranteoséculoXIX,apopulaçãodoBaixoAmazonasaumentoudezvezes,e a prosperidade dos poucos que controlavam a economia da borracha,atravésdeumesquemadeendividamentocontínuodosseringueiros,foiencerradacomocontrabandodesementesdaHevea Brasiliensis em1876.NosReaisJardinsBotânicosdeLondres,assementesforamtransformadasemmudas,favorecendoodesenvolvimentodaconcorrêncianaÁsia,emmelhorescondiçõeslogísticasederendimentodaexploraçãodaborracha,produzidaapreçosmaisbaixos.Issoresultounofimdomonopóliodolá-texdoBrasilnosmercadosinternacionais(Grandin,2009).

Apartirdesteprocessodebiopiratariaintercontinental,aeconomiadeexploraçãointensivadaborrachanoBrasilentrouemdeclínionoiní-ciodoséculoXXeBelémterminouporcederlugaraCingapuracomoo

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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principalportoexportadordeborracha(ibid).Ocontrolequeoscoloni-zadoreseuropeustinhamsobreaproduçãonaÁsia instou iniciativasderecuperaçãodaproduçãoamazônica,nenhumabem-sucedida.Amaisicô-nicafoioestabelecimentopeloindustrialistanorteamericanoHenryFord,apartirdofinaldadécadade1920,dacidadedeFordlândiaeposterior-mente de um empreendimento similar em Belterra, ambas no Tapajós,paraaproduçãocontroladadeborrachaparaomercadoestadunidense.Osempreendimentos foramumfracasso,sendoabandonadosapósduasdécadas.DuranteaSegundaGuerraMundial,outrainiciativafoiexperi-mentadabrevemente.OproblemaemquestãoeraocontextodeincertezaemtornodocomérciodaborrachaatravésdoPacífico,dadoocrescentecontrolejaponêsdaquelasrotas.Em1942,opresidentebrasileiroGetúlioVargaseopresidenteestadunidenseFranklinRooseveltselaramumacor-dodeguerraquecontinhaaintençãodegarantirofornecimentodeborra-chaparaosEstadosUnidos.Comoresultadodesteacordo,estabeleceu-seoprogramabrasileirodemigraçãodos “soldadosdaborracha”—comoeramchamadosnapropagandadogoverno—doNordestedoBrasilparaaAmazônia.Oprograma,noentanto,foidesastroso,levandoàmortemui-tostrabalhadoresmigrantesrurais(Secreto,2007).

Assim,desdeo surtodaborrachae suas tentativasde revitalizá-lo,oterritóriodoTapajósfoialvodemovimentosdeocupaçãoeexpansãodafronteiraeminterfacecomosmercadosglobaiseasdisputasgeopo-líticasemcurso.Essesprocessosforamatravessadosporviolência,masconformaramahistóriaterritorialeaformaçãosocialnaregião.

OpesquisadorMaurícioTorres(2014)chamaaatençãoparaalgunselementosimportantesdaformaçãodeumnovocampesinatodaflorestaduranteaeconomiadaborracha.Osmigrantesfrequentementecaptura-vammulheresindígenase,emalgunscasos,assubmetiamacasamentosforçados. Olhando para além da brutal e inerente violência patriarcaldesteprocesso,adinâmicaresultanteimplicouumaimportantepresen-ça de hábitos e saberes indígenas nestes agregados familiares e comu-nidadescamponesasemergentes.Emespecialapósodeclíniodosurtodaborracha(consolidadoem1912,apesardastentativasposterioresderevitalizá-lo),estenovocampesinatodafloresta—quetinhasidoforma-donocontextodosurgimentodeumaatividadeeconômicacapitalista

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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dirigidaaosmercadosglobaisequeagoraviaosproprietárioseatraves-sadoresdaeconomiadaborracharepentinamentedesaparecerem—es-teveenvolvidoemummododevidabaseadoprincipalmenteemformasnão-capitalistasdeprodução,umacombinaçãodeextraçãodeborrachaempequenaescala,deoutraspráticasdeagroextrativismoparaautocon-sumoedeagriculturadesubsistência,emespecialatéadécadade1950.

Comadescobertadeouroem1958,essasatividadesprodutivasfo-ramcontinuamenteabandonadasourelegadasasegundoplano,estabe-lecendo-seumsurtodegarimpo,envolvendoantigosseringueiroseseusdescendentesnaatividadedegarimpeiro.ApesardeoTapajóstersidologoapontado,nofinaldadécadade1960,comoumdosterritóriosmaisabundantesemtermosdereservasdeouronomundo(em1965,opro-jetoRadarnaAmazônia—RADAMpesquisouaárea),apenasdezanosdepoisdesuadescoberta,asatividadesdegarimpagemdeouroestavamemcrisedevidoàstécnicasrudimentares,nãopermitindoamineraçãoalémdereservasdeacessomaisfácil,pertodasuperfícieenasmargensdos rios (Machado, 2013). No entanto, o garimpo se recuperou rapi-damente, sujeito à influência da política internacional e de interesseseconômicosdiversos,expressandoaproduçãodoespaçonesseterritóriocomoumresultadodefricçõesglobaiscontínuas.

Desde o início do projeto colonial até os primeiros assentamentos,desdeaexploraçãodaborrachaatéosciclosdegarimpagem,décadasderelativainvisibilidadedoterritórioparaosprojetoscapitalistasfavoreceua(re)existênciadosmodosdevidaedeproduçãoprofundamenteligadosàfloresta,nãosóentreospovosagroextrativistasdafloresta,mastambémnas várias aldeias indígenas da região. Essas (re)existências se favorece-ramdosinterstíciosdosprocessosaqueorioTapajóstemsidosubmetido,duranteosúltimostrêsséculos,comoumlocaldepermanenteexpansãodefronteiraparaaacumulaçãodecapital.Ahistóriadaexpansãodafron-teiracapitalistanaregiãosignificouoconflitodediversasdinâmicasterri-toriais,jáqueaexpansãodeforçassociaiseeconômicasgerouconfrontoscomasterritorialidades(subalternas/insurgentes)dosgrupossociaisante-riormenteestabelecidos,levandoaprocessosderesistência,mastambémdeacomodação,apropriaçãoeinfluênciamútuas(Little,2002).Essahis-tóriaterritorialépermeadaporumaeconomiapolíticaterritorialquefoi

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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setransformandoaolongodotempoedossucessivosencontrospromovi-dospelaexpansãodafronteiradaacumulaçãodecapital.

Maisumaexpressãodissoestánastransformaçõesdaeconomiadoga-rimpoaolongodotempo.Oaumentodopreçodoouronosmercadosglo-bais,devidoàcrisedaarquiteturamonetáriainternacionalnosanos1970,tornouousodenovastecnologiasdemineraçãoeconomicamenteviáveis,especialmenteapartirde1978,superando,assim,crisesanterioresdepro-dutividade.Alémdisso,asestradasdoPlanoNacionaldeDesenvolvimento—PNDIeII(Transamazônica/BR-230eCuiabá-Santarém/BR-163)faci-litaramoacessoaosmercados.Osprojetosdecolonizaçãoimplementadosemconjuntocomasestradas(ProjetosIntegradosdeColonização—PIC)promoveramamigraçãodeforadaAmazôniapara“ocupar”aterranabeiradasestradasparaapequenaagricultura,masfalharamemestabelecerumaagriculturaeconomicamenteviável,levandopartedestetrabalhomigrantequetinhaseestabelecidonoentornodacidadedeItaitubaasevoltarparaatividadesdemineraçãoeasesomaràforçadetrabalhoexistentedosex--seringueiroseseusdescendentes.Logo,Itaitubatornou-seoepicentrodeumaeconomiaaquecida,chegandoaterumdosmaiorestráfegosaéreosdoplanetanadécadade1980emrazãodaquantidadedeaviõesmonomo-torestransportandogarimpeiros,suprimentoseouroilegalmenteextraídodosgarimposnomeiodaflorestaedacidadeparaforadali.Deacordocomalgumasestimativas,teriamsaídodegarimposnoTapajósatéaatualidade,oficialeilegalmente,porvoltade800toneladasdeouroouoequivalentea16vezesaproduçãototaldeSerraPelada,apesardeosnúmerosoficiaisfalaremsomenteem194toneladas(Monteiroetal,2014).

