Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA FELIPE MENDES ANDRAOS DIDÁTICA DA HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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Monografia que discorre sobre o tema da Didática da História e Consciência Histórica, utilizando historiadores brasileiros e alemães para demonstrar as mudanças de paradigmas no ensino de História.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

FELIPE MENDES ANDRAOS

DIDÁTICA DA HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS

PARADIGMÁTICAS NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA

GOIÂNIA

2015

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FELIPE MENDES ANDRAOS

DIDÁTICA DA HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS

PARADIGMÁTICAS NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA

GOIÂNIA

2015

Monografia apresentada ao curso de graduação em História da Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em História, sob a orientação do Prof. Dr. Rafael Saddi Teixeira.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Monografia de autoria de Felipe Mendes Andraos, intitulada “DIDÁTICA DA

HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS NA

DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA”, apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em História da Universidade Federal de Goiás em 03 de julho

de 2015, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Professor Dr. Rafael Saddi TeixeiraOrientador

História - UFG

Professor Dr. Roberto Abdala JúniorHistória - UFG

Goiânia2015

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Dedicatória:

Dedico este trabalho a toda minha família, que ao

longo de todo o curso me auxiliou e me ajudou a

encontrar o caminho certo diante de tantas

incertezas. Em especial a minha vó pela paciência,

apoio e por toda a sabedoria ensinada durante esta

longa caminhada.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente aos meus pais, Marita Andraos e Mozandir Mendes

Ferreira por todo apoio, amor e compreensão durante toda a jornada do curso de

História.

Aos meus irmãos, Mariana, Manuela e Gabriel Andraos pelas risadas,

conselhos e pelas conversas nas madrugadas de insônia.

Aos meus tios, Georges Andraos, Marina de Carvalho Batista, Cláudio

Andraos, Socorro Martins e Suzana Oliveira por me ensinarem a importância do

amor de família.

Agradeço aos meus tios-avôs, Suzana, Barbara e Leandro Helou por todo

carinho e auxilio que me deram durante a produção da monografia.

A minha tia desencarnada, Lucy Helou, que durante todo meu ensino médio

me recebeu para o almoço e me fez sentir em casa.

Aos meus amigos José Moreira e Victor Augusto que em muitas ocasiões me

salvaram da monotonia da vida de estudante e me levantaram meu astral.

Agradeço aos meus amigos Ary Pimenta e Luiz Pavlik pelas sessões de

cinema, pelos conselhos amorosos e por todas as viagens feitas de madrugada à

Cidade de Goiás e Pirenópolis.

As minhas amigas Jéssica Ribeiro e Rebeca Stephanie, e meu amigo Rock

Hudson pelas festas, baladas e churrascos que em muitas ocasiões me impediram

de surtar e me ajudaram a levar a vida com mais calma.

Aos meus primos, Heitor Andraus, Arthur Andraus, Ricardo Andraus,

Bernando Helou e Bruno Helou pelas risadas e por dividirem comigo momentos

incríveis.

Ao meu grande amigo do curso de História, Diogo Pontes, pelas festas,

conversas na pamonharia, jogos do Vila Nova e por todas as vezes que me ajudou

nas disciplinas do curso e na vida.

Agradeço minha namorada, e futura esposa, Isabelle Pereira, por toda

paciência, amor e companheirismo durante a produção da monografia.

Agradeço especialmente, a minha vó, Nadja Helou, por ser a pessoa que fez

tudo isso se realizar, pelas conversas, pela paciência, pelos seriados de

investigação que me faziam esquecer os problemas, e pelo mais importante, por ter

me ensinado a acreditar em mim mesmo e no próximo.

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EPÍGRAFE

“Se queres prever o futuro, estuda o passado”.

Confúcio

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RESUMO

A presente monografia busca analisar a mudança paradigmática que a Didática da História brasileira

vem sofrendo nos últimos 10 anos, influenciados por intelectuais alemães da década de 60 e 70.

Tendo consciência da importância do ensino de História para formação de uma identidade coletiva

que inclua todos os grupos da sociedade e garanta uma maior autonomia reflexiva frente às

narrativas históricas feitas pelos meios de comunicação. Para tal foi usados artigos de historiadores

brasileiros que debatem sobre o tema para compreender os aspectos do conceito de consciência

histórica e suas implicações no ensino e aprendizado de História no Brasil.

Palavras-chave: Didática da História; Ensino de História; Consciência Histórica; Identidade; Ensino e

aprendizagem e História.

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ABSTRACT

The present work has the aim to analyse the paradigmatic change that the Brazilian didactic of history has been suffering in the last 10 years affected by German intellectuals during the ‘60s and ‘70s. It is essential to be aware about importance of the history teaching for the formation of a collective identity that includes all groups in the society and ensures a bigger reflective autonomy from of historical narratives done by the media. Therefore, for this was used articles of Brazilian historians that discuss about the subject to comprehend the features of the concept of the historical conscience and its implication on teaching and learning History in Brazil.

Words-key: Didactic of History; History teaching; Historic conscience; Identity; Teaching and learning and History.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

1. UM NOVO CONCEITO DE DIDÁTICA DA HISTÓRIA NA ALEMANHA OCIDENTAL..........................................................................................................................14

1.1. Uma breve análise da Didática da História na Alemanha Ocidental.....................14

1.2. A mudança de paradigma na Didática da História alemã......................................22

2. A MUDANÇA PARADIGMÁTICA NA DIDÁTICA DA HISTÓRIA BRASILEIRA....................................................................................................................29

2.1. Uma breve analise sobre a construção do código disciplinar do ensino de História no Brasil..................................................................................................................30

2.2. Consciência histórica como objeto de pesquisa da Didática da História brasileira..................................................................................................................36

2.3. Campo de investigação de uma Didática da História ampliada..............................40

2.4. Didática da História e Ciência da História..............................................................45

3. CONCLUSÃO...................................................................................................................50

REFERÊNCIAS......................................................................................................................53

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INTRODUÇÃO

Ao longo de muitos anos a Didática da História teve seu conceito limitado à

seleção e simplificação dos resultados das pesquisas acadêmicas para a

transmissão dentro das salas de aula, ou seja, a Didática da História acabou por se

tornar uma disciplina que se preocupava quase que exclusivamente com a

metodologia de ensino dentro do ambiente escolar, se aproximando, muito mais de

áreas como a pedagogia, e se afastando da Ciência da História. Sua demarcação

especial dentro do recinto escolar também afastava seu caráter prático, uma vez que

o principal objetivo era apenas passar conhecimento dos fatos históricos ocorridos,

sem nenhuma preocupação de como esse conhecimento poderia auxiliar no dia a

dia dos alunos. Resumindo a Didática da História seria apenas “uma ferramenta que

transporta conhecimento histórico dos recipientes cheios de pesquisa acadêmica

para as cabeças vazias dos alunos” (RUSEN, 2006, p.8).

Apesar do difuso conceito de Didática da História existente atualmente, nem

sempre foi assim, antes da transformação da história em ciência no final do século

XIX e começo do XX, o principal objetivo de se ensinar e aprender história era sua

utilização para a vida prática, sendo que a história serviria como exemplo, usando

acontecimentos do passado como guia para o presente e projeção para um futuro

provável. Até a metade do século XIX existiam historiadores como Johann Gustav

Droysen que acreditavam que a história estava ligada inseparavelmente da vida

prática das pessoas (ASSIS, 2014, p.4-5). Aprender história não era apenas um

hobby ou uma curiosidade sem utilidade, mas era antes de tudo um modo de se

orientar diante do mundo e das pessoas.

A partir da década de 60, surge um novo conceito de Didática da História na

Alemanha Ocidental, retomando o caráter prático do ensino e aprendizado de

história anterior à cientifização da história. Neste momento aconteceu o que Rüsen

chamou de “mudança de paradigmas” (2006, p.11), onde diversos intelectuais

começaram a ponderar os limites e funções do ensino e aprendizado de História. A

agente central desta mudança foi o conceito de consciência histórica, discutida por

diversos historiadores durante a segunda metade do século XX, tais como Rüsen

(2001) e Agnes Heller (1993), o que trouxe um olhar mais amplo para Didática da

História.

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Quando a nova Didática da História insere a consciência histórica como seu

objeto de pesquisa, isso afasta a Didática da História do campo da Pedagogia e a

leva para mais perto da Ciência da História, não se preocupando somente com a

metodologia de ensino de História dentro da sala de aula. Mas estendendo seu

campo de pesquisa a todas as áreas onde a consciência histórica fosse alvo

passível de ações.

Como consequência a Didática da História passou a se preocupar com o

ambiente que vai além do escolar, pois agora qualquer discurso histórico, dentro ou

fora da sala de aula, é essencial para a compreensão da construção da consciência

histórica dos alunos. Assim as produções históricas feitas pelas emissoras de

televisão, jornais, revistas, sites da internet, livros, teatros, filmes, músicas e outros

meios de comunicação acabam entrando na mira dessa nova Didática da História,

na medida em que elas também são influenciadoras da consciência histórica das

pessoas. Nessa perspectiva a Didática da História ganha uma importância

fundamental, pois ela forneceria as ferramentas reflexivas advindas da Ciência da

História para “combater” narrativas históricas esquemáticas, oferecendo orientações

de sentido pautadas cientificamente para um melhor agir na práxis.

Tendo em mente que o novo conceito de Didática da História busca entender

os diversos sentidos da consciência histórica, observando sua importância diante

das narrativas históricas e da orientação de sentido para vida prática, esse trabalho

parte do seguinte problema: de que maneira o conceito de consciência histórica

altera e transforma o caráter da Didática da História no Brasil.

Minha hipótese é: sendo a consciência histórica o objeto de pesquisa de uma

Didática da História ampliada, tanto os objetivos, como o campo e a localização

disciplinar da Didática da História se alteram completamente. Visto que a

consciência histórica é algo inerente a qualquer ser humano, e que, assimila

qualquer exposição histórica no viver cotidiano. É importante entender, que, a

Didática da História, já não pode ser resumida a composições de práticas

metodológicas de ensino e aprendizado da disciplina escolar de História, pois não se

aprende somente dentro das salas de aula. Isso ampliaria seu campo de pesquisa

para todos os elementos da sociedade que fornecem narrativas históricas. Do

mesmo modo, também não se pode enquadrar a Didática da História

academicamente em uma área fora da Ciência da História, pois é apenas ela que

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possui competências científicas para lidar com os enunciados elaborados fora da

escola.

O objetivo geral deste estudo é entender quais mudanças ocorreram na

Didática da História brasileira com a inserção do conceito de consciência histórica.

Tendo como objetivos específicos definir qual é o objeto central de investigação de

um ensino e aprendizado de História ampliada, assim como identificar seu campo de

atuação como uma disciplina inerente a Ciência da História. Se importando,

também, com as vantagens da expansão desse novo conceito de Didática da

História para a sociedade.

Redefinir os objetos, as funções e o campo de exercício da Didática da

História não é somente necessário pelo fato de garantir aos acadêmicos da História

o direito de pensarem a atividade de sua própria profissão. Muito além disso, trazer

a consciência histórica como objeto do ensino e aprendizado de História faz com

que a Ciência da História, como autoridade científica em narrativas históricas, se

preocupe com o tipo de orientação que a sociedade está recebendo fora das salas

de aula.

Vivemos em um contexto onde a internet e as tecnologias possibilitam uma

grande facilidade no acesso a qualquer tipo de informação, inclusive as históricas.

Isso permite que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, possa escrever e

ler conteúdos de natureza histórica. O que auxilia a propagação de discursos

históricos inventados ou elaborados com intenções unicamente pessoais, sem

qualquer comprometimento com a metodologia do trabalho histórico. Indo além do

mundo digital também é notável a grande quantidade de produções históricas feita

pela grande mídia com características duvidosas, que em muitos casos constrói

narrativas superficiais, não levando em conta o contexto dos acontecimentos ou

sendo superficiais na analise pesquisada.

Com toda essa abundância de possibilidades de comunicação e divulgação

de informações, é importante que a Didática da História investigue que tipos de

consciências históricas estão sendo produzidas na sociedade, e que, juntamente

com a Ciência da História, se preocupe em dar respostas a estas produções

esquemáticas. Neste âmbito a relevância deste trabalho pode ser imprescindível,

uma vez que o novo conceito de Didática da História tenta trazer a História como

Ciência para fora do ambiente escolar, preparando os alunos para lidar com

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qualquer retórica histórica de maneira racional e questionadora, evitando abusos de

poder pela mídia ou por partidarismo político.

Para tal, adotei neste trabalho uma pesquisa bibliográfica com textos

produzidos pelos autores atinentes aos conceitos de Didática da História e

Consciência Histórica, fazendo um debate entre as ideias dos autores e analisando

o resultado de suas obras para as ampliações no campo da Didática da História.

