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ROZILDA EUZEBIO COSTA O Diário de Lia 1ª EDIÇÃO

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ROZILDA EUZEBIO COSTA

O

Diário

de

Lia

1ª EDIÇÃO

1ª Ed. 2016 © By Rozilda Euzebio Costa – Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor. Capa: imagens google Revisão da Autora.

FICHA CATALOGRÁFICA

000 Costa, Rozilda Euzebio - Conteúdo: 1. Conto 2. Romance 3. Literatura brasileira 1. Título: O Diário de Lia

CDD – 000-B869 Direitos reservados exclusivamente ao autor. Qualquer trabalho deste livro pode ser usado livremente, desde que seja citada a fonte. Os infratores estarão sujeitos às penalidades previstas na Lei n° 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).

PERSONAGENS PRINCIPAIS

Lia Fernandes

Armando Torres

DEMAIS PERSONAGENS

Luís Pedro

Thiago

Dalila

Prof. Antônio

Francisco

Elizabete

Tereza

Tarsila (mãe de Lia)

Graciliano (pai de Lia)

Adriana

Declaração

Declaro a todos os fins de direito que, esta obra é fictícia e de foro imaginativo. Portanto, qualquer semelhança entre os personagens e lugares aqui citados, é pura coincidência.

Rozilda Euzebio Costa

Através do DIÁRIO DE LIA, adentramos na questão do envelhecimento do nosso corpo e da força da nossa mente, da aceitação e da rejeição das nossas vestes físicas. E ainda, podemos ver que as nossas memórias se ligadas aos sentimentos, nunca envelhecem. O tempo não consegue envelhecer nossas memórias, ele pode ter o poder de envelhecer o corpo, mas a nossa mente está fora de seu alcance.

Porém o tempo não é um vilão, é um amigo que possui uma mão suave quando se trata de levar nossa juventude.

Lentamente e suavemente, com suas mãos ele nos leva dia após dia. E tudo possui uma razão de ser. Até nisso Deus é perfeito quando nos criou e nos deu espírito e vida. Imagina se tivéssemos que permanecer vestidos com uma determinada veste para sempre! Ninguém suportaria vestir a mesma roupa eternamente! É preciso trocar de roupa, vestir outras vestes, outras cores e outras estampas para se sentir bem, e para se sentir bonito e jovial, renovando o entusiasmo pela vida.

Com o corpo físico, eu penso que seja também assim! Nenhum espírito ativo suportaria vestir o mesmo corpo para sempre, eternamente! É preciso vestir outras vestes, viver outras experiências, ver outras estações, contemplar outras cores, e outras emoções.

A Autora.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

I Capitulo

nquanto caminhava pelo passeio do extenso bosque,

Lia Fernandes fazia uma intensa viagem ao seu

passado, revivendo as recordações de sua

adolescência. Lembrava-se de cada detalhe, de cada emoção

experimentada, e dos tantos sonhos que alimentara em sua

juventude. Vinha-lhe a memória as lembranças dos momentos

felizes, e das decepções que tantas vezes a fizeram chorar.

Recordava-se com clareza dos amigos, das vivências e sensações

que experimentara no auge de sua mocidade. Quanta disposição

tinha em seu corpo! Poderia passar a noite em claro, brincando

com os amigos, que no dia seguinte seu corpo continuava com a

mesma disposição. Não sentia tanto os efeitos de suas estripulias

de juventude. Agora Lia estava vivendo apenas de suas

recordações, pois já não tinha mais força física pra viver aventuras.

Ela estava com setenta e nove anos de idade, o corpo já não

obedecia aos comandos de sua mente, já contabilizara alguns

quilos indesejáveis pelo corpo. Seus cabelos se pareciam com uma

grande bola de algodão em sua cabeça, de tão brancos que já

estavam.

E

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Se havia uma coisa de que Lia não gostava, era de se olhar

no espelho, pois quando o fazia sentia vontade de chorar, ou

mesmo, de quebra-lo! Odiava-o, porque ele mostrava o que ela não

queria aceitar. Os anos haviam maltratado sua aparência, mas não

tinha envelhecido sua mente e nem apagado suas memórias.

Tudo que Lia mais desejava era ter o poder de fazer o tempo

voltar, para reviver momentos felizes que havia provado em seu

tempo de juventude. Desejava concluir os momentos que ficaram

sem a chance de serem concretizados. No entanto, sabia que isso

era realmente impossível e fora de cogitação. Não poderia fazer

voltar o tempo. Esta era uma grande e triste realidade para ela.

Lia estranhava-se naquele corpo, era fato, pois sua mente,

não havia envelhecido. Seu espírito era de uma jovem desejosa de

viver todo o sonho possível de uma vida de aventuras. Gostava de

estar entre os jovens e se sentia como um deles. Via suas amigas

frequentarem os grupos da terceira idade e não sentia nenhum

desejo de estar com elas. Observava que elas estavam conscientes

da condição de idosas, mas para ela, esta palavra lhe soava

estranha aos ouvidos. Não admitia ser chamada de “idosa”.

O tempo é sensível conosco quando não nos deixa ver o

processo de envelhecimento de uma só vez. Isso seria trágico

demais para os nossos sentidos, e principalmente, para os nossos

sonhos, porque é fato de que a mente não envelhece para os

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

sonhos, mas a nossa juventude passa, e nós continuamos a

idealizar projetos como se ainda tivéssemos um corpo jovem e

forte. A mão do tempo é suave, vai levando de leve a juventude do

nosso corpo até chegar aquele momento que devemos voltar à

origem. Mas eu me pergunto: porque a mente não envelhece?

Porque continuamos a sonhar em realizar certas coisas que

somente os jovens possuem condições físicas para realiza-los?