A formaçãosocialdospovosdaflorestanaAmazônia foiseconsti-tuindoaolongodeváriasrodadasdeterritorialização,provocadaspeloavançodasfronteirasdaexpansãoeconômicaedainteraçãoconflitivaetransformadoraentreospovosindígenas,doscolonizadoreseuropeuse,nocasodoTapajós,dosmigrantesnordestinosquesetransformaramemseringueirosedepoisgarimpeiros.Asreivindicaçõesdedireitosterrito-riais dos povos indígenas e das várias populações extrativistas não sãoestáticas,damesmaformaqueassuasterritorialidadestambémsãoins-tigadasaresponderaosprocessosdeacumulaçãoporespoliaçãoporelesconfrontadosaolongodotempo.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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IMAGEM 7 | PROVÍNCIA MINERAL DO TAPAJÓS

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

COLÔMBIA

VENEZUELA

GUIANA

SURINAME

GUIANA FRANCESA

BOLÍVIA

PERU

RIO BRANCO PORTO VELHO

MANAUS

MACAPÁ

BELÉM

SÃO LUÍS

PALMAS

BRASÍLIA

GOIÂNIACUIABÁ

OCEANOATLÂNTICOBOA VISTA

A

BC

DE

F

G

H

IJ

K

1718

14

1

2

3 45

6

7

89

10

11

1213

1516

RODOVIAS

RIOS

AMAZÔNIA LEGAL

ZONAS GARIMPEIRAS

1 ALTO RIO NEGRO

2 RORAIMA

3 TROMBETAS

4 JARI

5 AMAPÁ

6 GURUPI

7 ALTAMIRA

8 SERRA PELADA

9 CARAJÁS

10 CUMARU

11 TOCANTINS

12 PEIXOTO DE AZEVEDO / ALTA FLORESTA

13 ARIPUANA / TELES PIRES

14 TAPAJÓS

15 POCONÉ / CUIABÁ

16 PORTO E LACERDA

17 RIO MADEIRA

18 SUL DO AMAZONAS

A

B

C

D

E

F

G

H

I

J

K

RESERVAS GARIMPEIRAS

TAPAJÓS

RIO MADEIRA II

RIO MADEIRA

SERRA PELADA

PROJETO SERRA PELADA

CUMARU

TEPEQUÉM

PEIXOTO DE AZEVEDO

ZÉ VERMELHO

CABEÇA

RIO JUREMA

FONTE: Base cartográfica elaborada por Wanderley (2015) com base em dados do DNPM (2014)

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OsterritóriosdoTapajósforamespecialmentesujeitosaestetipodeprocesso de reconhecimento de direitos territoriais, refletindo respos-tasinstitucionaisnoordenamentofundiárioaumhistóricoconflitivodeocupação.Aspressõesmaisrecentesdasfazendasdecriaçãodegadoedemonoculturadasoja(sobretudonoplanaltosantareno,noBaixoTa-pajós)envolvemafiguradeocupaçãomaisrecentedoruralistadoSuleCentro-Oeste,quebusca terras“maisbaratas”paraaexpansãoagro-pecuária,esesomaramàpressãoeconômicaconstantedagarimpagemdeourodesdeosanos1960edaexploraçãomadeireira,especialmentedesdeaaberturadeestradasnadécadade1970peladitaduramilitar.Jáseesperavaqueestaspressõeseconflitosdecorrentesaumentassemdes-deoanúnciodapavimentaçãodaBR-163(Cuiabá-Santarém),em2004.Neste contexto, o assassinato da missionária católica Dorothy Stang,em2005,naregiãodeAltamira(maisalestedoTapajós,norioXingu,ondehojeestáestabelecidaaUHEBeloMonte),setornouumsímbolodopanoramadeconflitosviolentosqueatravessamapolíticafundiáriaeterritorialnaregião.

A mobilização social que se intensificou naquele momento, comumavisibilidade internacionalespecialparaa situaçãovulneráveldas/osdefensoras/esdedireitoshumanosnosterritórios,estáentreasrazõesquelevaramàcriaçãodomosaicodeunidadesdeconservaçãonoTapa-jós(DecretoPresidencialde13defevereirode2006),segundodeclarouoprópriogovernodoentãopresidenteLuladaSilvaem2006.APresi-dência tambémafirmouocompromissodogovernocomaConvençãoInternacionaldasNaçõesUnidassobreaDiversidadeBiológica(CBD)comoumadasrazõesparaodecretoqueestabeleceuomosaico.

AlémdoaumentonaextensãodoParqueNacional(PARNA)daAma-zônia35,seteoutrasáreasprotegidasforamestabelecidas,totalizandomaisde 6 milhões de hectares de terra. Todas estas áreas compõem, com asáreasprotegidaspreviamenteexistentes,umaextensãodeterrasnotavel-mentegrandeepublicamentereconhecidaforadomercadodeterras.Emumaépocaqueacapturaglobaldeterras(land grabbing)tornou-seumfe-nômenosocialdoSulGlobal(Borrasetal2011),oreconhecimentodestemosaicodeterraspúblicaspodeseranalisadopeloquerepresentanacon-tracorrentedasforçaseconômicas.

35. O PARNA da Amazônia é uma das áreas protegidas mais antigas da Amazônia, tendo sido estabelecida em 1974.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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Essasporçõesdeterraestãooficialmenteforadomercadodeterras,mesmoqueosusosdosolosejamvariadosecontinuemsofrendoapres-são de atividades econômicas privadas, algumas das quais autorizadaspeloEstado,comoéocasodepartedaexploraçãomadeireiranasflo-restasnacionais(FLONAs),equeemmuitaspersistaummercadoinfor-maldeterras.Aindaassim,comoáreasprotegidas,sãoobstáculosparaaacumulaçãodecapitalemlargaescalae,dezanosapósasuademar-cação,elasestãoconstantementesobpressão.Emespecial,nocasodasUnidadesdeConservaçãodeUsoSustentável,aocupaçãopelospovosdaflorestaconstituiapromessadefuturodessesterritórioscoletivosedosmodosdevidaaestesconectados.

Comoresultadodapressãoderealizaçãodosmaisrecentesmegapro-jetos,em2012,nogovernodeDilmaRoussef,alei12.678estabeleceuadesafetaçãodeparcelasdeterradediversasáreasprotegidasdomosaiconoTapajós.Estaexclusão foiconcebidaparapermitiro licenciamentoambientaldocomplexohidrelétrico,jáqueosestudosdeviabilidadein-dicaramqueosreservatóriosdasrepresasinundariamáreasprotegidas,oquenãoépermitidopor lei.O resultadodessa sobreposiçãonão foirepensarosprojetos,masdesprotegerasáreasdentrodoregimefundi-árioparaviabilizarolicenciamentodosempreendimentos.Maisrecen-temente, em dezembro de 2016, foi a vez do presidente em exercícioMichelTemereditarumamedidaprovisória (MP758),delimitandoafaixa de domínio da BR-163 e da EF-170 (a Ferrogrão) no PARNA doJamanximedaAPATapajóseafastandodúvidasdeinvestidoresemrela-çãoàinsegurançajurídicaemtornodaconcessãodoprojetodeferrovia,talcomoprevistoparaosegundosemestrede2017.

Asáreasdesafetadasrepresentamaparcelamaisimediatamentevi-sível, mas à medida que os empreendimentos vão se estabelecendo, ésabido que a extensão de afetação será muito maior, como já fica evi-dentenoavançoaceleradodasinstalaçõesportuáriasedeinfraestrutu-raslogísticasassociadas,anteriormenterelatadas.Osváriosprojetosdeinvestimentoprevistoseemfasedeimplementaçãonoterritóriocons-tituemumaforteameaçaparaosdireitosterritoriaisqueospovosindí-genasetradicionaisadquiriramaolongodotempoepelosquaisseguemlutando.Diantedestabrevehistóriaterritorial—edosatravessamentos

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dedinâmicascapitalistasegeopolíticasqueanteriormentemoldaramaocupação, a formação social e o ordenamento fundiário no Tapajós, oprocesso em curso e iminente tem potencial devastador. Entender osatuais atravessamentos capitalistas e geopolíticos, em especial o papeldofenômenoChinaedageopolíticadeinfraestrutura,éopassoaseguirnestaanálise.

A GEOPOLÍTICA DOS MEGAPROJETOS DE INFRAESTRUTURA

A globalização, como resultado complexo e caótico de processos mul-tiescalaresde integraçãodaeconomiamundial, tememsuadimensãomaterialconectadoindústriasecentroscomerciais,financeiroseurba-nospormeioderedesqueintegramemtemporealprocessosproduti-vosereprodutivos,aumentandoaescalaeoalcancedaacumulaçãodecapital no espaço planetário. Os fluxos de investimentos e comerciaisnoespaçomundialnãosãoumfenômenorecente,masaeuforiaglobali-zadoradosanos1990elevouopatamardamobilidadedasindústriasnasuperfícieterrestreesuacapacidadedeproduzirdeformacoordenadapormeiodefábricasglobais(Barreda,2004).

O espaço importa para a acumulação capitalista sobretudo em ra-zãodotempoqueamercadoria levaparapercorrê-loentreoselosdascadeias globais de valor e até o centros globais de consumo. Quantomaior o tempo, menor a competitividade de uma determinada cadeiadeprodução.Oimperativode“aniquilaroespaçopelotempo”,ineren-teàexpansãodocapitaltalcomoprevistoporMarx,implicainovaçõestecnológicasquepermitamintegrarregiõesmaisremotasàscadeiaspro-dutivas industriais sem que o tempo de circulação das mercadorias seamplieaopontodeinviabilizararealizaçãodovalor(Hildyard,2016).