Para a pesquisa sobre o novo conceito de Didática da História surgida na Alemanha

Ocidental, nas décadas de 60 e 70, usei artigos de historiadores alemães como Jorn

Rusen (2001, 2006, 2007 e 2012), Klaus Bergmann (1989) e Bodo Von Borries

(2012). Já para analisar a Didática da História brasileira e suas particularidades me

prendi aos artigos de historiadores como Rafael Saddi Teixeira (2010 e 2012), Luiz

Fernando Cerri (2001, 2004 e 2010), Oldimar Cardoso (2008), Maria Auxiliadora

Schmidt (2004, 2006 e 2009) e Ana Claudia Urban (2009).

O trabalho foi divido em três capítulos, o primeiro apresenta uma breve

análise da Didática da História na Alemanha Ocidental e apresenta a ideia de alguns

autores alemães sobre o tema. No segundo capítulo discorro sobre a construção do

código disciplinar de História no Brasil durante o último século, assim como faço

uma analise sobre a mudança paradigmática que a Didática da História brasileira

vem passando. Seguindo esta estrutura, tento analisar os temas pertinentes as

transformações ocorridas no objeto de pesquisa, no campo e na localização

disciplinar que estão ocorrendo na concepção de ensino e aprendizado de História,

assim como apontar futuros benefícios que essa ampliação pode trazer ao convívio

social.

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Capítulo 1 – Um novo conceito de Didática da História na Alemanha

Ocidental

Nos anos 60 e 70, surgiu na Alemanha Ocidental um novo conceito de

Didática da História, ao contrário do tradicional modo de ensino de História que

vinha sendo produzido na época. Esse novo conceito de Didática da História

retomava uma velha característica anterior ao século XIX: a do ensino de História

voltada para orientação da vida prática.

Segundo Koselleck (apud, SADDI, 2010, p. 67), deste da antiguidade clássica

a escrita de História era vista como um “conjunto de exemplos” que serviam para

orientar e instruir as pessoas na vida prática, ou seja, se “escrevia história

esperando que os homens aprendessem algo para a vida” (RÜSEN, 2007a, p.88). A

ausência de uma Didática da História sem preocupação com a vida prática deixaria

aberto uma lacuna, onde o individuo sem condições de se orientar e pensar

historicamente se encontraria a mercê de qualquer produção histórica simplista,

perigosas ou não, que poderiam influenciar negativamente na formação de sua

identidade.

1.1. Uma breve análise da Didática da História na Alemanha

Ocidental

Antes mesmo dos historiadores considerarem seu trabalho um exercício

científico, até o século XVIII, a preocupação com o ensino e aprendizagem em

História rodava em torno de ajudar nas resoluções dos problemas da práxis. A

escrita da História estava intimamente ligada a poder auxiliar os indivíduos a viverem

melhor e se planejarem melhor. Segundo Rüsen (2006, p.8):

O conhecido ditado “historia vitae magistral” (história mestra da vida), que define a tarefa da historiografia ocidental da antiguidade até as últimas décadas do século dezoito, indica que a escrita da história era orientada pela moral e pelos problemas práticos da vida, e não pelos problemas teóricos ou empíricos da cognição metódica.

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A escrita histórica que até o século XVIII servia como coleção de exemplos

para a vida, foi se tornando vago e sem sentido. Os acontecimentos e as mudanças

a partir do século XIX foram se tornando mais frequentes, passando uma sensação

que o passado já não servia como orientação para o presente. Conforme Koselleck

(apud, SADDI, 2010 p.68):

Até o século XVIII, o emprego de nossa expressão (História Magistra Vitae) permanece como indício inquestionável da constância da natureza humana, cujas histórias são instrumentos recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou políticas. Mas, da mesma forma, a perpetuação de nosso topos aludia a uma constância efetiva das premissas e pressupostos, fato que tornava possível uma semelhança potencial entre os eventos terrenos. E, quando uma transformação social ocorria, era de modo tão lento e em prazo tão longo, que os exemplos do passado continuavam a ser proveitosos. A estrutura temporal da história passada delimitava um espaço contínuo no qual acontecia toda experimentação possível. (KOSELLECK, 2006, p. 43)

A transformação e legitimação da História em ciência a partir do século XIX foi

substituindo a Didática da História pela metodologia científica e afastando cada vez

mais o ensino e aprendizado de história como guia para a vida. A Didática da

História foi relegada a uma área fora da Ciência Histórica, onde sua única

preocupação seria com a transmissão dos conhecimentos produzidos dentro das

universidades.

Apesar de, essa distanciação ser cada vez mais presente no século XIX,

ainda existiam pesquisadores como Johann Gustav Droysen que acreditavam que

metodologia da Ciência Histórica deveria ser combinada ao uso prático na vida. Para

ele o ensino de História voltado para a vida prática traria maiores possibilidades de

reflexão e compreensão do presente, que teria como consequência um maior

desenvolvimento da humanidade. Segundo Arthur Alfaix (2014, p.4), que discorre

sobre Droysen:

Todavia, Droysen julgava que a ciência histórica se revestia, paralelamente, de uma utilidade algo mais prosaico. Seria útil não só à resolução de certas tensões inerentes à religiosidade cristã, mas também a outros planos da vida prática dos seres humanos. Por isso, não é exagero dizer que, para ele, a atividade dos historiadores se liga ao desempenho de uma boa variedade de funções de uma orientação cultural. Para Droysen, a historiografia não deve ser feita como um fim em si mesmo, como uma espécie de arte pela arte, movida pela pura vontade de compreender mais e melhor uma porção do passado. Deve, antes, consistir numa interpretação pragmática do presente, capaz de dotá-lo da autoconsciência necessária para garantir a continuidade da própria história enquanto processo objetivo de desenvolvimento da humanidade.

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Mesmo existindo ideias como a de Droysen, a Didática da História caiu no

abismo do esquecimento, a legitimação da História como Ciência foi colocada como

prioridade pelos historiadores profissionais e a preocupação com ensino e

aprendizado de História e sua utilidade para a vida, foi esquecida. Deixando de ser

uma disciplina que reflete sobre sua própria atuação, como dito por Rusen (2006,

p.8):

Como os historiadores do século XIX se esforçaram para tornar a história uma ciência, este público foi esquecido ou redefinido para incluir apenas o pequeno grupo de profissionais especialistas treinados. A didática da história não era mais o centro da reflexão dos historiadores sobre sua própria profissão. Ela foi substituída pela metodologia da pesquisa histórica. A “cientifização” da história acarretou um estreitamento consciente de perspectiva, um limitador dos propósitos e das finalidades da história. A esse respeito, a cientifização da história excluiu da competência da reflexão histórica racional aquelas dimensões do pensamento histórico inseparavelmente combinadas com a vida prática. Desse ponto de vista, pode ser dito que a história científica, apesar de seu clamor racionalista, havia conduzido aquilo que eu gostaria de chamar “irracionalização” da história.

Na Alemanha Ocidental, assim como na maioria dos países, foi se moldando

uma Didática da História onde o principal objetivo era a formação de professores.

Tendo, como propósito o treinamento em duas áreas específicas, a primeira

relacionada com a pragmática, que cuidava das metodologias de ensino e

aprendizado em sala de aula, se relacionando com a pedagogia. A segunda era

teórica e importava-se em focar nas condições e nos propósitos do ensino e

aprendizado histórico, associando-se com as disciplinas “que têm relação com os

fenômenos de ensino e aprendizagem” (RÜSEN, 2006, p.9), como a Ciências

Sociais, a Pedagogia e a História.

Com a Didática da História e a Ciência da História em diferentes polos, foi se

criando durante todo século XX a concepção de uma Didática da História que Rusen

(2006, p.10) chama de “didática da cópia”. Esse conceito se refere a uma Didática

da História estreita, que age diretamente, com metodologias de ensino próprias da

Pedagogia, no ensino e aprendizado dos alunos dentro da sala de aula. A Didática

da História se comunica com a Ciência da História, apenas para traduzir a produção

do conhecimento científico em uma linguagem simplificada para o uso em salas de

aula. Por esse motivo também é chamada de “reprodução didática” por Rüsen, pois

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serve apenas como uma mediadora entre o discurso culto dos profissionais da

História e o ensino para estudantes secundaristas, sendo assim “o currículo primário

e secundário de história consistia em nada mais do que resumos simplificados de

estudos padrão em história”.

Podemos falar que o afastamento da Didática da História da reflexão para a

vida prática e da Ciência da História levou a uma contração tanto de campo de

pesquisa e atuação, como a uma área disciplinar fora da Ciência da História, se

preocupando quase que exclusivamente com as metodologias de ensino e

aprendizagem de História. Assim a Didática da História se pôs como uma disciplina

ligada à Pedagogia, que cuidaria apenas do ensino dentro da sala de aula, sem

nenhum comprometimento com as produções históricas feitas fora das instituições

de ensino ou com nenhuma ligação direta com a Ciência da História. Resumindo

esse conceito dessa Didática da História restrita, Rusen (2007, p.89) discorre:

Em contraste grosseiro com essa terminologia está a difundida noção atual (e não é de hoje), aparentemente indestronável, de que a didática é alguma coisa completamente externa à história como ciência. Ela se ocuparia da aplicação a da intermediação do saber histórico, produzido pela história como ciência, em setores do aprendizado histórico fora da ciência. Os didáticos seriam transportadores, tradutores, encarregados de fornecer ao cliente ou à cliente - comumente chamado de “aluno” ou “aluna” - os produtos científicos. A didática relacionaria-se com o saber histórico produzido cientificamente como o marketing se relaciona com a produção de mercadorias.

Logo a Didática da História foi resumida a metodologias de ensino de História

dentro de sala de aula, e a Ciência Histórica se restringiu às metodologias de

pesquisas. Era necessário um alongamento conceitual para que tanto a Didática da

História percebesse sua conexão com o trabalho dos historiadores, como a Ciência

da História compreendesse sua ligação com a vida prática dos homens. (SADDI,

2010, p.71)

Porém, antes de falar das mudanças ocorridas no ensino de História na

Alemanha Ocidental é preciso entender o contexto que motivou os historiadores

alemães a buscarem uma nova conceituação sobre a Didática da História no país.

Segundo Rafael Saddi (2014), no final da década de 60 o ensino de História

se encontrava em uma crise de legitimidade na Alemanha Ocidental. O período pós-

guerra revelou que os jovens alemães já não se identificavam com a velha geração.

Ficou claro no final da década de 60 que havia um conflito de gerações acontecendo

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em diversos países do globo, e na Alemanha Ocidental não foi diferente. Os filhos se

recusavam a seguir o caminho dos pais, não se preocupavam com o trabalho ou em

seguir carreira, se voltando mais para a busca de diversões e prazeres pessoais.

É fácil compreender o choque entre as gerações no final da década de 60 e

durante toda década de 70. Os homens e mulheres que viveram as décadas

anteriores passaram por duas grandes guerras, e sobreviveram aos tempos de crise,

onde a privação de bens materiais e alimentícios eram frequentes. Assim, é

compreensível a maior rigidez e a preocupação com a carreira dos filhos, pois, se

guiavam no presente com a imagem que tinham do passado. Como também era

normal o jovem negar o reflexo de seus pais, sua realidade não era a mesma, e eles

já não conseguiam se identificar com as gerações anteriores. Segundo Saddi:

Para usar um termo de Koselleck (2006), o espaço de experiência se rompeu com a grande guerra, de forma que as normas da geração anterior não poderiam servir para o novo tempo. Este ruptura está expressa claramente no surgimento da juventude como um grupo social de conduta peculiar. Os cabelos grandes, o jeans, o rockn’roll, a maconha e o LSD, tudo isto formava parte da criação de um estilo de vida distinto dos pais: “não confio em ninguém com mais de 30”, dizia o lema de 68, “Eu não serei o que meu velho é” (Ich will nicht werden was mein Alter ist), dizia uma das letras da banda de rock alemã Ton Steine Scherben.(2014, p.136)

Todavia, a Alemanha Ocidental tinha uma peculiaridade em relação aos

outros países que participaram da guerra e que também perderam: a experiência

nazista. Mais que negar o modo de vida dos pais, os jovens alemães negavam a

semelhança com a geração anterior que teve participação no holocausto.