Não seria porque a mente não pode ser tocada e nem alterada pelo

tempo?! Quem sabe o que acontece com as programações da

nossa mente? Nas mãos de quem está no controle da nossa

mente? Será que tem algum ser superior a comandar todos os

sistemas da nossa mente? Quando a mente não guarda suas

memórias e não permanece em constante atividade saudável em

alguns indivíduos, não é devido à sua idade, mas é devido a

problemas com o funcionamento ativo do cérebro. Porque temos

grandes exemplos de indivíduos com idade física avançada, mas

em constante processo de criação, e de idealizações incríveis para

que outros indivíduos, com sua fisicalidade mais jovem e mais forte,

realizem tais construções.

No entanto, mesmo a mente permanecendo ativa, o

envelhecer do corpo é um processo inevitável. E podemos ver que

ninguém gostaria de perder os vigores da juventude! Nós olhamos

para o espelho e não reconhecemos aquela pessoa do outro lado.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Vemos rugas por toda parte, olhos e lábios caídos, pescoço

enrugado, manchas na pele e cabelos brancos. Porém, a mente

não aceita este corpo que se apresenta envelhecido no espelho! E

se ela não aceita, não o reconhece como sendo seu, isso só me

leva a acreditar em uma coisa como sendo certa: a mente em

definitivo, nunca envelhece! O espírito não envelhece! E

permanece em plena atividade.

***

Depois de caminhar por alguns minutos, Lia sentou-se

embaixo de uma frondosa árvore. Seu filho Thiago a deixara ali,

sozinha, a pedido dela própria. Por algum tempo manteve o olhar

distante, como quem tivesse abandonado o corpo naquele lugar e

viajado em pensamentos a um tempo muito distante.

Depois de algumas dezenas de minutos, começou a sentir

dor em um dos joelhos, mas não desejava ir embora ainda. Thiago

não demorou muito, mesmo que ela o pedisse para ficar um pouco

mais, ele não a deixava só por muito tempo. Estava sempre a

observa-la, mesmo que de longe, de modo que ela não percebesse

a sua presença. Thiago era um bom filho e não gostava de causar

nenhum tipo de mágoa à mãe.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Quando Thiago se aproximou da mãe, percebeu que ela

estava com o olhar perdido. Chegou mais perto dela e

carinhosamente a chamou:

- Mamãe?! Já está na hora de voltarmos para casa.

Vamos!

- Já veio me buscar, meu filho? Estou aqui há tão pouco

tempo! – disse ela, como se ainda desejasse ficar naquele bosque

por mais tempo.

- Ora mamãe! Você já não tem idade pra ficar fora de casa

por muito tempo! E ainda mais sozinha! Além do que, eu

preciso ir para o escritório trabalhar. Já são quase nove horas

da manhã! Estou cheio de compromissos para hoje. Vamos

para casa? – Thiago a chamou mais uma vez.

- Sabe que eu não gosto que me chamem de velha! –

disse ela, mostrando aborrecimento, pela forma com que o filho lhe

mencionou a idade, como uma das preocupações de ficar fora de

casa muito tempo.

- Não estou chamando-a de velha mamãe! Só quero dizer

que a senhora já não tem tanta disposição física. Além do mais

o seu médico lhe recomendou repouso, lembra-se? – disse ele.

- Ah esses médicos! Eles estão sempre a inventar alguma

coisa. Eles querem nos enterrar vivos meu filho! Sinto-me

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

muito bem! – disse ela, já tentando se levantar, mas sentiu seu

corpo pesar e acabou se sentando novamente.

- Está vendo! Os médicos não inventam mamãe, eles

estudam para reconhecer os males que afligem o nosso corpo.

Deixe-me ajudá-la mamãe! – Thiago pegou nos braços de sua

mãe, para ajuda-la a se levantar.

Lia entrou no carro e permaneceu em silêncio até chegar em

casa. Thiago estacionou o veículo e lhe ajudou a descer. Depois se

despediu dela e foi para o seu trabalho.

Quando ficou viúva, Lia foi morar com seu filho Thiago, o

mais velho dos cinco filhos que tivera de seu casamento. Ele era o

que mais se parecia com o pai. Embora não desejando ter mais

preferência por algum deles, ela não conseguia disfarçar para os

outros a sua predileção por Thiago, pois ele era o único em quem

ela confiava. Thiago era muito humilde e responsável, zelava pelo

bem estar da mãe. Preocupava-se com sua saúde. Os outros

quatro filhos, duas mulheres e dois homens, moravam em outras

cidades e tinham suas próprias vidas sobre controle. Nenhum deles

se preocupava se ela estava bem ou não. Apenas Thiago tinha

essa preocupação, tanto que, ao ficar noivo já comunicou a sua

futura esposa que ela deveria conviver com sua mãe, pois a mãe

era muito importante em sua vida e ele jamais a abandonaria. Já

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Adriana, esposa de Thiago, por outro lado, se deu muito bem com a

sogra. Eram como se fossem mãe e filha.

Ao chegar em casa, Lia entrou para o seu quarto e trancou a

porta, não queria ser incomodada. Sentiu vontade de rever o diário

que escrevera em sua juventude. Guardava-o em uma pequena

caixa, a qual mantinha sempre trancada a cadeado, para que

ninguém pudesse colocar as mãos nele, e vir a ler alguma coisa de

seu passado.

Já com o diário em mãos, Lia recostou-se na cabeceira da

cama, e abrindo-o, deparou-se com uma pétala de rosa vermelha

ressecada pelo tempo. Olhou para aquela pétala e recordou-se de

quando a colocou ali. Começou a ler as palavras que foram escritas

por ela própria naquele diário, as quais descreviam seus anseios,

seus sonhos de adolescente. Era também naquele diário que Lia

havia registrado as emoções de quando conheceu o grande amor

de sua vida, e os momentos que vivera ao lado dele.

Enquanto relia seu diário, as cenas lhe passavam pela mente

como um filme. Lembrou-se vividamente de sua juventude, daquela

fase que nunca mais voltaria, mas que ainda permanecia viva em

suas memórias...