Dissonãoderivaasuperaçãodasassimetriasentreregiõesnoespa-ço mundial. Ao contrário, as novas redes permitem conectar centroseconômicoscomáreasquedurantemuitotemponãoforamfacilmente

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acessíveise,comisso,favorecemocontroleterritorialsubordinado.Den-treosefeitosparaosquaisesseprocessocontribui,estáumanovacorri-daporrecursosde“difícilacesso”,comoextraçãodepetróleosobgrossacamadadegelonoÁrtico,emareiasbetuminosas(tar sands),emáguasextremamente profundas e/ou sob camada de rochas de sal petrificado(pré-sal),extraçãodegáspormeiodefraturamentohidráulico(fracking)e mineração em regiões em conflito armado ou em profunda instabili-dadepolítica (Klare,2012).Emalgunsdessescasos,não foi somenteaescaladanopreçodascommoditiesmineraiseenergéticasquetornoueco-nomicamenteviávelaextraçãoderecursosdecustoalto,mastambémastecnologiaseacapacidadelogísticadeescoamentodedepósitosremotosquepodempermitirintegrá-losàcadeiaprodutivaindustrial(Hildyard,2016).Demaneirageral,ainfraestruturafísicaqueasformasdominan-tesdecapitalindustrialprecisamparaseexpandirviabilizamaconexãodas“zonasdesacrifício”ondeosrecursosnaturaissãoextraídos,comosparquesindustriaisondesãotransformadosembensdeconsumoedes-sescomoslugaresondea“classeglobaldeconsumo”habita(ibid).

Os espaços de produção periférica integram a economia mundialtantopormeiodaespoliaçãode recursosnaturais,quantopelaexecu-çãodeoperaçõesindustriaisecomerciaiselementares—naelaboraçãoinicialdosprodutos industriaisounamontagemfinaldessesprodutos(nas maquilas ou zonas de processamento de exportação). A produçãodetecnologiaeinovaçãoeadecomponentessofisticadosseguemcon-centradasemalgumasdezenasdecidadesglobais(Barreda,2004).So-mandoestasregiõesdocentroedaperiferiaglobal,“ocapitalmundialintegraseu“autômataglobal”,sempreemprocessodeconstrução.[...][Nesseprocesso,]estasredespermitemometabolismogeraldariqueza,alimentandoedrenandoostecidoseconômicosdoplaneta.”(ibid,2004,p.9e10,traduçãonossa).

Umfenômenoassociadoe fundamentaléodeslocamentodocentrodegravidadedaeconomiamundialemdireçãoaoPacíficojánadécadade1980—umresultadododinamismodoJapãonopós-Guerraeposterior-mentedoschamados“TigresAsiáticos”—esuaconsolidaçãonestesécu-locomaascensãodaChina.Issoacelerouademandaporinfraestruturaseinstrumentostécnicosqueviabilizassemaintegraçãocomonovoeixo

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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dinâmicodaeconomiamundial (ibid).Todaessareconfiguraçãogeopo-líticadoespaçoplanetáriotemimpactodiretosobreasagendasgoverna-mentaisemultilateraisdeinfraestrutura,asreconfigurando.

OBancoMundialéumdospromotoresda “aniquilaçãodoespaçopelotempo”emescalamundial,formulandopolíticaseimperativosparaodesenvolvimentoquetêmnodisciplinamentoterritorialumadesuasprincipaischaves(Hildyard,2016).OBancopublicaumÍndicedePer-formance Logística (LPI — Logistics Performance Index), comparando160paísesemumrankingglobal36.Em2016,oBrasilapareceuna55aposição.OutrospaísesdaAméricadoSulnãofiguramemposiçõesmui-tomelhores.Comoqualquerrankingglobalqueescolheignoraroconte-údoqualitativodosnúmeros,asrelaçõeshistóricasdepoderquecausamasassimetriaseapossibilidadedequeoutrasvariáveisouíndicespossamsermaisrelevantes,oÍndicedePerformanceLogísticaserve,sobretudo,parajustificaroaprofundamentodomodelocelebradonotopo.

Noafãdesuperaros“gargalos logísticos” identificadosnaAméricado Sul e assegurar o acesso a recursos, a redistribuição geográfica daspessoasedaproduçãoeoacessoamercados,aIniciativaparaaIntegra-çãodaInfraestruturaRegionalSul-Americana(IIRSA)talvezrepresen-teomaisambiciosoprogramadedisciplinamentoterritorialdahistóriadaregião.FormuladopeloBancoInteramericanodeDesenvolvimento(BID),elançadoemBrasíliaem2000peloentãopresidenteFernandoHenriqueCardosoepelospresidentesdosoutrospaísesdosubcontinen-te,aIIRSArepresentava,àépoca,adimensãofísicadainfraestruturadaintegraçãosubordinada,quetinhanaÁreadeLivreComérciodasAmé-ricas(ALCA)seupilarcomplementar.

As transformaçõespolíticasnaAméricadoSulao longodadécada— com a eleição de governos ditos progressistas — reconfiguraram ocontroledoprograma,quepassouaoConselhoSul-AmericanodeInfra-estruturaePlanejamento(COSIPLAN)daUniãodasNaçõesSul-Ameri-canas(UNASUL)em2009.Noentanto,essedeslocamentonãoafetousuaessênciadeconstituiçãodeeixosintegradoresdirigidosàexportaçãodecommodities.DuranteumcurtoperíododetempoapósaconsolidaçãodopapeldoCOSIPLAN,houveumdebateentrepolos,envolvendoespe-cialmenteBrasil,Argentina,Venezuela,EquadoreBolívia,disputando

36. http://lpi.worldbank.org/international/global/2016

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ossentidosdainiciativa.Apartirdaliderançaequatoriana,ospaísesdaAliançaBolivarianaparaosPovosdaNossaAmérica(ALBA)defendiamaassociaçãodainiciativaintegradoraaumaNovaArquiteturaFinancei-raRegional(NAFR),querepresentasseareduçãodopapeldodólarnocomércioe investimentos intrarregionais,pormeiodaconstituiçãodeumfundoregionaldereservas,deumsistemadecomércioemmoedaslocaisedeumbancodefomentoregional,oBancodoSul37.

Apropostafoicontinuamenteempurradaparaescanteioeareconfi-guraçãoinstitucionaldaIIRSArepresentousobretudooaprofundamentodoprotagonismobrasileiro,nãomaiscomocondutordosinteressesnor-te-americanosnosubcontinente,masdeumprojetoprópriodeexpansão.

IMAGEM 8 | EIXOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA/COSIPLAN

37. Agradeço a Graciela Rodri-guez — Instituto Equit e da Rede Brasileira pela Integra-ção dos Povos (REBRIP) — por apontar esta disputa em torno da IIRSA e a proposta da NAFR.

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

6

5

73

8

2

1

9

10

6

5

7

3

8

2

1

9

10

EIXO ANDINO

EIXO PERU-BRASIL-BOLÍVIA

EIXO DA HIDROVIA PARAGUAI-PARANÁ

EIXO DE CAPRICÓRNIO

EIXO ANDINO DO SUL

EIXO DO SUL

EIXO MERCOSUL-CHILE

EIXO INTEROCEÂNICO CENTRAL

EIXO DO AMAZONAS

EIXO DO ESCUDO DAS GUIANAS

PARAGUAI

ARGENTINA

URUGUAISANTIAGO

BUENOSAIRES

MONTEVIDÉU

ASSUNÇÃO

BRASIL

BOLÍVIA

PERU

CHILE

EQUADOR

COLÔMBIA

VENEZUELA SURINAME

GUIANA

GUIANA FRANCESACAYENNE

PARAMARIBO

GEORGETOWN

CARACAS

BOGOTÁ

QUITO

LIMA

LA PAZBRASÍLIA

FONTE: BID, 2015. Disponível em: http://www19.iadb.org/intal/interactivo/site/?p=96

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O processo consolidou o papel do BNDES como financiador da infra-estruturade integração regional, turbinandoa internacionalizaçãodasempresasbrasileirasnaAméricadoSul,emespecialasempreiteiras,jáqueosempréstimosdobancoparaobrasemoutrospaísesimplicavamacontrataçãodestasempresas.

A IIRSA estava para a América do Sul como o PAC para o Brasil.Defato,acarteiradeprojetosdaIIRSAnoBrasilcoincidiaemgrandemedidacomosprojetosdoPACedoPIL,comoumespelho.NoeixoAmazonasdaIIRSA,porexemplo,essefoiocasodosmegaprojetoshi-drelétricosdorioMadeiraedapavimentaçãodaBR-163,dentreoutros.AsduasfasesdoPrograma—PACIde2007a2010ePACIIde2011a

IMAGEM 9 | CARTEIRA DE PROJETOS IIRSA/COSIPLAN – EIXO DO AMAZONAS

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

3

8

1

5

76

2

BRASIL

BOLÍVIAPERU

EQUADOR

COLÔMBIA

VENEZUELA SURINAMEGUIANA GUIANA FRANCESA

CAYENNE

PARAMARIBO

GEORGETOWN

BOGOTÁ

QUITO

LIMA

LA PAZBRASÍLIA

ILHÉUS

SALVADORBARREIRAS

SÃO RAIMUDONONATO

LUCAS DO RIO VERDEVILHENA

PORTO VELHO

RIO BRANCO

CRUZEIRO DO SULRECIFESALGUEIRO

FORTALEZA

ELISEU MARTINSBALSAS

GUARAÍ

PALMAS

IMPERATRIZMARABÁ

BELÉM

ALTAMIRA

ITAITUBA

MANAUS

CUIABÁ

TUCURUÍ

ÓBIDOS

MAUÉS

CAMPINORTE

MACAPÁ

FERREIRA GOMES

SANTARÉMPARINTINS

MANACAPURU

TABATINGA

LETÍCIA

65

738

2

1 ACESSO À HIDROVIA DO PUTUMAYO

ACESSO A HIDROVIA DO NAPO

ACESSO À HIDROVIA DO HUALLAGA-MARANÕN

ACESSO À HIDROVIA DO UCAYALI

CONEXÃO ENTRE A BACIA AMAZÔNICA E O NORDESTE SETENTRIONAL

REDE DE HIDROVIAS AMAZÔNICAS

ACESSO À HIDROVIA DO MORONA-MARANÕN-AMAZONAS

CONEXÃO FERROVIÁRIA PORTO VELHO-NORDESTE MERIDIONAL

FONTE: IIRSA, 2015. Disponível em: http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/cartera15_reunion_por_eje_informe_final_AMA.pdf 59

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2014—representaraminvestimentosdeR$650bilhõeseR$1,1trilhãorespectivamente,maisdametadedosquaiseminfraestruturaenergéticaelogística,eaoutraparteemprojetossociaiseurbanos,muitossegura-menteeminfraestruturaurbana.AsegundafasedoPIL,anunciadaem2015,previa investimentosdaordemdeaproximadamenteR$200bi-lhõeseminfraestruturalogística.

