DIÁRIO DE BORDO: DO LIVRO DIDÁTICO À PRODUÇÃO DE ...
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DIÁRIO DE BORDO: DO LIVRO DIDÁTICO À PRODUÇÃO DE TEXTOS
Mestranda Katyane Rocha1
Resumo: É fundamental compreender que o ensino de língua deve ser funcional e, partindo da ideia de
que a língua não é, apenas, um amontoado de regras, os gêneros textuais se tornam um instrumento
importantíssimo para o trabalho com a linguagem em sala de aula, uma vez que podem possibilitar a
vivência de situações autênticas de interação, nas quais as regras linguísticas têm sua razão de existir.
Mas como trabalhar com os gêneros, didatizando-os com qualidade, haja vista que nem sempre é o que
ocorre em muitos de nossos livros didáticos? Além disso, ainda existem professores, os quais utilizam o
livro didático como única ferramenta para o ensino, o que, às vezes, dependendo do material pedagógico
usado, torna o trabalho com a língua menos diversificado. Pensando em diminuir a ânsia por um trabalho
adequado com o ensino de Língua Portuguesa, a presente pesquisa visa relatar uma experiência vivida por
mim em minhas aulas, numa turma de 8º ano do ensino fundamental II. Incentivada por Serafini (2004),
Vieira (2005), Pinto (2004), dentre outros estudiosos que trabalham com a análise do ensino de língua
dentro e fora da sala de aula, decidi desenvolver um projeto de produção de gêneros com a referida turma.
Esta atividade motivou os alunos, que passaram a interagir e a pensar a língua como algo que faz parte da
vida, o que tornou as aulas de Língua Portuguesa mais atrativas e funcionais.
Palavras-chave: Ensino; Língua; Gêneros; Produção textual.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo principal relatar uma experiência vivida
por mim, em uma turma de 8º ano numa escola pública de Fortaleza.
Inicio apresentando meu relato de caso. Em uma de minhas turmas, o 8º ano A,
de uma escola pública, na qual leciono Português I e II2, vivi uma experiência, na qual
pude unir a teoria à prática, e, com isso, entender que o foco do ensino de língua
materna não é a gramática, mas, sim, o texto, o qual se concretiza a partir das
características de gêneros textuais.
Em um segundo momento, fundamento teoricamente a minha ação docente,
apoiando-me em autores como Marcuschi (2008), Serafini (2004), Vieira (2005), dentre
outros, bem como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), 1998.
Na terceira parte deste trabalho, busquei fazer minhas considerações finais
sobre o que vivenciei durante a realização do meu (e de meus alunos) projeto de
produção de textos.
Para concluir, faz-se necessário salientar que o presente trabalho resultou de
uma disciplina do Profletras, em que o professor pediu que fosse feito o registro de um
projeto didático e que esse projeto fosse analisado, posteriormente, à luz da teoria.
1 Katyane ROCHA, Mestranda
Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual do Ceará- PROFLETRAS-UECE. 2 Esta divisão da Língua Portuguesa foi criada pela Secretaria de Educação do Município de Fortaleza no
ano letivo de 2014, em que Português I refere-se ao ensino dos aspectos linguísticos/gramaticais da língua e Português II faz referência ao ensino de Produção de textos. Para Português I tem-se 3 horas-aula e Português II, 1 hora-aula.
RELATO DE CASO
Sou estudante do Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual do
Ceará e professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio em três
escolas públicas na periferia de Fortaleza.
Pela manhã, leciono Português I e II na Escola Municipal Diogo Vital de
Siqueira, nas turmas do 7º ano e na turma do 8º ano A, cujo livro adotado é Singular &
plural: leitura, produção e estudos de linguagem, da editora Moderna. O livro é
dividido em três partes: “Caderno de Leitura e Produção”, “Caderno de Práticas de
Literatura” e “Caderno de estudos de língua e linguagem”.
Em uma de minhas aulas de Português I na turma do 8º ano A, comecei a
explorar um capítulo da unidade “Caderno de estudos de língua e linguagem”. O
capítulo trabalhava com o uso de recursos expressivos da língua, tais como a Gradação,
o Pleonasmo – chamado pelo livro de Repetição –, o Eufemismo e a Antítese. Antes de
entrar em sala, planejei minha aula, utilizando o livro como principal recurso didático.