***

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

II Capitulo

... São Paulo, 1942, Lia tinha completos dezesseis anos de

idade. Era uma linda moça de olhos negros, tinha uma pele tão alva

e sensível que ela nem gostava de tomar sol por medo de gerar

bolhas e prejudicar sua pele. Usava cabelos longos, não gostava

de cortá-los, pois eram tão bonitos! Eram castanhos e se

misturavam a fios dourados, dando-lhe um aspecto realmente

atraente. Tinha preferência por vestidos um pouco acima do joelho.

Também era um tanto vaidosa, não gostava de repetir seus

vestidos nos bailes que frequentava com as amigas. A cada nova

festa, um novo vestido! Nunca podia sair sozinha porque seus pais

não permitiam. Quando não estava acompanhada deles, lhe

acompanhava o irmão mais velho, Francisco, que mais parecia um

cão de guarda a lhe vigiar os passos.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Lia adorava flertar os rapazes, mas nunca havia encontrado

nenhum pelo qual ela se interessasse de verdade para namorar.

Em sua mente de jovem sonhadora, esperava um príncipe

encantado! Sonhava com este encontro especial. Tinha já em

mente o tipo de rapaz que desejava namorar e se casar.

Lia possuía um diário onde escrevia tudo que julgava

importante em sua vida. Muitas coisas vividas ali eram anotadas.

***

Era o seu primeiro dia de aula e também o último do colegial.

O Prof. Antônio Lopes foi o primeiro a ministrar aula naquele dia, e

fez com que todos se apresentassem na sala, lhes dizendo seus

nomes. Alguns alunos da classe Lia já os conhecia dos anos

anteriores, e por isso, já se sentia enturmada com boa parte

daquela turma.

Antônio Lopes estava a escrever no quadro negro quando um

jovem, um tanto tímido chamou sua atenção na porta da sala,

pedindo licença para entrar. Neste instante, todos os alunos

viraram-se na direção da porta de entrada. O jovem Armando

Torres chamara a atenção de todos devido a sua altura, quase um

metro e noventa! Como era alto aquele jovem! Era impossível não

chamar a atenção de todos os alunos ali presente.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Armando tinha a pele tão alva que se podia notar os

pequenos vasos sanguíneos espalhados pelo seu rosto. Seu

cabelo chegava a ter um tom avermelhado.

Alguns alunos baixaram a cabeça e começaram a sorrir,

estranhando a aparência do jovem, mas Lia não! Ao contrário, o

achou lindo! Ficou a admirá-lo.

O professou mandou que ele entrasse e procurasse um lugar

para se sentar, pois a aula já havia começado. Armando olhou em

volta da sala e logo avistou uma cadeira, que por coincidência,

ficava ao lado da de Lia.

O professor prosseguiu escrevendo no quadro, mas as

risadas em determinados pontos da sala continuavam. Antônio foi

obrigado a chamar a atenção dos alunos para se comportarem.

Enquanto isso, Armando não conseguia nem mesmo dirigir o

olhar pela sala, por tamanha timidez, e também por ter percebido

que riam dele.

Na hora do intervalo das aulas, Armando procurou ficar

afastado de todos. Sentia que o iriam exclui-lo por causa de sua

aparência. Já estava acostumado a ser criticado e chamado de

apelidos indesejados.

Enquanto recreavam, Lia o observava à distância. Uma de

suas amigas, Dalila, vendo que ela não parava de olhar o rapaz,

perguntou:

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- O que foi Lia? Porque olha tanto para esse menino?

Aliás, ele é tão desengonçado, você não acha? – perguntou

Dalila.

- Não! Eu não acho. Ele é um rapaz normal.

- Não?! Você não o acha estranho?! Olha só para ele Lia!

Parece mais uma geringonça! – disse.

- Ele não é feio, Dalila! – defendeu-o.

- Não estou dizendo que ele é feio, mas ele é muito alto! E

meio torto também! – disse Dalila.

- Eu até o acho bonitinho! – disse Lia.

- Ah Lia, vai me dizer que se interessou por ele?! –

perguntou com espanto. Dalila logo percebeu que sua amiga

estava mesmo interessada pelo rapaz, embora ela tenha se

defendido negando o obvio.

- Não é isso. Ele apenas me chamou a atenção. –

respondeu Lia.

- Sei. Está bem. Porque não vai até lá e puxa assunto com

ele? Se quiser, eu vou com você – sugeriu Dalila.

- Iria mesmo?! – perguntou Lia, interessada.

- Claro que sim! Vamos? – Dalila pegou em seu braço e já

saiu arrastando-a.

- Espera Dalila! O que vamos falar para ele?

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Ah... qualquer coisa. – disse Dalila já caminhando em

direção ao rapaz, acompanhada da amiga.

Meio intimidada, Lia o cumprimentou.

- Oi!

- Oi! – respondeu ele. – muito sem graça.

- Como é mesmo o seu nome? – questionou Dalila.

- Armando.

- Como você é alto, Armando! – disse Dalila, enquanto Lia

apenas o observava.

- Minha família é toda alta. As pessoas estranham um

pouco isso. Não estão acostumadas com gente alta como eu.

- É mesmo. Sabia que minha amiga Lia gostou de você? –

disse Dalila. Ela era uma moça despachada.

- Que isso Dalila?! – disse Lia, não gostando de como a

amiga falou.

- Mas é verdade Lia! Você gostou dele, e se você vai ser

amiga dele, eu também quero ser! Armando, quero que você

seja nosso amigo. E se precisar de ajuda é só falar conosco.

Eu e a Lia podemos te ajudar a conhecer a turma da sala. –

disse Dalila, já deixando o rapaz mais a vontade. Logo em seguida

o intervalo do recreio encerrou-se, e os três voltaram para a sala de

aula.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Armando não esquecia o que Dalila havia dito no horário do

recreio, e vez em quando olhava na direção de Lia. Às vezes os

olhares dos dois se cruzavam, deixando transparecer o interesse

de ambos.

III Capitulo

uase um mês havia se passado e Lia aproximava-se

cada vez mais de Armando. Lia, juntamente com

Dalila e Armando andavam sempre juntos no

colégio. Tornaram-se amigos quase inseparáveis. Armando já

estava bem mais enturmado com a turma do colegial. Devido a esta

aproximação, algumas colegas de Lia também já começavam a

achá-lo interessante. Isso a deixava um pouco enciumada.