TodoesseboomdeinvestimentosnoBrasilenaAméricadoSulcoin-cidiu com o período pós-colapso financeiro de 2007-2008, quando aseconomiasdocentrodocapitalismoestavamclaudicantes,easchama-daseconomiasemergentesestavamimprimindoumatrajetóriaprópriadecrescimentoapartirdaliderançadonovoeixodinâmicodaeconomiamundial,aChina.Duranteosprimeirosanospós-2008,osBRICS(Bra-sil,Rússia,Índia,Chinae,posteriormente,ÁfricadoSul)pareciamterdescoladoseusdestinosdoscentrosindustriaistradicionais,surfandonoaparentementeinsaciávelapetitechinêsporcommodities esebenefician-dodaaltahistóricadospreçosdessasmercadorias,resultantetanto(oumais)daespeculaçãofinanceiraquantodademandachinesa.PartedosinvestimentoseminfraestruturanoBrasilbuscavagarantirasfontesdeenergiaeoscanaisdeescoamentodapujanteproduçãoagropecuáriaemineraldopaísdiantedestaconjunturainternacionalfavorávelaoster-mosdetrocadabalançacomercialbrasileira.

AtransformaçãodoG20deumagrupamentodeMinistrosdeFinan-ças—talcomodesdesuacriaçãoapósasreverberaçõesdascrisesfinan-ceirasasiáticasnofimdadécadade1990—emumespaçodeconcertaçãomultilateralcomstatusdecúpulapresidencial(nopós-colapsofinanceirode2008)pareciarepresentaraconsagraçãodeumanovaera.OG7nãoeramaisocentrodegravidadedaeconomiamundialeumrenovadomul-tilateralismodemandavaaatualizaçãodosistemadegovernançainstaura-doemBrettonWoods,que,maisdemeioséculodepois,nãomaisrefletiaaconfiguraçãodopodereconômiconosistemainternacional.

Noentanto,desdeaprimeiracúpulapresidencialdoG20,hácercadeoitoanos,opadrãodólarflexível(quesubstituiuopadrãodólar-ourodeBrettonWoodsnadécadade1970)(Fiori,2009)permanecedepé—comtodasassuasinerentesinstabilidades—eamudançadosistemadecotasdoFundoMonetárioInternacional(FMI)edoBancoMundialestá

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longedesersignificativa.PassadasasprimeirascúpulasdoG20,quandosefalavaenfaticamentedeumanecessáriareformadaarquiteturafinan-ceira e monetária internacional, a agenda dos encontros presidenciaisfoisetornandomaisteatraldoqueconsequente,eumtemaganhoupro-eminêncianapautadogrupo,sobretudoapartirde2013/2014:aneces-sidade de turbinar os investimentos em infraestrutura para garantir ocaminhoderetomadadocrescimentodaeconomiamundial.

AcriaçãodosBRICScomocoalizão,em2008/2009,refleteumaes-tratégiadefortalecimentodogrupodepaísesnacorrelaçãodeforçasnoprocessodeincidênciaporumaagendadereformasmaisambiciosa.AsprincipaiscríticasdogrupoforamdirigidasàrelutânciadoG7emabrirmão de seu controle sobre as Instituições Financeiras Internacionais(IFIs)eàinsistênciadospaísesqueemitemmoedasquesãounidadedecontanosistemainternacionaldeadotarempolíticasde“afrouxamentomonetário”(quantitative easing)—levandoinclusiveadiplomaciabrasi-leiraacunhar,em2012,aexpressão“tsunamimonetário”.

Acriaçãoem2015doNovoBancodeDesenvolvimento(NDB—New Development Bank)—maispopularmenteconhecidocomoBancodosBRI-CS—edoArranjoContingentedeReservas(CRA—Contingent Reserve Ar-rangement)sãorespostasinstitucionais,aindaquelimitadas,aestadisputa.EnquantoasnegociaçõesporumaNovaArquiteturaFinanceiraRegionalnaAméricadoSulforamestranguladas,acoalizãodaspotênciasemergentesimplementouseusmecanismosmultilateraisemtemporecorde.Asinstitui-çõesfinanceirascriadaspeloblocoaindaterãotempodemostraraquevie-ram,masofocoanunciadodoNDBem“infraestruturaedesenvolvimentosustentável”iluminaoscaminhosdeanálise.Ovaloranunciadodacarteiradeinvestimentosdobanco(US$100bilhões)nãoésuficienteparareconfi-guraropanoramadofinanciamentodeinfraestruturaemumaerademega-projetos.Masé,acimadetudo,umaafirmaçãopolítica.

OrecentegolpeinstitucionalnoBrasil,noentanto,pareceapontarmudanças(aindaquehajamuitastrágicascontinuidades)napolíticadeinvestimentoseminfraestruturanopaísealgumastransformaçõessigni-ficativasnapolíticaexternabrasileira(PEB),comconsequênciasnotá-veisemrelaçãoàsestratégiasdeinserçãointernacionale,maisespecifi-camente,nosistemamultilateral.

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Temerindicourepresentantesdopartidoderrotadonaseleiçõespre-sidenciaisde2014paraoMinistériodeRelaçõesExteriores(inicialmen-teJoséSerra,candidatoderrotadoàpresidênciaem2002e2010,e,apósarenúnciadeste,AloísioNunes,vice-candidatoàpresidêncianachapaderrotadaem2014).Empoucosmeses,oprimeirochancelerempossa-dosinalizouaprioridadedenegociaçõesdeTratadosdeLivreComér-cio(TLC)comaUniãoEuropeiaeosEstadosUnidos(posiçãoquedeveser contrariada com a eleição de Donald Trump), o enfraquecimentodoMercosuleoutrasinstânciasregionaisearetiradadeembaixadasdocontinenteafricano.Comessasmudanças,oBrasilestálongedeaban-donaraapostadogovernolegitimamenteeleitoem2014naexportaçãodecommoditiesouno investimentoemmegaprojetosde infraestruturae extrativos, mas passa a fazê-lo por meio de uma agressiva aposta naprivatizaçãoeinternacionalizaçãodessesmegaprojetos,acomeçarpelomodelodeexploraçãodopré-sal.Comisso,tendeasedescolardatra-jetóriadeafirmaçãodeautonomianadeterminaçãodapolíticaexternaenoacessoconstanteàsnarrativasdesoberanianacionalecooperaçãoSul-SuldosBRICSemproldeumprojetolideradopeloG7esuasIFIs.

Noprimeirodiadegoverno,opresidenteemexercícioMichelTemerpublicouumamedidaprovisóriaqueestabeleceoProgramadeParceriasdeInvestimentos(PPI),emsubstituiçãoaoPACeaoPIL.Trata-sedeumprograma de “desestatização” — eufemismo do governo interino paraprivatizações—,quevisa a substituiropapel ativodoEstadonofinan-ciamentodemegaprojetosdeinfraestruturaporumpapelativodestenacelebraçãodeconcessõesePPPs.CabenotarqueoPPInãoinauguraasconcessões,quejáeramimportantesnoPACePIL,masasalçaàcondi-çãodosinvestimentoseminfraestrutura,subtraindoopapelanteriormen-teprotagonizadopeloBNDES.ObancopassouacomporoConselhodoPPI junto com cinco ministérios — Casa Civil, Fazenda, Planejamento,TransporteseMeioAmbiente.OconselhoécomandadodiretamenteporTemere,aoquetudoindica,oBNDESsetornará,especialmente,umes-truturadordenegóciosdasprivatizações.

Dopontodevistadasterritorialidadessubalternasedasperspectivasdesoberaniadospovossobreestas,nemoprojetoanterior,nemoatual sãodignosdecelebração.Mas,passadaumafasedeadaptação,casoseconsolide

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eseconsigaconvencerosinvestidoresdequepodegarantirasegurançaju-rídicaepolíticanecessária,aondaprivatizadorapromovidaporumgovernoilegítimo,combaseemumprogramadegovernoquenãoganhouaselei-çõesecomumprojetodedesmontedelegislaçõesreguladoras,deverepre-sentarumacorrelaçãodeforçasaindamaisdesfavorávelparaossujeitosemsituaçãodesubalternizaçãoeresistindoaosmegaprojetos.