Saddi defende que, diante da experiência nazista, as gerações mais novas

começaram a mostrar desejo de debater sobre o nazismo. Porém, a Ciência da

História e do ensino da História ainda continuava com as antigas características dos

tempos de Bismark e Hitler, deixando de suprir uma necessidade evidente na

sociedade das décadas de 60 e 70. (2014, p. 137)

Enquanto a História e o ensino de História não conseguiam mais dar

respostas à sociedade, outras disciplinas como a Sociologia, haviam se modificado e

procuravam analisar a relação entre os saberes científicos e “os interesses da

sociedade”. Como consequência a História foi perdendo sua importância social, pois

não produzia nenhuma orientação temporal capaz de responder as angustias da

sociedade. Nas palavras de Saddi (idem):

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A história e o ensino de história começaram a perder espaço para as outras disciplinas que eram consideradas mais relevantes. No âmbito da disciplina escolar mesmo, ela começou a ser retirada dos currículos da alguns estados, sendo substituídas pelas disciplinas de Ensino da Sociedade (Gesellschaftchaftslehre), no estado de Hessen, e pela Sociedade/Política (Gesellschaft/Politik), em Nordrhein-Westfalen. (JEISMANN e KORSTHOR, 1979). Os professores de história começavam, assim, a perder cadeiras para os sociólogos e para os cientistas políticos. (JEISMANN, 2000)

Desta forma, a História e o ensino de História se encontravam no que

Sywottek (1974) chama de crise de legitimidade. É nesse contexto que surge uma

preocupação em pensar uma Ciência da História e uma Didática da História que, de

alguma forma, dê retorno à sociedade. Legitimando a importância da História para a

coletividade. (SADDI, 2014, p. 136).

Assim, como resultado de uma crise de legitimidade da História na Alemanha

Ocidental, aparecem as primeiras formulações e alterações no objeto de pesquisa

da Didática da História.

Desta maneira, a partir dos anos 60, a realidade começou a se alterar e um

número cada vez maior de profissionais da História se preocupava com “a tarefa

básica da cognição histórica e da função política dos estudos históricos” (RÜSEN,

2006, p.10), tentando aproximar a História de outras Ciências Sociais.

Agora a preocupação não era somente com o conjunto de métodos e técnicas

que seriam utilizados dentro da sala de aula. Tampouco, se resumia a transmissão

dos saberes dos ambientes profissionais para o escolar. Os historiadores começam

a se questionar se o ensino de História estaria realmente restrito a escola.

Também, era necessário dar uma resposta à sociedade e legitimar sua

existência disciplinar. Pensando nisso a Didática da História começou a se

preocupar com o uso da História fora da esfera escolar. E até que ponto a produção

das narrativas históricas extraclasse poderiam interferir no processo de aprendizado

de História. Assim, a Didática da História ampliou seu campo de “auto-reflexão e do

auto-entendimento histórico”. Ou seja, a Didática da História na Alemanha “passou

por aquilo que poderíamos descrever como uma mudança de paradigma” (Ibidem,

p.11).

Estas ampliações no campo auto-reflexivos e do auto-entendimento histórico

discutido por Rüsen, surgiram em um momento que o sistema universitário alemão

passava por uma expansão. Permitindo que mais historiadores lançassem seus

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conceitos sobre a Didática da História, e buscassem uma concepção que abarcasse

compreender discursos históricos nos meios sociais.

Outro acontecimento que fortaleceu a ideia de uma mudança em torno do

conceito de Didática da História na Alemanha Ocidental, foi à criação de dois

periódicos. Um fundado em 1975, Geschichte und Gesellschaft, que tinha o objetivo

de divulgar obras de cunho teóricas e metodológicas, vinculando-se com outras

ciências sociais. E o segundo, criado um ano depois, Geschichtsdidaktik, que tinha

Klaus Bergmann como um de seus editores, e que pretendia ser uma nova reflexão

sobre o ensino de História e sua ligação com a vida prática na década de 70.

Ocorreu desta maneira, uma enorme mudança entorno da Didática da História

nesse novo cenário da década de 60. Por um breve momento “a Didática da História

se estabeleceu como uma disciplina específica com suas próprias questões,

concepções teóricas e operações metodológicas” (RÜSEN, 2006, p.11). Mas sua

ligação com a Pedagogia ainda era parte da realidade, pois a reflexão da Didática da

História sobre a vida prática ainda não era a visão predominante entre os

historiadores. Apenas com aproximação do conceito de consciência histórica foi que

algumas alterações começaram aparecer.

Com a inserção da consciência histórica como objeto da Didática da História,

é que surge um novo modo de se pensar Didática da História. Entendendo como

consciência histórica o que Rüsen (2001, p.57) descreve como: “(...) a suma das

operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da

evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,

intencionalmente, sua vida prática no tempo”.

Quando a consciência histórica entra, para muitos intelectuais, como objeto

da Didática da História na Alemanha Ocidental, Rüsen (2006) aponta quatro pontos

principais de discussão entorno do ensino e aprendizado de história: as

metodologias de instrução, as funções e os usos da história na vida pública, o

estabelecimento de metas para educação histórica nas escolas e a verificação se

estas têm sido atingidas, e por último, função e importância da consciência histórica.

Os debates em torno das metodologias de instrução aconteceram porque o

ensino de História ainda estava ligado à velha metodologia, feita de modo mecânica.

E tinham como foco buscar compreender como o ensino de História surte efeito na

consciência histórica dos alunos e em sua relação com a vida prática. Segundo

Rüsen, os historiadores da década de 70 ainda tinham poucas ideias de como isso

Page 21: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

21

funcionava, porém uma pesquisa empírica realizada em Bochum demonstrou que

“(...) história como coleção de exemplos conduzindo a regras gerais do

comportamento humano – é a forma pela qual a história é apropriada pelos alunos,

sem que os professores se atentem para isso”. Ou seja, “(...) o processo de ensino e

aprendizado na sala de aula é governado por uma estrutura da consciência histórica

não reconhecida pelos próprios participantes”. (2006, p.13).

O segundo problema rondava em torno de definir questões, métodos e

estratégias para pesquisar a função do conhecimento e da explicação histórica na

vida pública. Como na década de 70 esse campo era novo, não havia muitas

aproximações teóricas e metodológicas sobre o tema específico. Mas para Rüsen

(2006), a Didática da História para investigar os meios públicos deveria andar em

plena conexão com as outras ciências que investiga.

Em terceiro lugar, também entre as discussões principais sobre o ensino e

aprendizado de História, era o estabelecimento de objetivos da educação histórica e

descobrir como estes objetivos têm sido alcançados. Apesar de muitos defenderem

a ideia de que o objetivo da Didática da História era a emancipação dos homens e

mulheres através do saber histórico, para outros historiadores como Rüsen, esse

objetivo não era próprio da discussão histórica, pois “ele estava muito ligado a outras

ciências sociais e à educação política geral”. (Ibidem, p.14).

O quarto ponto mais abordado pelos pesquisadores da Didática da História na

Alemanha Ocidental da década de 70 era: a análise da natureza, função e

importância da consciência histórica. O debate girava em torno de estabelecer

funções e objetivos para a consciência histórica dentro do ensino e aprendizado de

História. Apesar de ser um ponto onde a discussão entre os historiadores alemães já

tinha avançado em relação a outros temas, mas que acaba sendo definido segundo

as concepções individuais de cada intelectual.

Outra mudança ocorrida na definição de Didática da História foi a sua

localização disciplinar científica. O ensino de História que era visto como um

conjunto de método e técnicas, que se localizava bem próximo a Pedagogia, foi

ganhando no início das mudanças, uma personalidade interdisciplinar. Muitos

intelectuais como Klaus Bergmann (1989), Rüsen (2006) e Annette Kuhn (1977)

defendiam que a Didática da História não podia ser uma disciplina localizada

somente na Pedagogia ou na Ciência Histórica. Mas sim uma Ciência que usa

elementos tanto da Ciência da História como da Pedagogia.

Page 22: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

22

Porém, segundo Saddi (2010, p. 73), na década de 70 a definição de uma

Didática da História como subdisciplina da Ciência Histórica foi se tornando

predominante. Em 1974, essa concepção aparece pela primeira vez em um grupo

de estudo do Encontro de historiadores da Associação dos historiadores e

historiadoras da Alemanha de Braunschweig. Que em 1976, deixou mais explicito

suas preocupações em torno da “Teoria da História, Pesquisa e Didática da

História”.

Contudo, incluir a Didática da História como uma subdisciplina da Ciência da

História, mais do que uma mudança conceitual e metodológica. Também alterava a

responsabilidade da formação do professor de história, que por muitos anos se

concentrou nas áreas de Pedagogia.

Assim, como uma subdisciplina da Didática da História, que investiga a

consciência histórica em toda sociedade. O ensino e aprendizado de História

começaram a ganhar novamente sua relação com a vida prática, por permitir uma

melhor relação dos homens e mulheres com o passado, resultando em um presente

e futuro orientado e planejado reflexivamente. Dando a humanidade o direito de ser

dono de seu próprio futuro.

1.2. A mudança de paradigma na Didática da História alemã

Dois autores que contribuíram de forma significativa para a mudança de

paradigma da Didática da História alemã na década de 60 e 70 foram Klaus

Bergmann (1989) e Jorn Rüsen (2007). Porém, é importante compreender que

estes não foram os únicos autores alemães que trataram sobre o tema do ensino de

História na Alemanha Ocidental, mas sim, um dos poucos que tem suas obras

traduzidas para o português. Assim como Rüsen, também, não foi o “formulador de

uma concepção única e individual” sobre a consciência histórica. Diversos

historiadores auxiliaram na transformação conceitual a respeito da Didática da

História e o conceito de consciência histórica. Entre eles podemos citar alguns:

Pandel, Schörken, Jeismann e vários outros. (SADDI, 2014, p.134-135)

Page 23: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

23

Os grupos de historiadores que articulavam em torno da constituição de uma

nova concepção de Didática da História não eram homogêneos e se dividiam por

diferenças políticas. Havia aqueles denominados de esquerda, que acreditavam em

seu caráter emancipatório (“didática da história crítico-comunicativa”), como Annette

Kuhn. Assim como, aqueles mais a direita com posições liberais-conservadoras

(“didática da história teórica da formação”), defendida por Joachim Rohlfes. E

também o movimento de centro, que se organizou em torno do conceito de

consciência histórica, sendo Rüsen um dos representantes desse grupo.

Podemos falar que o conjunto de esquerda, segundo Saddi (2014), era

composto por Pandel, Bergmann e Annette Kuhn. E defendiam uma Didática da

História que tivesse compromisso com a emancipação dos homens e mulheres,

através do ensino de História que derrotasse as condições históricas de opressão.

Já no grupo de direita, perto de Rohfels, se encontrava Jeismann. Rohfels

acreditava que a Didática da História poderia contribuir com desenvolvimento da

sociedade, as reformas seriam feitas cautelosamente e sem a necessidade de

revoluções. O centro, representado por Rüsen, era articulado em volta da

consciência histórica e aprendizagem histórica. Porém, isso não impedia que grupos

de esquerda utilizasse o conceito de consciência histórica para fortalecer o caráter

emancipatório, já que muitos deles abraçavam uma concepção diferente de

consciência histórica.

Bergmann e Pandel, por exemplo, não compartilhavam o conceito de Rüsen

sobre consciência histórica, segundo Saddi (2014, p.139) eles acreditavam que a

consciência histórica era o resultado “(...) da recepção de toda forma da História (...)

na consciência dos indivíduos e coletivos”. Visão que Rüsen discordava por julgar a

consciência histórica uma “reconstrução narrativa do próprio homem”.

Outro ponto de discordância entre Rüsen e Bergmann, era sobre o objeto de

pesquisa da Didática da História. Rüsen defende a ideia de que o objeto de

investigação da Didática da História é o aprendizado histórico, que defini como os

processos de interpretações de experiências relacionadas com o passado e que

resultam em narrativas históricas. Todavia, não deixa de dar importância à

consciência histórica para o ensino e aprendizado de História, pois o “(...)

aprendizado histórico é uma das dimensões e manifestações da consciência

histórica”. (2006, p.16)

Page 24: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

24

Deste modo, no momento que o aprendizado histórico passa a ser objeto de

pesquisa da Didática da História, o ensino e aprendizado de História retomam seu

lado reflexivo sobre a vida prática, pois a consciência histórica não se limita

unicamente ao ambiente escolar, ela se amplia a todas as produções históricas

feitas na sociedade, jornais, revistas, programas de televisão, cinema, etc. Assim

como, passa a dialogar com a Ciência da História, primeiro por que usa o conceito

de consciência histórica, que exige análises e estudos científicos relacionados com a

Ciência Histórica, para entender profundamente como se dá o processo de

constituição da aprendizagem histórica. Segundo, por que a História realizada pelos

profissionais também é norteadora de uma consciência histórica.

O aprendizado de história transforma a consciência histórica em tema de didática da história. ⁸ Vale lembrar que os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos aprendizes, nos quais a consciência histórica desempenha um papel. Abre-se assim o objeto do pensamento histórico para o vasto campo da consciência histórica, e a didática da história caiu nas malhas da teoria da história⁹. (RUSEN, 2007, p.91)

O contrário também ocorre, a aproximação da teoria da história com a

Didática da História também é necessário para Rüsen:

Inversamente, a teoria da história aproxima-se forçosamente da didática da história. Quando as carências de orientação, que emergem das situações extremas da vida concreta no tempo, são transformadas em motivos para a obtenção de conhecimento histórico, não se pode evitar que essas carências possam (devam) ser entendidas nas diretrizes curriculares e nos programas de ensino escolar. (Ibidem)

A consciência histórica faz a ligação entre o agir da vida prática com o

aprendizado e ensino da História, cabendo à Didática da História saber como se

constitui o pensamento histórico. E para tal, é extremamente importante saber como

a mídia e os discursos políticos influenciam na consciência histórica, pois sendo o

ensino de história um importante fator de construção de identidade, as

manifestações extraescolares podem acabar preenchendo as carências de

orientação das pessoas com produções históricas simplistas, que impedem uma

auto-reflexão crítica para o convívio social.