A direção da escola decidira organizar um baile para

arrecadar fundos pra reforma da biblioteca. Seria um baile para os

alunos e pais. Lia não via a hora de chegar à data deste baile,

estava ansiosíssima para ir a esta festa. Mandara fazer até um

Q

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

vestido novo para usar. Já se imaginava dançando com Armando

no baile. Por sua cabeça já se passavam várias cenas românticas

entre ela e Armando. Tinha certeza de que depois daquele baile

Armando se tornaria seu namorado.

Em fim, chegara o dia tão esperado por Lia. Era uma noite

linda de sábado. No céu uma lua cheia que brilhava esplendorosa,

e tantas estrelas brilhantes se destacando. Tudo indicava que

aquela festa seria inesquecível para Lia. Já havia pedido sua mãe

para que a deixasse ir ao baile com as amigas, não desejava ter

Francisco a vigiar-lhe os passos, pois isso somente atrapalharia a

sua aproximação com Armando.

Combinara de encontrar as amigas em sua casa, pois seu

pai, Graciliano, iria levá-las e deixá-las na porta do salão onde se

realizaria o grande baile.

Graciliano, pai cuidadoso que era, deixou Lia na entrada do

salão onde se realizaria o baile, em companhia de suas amigas.

Eram elas; Dalila, a quem contava todos os seus segredos, e

Elizabete, e Tereza, ambas, colegas da escola. Graciliano fez

muitas recomendações para a filha, para que tivesse muito juízo,

senão, seria a primeira e última vez que sairia sem a companhia de

Francisco, o irmão.

As quatro amigas estavam muito felizes. Lia, logo que entrou,

passou as vistas por todo o salão, desejava encontrar Armando. O

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

que não demorou. Logo o localizou no meio do salão conversando

com um amigo. Lia aproximou-se de Dalila e o mostrou:

- Dalila, ele está aqui!

- Onde?!

- Bem atrás de você, mas não olhe agora, senão ele

percebe que estamos falando dele! – disse Lia.

- Vamos até lá cumprimentá-lo Lia!

- Não! Agora não Dalila! – disse ela.

- Está bem. É você quem não quer. Por mim nós iríamos

agora. Não gosto de deixar nada para depois. Depois pode ser

que não tenhamos mais a oportunidade. – disse Dalila.

Tereza ao ouvir que as duas falavam de algo que parecia

interessante, quis logo saber do que se tratava, mas elas não

falaram, porque Lia preferia não expor os sentimentos que ela

sentia por Armando. Não desejava ainda que ninguém soubesse.

Apenas Dalila, sua amiga mais intima, sabia de todos os seus

segredos.

Depois de meia hora de espera a música começou a ser

tocada no salão. Lia já estava sentada em uma mesa com as

amigas a bebericar um refresco, exceto Elizabete, que havia

encontrado outras amigas no baile e separou-se delas.

Lia não tirava os olhos de Armando e ele também não parava

de olhar para ela, parecia querer aproximar-se, mas isso não

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

acontecia, deixando Lia ainda mais constrangida de falar com ele. A

cada minuto que se passava, percebia que ele estava sempre

ocupado, conversando com alguém. Lia chegou a pensar que ele

na verdade não estava nem ai com ela. Estava mesmo era a

brincar com seus sentimentos, já que sabia que ela gostava dele.

Algum tempo depois que o baile havia iniciado, foi Armando

que tomou coragem e foi falar com Lia. Mas quando caminhava em

sua direção, Elizabete entrou em sua frente e o convidou para

dançar. Quando Lia viu isso, ficou estremecida de ciúme e

surpresa. Magoada comentou com Dalila:

- Mas eu não acredito! Veja Dalila! Elizabete é uma

traidora! Como pode chamar o Armando para dançar? É uma

atrevida! – disse Lia, sentindo um grande ciúme por ver a amiga a

dançar com seu Armando.

- Quem diria hein? Ela não é sua amiga. Estava todo o

tempo de olho nele, por isso que saiu de nossa companhia! –

disse Dalila, compreendendo a indiferença de Elisabete.

- Do que estão falando? – quis saber Tereza.

- Do Armando Tereza. Lia gosta dele, mas Elizabete o

chamou para dançar. – Dalila estava possessa de raiva, parecia

até que ela é que gostava de Armando, mas não, é que ela gostava

tanto de sua amiga Lia, e por isso tomou suas dores para si.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Gente, ela não sabe que Lia gosta dele! Nem eu sabia!

Estou sabendo agora! Mas isso é sério? Lia é mesmo

apaixonada pelo Armando? – perguntou Tereza com ar de

surpresa.

- Eu vou embora Dalila. Não quero ficar olhando os dois

dançarem juntos! – disse Lia, com os olhos cheios de lágrimas.

- Mas agora que começou o baile! Oh Lia, eu não quero ir

embora agora. Além do que, eles só estão dançando! Daqui a

pouco a música termina e você fala com ele. – disse Dalila,

tentando convencer a amiga a esperar mais um pouco, mas ela já

estava muito magoada com Elizabete e profundamente enciumada

de Armando.

- Não Dalila, eu já estou indo. Vocês podem ficar. Eu vou

sozinha para casa. – disse Lia, já se levantando da cadeira e

partindo sem perder tempo. Dalila deixou que a amiga fosse, queria

ficar mais um pouco no baile.

- Mas, e seu pai Lia? Ele não vai gostar de te ver voltando

para casa sozinha! Lia! Volte aqui! Volte e espere um pouco

mais! Liaaa! –de nada adiantou Dalila implorar para que ela

esperasse um pouco mais, Lia já levantou-se da cadeira e foi

embora.

Chegou em casa às lágrimas, e ao se aproximar da porta de

entrada enxugou seu rosto para que seus pais não percebessem

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

que ela estava chorando. Bateu na porta e esperou que abrissem e

logo sua mãe, Tarsila, apareceu. Quando a viu quis saber por que

voltara tão cedo do baile e sozinha!