“BUILD IT AND THEY WILL COME”: A PRIVATIZAÇÃO E FINANCEIRIZAÇÃO DO INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA E O PAPEL DA CHINA

Emjunhode2016,umbancodeinvestimentoholandês—Rabobank—especializadoemcommoditiesagrícolaslançouumrelatóriovoltadoaosseusclientes,analisandoopanoramaeastendênciasdoinvestimentoemlogísticaportuárianoBrasileseusprováveisimpactosnaexportaçãodecom-modities agrícolas brasileiras. A narrativa de que há um sub-investimentohistóricoemlogísticanopaís,comconsequentes“gargalos”paraainserçãomaiseficientedaproduçãobrasileiradegrãosnascadeiasglobaisdevalor,eraenfatizadaparaapontarumnovohorizonte:asmudançasnalegislaçãoportuáriabrasileiraem2013teriamabertocaminhoparaainstalaçãodeno-vosportosprivados,eoscorredoresdoArcoNortedespontavamcomoasro-tasmaisdinâmicasemtermosdecrescimentodocomércioparaexportação.

ALei12.815de2013regulamentouoestabelecimentodeterminaisportuáriosdeusoprivado(TUP)nopaíseabriuocaminhoparaoboomdeportosparaexportaçãodecommodities,viaestadodoParáe,emes-pecial, na calha dos rios Tapajós e do baixo Amazonas, mirando à su-peração do “gargalo” apontado pelo agronegócio: ter a produção maiscompetitiva do mundo “da porteira pra dentro” e enfrentar uma dasinfraestruturas logísticasmaisprecáriase ineficientes “daporteiraprafora”.“Gargalo”,no jargãodaadministraçãodeprodução,serefereaoelomenoseficientedacadeiaprodutiva,noqualoesforçode“aniquilaroespaçopelo tempo”erealizarovalormais rapidamentesevê travado

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pelafaltadecompetitividadedealgumapartenecessáriaaoprocessodemetabolismodocapital.SegundoorelatóriodoRabobank,o“gargalo”deescoamentodascommoditiesagrícolasétãoconsiderávelquequalquerga-nhomarginalcomnovosportosrapidamenteseesvaicomoaumentodovolumeproduzidoqueelesativamnasáreasaoredor,causandonovasatu-ração.DentreasáreascommaisprovávelampliaçãodaproduçãodesojacomaexpansãoportuárianoArcoNorte,aindadeacordocomorelatório,estãoonortedoMatoGrosso,osuleosudestedoParáeoMATOPIBA.

A margem de expansão dos corredores logísticos ainda é grande.“Construaeelesvirão”,dizotítuloeasconclusõesdorelatóriodobancodeinvestimentoholandês,apontandoos“gargalos”comoumproblema,mas, sobretudo, uma oportunidade de investimento para seus clientesnoBrasiledeganhostantonoaumentodaproduçãodegrãos,quantonaexploraçãocomercialdeportosnosnovoscorredoreslogísticos.

O crescimento do investimento privado no setor portuário pode estarmaisconsolidadodoquenorestantedosmodaisdacadeialogística,masatendênciadosprogramasgovernamentaisemultilateraisapontaparaoapro-fundamentodaparticipaçãoprivadaemtodaacadeiadetransportemultimo-dal.OPILdogovernoanteriorjáapontavanestesentidoeoPPIdogovernoemexercícioavançanamesmadireção.Segundoositedapresidência,opro-grama“temdeasseguraraestabilidadeeasegurançajurídicadosprojetos,comagarantiadamínimaintervençãonosnegócioseinvestimentos”38.Esseprogramaintensificaaneoliberalização(Brenneretal,2012)daagendadeinvestimentoseminfraestruturanopaísefavoreceaentradamaisintensadocapitalchinêsemumcontextoemqueocréditoestácontraídonoBrasil.

O investimento chinês em infraestrutura no Brasil esteve, por umperíodo, aquém da especulação que circula na mídia especializada. Osetordeenergia(sobretudopetróleoeredesdetransmissãodeenergiaelétrica)é,atéomomento,ocarro-chefedosinvestimentoschinesesnoBrasil(ColombiniNeto,2016).Énotório,noentanto,quemesmoquan-doaChinaaindanãosesobressaíanosinvestimentoseminfraestruturalogísticanopaísfrenteaoutroscapitais,o“fenômeno”China,eoqueesterepresentaparaademandadecommoditiesagromineraisexportadaspeloBrasil,jáerafundamentalnadeterminaçãoderotasedestinosdosinvestimentosdiversos.HojeaChinajáéomaiorinvestidornopaís.

38. http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/09/enten-da-o-programa-de-parce-rias-de-investimentos

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OcasodoTapajóséemblemáticonestesentido.Apesardeconstituiroprincipalcorredorlogísticoemexpansãohojenopaís,oúnicoinves-timentodeorigemchinesaclaramente identificávelestá relacionadoàCianport,empresaquetemumterminalemfasedefinalizaçãoemMi-rititubaeoutroprevistoparaSantarenzinho.Enemnestecasosetratadeuminvestimentofeitodiretamentenosterminais.ACianportécon-troladapelaholdingFiagrilParticipações,comsedenoMatoGrosso.Suaprincipalsubsidiária,representando60%dosnegóciosdaholding,maisespecificamentenomonocultivodegrãos,produçãodebiodieseledis-tribuiçãodeagroquímicos,éaFiagrilLtda.Estasubsidiáriadamesmaholding que controla a Cianport teve participação majoritária vendidapara a empresa chinesa Hunan Dakang Pasture Farming Co. Ltd., emjulhode2016,comassessoriadonegóciorealizadapeloRabobank39.AempresachinesadoPengxinGroupnãoinvestiunaCianport,masanun-ciouemcomunicadonaépocadacelebraçãodonegócioqueestava“par-ticularmentemotivadaparatrabalharjuntocomosmúltiplosparceirosdaFiagril,tantonasculturasdesojaemilhocomoemlogística”40.

39. http://www.valor.com.br/agro/4629679/fiagril-con-clui-venda-de-controle- de-subsidiaria-para-em-presa-chinesas

40. http://www.valor.com.br/agro/4546939/chineses-a-certam-compra-de-57-de- filial-da-fiagril-de-mt

ETC Cianport em Miritituba

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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Mas, apesar desta ausência direta nos investimentos atualmenteexistentesnoTapajós,o“fator”Chinaédefinidornaexpansãodesteedeoutroscorredores.Porumlado,comojáanalisado,anecessidadede“aniquilar o espaço pelo tempo” e ter acesso mais rápido ao mercadochinês tem sido central no redirecionamento de rotas logísticas — asveiasquecompõemometabolismodocapitalemescalaglobal—,paraoArcoNortenoBrasil.Poroutro,hárazõesparaacreditarqueopano-ramadosinvestimentoseminfraestruturalogísticaserãotransformadosnapróximarodadadeconcessõesemrazãodassinalizaçõesdeinteresseporpartedeempresaschinesasnosleilõesdeferrovia,queforamdeter-minantesnaprópriainclusãodosprojetosnoPPI(verQuadro5).

AFiol,cujasobrasestão inacabadasháalgumtempo, foiprojetadaparaconectarasjazidasdeferroemCaetitédaempresaBahiaMinera-ção(Bamin41)aoPortoSulemIlhéus,outraobrainacabada,egarantiraexploraçãoeexportaçãodominériodeferroparaaChina.Ointeressede investidoreschinesesna ferrovia foi fundamentalparasua inclusãona agenda de concessões e pode viabilizar o projeto minerário, aindainexplorado.Alémdisso,algumasferroviasquecomeçaramasercons-truídascomoobrasdoPACequenogovernoanteriortinhampermane-cido sob responsabilidadedaempresapúblicaValec (como trechosdaNorte-SuleaprópriaFiol—verQuadro5eImagem10)estãoprevistasparaaprimeirarodadadeconcessãodeferroviasdoPPI,queincluitam-bémaFerrogrão,projetocompletamentenovo(greenfield).

Outroinvestimento greenfieldqueaparecianoPIL—,masquedife-rentementedaFerrogrão,nãoreapareceaindanoPPI—éaBioceânica.Aprojeçãodapartedaferroviaqueseriasituadaemterritórionacionalestavaformadaporoutrosprojetosdeferrovia.OtrechodeVilhena(RO)aCampinorte(GO)édenominadoFerroviadaIntegraçãoCentro-Oeste(Fico)eestáatualmentesobresponsabilidadedaempresapúblicaValecS.A.Nãoháprevisãoparaasobras(segundoositedaempresa,elaestábuscandoobteraLicençaPréviadoempreendimento).OstrechosVilhe-na(RO)aPortoVelho(RO)ePortoVelho(RO)aBoqueirãodaEsperan-ça(AC),nafronteiracomoPeru,aindanãotêmprojetosdefinidos.OutroprojetoqueestavanoPIL,masnãoreapareceunaprimeirafasedoPPI,foiotrechodaNorte-Sul,queligariaAçailândia(MA)aBarcarena(PA).

41. Depois de algumas transa-ções, a empresa encontra--se atualmente sob controle da holding Eurasian Resour-ces Group (ERG), com 40% de propriedade pertencendo ao governo do Cazaquistão. A jazida é o único projeto da ERG fora da África e do Ca-zaquistão.

