Didática Geral

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Didática Geral A proposta de educar pela pesquisa tem pelo menos quatro pressupostos cruciais: - A convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da educação escolar e acadêmica. - o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e política é o cerne do processo. - A necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana do professor e no aluno. - E a definição de educação como processo de formação da competência histórica e humana. 1. O que melhor distingue a educação escolar de outros tipos de espaços educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa. A própria vida como tal é um espaço natural, educativo, à medida que induz à aprendizagem. A aula que apenas repassa conhecimento ou a escola que somente se define como socializadora de conhecimento não sai do ponto de partida, e na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento. A característica emancipatória da educação, portanto, exige a pesquisa como o seu método formativa pela razão principal de que somente um ambiente

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Didática Geral

A proposta de educar pela pesquisa tem pelo menos quatro pressupostos cruciais:

- A convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da

educação escolar e acadêmica.

- o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e

política é o cerne do processo.

- A necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana do professor e no aluno.

- E a definição de educação como processo de formação da competência histórica

e humana.

1. O que melhor distingue a educação escolar de outros tipos de espaços

educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa. A própria vida como tal é

um espaço natural, educativo, à medida que induz à aprendizagem.

A aula que apenas repassa conhecimento ou a escola que somente se define

como socializadora de conhecimento não sai do ponto de partida, e na prática,

atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira

treinamento.

A característica emancipatória da educação, portanto, exige a pesquisa

como o seu método formativa pela razão principal de que somente um ambiente

de sujeitos gesta sujeitos. Entre educação e pesquisa há um trajeto coincidente,

que podemos assim sugestivamente codificar:

a) ambas se postam contra a ignorância. Fator determinante da massa de

manobra; enquanto a pesquisa busca o conhecimento para poder agir na base do

saber pensar, a educação busca consciência crítica, marca essencial de quem se

sabe e sabe da realidade.

b) Ambas valorizam o questionamento. Marca inicial do sujeito histórico.

Enquanto a pesquisa se alimenta da dúvida, de hipóteses alternativas, a educação

alimenta o aprender, fundamento da alternativa histórica.

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c) Ambas se dedicam ao processo reconstrutivo. Base da competência

sempre renovada; enquanto a pesquisa pretende, através do conhecimento

inovador, manter a inovação como processo permanente, a educação, usando o

conhecimento inovador como instrumento, busca alicerçar uma história de sujeito

e para sujeito.

Até certo ponto, pois, pesquisar e educar são processos coincidentes. Daí

segue que o aluno não vai à escola para assistir aula, mas para pesquisar,

compreendendo-se por isso que sua tarefa crucial é ser parceiro de trabalho, não

ouvinte domesticado. Sem unilateralmente a aula esta representa, como regra, a

garantia de mediocridade, porque além de marcantemente ser no professor cópia,

faz do aluno, cópia da cópia.

Hoje, professor é mero instrumento. Acha que sua habilidade é de apenas

repassar conhecimento e procedimento, mantendo em si e no aluno o fosso

medieval do alinhamento impositivo. Por isso mesmo, qualquer um pode ser

professor, bastando que transmita receitas, impõe a moral e cívica, distribua

conselhos e exortações, de aula.

Este é o espírito que perpassa a pesquisa, realizando-se de maneiras

diversas conforme o estágio de desenvolvimento das pessoas. Tanto doutor

quanto a criança na educação infantil praticam o mesmo espírito, embora os

resultados concretos sejam muito distintos. A distinção não está em que um é

sofisticado ou é preliminar, mas em que cada estágio se realiza em seu horizonte

próprio. Tanto doutor pode realizar uma pesquisa preliminar (inacabada), quanto à

criança pode surpreender com extrema sofisticação (superdotada). Na verdade, é fundamental que se passe de objeto a sujeito, implicando a

participação plena do aluno, que no fundo deixa de ser aluno, para torna-se

parceiro do trabalho.

O professor precisa encarnar a figura tipicamente crítica na sociedade, que

tudo sabe questionar para melhorar. Não engole a política vigente sem perceber,

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não toma as relações econômicas como intocáveis, não se conforma comas

mazelas de nossa democracia, alimenta sempre a cidadania organizada e crítica,

busca melhorar de vida e de competência, e assim por diante.

É muito importante buscar o equilíbrio entre o trabalho individual e o

coletivo, compondo jeitosamente o sujeito consciente com o sujeito solidário.

Assim trabalho individual e coletivo não são instância excludentes. Ao contrário,

são estreitamente interdependentes.