- Já Lia? Mas ainda é muito cedo! Não gostou do baile

filha? – perguntou a mãe.

- Não mamãe. Não gostei. Vou para o meu quarto

dormir. – respondeu.

- E suas amigas, onde estão? Você veio sozinha?! –

respondeu.

- Mamãe, amanhã a gente conversa está bem? Eu estou

com muito sono. Vou para o meu quarto dormir. – Lia virou as

costas e foi direto para o quarto.

Tarsila comentou com o marido que a filha já estava em casa,

e que parecia ter acontecido alguma coisa no baile. Iria conversar

com ela no dia seguinte para saber o que havia acontecido.

Lia deitou-se na cama e desmanchou-se em lágrimas. Sentia

muita mágoa por ter visto Elizabete com Armando. Lia já estava

apaixonada por ele, e por isso sentira tanto ciúme ao vê-lo com a

amiga. Aquilo que aconteceu deixou nela um sentimento negativo

em relação às suas esperanças. Era como se já não houvesse

nenhuma esperança para ela junto a Armando.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

IV Capitulo

a segunda-feira Lia foi ao colégio um pouco

desanimada. Chegou atrasada, já em cima da hora,

a aula já havia começado. Não queria sentar-se

próxima de Armando. Estava muito magoada, por tê-lo visto dançar

com Elizabete. No entanto, procurou pela sala inteira e a única

cadeira desocupada era justamente a sua de sempre, ao lado da

cadeira de Armando. Entrou e acomodou-se. Não tinha coragem de

olhá-lo nos olhos. Fez de conta que não o viu, e nem ao menos lhe

cumprimentou. Assim se comportou até a hora do recreio.

N

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Não tinha conversado ainda com Dalila, que com certeza,

deveria ter mais alguma notícia da noite do baile, pois ela ficara na

festa, não quis ir embora quando ela decidiu sair do baile. Estava

ansiosa para que Dalila lhe contasse mais alguma coisa sobre

Elizabete e Armando.

Lia saiu da sala acompanhada da amiga e procuraram pelo

pátio um local mais afastado para conversarem.

- Então Lila! Elizabete namorou o Armando? Ela o beijou?

Eles ficaram juntos? Você não pode me esconder nada

entendeu? Quero que me conte tudo sobre os dois! Você é

minha amiga, eu confio em você. – Lia encheu Dalila de

perguntas, e do fundo de seu coração apaixonado, esperava que a

amida lhe desse respostas negativas. Desejava que não houvesse

acontecido nada entre Elizabete e Armando, que tivesse ficado

somente naquela dança.

- Oh Lia! Eu gostaria de te dizer que não, que não houve

nada, mas...

- Mas o quê? Anda! Diz – Lia começou a ficar muito

nervosa.

- Eu os vi se beijando. – disse ela, sentindo pena da amiga.

- Não acredito! Eu não posso acreditar no que você está

me dizendo Dalila! Aquela... Aquela... Elizabete nunca foi minha

amiga! E ele é um safado! – disse ela, com os olhos lacrimejando.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Não fique assim Lia! Ele deve ter beijado a Elizabete

porque ela deu em cima dele! – Dalila tentou amenizar.

- Não Lila! Não! Ele poderia ter dispensado ela! No

mínimo ele está apaixonado por ela! Eu posso até apostar com

você. – disse Lia já deixando as lágrimas caírem.

Armando avistou as duas conversando de longe e rumou-se

para onde estavam. Dalila o viu e alertou a amiga.

- Lia! Lia! O Armando... está vindo para cá! Enxugue logo

essas lágrimas anda! Ele não deve ver que você está

chorando. – Dalila bem que alertou, mas não deu tempo, porque

os passos de Armando foram mais rápidos que as recomendações

de Dalila.

- Meninas! Tudo bem? – falou.

- Oi Armando. – Dalila correspondeu ao cumprimento. Lia

permaneceu calada e Armando percebeu que ela estava chorando.

Chegou bem próximo a ela, ao ponto de encostar o corpo dele no

dela, e passando a mão carinhosamente em seus cabelos,

perguntou:

- Lia, você está chorando? O que foi?!

- Não! Não estou chorando! Foi apenas um cisco que caiu

no meu olho, mas já o tirei. – respondeu ela, passando a mão no

rosto. Dalila aproveitou para deixar os dois a sós.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Gente, eu preciso ir à Secretaria da escola resolver

umas coisinhas. – disse Dalila, saindo de fininho.

- Porque você foi embora do baile tão cedo? Quando

procurei por você já havia ido embora! – perguntou Armando.

- Fala a verdade Armando, você não sentiu tanto assim a

minha falta, afinal, você estava com a Elizabete! – disse ela, que

sem querer, já demonstrava a ele que havia sentido ciúmes dos

dois juntos.

- Ah! A Elizabete. Santo Deus! Aquela garota é uma

maluca!

- O que quer dizer com isso? Não está apaixonado por

ela? – perguntou Lia.

- Elizabete?! Claro que não! Não tenho nada com ela.

Nunca tive. – disse ele.

- E porque a beijou?

- Como sabe que a beijei?

- Dalila me contou. – respondeu ela.

- Está com ciúme de mim Lia? Colocou a Dalila para me

vigiar foi?

- Ah! Que absurdo Armando! Eu?! Com ciúme de você?!

Era só o que me faltava! – defendeu-se.

- Não precisa sentir ciúmes de mim. – disse Armando.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Já disse que não estou com ciúmes de você! – disse Lia,

já sendo surpreendida por um beijo de Armando.

Lia ficou vermelha como um pimentão maduro, e gaguejando

disse:

- Você... você me beijou! Por quê? Não devia ter feito

isso! – disse Lia, toda trêmula.

- Desculpe Lia, mas foi mais forte do que eu. – disse ele,

com um leve sorriso.

- Não faça mais isso entendeu? – disse ela, dando-lhe uma

bronca. Na verdade havia adorado ser beijada por Armando. Seu

coração pulava de alegria.