No entanto, como estava lendo um artigo sobre o trabalho com a língua em sala de aula
e havia recentemente participado de um evento sobre o ensino de língua dentro e fora da
sala de aula, aquela metodologia, usada por mim até o momento, começou a me
incomodar bastante. Devido aos conhecimentos recém-adquiridos, sentia que o meu
modo de ensinar já não era a maneira mais adequada e eficaz de explorar a Língua
Portuguesa, mas, mesmo com todas as inquietações, fui à aula sem nenhuma outra
atividade diferenciada.
Comecei a aula daquela manhã de quarta-feira normalmente, seguindo os
mesmos procedimentos de sempre. Pedi que os alunos localizassem a página 209 do
livro e que anotassem, do quadro, as informações sobre as figuras de linguagem, as
quais seriam o foco daquela aula. Depois da cópia, comecei a explicação; logo em
seguida, conclui-a e solicitei que os discentes fizessem o exercício proposto pelo livro,
todavia me sentia muito incomodada, chegando a achar que meu propósito não havia
sido atingido plenamente. De fato, não havia. Os alunos não haviam compreendido a
matéria e, como a turma era apática, nem sequer me perguntavam as suas dúvidas.
Percebi o quanto eles não haviam dominado o conteúdo através da correção da
atividade. A partir de então resolvi mudar o plano.
Percebi que a partir dali deveria abordar a gramática de uma maneira diferente,
trabalhar uma gramática que fosse unida ao ensino de gêneros textuais, que levasse em
consideração os aspectos sociointeracionais da língua. Deveria deixar de lado, a
gramática que trabalha frases descontextualizadas e que, muitas vezes, são artificiais,
pois são propositalmente criadas com o único fim de ensinar a regra e, não, a norma em
sua observação empírica. Comecei, então, a planejar uma estratégia que contribuísse
para a qualidade de minhas aulas e que efetivamente trabalhasse a gramática de uma
maneira mais adequada.
Depois de várias leituras, tais como Geraldi (2011), Serafini (2004), propus que
os alunos formassem grupos e solicitei que cada grupo escolhesse um gênero3 para
trabalhar. Determinei que o tema dos textos fosse o humor; pedi para que cada grupo
desse um título interessante ao seu texto, a fim de que os possíveis leitores se sentissem
atraídos para lê-lo; disse-lhes que teriam de observar dentro de seus próprios textos as
figuras de linguagem que havíamos trabalhado em sala. Decidi que essa atividade
valeria como nota social para o bimestre, no lugar de terem uma prova sobre o conteúdo
gramatical.
A turma, que outrora era apática, começou a demonstrar um interesse que me
deixou surpresa. Foram formadas cinco equipes; uma delas decidiu escrever um texto de
memórias, no estilo do livro Diário de um banana, que a maioria aprecia bastante e a
cujo filme homônimo havíamos assistido há poucos dias; outra equipe produziu uma
charge, provavelmente devido à familiaridade com o gênero, frequente em atividades do
livro didático; duas equipes produziram piadas; e, apenas uma equipe não produziu
nada.
Dias antes da apresentação dos trabalhos, solicitei aos alunos que me
enviassem os textos por e-mail, a fim de que eu pudesse corrigi-los no final de semana,
pois teríamos pouco tempo para a correção e a refacção do texto, faltava pouco mais de
três semanas para ficarmos de férias. Apenas uma equipe me enviou o texto. Este me
chamou a atenção, tanto pela qualidade, quanto pelo número de páginas, pois,
normalmente, os textos entregues pelos alunos da turma não ultrapassavam uma página.
Também decidi numerar as equipes, como esta foi a primeira a me enviar o trabalho,
chamei-a de equipe 1.
A equipe 1 era formada por três meninas, elas haviam produzido um texto de
memórias no estilo do livro Diário de um banana. O texto escrito pelas alunas ficou
3 Em aulas anteriores, já havíamos trabalhado o conceito de gênero e alguns exemplos
de gênero, tais como histórias em quadrinhos; piadas; relatos; textos de memórias; etc..
muito bom, realmente engraçado e bem escrito, apesar de pequenas inadequações, as
quais seriam corrigidas ao longo de nossa atividade. Fiz a primeira revisão e reenviei o
texto delas com minhas observações por e-mail (Anexo A).
Na semana seguinte, as três meninas vieram conversar comigo, elas estavam
eufóricas, pois além de tê-las respondido, elogiei-as bastante, estavam muito contentes,
tanto a ponto de pedirem para a apresentação de o trabalho ser uma peça teatral.