Compreender o sentido de um texto implica estabelecer relações entre texto e

significado.

A reconstrução do conhecimento implica processo complexo e sempre recorrente,

que começa naturalmente pelo uso do senso comum. Conhecemos a partir do

conhecimento.

A informatização do conhecimento será característica ineludível dos tempos

modernos, observando a tarefa da transmissão do conhecimento com nítidas

vantagens, seja porque é mais atraente e manejável, seja porque atinge a massa.

Torna-se essencial que cada escola tenha a sua biblioteca sempre renovada, com

livros, enciclopédias, livros didáticos de toda sorte, vídeos e filmes sobre a

realidade nacional, regional e local.

Com o tempo será mister uma fonte reorganizada curricular em todos os sentidos.

Podemos entender isso como a passagem do currículo do extensivo para o

intensivo.

Dentro deste horizonte, é possível eliminar a prova, entendida como rito de

devolução da cópia.

Pesquisa no professor:

1) Reconstruir projeto pedagógico próprio;

2) Reconstruir textos científicos próprios;

3) Refazer material didático próprio;

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4) Inovar a prática didática;

5) Recuperar constantemente a competência.

Textos científicos próprios:

1) definir um tema predileto;

2) concentrar esforços dentro do tema;

3) pesquisar o tema;

4) teorização das práticas.

Material didático próprio:

1) usar autores para ser autor;

2) combater o fracasso escolar;

3) garantir rendimento de aluno;

Inovações da prática didática:

1) meta: qualidade formal e política;

2) métodos: questionamento reconstrutivo;

3) meio: pesquisa e formulação própria;

4) ética: combater o fracasso escolar sistematicamente

Permanente recuperação da competência: 1) cursos longos de recapacitação (80 horas)

2) acesso a conhecimento socializado;

3) superação dos meros treinamentos.

A CULTURA ESCOLAR E A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL

– ponto de partida ou de chegada para a análise de uma instituição pública de

formação de professores?

Josefina Carmen Diaz de Mello (UFRJ)

Introdução

Este trabalho

1

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valoriza e privilegia a tentativa de se compreender o cotidiano de uma

instituição específica, numa perspectiva sócio histórica, articulado com a história da

disciplina escolar Didática Geral, numa instituição pública de formação de professores do

Rio de Janeiro, nos anos de 1980 e 1990.

O presente estudo, enquanto um recorte de nossa dissertação, privilegia a instituição

pesquisada onde procuramos compreender como e até que ponto o estudo realizado no

âmbito da história das disciplinas escolares (HDE) sinaliza, no contexto micro (escolar) as

relações da disciplina Didática Geral com características institucionais próprias de uma

instituição de formação de professores e também aponta possibilidades de incorporação de

fatores especificamente institucionais.

Abordar a história dessa disciplina escolar na instituição, entendendo-a como nível

meso (NÓVOA, 1999) diferente do nível macro, de onde são encaminhadas todas as

propostas, ordens, resoluções e pareceres – e igualmente diferente do nível micro da sala de

aula – fornece os subsídios necessários ao entendimento de como a escola reinterpreta o

currículo oficial, os pareceres e resoluções que regulamentam essa disciplina no currículo

da instituição. Nossa preocupação se volta, então, para a instituição pesquisada e para a

disciplina escolar Didática Geral.

Ao longo dos estudos no campo da história das disciplinas têm sido poucas as

pesquisas nessa perspectiva. Trabalhos desenvolvidos por Sacristán (1995) e Nóvoa (1999)

1

Este estudo faz parte de nossa pesquisa de dissertação de mestrado, desenvolvida na Faculdade de

Educação/UFRJ e orientada por Alice Ribeiro Casimiro Lopes, defendida em 11 de setembro de 2002. Essa

pesquisa investiga a história da disciplina Didática Geral em uma escola pública de formação de professores

no Rio de Janeiro e se intitula “História da disciplina Didática Geral em uma escola de formação de

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professores: (re)apropriação de discursos acadêmicos nos anos de 1980 e 1990”.sinalizam para essa necessidade de se pesquisar as decisões no âmbito curricular para além

da sala de aula. Seria, portanto, fundamental olhar para esse processo dentro da instituição.

Decidimos investigar, na nossa pesquisa de dissertação, a história da disciplina

Didática Geral no Colégio Estadual Carmela Dutra, nos anos 80 e 90, situado na zona norte

da cidade do Rio de Janeiro. Essa escolha se deu pelo fato de esta pesquisadora já ter feito

uma pesquisa

2

nesse colégio e, por isso, ter livre acesso à instituição.