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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IMAGEM 10 | FERROVIAS COM IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA PARA O ESCOAMENTO DE COMMODITIES VIA ARCO NORTE

7

VITÓRIA

AÇURIO DE JANEIRO

SANTOS

ITAQUIBARCARENA

MIRITITUBA

PORTO VELHO

OBRAS NÃO INICIADAS

EM CONSTRUÇÃO

SUAPE

7

FINALIZADAS OU EM FASE DE FINALIZAÇÃO

8

9

ILHÉUS

PECÉM

8

9

BIOCEÂNICA (PIL)

NORTE-SUL BARCARENA (PA) / AÇAILÂNDIA (MA) (PIL)

FERROGRÃO - LUCAS DO RIO VERDE (MT) / MIRITITUBA (PA) (PIL e PPI)

NORTE-SUL PALMAS (TO) / ANÁPOLIS (GO) (PIL e PPI)

ANÁPOLIS (GO) / ESTRELA D´OESTE (SP) / TRÊS LAGOAS (MS) (PIL)

RIO DE JANEIRO (RJ) / VITÓRIA (ES) (PIL)

FIOL - FERROVIA DE INTEGRAÇÃO OESTE-LESTE (PAC e PPI)

FERROVIA TRANSNORDESTINA (PAC)

LEILÕES PREVISTOS NOS DISTINTOS PROGRAMAS DE INFRAESTRUTURA

• PROGRAMAS DOS GOVERNOSPETISTAS (PAC) – Programa de Aceleração do Crescimento(PIL) – Programa de Investimento em Logística

• PROGRAMA DO GOVERNO EM EXERCÍCIO(PPI) – Programa de Parcerias de Investimento (concessão ou subconcessão)

NORTE SUL AÇAILÂNDIA (MA) /PALMAS (TO) (PIL)

MALHA FERROVIÁRIA CONSOLIDADA

FONTE: Ferrovias. Programa de Investimentos em Logística. MPOG, Valec e Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Disponível em: http://www.logisticabrasil.gov.br/ferrovias2. Última visualização: agosto de 2016

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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IMAGEM 11 | PROJETO DA FERROVIA BIOCEÂNICA

FONTES: MÍDIA ESPECIALIZADA.

*No caso da Transnordestina, não há leilão previsto: a CCCC entraria no negócio como investidor junto à atual concessionária, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No caso dos trechos da Norte-Sul e da Fiol, atualmente sob responsabilidade da empresa pública Valec, o leilão do PPI representará uma subconcessão.

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

BRASIL

BOLÍVIA

PERU

COLÔMBIA

EQUADOR

OCEANOPACÍFICO

OCEANOATLÂNTICO

MG

RJ

GO

MT

RO

AC

PORTO DO AÇU

BAGUA GRANDE

TARAPOTOBAYOVAR

PUCALLPA

RIO BRANCO

PORTO VELHO

VILHENA

CAMPINORTE

LUCAS DORIO VERDE

CORINTO

FERROVIA DE INTEGRAÇÃO

CENTRO-OESTE (FICO)

QUADRO 5 | SINALIZAÇÃO DE INTERESSE DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO EM FERROVIAS NO BRASIL

FERROVIA SINALIZAÇÃO DE INTERESSE EM (SUB)CONCESSÃO*

Norte-Sul: trechos entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) — concluído, mas ainda sem operações —, e entre Ouro Verde (GO) e Estrela D'Oeste (SP) — em fase de finalização (ambos sob responsabilidade da Valec)

Russian Railways International (RZD)China Communications Construction Company (CCCC)

Rumo ALL

Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) (atualmente sob responsabilidade da Valec) Ferrogrão

China Railway Corporation (estatal, através de uma holding com a estatal brasileira Valec)

China Railway Construction Corporation Limited (através de um consórcio com a Camargo Correa)

Consórcio formado pelas tradings Amaggi, Louis Dreyfus, Cargill, Bunge e ADM

Transnordestina CCCC

FONTE: Folha de São Paulo, 2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1790571-ferrovia-bioceanica-para-ligar-o-brasil-ao-pacifico-e-viavel-indica-estudo.shtml

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AFerroviaTransnordestina,sobconcessãodaCompanhiaSiderúrgicaNa-cional(CSN),estácomobrasincompletas.Sendoumaferroviacomcon-cessãojárealizadanoPAC,nãoestevenoPILenemestánoPPI,mashásinalizaçãodeinteressedeumaempresachinesaderealizarinvestimentocomaatualconcessionáriaeparticipardoempreendimento.

Ofatodeosinvestimentosgreenfield serem,atéomomento,menoscomuns no panorama dos investimentos chineses no Brasil tambémcontribuiparaabaixapercepçãodapresençachinesanosterritórios.Aoadquirirumempreendimentojáemoperação,osinvestidoreschinesesacabamporcontornaromomentomaisconflitivo,quevaidesdeasame-aças sentidas pelos sujeitos nos territórios já nos anúncios do investi-mento,passandopelosconflitosduranteosestudosdeviabilidadeedelicenciamentoambiental,atéoperíododasobras,quandose intensifi-camasespoliaçõesvividaspelascomunidades.

Nosúltimosanos,agiganteChinaThreeGorges(CTG)ouTrêsGar-gantascomprouUHEsemoperação(Salto,Garibaldi,JupiáeIlhaSol-teira)eaparticipaçãoemUHEsemfasedefinalização(SãoManoelemconstruçãonorioTelesPires,formadordoTapajós,nadivisaentreMatoGrossoePará;SantoAntoniodoJarinorioJari,nadivisaentreParáeAmapá;eCachoeiraCaldeirãoemconstruçãonorioAraguarinoAma-pá;comparticipaçãode33%,50%e50%respectivamente).ACTGeaStateGrid tambémtêmseenvolvidoemtratativasdecompra totalouparcialdaUHEBeloMonte42.Estescasossãoexemplaresnosentidodecontornaromomentodemaiorconflito,embora,nocasodeBeloMon-te,onão-cumprimentodascondicionanteseasituaçãobrutalvividaemAltamiraconfiguraesteumempreendimentodeaindaaltíssimoconflitoambiental,mesmojátendolicençadeoperação.NocasodoprojetodaUHESãoLuizdoTapajós,atualmentesuspenso,ojáanunciadointeres-sedaCTGnaconcessãopoderepresentar,casooempreendimentovol-teàagendagovernamental,aprovadefogoparaoschinesesnestafasemaisintensadeentradanopaís,dadaavibranteresistênciadospovosdoTapajósaoprojeto.

As estratégias empresariais para lidar com esses conflitos têm sesofisticadoaolongodotempo,43masnãocontamoscomelementossu-ficientes para entender os desafios específicos da forma de empresas

42. http://www.correiobrazi-liense.com.br/app/noticia/economia/2017/01/31/in-ternas_economia,569460/chineses-querem-comprar- a-usina-eletrica-de-belo- monte-no-para.shtml

43. As empresas transnacionais, o Estado e o modelo de “de-senvolvimento” na Pan Ama-zônia. Março de 2016. http://fase.org.br/wp-content/uploads/2016/04/S%C3%A-9rie-de-Entrevistas-sobre- a-Amaz%C3%B4nia-Diana- Aguiar-032016.pdf

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chinesasoperaremterritorialmente.Poroutrolado,umadasestratégiasderesistênciamaisutilizadasporcomunidadesinsurgentesemsituaçãodeconflitoambientalé formaraliançascomorganizaçõesemovimen-tosdospaísesdeorigemdos investimentospara sensibilizaraopiniãopúblicaeconstrangerosinvestidoresdiantedasviolaçõescometidasemnomedoslucros.Apossibilidadedequeestetipodeestratégiafaçasen-tidoemrelaçãoainvestimentoschinesesémínima.

Emumcontextodeavançodosinvestimentoschineseseminfraes-truturalogísticaedeempenhodoCongressoNacionalemoperarodes-montedaslegislaçõesambientais,sãoenormesosdesafiosquetêmpelafrentecomunidadesepovoscujosterritóriosestãonalinhadetraçadodecorredoreslogísticos,organizaçõesdeassessoriapopularemovimen-tosdeatingidaseatingidosambientais.

Algumasestimativasapontamparaointeressedeinvestidoreschine-sesdedesembolsarcercade20bilhõesdedólaresnacompradeativosnoBrasilem2017,umaumentode68%emrelaçãoa2016.Nestecontexto,oBrasiljáseriaosegundomaiordestinodeinvestimentoschineseseminfraestrutura,atrásapenasdosEstadosUnidos.HáváriasnegociaçõesemandamentoeomomentoconsolidaumprocessodeestabelecimentonopaísdeescritóriosdediversasempresasquesãogigantescorporativasnaChina,masinexperientesnomercadointernacionalequepassaramoúltimoperíodoavaliandooportunidadesdenegócionoBrasil44.