Na mesma hora, comecei a elaborar mentalmente um projeto didático de
produção de gêneros. Disse a elas que poderiam apresentar a peça, contanto que
produzissem outro gênero de texto, que seria o gênero peça teatral. Elas ficaram
receosas, pois o objetivo da peça não era trabalhar a gramática e sim apresentar
entretenimento, então, propus que primeiro elas apresentassem o texto à turma e
explicassem as figuras de linguagem, o que já lhes garantiria a nota parcial do bimestre;
e, depois, apresentassem para toda a escola a peça, assim elas aceitaram
Uma semana antes da apresentação oficial do trabalho parcial, todos os grupos,
inclusive a equipe 1, mostraram uma prévia do que iriam apresentar na outra semana,
data final para a entrega do trabalho. Todo o restante da turma adorou o texto das
meninas e a ideia da apresentação do teatro.
Pensando em trabalhar didaticamente o projeto de gêneros com a turma toda,
aproveitei que todos estavam empolgados com o desenvolvimento da atividade de
produção de gêneros, e sugeri que aderissem à ideia das meninas de se apresentarem ao
colégio. Alguns se manifestaram, dizendo que não iriam se apresentar, pois eram
envergonhados, outros já disseram que ficariam muito contentes em atuar na peça das
colegas e alguns ficaram calados.
Em conversa com a turma, mas com o intuito de incentivar que eles
propusessem gêneros a serem trabalhados, perguntei a eles como os demais alunos da
escola poderiam ficar sabendo da peça e eles me responderam que isso poderia ser
informado de diversas maneiras: alguns sugeriram a confecção de convites, outros a
produção de cartazes e outros falaram de uma postagem na rede social Facebook. Falei
para eles que todas estas sugestões se tratavam de gêneros textuais, que poderiam ser
trabalhados e serviriam para ajudar as meninas a apresentarem a peça à escola.
Na semana seguinte, os trabalhos com as figuras de linguagem foram
apresentados. Todas as equipes tiveram dificuldades em explicar as figuras de
linguagem, os alunos não conseguiam identificar os recursos da língua que estavam
presentes em seus textos, mesmo tendo sido eles mesmos a produzir os textos.
Novamente expliquei a matéria, mas, desta vez, disse-lhes que o mais importante não
era nomear, mas sim compreender os recursos que poderiam ser utilizadas para produzir
textos de estilos diferenciados; ratifiquei que a produção de textos é (pelo menos
deveria ser) o verdadeiro objetivo do ensino de Língua Portuguesa na escola. Pedi para
que eles refizessem o trabalho, percebendo os recursos utilizados, e pedi que me
entregassem a atividade na próxima aula.
Paralelamente ao trabalho com as figuras de linguagem, fomos desenvolvendo
a produção dos textos, os quais foram propostos por eles para ajudar as colegas na
divulgação da apresentação teatral. Dividi o restante da turma em novas equipes, com
exceção ao grupo das meninas, e distribui a tarefa de produzir os diversos gêneros
sugeridos, uma equipe ficou responsável pelo gênero convite; uma, pelo gênero cartaz;
outra, pela postagem no Facebook; e a outra, que até então não havia produzido nada,
deveria escrever frases de efeito chamativo e produzir placas, as quais serviriam para a
plateia tirar fotos com as artistas, antes ou depois da apresentação (Anexo B).
Decidi também que a nota parcial do bimestre seria dividida em duas partes:
uma comporia o primeiro trabalho, cujo foco era exercitar o conhecimento das figuras
de linguagem a partir da produção de um texto produzido pelos alunos; e a outra seria o
trabalho com os diversos gêneros propostos a partir da produção do texto de memórias,
produzido pela equipe 1.
Como tínhamos pouco mais de uma semana, substitui, em minhas horas de
planejamento, algumas carências de professores e destinei, também, as aulas de
Português II para a orientação de como produzir os textos.
Solicitei ao coordenador da escola que nos ajudasse a organizar o espaço para a
apresentação da peça, que seria na segunda-feira antecedente ao penúltimo dia de aula
antes das férias; bem como pedi a colaboração com a cópia dos convites e o material
para a produção dos cartazes e plaquinhas de efeito chamativo. Enquanto o trabalho se
desenvolvia, pedi a professora de Artes para ajudar as meninas a ensaiarem a peça.