Aliado aos eixos teóricos História do Currículo (HC) e História das Disciplinas

Escolares (HDE) visamos focalizar, em segundo plano, o diálogo mantido com os estudos

sobre instituições escolares. Neste texto, defendemos a necessidade de que a HDE

considere o cotidiano escolar fundamentalmente e não, aspectos do nível macro. Sendo

assim, dialogamos com Ivor Goodson (1983, 1990, 1995, 1997), André Chervel (1990) e

Antonio Nóvoa (1999), articulando os eixos citados. Partimos do princípio teórico de que o

currículo escrito não é neutro e que novos processos tendem a se construir e reconstruir no

contexto escolar. Procuramos traçar a história da disciplina Didática Geral na instituição

referida, dialogando com as hipóteses construídas por Goodson (1983) no sentido de

sistematizar esse estudo sob uma perspectiva que valoriza e tenta compreender melhor o

cotidiano da instituição.

Argumentamos que a especificidade singular da instituição pesquisada, a sua cultura

e contexto institucional peculiares tendem a se evidenciar nos discursos dos sujeitos que

participam da construção dessa disciplina na instituição. Buscamos compreender as

relações das múltiplas redes desse contexto institucional nas quais as práticas desenvolvidas

pelos sujeitos nele produzidas constituem não só um discurso especialmente influenciado

por esse próprio contexto social da comunidade que circunda a instituição, como também

pela cultura organizacional da instituição

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2

De outubro a dezembro de 1998, participamos da pesquisa “Imagens de família na formação de docentes”

no Colégio Estadual Carmela Dutra sob a orientação do professor Henrique Garcia Sobreira, então ProfessorAdjunto da UERJ/FEBF e Professor-Titular da UNIVERSO/Mestrado em Educação. A escolha dessa

instituição se deu pelo fato de o curso de Formação de professores ser o mais procurado na região da zona

norte e também pela curiosidade de participar de uma pesquisa numa escola que ainda “... mantém o padrão

‘nobre’ na formação de professores para o Ensino Fundamerntal”. Esta fala foi feita pela professora Menga

Lüdke quando, no mesmo ano, participamos de um projeto integrado de pesquisa “A Socialização profissional

de professores”, na escola normal Heitor Lira e coordenada pelos professoresAntonio Flavio Barbosa Moreira

(UFRJ) e Menga Lüdke (PUC/RJ), com a participação das professoras Alice Ribeiro Casimiro Lopes (UFRJ)

e Elizabeth Macedo (UERJ). Essa fala da professora Menga Lüdke foi a provocação suficiente que nos fez

optar por esse colégio na nossa, então, futura pesquisa de dissertação. A hipótese da professora Menga para o

“padrão nobre” dessa instituição seria a de que esse colégio tinha como líder um bom gestor.Defendemos que a história da disciplina Didática Geral na instituição nos anos 80 e

90 percorreu, no interior da instituição, um caminho marcado por interesses, lideranças,

ideologias, conflitos e crises que se originaram dentro e fora do espaço escolar, mas que

certas lideranças, os recursos, seus projetos, o prestígio, as tradições, a cultura e o clima

organizacional da instituição pesquisada são alguns dos fatores especificamente

institucionais que interferiram sobremaneira na construção dessa disciplina no Colégio. Ou

seja, nesse enfoque nossa atenção se volta para dentro da escola e sobre a importância do

que acontece no seu interio r.

Assim, defendemos que essa instituição possui uma função que vai além de seus

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muros e que é determinada pelas relações sociais construídas no seu cotidiano,

influenciando a trajetória da disciplina Didática Geral na instituição. Essa nova função

educativa pode ser considerada no contexto desse estudo como uma função educativa não

só da escola contemporânea, como também ela projeta nas suas finalidades, no currículo e

nas disciplinas do currículo, um novo “modo de fazer” que, reconfigurados, tendem a tornar

essas finalidades peculiares essa instituição aqui pesquisada. Neste caso, os fins, o projeto

político da instituição, os discursos construídos, o clima organizacional e toda a vida

interna da escola, toda essa construção cotidiana tendem a apontar a “cara” da disciplina

Didática Geral na escola, definindo não só a identidade dessa disciplina como também a

própria identidade da instituição e o fato de ela existir.

Para Nóvoa (1999), o fato de se isolar a ação pedagógica dos contextos sociais tem

sido um problema nas pesquisas educacionais feitas nos últimos anos. Já os estudos de

Goodson (1997) não contemplam uma instituição específica, mas ele sugere que, à medida

que a investigação for explorando a forma como a disciplina escolar se relaciona com os

parâmetros da prática escolar, passa a ser necessário empreender mais investigações sobre

“... a caixa negra do currículo escolar.” (GOODSON, 1997:93).