AChinaRailwayConstructionCorporationLimitedjáassinouacor-dosdeintençãodeinvestimentoseminfraestruturacomosgovernosdoPará(emjaneirode2016)edoMatoGrosso(emsetembrode2016).Jáemjulhode2014,aempresatinhaassinadoumacordocomaempreitei-raCamargoCorreaparaavaliaraformaçãodeconsórciosparadisputaroleilãodeferrovias,inclusiveaFerrogrãonoTapajós45.ÉprovávelqueainsegurançajurídicadasempreiteirasbrasileirasnocontextodaOpe-raçãoLava-Jato,comoanalisadoanteriormente,inviabilizeessastratati-vas.AgiganteChinaCommunicationsConstructionCompany(CCCC)anunciouemmaiode2016aaberturadeseuprimeiroescritórionoBra-sil,acompradaparticipaçãomajoritáriaemumaempreiteira(Concre-mat)eo investimentoemumterminalportuárioemSãoLuísdoMa-ranhãocomacessosàsferroviasTransnordestinaeCarajás46,assinando

44. http://exame.abril.com.br/economia/chineses-que-rem-investir-us-20-bilho-es-no-brasil/

45. http://www1.folha.uol .com.br/mercado/2014/07/1487636-empresa-chi-nesa-fecha-acordo-pa-ra-explorar-ferrovias-no--brasil.shtml

46. h t t p s : / /www.p o r t o se -navios.com.br/noticias/p o r t o s - e - l o g i s t i c a /34294-gigante-chines- desembarca-no-pais-e-in-veste-em-porto-da-wtorre

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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em abril de 2017 o contrato para a construção do porto47. A empresatambémsinalizouaintençãodeparticipardediversosleilõesdeinfraes-trutura.AChinaRailwayEryuanEngineeringGroupCompanyestáre-alizandoosestudosdeviabilidadedaferroviaBioceânica.Emsetembrode2015,umacomitivadaAprosojafoiàChinasereunircomaempresaeapresentardadossobrecomoopotencialdecrescimentodaproduçãodasojanoMatoGrossonãopodesercontempladosomentecomospor-tosdoArcoNorte,numaleituraquediferedeoutrossetoresmaiscéti-cosemrelaçãoàBioceânica.Osruralistasdefendemquetêmcapacidadedeexpansãoprodutivaparaacommodity,mas,paraaviabilizaçãodeseuescoamento,precisamdeumagentecapitalistapoderoso.SenãoéoEs-tadobrasileiro,seráocapitalismodirigidopeloEstadochinês.

Nãoé somentenoBrasilounaAméricadoSulqueasempresaseadiplomaciachinesasampliamsuapresençanosinvestimentosemin-fraestrutura. É uma tendência global do capitalismo chinês, que criougigantescosgruposeconômicoscomcapacidadeociosadeconstruçãoequeacumulouumamassadecapitais incomparáveis,queprecisafazercircular as reservas imobilizadas em títulos de tesouro estadunidensea jurosbaixíssimo,adquirindonovosativos,emnovasrodadasdeacu-mulaçãoporespoliação.Trata-sedeumainternacionalizaçãodocapital

47. http://www.valor.com.br/empresas/4932602/cccc- avanca-no-pais-e-estuda- investir-em-infraestrutura

“ Em um contexto de avanço dos investimentos chineses em infraestrutura logística e de empenho do Congresso Nacional em operar o desmonte das

legislações ambientais, são enormes os desafios que têm pela frente comunidades e povos cujos territórios estão

na linha de traçado de corredores logísticos, organizações de assessoria popular e movimentos de atingidas

e atingidos ambientais”

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chinêsfortementedirigidapeloEstadopormeiodemecanismosdefi-nanciamentoefacilitaçãoadministrativa(CintraePinto,2015).Aini-ciativaOne-Road-One-Belt(OROB),achamadanovarotadasedaconec-tandoaÁsia,aÁfricaeaEuropa,estána linhadefrentedaestratégiade expansão chinesa, fomentando um novo modelo de “cooperação”internacional,játestadopelaChinanaÁfrica,equeenvolvenenhumacondicionalidadepolítica,ouadoçãodenormasparaviabilizaroinves-timento,baixograudemilitarizaçãoenvolvidonaocupaçãoterritorialepromessasdeganhoseconômicosmútuos,buscandoconquistarconfian-çaedirimirconflitosemseuentorno.

Oprojetochinêsmobilizaimagináriosecausatemoresemrelaçãoaoexpansionismodogiganteemascensãoe,aomesmotempo,estabelecetendênciasedespertainteressesdeinvestidores.Éumprojetogeopolí-ticoecapitalistaqueredesenhaasveiasdometabolismodo“autômataglobal”,tendoaChinacomosuacolunavertebral.Alémdarotaterrestre(CinturãoEconômicodaRotadaSeda)edarotamarítima(NovaRotadaSedaMarítima)quecompõemaOROB,aChinatemprojetadoemcooperaçãocomseusvizinhosnaÁsiaumasériedecorredoresquecom-plementamopanorama.Osacordosbilateraisentreosgovernoschinêsebrasileiro,entreentidadesfederativasbrasileiraseempresaschinesaseosconsórcioseacordosdeinvestimentoentreasempresaschinesaseempresas brasileiras são derivações dessa dinâmica global que tem naÁsia-Pacíficoseueixomaisdinâmico.

Paraseterumaideia,oinvestimentoprevistodanovarotadasedaéde1,4trilhãodedólares,alavancadospeloSilkRoadFund,queatual-menterepresenta40bilhões,eplaneja-sequecheguea100bilhõesdedólares48,comomontanterestanteasercaptadonomercadoporgigan-tescorporativos.NocasodosinvestimentoschinesesnoBrasil,aassina-turaemoutubrode2016domemorandodeentendimentoqueestabele-ceoFundoBilateraldeCooperaçãoProdutiva,deUS$20bilhões,parececoncretizarnovasfontesdefinanciamento.Dototal,US$15bilhõesse-rãodirecionadospelaChinaapartirdoChinaLatinAmericanIndustrialCooperationInvestmentFund(Claifund),eUS$5bilhõesserãoinjeta-dospeloBrasil—nãosesabeaindaseapartirdoBNDESououtrafon-te.Este fundonãochegaa serumanovidade.Aproposta játinhasido

48. http://www.idsa.in/idsa-comments/china-one-ro-ad-one-belt-init iative_msanwal_290916

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anunciada durante a visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, aoBrasilemmaiode2015,massónofinalde2016seustermosforamfirma-dos.Defato,em2015,oanúnciodapropostadestefundoficouàsombradeumacordofirmadoentreosdoispaísesparaacriaçãodeumfundodeUS$50bilhões,especialmentepensadoparaprojetosdeinfraestrutura49.EstefundomaioraparentementesaiudecenaeoFundodeCooperaçãoProdutivatemsidoprioridadenaagendadapolíticaexternadogovernoilegítimodeTemer.Aindaque,emprincípio,asempresasbrasileiraspos-samteracessoarecursostantoquantoaschinesas,ogovernoadmitequenaconjunturaatualserão,sobretudo,aschinesasarecebê-los50.

O fundo não implicará o depósito dos recursos pelos dois países.Trata-se de uma sinalização de disponibilidade. Os recursos serão re-passadosaoempreendimentoaprovadopeloconselhodofundo,sejavia

IMAGEM 12 | A NOVA ROTA DA SEDA CHINESA

49. http://www.valor.com.br/brasil/4056644/china-e--brasil-acertam-fundo-de--us-50-bilhoes-para-infra-estrutura

50. http://www.valor.com.br/brasil/4740841/brasil-e--china-criam-fundo-bila-teral-de-us-20-bi

MONGÓLIACAZAQUISTÃO

RÚSSIA

IRÃ

ÍNDIA

CHINA

QUÊNIA

ITÁLIASÉRVIA

GRÉCIA

POLÔNIAHOLANDA

PAQUISTÃO

UZBEQUISTÃO

INDONÉSIA

MALÁSIASRILANKA

LAOSTAI-

LÂNDIA

MYAN-MAR

ROTERDÃ

MOSCOU

ISTAMBUL

ATENAS

VENEZA

TEERÃ

CALCUTÁ

BISQUEQUEALMATY

ÜRÜMQI

COLOMBO

JACARTA

KUALALUMPUR

ZHANJIANG

FUCHEU

SIAN

BEIJING

NAIROBI

MAR DOSUL DACHINA

OCEANOÍNDICO

NOVA ROTA DASEDA MARÍTIMA

CINTURÃOECONÔMICO DAROTA DA SEDA

TURQUIA

MAR MEDITERRÂNEO

ROTAS DA SEDA

POR TERRA

POR MAR

NOVA VELHA

NOVA VELHA

FONTE: The Economist, 2016. Disponível em: http://www.economist.com/news/china/21701505-chinas-foreign-policy-could-reshape-good-part-world-economy-our-bulldozers-our-rules

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financiamentodiretoàempresaoucompradedebênturesdosprojetos.Atendênciadefinanceirizaçãodeativosdeinfraestruturaéglobaleain-daincipientenoBrasilnaperspectivadospromotoresdaneoliberaliza-ção.Paraespecialistasdemercado51,o “amadurecimento”domercadodecapitaisnoBrasilerainibidopelopapeldoBNDESnomodeloante-rior,quedeve ter seuprotagonismoreduzidogradativamentenonovomodelo.Onovofundo,noentanto,nãodácontasozinhodanecessida-dedeinvestimentoparaosempreendimentosapontadosnasagroestra-tégias como necessários para concretizar os megacorredores logísticosparaescoamentodecommoditiesagrominerais.Espera-sequepartedosrecursospossamsercaptadosnomercadofinanceiro.