- Posso levar você em casa após a aula? – perguntou ele.

- Levar-me em casa?! – Lia não acreditava no que acabara

de ouvir. Neste instante a campainha tocou. Era o fim do intervalo e

Armando repetiu a pergunta.

- Você não me disse que sim ainda. Posso? Levá-la em

casa?

- Está bem. Pode sim. – Lia já estava se sentindo bem mais

leve. Mas também, depois de tudo que acabara de acontecer, era

certo que Lia iria se sentir feliz.

Logo após o término da aula, Armando acompanhou Lia até a

casa dela. Conversaram pouco durante o caminho até chegar em

casa. Lia estava um tanto tímida e não conseguia desenvolver

28

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

nenhum assunto. Seu coração estava acelerado por ela estar tão

próxima de Armando, e principalmente, por ele tê-la beijado no

colégio. Isso a deixou sem palavras. Sentia uma emoção forte por

estar junto dele.

Ao chegarem a sua casa, já no portão, Armando despediu-se

dela pegando sua mão e beijando-a, como um verdadeiro

cavalheiro. O que fez com que seu coração acelerasse ainda mais.

– Como pode acontecer tanta coisa em tão pouco tempo?! Algumas

horas atrás ela estava chorando, e agora está com Armando bem

ao seu lado! – pensava.

V Capitulo

almoço já estava pronto, e Adriana foi até o

quarto de Lia para chama-la para a mesa. Thiago

já havia chegado do escritório.

- D. Lia! – Adriana não obteve resposta e elevou o volume da

voz para chamar Lia mais uma vez.

- D. LIAA! – Chamou-a.

-Já estou indo! Ô gente agoniada! – respondeu Lia

despertando-se de suas lembranças. Devido aos toques na porta

O

29

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

ela teve de voltar para a sua atual realidade. Pegou o diário e

colocou-o debaixo de seu travesseiro.

- O almoço está pronto! Thiago já está à mesa. Venha!

Vamos almoçar! –Adriana, sua nora a convidou à mesa.

- Não estou com fome. – disse Lia. Desejava voltar o quanto

antes para a leitura de seu diário e reviver suas lembranças.

- A senhora não pode ficar sem comer nada minha sogra!

Fiz aquela macarronada que a senhora adora! – a nora sempre

procurava agrada-la.

- Está bem. Vamos. – respondeu Lia, já abrindo a porta e

acompanhando Adriana. Chegando a mesa Thiago já estava

aguardando.

- Está indisposta mamãe? Adriana me disse que desde a

hora que a deixei em casa não saiu do quarto até agora! – disse

o filho.

- Vocês se preocupam por nada. Eu já disse que estou

bem. Apenas quero ficar um pouco deitada, só isso! – disse ela,

se ajeitando na cadeira para almoçar.

Lia quase não comeu nada no almoço, tinha pressa de voltar

ao seu diário. Pediu licença e levantou-se da mesa, comunicando a

todos que iria voltar a se deitar. Pediu que ninguém a incomodasse.

Se precisasse de alguma coisa, ela mesma os chamaria. Disse

para o filho e a nora.

30

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Entrou para o quarto e fechou a porta, sem trancá-lo à chave.

Pegou novamente o seu diário e voltou a lê-lo, relembrando as

cenas do que ali estava escrito.

***

Armando passou a levar Lia em casa todos os dias após o

término das aulas. Já haviam firmado um namoro e ela estava

imensamente feliz. Seus pais conheceram a família de Armando, os

quais eram pessoas de boa índole. Não eram ricos, mas tinham

com que sobreviver e dar uma boa vida para os filhos.

Tudo estava indo muito bem, os dois estudando juntos na

mesma sala de aula e sendo namorados. Lia estava muito feliz, a

cada dia que passava se sentia mais apaixonada por Armando.

Mas o problema chegou junto com o término do ano letivo e a

entrada do período de férias, Armando lhe trouxe a infeliz notícia;

sua família voltaria a viver em Belo Horizonte, que era o lugar que

moravam antes de virem para a cidade de Lia. Agora, Armando

deveria acompanha-los.

A notícia da partida de Armando caiu feito uma bomba na

cabeça de Lia. Chorara muito ao saber que ele deveria partir. O

último encontro de Armando e Lia, ele lhe deu uma rosa vermelha e

lhe fez juras de amor. Jurou para Lia que assim que pudesse e

31

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

tivesse mais idade, voltaria para ela, arrumaria uma casa para os

dois morarem, se casaria com ela.

Aquele fora o dia mais triste que Lia já havia vivido. A

despedida de Armando ficaria marcada para sempre em seu

coração.

Da rosa vermelha que recebeu de Armando, Lia pegou uma

pétala e a colocou em seu diário, escreveu nele todos os momentos

que havia vivido com Armando e suas promessas de voltar para se

casarem.

Após a partida de Armando tudo parecia triste para Lia. Não

sentia mais alegria em nada. Durante alguns dias ela ficou reclusa

dentro de casa. As amigas a convidavam para sair, mas ela não

tinha vontade de fazer nada. A saudade de seu amor era muito

grande. Chorava muito e sentia a falta dele, afinal, namorou

Armando durante um ano! Ela já estava acostumada a tê-lo ao seu

lado todos os dias. Agora sentia falta de tudo, da sua companhia,

do seu cheiro, de suas palavras carinhosas, e principalmente, do

seu amor.

Dalila insistia muitas vezes com Lia para acompanha-la a

algum baile, na tentativa de fazer com que Lia voltasse a se divertir

e não ficasse a esperar por Armando, sem saber se ele realmente

voltaria um dia como havia prometido. Mas não, Lia parecia não

querer mais nada da vida sem o seu Armando.

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Haviam se passado já três meses após a partida de

Armando, e Lia ainda não havia recebido nenhuma carta dando-lhe

notícias suas. Com a ausência de notícias de Armando, Lia

resolveu aceitar os convites da amiga Dalila e passou a frequentar

novamente os bailes. Aos poucos voltava a ser a Lia de antes,

alegre e extrovertida.