Para Chervel (1990), a finalidade da escola se confronta com a própria história do

ensino e o estudo da instituição escolar depende, em grande parte, da história das

disciplinas. Ou seja, para Chervel a escola é, portanto, o foco de estudo da HDE. Chervel

aponta que a História do Currículo busca compreender o que acontece no passado de

(re)construção de uma disciplina na instituição escolar. Goodson é autor de currículo, mas

não focaliza (embora aponte a importância desse estudo) a instituição escolar nos seusestudos. Um dos principais pontos que esses dois autores têm em comum é o fato de

considerarem que a disciplina escolar não é dependente do desenvolvimento histórico do

campo científico de referência (disciplina de referência). Lopes e Macedo (2002b:44-45)

ilustram nos seus estudos realizados no âmbito da história das disciplinas escolares em

instituições específicas dizendo que:

A partir desses estudos, as hipóteses de Goodson são relativizadas e

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ampliadas (...) Não é possível definir um caminho linear das tradições utilitárias e

pedagógicas para as tradições acadêmicas. Seja no contexto universitário, seja no

contexto escolar, são identificados momentos de crise no processo de direção ao

acadêmico.

Com base nessas reflexões, optamos por organizar o texto em duas seções: a primeira

trata da construção social da vida na instituição, da sua cultura, seus saberes e suas práticas

quando focalizamos a comunidade em que se insere a escola, o clima sócio-afetivo da

instituição e que, através das atividades e linguagens presentes, norteia o projeto-político

institucional. A segunda parte focaliza a trajetória da pesquisa de campo na instituição, os

critérios utilizados para seleção dos entrevistados e a concepção da disciplina Didática

Geral na instituição, na percepção dos professores desse grupo, ao longo dos anos 80 e 90.

Todos esses elementos estiveram sempre relacionados à construção dessa disciplina na

instituição.

A construção social da vida e cultura no Carmela Dutra – seus saberes, sua

práticas, sua comunidade, seus projetos

A heterogeneidade é inerente às atividades da vida cotidiana e, como tal, a busca de

uma determinada organização que dê sentido a este estudo não pode ser buscada numa

lógica linear de análise. Sentimos, então, a necessidade de, a partir do estudo da história da

instituição e da história da disciplina Didática Geral, identificar algumas de suas

características organizacionais e das lideranças existentes como sua cultura, seus saberes,

seus projetos, a estabilidade dos professores na instituição, a participação da comunidade nas decisões da escola, o reconhecimento público dos órgãos superiores, da mídia e da

própria comunidade em que está inserida.

Brunet (apud NÓVOA, 1999:30) situa nessa perspectiva, a escola como um espaço

sócio-cultural porque, “produz uma cultura que lhe é própria e que exprime os valores,

idéias e crenças que os membros da organização compartilham”. Para tanto, pesquisamos

os arquivos da escola, analisamos documentos, participamos de todas as atividades

primordiais da instituição durante dezesseis meses, servimo-nos de observações, conversas

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informais e das entrevistas que realizamos.

A “Escola Carmela Dutra” foi fundada em 1946, em Madureira, na zona norte da

cidade do Rio de Janeiro. Passou por quatro denominações e a partir de 1982 denominou-se

Colégio Estadual Carmela Dutra. A década de 80 foi marcada na instituição por muitas

mudanças administrativas. A escola “inchou”, chegando a ter 750 professores. No final da

década de 80 e início da de 90 começaram a surgir movimentos gerais de mobilização de

professores e alunos para a reformulação dos cursos de formação de professores. O Colégio

Carmela Dutra conseguiu superar suas deficiências na área administrativa a partir da

primeira eleição para diretor do colégio, já no final da década de 80.

O Colégio Carmela Dutra iniciou a retomada dos seus objetivos enquanto uma escola

de formação de professores, com o prestígio social e projeção na mídia que lhe foram

conferidos a partir de 1991. Notícias do Colégio nos principais jornais do Brasil

3

,

qualificando-o como um colégio que chegou a superar tradicionais colégios do Rio de

Janeiro com o desempenho de seus alunos no vestibular passou a ser ‘lugar comum’. Com

isso, tornou-se um dos colégios mais procurados no Rio de Janeiro. Isto começou a

acontecer paralelamente ao cenário caótico que se delineava, na época, nas escolas públicas

de ensino na década de 90. O Carmela Dutra passou a enfrentar, também, uma realidade

difícil no início dessa década: a quantidade de alunas grávidas nas salas de aula.

Segundo a Revista Época (fevereiro de 2000)

4

, no mapa social do Rio de Janeiro,

Madureira tornou-se uma espécie de capital da gravidez na adolescência. São registrados,

nesse bairro, os maiores índices de gestantes adolescentes. O Colégio Estadual Carmela

3

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Ver Anexo 1 – Notícia “Mais Cem Mil no Ensino Médio”

4

Ver Anexo 2 – Notícia “ Mãos dadas para a vida."Dutra optou por enfrentar esse problema, que já é nacional, sem esperar providências da

administração pública.

O seu atual diretor, professor Geraldo Ribeiro, na instituição desde 1976 e como

diretor eleito desde 1991, diante do crescente número de casos de meninas que ficavam

grávidas e optavam por abandonar os estudos, resolveu montar uma creche em 1995 para os

filhos das alunas professorandas, com recursos próprios e a ajuda da comunidade e

comércio da redondeza. Com o dinheiro de rifas, festas, baile de calouros, conseguiu

construir a Creche Fada Joaninha que hoje também atende a filhos de funcionários do

Colégio. Hoje o Colégio já tem o Maternal e o Carmelinha (de 1ª a 4ª séries)

5

, com a sua

primeira turma de 4ª série formada no início de 2002. A Creche conta, atualmente, com 400

alunos e 22 professores.

No momento, esse Colégio é considerado como instituição modelo, já tendo sido

contemplado com três prêmios, em nível nacional e estadual. Foram prêmios de gestão

escolar

6

concedidos pelo CONSED (Conselho Nacional de Secretaria Educacional), pela

UNDIME (União Nacional de Dirigentes Municipais Educacionais), pela UNESCO

(Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura) e pela Fundação Roberto

Marinho. Esses prêmios são resultados do projeto de educação do estado do Rio de Janeiro,

chamado Nova Escola e que foi lançado pela SEE em 2000. O discurso desse projeto é o de

valorizar as escolas públicas e melhorar a qualidade de ensino. A avaliação é feita com base

no desempenho das escolas, tendo como critério; o desempenho escolar, a gestão de cada

unidade e indicadores de eficiência dos colégios (números sobre evasão escolar, repetência,

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abandono, distorção idade/série). O projeto-político-pedagógico da instituição que tem se

destacado, sob o ponto de vista social e comunitário, engloba a Creche Fada Joaninha e o

Carmelinha.

O Colégio Estadual Carmela Dutra tem alcançado essa notoriedade muito mais pela

ação dos sujeitos envolvidos que construíram e reconstróem um presente que se volta para

outros fins sociais, diferentes daqueles pensados inicialmente e que vêm sendo legitimados

socialmente. Não estamos afirmando que tais prêmios garantam a qualidade do colégio.

Sinalizamos que todas essas ações tendem a apontar para uma nova forma encontrada pelo

5

Anexo 3 – Foto do Mural CARMELINHA

6

Anexo 3 – Foto Prêmio Gestão Escolar colégio de lidar no seu cotidiano com os desafios que se defronta na contemporaneidade, na

sua relação com a comunidade.

Essa cultura construída no interior da instituição parece estar deslocando o sentido

acadêmico dominante da cultura “curricularizada” para uma obrigação institucional mais

afetiva e solidária no sentido de devolver à escola a sua função educativa: o desafio de

construir relações dialógicas no espaço escolar que impulsionem a sua aprendizagem e

escolarização, construindo, ao mesmo tempo, um sentimento de envolvimento pessoal nas

tarefas cotidianas desenvolvidas na escola. Segundo Canário(1999:166), “... os anos 80 são

marcados, quer em termos de investigação quer de política educativa, por aquilo que pode

designar-se por um fenômeno de descoberta da escola.”

Ou seja, começa a se perceber o reconhecimento crescente da importância da

instituição escolar enquanto nível local na produção de mudanças e no sentido do

estabelecimento de ensino aparecer como um “construído social” (CANÁRIO,1999:166),

na qual a ação e interação dos sujeitos envolvidos passam a ser elementos decisivos para o

entendimento da lógica que rege o funcionamento de uma instituição escolar. Trata-se,

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portanto, de considerar nos estudos sobre a escola as duas lógicas conflitantes que nela

aparecem, ainda segundo Canário (ibid): uma lógica de cientificidade (usada nos estudos

sobre os variados aspectos da escola) e uma lógica de normatividade (esta faz parte da

escola).

A diferença entre essas duas formas de pensar é, às vezes, confusa. Podemos,

enquanto pesquisadores, perceber o conhecimento produzido pela escola como uma nova

descoberta e que vai além de simplesmente encará-la como um “prolongamento da

administração central”. A concepção de uma organização social, “inserida num contexto

local, com uma identidade e cultura própria” (ibid), corresponde a uma mudança de

perspectiva que redefine a natureza das relações e a distribuição das relações de poder entre

o macro e o meso (a escola).

No caso deste estudo, a função social do Colégio Estadual Carmela Dutra nos anos

90, contando hoje com 230 professores, funcionando em três turnos e com quase 3000

alunos parece ser vista não apenas como uma fonte de informações para estudo, mas sim

como uma parte ativa, singular e participante de toda essas múltiplas redes dos contextos do

cotidiano com as presentes no próprio contexto do cotidiano da instituição. Percebemos e tentamos compreender que todas essas redes não reproduzem, simplesmente, as intenções

dos órgãos centrais do estado, mas constróem e reconstróem diferentes conhecimentos,

relações, intenções, identidades e até mesmo “culturas” e uma cultura que é própria dessa

escola.

Os projetos da Creche Fada Joaninha e do Carmelinha, aliados às práticas,

festividades, eventos, aniversários do diretor e do Colégio, Festival de Música, festa de

Natal e outras atividades que acontecem durante todo o ano letivo, traduzem saberes,

linguagens e toda uma cultura organizacional no interior da instituição, composta por

elementos vários, “que condicionam tanto a sua configuração interna, como o estilo de

interações que estabelece com a comunidade. Definidos numa perspectiva antropológica,

estes elementos integram aspectos de ordem histórica, ideológica, sociológica e

psicológica”. (NÓVOA, 1997:30). As atividades aqui mencionadas, entre outras que

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pudemos vivenciar no campo, traduzem o clima aberto da instituição

7

Consideramos esse .

clima do tipo participativo porque os sujeitos estão motivados pela participação e unidos

em seus esforços para atingir os fins sociais da instituição.

Com base em Goodson (1997) e conforme destacamos no princípio deste texto,

aspectos internos e externos caminham paralelamente à constituição da disciplina Didática

Geral na instituição pesquisada. A disciplina se situa no ponto de encontro dessas duas

forças mencionadas pelos entrevistados: forças internas como o próprio grupo de

professores de Didática, a cultura organizacional e fim social da instituição, além de forças

externas como as discussões acadêmicas externas e as mudanças administrativas – tudo isso

acaba entrando em conflito com o que já está oficializado na instituição.

A disciplina Didática Geral no Colégio Carmela Dutra combina finalidades que a

sintetizam como espaço de função educativa e de ensino, em cada momento histórico de

sua constituição. Ou seja, percebe-se que a disciplina Didática Geral, no currículo da

instituição pesquisada, está no centro de todo esse processo. A função dessa disciplina

parece a de se querer colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade

educativa maior. (CHERVEL, 1990)

Para Chervel (1990) a grande inovação na HDE é o fato de se poder encontrar na

própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica, e

7

Anexo 4 – Clima “Aberto” (Didática Amorosa) não fora dela, externa. Sendo assim, passamos à análise da trajetória da pesquisa de campo

na instituição e dos elementos pertinentes a essa análise.

A trajetória da pesquisa

Cabe assinalar que todo o processo de observação, de exploração do campo, de

participação nas atividades do Colégio Carmela Dutra, no período da nossa pesquisa, foi

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orientado por alguns pressupostos que se constituíram em pano de fundo desse trabalho,

evitando uma perspectiva meramente descritiva do processo histórico da disciplina em

questão.

O primeiro pressuposto é o de que a escola, como instituição social, se articula à

história, ao contexto social em que está inserida e expressa, de certa forma, os projetos

sócio-políticos de uma dada sociedade, mas possui uma especificidade como agência

educativa, com fins, objetivos, estrutura e organização que lhe são peculiares. A instituição

escolar se insere num movimento de tensão com a sociedade. Isso acontece na medida em

que se compreende a história de como seus objetivos foram estabelecidos e inseridos no

currículo e que permanecem até hoje “... como uma espécie de relíquia” (GOODSON,

1995:28). Nesse sentido, a instituição está continuamente em processo de reflexão e ação.

O segundo pressuposto é o de que a disciplina escolar Didática Geral ocupa um lugar

histórico de destaque no currículo de formação de professores e, no entanto, a análise do

seu papel no currículo de formação de professores tem suscitado uma discussão intensa ao

longo de sua construção no campo acadêmico. Nesse sentido, essa problemática só pode ser

adequadamente compreendida se for historicizada. Ainda na primeira fase da década de 70,

tentou-se redefinir a Didática procurando se evidenciar, não só a dificuldade quanto à

limitação dessa disciplina como um campo autônomo, como também quanto à tentativa de

se propor um modelo de situação didática. Com o início da gradual abertura frente ao

regime político até então instaurado, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da

educação dominante. Foram estudos centrados em questionar a concepção tecnicista eeficientista da educação dominante. São os estudos denominados por Saviani (1988:17) de

“teorias crítico-reprodutivistas”.

Essas teorias causaram forte impacto no campo da Didática, que passou a negar a

dimensão técnica e caiu no pólo posto de enfatizar a dimensão política, assumindo

perspectivas sociológicas, filosóficas e históricas, deixando para segundo plano a sua

dimensão técnica e humana. Para Candau (1988:19) foi “a afirmação da impossibilidade

orientada de uma prática pedagógica que não seja social e politicamente orientada, de uma

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forma implícita ou explícita”. Essa nova postura crítica, segundo Veiga (1994:64), fez com

que os professores procurassem

(...) rever sua própria prática pedagógica, a fim de torná-la mais coerente

com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada. Em sem precisar

perder sua característica instrumental e técnica, necessária à formação

profissional, os movimentos em torno da revisão da referida disciplina

apontam para a busca de novos rumos.

Conhecer os elementos da cultura organizacional da instituição se faz necessário para

que se compreenda a articulação entre a história dessa disciplina e os conflitos que

acompanharam os discursos de que essa disciplina se apropriou ao longo dos anos 80 e 90.

O terceiro pressuposto relaciona-se ao fato de que, embora a escola não receba a

imposição das finalidades feitas pela sociedade sem resistência, podemos, ainda assim,

pensar que é por essas finalidades que se elaboram as políticas educacionais e se

selecionam os conteúdos. Nesse sentido, é que se criam as disciplinas e se realiza a

transformação histórica da escola. Ou seja, nossa atenção se volta para dentro da escola e

sobre a importância de atentarmos para o que acontece no seu interior. A escola é ela

mesma uma totalidade complexa, dentro da qual ocorrem processos e fenômenos objetivos

como a interação entre as pessoas, o uso dos recursos e do material didático, a forma como

o currículo é interpretado e organizada na instituição. Para Nóvoa (1999:16): “As escolas

são instituições de um tipo muito particular”. Elas “... constituem uma territorialidade

espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos...”A fase exploratória da nossa pesquisa levou quatro meses (de agosto a dezembro de

1998) quando coletamos alguns documentos como o Manual do Professor

8

(de 1980 a

1986), alguns decretos, Pareceres que regulamentaram as grades curriculares, alguns textos

de Didática usados em sala de aula (de 1979 a 1995), apostilas de Didática (dos anos 80 e

90), o Manual do Aluno (1984). A perspectiva de Goodson (1998:67) aponta para o fato de

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que devemos abandonar a idéia de currículo como simples prescrição e considerarmos o

currículo “como construção social, primeiramente em nível da própria prescrição, mas

depois também em nível de processo e prática”. Goodson (1995) valoriza a idéia de

currículo pré-ativo (currículo como matéria de ensino) e de currículo escrito (formal) em

forma de Manuais (do professor e do Aluno) O currículo escrito é algo a ser ressaltado e

defendido num determinado período e contexto histórico-social e em confronto com

interesses e conflitos, pode se efetivar, ou não, em currículo em ação. Logo, tanto o

currículo formal quanto o currículo em ação precisam ser investigados.

O importante para se estudar o currículo pré-ativo é enfatizarmos a necessidade da

história social do currículo escrito da instituição, procurando entender a época em que ele

aconteceu, que ligações foram feitas com o contexto social da época e que lhe deram um

determinado ‘tom’. Esse ‘tom’, essa proposta cultural, esses documentos aqui consultados

precisam ser entendidos dentro do recorte histórico em que eles se manifestaram, no

diálogo que eles fizeram com a cultura do seu tempo. Tentamos investigar essas

contingências, a partir da análise histórica, com o interesse de identificar os “jogos de

interesse” a que esse currículo foi submetido. Ao invés disso, ignorar a história e a

construção social favorecerá a “... mistificação e reprodução do currículo tradicional, tanto

na forma como no conteúdo...” (GOODSON, 1995:27).

A fase de consulta a esses documentos escritos foi cercada por conversas informais

com a equipe técnico-administrativa-pedagógica e o grupo de professores de Didática

Geral. Participamos de reuniões e de dois Conselhos de Classe.