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25

É nesse momento que a Ciência da História se apresentaria para a Didática

da História, ela ofereceria as bases científicas para um ensino de História mais

racionalizado, que supriria as carências de orientações e permitiria uma maior

reflexão para o dia-a-dia das pessoas. Ao mesmo tempo a Ciência da História teria a

tarefa de preservar as construções históricas dos abusos políticos através da

importância que lhe é atribuída no discurso histórico. (RÜSEN, 2007, p.86).

Para Rüsen (2007) não se pode deixar as perspectivas da Didática da História

tão restrita à metodologia de ensino e aprendizado de história dentro da sala de

aula. Essa concepção de Didática da História afasta o caráter científico e prático do

ensino de historia, assim como traz problemas para a formação histórica das

pessoas, entendendo por formação:

(...) o conjunto das competências de interpretação do mundo e de si próprio, que articula o máximo de orientação do agir com o máximo de autoconhecimento, possibilitando assim o máximo de auto realização ou de esforço identitário. Trata-se de competências simultaneamente relacionadas ao saber, à práxis e à subjetividade. (RUSEN, 2007, p.95)

Já para Bergmann (1989) a Didática da História tem na consciência histórica

seu objeto de pesquisa. Sendo seu objetivo principal, investigar qual tipo de

consciência relacionada com o passado está sendo produzida socialmente. A

consciência histórica é usada como um objeto que pode traduzir o modo como o

coletivo pensa historicamente. Somente assim a Didática da História vai poder

viabilizar uma consciência histórica que certifique uma harmonia entre os diversos

tipos de identidade, essa seria uma das tarefas empíricas da Didática da História

ampliada.

A Didática da História se preocupa, ao mesmo tempo, com o fato de possibilitar uma consciência histórica, constituída de tal maneira que garanta uma identidade ou identificação do individuo com a coletividade na evolução dos tempos, favoreça uma práxis social racionalmente organizada e compreenda a História como um processo, cujos os conteúdos e qualidade humanos podem ser melhorados pela ação e intervenção dos agentes históricos. Com isso, ela pressupões que a consciência histórica esteja condicionada socialmente e leve a ou frutifique efeitos sociais. (BERGMANN, 1990, p.31-32)

Ao fazer esse movimento de analisar e orientar a práxis humana com os

conhecimentos históricos, a Didática da História vai além da simples pesquisa

Page 26: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

26

descritiva. E se compromete, também, com a validação de produções históricas

feitas fora da sala de aula. Conforme Bergmann (Idem):

Mesmo nessa tarefa empírica de investigação, a Didática da História nunca está orientada numa dimensão exclusivamente descritiva mas, pelo contrário, investiga esta consciência histórica na intenção de impedir que se transmita ou amplie orientações práticas ou motivações e práticas historicamente superadas. A partir dessas intenções, a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História.

Como afirma Bergmann, a Didática da História possui função de investigar

todo tipo de consciência histórica produzido nas escolas e fora dela. O que inclui

como “objetos, também todos os veículos e meios de comunicação que contribuem

na formação da consciência histórica” (BERGMANN, 1989, p.32), indo de revistas,

museus, livros didáticos, jornais, teatros, cinema, propagandas ou qualquer outro

meio de elaboração de discursos históricos. Somente desta forma é possível a

Didática da História entender qual tipo de consciência histórica é predominante na

sociedade.

Por consequência, fazer da consciência histórica seu objeto de pesquisa faz,

com que a Didática da História ganhe um compromisso com a Ciência da História,

pois somente ela, com seus métodos científicos, possui condições de validar os

diversos discursos históricos produzidos pelos meios de comunicação. A Didática da

História também garante a Ciência da História “se opor ao perigo da Ciência

Histórica se isolar das necessidades legítimas de uma orientação histórica daquela

sociedade que, em ultima análise, a sustenta”. (BERGMANN, 1989, p.34).

Para que a Didática da História tenha sucesso em sua investigação da

consciência histórica e possa oferecer orientações históricas racionalmente

produzidas, Klaus Bergmann defende a necessidade de tarefas que possibilitem

uma reflexão histórico-didática: a tarefa empírica, a tarefa reflexiva e a tarefa

normativa da Didática da História. (BERGMANN, 1989, p.29).

A tarefa empírica da Didática da História teria compromisso em investigar “o

que é apreendido no ensino da História”. (BERGMANN, 1989, p.29). Ou seja, o que

está sendo captado como história, isso inclui qualquer experiência onde a

consciência histórica é influenciada. Assim o cenário de investigação da tarefa

empírica é bastante amplo e não se resume só a mídia ou o ensino de história nas

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27

escolas, mas também as experiências não propositais que de algum modo atuam na

consciência histórica.

A segunda tarefa da Didática da História é a reflexiva, ela tem por objetivo

investigar a produção histórica dentro do âmbito científico. Se preocupando em

analisar os resultados das pesquisas históricas feitas pela Ciência da História e o

impacto desses resultados na vida prática das pessoas.

A terceira e última tarefa é a normativa, ela se ocuparia de fundamentar,

através da Didática da História, o ensino de História. Segundo Klaus Bergmann

sobre a tarefa normativa (1989, p.31):

(...) a didática se ocupa sobretudo com a fundamentação da disciplina da História no ensino, no contexto histórico e social, e com a educação e formação intencionais nelas contidas. Trata também, por outro lado, da exposição/representação da História feita pelos mass-media e meios de comunicação de massa, como, p.ex., filmes, televisão, vídeo, rádio e imprensa. A Didática da História procura também explicitar os pressupostos, condições e metas na aprendizagem da disciplina específica da História, os conteúdos a serem transmitidos, os métodos e as categorias e as possibilidades de estruturação dos conteúdos a partir das categorias didaticamente escolhidas na Ciência Histórica e analisa também as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora da escola.

Portanto a Didática da História para Bergmann (1989), assim como para

Rüsen (2007), é inseparável da Ciência da História. Juntas elas oferecem à

sociedade orientações de sentido no agir historicamente da vida prática,

possibilitando uma maior reflexão diante das narrativas produzidas pelos meios de

comunicação. Porém, isso não significa que a Didática da História deva perder sua

preocupação com as problemáticas metodológicas do ensino de História. Em suma,

para Bergmann, a Didática da História nunca deixou de ser uma disciplina

preocupada com a didática, ela somente ampliou seus campos de atuação às áreas

da vida cotidiana e as salas restritas das academias universitárias, e voltou a se

preocupar com seu caráter prático para as pessoas, e na “formação de uma

identidade orientada racionalmente” (BERGMANN, 1989, p.38).

Mesmo defendendo conceitos diferentes de consciência histórica, e

possuindo ideias distintas sobre o objeto da Didática da História. Rüsen e Bergmann

se aproximam quando dão a Didática da História um caráter científico, ao mesmo

tempo em que acreditam na importância dos saberes de outras ciências para o

ensino de História. Localizando a Didática da História em um campo interdisciplinar,

Page 28: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

28

entre a Ciência da História e a Pedagogia. Posição defendida, também, por Annette

Kuhn.

Porém uma visão oposta começou a surgir e se tornar predominante na

década de 70. Jeismann (1977), por exemplo, defendia que a uma Didática da

História que têm a consciência histórica como seu objeto de pesquisa, possuía uma

“Função Didática Básica da História”. Que conforme Saddi (2010, p.74), que cita

Jeismann, “quer-se dizer que qualquer afirmação sobre o passado tem um elemento

didático inerente”. Que significa que qualquer discurso histórico, científico ou não,

tem efeito sobre nós no presente, pois qualquer relação com o passado se

transforma em orientação para o presente.

Desta forma, a Didática da História “lidaria com orientação temporal

inerentemente produzida pela história” (Ibidem, p.75). Sendo o meio profissional do

historiador produtor de narrativas históricas, de pensamentos históricos, a Didática

da História por consequência, deveria ser uma subdisciplina da Ciência da História.

É como subdisciplina da Ciência Histórica, que Jeismann acredita que a Didática da

História pode atingir toda sua potencialidade, investigando a consciência histórica

predominante, e proporcionando através da racionalidade da Ciência Histórica, uma

orientação reflexiva para o presente.

De toda forma, independentemente das posições defendidas por cada

intelectual alemão, a Didática da História da década de 70 já não era mais a mesma,

sua funções, objetivos e campo de atuação sofreram uma ampliação. Agora a

investigação da consciência histórica permitia uma preocupação com qualquer tipo

de produção sobre o passado feita extraclasse, o ensino e aprendizagem de História

começam a se questionar sobre a consciência histórica predominante na sociedade.

E a partir disso, usando da Ciência Histórica e suas metodologias, validar estes

discursos públicos, e garantir uma melhor orientação na vida prática.

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29

Capítulo 2 – A mudança paradigmática na Didática da História

brasileira

Com tantos meios de aprender história fora da sala de aula, é inadmissível

que a Didática da História, uma disciplina que tem por função o ensino e

aprendizado de História, se negue a refletir sobre sua própria essência. Ainda mais,

em uma realidade onde as tecnologias de comunicação estão largamente difundidas

no cotidiano da sociedade, realidade que só tende a expandir nos próximos anos.

Dentro desta ótica, a Didática da História não pode fugir dos dilemas

relacionados com seu exercício, deve, ao contrário, raciocinar sobre os problemas

que se apresentam e se necessário expandir seus limites e objetos para além das

metodologias do ensino escolar. É nesse movimento que estudiosos brasileiros

como Oldimar Cardoso (2010), Luiz Fernando Cerri (2001, 2004 e 2010), Maria

Auxiliadora Schmidt (2004,2006 e 2009), Ana Claudia Urban (2009) e Rafael Saddi

(2010, 2012 e 2014) começaram a refletir sobre a Didática da História brasileira.

Primeiro é necessário compreender como foi construído o código disciplinar

do ensino de História no Brasil e o processo que resultou na pedagogização da

Didática da História brasileira. Buscando analisar brevemente as mudanças

relacionadas ao ensino e aprendizado de História no Brasil durante todo século XX,

entendendo como o contexto alterou os objetivos do ensino de História e levou sua

aproximação de outras áreas, como a Pedagogia.

Em segundo, é importante entender como surgiu uma preocupação por parte

dos historiadores brasileiros em incluir o conceito de consciência histórica na

Didática da História. Concomitantemente, também é através da consciência

histórica, que o ensino e aprendizado de História sofrem profundas mudanças na

sua estrutura. Esse aspecto foi observado por Luiz Fernando Cerri (2010), que

defende que o Brasil vem passando por uma “mudança paradigmática” na Didática

da História.

Porém, que mudanças estruturais são estas? E que ampliações elas trazem

sobre o conceito de Didática da História? Seria a consciência histórica o objeto da

Didática da História? Se sim, o campo de preocupação da Didática da História

sofreria alguma alteração? E como isso afetaria sua localização como disciplina

científica?

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30

Podemos dizer que o conceito de consciência histórica trouxe três

importantes alterações na Didática da História brasileira, todas conectadas entre si.

A primeira mudança é o objeto de pesquisa da Didática da História, a segunda está

relacionada com seu campo de pesquisa e a terceira com a posição que ocupa

dentro do espaço disciplinar científico. Dessa maneira, para entender melhor suas

transformações é necessário discorrer sobre cada uma separadamente.

2.1. Breve análise sobre a construção do código disciplinar

brasileiro

A Didática da História no Brasil estava voltada para instrução das

metodologias de ensino e aprendizado dentro de sala de aula e sem nenhuma

preocupação prática com os discursos históricos no ambiente público. Todavia

estamos vendo nos últimos anos uma reação a essa presente concepção de

Didática da História. Influenciados pela Didática da História alemã, historiadores

brasileiros veem derrubando os muros da antiga definição de Didática da História e

mostrando até onde o ensino e aprendizado de História pode auxiliar na construção

de uma sociedade mais racional.

Em primeiro lugar é importante entender como a Didática da História ganhou

o caráter pedagógico em toda sua trajetória. O atual modelo da Didática da História

se resume a uma tradição de ensino e aprendizado de História no ambiente escolar.

Ou seja, a instrução e formação do ensino de História presente foram construídas

durante décadas de atuação em sala de aula e, suas técnicas, regulamentos e

discursos foram moldados durante o dia a dia dos professores de História dentro da

escola, que no final constrói o que Fernandez Cuesta chama de “código disciplinar”.

Segundo Cuesta (apud SCHMIDT, 2009, p.206).