Os anos foram se passando com suas asas velozes e

deixando Armando quase fora dos comentários de Lia. Ela nunca o

esquecera, mas evitava falar dele. Ao longo de cinco anos

passados, ela o guardava em um velho diário, onde escrevera a

sua história com Armando. Deixou também escrito nele as suas

esperanças de ver o seu Armando voltar para os seus braços. Dia

após dia, durante todo o tempo que se passara, ela manteve essa

esperança em seu coração. Agora – pensava ela – era hora de

guardar seu diário e não mais pensar em Armando, não mais

pensar neste amor que não dera certo, que havia sido apenas

uma bela história de amor, daquelas que não foram feitas pra

durar. – No entanto, mesmo sem querer admitir, Lia jamais

perderia suas esperanças de um dia reencontrar Armando.

Era já verão de 1947, e Lia, em viagem de férias com colegas

da Faculdade, conhece Luís Pedro, um jovem oficial da Marinha do

Brasil. O rapaz lhe chamara a atenção, não pela beleza, porque ele

não tinha a beleza que ela via em Armando, mas por sua polidez e

33

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

simpatia. Ele era um jovem muito alegre, de altura mediana, pele

morena, olhos amendoados e castanhos. Seus cabelos eram

mantidos em corte militar. Trazia sempre no rosto uma expressão

de equilíbrio e sobriedade, coisas que havia aprendido com os

ensinamentos disciplinares da Marinha.

Lia foi se deixando envolver por este jovem, guardando

Armando bem escondido naquele diário, trancado a cadeado dentro

de uma pequena caixa. Mantinha-o também trancado no pequeno

cobre de memórias de seu coração. Aliás, o cofre do coração é o

mais seguro de todos, pois às vezes, nem mesmo o dono consegue

abrir para rever suas memórias. E dependendo delas, este cofre

fica trancado para sempre.

Todo mundo tem um cofre no coração. Uns guardam coisas

boas, outros, coisas ruins. E outros ainda, guardam ambas as

memórias, boas e ruins. Existem coisas que se vive na vida que

não se revela para ninguém, fica trancado dentro do coração e

jamais sai dele.

34

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Último Capitulo

aquele mesmo dia, Lia mal tinha almoçado, apenas

beliscara o almoço porque não sentia fome. Da hora

do almoço até a hora da janta, era como se

houvesse passado uma vida inteira diante Dos olhos de Lia.

Através de seu diário ela voltou no tempo, sentiu novamente as

emoções daquele passado que até os dias atuais faziam parte de

seu presente, porque não havia saído de sua mente e de seu

coração. E o passado quando continua dentro das pessoas, deixa

de ser passado, porque continua sendo o presente.

N

35

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

Desta vez foi Thiago que chamou bateu á porta do quarto e

chamou a mãe para jantar. Já havia percebido desde aquela

manhã no bosque, que sua mãe não estava bem.

Na mesa do jantar, lia permanecia em silêncio e quase não

tocava a comida.

- Mamãe, não vai jantar? – Thiago perguntou preocupado.

- Meu filho, eu não sinto fome! Vou para o meu quarto,

estou me sentindo um pouco cansada. Engraçado né, eu quase

não sinto esse tipo de cansaço! Deve ser a mudança do tempo.

– disse ela, demonstrando ao filho que não estava realmente bem,

o que Thiago já suspeitava.

- Não acha melhor irmos ao médico mamãe? Posso leva-

la agora! – disse o filho, já se prontificando.

- Acho que não meu filho. Melhor deitar um pouco. Logo

melhoro. Qualquer coisa eu peço para você me levar ao

hospital. Deve ser apenas uma virose, dessas que deixa a

gente indisposta. – disse ela, já indo em seguida para o quarto.

Lia recolheu-se ao quarto. Seu corpo estava cansado, mas

sua memória não. Após entrar, trancou a porta e pegou novamente

a caixa com o diário. Abriu-a, tomou o diário nas mãos e o recostou

junto ao seio. De repente, sentiu uma saudade muito grande de

Armando, e ao mesmo tempo, sentiu como se ele estivesse ali

presente a seu lado. Era muito forte a presença de Armando. Lia foi

36

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

adormecendo aos poucos, e quase na penumbra, viu Armando

dentro do quarto, se aproximando de seu leito.

- Armando! Armando meu amor, é você? – ela não queria

acreditar no que estava vendo, era ele, Armando! Ele estava ali à

sua frente!

- Quanto tempo minha Lia! Quanto tempo! Não sabe

como senti a sua falta meu amor! – disse ele, aproximando-se

dela. Armando tomou-lhe as mãos, reclinou-se próximo a seu rosto

e beijou-lhe a fronte. Lia não conseguia entender a presença real

de Armando junto dela. Ficou em silêncio a observa-lo. Armando

continuou a falar.

- Lia, eu quero que você saiba que eu sempre te amei, e

que você sempre foi o grande amor da minha vida. Desde que

nos conhecemos naquele primeiro dia de aula, eu soube que

você seria a mulher com quem eu me casaria e teria filhos.

Sempre desejei isso, mas... Lia, eu não pude voltar para você.

Não pude voltar porque um indivíduo me tirou a vida. Logo que

cheguei a Belo Horizonte, ao atravessar uma rua movimentada,

um louco embriagado atropelou-me. Naquele instante

enquanto ainda me restava um sopro de vida, eu só pensei em

nós dois! Você Lia, meu amor, foi a primeira pessoa que me

veio no pensamento. Em questão de segundos tantas coisas

me passaram pela mente como se fosse um filme! Pensei nos

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

meus sonhos de construir uma vida com você. Lembrei-me do

tempo e dos momentos que passamos juntos... Logo o sopro

de vida deixou o meu corpo. Restou-me apenas o espírito. Eu

não queria acreditar que estava morto, porque eu tinha todas

as minhas impressões! Como poderia estar morto se os meus

pensamentos ainda estavam comigo?! Eu me tocava e sentia o

meu corpo! Então eu comecei a gritar desesperado, e gritava

ainda mais alto, mas ninguém me ouvia! Eu passei muito

tempo vagando sem compreender o que tinha acontecido

comigo. Até que um dia me dei conta de que havia mudado de

lado. Ninguém poderia mesmo me ouvir, Lia, porque ninguém

me via! Eu havia atravessado o véu da vida... Mesmo assim,

meu amor, eu a via, mas eu não conseguia fazer você me ouvir.