Tudo parecia colaborar para o desenvolvimento do projeto de produção de
textos: os alunos estavam motivados; a primeira versão da peça já estava pronta e
corrigida; os cartazes produzidos; o convite virtual; feito no Facebook, já publicado; só
faltavam o convite impresso e as plaquinhas serem confeccionados. Então, solicitei ao
professor de Matemática II que me cedesse uma de suas aulas para que pudéssemos
produzir os textos que faltavam, mas só conseguimos produzir o convite, que devido à
pressa e à falta de tempo, teve de ser impresso em sua primeira versão, sem correção.
Isso resultou em um texto com algumas inadequações textuais e erros de digitação.
(Anexo C).
No dia da apresentação da peça, pedi a todos da turma que confeccionassem as
plaquinhas, utilizando as frases já produzidas, e desenhando em um isopor os formatos
de balões, os quais depois seriam cortados com um estilete. Todos ajudaram, pedi
também as professoras do “Mais Educação”, um programa do governo municipal em
parceria com o federal para que auxiliassem os discentes, uma vez que eu não poderia
ficar na sala, pois tinha uma aula em outra turma. Foi tumultuado, mas conseguimos
fazer a tempo as plaquinhas.
Às 9h30min, poucos minutos antes da apresentação, o coordenador e alguns
alunos da turma começaram a organizar os demais alunos da escola no pátio. Além
disso, todos os professores, a gestão, a equipe de limpeza, enfim, todos os seguimentos
da escola colaboraram com a organização. As alunas apresentaram a peça e foram
bastante aplaudidas, mas decidimos que o nosso trabalho não havia terminado ali, uma
vez que, devido ao pouco tempo, os textos produzidos ainda precisam passar por
revisões até chegarem a suas versões finais. A direção da escola gostou muito do projeto
e sugeriu que, ao voltarmos das férias, deveríamos apresentar novamente a peça, mas,
desta vez, a Secretaria de Educação do Município seria convidada para fazer parte da
plateia.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A experiência no Mestrado Profissional em Letras me fez despertar para uma
visão diferenciada do ensino de Língua Portuguesa, a qual já vinha sendo estudada há
muito tempo, porém não se confirmava na prática.
Comecei, a partir de minhas leituras acadêmicas, a me inquietar com a minha
forma de ensinar e percebi que, desde a década de 1960, estudiosos vinham
modificando (pelo menos tentando modificar) o ensino de língua materna,
principalmente no que se refere à produção de textos, outrora chamada de redação.
Entre as décadas de 1960 e a de 1970, no Brasil, alguns estudiosos da língua
como Serafini (2004) e Geraldi (2011) já se preocupavam em tornar o ensino de
português mais produtivo, mas a crítica ao modelo, estabelecido até então, só foi
consolidada no início dos anos 1980, quando “ganha espaço um conjunto de teses que
passam a ser incorporadas e admitidas, pelo menos em teoria, por instâncias públicas
oficiais.” (BRASIL, 1998, p. 18).
Foi neste contexto que surgiram algumas propostas curriculares, as quais
mudariam as práticas de ensino da língua, bem como possibilitariam mudanças
significativas em relação ao ensino de produção escrita. Ao longo dos anos 1980, alguns
estudiosos, preocupados em tornar o ensino de língua mais funcional e eficaz, reuniram-
se em análises e pesquisas, que, além de promoverem diversos manuais facilitadores do
trabalho docente com a Língua Portuguesa, também propuseram propostas didático-
pedagógicas, as quais serviriam de base para o ensino de língua no Brasil. Segundo
Geraldi (2011, p.19), foi neste período que “habituados aos exercícios de redação, os
professores foram bombardeados [...] com a expressão ‘produção de texto’”.
Apesar de todas as pesquisas dizerem o contrário, na prática, a maioria dos
docentes de Língua Portuguesa ainda tratava (ou ainda trata) o ensino de língua como
algo desvinculado do contexto, como se a língua efetivamente não funcionasse na
realidade, isto é, como se ela não fosse produto de um discurso. Isto quer dizer que, na
teoria, o trabalho docente com o ensino de língua deveria ser bem diferente do que
realmente acontecia (ou acontece), como afirmam os PCNs (1998):
Não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as
que decorrem de uma análise de estratos – letras/fonemas, sílabas,
palavras, sintagmas, frases – que, descontextualizados são
normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco
têm a ver com a competência discursiva. Dentro deste marco, a
unidade básica do ensino só pode ser o texto. (BRASIL, p. 23)
Depois de ter contato com as reflexões acadêmicas, pude compreender que “a
língua não pode ser vista tão simplistamente, como uma questão apenas de certo e
errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a determinada classe e que se
juntam para formar frases, à volta de um sujeito e de um predicado.” (ANTUNES,
2007, p. 22).