El código disciplinar de la História es, por tanto, una tradición social que se configura historicamente y que se compone de um conjunto de ideias, valores, suposiciones e rutinas, que legitiman la funcion educativa atribuída a la História y que regulam el orden de la práctica de su enseñanza. Alberga, pues, las especulaciones y retóricas discursivas sobre su valor educativo, los contenidos de sua enseñanza y los arquétipos de práctiva docente, que se suceden en el tempo y que se consideran, dentro de la cultura dominante, valioso e legitimo. En suma, el código disciplinar

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compreende lo que se dice acerca del valor educativo de la Historia, lo que se regula expressamente como conocimiento histórico y lo que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones, prácticas y contenxtos escolares impregnam la acción institucionalizada de los sujetos profesionales (los profesores) y de los destinatários sociales (los alumnos) que viven y reviven, en sua acción cotidiana, los usos de educación histórica de cada época. Usos que, naturalmente, no son ajenos, todo lo contrario, a la lógica de producción y distribución del conocimiento [...]. (FERNÁNDES CUESTA, 1998, p.8-9).

Cuesta usou o conceito de código disciplinar para investigar as disciplinas que

eram ligadas ao ensino e aprendizagem em História e chegou à conclusão que,

historicamente, o código disciplinar da Didática da História poderia ser estudado

através de “textos visíveis”, como currículos, legislações sobre a educação, manuais

e pelos programas escolares. Como também por “textos invisíveis”, como, por

exemplo, as experiências pessoais dos professores dentro da sala de aula (URBAN,

2009, p.31).

É seguindo o conceito de código disciplinar de Fernándes Cuesta, que alguns

pesquisadores da área de História, como Maria Auxiliadora Schmidt e Claudia

Urban, começaram a usar documentos (“textos visíveis”, como currículos, manuais

de professores) para investigar a elaboração do código disciplinar de História no

Brasil. Tais autoras tinham o intuito de entender as etapas de construção da Didática

da História, os discursos dominantes presentes no ensino de História e quais eram

os objetivos a serem atingidos com determinado tipo de ensino. Porém, no Brasil o

estudo desses documentos não ficou restrito apenas às disciplinas chamadas de

Didática da História, pois havia várias designações cabíveis ao termo.

No Brasil, essa disciplina tem aparecido, historicamente, com várias denominações, como Didática da História, Metodologia do Ensino de História e Prática de Ensino de História, nos cursos de licenciatura, destinados à formação do professor de História. (SCHMIDT, 2006, p.711)

Segundo Nadai (apud SCHMIDT, 2004, p. 190) o “marco institucional

fundador o Regulamento de 1838 do Colégio D. Pedro II” foi um dos fatores que

“determinou a inserção dos estudos históricos no currículo”. A história aparece

nesse período como uma importante ferramenta de criação de uma nacionalidade.

Através da elaboração de uma “história comum” a todos se desejava formar e definir

uma identidade nacional para o Brasil. É nesse contexto que se começa a elaborar a

história como disciplina escolar e consequentemente o código disciplinar da História.

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32

Assim, o processo de construção da História como disciplina escolar inseriu-se, a partir da segunda metade do século XIX, no próprio movimento de construção e consolidação do Estado Nacional, no bojo dos embates entre monarquistas e republicanos e da necessidade de definição de uma identidade nacional. A proclamação da República, em 1889, explicitou a importância da História, principalmente a História do Brasil, para a formação de um determinado tipo de cidadão. Este processo consolidou-se com a Revolução de 1930, no movimento de defesa da importância da educação para a formação do cidadão e o desenvolvimento do país. (SCHMIDT, 2006, p.715)

Foi analisando as obras de um dos maiores educadores de história do

começo do século XX, Jonathas Serrano, que Maria Auxiliadora Schmidt (2004) nota

uma aproximação do ensino de História com a Pedagogia. Em um contexto que

passava por uma crise de identidade cultural, onde vários movimentos como a

Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, a greve de 1917 e a Semana de Arte

Moderna em 1922 contestavam e punham em xeque a criação de uma identidade

única, pensadores acreditavam na educação como maneira de fortalecer as diversas

identidades regionais em apenas uma, a brasileira. A educação passou a

representar, para muitos o remédio para as doenças da sociedade brasileira. Para

isso era necessário reformas que estruturassem e preparassem o Brasil para

mudanças.

Paralelamente à crença no poder regenerador da educação explicita-se a crença de que deveriam ser promovidas mudanças, reformas e reformulações do modelo pedagógico existente, o que foi chamado de “otimismo pedagógico”. Esse movimento esteve fortemente marcado pelo ideário da Escola Nova, inspirando reformas estaduais de escolas primárias, práticas escolares experimentais e a produção de obras pedagógicas que valorizavam principalmente o conhecimento da evolução psicológica do educando e a aplicação dos processos intuitivos do ensino (SCHMIDT, 2004, p.195).

A produção de obras com o intuito de renovar a educação aumentou durante

o início do século XX, e elas se dividiam em duas vertentes principais, segundo

Schmidt: “Em sua maioria apresentam a educação como instrumento de

regeneração social; o segundo conjunto trata de obras de pedagogia em geral,

produzidas por especialistas que procuram realizar análises técnicas e científicas

sobre questões educacionais. (2004, p.195)” Jonathas Serrano se encontrava dentre

os que se preocupavam com as formulações metodológicas do ensino de História,

buscando métodos e tecnologias que serviriam para uma melhor aprendizagem do

aluno. Apesar de ser crente que o ensino de História era uma preparação para a

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33

vida do aprendiz, seu objetivo e esforço foram na direção de criar melhores

maneiras de se ensinar História. Conforme Jonathas Serrano, citado por Schmidt

(Ibidem, p.196):

O desconhecimento dos bons methodos não acarreta apenas sensível perda de tempo, prejuízo alías já não despiciendo; traz ainda a fadiga, produz o tedio e quasi sempre gera aversão crescente a matéria mal ensinada. O mau mestre consegue tornar odiosa a sua disciplina. Ao contrario o professor familiarizado com todos os variadíssimos recursos dos modernos processos pedagógicos opera verdadeiras maravilhas, vence as mais obstinadas antipathias e logra fazer, do que seria aridez e cansaço, um esforço agradavel, synonymo quasi de prazer23.

Em 1931, após a Revolução de 30, o ensino de História dá outra guinada

rumo à pedagogização. Agora não haveria apenas a preocupação de construir um

ensino de História mais preocupado com as metodologias, isso já estava sendo feito,

o que ocorre neste momento é a formalização e consolidação do ensino e

aprendizado de História como parte indissociável das metodologias de ensino, ou

seja, houve uma aproximação oficial da História com a Pedagogia. Um dos

principais motores a “... grande novidade da Reforma Francisco Campos, de 1931, à

introdução das Instruções Metodológicas” (SCHMIDT, 2006, p.716). Agora não

haveria saída, a metodologia de ensino de disciplinas era o centro de obsessão dos

estudiosos, que “enfatizavam a renovação metodológica como o caminho para a

construção de um ensino necessário à formação do cidadão mais crítico”.

(SCHMIDT, 2004, p.205)

É a partir da década de 70, segundo Ana Claudia Urban (2009), que cita

Oliveira, que o ensino de História começa a ser aos poucos o objeto de pesquisa de

acadêmicos:

Historicamente, as universidades no Brasil pouco se voltaram para a questão do ensino. Na pesquisa histórica e sobre o ensino de História, não foi diferente. O ensino de História foi visto, até a década de 60, como área de formação, não como objeto de pesquisa.[...]Conseguëncia natural desse distanciamento na formação inicial do professor, o ensino também não se configura como objeto de pesquisa nos programas de pós-graduação. Afinal, a Academia também tem seus temas e objetivos de estudo considerados nobres. Um tema, cujo principal profissional é tão desvalorizado socialmente, não poderia ocupar espaços privilegiados nos projetos de pesquisa.[...]Foi, portanto, pós-década de 70, que as preocupações com a formação do professor, de ensino de história e seus correlatos, passam a fazer parte, como objeto de reflexão, análise e pesquisa, de uma forma mais enfática,

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no universo dos licenciados, bacharéis e pesquisadores de História, em geral.A ANPUH espelha o encaminhamento dado pela categoria. A partir de 1977, é posta a discussão e, nos dois Simpósios seguintes (1979 e 1981), consolidaram-se todas as ações necessárias para incluir no quadro de sócios da entidade de professores dos outros níveis de ensino, além de professores universitários. (OLIVEIRA, 2003, p. 38, 41 e 48).

Apesar da Didática da História ganhar uma maior visibilidade dos cientistas

históricos, isso não alterou seu status anterior, pois ela ainda fazia da metodologia e

da transmissão dos conhecimentos históricos sua base central.

Em primeiro plano se formalizou o ensino da disciplina de História com a

intenção de criação de uma identidade nacional e construir um cidadão exemplar.

Após a Revolução de 30, com a Reforma Francisco Campos, o que se viu foi uma

educação voltada para formação de pessoas mais críticas, porém sem perder de

vista o civismo, a intenção de criar um cidadão consciente de sua importância na

construção de país mais forte. Com a ditadura militar não foi diferente, o objetivo

ainda era a de formar o cidadão comprometido com os atos cívicos ensinados a ele.

Porém quando a ditadura militar cai, e um processo de redemocratização se inicia, a

Didática da História se encontra em uma nova crise. Segundo Cerri (2010, p.266):

Há uma crise atual no ensino de História que persiste no Cone Sul. Com o fim das ditaduras militares, não se admite mais que o ensino de História continue sustentando na Doutrina da Segurança Nacional, que aliás havia se apropriado muito eficazmente dos esquemas de produção ideológica e afetiva de civismo, dentro da sua versão escola. Superadas as ditaduras, a crise de identidade social que se manifesta no ensino de História pode ser traduzida na seguinte pergunta: qual indivíduo queremos forma, para qual projeto de nação?

Para Luiz Fernando Cerri, reafirmar as posições das décadas anteriores e

usar Didática da História como moldadora de atitudes cívicas, com o objetivo de

construção de uma pátria mais forte, já não produz sentido para nossa realidade,

pois:

Entre vários pesquisadores, Christian Laville duvida que o ensino de História continue tendo essa importância ou sendo capaz de promover a formação sólida dessas atitudes. Parte do motivo está no fato de que até as atitudes cívicas não são mais as que se esperava do cidadão de meados do século XX6. Se a História ensinada não é mais o locus privilegiado da formação do cidadão – (será que um dia já foi?) – aprende-se em outras instâncias e de outras maneiras, que não formalmente e/ou na escola. Essa consciência é um dos fatores que ajudam a descolar o papel e o perfil da Didática da História na contemporaneidade. (CERRI, 2010, p.266)

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35

Levando em conta a noção citada por Cerri, o ensino de História não serviria

mais a formação de um cidadão responsável com seus deveres públicos, até por

que não era apenas a escola e os educadores que se encontravam livres das

censuras da ditadura militar. Os meios de comunicação agora também se viam

abertos e prontos para dispararem informações de todo caráter, o que foi

potencializado pela internet e sua possibilidade de livre divulgação de informações,

permitindo que indivíduos apreendam história por outras fontes. E não raro,

podemos encontrar pessoas que tomam atitudes opostas daquelas desejadas pelos

educadores em história das décadas anteriores.

Quem seria o bom cidadão, o modelo ao qual os professores de história, as escolas e os movimentos deveriam dirigir seus esforços? Decerto não é mais aquele que apoia os governos, entendendo-os como encarnação da nacionalidade. Pelo contrário, ir contra os governos não raro é um ato de civismo, mesmo com tantos governos colando sua imagem à ideia da própria nação. (CERRI, 2010, p.267)

Com a difusão de todos os meios de comunicação como internet, tvs, rádios,

jornais, revistas, filmes, músicas, livros, teatros, etc., a história agora não está presa

apenas à sala de aula e às academias universitárias. Qualquer acontecimento

histórico agora é facilmente registrado em um simples acesso pelos celulares

contemporâneos. Construções de conhecimentos históricos aprendidos dentro das

salas de aulas são desconstruídas e negadas por fontes como revistas e jornais, que

também podem ser desconstruídas por uma terceira, quarta ou quinta fonte, vinda

de qualquer direção. O problema não se trata das várias possibilidades de aprender

história, nem das concepções e ideais que estas fontes carregam, mas sim da

validação dessas diante da Ciência da História, que possui a competência de lidar

de modo científico com todo tipo de conhecimento histórico. É nesse contexto que a

Didática da História ampliada aparece como uma solução de orientação às pessoas

diante das produções históricas feitas em qualquer área da sociedade.

Page 36: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

36

2.2. Consciência histórica como objeto de pesquisa da Didática da

História brasileira

Segundo Rafael Saddi (2012, p.212) a visão padrão da Didática da História

reduz as questões de ensino e aprendizagem da história à elaboração de

metodologias e técnicas de ensino, se preocupando em como ensinar melhor e

transmitir o conteúdo de uma maneira onde o aluno aprenda mais facilmente. Ou

seja, “ela é a área que se preocupa com o modo como os professores devem

ensinar História na sala de aula”. Assim restringe seus objetivos e funções à criação

de técnicas, métodos e instrumentos para o ensino e aprendizado em História no

ambiente escolar.

Contudo, sabemos que o fato de aprender História nos dias atuais não está

mais relacionado exclusivamente ao recinto escolar. Fato que obriga a Didática da

História a sair de sua toca e procurar investigar também as narrativas históricas

extra classe. É neste momento que o conceito de consciência histórica se apresenta

essencial para o ensino e aprendizado de História, pois permite a compreensão do

que se aprende sobre História fora da escola.

Uma Didática da História que não se preocupe com produções históricas

feitas além-sala de aula, é incompleta em sua tarefa essencial: entender o modo

como a história orienta o agir humano no presente. Deste modo a consciência

histórica deixa de ser apenas um conceito comumente usado na Teoria da História,

para virar o objeto de uma Didática da História ampliada.

(...) a Didática da História tem como objeto este elemento didático de todas as histórias. Isto é, ela analisa a Consciência Histórica predominante em uma sociedade. (JEISMANN, 1977). Ou, para ser mais claro, ela investiga o modo como as interpretações do passado produzem orientações no presente e projeções de futuro. (SADDI, 2010, p.75)

Fica claro que para Saddi (2010), assim como Jeismann, que a consciência

histórica é o objeto da Didática da História, pois ela permite entender como as

produções históricas feitas pela sociedade estão formando orientações de sentido

para o presente e suas projeções de futuro.

Nesse sentido, também seguindo as concepções de Jeismann, Saddi (2012,

p.214) defende que sendo a consciência histórica objeto da nova Didática da

História, ela teria três tarefas essenciais: “morfologia, gênese e função da

Page 37: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

37

consciência histórica”. A primeira, chamada ‘Morfologia da consciência histórica’,

teria o objetivo de analisar e compreender como os homens se relacionam com as

narrativas históricas, buscando compreender como a consciência história está

sendo formada no interior da sociedade. Já a ‘gênese’ busca estudar como se

constitui as consciências históricas dominantes. A ‘função da consciência histórica’

por outro lado, importa-se em investigar qual é a importância dessas consciências

históricas para suas orientações no presente.

Oldimar Cardoso (2008), assim como Saddi, acredita que a consciência

histórica é objeto de pesquisa da Didática da História. Porém, ela é compreendida

apenas quando analisada dentro da cultura histórica, que é, segundo Oldimar (2008,

p.158-159), que cita Pandel, “a forma como uma sociedade lida com seu passado e

sua História”, ou ainda para Rüsen, “a cultura histórica é uma forma específica de

experimentar e interpretar o mundo, que descreve e analisa a orientação da prática

de vida (...)” sendo para ele um fenômeno da modernidade. Isto posto, fica evidente

que a cultura histórica também não se resume, para Oldimar, estritamente ao

ambiente escolar, mas a todas as áreas da sociedade que lidam com produção

históricas, isto é, todos os meios por onde se pode aprender história sem forma

científica.

Por conseguinte, para se compreender a consciência histórica, na visão de

Oldimar (2008), seria necessário analisar as produções da cultura históricas feitas

em todos os meios, fora o científico. Assim, “cultura histórica é a forma de expressão

da consciência histórica”. (2008, p.159). Desse modo, o que acontece, ainda é a

investigação da consciência histórica nos ambientes coletivos sem caráter científico.

Outro grande historiador que se preocupa com a investigação da consciência

histórica como objetivo da Didática da História é Luiz Fernando Cerri. Para ele a

consciência histórica é um fenômeno construído socialmente, sofrendo constantes

mudanças diante das experiências da vida, que alteram nossas perspectivas de

orientações históricas. Sendo o ensino de História uma das experiências que mais

intervém na construção dessa consciência história, é finalidade da Didática da

História, através do ensino de História, produzir consciências históricas que

proporcionem a formação de identidades razoáveis e não excludentes. Sobre a

inclusão do conceito de consciência histórica, Cerri discorre sobre as

transformações dos objetivos:

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38

A formação da consciência histórica é fenômeno social com múltiplos elementos e variáveis. Ao considerar o conceito, dimensiona-se o efetivo papel da disciplina de história na escola, ou seja, o de um dos fatores intervenientes nesse fenômeno. Assim, a Didática da História passa a exigir um redimensionamento, também, dos objetivos disciplinares, deixando para trás as listas de conteúdo como centro do debate. Esse centro passa a ser a preocupação com a identidade de quem receberá a ação do professor de história. Num contexto de crise de todos os grandes sistemas explicativos do tempo e que têm a pretensão de definir os destinos das pessoas, os objetivos de ensino deslocam-se para promoção de identidades que possam ser refletidas e assumidas seletiva e criticamente pelo sujeito, em vez de impostas deste fora. Em outros termos, os objetivos do ensino deslocam-se para a promoção de identidades com maior autonomia, bem como para a prevenção de identidades não-razoáveis. (2010, p.270-271)

Em conformidade com Cerri (2010), a Didática da História, tem na consciência

histórica objeto de pesquisa, pois ela carrega a chave para compreender e

transformar, através do ensino de História, as identidades dos homens. Isto é, a

Didática da História teria compromisso com a formulação de um ensino de História,

que proporcionaria uma consciência histórica voltada para a constituição de

identidades razoáveis e prevenção de identidades não-razoáveis.

Por identidades razoáveis Cerri (2010) entende que são aquelas identidades

construídas durante complexos processos cognitivos, baseando suas comunicações

e agir em reflexões criticas e racionais. Já as identidades não-razoáveis “seriam

marcadas por uma radicalização do que é, na essência, toda identidade: delimitar e

excluir”. Seriam, portanto, identidades que negam a diversidade existente na

humanidade, ou seja, não reconhece outras identidades, o que muitas vezes pode

causar reações como a exclusão ou a violência.

Outro resultado da consciência histórica para a Didática da História, segundo

Cerri trata-se de relacionar o ensino de História com outras temporalidades além do

passado. Atualmente, o ensino de História tem sido entendido apenas como uma

disciplina que lida com os fatos passados, o que resulta em uma Didática da História

preocupada exclusivamente com a transmissão dos eventos históricos. Porém, se a

consciência histórica passa ser alvo das análises da Didática da História, não só o

passado, mas o presente e o futuro, também, passam a ser fundamentais para o

ensino de História.

Segundo Cerri, somente compreendendo como o passando, presente e futuro

se vinculam é possível construir uma identidade razoável, entendendo que a

humanidade constrói a sociedade historicamente. Isso é importante, pois, só assim

os homens conseguiram entender que os eventos passados tiveram reflexo na

Page 39: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

39

nossa realidade, e que nosso futuro depende unicamente das nossas ações no

presente. Constituir uma consciência histórica coletiva que permita a formação de

uma identidade que perceba isso; significa para Cerri (2010, p.272), proporcionar a

sociedade o direito de construir racionalmente o coletivo em um futuro qualquer.

Abreviando: “Interferir sobre a consciência histórica significa interferir sobre as

identidades, e elas não são feitas somente de bases do passado comum, mas

também de pretensões, objetivos e sonhos”.

Sobre a consciência histórica, Maria Auxiliadora (2009) afirma que seu caráter

é o de apontar a subjetividade inserida na internalização dos indivíduos. Ao contrário

dos outros historiadores brasileiros, suas reflexões sobre a consciência histórica

estão localizadas no ambiente escolar, e não nos demais usos da história extra-sala

de aula. A consciência histórica seria um conceito da Ciência da História, usado no

ensino da história em sala de aula, que possibilitaria tanto uma continuidade no

status do agir e pensar historicamente, como também poderia ser instrumento de

intervenção e modificação das ações humanas. Dando ênfase na necessidade de se

criar uma “contraconsciência histórica”, que combata as concepções dominantes,

concedendo a possibilidade uma maior autoeducação.

Assim, se para Jorn Rüsen, a História tem uma função didática de formar a consciência histórica, na perspectiva de fornecer elementos para uma orientação, interpretação (para dentro – construindo identidades, e para fora – fornecendo sentidos para ação na vida prática), podemos, na esteira de Meszaros (2007), falar da importância da História para uma “contra-internalização”, ou uma “contra-consciência histórica”, que não se esgote na pura “negação” ou “consciência crítica” à moda de Rüsen, mas uma “contra-consciência” que abrange a situação objetiva e a reação subjetiva das pessoas envolvidas. Nesse sentido, os princípios orientadores de uma contra-consciência histórica devem ser absolutamente desatados da lógica do capital e da imposição da conformidade, incorporando, também, o pressuposto inegociável de que qualquer aprendizagem é autoeducação e inseparável da prática significativa da auto-gestão, em que os jovens e crianças sejam agentes ativos de sua própria educação. (SCHMIDT, 2009, p.205-206)

Nesse sentido, Schmidt (2009) considera que, sendo a educação histórica

interventora da consciência história, é necessária a criação de uma

“contraconsciência histórica” que combata a lógica da sociedade capitalista. Apesar

de restringir sua concepção de didática ao ensino escolar, ela defende um conceito

de ensino de História vinculado a Ciência da História, superando a pedagogização,

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40

Todavia, incluir a consciência histórica como objeto da Didática da História,

garantia a esta última, uma ligação com os princípios da História como ciência, pois

é na Ciência da História, especificamente na Teoria da História, que a consciência

histórica ganha moldes conceituais e funcionais.

A Didática da História, como disciplina que investiga a consciência da história,

já não poderia negar sua estreita ligação com Ciência da História, uma vez que, ela

precisaria recorrer constantemente aos profissionais da história para pensar os

processos de formação da consciência histórica.

Independente do ponto de vista sobre a consciência história, sua função e

objetivos, alguns historiadores na última década vem transformando as estruturas

básicas e fundamentais da Didática da História. Seja uma visão mais ao lado da

educação ou da Ciência da História, a consciência história já não é apenas restrita

às salas das universidades, ela se estende às salas das escolas e a todas as

produções e discursos históricos feitos pela sociedade, inserindo processos

reflexivos da ciência histórica. É nesse sentido, como objeto do ensino e

aprendizado de História, que a Didática da História modifica outra base de sua

estrutura: o seu campo de investigação.

2.3. Campo de investigação de uma Didática da História ampliada

Outra redução da Didática da História presente acontece em seu campo de

investigação. Atualmente ligado ao ambiente escolar, sem nenhum contato com

produções históricas fora de sala de aula. Deste modo todas as narrativas históricas

feitas, por exemplo, por jornais e revistas, ficariam de fora do alvo da Didática da

História. Deixando a consciência histórica produzida no ambiente extraclasse, fora

do campo de pesquisa.

Em segundo lugar, a didática da história reduz-se ao ensino ‘escolar’ da história. Dessa maneira, todo o processo de constituição de consciência histórica na vida pública (pelo Estado, pelos meios de comunicação, pelos museus, pela literatura etc.) é ignorado ou considerado algo que não diz respeito à didática da história. (SADDI, 2012, p.212)

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Todavia, com a consciência histórica sendo objeto de pesquisa da Didática da

História, agora o ambiente externo ao escolar não poderia ser ignorado, pois

qualquer discurso histórico produzido na sociedade pretende construir uma

orientação de sentido. Seja qual for o meio de produção da narrativa histórica, deve

ser investigado porque produz discursos históricos que podem afetar diretamente o

modo como os homens se orientam na vida prática. Assim, a sala de aula deixa de

ser ambiente exclusivo de preocupação da Didática da História e amplia seu campo

de investigação.

Uma visão ampliada da Didática da História, para Oldimar Cardoso (2008),

não se resume à investigação da consciência histórica dentro do ambiente escolar,

mas se preocupa em conhecer como se dá os processos de cognição históricos em

todas as esferas da sociedade que produzem cultura histórica, sem caráter

científico. Portanto, qualquer profissional ou atividade que tenha relação com

elaboração de cultura histórica, com exceção das academias, passa a ser alvo das

pesquisas da Didática da História, visto que a aprendizagem de história não se limita

ao círculo escolar, e que os meios de comunicação de massa também são fortes

referências para tal. Sobre isso, Oldimar (2008, p.159) discorre:

Os profissionais que trabalham com a cultura histórica são sobretudo os professores de história, mas também pode ser, entre outros, museólogos, jornalistas, escritores, letristas, roteiristas, cineastas, desenhistas, turismólogos, diretores e autores de teatro que utilizam conteúdos históricos em seus produtos e obras. Se todos esses profissionais podem ignorar a presença da História escolar em seu trabalho, o inverso não é verdadeiro para os professores de História. Isso porque tudo que tem relação com a cultura histórica – por exemplo, filmes, programas de televisão, romances históricos, peças de teatro, histórias em quadrinhos, pontos turísticos, museus, comemorações de datas históricas, revistas de divulgação científica e outros textos jornalísticos – chega às aulas de História pelas mãos dos próprios professores ou por meio de referências trazidas pelos alunos.

Se for verdade que a Didática da História empenha-se em conhecer todos os

processos de reflexão da cultura histórica feitas pelo coletivo, sem forma científica, é

falso que sua atividade dentro do ambiente escolar ainda se resuma a metodologias

e técnicas de ensino. Muito mais do que isso, a Didática da História agora não só

seria uma disciplina que elabora metodologias de ensino, como também uma

disciplina que estuda a cultura histórica dentro da própria sala de aula. Percebendo

como o vínculo aluno-professor se relaciona com o conteúdo dado em sala de aula,

e levando em consideração, também, as referências históricas externas, que são

Page 42: Didática da História e Consciência Histórica Felipe Mendes Andraos

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trazidas pelos alunos. Uma vez que, “O que ocorre na sala de aula é só uma parte

da cultura histórica, aquela chamada de História escolar, que mantém relações

indissociáveis com outras expressões dessa cultura (...)” (CARDOSO, 2008, p.163).

Em oposição a um aspecto específico da definição de Oldimar Cardoso, se

encontram os historiadores Luiz Fernando Cerri (2001) e Rafael Saddi (2012).

Ambos creem que a Didática da História investiga a consciência histórica em todos

os ambientes da sociedade, ou seja, o ensino e aprendizado de História tem que se

preocupar com todas as produções de caráter histórico produzidos em sala de aula,

na sociedade e dentro das universidades. Portanto, para eles, a Didática da História

também analisa a Ciência da História.

Uma pesquisa estudada por Cerri (2001, p.106), chamada Youth and History,

contendo pesquisadores da Alemanha e Noruega, buscou verificar o grau de

consciência história de alunos por volta dos 15 anos e seus professores. A pesquisa

foi realizada em 26 países, e teve participação de 32.000 entrevistados. Para tal foi

criado um questionário com diversos temas, que pudesse analisar nível de

capacidade desses alunos em relacionar passado, presente e futuro.

Segundo Cerri, os resultados do estudo apontaram que a influência do

professor escolar, assim como dos currículos oficiais, sobre a consciência histórica

dos alunos é limitada. Desse modo, o trabalho prova que os discentes não

aprendiam história apenas no ambiente escolar. Descoberta que reforça a

concepção de que a Didática da História não deveria se restringir ao conjunto de

metodologias de ensino escolar, mas se alargar a todos os meios onde se produz

História.

O primeiro dado é que a influência do professor de história sobre as opiniões históricas do aluno é, no mínimo, limitada, como também é limitada a influência dos currículos oficiais de história sobre o trabalho do professor e seu resultado. A pesquisa permite concluir que os elementos narrativos constantes dos currículos oficiais ou da formação que os professores recebem não passa a salvo para a opinião dos alunos. Assim, é comum encontrar opiniões divergentes sobre a história entre o âmbito oficial, incluindo aí a escola, e os alunos que se relacionam com essas esferas, o que nos conduz para a conclusão de que a formação histórica dos alunos depende apenas em parte da escola, e que precisamos considerar com interesse cada vez maior o papel dos meios de comunicação de massa, da família e do meio imediato em que o aluno vive se quisermos alcançar a relação entre história ensinada e a consciência histórica dos alunos. (CERRI, 2001, p.107)

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Assim sendo, é importante que a Didática da História se preocupe com essa

formação extraclasse, pois, a consciência histórica é uma ferramenta de

transformação identitária, e, consentir que o ensino e aprendizado de História

aconteça por outros meios não científicos é permitir que a formação da identidade

seja feita pela elite nacional.

Logo, uma Didática da História que se preocupe com a consciência histórica,

busca compreender todos os discursos históricos feitos dentro da coletividade, para

que, em dialogo com a Ciência da História, se estude a dinâmica social das

narrativas extraclasse, e entenda sua importância para a orientação de sentido na

vida prática. Fazendo isso a Didática da História não só retorna ao seu caráter

prático de orientação, como legitima sua atividade diante da sociedade que a

sustenta. (CERRI, 2001, p.109-110)

Muito semelhante à ideia de Cerri, Saddi (2012, p.215) defende que o

conceito de consciência histórica altera e amplia o campo de exercício da Didática

da História, pois ao assumir as tarefas de estabelecer a ‘Morfologia’, ‘Gênese’ e

‘Função’ da consciência histórica, e de servir como uma tarefa normativa,

especificamente, a de atuar como uma ‘Pragmática’, a Didática da História obtém

importância fundamental em três setores de estudo:

a) o ensino escolar de história, em que atua como uma didática do ensino de história; b) o uso público da história, em que se estabelece como uma didática da história pública; e c) a ciência história, em que age como uma didática da ciência histórica ou uma instância de auto-reflexão dos historiadores.

Segundo Saddi (2012), uma Didática da História que tem por objeto uma

consciência histórica se preocupa em investigar, também, o ambiente escolar, pois

tantos os professores como os alunos são formados por uma consciência histórica

gerada na coletividade externa à escola. Desse modo, a Didática da História não

seria apenas a disciplina que elabora o conjunto de metodologias para o ensino de

história, mas uma ciência que interroga essas consciências históricas do ambiente

escolar, com a finalidade de fundamentar e normatizar as funções e objetivos do

ensino de história na escola.

(...) em sua área mais desenvolvida, a didática da história lida com a teoria, a metodologia e a prática do ensino de história, em uma tarefa tanto reflexiva, quanto empírica, como normativa. Reflexiva porque se debruça sobre as condições e os fundamentos do ensino escolar de história;

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empírica porque investiga o modo como tem se dado o ensino da história, bem como as ideias históricas de alunos e professores e a relação dessas ideias sobre o passado com autocompreensão do presente e com a formulação de expectativas de futuro; normativa, porque, além de analisar como se tem dado o ensino de história, apresenta continuamente reformulações sobre o modo como se deve ensinar história (Pragmática). (SADDI, 2012, p.216)

Ao se debruçar sobre a consciência histórica na escola, Saddi dá importância

fundamental à tarefa empírica. Defendendo que, o estudo empírico permitiria um

alargamento e avanço da tarefa reflexiva e normativa, já que, através da

investigação empírica seria possível compreender como se dá o processo de

constituição da consciência histórica dentro das escolas. Resultado que permitiria a

fundamentação e construção teórica do ensino de História, assim como a

elaboração de concepções normativas para Didática da História no ambiente de

“ensino escolar da história”. (SADDI, 2012, p.216).

Já a segunda área de investigação de uma Didática da História ampliada,

seria o que Saddi (2012) chama de “didática da história pública”, que pesquisa a

consciência histórica em todos os meios de comunicação (como por exemplo, sites,

revistas e jornais), em manifestações políticas partidárias e nos meios religiosos. A

importância dessa análise é entender como o meio público produz seu discurso

histórico e qual tipo de orientação ele passa à sociedade, além de apurar qual

consciência histórica predominante, porém, abstendo-se de entendê-la como única.

Ao fazer esse movimento, de pesquisar as narrativas históricas no meio público, a

didática da história pública não só estaria agregando conhecimento sobre a

consciência histórica nesse meio, como estaria prestando um serviço social ao

“propiciar uma ampliação da percepção do passado que libera os homens para a

definição de novas relações sociais”. (SADDI, 2012, p.217).

Por último, e se opondo ao conceito de Oldimar Cardoso, Saddi (2012)

defende a ideia que a Ciência da História também é passível de análise pela

Didática da História, o que ampliaria seu campo ao ambiente profissional do

historiador. A Ciência da História auxilia a Didática da História, quando usando de

suas metodologias e técnicas científicas, dá respostas às carências de orientação

existentes na sociedade. Para isso ela estuda os significados das pesquisas

históricas científicas, revelando características implícitas nas pesquisas, assim como

reflete sobre os resultados desses trabalhos para orientação dos homens na vida

prática.

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45

A Didática da História acaba fazendo um movimento reflexivo em torno de

toda reprodução histórica na sociedade. Ela busca entender como a consciência

histórica está sendo constituída, e por isso busca tanto na escola, como no meio

público, carências de orientações que possam ser resultado dessas narrativas

históricas “públicas”. Feito isso, em contato com a Ciência da História, busca

compreender os fatores subjetivos das pesquisas científicas para aquelas carências

de orientações da realidade social, raciocinando e selecionando qual é o resultado

da pesquisa que necessita ser transmitida. (SADDI, 2012, p.218)

Desse modo, mesmo existindo historiadores que acreditem que a Didática da

História deva se ausentar da esfera científica, o seu campo de atuação ainda pode

ser considerado mais amplo do que seu conceito atual, o que transforma

violentamente uma das estruturas desse conceito reduzido, sua área de atuação. A

Didática da História não pode se negar a analisar a produção extraclasse

cientificamente, pois, a consciência histórica é um importante fator de construção da

identidade coletiva e individual. Negar os discursos históricos produzidos pelos

meios de comunicação é deixar que políticos, a mídia e as classes dominantes

formem historicamente a identidade dos homens. Reproduzindo uma sociedade que

se orientaria pela manutenção do status quo, guiada pelas determinações políticas e

socioeconômicas da elite.

2.4. Didática da História e Ciência da História

A Didática da História, atualmente, também é restrita em relação a sua

ligação com a ciência histórica, principalmente em duas vertentes. A primeira é a

sua redução a uma disciplina que se apoia em metodologias de outras áreas como,

por exemplo, a Pedagogia. A segunda é sua localização disciplinar fora da Ciência

da História, sendo também, considerada mais uma área pedagógica.

Como vimos, a construção do código disciplinar de História foi construída

durante todo o século XX pautada por uma preocupação cada vez maior de construir

uma identidade nacional, com cidadãos conscientes de seus deveres cívicos. O que

reestruturou todo o sistema educacional brasileiro e fez nascer uma nova

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46

preocupação, de elaborar novas metodologias e técnicas de ensino. Como

consequência o ensino de História passou pelo que Schmidt (2009) chama de

“pedagogização do ensino de História”, o que perdurou até hoje.

Contudo, quando a consciência histórica começa a ser vista como objeto de

pesquisa da Didática da História, a Ciência Histórica também passa a ser alvo de

preocupação de um ensino de História ampliado. Uma vez que, a história produzida

pelos profissionais também conduzem a uma orientação de sentido, dentro e fora

das academias.

Em consequência disso, a Didática da História passou por uma transformação

no seu caráter disciplinar científico, deixando de ser uma disciplina com “(...)

ausência de uma epistemologia pensada na própria História”. (URBAN, 2009, p.170)

E começou a se ocupar da sistematização da Ciência da História para gerir suas

atividades, como defende Schmidt (2009, p.210):

Na perspectiva da cognição situada na ciência de referência, a forma pela qual o conhecimento deve ser aprendido pelo aluno deve ter como base a própria racionalidade histórica, e os processos cognitivos devem ser os mesmos da própria epistemologia da ciência da História.

Também, estudiosos como Cerri defendiam uma “(...) didática da história, que

seria uma disciplina interna à ciência da história, tendo uma série de metas (...)”, que

poderiam ser resumida na questão: “(...) sobre o caráter efetivo, possível e

necessário de processos de ensino e aprendizagem e de processos formativos da

História.” O que, segundo Cerri que compartilha da visão de Bergmann, significa que

a Didática da História, como uma disciplina inerente da ciência histórica deveria se

preocupar com a “formação, o conteúdo e os efeitos da consciência histórica”.

(2001, p.109)

Porém em outro artigo seu produzido em 2004, Cerri abraça a ideia que a

Didática da História seria uma área interdisciplinar entre a Educação e a História

como ciência. Pois, ela também estaria preocupada, em como se ensinar história, e

o quê se ensinar, necessitando das técnicas e usos metodológicos da área da

Educação. Sendo a Ciência da História a área que se concentraria nos conceitos

pertinentes à Teria da História. Segundo Cerri:

A Didática da História vem passando, no Brasil, por uma mudança paradigmática, deslocando-se da metodologia do ensino à área interdisciplinar que, sustentada na Teoria da História, articula saberes

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pedagógicos e sócio-antropológicos para debruçar-se sobre o fenômeno da aprendizagem e da circulação social do conhecimento histórico. (2010, p.277)

Sinalizando em direção oposta a Cerri, está Oldimar Cardoso (2008). Em sua

concepção, a Didática da História não é interdisciplinar, mas sim uma disciplina

ligada à Teoria da História, não podendo ser resumida ao método geral de didática

de uma área especifica:

A didática circunscrita pelo conceito de Geschichtsdidaktik pertence à História, é uma parte indissociável dela. A Geschichtsdidaktik abrange mais do que a realidade escolar, ela estuda a “consciência histórica na sociedade”. Essa didática não é apenas mais uma Didaktik der... (didática da...), mas um todo cuja definição numa única palavra – Geschichtsdidaktik – pode não ser casual. (CARDOSO, 2008, p.158)

Assim, para Oldimar, a “(...)Geschichtsdidaktik está para a História escolar

assim como a Teoria da História – Historik – está para a ‘História dos historiadores’”.