OpesquisadorNickHildyard(2016),daorganizaçãobritânicaCor-ner House, chama a atenção para a extração financeira envolvida nacriaçãodeativosfinanceirosatreladosamegaprojetosdeinfraestrutura,emumprocessoquedenominade“saqueorganizado”.Eleafirmaqueosrecursosnecessáriosparaasinfraestruturasdeinteressepúblico(hospi-tais,saneamentobásico,iluminaçãopública,etc.)poderiamsergaranti-doscomosrecursosexistentesnosbancosnacionaisemultilaterais.Sãoosmegaprojetosdesenhadospara“aniquilaroespaçopelotempo”ere-solveroproblemadadesconexãoentrecentrosdeextração,produçãoeconsumonaescalaevelocidadequeascadeiasglobaisdevalor(cadavezmaisexpandidasnoespaço)necessitamquetêmdemandadoummon-tantequeosrecursospúblicosnãopodemalcançar.

É neste ponto que entra a estruturação de ativos financeiros, emúltima instância subsidiadosegarantidospelos cofrespúblicosde for-maacriarfluxosestáveisede longoprazo,atraindoassimo interessedo capital financeiro. Uma das implicações dessa necessidade é que opotencial interessepúblicodeumprojetode infraestruturaficadees-canteiodiantedeprojetosdeinfraestruturadeinteressecapitalista,quepossamserexploradoscontinuamenteparagarantiraremuneraçãodosinvestidores. A reengenharia financeira utilizada para estruturar estespapéisatreladosamegaprojetosde infraestruturarespondeacrisesdesobreacumulação,direcionandomassasdecapitaiscomapetitedeopor-tunidades de investimento que ofereçam segurança jurídica e finan-ceira, e favorece afinanceirizaçãoe a criaçãodebolhasespeculativas.

51. Financiamento de Infra-estrutura e Segurança de Longo Prazo no Brasil. Se-minário do Valor Econômico. Novembro de 2016.

TERRITORIALIDADES EM FRICÇÃO COMO RESULTADO DE CONEXÕES GLOBAIS

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Osresultadospodemserdesastrososealgunsespecialistas jáapontamparaoiminenteestourodestasbolhas(ibid).

Outro instrumentoqueestásendopensadopelogovernobrasileiroparadar segurança jurídicaefinanceiraaos investimentosem infraes-truturaéacriaçãodeumsegurocambialqueprotejainvestimentoses-trangeirosdeoscilaçõescambiais52.Oquechamaatençãonestesmeca-nismosemoperaçãoouplanejadoséaextensãodaengenhariafinanceiraejurídicaqueoEstadosepropõeaapoiarparagarantirosmegaprojetosde infraestrutura que os investidores considerem estratégicos. Não háqualquerdebatepúblicoarespeitodeaquemeaquêservepotencializaresses megacorredores logísticos, que atividades econômicas extrativasserãoviabilizadaseemdetrimentodequemodosdeproduçãoedevidaqueseencontramnosterritóriosnalinhadetraçadodoscorredores.

“Não há qualquer debate público a respeito de a quem e a quê serve potencializar esses

megacorredores logísticos, que atividades econômicas extrativas serão viabilizadas e em detrimento de que modos de produção e de vida que se encontram nos

territórios na linha de traçado dos corredores”

52. http://www.valor.com.br/brasil/4863420/proposta- de-seguro-cambial-em- concessoes-agrada-setor.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL

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COMENTÁRIOSFINAIS

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Apremissafundamentalsubjacenteaosmegaprojetosdeinfraestruturaéadequeosmodosdeproduçãoedevidanosterritóriossubalternossão inexistentes ou não expressam o “interesse nacional”, que fica re-duzidoaatividadeseconômicasquegeremvalordetrocadeformain-tegradanascadeiasglobaisdevalor,mesmoquesuasestruturassejamconcentradorasderenda,ambientalmentedevastadorasepromovamoetnocídiodepovos indígenas,camponesesepovosecomunidadestra-dicionais.Éuma ideiade“interessenacional”,acessadapara justificarocrescimentoeconômicocomofimemsimesmo,reafirmandoaconti-nuidadedocapitalismoextrativoeespoliadoreainvisibilizaçãodasas-simetriasdepoderquesentenciamosgrupossociaissubalternizadosàespoliaçãoouàinserçãosubordinadaaosempreendimentosquesepro-jetamsobreseusterritórios.

Aestesgruposbusca-senegarapossibilidadedeseremsujeitospolí-ticoscomsoberaniapopularsobreosdestinosdosterritóriosqueconsti-tuemeconstroem.Pelocontrário,ossistemasprodutivoslocaisquetêmdado sustentação à sociobiodiversidade dos territórios são taxados deimprodutivospornãopromoveraacumulaçãodecapitalemlargaescalaenãoviabilizaraextraçãofinanceira.Arealizaçãodedebatesquerespei-temostemposeasformasdeconsentimentolivre,prévioeinformado,apartirdosterritóriosqueseencontramnaslinhasdetraçadodosme-gacorredores,certamenteapontariaparaumdesenhodeinfraestruturasmenores,maisdescentralizadasequeservissemapotencializarossiste-massocioprodutivosoperadosemarticulaçãocomunitária.

Em conflito direto com as territorialidades capitalistas e estatais,cujos projetos implicam sua aniquilação e transformação em zonas desacrifícioparaoprocessodemetabolismodocapitalemescalaglobal,estasterritorialidadessubalternasseinsurgem.Alutaporsua(re)exis-tênciaconstituiaomesmotempoalutaporhorizontesalternativosquedeveminspirarqualqueresforçoanalíticoquesereconheçanocampodareivindicaçãodasoberaniadospovos,pelademocraciados“debaixo”,emcontraposiçãoealternativaaumaideiadesoberanianacionalhomo-geneizadora,definidapelos“decima”,ouaummeroentreguismoemtrocadeacumulaçãodepoderedinheiro.

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Apartirdestaperspectivaemancipatória,entenderopapeldaChi-nanestesprocessosnãodevejamaisimplicarumaescolhaentreestaouaquelapotênciaglobalàqualoprojetodeinserçãointernacionaldoBra-sildevesesubordinarouentreestaouaquelaorigemdeinvestimentosquemelhorservemaesteprojeto.EntenderopapeldaChinaesuasim-plicaçõesqualificae subsidianossacapacidadederesistênciaparaqueconstruamosumprojetocomumquerespeiteereconheçaadiversidadesociocultural e produtiva e a multiterritorialidade contidas no Brasil,que reafirme o direito à autodeterminaçãodos sujeitospolíticos sobreseusterritóriosdevidaequeviseàampliaçãodobemcomumeàjustiçasocial,ambientaleagrária.

COMENTÁRIOS FINAIS

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ABREVIATURAS E SIGLAS

IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana

Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MME – Ministério de Minas e Energia

MP – Medida Provisória

MPE – Ministério Público Estadual

MPF – Ministério Público Federal

MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

NAFR – Nova Arquitetura Financeira Regional

NDB – Novo Banco de Desenvolvimento

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OTP – Odebrecht Transport

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PARNA – Parque Nacional

PDE – Plano Decenal de Expansão de Energia

PIB – Produto Interno Bruto

PIC – Projeto Integrado de Colonização

PIL – Programa de Investimentos em Logística

PNC – Projeto Norte Competitivo

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PPI – Programa de Parcerias de Investimentos

PPP – Parceria Público-Privada

RADAM – Projeto Radar na Amazônia

RESEX – Reserva Extrativista

SEMAS/PA – Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará

TI – Terra Indígena

TLC – Tratado de Livre Comércio

TUP – Terminais Portuários de Uso Privado

UHE – Usina Hidrelétrica

UNASUL – União das Nações Sul-Americanas

ALBA – Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América

ALCA – Área de Livre Comércio das Américas

APA – Área de Proteção Ambiental

ATAP – Associação dos Terminais Portuários Privados e das Estações de Transbordo de Cargas da Hidrovia Tapajós

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BR – Rodovia Federal

BRICS – Coalizão formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CBD – Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica

CNI – Confederação Nacional da Indústria

CNPE – Conselho Nacional de Política Energética

COSIPLAN – Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento

CTG – China Three Gorges (Três Gargantas)

DNPM – Departamento Nacional de Pesquisa Mineral

EDLP – Estação da Luz Participações

EF – Estrada de Ferro

EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

EPE – Empresa de Pesquisa Energética

ETC – Estação de Transbordo de Cargas

FLONA – Floresta Nacional

FMI – Fundo Monetário Internacional

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IFI – Instituições Financeiras Internacionais

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DIANA AGUIAR integra o Grupo Nacional de Assessoria da FASE desde 2015, realizando pesquisa-ativista e assessoria e educação popular a redes e comunidades resistindo a processos de acumulação por espoliação relacionados a grandes projetos de investimento. É graduada em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro (2008) e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Foi pesquisadora do Transnational Institute (TNI) e facilitou a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo e Parar a Impunidade entre 2012 e 2015. Entre 2008 e 2010 foi coordenadora Global de Programas da International Gender and Trade Network (IGTN) e entre 2011 e 2013 facilitou a participação da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) em redes e processos transnacionais de mobilização para o enfrentamento da globalização financeira, como as contra-Cúpulas do G20 em Cannes, México e São Petersburgo.

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A GEOPOLÍTICA DE INFRAESTRUTURA DA CHINA NA AMÉRICA DO SUL: UM ESTUDO A PARTIR DO CASO DO TAPAJÓSNA AMAZÔNIA BRASILEIRA

DIANA AGUIAR

APOIO: REALIZAÇÃO: