Didática Geral
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Didática Geral
A proposta de educar pela pesquisa tem pelo menos quatro pressupostos cruciais:
- A convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da
educação escolar e acadêmica.
- o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e
política é o cerne do processo.
- A necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana do professor e no aluno.
- E a definição de educação como processo de formação da competência histórica
e humana.
1. O que melhor distingue a educação escolar de outros tipos de espaços
educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa. A própria vida como tal é
um espaço natural, educativo, à medida que induz à aprendizagem.
A aula que apenas repassa conhecimento ou a escola que somente se define
como socializadora de conhecimento não sai do ponto de partida, e na prática,
atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira
treinamento.
A característica emancipatória da educação, portanto, exige a pesquisa
como o seu método formativa pela razão principal de que somente um ambiente
de sujeitos gesta sujeitos. Entre educação e pesquisa há um trajeto coincidente,
que podemos assim sugestivamente codificar:
a) ambas se postam contra a ignorância. Fator determinante da massa de
manobra; enquanto a pesquisa busca o conhecimento para poder agir na base do
saber pensar, a educação busca consciência crítica, marca essencial de quem se
sabe e sabe da realidade.
b) Ambas valorizam o questionamento. Marca inicial do sujeito histórico.
Enquanto a pesquisa se alimenta da dúvida, de hipóteses alternativas, a educação
alimenta o aprender, fundamento da alternativa histórica.
c) Ambas se dedicam ao processo reconstrutivo. Base da competência
sempre renovada; enquanto a pesquisa pretende, através do conhecimento
inovador, manter a inovação como processo permanente, a educação, usando o
conhecimento inovador como instrumento, busca alicerçar uma história de sujeito
e para sujeito.
Até certo ponto, pois, pesquisar e educar são processos coincidentes. Daí
segue que o aluno não vai à escola para assistir aula, mas para pesquisar,
compreendendo-se por isso que sua tarefa crucial é ser parceiro de trabalho, não
ouvinte domesticado. Sem unilateralmente a aula esta representa, como regra, a
garantia de mediocridade, porque além de marcantemente ser no professor cópia,
faz do aluno, cópia da cópia.
Hoje, professor é mero instrumento. Acha que sua habilidade é de apenas
repassar conhecimento e procedimento, mantendo em si e no aluno o fosso
medieval do alinhamento impositivo. Por isso mesmo, qualquer um pode ser
professor, bastando que transmita receitas, impõe a moral e cívica, distribua
conselhos e exortações, de aula.
Este é o espírito que perpassa a pesquisa, realizando-se de maneiras
diversas conforme o estágio de desenvolvimento das pessoas. Tanto doutor
quanto a criança na educação infantil praticam o mesmo espírito, embora os
resultados concretos sejam muito distintos. A distinção não está em que um é
sofisticado ou é preliminar, mas em que cada estágio se realiza em seu horizonte
próprio. Tanto doutor pode realizar uma pesquisa preliminar (inacabada), quanto à
criança pode surpreender com extrema sofisticação (superdotada). Na verdade, é fundamental que se passe de objeto a sujeito, implicando a
participação plena do aluno, que no fundo deixa de ser aluno, para torna-se
parceiro do trabalho.
O professor precisa encarnar a figura tipicamente crítica na sociedade, que
tudo sabe questionar para melhorar. Não engole a política vigente sem perceber,
não toma as relações econômicas como intocáveis, não se conforma comas
mazelas de nossa democracia, alimenta sempre a cidadania organizada e crítica,
busca melhorar de vida e de competência, e assim por diante.
É muito importante buscar o equilíbrio entre o trabalho individual e o
coletivo, compondo jeitosamente o sujeito consciente com o sujeito solidário.
Assim trabalho individual e coletivo não são instância excludentes. Ao contrário,
são estreitamente interdependentes.
Compreender o sentido de um texto implica estabelecer relações entre texto e
significado.
A reconstrução do conhecimento implica processo complexo e sempre recorrente,
que começa naturalmente pelo uso do senso comum. Conhecemos a partir do
conhecimento.
A informatização do conhecimento será característica ineludível dos tempos
modernos, observando a tarefa da transmissão do conhecimento com nítidas
vantagens, seja porque é mais atraente e manejável, seja porque atinge a massa.
Torna-se essencial que cada escola tenha a sua biblioteca sempre renovada, com
livros, enciclopédias, livros didáticos de toda sorte, vídeos e filmes sobre a
realidade nacional, regional e local.
Com o tempo será mister uma fonte reorganizada curricular em todos os sentidos.
Podemos entender isso como a passagem do currículo do extensivo para o
intensivo.
Dentro deste horizonte, é possível eliminar a prova, entendida como rito de
devolução da cópia.
Pesquisa no professor:
1) Reconstruir projeto pedagógico próprio;
2) Reconstruir textos científicos próprios;
3) Refazer material didático próprio;
4) Inovar a prática didática;
5) Recuperar constantemente a competência.
Textos científicos próprios:
1) definir um tema predileto;
2) concentrar esforços dentro do tema;
3) pesquisar o tema;
4) teorização das práticas.
Material didático próprio:
1) usar autores para ser autor;
2) combater o fracasso escolar;
3) garantir rendimento de aluno;
Inovações da prática didática:
1) meta: qualidade formal e política;
2) métodos: questionamento reconstrutivo;
3) meio: pesquisa e formulação própria;
4) ética: combater o fracasso escolar sistematicamente
Permanente recuperação da competência: 1) cursos longos de recapacitação (80 horas)
2) acesso a conhecimento socializado;
3) superação dos meros treinamentos.
A CULTURA ESCOLAR E A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL
– ponto de partida ou de chegada para a análise de uma instituição pública de
formação de professores?
Josefina Carmen Diaz de Mello (UFRJ)
Introdução
Este trabalho
1
valoriza e privilegia a tentativa de se compreender o cotidiano de uma
instituição específica, numa perspectiva sócio histórica, articulado com a história da
disciplina escolar Didática Geral, numa instituição pública de formação de professores do
Rio de Janeiro, nos anos de 1980 e 1990.
O presente estudo, enquanto um recorte de nossa dissertação, privilegia a instituição
pesquisada onde procuramos compreender como e até que ponto o estudo realizado no
âmbito da história das disciplinas escolares (HDE) sinaliza, no contexto micro (escolar) as
relações da disciplina Didática Geral com características institucionais próprias de uma
instituição de formação de professores e também aponta possibilidades de incorporação de
fatores especificamente institucionais.
Abordar a história dessa disciplina escolar na instituição, entendendo-a como nível
meso (NÓVOA, 1999) diferente do nível macro, de onde são encaminhadas todas as
propostas, ordens, resoluções e pareceres – e igualmente diferente do nível micro da sala de
aula – fornece os subsídios necessários ao entendimento de como a escola reinterpreta o
currículo oficial, os pareceres e resoluções que regulamentam essa disciplina no currículo
da instituição. Nossa preocupação se volta, então, para a instituição pesquisada e para a
disciplina escolar Didática Geral.
Ao longo dos estudos no campo da história das disciplinas têm sido poucas as
pesquisas nessa perspectiva. Trabalhos desenvolvidos por Sacristán (1995) e Nóvoa (1999)
1
Este estudo faz parte de nossa pesquisa de dissertação de mestrado, desenvolvida na Faculdade de
Educação/UFRJ e orientada por Alice Ribeiro Casimiro Lopes, defendida em 11 de setembro de 2002. Essa
pesquisa investiga a história da disciplina Didática Geral em uma escola pública de formação de professores
no Rio de Janeiro e se intitula “História da disciplina Didática Geral em uma escola de formação de
professores: (re)apropriação de discursos acadêmicos nos anos de 1980 e 1990”.sinalizam para essa necessidade de se pesquisar as decisões no âmbito curricular para além
da sala de aula. Seria, portanto, fundamental olhar para esse processo dentro da instituição.
Decidimos investigar, na nossa pesquisa de dissertação, a história da disciplina
Didática Geral no Colégio Estadual Carmela Dutra, nos anos 80 e 90, situado na zona norte
da cidade do Rio de Janeiro. Essa escolha se deu pelo fato de esta pesquisadora já ter feito
uma pesquisa
2
nesse colégio e, por isso, ter livre acesso à instituição.
Aliado aos eixos teóricos História do Currículo (HC) e História das Disciplinas
Escolares (HDE) visamos focalizar, em segundo plano, o diálogo mantido com os estudos
sobre instituições escolares. Neste texto, defendemos a necessidade de que a HDE
considere o cotidiano escolar fundamentalmente e não, aspectos do nível macro. Sendo
assim, dialogamos com Ivor Goodson (1983, 1990, 1995, 1997), André Chervel (1990) e
Antonio Nóvoa (1999), articulando os eixos citados. Partimos do princípio teórico de que o
currículo escrito não é neutro e que novos processos tendem a se construir e reconstruir no
contexto escolar. Procuramos traçar a história da disciplina Didática Geral na instituição
referida, dialogando com as hipóteses construídas por Goodson (1983) no sentido de
sistematizar esse estudo sob uma perspectiva que valoriza e tenta compreender melhor o
cotidiano da instituição.
Argumentamos que a especificidade singular da instituição pesquisada, a sua cultura
e contexto institucional peculiares tendem a se evidenciar nos discursos dos sujeitos que
participam da construção dessa disciplina na instituição. Buscamos compreender as
relações das múltiplas redes desse contexto institucional nas quais as práticas desenvolvidas
pelos sujeitos nele produzidas constituem não só um discurso especialmente influenciado
por esse próprio contexto social da comunidade que circunda a instituição, como também
pela cultura organizacional da instituição
2
De outubro a dezembro de 1998, participamos da pesquisa “Imagens de família na formação de docentes”
no Colégio Estadual Carmela Dutra sob a orientação do professor Henrique Garcia Sobreira, então ProfessorAdjunto da UERJ/FEBF e Professor-Titular da UNIVERSO/Mestrado em Educação. A escolha dessa
instituição se deu pelo fato de o curso de Formação de professores ser o mais procurado na região da zona
norte e também pela curiosidade de participar de uma pesquisa numa escola que ainda “... mantém o padrão
‘nobre’ na formação de professores para o Ensino Fundamerntal”. Esta fala foi feita pela professora Menga
Lüdke quando, no mesmo ano, participamos de um projeto integrado de pesquisa “A Socialização profissional
de professores”, na escola normal Heitor Lira e coordenada pelos professoresAntonio Flavio Barbosa Moreira
(UFRJ) e Menga Lüdke (PUC/RJ), com a participação das professoras Alice Ribeiro Casimiro Lopes (UFRJ)
e Elizabeth Macedo (UERJ). Essa fala da professora Menga Lüdke foi a provocação suficiente que nos fez
optar por esse colégio na nossa, então, futura pesquisa de dissertação. A hipótese da professora Menga para o
“padrão nobre” dessa instituição seria a de que esse colégio tinha como líder um bom gestor.Defendemos que a história da disciplina Didática Geral na instituição nos anos 80 e
90 percorreu, no interior da instituição, um caminho marcado por interesses, lideranças,
ideologias, conflitos e crises que se originaram dentro e fora do espaço escolar, mas que
certas lideranças, os recursos, seus projetos, o prestígio, as tradições, a cultura e o clima
organizacional da instituição pesquisada são alguns dos fatores especificamente
institucionais que interferiram sobremaneira na construção dessa disciplina no Colégio. Ou
seja, nesse enfoque nossa atenção se volta para dentro da escola e sobre a importância do
que acontece no seu interio r.
Assim, defendemos que essa instituição possui uma função que vai além de seus
muros e que é determinada pelas relações sociais construídas no seu cotidiano,
influenciando a trajetória da disciplina Didática Geral na instituição. Essa nova função
educativa pode ser considerada no contexto desse estudo como uma função educativa não
só da escola contemporânea, como também ela projeta nas suas finalidades, no currículo e
nas disciplinas do currículo, um novo “modo de fazer” que, reconfigurados, tendem a tornar
essas finalidades peculiares essa instituição aqui pesquisada. Neste caso, os fins, o projeto
político da instituição, os discursos construídos, o clima organizacional e toda a vida
interna da escola, toda essa construção cotidiana tendem a apontar a “cara” da disciplina
Didática Geral na escola, definindo não só a identidade dessa disciplina como também a
própria identidade da instituição e o fato de ela existir.
Para Nóvoa (1999), o fato de se isolar a ação pedagógica dos contextos sociais tem
sido um problema nas pesquisas educacionais feitas nos últimos anos. Já os estudos de
Goodson (1997) não contemplam uma instituição específica, mas ele sugere que, à medida
que a investigação for explorando a forma como a disciplina escolar se relaciona com os
parâmetros da prática escolar, passa a ser necessário empreender mais investigações sobre
“... a caixa negra do currículo escolar.” (GOODSON, 1997:93).
Para Chervel (1990), a finalidade da escola se confronta com a própria história do
ensino e o estudo da instituição escolar depende, em grande parte, da história das
disciplinas. Ou seja, para Chervel a escola é, portanto, o foco de estudo da HDE. Chervel
aponta que a História do Currículo busca compreender o que acontece no passado de
(re)construção de uma disciplina na instituição escolar. Goodson é autor de currículo, mas
não focaliza (embora aponte a importância desse estudo) a instituição escolar nos seusestudos. Um dos principais pontos que esses dois autores têm em comum é o fato de
considerarem que a disciplina escolar não é dependente do desenvolvimento histórico do
campo científico de referência (disciplina de referência). Lopes e Macedo (2002b:44-45)
ilustram nos seus estudos realizados no âmbito da história das disciplinas escolares em
instituições específicas dizendo que:
A partir desses estudos, as hipóteses de Goodson são relativizadas e
ampliadas (...) Não é possível definir um caminho linear das tradições utilitárias e
pedagógicas para as tradições acadêmicas. Seja no contexto universitário, seja no
contexto escolar, são identificados momentos de crise no processo de direção ao
acadêmico.
Com base nessas reflexões, optamos por organizar o texto em duas seções: a primeira
trata da construção social da vida na instituição, da sua cultura, seus saberes e suas práticas
quando focalizamos a comunidade em que se insere a escola, o clima sócio-afetivo da
instituição e que, através das atividades e linguagens presentes, norteia o projeto-político
institucional. A segunda parte focaliza a trajetória da pesquisa de campo na instituição, os
critérios utilizados para seleção dos entrevistados e a concepção da disciplina Didática
Geral na instituição, na percepção dos professores desse grupo, ao longo dos anos 80 e 90.
Todos esses elementos estiveram sempre relacionados à construção dessa disciplina na
instituição.
A construção social da vida e cultura no Carmela Dutra – seus saberes, sua
práticas, sua comunidade, seus projetos
A heterogeneidade é inerente às atividades da vida cotidiana e, como tal, a busca de
uma determinada organização que dê sentido a este estudo não pode ser buscada numa
lógica linear de análise. Sentimos, então, a necessidade de, a partir do estudo da história da
instituição e da história da disciplina Didática Geral, identificar algumas de suas
características organizacionais e das lideranças existentes como sua cultura, seus saberes,
seus projetos, a estabilidade dos professores na instituição, a participação da comunidade nas decisões da escola, o reconhecimento público dos órgãos superiores, da mídia e da
própria comunidade em que está inserida.