Porém, ao contrário de outros estudiosos, como Rafael Saddi, Oldimar Cardoso crê

que: “(...) Geschichtsdidaktik não é uma reflexão apenas sobre a História escolar,

mas sobre todas as ‘elaborações da História sem forma científica (...)”. (Ibidem). Isto

é, a Didática da História pertence à área da História, mas não tem nela objeto de

pesquisa.

Ainda nesta linha, Oldimar Cardoso também reconhece que por mais que a

Didática da História use processos metodológicos da pedagogia, da antropologia ou

da etnografia, ela não pode ser comparada com uma disciplina pedagógica. Por

mais que um dos campos de preocupação seja o mesmo, o escolar, a pesquisa

histórica lida com uma forma mais ampla de compreensão da cultura e da

consciência histórica produzida dentro da escola e na sociedade, enquanto o estudo

pedagógico se limita ao ambiente escolar. A pedagogia assumiria assim, o mesmo

caráter de qualquer outra área fora da História, que só servem como referenciais

teóricos para um trabalho que é histórico.

Se a História escolar não é o objetivo exclusivo da Didática da História conforme definida neste artigo, essa área de estudo não é pedagógica, mas histórica, ao contrário das representações mais comuns sobre ela no Brasil. De acordo com a presente exposição, não cabe pensar em relações entre a didática e a História, como duas disciplinas separadas que se uniriam para que a primeira tornasse a segunda mais palatável, no intuito de torna-la acessível ao público leigo. Assim, não existem relações entre a didática e a História, mais especificamente, uma que se utiliza de referencial teórico

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desta para compreender suas elaborações sem forma científica. (CARDOSO, 2008, p.166)

Outra concepção sobre a localização científica da Didática da História é sua

localização dentro da Ciência da História, como uma subdisciplina autônoma, mas

que ao contrário de Oldimar Cardoso, investiga a consciência histórica em todas as

elaborações históricas produzidas, seja na escola, no meio público ou na ciência

histórica. Ideia que Rafael Saddi defende (2010 e 2012), e que amplia ainda mais

os horizontes do ensino e aprendizado de História.

Segundo Saddi (2010), que usa o conceito de Jeismann, existe uma Função

Didática Básica da História, que significa que qualquer expressão ou narrativa

histórica nos ensina alguma coisa, sendo de personalidade científica ou não. Nós

aprendemos por outras diversas formas além do ensino oficial. Como a consciência

história é constituída através do ensino de História, e nós não aprendemos história

somente nas escolas, então se torna necessário uma Didática da História que

esteja ancorada na Ciência da História, para que se compreenda o processo de

integralização da consciência histórica.

Dessa forma, as tarefas da Didática da História em junção com a Ciência da

História ganha um caráter superior. Entendendo as formações da consciência

históricas produzidas no meio público e escolar, e usando de toda a racionalidade

da ciência histórica para refletir sobre presentes problemas de orientação na

coletividade. Assim, a Ciência da História garante uma maior cognição em relação

a orientações temporais na vida dos homens, possibilitando uma maior liberdade

em suas inter-relações. Sobre isso Saddi pondera:

Faz-se necessário, desta forma, uma disciplina específica, que esteja ancorada no acúmulo reflexivo da Ciência Histórica, para pensar a produção da Consciência Histórica na sociedade. Como sub-disciplina científica, ela aproveita todo acúmulo sistemático da Ciência da Histórica para sua investigação. Descuidar deste vínculo direto com a Ciência da História é, portanto, deixar com que o uso da História na vida pública e nas escolas ocorra sem acúmulo sistemático alcançado por esta Ciência na especialização de pensar e produzir histórias. (SADDI, 2010, p.76).

Em consequência, a Didática da História passa a “(...) fundamentar-se como

disciplina com procedimentos, conceitos próprios e uma área de investigação

definida e peculiar”. (SADDI, 2012, p.2013). No entanto, quando se põe com uma

subdisciplina da Ciência da História, não deixa de se relacionar com referencias

teorias de outras áreas, pois é apenas como uma disciplina ligada à ciência histórica

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“(...) que ela deve se relacionar com as demais ciências”. (SADDI, 2010, p.78).

Assim, a Didática da História pode exercer toda sua capacidade de reflexão

cientifica para compreender, desenvolver e orientar as ações humanas relacionadas

com a história. Concluindo:

A Didática da História quando atua enquanto sub-disciplina da Ciência Histórica, investiga empiricamente todas as formas de produção do passado humano, nas escolas e na vida pública, levando o acréscimo de racionalização próprio da Ciência Histórica. Analisa, assim, as ideias históricas elaboradas, a forma como os documentos são interpretados, a estrutura narrativa destas histórias, sempre visando torná-las mais complexas e evitar o uso abusivo do passado humano. (SADDI, 2010, p.77)

É compreensível o cuidado que todos os intelectuais têm, quando se trata de

redefinir a localização disciplinar científica da Didática da História, pois coloca muito

mais em jogo do que apenas construções conceituais. Mudar sua posição significa

tirar da competência de uma área seu controle pela formação dos professores de

História, alterar toda hegemonia do processo ou ainda deslegitimar todo conjunto de

pesquisa sobre o ensino e aprendizado de História. (CERRI, 2003, s/p). Ou seja, é

algo muito mais profundo, que pode afetar diretamente a funcionalidade de algumas

faculdades. Porém é um trabalho do qual o historiador não pode fugir, porque diz

respeito à essência da atividade da sua profissão: ensinar história para produzir

exemplos, orientações de sentido, para que cada ação seja tomada de forma

reflexiva.

(...) entenderemos que mais do que uma disputa pelas disciplinas existentes, o que está em jogo aqui é a constituição de uma nova disciplina. Uma disciplina sem a qual, os Otelos continuam matando as Desdêmonas, sem poder compreender que o velho lenço de linho perdido não era um indício de traição da esposa, mas de traição do amigo. (SADDI, 2010, p.78).

De qualquer modo, independente de qual seja a localização da disciplina

científica da Didática da História dada pelos historiadores debatidos aqui, ela sofre

uma ampliação em relação a sua atual realidade no Brasil. A Didática da História

não pode excluir sua relação com a ciência histórica, pois, “Se a Didática da História

lida com orientação produzida pelas histórias, e a Ciência Histórica é uma forma

específica de produção do pensamento histórico, a Didática da História é uma

disciplina inerente à Ciência Histórica”. (SADDI, 2010, p.75).

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Conclusão

Em virtude dos fatos mencionados, podemos sim, falar que a Didática da

História no Brasil vem passando por uma mudança paradigmática. Ainda que,

atualmente não seja o conceito predominante no ensino de História, a Didática da

História ampliada vem aos poucos tomando lugar nas pesquisas acadêmicas.

O motor principal para toda essa mudança foi, com certeza, o conceito de

consciência histórica. Sem ele, talvez o ensino de história ainda estivesse preso ao

ambiente escolar, sem se preocupar com a essência da profissão de historiador, que

é fornecer orientações de sentido temporais que nos ajudam a agir no presente e

projetar melhor nosso futuro.

Sendo a consciência histórica moldadora de identidades coletivas e

individuais, e o ensino de história um dos meios de influência sobre essa

consciência, por muitos anos ele se vinculou e foi usado pelos meios

governamentais para formação de uma identidade nacional, que fortalecesse a

união territorial e o controle político por um único poder.

Em primeiro momento, a preocupação foi com a constituição de um cidadão

brasileiro, ciente de seus deveres cívicos e deveres diante da construção de uma

nação. O que levou o ensino de Histórias e seus pesquisadores a adotarem

metodologias que pudessem viabilizar e facilitar o ensino e aprendizagem de

História nas escolas, fator que causou a pedagogização da Didática da História no

Brasil.

Contudo, nos últimos 14 anos o ensino de História no Brasil foi influenciado

por historiadores como Rüsen, Bergmann, Jeismann e vários outros de origem

alemã. Eles traziam elaborações teóricas, como o conceito de consciência histórica

e suas funções para o ensino e aprendizado de História, que resultaram em uma

transformação estrutural sobre o que se entendia como Didática da História nas

décadas anteriores, assim o objeto, campo e sua localização disciplinar sofreram

profundas alterações.

Em primeiro lugar era preciso trazer para a História sua antiga personalidade

prática. A Didática da História não poderia mais ficar presa entre as quatro paredes

das escolas, pois a formação da consciência histórica do aluno já não se limitava ao

ensino escolar. Tampouco, seu objetivo de constituir um cidadão com atitudes

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cívicas para fortalecimento da nação. Desse modo, era preciso achar um objeto de

análise que permitisse entender tanto as produções históricas fora da escola, como

orientar a vida prática dos estudantes e da sociedade. É nesse movimento que a

consciência histórica foi colocada como objeto, trazendo uma ampliação, também,

no campo de pesquisa e constituição disciplinar.

Depois de encontrar um novo objeto de pesquisa para Didática da História, a

consciência histórica, era preciso estudar os efeitos e as transformações que

ocorreriam com o resultado dessa mudança. É nesse momento que surge a

segunda alteração no alicerce do ensino e aprendizado de História, o alargamento

do seu campo de atuação e pesquisa. A Didática da História que anteriormente se

preocupava apenas com os conjuntos de métodos e técnicas de ensino em sala de

aula, passa a buscar na sociedade, nos meios de comunicação principalmente, uma

compreensão de como se aprende História fora das escolas, assim como começar a

se perguntar qual é a importância das pesquisas feitas no ambiente acadêmico.

A mudança de campo da Didática da História também altera seu caráter

disciplinar científico. Se agora as produções feitas fora da sala de aula também são

alvo de investigação, então a Didática da História vai precisar dialogar com a Ciência

da História para dar respostas às carências de orientação da sociedade. O que

altera sua localização disciplinar, tornando-se uma subdisciplina da ciência histórico,

com metodologias, técnicas, teorias e conceitos próprios.

Assim, fica claro que a nova Didática da História brasileira quer entender

como funciona o aprendizado de História em toda sociedade, analisando a

consciência histórica e buscando compreender quais os meios de comunicação tem

maior influência sobre a consciência histórica, e qual é a mensagem dominante no

meio coletivo. Porém, a Didática da História ainda continua sua pesquisa dentro da

escola, pois investigar o que acontece no ambiente escolar também é importante,

permitindo saber qual tipo de consciência histórica o aluno traz para sala de aula.

Também é visível que o novo conceito traz novos objetivos para a Didática da

História. A de combater produções históricas esquematizadas, feitas com função de

perpetuar uma dominação existente e que tem efeito contrário, produzem carências

de orientação.

Sabendo que o aprendizado de História não se limita ao ambiente escolar, a

Didática da História não pode se omitir de investigar as narrativas históricas

produzidas fora da escola. Pois jornais, revistas, sites, rádios e outros meios de

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comunicação podem usar de seus poderosos recursos para reproduzir discursos

históricos conservadores, feito de maneira esquemática, com a finalidade de obter

benefícios ou lucros de qualquer natureza.

Dessa maneira, a população se encontra com uma carência de orientação,

uma dificuldade de refletir mais profundamente, que pode acarretar em distúrbios

violentos contra outros grupos da sociedade, pois produzem uma identidade, que

Cerri (2010) chama de “não-razoáveis” , que divide e exclui uma parcela da

sociedade, negando direitos e acessos a qualidade de vida de grupos

marginalizados historicamente.

Em muitos casos esses discursos conservadores são produzidos por

segmentos dominantes da mídia, por grupos religiosos e por associações militares,

atingindo uma grande parcela da população brasileira.

Assim, uma Didática da História ampliada investigando as narrativas

históricas conservadoras (ou de qualquer outro viés político), pode explicitar os

interesses ideológicos e econômicos presentes nestes discursos. Usando das

metodologias e técnicas da Ciência da História, a Didática da História pode usar

todo sua potencialidade científica para descontruir e expor a fraqueza de tais

narrativas históricas. Desse modo ela cumpre seu dever com a sociedade que a

sustenta, produzindo melhores orientações temporais que permitam o

desenvolvimento cognitivo dos homens e mulheres. Criando uma sociedade

reflexiva e critica capaz de construir seu presente e planejar um futuro melhor e mais

igualitário para a coletividade.

Concluindo, a Didática da História no Brasil está passando por mudanças que

são de grande relevância tanto para os profissionais de história, como para

professores de escolas, alunos e a sociedade de modo geral. Todavia, é preciso ir

além, ainda há ausência de grande parte de historiadores em pensar sobre sua

própria profissão. Os estudos e pesquisas precisam continuar; a Didática da História

não pode fugir de seu caráter prático, ela precisa dar um retorno à sociedade, e

garantir aos homens e mulheres uma maior liberdade reflexiva diante da experiência

humana no tempo.

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