Sabe minha querida, eu a acompanhei durante todos esses

anos! E do lado de cá da vida, eu tentava ajuda-la a superar

suas dificuldades, mas eu não podia fazer muita coisa por

você. Havia aquele grande abismo que separa a vida física da

vida espiritual. Eu assisti o seu casamento com o Luís Pedro

sabia? Eu comunguei de sua alegria com o nascimento de

cada um de seus cinco filhos. Você nunca esteve sem mim

meu amor, porque eu sempre estive com o pensamento em

você. Hoje eu tenho uma compreensão mais profunda do amor,

e o amor para mim é isso; é estar sempre ao lado de quem

38

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

amamos, seja em presença física, ou apenas através do

pensamento, independente da situação que um ou o outro

esteja vivendo. – Armando parou de falar por um instante e ficou a

contemplar o rosto de Lia, que também o contemplava.

Depois de algum tempo, Lia pronunciou-se:

- Armando, eu posso te sentir, e eu não entendo isso. Se

você está morto, porque é que eu estou vendo e ouvindo

você? Está tudo muito confuso! Eu não compreendo! - Lia

estava completamente atordoada com tudo que estava lhe

acontecendo.

- Você atravessou também o véu da vida meu amor! Eu

vim para acompanhar você, e vou leva-la para a nossa casa!

Ela já está pronta para receber você. Não sabe como eu

esperei com ansiedade por este dia. Poder estar novamente a

conversar com você, sentindo o seu toque, as suas mãos nas

minhas... Esperei todos esses anos por este momento. – disse

ele, dando-lhe um beijo.

Enquanto Lia e Armando contemplavam a felicidade de

estarem novamente juntos, Thiago não havia tirado a preocupação

com a saúde de sua mãe da cabeça. Decidiu que levaria a mãe ao

médico.

Foi até o quarto e bateu levemente na porta, chamando-a

quase sussurrando:

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

- Mamãe?! Mamãe, você ainda está acordada?! – Lia não

respondeu. Fazia um profundo silêncio naquele instante, e Thiago

então resolveu girar o trinco da porta, mas ela estava trancada.

Chamou-a novamente mais alto:

- Mamãe! Você está dormindo? Mamãe, eu já avisei o

médico que vou leva-la para uma consulta. Seu médico está de

plantão hoje no hospital e irá atendê-la. – Thiago ficou

aguardando uma resposta que não veio. Bateu outras vezes na

porta e nada! Preocupou-se ao extremo. Correu até Adriana sua

esposa, e comentou com ela sobre o silêncio da mãe. Adriana

levantou-se de imediato do sofá, jogou de lado o livro que estava

lendo, e alertou o marido com muita preocupação:

- Thiago, devemos forçar a porta! Sua mãe pode ter... Ah

meu Deus! Você sabe do que eu quero dizer Thiago! Ela já não

anda bem há tempos! – disse Adriana em tom de alerta.

- Não precisa de todo esse alarme querida! Tudo bem que

ela está doente faz tempo, mas, não ao ponto de... morrer! Não

é isso que você quis dizer? – contestou Thiago. Para ele a mãe

estava doente, mas eram pequenos problemas que com algum

remédio que o médico receitasse ela logo ficaria bem.

- Eu não quis te contar mais cedo para não assustar

você, mas noite passada eu sonhei que sua mãe havia nos

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O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

deixado. Acordei tão assustada! Para mim foi como um

pesadelo. – disse Adriana.

- Vou arrebentar aquela porta! – disse Thiago, já

caminhando na direção do quarto de Lia. Foi seguido por Adriana.

Thiago forçou a porta e chamou pela mãe outras tantas

vezes, mas nada aconteceu. Por fim, com seu corpo, Thiago se

jogou na porta várias vezes até derrubá-la. Ao entrar, percebeu que

Lia estava dormindo serenamente, com um semblante de quem

havia recebido o alívio de todas as dores que sentira outrora. Seu

rosto demonstrava um aspecto de quem havia provado uma

felicidade, não que a morte fosse felicidade, mas o que antecedera

a ela sim! O encontro com Armando, o amor que ela guardara no

coração por toda a sua vida, era uma grande felicidade para Lia.

- Mamãe! – Thiago a chamou. Ao tocar o rosto de sua mãe

percebeu que ele estava gelado. Lia estava morta. Morreu no

silêncio de seu quarto, e partiu acompanhada do único homem que

amou durante toda a vida, o seu Armando. No peito, entre as mãos,

o diário de Lia repousava tão sereno quanto àquela que o guardara

secretamente durante tantos anos! Era o fim de um segredo e início

de uma descoberta para Thiago, que passou a conhecer a

existência daquele diário e daquela história naquele instante de dor.

Thiago tomou o diário de sua mãe nas mãos e o folheou,

41

O Diário de Lia Rozilda Euzebio Costa

descobrindo, entre lágrimas, toda a história que fez parte dos

segredos de Lia ao longo de todos os seus anos de vida.

Thiago e Adriana cuidaram de avisar o restante da família

sobre o ocorrido. Embora transtornado por descobrir que sua mãe

nunca havia amado de verdade o seu pai, Thiago tinha plena

consciência de que aquele homem do diário não tinha culpa de

nada. Ele não deveria odiá-lo, mas também não gostaria de

conviver com aquele diário. Destruí-lo também não fazia parte de

seus planos. Decidiu enterra-lo junto com Lia. Nunca revelou aos

irmãos sobre a existência do diário de Lia, porque amava demais

sua mãe para ver seus irmãos prolongarem uma história que se

findava com a partida de sua autora.

Fim