Brunet (apud NÓVOA, 1999:30) situa nessa perspectiva, a escola como um espaço
sócio-cultural porque, “produz uma cultura que lhe é própria e que exprime os valores,
idéias e crenças que os membros da organização compartilham”. Para tanto, pesquisamos
os arquivos da escola, analisamos documentos, participamos de todas as atividades
primordiais da instituição durante dezesseis meses, servimo-nos de observações, conversas
informais e das entrevistas que realizamos.
A “Escola Carmela Dutra” foi fundada em 1946, em Madureira, na zona norte da
cidade do Rio de Janeiro. Passou por quatro denominações e a partir de 1982 denominou-se
Colégio Estadual Carmela Dutra. A década de 80 foi marcada na instituição por muitas
mudanças administrativas. A escola “inchou”, chegando a ter 750 professores. No final da
década de 80 e início da de 90 começaram a surgir movimentos gerais de mobilização de
professores e alunos para a reformulação dos cursos de formação de professores. O Colégio
Carmela Dutra conseguiu superar suas deficiências na área administrativa a partir da
primeira eleição para diretor do colégio, já no final da década de 80.
O Colégio Carmela Dutra iniciou a retomada dos seus objetivos enquanto uma escola
de formação de professores, com o prestígio social e projeção na mídia que lhe foram
conferidos a partir de 1991. Notícias do Colégio nos principais jornais do Brasil
3
,
qualificando-o como um colégio que chegou a superar tradicionais colégios do Rio de
Janeiro com o desempenho de seus alunos no vestibular passou a ser ‘lugar comum’. Com
isso, tornou-se um dos colégios mais procurados no Rio de Janeiro. Isto começou a
acontecer paralelamente ao cenário caótico que se delineava, na época, nas escolas públicas
de ensino na década de 90. O Carmela Dutra passou a enfrentar, também, uma realidade
difícil no início dessa década: a quantidade de alunas grávidas nas salas de aula.
Segundo a Revista Época (fevereiro de 2000)
4
, no mapa social do Rio de Janeiro,
Madureira tornou-se uma espécie de capital da gravidez na adolescência. São registrados,
nesse bairro, os maiores índices de gestantes adolescentes. O Colégio Estadual Carmela
3
Ver Anexo 1 – Notícia “Mais Cem Mil no Ensino Médio”
4
Ver Anexo 2 – Notícia “ Mãos dadas para a vida."Dutra optou por enfrentar esse problema, que já é nacional, sem esperar providências da
administração pública.
O seu atual diretor, professor Geraldo Ribeiro, na instituição desde 1976 e como
diretor eleito desde 1991, diante do crescente número de casos de meninas que ficavam
grávidas e optavam por abandonar os estudos, resolveu montar uma creche em 1995 para os
filhos das alunas professorandas, com recursos próprios e a ajuda da comunidade e
comércio da redondeza. Com o dinheiro de rifas, festas, baile de calouros, conseguiu
construir a Creche Fada Joaninha que hoje também atende a filhos de funcionários do
Colégio. Hoje o Colégio já tem o Maternal e o Carmelinha (de 1ª a 4ª séries)
5
, com a sua
primeira turma de 4ª série formada no início de 2002. A Creche conta, atualmente, com 400
alunos e 22 professores.
No momento, esse Colégio é considerado como instituição modelo, já tendo sido
contemplado com três prêmios, em nível nacional e estadual. Foram prêmios de gestão
escolar
6
concedidos pelo CONSED (Conselho Nacional de Secretaria Educacional), pela
UNDIME (União Nacional de Dirigentes Municipais Educacionais), pela UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura) e pela Fundação Roberto
Marinho. Esses prêmios são resultados do projeto de educação do estado do Rio de Janeiro,
chamado Nova Escola e que foi lançado pela SEE em 2000. O discurso desse projeto é o de
valorizar as escolas públicas e melhorar a qualidade de ensino. A avaliação é feita com base
no desempenho das escolas, tendo como critério; o desempenho escolar, a gestão de cada
unidade e indicadores de eficiência dos colégios (números sobre evasão escolar, repetência,
abandono, distorção idade/série). O projeto-político-pedagógico da instituição que tem se
destacado, sob o ponto de vista social e comunitário, engloba a Creche Fada Joaninha e o
Carmelinha.
O Colégio Estadual Carmela Dutra tem alcançado essa notoriedade muito mais pela
ação dos sujeitos envolvidos que construíram e reconstróem um presente que se volta para
outros fins sociais, diferentes daqueles pensados inicialmente e que vêm sendo legitimados
socialmente. Não estamos afirmando que tais prêmios garantam a qualidade do colégio.
Sinalizamos que todas essas ações tendem a apontar para uma nova forma encontrada pelo
5
Anexo 3 – Foto do Mural CARMELINHA
6
Anexo 3 – Foto Prêmio Gestão Escolar colégio de lidar no seu cotidiano com os desafios que se defronta na contemporaneidade, na
sua relação com a comunidade.
Essa cultura construída no interior da instituição parece estar deslocando o sentido
acadêmico dominante da cultura “curricularizada” para uma obrigação institucional mais
afetiva e solidária no sentido de devolver à escola a sua função educativa: o desafio de
construir relações dialógicas no espaço escolar que impulsionem a sua aprendizagem e
escolarização, construindo, ao mesmo tempo, um sentimento de envolvimento pessoal nas
tarefas cotidianas desenvolvidas na escola. Segundo Canário(1999:166), “... os anos 80 são
marcados, quer em termos de investigação quer de política educativa, por aquilo que pode
designar-se por um fenômeno de descoberta da escola.”
Ou seja, começa a se perceber o reconhecimento crescente da importância da
instituição escolar enquanto nível local na produção de mudanças e no sentido do
estabelecimento de ensino aparecer como um “construído social” (CANÁRIO,1999:166),
na qual a ação e interação dos sujeitos envolvidos passam a ser elementos decisivos para o
entendimento da lógica que rege o funcionamento de uma instituição escolar. Trata-se,
portanto, de considerar nos estudos sobre a escola as duas lógicas conflitantes que nela
aparecem, ainda segundo Canário (ibid): uma lógica de cientificidade (usada nos estudos
sobre os variados aspectos da escola) e uma lógica de normatividade (esta faz parte da
escola).
A diferença entre essas duas formas de pensar é, às vezes, confusa. Podemos,
enquanto pesquisadores, perceber o conhecimento produzido pela escola como uma nova
descoberta e que vai além de simplesmente encará-la como um “prolongamento da
administração central”. A concepção de uma organização social, “inserida num contexto
local, com uma identidade e cultura própria” (ibid), corresponde a uma mudança de
perspectiva que redefine a natureza das relações e a distribuição das relações de poder entre
o macro e o meso (a escola).
No caso deste estudo, a função social do Colégio Estadual Carmela Dutra nos anos
90, contando hoje com 230 professores, funcionando em três turnos e com quase 3000
alunos parece ser vista não apenas como uma fonte de informações para estudo, mas sim
como uma parte ativa, singular e participante de toda essas múltiplas redes dos contextos do
cotidiano com as presentes no próprio contexto do cotidiano da instituição. Percebemos e tentamos compreender que todas essas redes não reproduzem, simplesmente, as intenções
dos órgãos centrais do estado, mas constróem e reconstróem diferentes conhecimentos,
relações, intenções, identidades e até mesmo “culturas” e uma cultura que é própria dessa
escola.
Os projetos da Creche Fada Joaninha e do Carmelinha, aliados às práticas,
festividades, eventos, aniversários do diretor e do Colégio, Festival de Música, festa de
Natal e outras atividades que acontecem durante todo o ano letivo, traduzem saberes,
linguagens e toda uma cultura organizacional no interior da instituição, composta por
elementos vários, “que condicionam tanto a sua configuração interna, como o estilo de
interações que estabelece com a comunidade. Definidos numa perspectiva antropológica,
estes elementos integram aspectos de ordem histórica, ideológica, sociológica e
psicológica”. (NÓVOA, 1997:30). As atividades aqui mencionadas, entre outras que
pudemos vivenciar no campo, traduzem o clima aberto da instituição
7
Consideramos esse .
clima do tipo participativo porque os sujeitos estão motivados pela participação e unidos
em seus esforços para atingir os fins sociais da instituição.
Com base em Goodson (1997) e conforme destacamos no princípio deste texto,
aspectos internos e externos caminham paralelamente à constituição da disciplina Didática
Geral na instituição pesquisada. A disciplina se situa no ponto de encontro dessas duas
forças mencionadas pelos entrevistados: forças internas como o próprio grupo de
professores de Didática, a cultura organizacional e fim social da instituição, além de forças
externas como as discussões acadêmicas externas e as mudanças administrativas – tudo isso
acaba entrando em conflito com o que já está oficializado na instituição.
A disciplina Didática Geral no Colégio Carmela Dutra combina finalidades que a
sintetizam como espaço de função educativa e de ensino, em cada momento histórico de
sua constituição. Ou seja, percebe-se que a disciplina Didática Geral, no currículo da
instituição pesquisada, está no centro de todo esse processo. A função dessa disciplina
parece a de se querer colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade
educativa maior. (CHERVEL, 1990)
Para Chervel (1990) a grande inovação na HDE é o fato de se poder encontrar na
própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica, e
7
Anexo 4 – Clima “Aberto” (Didática Amorosa) não fora dela, externa. Sendo assim, passamos à análise da trajetória da pesquisa de campo
na instituição e dos elementos pertinentes a essa análise.
A trajetória da pesquisa
Cabe assinalar que todo o processo de observação, de exploração do campo, de
participação nas atividades do Colégio Carmela Dutra, no período da nossa pesquisa, foi
orientado por alguns pressupostos que se constituíram em pano de fundo desse trabalho,
evitando uma perspectiva meramente descritiva do processo histórico da disciplina em
questão.
O primeiro pressuposto é o de que a escola, como instituição social, se articula à
história, ao contexto social em que está inserida e expressa, de certa forma, os projetos
sócio-políticos de uma dada sociedade, mas possui uma especificidade como agência
educativa, com fins, objetivos, estrutura e organização que lhe são peculiares. A instituição
escolar se insere num movimento de tensão com a sociedade. Isso acontece na medida em
que se compreende a história de como seus objetivos foram estabelecidos e inseridos no
currículo e que permanecem até hoje “... como uma espécie de relíquia” (GOODSON,
1995:28). Nesse sentido, a instituição está continuamente em processo de reflexão e ação.
O segundo pressuposto é o de que a disciplina escolar Didática Geral ocupa um lugar
histórico de destaque no currículo de formação de professores e, no entanto, a análise do
seu papel no currículo de formação de professores tem suscitado uma discussão intensa ao
longo de sua construção no campo acadêmico. Nesse sentido, essa problemática só pode ser
adequadamente compreendida se for historicizada. Ainda na primeira fase da década de 70,
tentou-se redefinir a Didática procurando se evidenciar, não só a dificuldade quanto à
limitação dessa disciplina como um campo autônomo, como também quanto à tentativa de
se propor um modelo de situação didática. Com o início da gradual abertura frente ao
regime político até então instaurado, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da
educação dominante. Foram estudos centrados em questionar a concepção tecnicista eeficientista da educação dominante. São os estudos denominados por Saviani (1988:17) de
“teorias crítico-reprodutivistas”.
Essas teorias causaram forte impacto no campo da Didática, que passou a negar a
dimensão técnica e caiu no pólo posto de enfatizar a dimensão política, assumindo
perspectivas sociológicas, filosóficas e históricas, deixando para segundo plano a sua
dimensão técnica e humana. Para Candau (1988:19) foi “a afirmação da impossibilidade
orientada de uma prática pedagógica que não seja social e politicamente orientada, de uma
forma implícita ou explícita”. Essa nova postura crítica, segundo Veiga (1994:64), fez com
que os professores procurassem
(...) rever sua própria prática pedagógica, a fim de torná-la mais coerente
com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada. Em sem precisar
perder sua característica instrumental e técnica, necessária à formação
profissional, os movimentos em torno da revisão da referida disciplina
apontam para a busca de novos rumos.
Conhecer os elementos da cultura organizacional da instituição se faz necessário para
que se compreenda a articulação entre a história dessa disciplina e os conflitos que
acompanharam os discursos de que essa disciplina se apropriou ao longo dos anos 80 e 90.
O terceiro pressuposto relaciona-se ao fato de que, embora a escola não receba a
imposição das finalidades feitas pela sociedade sem resistência, podemos, ainda assim,
pensar que é por essas finalidades que se elaboram as políticas educacionais e se
selecionam os conteúdos. Nesse sentido, é que se criam as disciplinas e se realiza a
transformação histórica da escola. Ou seja, nossa atenção se volta para dentro da escola e
sobre a importância de atentarmos para o que acontece no seu interior. A escola é ela
mesma uma totalidade complexa, dentro da qual ocorrem processos e fenômenos objetivos
como a interação entre as pessoas, o uso dos recursos e do material didático, a forma como
o currículo é interpretado e organizada na instituição. Para Nóvoa (1999:16): “As escolas
são instituições de um tipo muito particular”. Elas “... constituem uma territorialidade
espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos...”A fase exploratória da nossa pesquisa levou quatro meses (de agosto a dezembro de
1998) quando coletamos alguns documentos como o Manual do Professor
8
(de 1980 a
1986), alguns decretos, Pareceres que regulamentaram as grades curriculares, alguns textos
de Didática usados em sala de aula (de 1979 a 1995), apostilas de Didática (dos anos 80 e
90), o Manual do Aluno (1984). A perspectiva de Goodson (1998:67) aponta para o fato de
que devemos abandonar a idéia de currículo como simples prescrição e considerarmos o
currículo “como construção social, primeiramente em nível da própria prescrição, mas
depois também em nível de processo e prática”. Goodson (1995) valoriza a idéia de
currículo pré-ativo (currículo como matéria de ensino) e de currículo escrito (formal) em
forma de Manuais (do professor e do Aluno) O currículo escrito é algo a ser ressaltado e
defendido num determinado período e contexto histórico-social e em confronto com
interesses e conflitos, pode se efetivar, ou não, em currículo em ação. Logo, tanto o
currículo formal quanto o currículo em ação precisam ser investigados.
O importante para se estudar o currículo pré-ativo é enfatizarmos a necessidade da
história social do currículo escrito da instituição, procurando entender a época em que ele
aconteceu, que ligações foram feitas com o contexto social da época e que lhe deram um
determinado ‘tom’. Esse ‘tom’, essa proposta cultural, esses documentos aqui consultados
precisam ser entendidos dentro do recorte histórico em que eles se manifestaram, no
diálogo que eles fizeram com a cultura do seu tempo. Tentamos investigar essas
contingências, a partir da análise histórica, com o interesse de identificar os “jogos de
interesse” a que esse currículo foi submetido. Ao invés disso, ignorar a história e a
construção social favorecerá a “... mistificação e reprodução do currículo tradicional, tanto
na forma como no conteúdo...” (GOODSON, 1995:27).
A fase de consulta a esses documentos escritos foi cercada por conversas informais
com a equipe técnico-administrativa-pedagógica e o grupo de professores de Didática
Geral. Participamos de reuniões e de dois Conselhos de Classe.
Após termos concluído as observações, realizamos as entrevistas. Foi um total de
vinte e três entrevistados: dezoito professores de Didática Geral, três professores da equipe
técnico-administrativa pedagógica: diretor, diretora-adjunta, o secretário e duas
supervisoras pedagógicas. Entrevistamos os professores de Didática Geral e os dois
8
Anexo 5 – Manual do Professor (CAPA) diretores com a intenção de registrar, também, histórias de vida, visto que esses sujeitos
vivenciaram, a partir dos anos 80, as lutas, crises e conflitos da disciplina na instituição.
Realizamos uma seleção de sujeitos a serem entrevistados que pudesse representar a
equipe de profissionais ligados à disciplina Didática Geral e que, nos diferentes momentos
históricos, participaram da construção dessa disciplina na instituição. Nosso critério foi,
portanto, o maior número de anos na instituição com a disciplina Didática Geral e
professores que, mesmo estando em outra função atualmente ou aposentados, não só
lecionaram a disciplina nos anos 80, como vivenciam(ram) o clima da instituição com o
maior número de anos na instituição.
Esse quadro nos indicou três blocos. Num primeiro bloco alocamos professores de
Didática Geral que chegaram nos anos 70 ao colégio. No segundo bloco, consideramos os
que chegaram nos anos 80 e no terceiro, os que chegaram na década de 90. O grupo de
professores dos anos 80 possui a média maior de tempo lecionando Didática Geral na
instituição, além de ter, também, o maior número de anos na instituição e de anos no
magistério (13 professores entre 13 e 27 anos na instituição e lecionando Didática). Além
disso, temos o fato de haver professores da disciplina que foram ex-alunos da instituição e
voltaram à instituição como professores de Didática Geral (um total de 5 professores).
O grupo de professores dos anos 70 considera a disciplina Didática Geral importante
e fundamental no currículo do curso de formação de professores. A fala predominante
desses professores é a de que essa disciplina, no final dos anos 70 e início dos anos 80, foi
uma disciplina forte, líder, atuante, fundamental, a “menina dos olhos” do currículo do
Colégio Carmela Dutra.
Didática é fundamental (...) Quando cheguei no Carmela a Didática
era a ‘menina dos olhos’...Nos anos 80, começou a decadência. No auge, a
Didática levava as outras disciplinas (…)No início do governo Brizola,
houve mudança nos critérios de escolha da direção do Colégio e daí
começou a queda da Didática na escola. Aqui no Carmela, hoje está se
tentando retomar e revalorizar a Didática (...) Antes, ela era respeitada. E
por que tudo isso? Por questões políticas!!...
( Professora A – leciona Didática Geral há 27 anos no Carmela Dutra e
ex-aluna)]As falas dos professores desse grupo privilegiam as idéias a que Goodson (1983,
1990, 1997) se refere de que a disciplina não é monolítica, de que ela passa por conflitos,
lutas e negociações no interior da instituição para se legitimar e que, quando o ‘interno’ e
‘externo’ estão em desarmonia, essa mudança é lenta. Percebe-se nas falas que os grupos
em conflito na instituição tendem a lançar mão de sua autonomia relativa para fazer
ouvirem sua voz na instituição, quando percebem que os grupos em contraposição tentam
afastar a disciplina de seus valores tradicionais:
A Didática sempre foi uma disciplina importante... Era uma disciplina
muito forte... até os anos 80. A partir daí veio uma época de mudanças (...)
chegaram pessoas que não tinham competência. Não acho que eram nem
mesmo técnicos porque nem para isso tinham competência técnica. Foi aí
que começou a época da queda dessa disciplina...
(Professora B – lecionou durante 7 anos Didática no Carmela, de 1976 a 1983)
A instituição Carmela Dutra sofreu transformações em função de
administrações impostas nesse decorrer de tempo.
(Professora C – no Carmela desde 1976, lecionou Didática durante 6
anos e permanece até hoje como professora de sala de Leitura)
O segundo grupo de professores de Didática Geral (anos 80) percebe a disciplina
como essencial, como o alicerce, “carro-chefe”, porém, “tem que ser valorizada”, “precisa
de renovação”. As falas dos professores desse grupo se associam, não só a conflitos vividos
no campo acadêmico da disciplina (questões de forma e conteúdo), como também à própria
desvalorização da profissão professor. As falas desses sujeitos nos levam a interpretar a
disciplina Didática Geral dos anos 80 como uma disciplina essencial na instituição, porém
com uma identidade descentrada de um projeto educativo claro em função de terem
vivenciado uma crise nesse período.
Com relação a isso, Goodson (1990) ressalta que, no interior de uma determinada
instituição escolar ou na própria sociedade, faz-se necessário examinar as matérias
escolares como comunidades de pessoas que ora compartilham, ora competem entre si,criando-lhes um senso de identidade que lhes é própria. Logo, a origem de uma
determinada disciplina não segue os mesmos padrões do nascimento de outras. Esse autor
tenta entender como as disciplinas não são monolíticas. Elas são, na realidade, espaços de
tensão, de conflitos, de disputa por hegemonia. Destacamos neste estudo que a construção
da disciplina Didática aconteceu social e politicamente de forma conflituosa, contestada e
respondendo a objetivos sociais da educação de acordo com o contexto sócio -econômicopolítico da época e segundo posturas, crenças peculiares não só no contexto acadêmico,
quanto na instituição pesquisada.
No contexto acadêmico a disciplina Didática não se constituiu “... por uma conquista
progressiva de autonomia, através de pesquisas e reflexão que conduzissem à identificação
e delimitação de sua especificidade” (SOARES, 1986:40). Desde o período clássico grego,
a Didática se impôs como um corpo de conhecimento autônomo. Alguns traços básicos
marcaram o seu controvertido desenvolvimento e que vão desde a questão de base
normativa, passando pela expressão da tecnocracia até um movimento contrário no qual a
Didática, hoje, busca explicitamente diferenciar-se de seu papel mais técnico.
Percebemos nas falas dos entrevistados as mudanças que se estabeleceram nas
relações entre esses indivíduos no grupo e como elas se modificaram ao longo do tempo,
em função das relações de poder presentes: as “questões políticas” e o Colégio sob a
responsabilidade de “técnicos”. Tudo isso nos parece indicar que há predominância, nesse
grupo de professores, da idéia de que a valorização da disciplina Didática Geral na
instituição estaria ligada a propostas no nível macro que foram (re)interpretadas e a que o
grupo resistiu, considerando-se a cultura escolar ‘própria’ dessa instituição.
Goodson (1997) prevê que o estudo sobre a disciplina escolar tende a examinar a
relação entre o conteúdo e a forma da disciplina. As bases do pensamento de Goodson nos
fazem entender porque a disciplina é vista por esse grupo como válida no currículo, na
medida em que aparece nesses discursos como vinculada à idéia de “... conteúdo a ser
apresentado para fim de estudo.” (GOODSON, 1997:23).
Chervel (1990) também aponta que esse é o papel mais amplo da disciplina na
instituição: com lentidão a disciplina vai se estabelecendo na instituição, na medida em que
objetiva o seu conteúdo para servir a uma finalidade maior do cotidiano institucional. Eis
mais algumas falas significativas: A Didática já está um pouco arcaica, está precisando de renovação,
de novos métodos (...) Eu acho que atualmente a disciplina Didática é
valorizada aqui no Carmela. Quando eu cheguei aqui, não! A nossa luta era
essa. E nós sempre lutamos contra isso...
(Professora D – lecionando Didática há 16 anos, ex-aluna e há 42 anos
no magistério)
Em 1988 o Claudino Pilleti era o livro básico. Ela imperava no
Carmela Dutra.A postura em relação à Didática era extremamente
tecnicista. A direção do colégio era de técnicos, portanto, a Didática ficou
em segundo plano. Isso aqui passou a ser uma escola que simplesmente
preparava para o vestibular.
( Professora E – lecionou Didática na instituição durante 8 anos, está no magistério há
35 anos e atualmente é Supervisora Pedagógica da equipe de Didática)
O terceiro grupo situa a disciplina nesse período (anos 90) como “voltando às suas
raízes”, como “disciplina de conscientização”. Senão vejamos:
Vejo a Didática no currículo deficitária.... os conteúdos mudaram.
Faz falta um conhecimento um pouco mais aprofundado(...) Mas o Carmela
É um colégio que luta! E é raro, porque essas raízes ‘aqui’ ainda estão voltadas
para a ‘formação’! São raízes ainda de uma ESCOLA (ênfase dada pela entrevistada),
mas ela vai melhorar mais, entendeu? Ela vai voltar ás suas raízes.
O que mais marcou essa mudança nos anos 80 foi justamente esse afastamento das
suas raízes...
( Professora F – lecionando Didática Geral há 8 anos na instituição e há 37 anos no
magistério)
É uma disciplina de grande importância (...) A Didática é uma
disciplina de conscientização e aqui no Carmela eu sinto como uma
disciplina valorizada até pela direção da escola: o carinho, o apoio e o
apreço com que somos tratados demonstra isso.
(Professora G – lecionando Didática há três anos, no magistério há 27
anos e ex-aluna)
A visão desse grupo não é a de negar os conteúdos como produtos de uma tradição
seletiva do passado (WILLIAMS, 1984). Pelo contrário, precisa-se ‘aprofundar’esses
conteúdos porque eles se tornaram ‘superficiais’. A idéia presente é de reconstrução do status da disciplina no currículo, mas que precisa atender, segundo Goodson (1997), a
certas exigências, tanto de estruturas quanto de conteúdos que atendam às necessidades da
sociedade atual.
A disciplina se redefine no currículo da instituição e na virada do milênio, como uma
disciplina ligada ao afetivo, a um diálogo maior. Sendo assim, as três fases da Didática no
Colégio Carmela Dutra estão claras nas falas dos professores entrevistados: 1ª fase –
Didática “Menina dos Olhos” (anos 70 e início dos anos 80); 2ª fase – Didática
“Esfacelada”, perdendo suas raízes (anos 80); 3ª fase – Didática Integradora, Amorosa,
Afetiva (anos 90). Podemos “ver” essa tradição a que Goodson se refere no processo de
“altos” e “baixos” por que passa a disciplina na instituição, no período demarcado.
Percebemos, outrossim, a necessidade de revelar determinados traços ou aspectos dessa
realidade onde foi realizado o estudo e que, articulados, lhe dão uma identidade própria.
Não visamos, nesta pesquisa, à história da instituição na qual se realizou o estudo,
mas, sim, sua caracterização como escola de formação de professores que possui uma vida
social e culturas próprias, com saberes, práticas, projetos e uma comunidade que a circunda
e que lhe dão uma característica singular de uma escola de formação de professores da
contemporaneidade. Conclusões
As memórias traduzidas nas falas dos entrevistados não podem ser consideradas
como verdades porque a memória é atemporal e seletiva e, como tal, ela envolve não
apenas lembranças, mas também esquecimentos. Procuramos, assim, estabelecer um
diálogo com o passado, procurando lidar com a objetividade, interelacionando-a com a
subjetividade.
O clima aberto, sempre presente na cultura da instituição, se expressa não só no
discurso dos entrevistados, como na própria aparência do espaço físico do Colégio, onde a
Creche Fada Joaninha e o Carmelinha se estendem ao lado do pátio do Colégio, mas
também nas disciplinas, especificamente na Didática, nos projetos da instituição e no modo
como todos se relacionam no seu interior, desde o dono da cantina, o secretário, a
bibliotecária, a direção, o professor, a comunidade e o aluno-professorando.
Mostramos que o clima aberto, sempre presente na cultura da instituição, não era
apenas um adendo ao contexto social vivido, mas um fator intrínseco cultural presente no
seu interior, que não segue uma ordem lógica, mas contém uma dimensão social maior que
tende a afetar o currículo da instituição. A disciplina, por sua vez, através da equipe de
Didática, lutou, dialogou com as necessidades do um momento histórico vivido para
legitimar-se na instituição como uma tradição acadêmica desde os anos 70 e início dos 80.
A permanência do seu líder e diretor é fator primordial para a manutenção desse clima
aberto. Observamos, portanto, que a história de uma instituição é feita no seu cotidiano e
que as ações desenvolvidas pelos sujeitos que fizeram essa história e da disciplina Didática
não se fizeram desligadas da forma de existir da escola. Essas ações tornaram e se
constituem em um dos indicadores que expressam a dinâmica da instituição no seu
conjunto.
Constatamos que a disciplina Didática Geral esteve sempre relacionada com um
período e necessidades de um contexto histórico vivido e que lutou todo esse período para
assumir-se como uma disciplina necessária à uma ESCOLA de formação de professores.
Essa disciplina acabou por moldar-se aos objetivos, fins sociais e cultura da instituição,
dialogando com os problemas sociais de seu tempo e contexto. Nesse sentido, uma
disciplina se constrói diferente no contexto escolar e no campo acadêmico. Percebemos, finalmente, que o processo de construção da disciplina Didática Geral
no currículo do Colégio Carmela Dutra não foi linear, nem contínuo e que as relações entre
os sujeitos que participaram dessa história da instituição, em constante diálogo com a
disciplina, acabam por consolidar a sua identidade na instituição : uma disciplina que de
“Rainha” passou a ser representada como uma disciplina “Amorosa”, “Integradora”.
Percebe-se, assim, que a trajetória da disciplina Didática na instituição passou por
períodos de auge, queda e retomada. Fica claro que nessa trajetória histórica da disciplina
na instituição, houve prioridades políticas e sociais predominantes nesses períodos e que
criaram novas tradições dentro da instituição, acabando por afetar o rumo da disciplina na
instituição. A disciplina deixou de ser a “rainha” do currículo dos anos 80 e reinicia uma
nova fase de valorização, parecendo procurar escapar ao vaivém tradicional entre uma
percepção micro e uma consideração macro, optando por um nível meso de compreensão e
decisão.Referências Bibliográficas:
BRUNET, Luc. “Clima de trabalho e eficácia na escola”. In: NÓVOA, A. (coordenação).
As Organizções Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, p.121-139.
CANDAU, V. M. Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Ed. Vozes, 1988.
CHERVEL, André. “ A História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de
pesquisa”. Teoria e Educação, nº 2, 1990.
GOODSON, Ivor. School Subjects and Curriculum Change. Londres: Croom Helm, 1983
__________, Ivor. “Tornando-se uma matéria acadêmica: padrões de explicação e
evolução”. Teoria e Educação, nº 2, 1990, p. 230-254.
__________, Ivor. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995.
__________, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: EDUCA, 1997.
LOPES, A. R. C. & MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: LOPES, A. R.
C. & MACEDO, E. Currícul9: debates contemporâneos. SP: Vozes, 2002a, p. 13-54.
______, A. R. C. & _________, E. (orgs.) Disciplina e Integração Curricular: história e
políticas. RJ:DP&A, 2002b.
NÓVOA, A. As Organizações Escolares em análise. Portugal: Publicações Dom Quixote,
1999.
REVISTA ÉPOCA. SP: Ed.Abril, fevereiro de 2000, Semanal.SACRISTÁN, J. G. La pedagogia por objetivos: obsesión por la eficiencia. Mdrid:
Ediciones Morata S. L., 1995.
SAVIANI, D. Escola e Democracia. SP: Cortez, 1988.
SOARES, M. B. “Didática, uma disciplina em busca de sua identidade”. In: Revista
ANDE..SP, 1986,p. 39-42.
VEIGA, I. P. A. “Didática : uma retrospectiva histórica” In: VEIGA, I. P. A. A prática
pedagógica do professor de Didática. SP: Papirus, 1994, p. 39-76.
WILLIAMS, R. The Long Revolution. Harmondsworth, 1984.LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 – Foto Notícia “Mais Cem Mil no Ensino Médio” (O Globo – 28/09/2000)
ANEXO 2 - Notícia “ Mãos dadas para a vida” (Revista ÉPOCA, Fevereiro / 2000)
ANEXO 3 - Foto Mural Fixo do “Carmelinha” e do Prêmio Gestão Escolar
ANEXO 4 - Murais Fixos com mensagens de Amor e Paz. “ESCOLA NORMAL
CARMELA DUTRA - Uma Escola que forma e informa em forma de Amor.”
ANEXO 5 - Manual do Professor (CAPA)
Universidade Federal do Ceará
Pró-Reitoria de Graduação
Coordenadoria de Pesquisa e Acompanhamento Docente – CPAD
Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento Curricular
PLANO DE ENSINO DE DISCIPLINA
Ano/Semestre
2007.2
1. Identificação
1.1. Centro: Faculdade de Educação
1.2. Departamento: Teoria e Prática de Ensino
1.3. Disciplina:
Didática I
1.4. Código:
PC 011 (E)
PC 208 (C)
1.5. Caráter:
Semestral e
obrigatória
1.6. Carga Horária:
64 h/a (4 créditos)
1.7. Professor: Paulo Meireles Barguil
1.8. Curso: Licenciaturas da UFC
2. Justificativa
A disciplina Didática I possibilita que estudantes de licenciatura completem sua formação docente:
compreendendo o papel do professor enquanto sujeito e agente de transformações sociais, no sentido
da democratização de um ensino de qualidade em nosso país; refletindo sobre metodologias e os
diversos níveis de ensino; investigando os diversos problemas do cotidiano escolar e as influências
desses no planejamento, execução e avaliação do ensino.
3. Ementa
Fundamentos da prática docente: Educação e didática na realidade contemporânea; o professor; o
estudante e o conhecimento; a natureza do trabalho docente; concepções de ensino; a sala de aula e
seus eventos; planejamento e gestão do processo de ensino aprendizagem.
4. Objetivos – Geral e Específicos
I – GERAL
Refletir sobre o cotidiano educacional brasileiro e o papel do professor na aprendizagem dos alunos.
II – ESPECÍFICOS
Analisar a relação Educação e Sociedade no contexto nacional;
Estudar os vários aspectos do processo ensino-aprendizagem;
Compreender o papel da didática no desenvolvimento do trabalho docente;
Analisar as características e peculiaridades do professor e a respectiva prática pedagógica;
Compreender a dimensão do projeto pedagógico na escola e a sua relação com o planejamento;
Aplicar subsídios teóricos e metodológicos para atuação no ensino fundamental e médio;
Elaborar Planos de Ensino (curso, unidade e aula);
Desenvolver práticas de pesquisa em bibliotecas, internet e outras fontes de informação.5. Descrição do Conteúdo/Unidades 5.1. Carga Horária
1. Educação & Sociedade
1. 1. Função social da escola: manutenção ou transformação da
realidade?
1. 2. Contexto mundial e a crise dos paradigmas
2. O processo de ensino-aprendizagem
2. 1. O cérebro e as concepções de ensino/aprendizagem
2. 2. Professor, estudante e conhecimento: um triângulo
amoroso?
2. 3. A sala de aula: ética, diálogo e violência
3. Didática
3. 1. Desenvolvimento histórico e tendências
3. 2. Professor: características pessoais, compromisso político e
capacidade técnica
3. 3. Trabalho docente – natureza, desafios, possibilidades e
limites
4. Organização do trabalho didático-pedagógico
4. 1. Projeto pedagógico da escola e práticas interdisciplinares
4. 2. Currículo: o que é isso?
4. 3. Planejamento educacional: aspectos conceituais,
modalidades e relações
4. 4. Objetivos, conteúdos, metodologia, recursos e avaliação
4. 5. Elaboração de Planos de Ensino e Planos de Aula para o
Ensino Fundamental e Médio
12 h/a
(1ª, 2ª, 3ª, 4ª,
5ª e 6ª aulas)
12 h/a
(7ª, 8ª, 9ª, 10ª,
11ª e 12ª aulas)
14 h/a
(13ª, 14ª, 15ª, 16ª,
17ª, 18ª e 19ª aulas)
26 h/a
(20ª, 21ª, 22ª, 23ª,
24ª, 25ª, 26ª, 27ª,
28ª, 29ª, 30ª,
31ª e 32ª aulas)
6. Metodologia de Ensino
Aula expositiva dialogada; dinâmicas de grupo; leituras e estudos de texto; pesquisas orientadas.
7. Atividades Discentes
Leituras; participação em discussões e seminários, redação de artigo/resenhas; visita a escolas,
museus e outras instituições educativas; audições musicais e de vídeo; elaboração de planos de ensino.
8. Avaliação
Prova escrita; trabalhos (resenhas, sínteses ...) individuais e grupais; seminários e auto-avaliação.
A nota final é a média aritmética simples da 1ªAP e da 2ªAP, assim descritas:
1ª AP = [(prova escrita) + (trabalhos individuais + trabalhos grupais)] / 2
2ª AP = (trabalhos individuais + trabalhos grupais + auto-avaliação)
9. Bibliografia
9.1. BÁSICA
ALVES, R. Conversas com quem gosta de ensinar. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
ANDRÉ, M. E. D. A.; OLIVEIRA, M. R. N. S. (Orgs.) Alternativas do ensino de Didática. Campinas:
Papirus, 1997. (371.3 A468)
BARGUIL, P. M. Há sempre algo novo! – algumas considerações filosóficas e psicológicas sobre a
avaliação educacional. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000. (371.26 B231h)
______. O Homem e a conquista dos espaços – o que os alunos e os professores fazem, sentem e
aprendem na escola. Fortaleza: Gráfica e Editora LCR, 2006b. (370 B231h) BARGUIL, P. M. Reflexões sobre a relação professor-aluno a partir das pesquisas de Piaget e Vygotsky.
In: PASCUAL, Jesus Garcia; DIAS, Ana Maria Iorio (Orgs.). Construtivismo e Educação contemporânea.
Fortaleza: Brasil Tropical, 2006a. p. 93-125. (370.1 P288f)
CANDAU, V. M. (Org.). Rumo a uma nova didática. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. (371.3 R89)
CUNHA, M. I. da. O bom professor e sua prática. Campinas: Papirus, 1990.
FAZENDA, I. C. A. Didática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998. (371.3 D551)
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (370.98 F934e)
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997. (370.115 F934p)
FREITAS, L. C. de. Crítica da organização do trabalho Pedagógico e da Didática. Campinas: Papirus,
1995. (370.733 F936c)
HARPER, Babette et al. Cuidado, Escola!: desigualdade, domesticação e algumas saídas. 34. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994. (370.1 C973)
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. (371.3 L664d)
MACHADO, N. J. Epistemologia e Didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática
docente. Sao Paulo: Cortez, 1995. (370.1 M132e)
MASETTO, M. Didática: a aula como centro. São Paulo: FTD, 1997. (371.30981 M365d)
MORAN, J.M.; MASSETO, M. e BERHENS, M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas:
Papirus, 2000. (371.33 M829n)
NÓVOA, António. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
______. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. (371.13 P958)
OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.) Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. 2. ed. Campinas: Papirus,
1995. (371.3 D551)
PASSOS, C. M. B. Didática: breve incursão histórica em busca da identidade. Fortaleza. 2006. Notas de
aula.
______. Planejamento: para além do burocratismo. Fortaleza. 2006. Notas de aula.
______. Trabalho docente: características e especificidades. Fortaleza. 2006. Notas de aula.
PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PILETTI, C. Didática Geral. 21. ed. Sao Paulo: Ática, 1997. (371.3 P687d)
PIMENTEL, M. da G. O professor em construção. Campinas: Papirus, 1996. (370.71 P699p)
TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. (370.72 T19s)
VEIGA, I. P. A. (Coord.) Repensando a Didática. 12. ed. Campinas: Papirus, 1996. (371.3 R336)
9.2. COMPLEMENTAR
CANDAU, V. M. (Org.). A Didática em questão. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. (371.3 D551)
D’ANTOLA, A. Disciplina na escola: autoridade versus autoritarismo. São Paulo: EPU, 1989.
FAZENDA, I. C. A. Práticas interdisciplinares na Escola. São Paulo: Cortez, 1991. (371.3 P925)
GADOTTI, M. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993. (370.9 G12h)
HOFFMANN, J. Avaliação mediadora. Porto Alegre: Mediação, 1995.
MARTINS, P. L. O. A Didática e as contradições da prática. Campinas: Papirus, 1998. (370.733
M345d)
OLIVEIRA, M. R. N. S. A Reconstrução da didática: elementos teórico-metodológicos. 2. ed. Campinas:
Papirus, 1993. (371.3 O48r)
SILVA, M. da. Controvérsias em Didática. Campinas: Papirus, 1995. (370.1 S581c)
VEIGA, I. P. A. Didática: o ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996. (371.3 D551)
______. A Prática Pedagógica do professor de Didática. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992. (370.71
V528p)
ZABALA, A. A Prática educativa: como Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
DIDÁTICA E PRÁTICAS DOCENTES: UMA ABORDAGEM
COMPARATISTA
BITTENCOURT, Jane - UFSC
AMADE-ESCOT, Chantal - UPS
GT: Didática / n.04
Agência Financiadora: não contou com financiamento
As didáticas específicas: campo de pesquisa e ferramentas teóricas
As didáticas específicas se desenvolveram a partir da década de setenta, no
contexto da produção acadêmica francesa, principalmente a partir do questionamento
em torno do ensino e da aprendizagem da matemática. Sua emergência se refere
diretamente a uma reação contra o privilégio da abordagem psicológica, essencialmente
de inspiração piagetiana, no estudo dos fenômenos educativos, bastante difundida nas
pesquisas educacionais na França neste período.
Além disso, as reformas curriculares no ensino, marcadamente a introdução da
Matemática Moderna, instingaram uma ruptura com as abordagens demasiado vastas da
Pedagogia. Ao mesmo tempo, incitaram a busca de perspectivas para o ensino, a partir
da consideração dos saberes matemáticos em questão.
As idéias principais das didáticas, geradas principalmente na Didática da
Matemática, centravam-se inicialmente no estudo das condições de transmissão e
aprendizagem do conhecimento em contexto escolar, a partir da consideração do
sistema didático. De fato, o triângulo didático, conforme proposto por Brousseau
(1986), serviu de suporte para o desenvolvimento de uma série de ferramentas teóricas
que, por sua vez, modificaram a própria idéia original, vindo a ressignificar o triângulo.
Como sugere Leutenegger (2000), numa evidente revisão do conceito, o sistema
didático se refere a um sistema de relações entre o professor e os alunos, em torno de
uma intencionalidade de ensinar/aprender um conjunto de saberes, compreendidos, por
sua vez, no seu contexto institucional de produção e regulação.
Tendo em vista caracterizar o sistema didático e analisar seu funcionamento na
sua devida complexidade, diversos construtos teóricos se desenvolveram, como a noção
de transposição didática, proposta por Chevallard em 1986/1991, ou ainda os conceitos
de situação didática e de contrato didático, propostos inicialmente por Brousseau.
Derivações e interpretações, nem sempre convergentes, destes conceitos iniciais, 2
contribuiram para o largo desenvolvimento deste campo de pesquisa. Seu objetivo
principal era favorecer a aprendizagem, propondo, para isso, situações ideais para o
ensino de determinados conteúdos. No entanto, estas propostas, as engenharias
didáticas, se mostraram inadequadas diante da experiência e das expectativas dos
docentes, evidenciando a fragilidade de uma perspectiva orientada da pesquisa para o
ensino.
Os construtos teóricos - e também metodológicos, como é o caso das engenharias
didáticas- , se difundiram em outros campos, de modo a contribuir para a constituição
da didática das ciências, do francês, da história e da geografia, e da educação física. Tais
campos de pesquisa, embora bastante heterogêneos no que diz respeito à sua
especifidade disciplinar, compartilham uma hipótese forte, que os caracterizaria
enquanto “didáticas específicas”: a consideração dos saberes disciplinares como o
elemento fundamental na compreensão do fenômeno “ensino”, analisado a partir tríade
Pofessor/Aluno/Saberes, tidos como sub-sistemas interdependentes. Este ponto de vista
viria a constituir o núcleo central, que possibilitou às didáticas específicas uma relativa
autonomia disciplinar, em relação a outros campos de investigação que também têm os
fenômenos educativos como objeto de estudos.
As didáticas e as práticas docentes
Recentemente, críticas internas ao carater normativo predominante nas pesquisas
em Didática da Matemática na década de oitenta, assim como a influência de inúmeras
pesquisas em Educação, que passam a se voltar para os docentes e sua
profissionalisação, contribuiram para uma reorientação dos focos de investigação deste
campo. Como sugere Leutenegger (2000), os pesquisadores em didática passam a se
dedicar ao estudo das condições efetivas de ensino e aprendizagem na sala de aula, com
o objetivo de compreender o funcionamento dos fenômenos educativos, onde o lugar do
professor passa a ser bastante problematizado.A questão do professor passa a ser tratada
de múltiplas maneiras, segundo os referenciais teóricos adotados pelos pesquisadores.
De modo geral, as pesquisas procuram compreender e modelisar a prática docente,
identificando o sistema de restrições, decisões e possibilidades inerentes à prática.
Os avanços teóricos na pesquisa em Didática da Matemática permitiram a
migração de construtos para as outras didáticas específicas, que também procuram 3
estudar o pólo “professor”, o que tem colocado a pertinência de um ponto de vista
comparatista.
Além disso, a evidente proximidade, nem sempre convergente, entre os resultados
de pesquisa nas didáticas e em Educação têm incitado o debate recente (Raisky e
Caillot, 1996) em torno da possível constituiçao de um campo teórico comum, para
além das didáticas específicas. A evidente complexidade da questão “práticas docentes”,
compartilhada entre diferentes campos de investigação, indica a pertinência, se não a
urgência, de uma especificação dos instrumentos teóricos e metodológicos próprios a
um ponto de vista “didático”. Esta perspectiva de investigação poderia se denominar
“Didática Comparada” (Mercier, Schubauer-Léoni e, Sensevy, 2002).
A perspectiva comparatista
Neste contexto, a perspectiva comparatista constitui um campo de pesquisa
emergente, que se define a partir de um objeto central, o funcionamento do sistema
didático, e, no seu interior, as práticas docentes efetivas. Sua problemática principal,
como sugerem Schubauer-Leoni e Leutenneger (2002), se centra na questão: a relação
didática se refere a cada campo disciplinar específico – e, neste caso, em que medida? -
ou apresenta traços de “genericidade”
1
?
Seu programa de pesquisa visa identificar elementos genéricos e especificos
presentes nas práticas docentes, considerando diferentes contextos educativos e
situações, como: a sala de aula e outros espaços educativos; as práticas docentes de
diferentes disciplinas ou a utilização de referenciais teóricos comuns entre diferentes
campos disciplinares.
Como adverte Joshua (2002), esta perspectiva evitaria o “fechamento defensivo”
no qual as didáticas disciplinares muitas vezes se colocam, o que tem dificultado o
aprofundamento teórico de seus princípios filosóficos e epistemológicos. Por outro lado,
a perspectiva comparatista se distancia de uma “didática geral”, na medida em que
preserva, como fio condutor da análise de situações didáticas, as relações com os
saberes, em suas regulações de natureza ao mesmo tempo genérica e específica.
1
Este termo se refere ao original francês “génericité”, que não corresponde, em português, ao termo
“generalidade”, que remeteria a uma possível generalização dos fenômenos. A perspectiva comparatista
visa exatamente introduzir uma ruptura, sugerindo uma outra relação entre o que é específico e o que é
genérico: a “generacidade” existe nos fenômenos educativos, mas este traço só pode ser apreendido na
especificidade das situações de ensino e aprendizagem. 4
De modo a explicitar uma metodologia que favoreça esta abordagem comparatista,
um enfoque clínico tem sido proposto, caracterizado pela análise detalhada das
interações no sistema didático. As observações e entrevistas, numa abordagem
etnográfica, possibilitam a compreensão de uma dinâmica evolutiva.
Em relação ao estado atual da pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil,
geralmente centradas nos temas “profissionalização” e “saberes docentes”, esta
perspectiva possibilita ferramentas teóricas e metodológicas para a análise da
operacionalização dos saberes docentes, em situações didáticas concretas. Esta
abordagem parece fundamental diante da fragilidade do ponto de vista unicamente
intrínseco, que considera o professor como sujeito cognitivo, com seus conceitos,
representações e história de vida, isoladamente das situações efetivas de ensino e
aprendizagem, onde tais saberes produzem, efetivamente, sentido. Por exemplo,
Shubauer-Leoni e Leutenegger (1997), colocaram em evidência os processos
diferenciadores co-construídos entre o professor e os alunos, no caso de processos
matemáticos em jogo na escrita de um número.
De modo geral, na perspectiva comparatista, o questionamento sobre a
“genericidade” dos processos em questão pode contribuir para renovar o debate em
torno das relações entre Didática e a Pedagogia, ao mesmo que tempo que interroga a
especificadade das didáticas específicas. Ambas as questões parecem especialmente
pertinentes em relação à dinâmica de produção de conhecimento acadêmico no Brasil,
onde as didáticas específicas têm se introduzido de maneira bastante disciplinar.
Além disso, a pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil tem se servido de
diferentes paradigmas de investigação, gerados nos campos do currículo, da sociologia,
da filosofia ou da psicologia da educação
2
, e não especialmente a partir do que seria
próprio a um ponto de vista didático. Neste sentido, a perspectiva comparatista nos
possibilita reposicionar a questão do estatuto epistemológico da Didática, e indagar,
ainda num espírito comparatista, a pertinência de construtos teóricos gerados em outros
contextos educativos, em relação às práticas e às políticas educacionais brasileiras.
Referências Bibliográficas:
2
Além disso, como indicam diversas sínteses (como Borges, 2001 e Nunes, 2001) , as pesquisas
brasileiras nesta área têm sido, até agora, influenciadas principalmente pela produção norte-americana e
canadense, e muito pouco pela didática francesa. 5
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DIDÁTICA E PRÁTICAS DOCENTES
UMA ABORDAGEM COMPARATISTA
Autoras
Instituição
As Didáticas específicas : ferramentas teóricas
As Didáticas e a pesquisa sobre as práticas docentes
A Perspectiva comparatista
Referências Bibliográficas
Didática Geral – Módulo 6 Dg6
Educação Escolar, pedagogia e didática
Fonte: LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.
Cap 2 – página 25 a 26
“Os cursos de habilitação do Magistério em nível de segundo grau e superior,
são os cursos que capacitam o professor.”
Composição dos Cursos :
o um conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos
objetivos e conteúdos devem confluir para uma unidade teóricometodológica do curso.
Ensino Competente compreende :
o depende da formação profissional do professor.
o o processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação
teórico-científica e técnica.
Fazem parte da formação do professor duas dimensões:
o formação teórico-científica, incluindo a formação acadêmica específica nas
disciplinas em que o docente vai especializar-se
o formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia,
História da Educação e da própria Pedagogia que contribuem para o
esclarecimento do fenômeno educativo no contexto histórico-social; a
formação técnico-prática visando à preparação profissional específica para a
docência, incluindo a Didática, as metodologias específicas das matérias, a
Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras.
Os conteúdos devem:
o ser organizados nos aspectos teóricos e práticos e nunca considerá-los
isoladamente. Devendo portanto estar articulados
o os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas
exigências metodológicas.
o As disciplinas de formação técnico prática não se reduzem ao mero domínio
de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo
tempo que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática
TEORIA E PRATICA DEVEM CAMINHAR JUNTAS
o teoria vinculada dos problemas reais postos pela experiência prática e a ação
prática orientada teoricamente.
O processo didático efetiva a mediação escolar de objetivos, conteúdos e
métodos das matérias de ensino. Em função disso, a Didática descreve e explica os
nexos, relações e ligações entre o ensino e aprendizagem; investiga os fatores codeterminantes desses processos; indica princípios, condições e meios de direção do
ensino, tendo em vista conteúdos específicos.
A Didática se baseia numa concepção de homem e sociedade e, portanto,
subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação escolar
a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira.
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CONTRIBUIÇOES AO ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DA DIDÁTICA DA HISTÓRIA
COMO DISCIPLINA ESCOLAR NO BRASIL: 1935-1952
Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt
1
Universidade Federal do Paraná
RESUMO
No Brasil, na primeira metade do século XX, entre as bandeiras de luta dos intelectuais preocupados
com a educação do povo brasileiro neste período, estavam a necessidade de difusão e universalização
da escola pública, a renovação e difusão de novas idéias pedagógicas e, principalmente, a preocupação
com a formação dos novos mestres. É neste contexto também que a História se consolida como
disciplina escolar (Nadai; Bittencourt), ao mesmo tempo em que, nos cursos de formação de
professores, eram criadas e introduzidas disciplinas de cunho pedagógico, destinadas especificamente
à complementação didático-pedagógica dos especialistas nas diferentes áreas do conhecimento. Além
das disciplinas de cunho pedagógico geral, foram introduzidas as Didáticas Especiais, entre elas, a
Didática da História, objeto deste trabalho. Assim, esta pesquisa inscreve-se no campo de investigação
da história das disciplinas escolares (Chervel; Goodson) e da história como disciplina escolar
(Bittencourt; Citron), cujos estudos e pesquisas têm apontado a necessidade de se entender os saberes
e práticas escolares em sua especificidade, considerados como expressão da cultura escolar (Juliá),
articulados às mudanças e continuidades inscritas nos ritmos próprios da longa duração, bem como
relacionados com os contextos e estruturas das sociedades. O objetivo deste trabalho não é pesquisar a
História como disciplina escolar, mas buscar identificar e analisar alguns elementos que contribuíram
para a construção do código disciplinar (Cuesta Fernandez) da Didática da História, uma disciplina
cujos conteúdos e finalidades destinam-se especificamente à formação do professor de História. Neste
trabalho, tomou-se como fonte para a investigação três manuais produzidos por professores de
Didática da História e publicados, respectivamente em 1935 (dois manuais) e 1952 (1 manual), no
contexto de duas reformas educacionais: a Reforma Francisco Campos (1931) e a Lei Orgânica do
Ensino Secundário, Reforma Capanema (1942). Pesquisas recentes (Chopin) têm indicado os manuais
didáticos como elementos destacados da cultura escolar, situando-os como importantes e substanciais
fontes para a História da Educação. Neste trabalho, tomou-se como objeto de análise manuais
destinados à formação de professores os quais, devido à sua natureza e ao seu conteúdo, têm sido
reconhecidos como diferentes dos manuais destinados aos alunos (Guereña/Ossembach/Del Pozo).
Estes manuais, utilizados principalmente em instituições de formação de docentes, apresentam-se
como referencias para se conhecer os processos de profissionalização de professores (Nóvoa;
Escolano; Vidal; Carvalho). No caso específico deste trabalho, analisou-se manuais representativos de
determinada disciplina, a História, num contexto em que, segundo Correia y Peres, a influencia da
Pedagogia estimulava a criaçao das Didáticas Especiais. Apreendidos enquanto discursos, como
“textos visíveis” do código disciplinar da Didática da História, estes manuais revelaram-se como
indiciários de determinadas formas de pensar e do sentimento comum da prática profissional, bem
como permitiram distinguir algumas evidencias de maneiras pelas quais foram concebidas certas
representações da História como matéria escolar o que, conforme Michel Foucault, pode ser revelador
da compreensão do que cada sociedade apresenta como seu “regime de verdade”. Neste sentido, a
análise dos três manuais permitiu sistematizar algumas questões, tais como se procurava legitimar
determinado perfil do professor de História, certas concepções de História, bem como de um saber
“técnico-prático”- ou um conjunto de princípios e estratégias de ensino. Isto permite sugerir que esta
História com Pedagogia (Schmidt) constituiu o fundamento de uma nova disciplina, a Didática da
História, bem como levantar a hipótese de que muitos dos seus elementos passaram a contribuir para a
constituição da representação da identidade profissional do professor de História no Brasil.
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[email protected] 4101
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TRABALHO COMPLETO
Na área do ensino de História, vários autores vêm contestando posições que pensam a
Didática da História apenas como um conjunto de conhecimentos que tentam transformar, na prática,
historiadores profissionais em professores da escola fundamental e média, perspectiva que tem
acompanhado muitas concepções relacionadas com as disciplinas destinadas a ensinar como se ensina
a história. No Brasil, a concepção de que estas disciplinas têm um caráter eminentemente “prático”,
baseadas numa aplicação de ténicas e métodos de ensino aos conteúdos específicos da História, ainda
é predominante, dando origem, inclusive, à criação de disciplinas como Didática da História do Brasil,
Didática de História Medieval, Didática da História da América, sugeridas em recentes reformas
curriculares dos cursos de História.
No entanto,com base em estudos contemporâneos, pode-se afirmar a existência de um
domínio específico do conhecimento denominado Didática da História, o qual se inscreve nas
interfaces da investigação entre a própria epistemologia da História, tomada como referência para a
construção de categorias e metodologias de análise, e seu diálogo com outras ciências, situado “na
encruzilhada de diversas ciências humanas entre as quais estão, por um lado, as que se ocupam
tradicionalmente da aprendizagem e, por outro, as que constituem a base do conhecimento que se
pretende ensinar”. (PRATS,2002,p.81).
Nesta direção, este trabalho procura entender a construção da Didática da História como um
tipo de disciplina escolar, com um substrato próprio. O campo e objeto de investigação da pesquisa
são alguns manuais destinados à formação de professores, foram produzidos por profissionais do
magistério, que se dedicaram ao ensino da metodologia e prática de ensino de História no Brasil, e que
publicaram obras sobre as suas experiências, respectivamente em 1935 e 1952.
De um lado, este estudo insere-se no conjunto de reflexões sobre a história das disciplinas
escolares (Chervel,1990; Citron,1992; Goodson,1997), as quais têm apontado a necessidade de se
entender os saberes escolares em sua especificidade, articulados às mudanças e continuidades inscritas
nos rítmos próprios da longa duração, bem como relacionados com os contextos e estruturas das
sociedades.
De outro, o trabalho inscreve-se nos estudos sobre as didáticas das disciplinas ou didáticas
específicas, temática que vem atraindo a atenção de pesquisadores educacionais, como atestam os
trabalhos de Terrise (2001), os quais apontam a constituição do campo das didáticas específicas a
partir do conceito de “referência”. Nesse sentido, Moniot (2001) também assinala que a construção do
campo específico da didática da História é um fazer-se, instituído a partir da referência à história dos
historiadores, ao conceito de “transposição didática”, à própria constituição da história como
disciplina escolar, bem como à idéia de prática social de referência, pressupondo, portanto, uma
determinada cultura política e de filosofia social.
A partir destas perspectivas, aponta-se a construção de um tipo de matéria escolar, isto é, de
um conjunto de conhecimentos, idéias, valores, rotinas e práticas, que foram sendo sistematizadas em
diferentes momentos históricos, e cuja principal finalidade passou a ser a constituição de uma base de
referência sobre “como ensinar” a história e cujo destino é a formação inicial e/ou continuada de
professores.
Historicamente, no Brasil, essa disciplina tem aparecido com várias denominações, tais como
Didática da História, Metodologia do Ensino de História e Prática de Ensino de História, nos cursos de
licenciatura, destinados à formação do professor de História. Também recebeu o nome de Didática dos
Estudos Sociais (incluindo Geografia e História), quando se destina à formação de professsores das
séries iniciais (1ª. a 4ª. série). A escolha do recorte histórico deve-se ao fato de que os manuais
utilizados como fontes foram publicados em dois momentos significativos para o ensino de História no
Brasil: - em 1935 , durante o processo de implementação da Lei Francisco Campos (de 1931), a qual
tornava obrigatório o ensino de historia na escola secundária, inclusive a História do Brasil. Neste
período foram publicados dois manuais:
SERRANO, Jonathas – Como se ensina a história.São Paulo: Editora Cia. Melhoramentos de
São Paulo, 1935. O autor já havia publicado um manual da mesma natureza, em 1917, dirigido a
professores da escola primária. Era professor do Instituto de Educação e do Colégio Pedro II, do Rio
de Janeiro. Produziu também vários manuais didáticos de historia geral e do Brasil, destinados a
alunos. 4102
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MENDES, Murillo – A História no curso secundário. Monografia para o concurso da cadeira
de Metodologia do ensino secundário, do Instituto de Educação, da Universidade de São Paulo. São
Paulo: Gráfica Paulista, 1935. O autor era secretario geral da reitoria da Universidade de São Paulo.
O terceiro manual analisado, foi publicado após a promulgação do Decreto-Lei n. 4.244, de
1942 – Reforma Gustavo Capanema e da Portaria 1.045, da Reforma da Escola Secundária, de 1951:
CASTRO, Amélia Americano Franco Domingues de. Princípios do método no ensino da
História. Tese de doutoramento apresentada à cadeira Didática Geral e Didática Especial, da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo: Universidade de
São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Boletim 138, Didática Geral e Especial 1, 1952.
A autora foi professora de Prática de Ensino de História da USP.
A opção pela análise de manuais, tem como referência o pressuposto de que determinados
objetos contribuem para materializar as disciplinas, entre eles o manual didático. Trata-se de um tipo
de objeto da cultura escolar, produzido fora da escola, mas destinado ao uso em sala de aula,
caracterizando-se como um dos elementos do contrato didático porque “um protocolo preside o seu
uso o qual é raramente ensinado, mas frequentemente enunciado, o qual o aluno descobrirá
progressivamente”.(DEVELAY,1992,p.33). Da mesma forma, os objetos utilizados no ensino de uma
discplina mudam, ao mesmo tempo em que muda a sua matriz disciplinar. È neste sentido que pode se
falar da importânca do manual didático na construção da história da Didática da História, uma
disciplina que foi sendo instituída nas e a partir das experiências realizadas nos cursos de formação
de professores, acompanhando o próprio processo de pedagogização da história no Brasil.
Uma primeira questão é a de elucidar as principais características deste tipo de publicação. De
modo geral, os manuais destinados à formação de professores têm sido incluídos no conjunto de
publicações que, conforme Batista (2000, p.542), “são tanto produzidos quanto impressos tendo em
vista o mercado escolar”, remetendo, portanto, à necessidade de identificá-los no movimento de
construção do processo de escolarização.
Segundo Briand/Chapoulie (1993), este processo é um fenômeno relacionado à experiência
própria da instituição escolar e com os sujeitos nela envolvidos, bem como inserido na dinâmica das
articulações entre as instituições escolares e determinados projetos e propostas políticas. Ao mesmo
tempo, esse movimento é um processo paulatino de produção de referências sociais, de uma cultura
escolar, tendo a escola ou a forma escolar de socialização e transmissão de conhecimentos como eixos
articuladores de sentidos e significados, ao qual se dá o nome de escolarização do social. Nesta
perspectiva, duas ordens de questões se apresentam. A primeira diz respeito às relações entre escola,
cultura e ensino, as quais requerem a superação de concepções reprodutivistas da escolarização; a
segunda indica a particular importância da noção de cultura , pois ela permite articular, descrever e
analisar os elementos-chave que compõem o fenômeno educativo, incluindo-se, entre eles, os manuais
didáticos. (FARIA FILHO, 2000).
Assim, os manuais destinados aos professores pertencem à cultura escolar, sendo produtos e
produtores de conhecimentos escolares, instituidores de modos de fazer ou de construir a
escolarização, bem como construtores de identidades pessoais e profissionais. Enquanto
referenciadores e normatizadores de práticas pedagógicas escolares, eles contribuíram e contribuem
para urdir e dinamizar a complexa trama do cotidiano escolar. Neste sentido, estão identificados com
a construção da forma escolar, a qual permite recuperar a formação do professor destinado ao ensino
de História no movimento do “pensar a mudança” no processo de escolarização brasileiro.
(VINCENT/THIN/LAHIRE, 2001:10).
Eles também podem ser definidos a partir de sua principal característica, isto é, pelo tipo de
leitor a quem, prioritariamente, se destinam - os professores, na “forma de manuais de didática geral
ou didática especial,( que propunham métodos e atividades de ensino de alguma disciplina), os livros
didáticos exclusiva ou prioritariamente para o professor (...) ”(BATISTA,Ibid:551).
A opção pela pesquisa em manuais destinados à formação de professores de História significa
também tratar este objeto a partir dos marcos definidores iniciais, isto é, como manuais didáticos
relacionados ao processo de escolarização, constitutivos da cultura escolar e destinados à formação
didático-pedagógica dos professores, em determinado período e contexto da sociedade brasileira. O
fato de proporem métodos e atividades de ensino da disciplina História indica a necessidade de
explicar o que se entende pelo conjunto de conhecimentos veiculados por estes manuais, ou o tipo de
saberes constitutivos destas publicações. 4103
4103
Em primeiro lugar, é preciso distinguí-los dos manuais cujo conteúdo principal é o
conhecimento histórico propriamente dito: conteúdos de História Antiga, Medieval, Moderna,
Contemporânea e História do Brasil, tratados didática e graficamente com a finalidade do
ensino/aprendizagem da História pelos alunos. Os manuais de didática trazem uma gama de
conhecimentos que podem ser incluídos nos saberes e práticas próprios da prática de sala de aula de
História, destinados a uma introdução formal para o ensino de História nas escolas, exercendo a
função de mediação entre a História como disciplina acadêmica e os modos de ensinar o
conhecimento histórico na sala de aula. Segundo Rüsen,(1987), a natureza destes conteúdos é guiada
pelas necessidades da formação dos professores para o ensino de História, cujo processo pode ocorrer
em dois níveis e constituem o substrato da disciplina Didática da História.
O primeiro nível é puramente prático e de acordo com os métodos de ensino de História na
sala de aula. Trata-se de um relato influenciado pela pedagogia – é falar e ensinar como fazer. Rüsen
(1987) chama este aspecto de Metodologia do ensino de História. O outro é teórico, pois focaliza as
condições e necessidades básicas do ensino e aprendizagem da História. Trata-se da discussão da
História em relação a outros conhecimentos com os quais está comprometido o fenômeno do ensino e
aprendizagem. Por exemplo, as ciências sociais que investigam as condições sociais do ensino e da
aprendizagem e, naturalmente, com os próprios historiadores os quais investigam a História como
sujeito principal do discurso. Neste nível, diz o autor, se estabelece os objetivos e formas da educação
histórica, a partir de um determinado contexto político, social, cultural e institucional. A metodologia
do ensino de História estabelece os significados práticos através dos quais estes objetivos podem ser
alcançados.(RUSEN,1997,p.277).
Os trabalhos de Rüsen (1997) indicam que os manuais destinados aos professores referem-se
a um determinado conhecimento escolar, um tipo especial de saber, ou seja, a História como matéria a
ser ensinada, que pode ser explicada pela sua inserção numa larga tradição social inventada, não de
uma só vez, e recriada no que Fernandez Cuesta (1998) chama de “código disciplinar”, ou seja
una tradición social que se configura históricamente y que se compone de un conjunto de
ideas, valores, suposiciones e rutinas, que legitiman la funcion educativa atribuída a la História y que
regulam el orden de la práctica de su enseñanza (…) las especulaciones y retóricas discursivas sobre
su valor educativo, los contenidos de sua enseñanza y los arquetipos de práctiva docente, que se
suceden en el tiempo y que se consideran, dentro de la cultura dominante, valioso e legitimo.(…) lo
que se dice acerca del valor educativo de la Historia, lo que se regula expresamente como
conocimiento historico y lo que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones,
prácticas y contextos escolares impregnam la acción institucionalizada de los sujetos profesionales
(los profesores) y de los destinatarios sociales (los alumnos) que viven y reviven, en sua acción
cotidiana, los usos de educación historica de cada época. Usos que, naturalmente, no son ajenos, todo
lo contrario, a la lógica de producción y distribución del conocimiento (...).(FERNÁNDEZ CUESTA,
1998,P.8-9).
Nesta perspectiva, tais manuais podem ser vistos como constitutivos do “código
disciplinar”da História e, assim, analisados em duas dimensões. A primeira diz respeito à idéia da
construção do código disciplinar como uma tradição que se configura historicamente em uma larga
duração, a partir da relação que se estabeleceu entre a edificação da história como disciplina escolar e
a dinâmica da educação brasileira, como as reformas educacionais realizadas.
A segunda incita à análise dos manuais a partir da busca de características do “código
disciplinar”, a qual coloca em relevo a complexa problemática das relações entre conhecimento
científico e conhecimento escolar, pois os livros de texto são uma parte da “tradição seletiva”que, “en
virtud de una acción recontextualizadora efectuada por vários agentes sociales, convierte el saber
acadêmico en conocimiento escolar legítimo, trasmuta la ciência que se hace en la ciência que se
enseña”(FERNANDEZ CUESTA, op.cit., p.102). Neste sentido a análise dos manuais pode elucidar
aspectos da “transposição didática”(CHEVALLARD, 2000) relacionados à construção dos modos de
ensinar a História enunciados pelos autores, a partir da sua própria cultura experiencial. Alguns
autores, como aqueles que produzem os manuais de Didática Especial, organizam esta transposição a
partir de sua experiência como educador ou especialista em educação. Outros sistematizaram seus
enunciados a partir de sua experiência em sala de aula, como especialista em determinada disciplina.
Desde o momento de sua introdução como elemento constitutivo do código disciplinar da
História, estes manuais já apresentam o que Fernandes Cuesta (1998) chama de “história com 4104
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pedagogia”, porque ressaltam e valorizam aspectos pedagógicos como fundamentais para um ensino
cujo objetivo era formar verdadeiros cidadãos. Neles, a interação com o conteúdo específico da
História foi mediada por elementos pedagógicos e psicológicos e o conteúdo passou a ser visto
muito mais em função do seu interesse e adequação aos alunos.
Neste aspecto, é importante destacar que os três manuais analisados dedicam uma parte às
reflexôes sobre a História como ciência e outra parte aos aspectos metodológicos do seu ensino. A
preocupação com os aspectos metodológicos no ensino de História já existia na obra de Jonathas
Serrano, mas foi a Reforma Francisco Campos, de 1931, que apresentou, pela primeira vez, nas
propostas das diferentes disciplinas, incluindo a História, a grande novidade das Instruções
Metodológicas. Ressalta-se que a partir de 1930, teve início um processo de consolidação do código
disciplinar da História, no contexto da sociedade brasileira pós-Revolução de 1930, o qual concretiza a
institucionalização de alguns projetos de reformas educacionais, como a Reforma Francisco Campos,
de 1931. Neste contexto, o ensino de História pode ser visto como um “fator de coesão nacional” e
“a História era tida como disciplina que, por excelência, formava os estudantes para o exercício da
cidadania e seus programas incorporavam essa concepção” (ABUD, 1993:163). Entre as bandeiras de
luta dos educadores brasileiros deste e dos períodos subseqüentes estavam a necessidade da difusão
da escola pública, a formação profissional dos novos mestres e a renovação pedagógica. Este tripé,
determinado em função das demandas nacionais, embasou e estimulou a produção e difusão de uma
literatura específica, destinada à formação renovada de professores. Estas publicações consolidaram-se
como documentos importantes para orientação das práticas pedagógicas escolares, de modo geral, e da
História, em particular.
A presença das Instruções Metodológicas na Reforma Francisco Campos é demonstrativa da
consolidação da História como disciplina escolar obrigatória para todas as escolas. Elas enfatizam a
renovação metodológica como o caminho para a construção de um ensino necessário à formação do
cidadão mais crítico, uma expectativa da luta dos educadores neste período, bem como são indiciárias
da presença das idéias da Escola Nova no Brasil.
No ensino de História o pensamento de John Dewey foi um dos referenciais para estas
inovações, sugeridas no manual “Como se ensina a História”, de Jonathas Serrano, publicado em
1935. Este manual faz parte do conjunto de publicações da “Biblioteca da Educação”, organizada por
Lourenço Filho, e essa Coleção “é contemporânea e caudatária de outros empreendimentos editoriais
semelhantes,implementados tanto no Brasil como em outros países da América e
Europa”(MONARCHA,1997,p.31). Com esta obra, SERRANO consolidou sua posição como
intelectual identificado ao horizonte social em que se inscreve a perspectiva do "otimismo
pedagógico". No momento da sua produção, era professor do colégio D.Pedro II e Membro do
Instituto e este livro pertence à já referida Biblioteca de Educação, volume número 25.
Ao contrário do aspecto metodológico, do ponto de vista do conteúdo a ser ensinado, o livro
contém uma severa crítica aos conteúdos propostos pela Reforma Curricular Francisco Campos, de
1931. O significado desta Reforma no contexto pós Revolução de 1930 já foi analisado por ABUD
(1993) para quem a História era tida como disciplina que, por excelência, formava os estudantes para
o exercício da cidadania e seus programas incorporavam essa concepção..
Com relação à Reforma Francisco Campos, de 1931, SERRANO (1935) afirma que ela seria
absolutamente irrealizável, "dir-se-ia que os programmas dessas series foram elaborados por quem
jamais esteve em contacto com a realidade viva de classes secundarias do nosso meio. Número
excessivo de pontos". Note-se a preocupação do autor com a adequação do currículo ao
desenvolvimento dos alunos e aos seus interesses. Neste sentido, a obra “Como se ensina a História”
reserva vários capítulos às questões metodológicas, aprofundando questões já explicitadas em outras
obras.
A preocupação com a renovação metodológica no ensino de História também está presente na
obra de Murillo Mendes (1935). Este autor dedica grande parte de suas reflexões à necessidade da
renovação do ensino de História, preocupado que está com a sua adequação aos ideais e interesses da
juventude. Ao contrário de SERRANO, para quem a Reforma Francisco Campos, apesar de apontar as
inovações metodológicas, é passível de crítica, MENDES considera essa proposta como inovadora em 4105
4105
todos os sentidos. No entanto, assim como SERRANO, ele dedica uma parte do seu livro às reflexões
sobre o conhecimento histórico e outra sobre as “Novas directrizes da methodologia da historia”.
focalizar os indivíduos como expressões do meio social e, principalmente, desenvolver “os
processos de fixação, investigação, raciocinativos, ilustrativos e outros, abrangendo esquemas, formas
de representação, literatura, exame, discussão, e também onde os julgamentos de valores eram
recomendados.Fazendo apelo à pedagogia da escola nova, a Portaria ressaltava e enfatizava a
importância do estudo da história do passado para a compreensão do presente. A proposição desta
Portaria pelo MEC fez parte um conjunto de medidas constitutivas do processo de redemocratização
da sociedade brasileira após o período da ditadura Getulista, Estado Novo (1937-1945). No campo
educacional, um dos principais investimentos do governo brasileiro no período (1945-1961) foi a
valorização e expansão da escola secundária, ocorrendo o que Nunes (1980) chamou de
“modernização da escola secundária”.
(p.5). Esta deficiência, como ela própria afirma, deve-se ao fato de que a maioria dos livros
era em lingua estrangeira. Esta referência pode ser considerada um indicativo da forte influência de
autores estrangeiros na construção da Didática da História no Brasil, além da presença de autores
estrangeiros na própria bibliografia citada pelos autores analisados.
Uma novidade a ser destacada na obra de CASTRO (1952) é a forma pela qual ela admite a
diferença entre a Didática Geral – o estudo das diferentes técnicas didáticas particulares aplicáveis nas
situações em que se defrontam professores e alunos, ligado com as considerações gerais que as
explicam e fundamentam, bem como os diversos modos de proceder que são utilizados na
aprendizagem, que obedecem a certos principios mais gerais que constituem o método pedagógico. E a
Didática Específica – a qual considera o método pedagógico em função de uma determinada matéria.
A proposta do seu livro é: estabelecer os principios básicos referentes à natureza da história; Estudar
os principios gerais do método pedagógico, a partir do qual se busca as finalidades da ação educativa e
as características próprias do educando, para as diretrizes da orientação didática; Desenvolver os
processos didáticos particulares nos quais se encontram os principios fundamentais já explicitados.
Para CASTRO (1952) existe uma Didática Específica da História, a qual é constituída pelos principios
que definem a natureza da Historia enquanto ciência e pelos principios de natureza psico-pedagogicos
(método de ensino, objetivos educacionais e concepção de educando). Esta preocupação está presente
na estrutura do seu livro:
Já no primeiro capitulo da segunda parte, a autora procura explicitar a relação entre a história
como conhecimento especifico e os outros conhecimentos que interferem no seu ensino, tais como a
psicologia, a pedagogia e a sociologia, com o intuito de definir o método e as finalidades do ensino.
Em primeiro lugar, procura definir o que entende por método – ou seja, um conjunto de
meios ou os processos empregados para atingir o objetivo visado. Busca também distinguir método
de técnica, processo ou artifício de ensino. A técnica é uma fase do método, que é a aplicação prática
de certos princípios pedagógicos. Existem também as técnicas didáticas para aplicação e uso dos
instrumentos de ensino (quadro de giz, cinema,etc). Os métodos derivam de determinada doutrina
filosófica ou psicológica, como o método do pensamento reflexivo de Dewey, o método dos passos
formais de Herbart e dos projetos de Kilpatrick.
A autora baseia-se nos princípios da teoria da atividade do educando de John Wynne, os quais
pressupõem: - uma atitude ativa da escola perante a organização da sociedade o que exige a formação
de hábitos de iniciativa, participação , cooperação, crítica e pesquisa, no educando;o desenvolvimento
da interação entre o indivíduo e o meio, o que exige o ajustamento progressivo do educando ao meio e
a harmonia entre os indivíduos e a sociedade; além da consideração do indivíduo como um todo
orgânico.Baseia-se também nos s princípios da teoria da educação funcional de Claparede, os quais
indicam o pressuposto da atividade como atitude inerente ao educando e pressupõem a educação como
o desenvolvimento interno do indivíduo e a inteligência como um processo de adaptação a situações
difíceis. Em todos os momentos, ela procura a aplicabilidade destes princípios no ensino de História.4106
4106
CASTRO (1952) faz uma apropriação do pensamento de Dewey (Democracia e Educação)
para afirmar que é impossível considerar um método de ensino como separado da matéria à qual se
aplica, bem como do objeto a qual se aplica. Assim, afirma que entende a Historia como
O estudo das sociedades humanas e de sua evolução, pelo qual se compreende o estado atual da
humanidade e a continuidade histórica entre passado e presente, constitui o material com o qual
trabalhará o professor – material a ser ainda considerado em suas finalidades e em suas
possibilidades de assimilação por parte do educando. (p.49).Então, o que seria próprio da historia e
dos outros conhecimentos?
Para a autora, há um conjunto de conhecimentos gerais psicológicos, sociológicos e
pedagógicos que esclarecem o mecanismo mental da aquisição dos conhecimentos, da formação de
hábitos e atitudes, motivos de ação, etc..Estes constituem os princípios que devem dirigir a ação
pedagógica em qualquer circunstância, inclusive na metodologia específica de cada disciplina e que
formam a tríade essencial: matéria, fins, meios. Também dá um destaque especial ao educando que,
em sua opinião, é o centro polarizador das atenções da didática da história. Para ela, a finalidade do
ensino de história deve levar em consideração o desenvolvimento do educando e a adaptação do
indivíduo à sociedade.
A proposta que ela diz fazer para o ensino de história, em sua opinião, é adequada à realidade
das escolas e exige apenas uma mudança na mentalidade dos professores que com felizes exceções,
apegam-se a processos rotineiros e destituídos de objetivos. A reforma do ensino de história depende
exclusivamente de ser ela compreendida, aceita e praticada pelos professores, com entusiasmo e
carinho.(p.50).
Explicitamente a autora faz referencia ao Decreto-lei n.4.244 de 9 de abril de 1942, do
Ministro Gustavo Capanema, para apoiar-se nas finalidades do ensino secundário, propostas no seu
artigo 1º.:
“O ensino secundário tem as seguintes finalidades:
1. formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral
dos adolescentes;
2. acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a
consciência humanística;
3. dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de
formação especial”.
CASTRO também concorda com a concepção de jovem inscrita na lei, onde estes são
considerados como adolescentes, seres imaturos, cuja personalidade está em formação.
No subtítulo onde analisa os Objetivos do Ensino de História, a autora começa anunciando que
não podemos aceitar para a historia, na escola secundária, os mesmos objetivos da historia – ciência.
Não porque sejam diferentes, mas por serem encarados através de pontos de vista diversos: para a
primeira o fim está dentro do próprio conhecimento e para a secunda o fim está no educando e seu
desenvolvimento.(p.54). Ela afirma sua posição de que o principal propósito do ensino da hisitória em
nossas escolas publicas é treinar cidadãos e não produzir historiadores científicos.(p.55), o que revela,
de sua parte, uma consciência acerca da especificidade do conhecimento histórico escolar e de uma
disciplina que tem a responsabilidade de transmitir este tipo de conhecimento.
Ao mesmo tempo, vemos sua preocupação em indicar a relação entre o ensino e os modos de
educar de cada sociedade, quando diz que Os objetivos da educação em cada país determinam a
seleção das matérias a ensinar e a discriminação dos programas(p.55), bem como seu compromisso
com os interesses e realidades dos jovens estudantes da escola secundária, como atesta a pesquisa que
fez sobre este tema.
Esta pesquisa foi realizada em 1951, num universo de 428 alunos (377 amostras), com as
perguntas -
“Gostas das aulas de história? – Gostas de estudar história da civilização? – Porque? – Quais
os acontecimentos que mais o interessam na história?
Segundo a autora, cerca de 88,5% do total responderam afirmativamente. Este resultado fez
com que ela afirmasse que os adolescentes estão aptos a aprenderem história, particularmente porque 4107
4107
têm facilidade de desenvolver a Imaginação, quesito fundamental para a aprendizagem do passado;
além da capacidade de reflexão, ou de raciocinar (analisar, sintetizar, deduzir, induzir, perceber
relações, julgar e extrair conclusões). Outra capacidade inerente ao adolescente, segundo a autora, é a
do desenvolvimento da curiosidade – eles tudo indagam, tudo querem saber, têm atração pelo novo e
pelo exótico. Em sua opinião, uma dificuldade a ser superada pelo professor, é a atração que os
adolescentes têm pelas guerras, lutas e conquistas, mas, segundo ela, estes interesses podem ser
facilmente sublimados,
Se a história for ensinada como uma série de lutas políticas e militares nada conseguiremos,
porém, se dermos igual relevo à luta pela conquista da ciência e da arte, aos grandes movimentos
dirigidos por um ideal, à idéia da solidariedade e da unidade dos homens, talvez um passo à frente
seja dado nesse sentido. E se considerarmos a consciência histórica como sendo a própria
consciência humana aquela será obtida sem esforço através do dsejo que tem o adolescente de
conhecer e participar da humanidade de seu tempo e sua época.
Ao mesmo tempo, a autora diz que novos interesses devem ser despertados e criados nos
adolescentes, tais como: pela evolução da civilização, continuidade e interrelação entre passado e
presente; pela vida social em geral (usos, costumes,línguas, crenças etc); pela vida cultural em todos
os seus aspectos; pelas relações entre os homens e o meio, gêneros de vida,descobertas etc; pela vida
política nacional e internacional, e pela vida econômica em geral.
CASTRO (1952) já admite uma problemática que ainda persiste na formação do professor de
história, que é a dicotomização entre a formação do especialista e a formação pedagógica. Em sua
opinião, para superar esta questão é necessária levar em conta a posição do especialista, o qual possui
uma visão completa sobre determinado corpo de conhecimentos logicamente organizados e a posição
do aluno, para quem a matéria é o desconhecido a explorar. A organização lógica do conhecimento
histórico é a meta e não o ponto de partida do ensino. Este ponto de partida deve ser o ponto de vista
do aluno
Como afirma Fernandez Cuesta (1997;1998), o “código disciplinar” da Didática da História
foi sendo construído a partir de relações que se estabeleceram entre marcos contextuais, perspectivas
das ciências e uma determinada prática escolar desenvolvida em cursos de formação de professores..
Os manuais analisados evidenciam, assim, alguns elementos originais para a análise do “código
disciplinar” de uma disciplina que nasce nos espaços destinados à formação de professores (Instituto
de Educação, Faculdade de Educação), com alguns elementos que definem a sua natureza específica.
Entre eles, podem ser citados a forte relação com as diretrizes educacionais propostas pelo Estado, o
diálogo com outras ciências, como a psicologia e a sociologia, bem como chamada “pedagogização da
História”. Essa “pedagogização” revestiu-se, principalmente, pela incorporação de aspectos
relacionados aos métodos e técnicas de ensino e aos estudos referentes à personalidade e psicologia do
educando, importados da disciplina Didática Geral, indicando a existência de um novo tipo de
conhecimento ou de uma didática específica, cujos conteúdos destinam-se a ensinar a ensinar a
história.
A forma da “transposição didática” do conhecimento historico em conhecimento historico
escolar que constituiu o substrato de conteúdos próprios desta nova disciplina não levou em
consideração, neste momento, o fato de que o método de ensino pressupõe uma relação intrínseca com
o método e a filosofia da própria ciência, o qual delimita, não somente os objetivos e finalidades do
ensino, mas também a sua forma de ensinar. Pelo contrário, a transposição didática do conhecimento
historico em conhecimento escolar pautou-se, sobretudo, na imposição dos aspectos psicológicos e
pedagógicos. Esse pode ser um dos fatores que afastaram tanto “a história dos professores e a história
dos historiadores”.
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4109
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
Grupo de Pesquisa Educação a Distância e Práticas
Educativas Comunicacionais e Interculturais – EDaPECI
ANAIS DO II SEMINÁRIO EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO, INCLUSÃO E INTERCULTURALIDADE
DE 12 A 14 DE AGOSTO DE 2009
A DIDÁTICA DA EAD VIRTUAL
Renata Maria dos Santos
1
Priscila Silva
2
RESUMO
O presente artigo aborda as características da didática na Educação Virtual, com o intuito de distinguir
as suas especificidades. Por se tratar de uma nova modalidade de ensino, faz-se necessário demonstrar
a importância de distinguir as peculiaridades da didática do ensino presencial e do ensino à distância, o
que será possível ao apontarmos as semelhanças e as discrepâncias existentes entre ambas. As
pesquisas bibliográficas e web-bibliográficas (livros, periódicos, artigos e teses digitais)
empreendidas, nos colocaram diante de fontes empíricas que fundamentaram toda a teoria deste
trabalho. Portanto, um conjunto de procedimentos didáticos que asseguram a qualidade do processo de
ensino aprendizagem em ambiente virtual é identificado por esta pesquisa, constituindo-se numa base
de informações sobre a didática específica à EAD para iluminar as futuras práticas pedagógicas.
PALAVRAS-CHAVE: Didática; Educação a Distância; Novas Tecnologias.
1
Pedagoga; Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior; Aluna Especial do Mestrado em
Educação NPGED/UFS e do Mestrado em Sociologia NPGCS/UFS; Membro do EDAPECI.
2
Formada em Letras; Pós-graduanda em Didática e Metodologia do Ensino Superior; Aluna Especial do
Mestrado em Educação NPGED/UFS; Membro do EDAPECI. 230
ABSTRACT
This article discusses the characteristics of virtual education in teaching, in order to distinguish their
specificities. As a new method of teaching, it is necessary to demonstrate the importance of
distinguishing the peculiarities of teaching presence in education and distance learning, which will be
possible to identify the similarities and differences between them. The bibliographic searches and
web-bibliographical (books, journals, articles and theses digital) taken, placed in front of empirical
sources that supported the whole theory of this work. Therefore, a set of teaching procedures that
ensure the quality of the teaching learning in virtual environment is identified by this research,
constituting a base of information on teaching specific to EAD to illuminate the future teaching
practices.
KEY WORDS: Teaching; Distance Education; New Technologies.
1 INTRODUÇÃO
Tornou-se imperativo reconhecer que é necessária uma didática que promova a reflexão, a
crítica e a transposição de conteúdos, independente do distanciamento físico entre professores
e alunos. Essa discussão intensifica-se no mundo contemporâneo, caracterizado por um
turbilhão de informações e inovações tecnológicas, científicas, culturais e educacionais que
impõem a necessidade de nos educarmos permanentemente. Para tal, felizmente, podemos
contar com as novas tecnologias na educação, pois as formas tradicionais de ensino não
produzem os resultados necessários, quando sozinhas nessa empreitada.
Partindo do pressuposto de que a aquisição do saber não se restringe mais aos espaços
físicos denominados escolas, faculdades, bibliotecas, dentre outros, urge, portanto, a
necessidade de se compreender essa transição paradigmática e elaborar propostas didáticas e
metodológicas que não negligenciem a construção do conhecimento.
Faz-se Mister entender que, vencer uma cultura de ensino presencial torna-se um desafio
não apenas dos professores, pois se espera dos alunos uma autonomia responsável diante
dessa “não-presencialidade” do professor, e a este docente se aplica sucessivas tarefas, dentre
elas a busca por “novas competências” em favor de um “novo fazer pedagógico”. Ambos
ganham, portanto, novas responsabilidades e novos perfis.
A EAD virtual, destarte, deve contribuir para ampliar qualitativamente e
quantitativamente as oportunidades educacionais e a construção do conhecimento. É, 231
portanto, crucial ao professor explorar todas as possibilidades didáticas e metodológicas. A
exemplo nos diz Pedro Demo, que:
[...] a teleducação não dispensa o professor, embora agregue a seu perfil outras
exigências cruciais, como saber lidar com materiais didáticos produzidos com meios
eletrônicos, trabalhar em ambientes diferentes daqueles formais da escola ou da
universidade, acompanhar ritmos pessoais, conviver com sistemáticas diversificadas
de avaliação. (DEMO, 1996, p.200)
É importante salientar que o fato de professores e alunos estarem fisicamente
próximos não os isenta dos problemas de relacionamento decorrentes da jornada educacional,
tais problemas e suas respectivas soluções pedagógicas existem na EAD e também nos cursos
presenciais. Basta que se estabeleça uma relação (virtual) confiável e legítima para se estreitar
os laços de um relacionamento atípico, porém provocador, para a aquisição do conhecimento.
A Educação virtual requer contornos particulares, seja na didática, na metodologia, na
avaliação, na interação, na formação do professor, na conscientização dos alunos, ou seja, é
necessário polir as idéias e teorias da educação presencial, e construir novas idéias e teorias
próprias para essa modalidade de ensino.
Há um enorme potencial contributivo, tanto da EAD para a educação presencial,
quanto da experiência didática presencial para a EAD. Longe de se enfraquecerem podem se
ajudar, se complementar, oferecendo opções para quem deseja estudar virtual e/ou
presencialmente.
Desta forma, o presente artigo se propõe a refletir sobre as singularidades da didática
no processo de ensino e aprendizagem na modalidade da EAD virtual, identificando o
conjunto de procedimentos que guardam semelhanças e divergências com o ensino presencial.
Os registros apresentados nos permitem construir, a partir de uma revisão bibliográfica
atualizada e bem direcionada, uma base conceitual que expressa a importância da didática
nessa modalidade de ensino, descortinando suas peculiaridades.
2 A DIDÁTICA
O precursor da Didática João Amós Comenius (1592-1670), no século XVII estudou a
formação dessa teoria para investigar as ligações entre o ensino, o aprendizado e suas leis, e
escreveu a primeira obra clássica sobre o assunto, intitulada “Didactica Magna”. 232
Essa obra possuía (naquele momento histórico) um caráter revolucionário, pois serviu
com ardor à causa protestante de luta contra o tipo de ensino que a Igreja Católica Medieval
praticava, pregando a máxima de “ensinar tudo a todos”.
Tal disciplina técnica que tem como objetivo específico a “técnica de ensino”, visa
ajudar a resolver possíveis contradições entre o processo de ensino-aprendizagem e sua
utilização é elementar para todo tipo de atuação docente seja ela presencial ou à distância.
O processo de ensino-aprendizagem sob o prisma da didática é esclarecido por
Libâneo, quando este nos diz que:
O processo didático se explicita pela ação recíproca de três componentes – os
conteúdos, o ensino e a aprendizagem – que operam em referência a objetivos que
expressam determinadas exigências sociopolíticas e pedagógicas e sob um conjunto
de condições de uma situação didática concreta. (LIBÂNEO, 2005, p. 91).
A didática é, portanto, uma atividade educacional especializada, que se preocupa com
os problemas de ensino, buscando orientar esse processo. Entretanto, segundo Feldman (2001,
p.43) “Uma didática pode conter uma teoria da instrução, mas uma teoria da instrução
dificilmente abarcará por si mesma, todas as necessidades educacionais que requerem
respostas didáticas”.
Por Mello et al (2008), a didática pratica a mediação entre a teoria e a prática
educativa, o conteúdo e a forma de educar, o professor e o aluno, a sala de aula e a totalidade
da sociedade, ou seja, um domínio pleno das dimensões do ensino e da aprendizagem.
Desse modo, a competência requerida nos diz Perrenoud (2000), é cada vez menos
técnica e, sobretudo lógica, epistemológica e didática. Portanto:
Cabe ao professor, porém, dosar e disponibilizar uma teoria que desperte seu
interesse e o instigue para ir além do ponto em que estava, lembrando que o
problema da unidade teoria e prática surge quando a primeira vai de encontro da
necessidade da segunda, que pode desembocar na falta de tempero, de consciência e
de utilidade. (ROMÃO, 2008, p.72)
Pelo exposto, vimos que as informações que transitam por vias digitais
(potencialmente formadoras), requerem, a priori, habilidades didáticas para lidar com os
meios de acessá-las e de modo crítico e criativo, transformá-las em conhecimento. Kensky
(2007, p. 46), sobre tal assunto nos diz que “É preciso respeitar as especificidades do ensino e
da própria tecnologia para poder garantir que o seu uso, realmente, faça a diferença”. 233
3 A GLOBALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO
A globalização impõe transformações em todos os âmbitos da sociedade, cujos processos
de civilização e modos de produção são ditados pelo capitalismo. Além de produtos e
serviços, a globalização nos apresenta hábitos, estilos e conceitos que modificam a maneira
como vemos e apreendemos o mundo através do processo de incorporação dessas instâncias
ao nosso cotidiano.