A língua é muito mais do que aplicar regras gramaticais, saber ortografia é,
antes de qualquer coisa, o instrumento necessário que nos torna cidadãos capazes de
viver em sociedade. Portanto, ensinar a língua não é somente ensinar gramática é
dominar a linguagem, sabendo usá-la e como utilizá-la, nas mais variadas situações.
A partir da ideia de que ensinar a língua é o uso desta, podemos inferir que
um projeto educativo comprometido com a democratização social e
cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir
para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos
necessários para o exercício da cidadania. (BRASIL, 1998, p. 19)
Nesta perspectiva, segundo os PCNs (1998), o ensino de língua deve ser
pautado na interação, que significa a realização de uma atividade discursiva, e esta por
sua vez se concretiza por meio de textos. Daí vem a importância de se trabalhar com a
produção textual em sala de aula.
Só pude ter esta consciência, da necessidade do trabalho com o texto, a partir
de meus estudos no mestrado, até então, era uma professora de Língua Portuguesa que
usava efetivamente os conceitos tradicionais. Eu até trabalhava com textos, mas os
usava como pretexto para as aulas de gramática. Na hora da produção, tratava os
gêneros como uma “receita”: nome do gênero, o que precisa para construir o texto e
como fazê-lo. Além disso, eu encarava a produção como produto: lançava a proposta; o
aluno escrevia; eu corrigia, enfatizando os aspectos gramaticais e ortográficos em
detrimento os aspectos linguísticos, depois, entregava o texto do aluno todo marcado
sem explicação das regras usadas para aquela correção.
Foi com a leitura de Serafini (2004) que percebi o ensino da escrita de textos
como um processo, não, como um produto pronto. E, principalmente, também percebi
que o texto deve ser funcional para o aluno, ou seja, deve fazer parte de sua vida, para
além dos muros da escola.
A ideia de trabalhar com um projeto de gêneros, sem que necessariamente
tivesse de artificializá-los, veio com a leitura de Pinto (2004) que tinha como proposta
de experimento a confecção de um livro, produzido nas aulas de redação com os alunos
de uma turma do Fundamental II de uma escola particular de Fortaleza.
Pinto (2004) tinha o objetivo de promover na sala de aula atividades que
tornassem a língua mais funcional, considerando que o foco do ensino de Língua
Portuguesa deve ser tornar os alunos produtores proficientes de textos que tenham
alguma função social e que considerem as etapas do processo de escrita.
A pesquisadora aplicou um projeto de produção textual com 167 alunos do
ensino fundamental da rede particular de Fortaleza. Ao final do projeto, houve a
produção de um livro composto pelos escritos dos discentes. O livro tratava das
histórias de nove personagens ficcionais, moradores de uma rua imaginária. A narrativa
central do livro envolvia as histórias vividas por esses personagens, contada através de
episódios, que por ocasião, cada um representava um gênero textual.
Assim, aproveitando-se do projeto desenvolvido por Pinto (2004), acreditamos
que, em sala de aula, devemos trabalhar com as práticas de escrita, pois o objetivo
principal do ensino de língua é tornar o estudante capaz de se comunicar através de
textos bem escritos, pois a escrita “agiliza a comunicação, instrumenta o saber, instaura
a reflexão, confere poder, chega enfim a criar uma segunda natureza – a de quem lê e
pode escrever. A escrita é um patrimônio de todos nós.” (VIEIRA, 2005, p. 27).
Segundo Marcuschi (2008, p. 162)
Desde que nos constituímos como seres sociais, nos achamos
envolvidos numa máquina sociodiscursiva. E um dos instrumentos mais
poderosos desta máquina são os gêneros textuais, sendo que de seu
domínio e manipulação depende boa parte da forma de nossa inserção
social e de nosso poder social.
É importante trabalhar o texto em sala de aula através dos gêneros textuais,
pois são eles que acontecem como atividade discursiva da língua, comunicamo-nos
através de gêneros, assim como, exercemos poder através do conhecimento deles, por
isso é tão fundamental que os alunos saiam da escola sabendo escrever textos, ou seja,
produzir textos. Enfim, de fato, é necessário que o professor saiba trabalhar a produção
de textos em suas aulas.
Sercundes (2011) reflete sobre as metodologias usadas pelos professores para o
ensino de produção textual. A pesquisadora chegou à conclusão de que existem três
concepções: a escrita vista como um dom; a escrita vista como consequência de alguma
atividade prévia; e a escrita vista como processo. A estudiosa (2011, p. 87) observou
que, neste último caso, “a produção [...] surge de um processo contínuo de
ensino/aprendizagem. Essa metodologia permite integrar a construção do conhecimento
com as reais necessidades dos alunos”.
Além de ver a produção escrita como um processo, é fundamental esclarecer
que os textos a serem produzidos na escola têm de extrapolar as fronteiras da escola. E,
para isso, é necessário trabalhar com gêneros emergentes da realidade dos alunos.
Também, é importante salientar para os discentes que esta produção não vai ser lida e
avaliada, apenas, pelo professor, mas pode ser lida por qualquer um que tenha acesso ao
texto.
É preciso dar voz aos nossos alunos, quando dei voz aos meus, consegui o que
pensava não ser possível: unir a teoria à prática. Melhor ainda, pude ver concretamente
meus alunos pensando a língua, estudando-a, usando-a para a produção de textos, e
crescendo como cidadãos críticos, que conseguem viver bem em sociedade, pois
“através da língua, é possível que o homem signifique o mundo e a sua realidade.”
(ALMEIDA, 2012, p. 87).
Diante de todo o exposto, posso concluir dizendo que, somente depois de
começar a ler a literatura sobre o ensino de língua; efetivamente montar e trabalhar um
projeto de produção de gêneros, é que pude ter a consciência de que estou, finalmente,
esclarecendo minhas inquietações e aprendendo a ensinar a língua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há muito, estudos mostram que o ensino de língua deve ser pautado no ensino
de gêneros, mas essas pesquisas, infelizmente, não chegam a todos os professores de
Língua Portuguesa; e, se chegam, não o chegam de uma maneira adequada, deixando,
desta forma, a maioria dos docentes sem saber o que fazer com tais informações.
É fundamental, compreender que a aprendizagem de Língua Portuguesa deve
partir da interação, cuja realização é os gêneros textuais. Portanto, ensinar a língua é
ensinar a produção de textos, sejam eles orais ou escritos.
Neste trabalho apresentamos uma das formas que podemos usar para trabalhar
a escrita de textos e o trabalho com a língua materna. Espero ter contribuído, mesmo
que minimamente, com a literatura sobre o trabalho docente com a Língua Portuguesa.
Concluo minha pesquisa com a sensação de ter, finalmente, iniciado minha
jornada em busca de me tornar uma melhor professora de língua materna. Espero que
esta pesquisa possa contribuir para o trabalho de outros docentes, assim gerando outras
análises e metodologias adequadas ao ensino do nosso vernáculo.
REFERÊNCIAS
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Maria de Mattos; KERSCHI, Dorotea Frank (Org.). Caminhos da construção: projetos
didáticos de gênero na sala de aula de língua portuguesa. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2012, p. 45-64.
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras
no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais – terceiro e
quarto ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 08 jul. 2014.
GERALDI, João Wanderley. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, João
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São Paulo: Cortez, 2011, p. 17-25.
MARCUSCHI, Luís Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade, in:
DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora
(Org.). Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola, 2010.
PINTO, Maria da conceição de Vasconcelos. Escrevendo textos do dia a dia: uma
experiência com a escrita social. In: ALMEIDA, Nukácia; ZAVAM, Aurea (Org.). A
língua na sala de aula. Fortaleza: Perfil Cidadão, 2004, p. 101-142.
SERAFINI, Maria Tereza. Como escrever textos. 12. ed. São Paulo: Globo, 2004.
SERCUNDES, Maria Madalena Iwamoto. Ensinando a escrever. In: GERALDI, João
Wanderley; CITELLI, Beatriz (Org.). Aprender e ensinar com textos de alunos. 7. ed.
São Paulo: Cortez, 2011, p. 79-100.
VIEIRA, Iúta Lerche. Escrita, pra que te quero? Fortaleza: Demócrito Rocha; UECE,
2005.
ANEXOS
ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C