O capital intelectual que representa a soma dos conhecimentos de todas as pessoas que
trabalham em uma empresa torna-se supervalorizado, produzindo a necessidade de uma
formação voltada para o desenvolvimento de competências, habilidades e estratégias de
negócios. Tal formação permite às empresas disputar o seu espaço no mundo globalizado.
O século XXI evoca a valorização da economia do conhecimento o que implica saber
principalmente o que fazer com ela. Um cenário voltado para a aprendizagem onde é preciso
saber gerenciar o conhecimento. Surge, portanto, um novo tipo de globalização, a
globalização da educação que acontece através da Educação Aberta e a Distância com a
utilização dos meios de comunicação, predominantemente a internet.
Reconhece-se o conhecimento como o fator mais importante da produção, onde é
preciso medi-lo no trabalho executado, agregando valor à atividade intelectual. Ocorre,
portanto, uma valorização do poder do cérebro intensificando o domínio do saber.
A globalização “da educação” suscita uma série de acontecimentos que transformam a
sua estrutura física e a mediação do conhecimento, ao implantar as Universidades Virtuais, os
Portais Educativos, Universidades Corporativas no âmbito empresarial e a dualidade de um
sistema que pode mesclar o presencial e o virtual, ampliando desse modo as possibilidades de
acesso ao sistema educativo, com uma otimização do tempo e redução/isenção da interação
física.
A era do conhecimento composto por mudanças estruturais nos imputa a tarefa de
aprender sempre mais, inovando e renovando conhecimentos. O seu tempo de vida útil está
cada vez mais reduzido e já não é mais possível formar um profissional para a vida inteira, o
que traduz a necessidade de se inserir em um sistema de aprendizagens ao longo dela.
O grande e atual desafio da educação recai na necessidade de trabalhar o homem e a
mulher integralmente, com vistas a possibilitá-los atender os requisitos do mercado e atuarem
como cidadãos de um mundo globalizado, pois o conhecimento, como valor universal e 234
direito de todos, precisa ser utilizado em todas as esferas da vida cotidiana, não devendo estar
meramente restrito a uma preparação para o trabalho.
A cultura da globalização atribui uma série de desafios, dentre eles o da formação de
cidadãos capazes de articular os contextos global e local. Para isso é necessário um maior
investimento na elaboração e gerenciamento de programas educativos que atendam às
demandas sociais.
Oliveira (2006) acrescenta que a EAD, fruto da globalização, encurta distâncias e pode
contribuir para a constituição de força de trabalho, de aprendizagem e principalmente de
solidariedade.
4 TRAÇOS DISTINTIVOS DA EAD VIRTUAL
Um olhar lançado sobre os itinerários teórico-metodológicos de sucesso da EAD
virtual, aponta que o ensino a distância, via web, não corresponde simplesmente à iniciativa
de cadastrar conteúdo em uma ferramenta tecnológica digital e distribuí-lo para as centenas,
quiçá milhares de pessoas sedentas de conhecimento. É necessária uma mudança estrutural,
no modelo pedagógico, na didática, na formação dos profissionais, dentre outras.
Através da internet e da WEB convergente temos o limiar da 5ª geração de EAD, que
se distingue das outras fases de ensino a distância (correspondência, televisionada,
radiofônica), por causa do elevado nível de comunicação síncrona e assíncrona que permite
promover no decorrer do processo, uma distância que reserva inúmeras possibilidades de
presença “virtual”.
A quinta geração, a de classes virtuais on-line com base na internet, tem resultado
em enorme interesse atividade em escala mundial pela educação a distância, com
métodos construtivistas de aprendizado em colaboração, e na convergência entre
texto, áudio e vídeo em uma única plataforma de comunicação. (MOORE,
KEARSLEY, 2008, p..48).
Tal modalidade de educação possibilita a auto-aprendizagem mediada por recursos
didáticos sistematicamente organizados em distintos suportes de informação que de modo
isolado ou combinado veiculam a base de informações que subsidiará o processo.
Nas palavras de Belloni:
“A educação aberta e a distância aparece cada vez mais, no contexto das sociedades
contemporâneas, como uma modalidade de educação extremamente adequada e 235
desejável para atender às novas demandas educacionais decorrentes das mudanças
na nova ordem econômica mundial”. (BELLONI, 2008, p. 3)
Niskier adentra ao contexto da legislação e nos diz que:
O sistema de ensino brasileiro obteve enorme flexibilidade com a promulgação da
Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, cuja regulamentação propicia a criação de
novas modalidades de cursos, de modo a poder incorporar novos conteúdos, práticas
pedagógicas e procedimentos de avaliação.” (NISKIER, 1999, p.16).
A distância, característica preponderante da EAD virtual é vista por Romão (2008) de
modo positivo ao pensarmos em lidar com ela de modo a fazer suscitar uma presença que se
estabelece na relação educativa, ou seja, aceitá-la para potencializar a presença que dela
advém, a presença “virtual”.
5 INTERAÇÃO
O fato de na EAD virtual o ensino ser conduzido por intermédio das NTICs tornam-no
um desafio para a maioria dos professores que precisam substituir os modos de interação
tradicionais e descobrir o potencial destas tecnologias para o processo de ensinoaprendizagem, o que nas palavras de Moore et al (2008), se dá através da humanização da
relação, cujas técnicas para alçá-la varia de acordo com a tecnologia.
A comunicação, mediada tecnologicamente, deve estar pautada em uma capacidade de
empatia, domínio das tecnologias e do conteúdo, para que este profissional possa motivar os
seus alunos e ajudá-los a gerenciar os seus estudos, pois, o processo precisa estar centrado no
aluno, o que requer ir além da introdução de tecnologias, buscando promover o
desenvolvimento da capacidade de auto-aprendizagem, assevera Belloni (2008). “Em EAD
como na aprendizagem aberta e autônoma da educação do futuro, o professor deverá tornar-se
parceiro dos estudantes no processo de construção do conhecimento, isto é, em atividades de
pesquisa e na busca da inovação pedagógica”. (IBID, p.81)
Vygotsy (2003) nos disse que a construção do conhecimento se dá por meio da
interação, pois cada pessoa é um ser social, relacional e participante de um processo histórico.
Portanto, o processo de ensino-aprendizagem envolve aquele que ensina, o aprendente e a
relação entre eles. 236
A distância na EAD virtual não representa abandono ou ausência, nos diz Romão
(2008). E esta continua esclarecendo que de igual modo estar presente não garante a
interlocução e o diálogo. Um tratamento diferenciado nesse processo suscitará a condição
humana e esta por sua vez estabelecerá a presença.
Uma interação cuja relação seja confiável e legítima sustenta grandes possibilidades
de sucesso. Pautada no aluno com vistas a fortalecê-lo como ser pensante, que caminha rumo
ao maior ganho educacional possível. “Toda atividade, todo ato de comunicação, toda relação
humana implica um aprendizado. Pelas competências e conhecimentos que envolve, um
percurso de vida pode alimentar um circuito de troca, alimentar uma sociabilidade de saber”
(LÉVY, 2007, p. 27)
É preciso dar respostas adequadas, em tempo hábil, provocando no aluno a
necessidade “consciente” de construção coletiva do conhecimento, promovendo assim, uma
relação fecunda em termos de relacionamento e interação.
O aumento da interatividade pode significar, por exemplo, o aumento da compreensão
do conteúdo que ocorre mediante o uso de técnicas pedagógicas e a efetivação da relação
entre tutor e aluno que ocorre mediante os meios de comunicação disponíveis.
A interação na EAD virtual difere-se dos modos anteriores a essa geração pois ocorre
em alto nível graças às tecnologias que a tornam multidirecional. Anteriormente tivemos as
interações unidirecional e bidirecional que não conferiam muita eficácia e credibilidade ao
processo.
Os modos síncronos e assíncronos ocorrem através dos chats, fóruns, e-mails,
telefonemas, encontros presenciais. Uma diversidade de formas de comunicação existe e
precisam ser explorada nesse processo, para que alcancemos os fins desejados.
6 MATERIAL DIDÁTICO E AVALIAÇÃO
A preocupação com a criação de condições para a aprendizagem do aluno deve estar
presente em todas as modalidades de ensino. Na Educação a Distância (EAD) o material
didático constitui-se em elemento mediador entre o aluno e o conteúdo a ser aprendido e traz
em seu cerne a concepção pedagógica que norteia o ensino aprendizagem do curso.
A probabilidade de sucesso de um curso a distância é diretamente proporcional à sua
qualidade pedagógica, e nos materiais didáticos a qualidade pedagógica pode ser alcançada 237
primando-se pelo caráter intelectual do conteúdo e suas múltiplas possibilidades de interação
e estímulo.
O material didático de cursos a distância deve destinar-se a orientar os estudos,
promover a ampliação do conhecimento, facilitar a compreensão crítica dos conteúdos,
instigar o hábito de pesquisa e promover a avaliação do processo de aprendizagem.
Construir um material didático para a EAD pressupõe, portanto, um repensar
pedagógico onde o conteúdo não prescinda a viabilização da aprendizagem e ambos não
sofram limitações por conta da distância física, em consonância com a fundamentação
filosófica e pedagógica do curso.
Impresso, audiovisual ou disponível na WEB ele deve favorecer a autonomia do aluno,
promovendo interação, estímulo e aquisição de conhecimento.
Com vistas a avançar na aprendizagem contamos com a avaliação, que através de um
processo de coleta de dados permite verificar se os objetivos e propostas dos cursos estão
sendo atingidos. Esta deve ocorrer de forma diversificada por conta das múltiplas
modalidades de interação.
A avaliação segundo Piletti:
[...] é um processo contínuo de pesquisas que visa interpretar os conhecimentos,
habilidades e atitudes, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento,
propostas nos objetivos educacionais, a fim de que haja condições de decidir sobre
alternativas do planejamento do trabalho do professor e da escola como um todo. (
PILETTI, 1987, p. 190)
Diagnosticar as condições dos alunos ao iniciarem o curso, detectar e controlar as
falhas e insucessos no decorrer da aprendizagem e classificar os objetivos alcançados são os
modos de avaliar que podem promover o sucesso do ensino virtual, e devem ser planejadas
para esse tipo específico de processo.
Por Libâneo (2005) podemos entender a avaliação como sendo uma tarefa didática
essencial ao trabalho docente e não pode ser resumida à simples realização de provas e
aferição de notas.
Desse modo o processo de avaliação deve representar momentos privilegiados para
alunos e professores, promovendo possibilidades de correlacionar resultados, intensificar os
acertos e corrigir os equívocos, principalmente em se tratando de uma modalidade de ensino
em processo de consolidação. 238
7 DIDÁTICA VIRTUAL
As estratégias da ação didática empregadas devem estar adaptadas à nova modalidade
de ensino (virtual) por meio de planejamento, pois planejar é uma necessidade constante em
todas as áreas da atividade humana.
Uma combinação especial entre ensino e tecnologias por meio, também, de uma
didática que aglutine as peculiaridades dos fatores preponderantes e subsidie as etapas do
processo.
[...] o ambiente de ensino digital oferece novas possibilidades interessantes,
auspiciosas e inteiramente novas para o planejamento didático do preparo para o
estudo autônomo, em todo caso incomparavelmente mais do que o melhor curso de
ensino a distância impresso, mais do que o mais impressionante programa didático
na televisão e a mais intensiva assistência tutorial. (PETTERS, 2003, p. 260)
Conhecer as necessidades, características sócio-culturais e potencialidades
intelectuais da clientela, ajuda no estabelecimento de metas, objetivos e procedimentos
didático-metodológicos mais adequados.
A didática do ensino a distância contempla as seguintes especificidades:
• O aluno estuda onde e quando desejar, separado fisicamente;
• A ênfase no material didático facilitará a mediação;
• Aprendizagem mais autônoma (aluno mais ativo);
• Vários tipos de docentes: o que elabora o material; o que atua presencialmente
e o que atua virtualmente;
• O tutor é o suporte/orientador da aprendizagem;
• O processo ocorre por vias tecnológicas digitais;
• A comunicação é diferenciada (diversificada).
Os procedimentos didáticos precisam promover a regularidade do contato, a
elaboração de comentários que indiquem fontes de informação suplementar, o incentivo à
interação aluno (aluno-conteúdo-tutor), e à autonomia responsável permitindo que o aluno um
papel ativo no processo.
A Didática do ensino virtual deve contemplar a multidimensionalidade desse processo
e os procedimentos adequados prevêem:
• Ênfase na autonomia do aluno;
• Exploração das possibilidades do material didático;239
• Domínio das ferramentas;
• Conhecimento prévio dos processos de interação e mediação;
• Disponibilidade e interesse para a comunicação diferenciada.
A assessoria didática precisa ser contínua para aprimorar as práticas educacionais ao
longo do processo de ensinar e aprender virtualmente, pois a forma de organizar e orientar o
ensino a distância interfere diretamente na aprendizagem do aluno.
8 CONCLUSÃO
Sob a égide dos princípios educacionais, convém ressaltar que educar a distância não
significa se desvencilhar da responsabilidade de mediar o acesso às informações, para que se
possa convertê-las em conhecimento. Uma apropriação didática do conteúdo, uma avaliação
minuciosa dos procedimentos didáticos, uma disposição para reaprender a ensinar usando as
novas tecnologias, são atitudes indispensáveis aos professores (tutores) do século XXI.
A sociedade convoca a educação, como de costume, a dar conta das necessidades
educacionais que a globalização do conhecimento lhe impõe. O desafio didático-pedagógico,
portanto, está consolidado. Os muros e relógios tornam-se obsoletos, na EAD, pois a distância
geográfica e os horários de atividades, de presença em sala de aula não regem a realidade dos
alunos à distância.
Pensar em um novo modo de estar presente, em uma nova forma de atuar, em um novo
tipo de reciprocidade, são alguns dos paradigmas com os quais devemos lidar contando com a
contribuição elementar da didática, pois esta continuará indissociável da educação.
O célebre educador Paulo Freire, deixou-nos um legado de obras e experiências que
nos permitem enxergar a importância da educação para o exercício de uma vida cidadã. Sua
atuação baseou-se na busca pela superação das desigualdades, através do modo de conceber e
fazer educação, e nada mais coerente do que nos propormos, como tão bem ele nos orientou, a
pilotar o progresso da educação frente às inovações tecnológicas.
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de
chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o
nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o
que fomos e o que somos, para sabermos o que seremos. (FREIRE, 2008, p.33) 240
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 1996.
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FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Trad. de Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin. 31.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
KENSKY, Vani M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 2.ed. Campinas:
Papirus, 2007.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Trad. de
Luiz Paulo Rouanet. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2007.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
MELLO, Alessandro de; URBANETZ, Sandra T. Fundamentos da didática. Curitiba:
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De Roberto Galman. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
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PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Trad. de Patrícia Chittoni
Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PILETTI, Claudino. Didática geral. São Paulo: Ática, 1987.
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