Após termos concluído as observações, realizamos as entrevistas. Foi um total de

vinte e três entrevistados: dezoito professores de Didática Geral, três professores da equipe

técnico-administrativa pedagógica: diretor, diretora-adjunta, o secretário e duas

supervisoras pedagógicas. Entrevistamos os professores de Didática Geral e os dois

8

Page 18: Didática Geral

Anexo 5 – Manual do Professor (CAPA) diretores com a intenção de registrar, também, histórias de vida, visto que esses sujeitos

vivenciaram, a partir dos anos 80, as lutas, crises e conflitos da disciplina na instituição.

Realizamos uma seleção de sujeitos a serem entrevistados que pudesse representar a

equipe de profissionais ligados à disciplina Didática Geral e que, nos diferentes momentos

históricos, participaram da construção dessa disciplina na instituição. Nosso critério foi,

portanto, o maior número de anos na instituição com a disciplina Didática Geral e

professores que, mesmo estando em outra função atualmente ou aposentados, não só

lecionaram a disciplina nos anos 80, como vivenciam(ram) o clima da instituição com o

maior número de anos na instituição.

Esse quadro nos indicou três blocos. Num primeiro bloco alocamos professores de

Didática Geral que chegaram nos anos 70 ao colégio. No segundo bloco, consideramos os

que chegaram nos anos 80 e no terceiro, os que chegaram na década de 90. O grupo de

professores dos anos 80 possui a média maior de tempo lecionando Didática Geral na

instituição, além de ter, também, o maior número de anos na instituição e de anos no

magistério (13 professores entre 13 e 27 anos na instituição e lecionando Didática). Além

disso, temos o fato de haver professores da disciplina que foram ex-alunos da instituição e

voltaram à instituição como professores de Didática Geral (um total de 5 professores).

O grupo de professores dos anos 70 considera a disciplina Didática Geral importante

e fundamental no currículo do curso de formação de professores. A fala predominante

desses professores é a de que essa disciplina, no final dos anos 70 e início dos anos 80, foi

uma disciplina forte, líder, atuante, fundamental, a “menina dos olhos” do currículo do

Colégio Carmela Dutra.

Didática é fundamental (...) Quando cheguei no Carmela a Didática

era a ‘menina dos olhos’...Nos anos 80, começou a decadência. No auge, a

Didática levava as outras disciplinas (…)No início do governo Brizola,

houve mudança nos critérios de escolha da direção do Colégio e daí

começou a queda da Didática na escola. Aqui no Carmela, hoje está se

Page 19: Didática Geral

tentando retomar e revalorizar a Didática (...) Antes, ela era respeitada. E

por que tudo isso? Por questões políticas!!...

( Professora A – leciona Didática Geral há 27 anos no Carmela Dutra e

ex-aluna)]As falas dos professores desse grupo privilegiam as idéias a que Goodson (1983,

1990, 1997) se refere de que a disciplina não é monolítica, de que ela passa por conflitos,

lutas e negociações no interior da instituição para se legitimar e que, quando o ‘interno’ e

‘externo’ estão em desarmonia, essa mudança é lenta. Percebe-se nas falas que os grupos

em conflito na instituição tendem a lançar mão de sua autonomia relativa para fazer

ouvirem sua voz na instituição, quando percebem que os grupos em contraposição tentam

afastar a disciplina de seus valores tradicionais:

A Didática sempre foi uma disciplina importante... Era uma disciplina

muito forte... até os anos 80. A partir daí veio uma época de mudanças (...)

chegaram pessoas que não tinham competência. Não acho que eram nem

mesmo técnicos porque nem para isso tinham competência técnica. Foi aí

que começou a época da queda dessa disciplina...

(Professora B – lecionou durante 7 anos Didática no Carmela, de 1976 a 1983)

A instituição Carmela Dutra sofreu transformações em função de

administrações impostas nesse decorrer de tempo.

(Professora C – no Carmela desde 1976, lecionou Didática durante 6

anos e permanece até hoje como professora de sala de Leitura)

O segundo grupo de professores de Didática Geral (anos 80) percebe a disciplina

como essencial, como o alicerce, “carro-chefe”, porém, “tem que ser valorizada”, “precisa

de renovação”. As falas dos professores desse grupo se associam, não só a conflitos vividos

no campo acadêmico da disciplina (questões de forma e conteúdo), como também à própria

desvalorização da profissão professor. As falas desses sujeitos nos levam a interpretar a

disciplina Didática Geral dos anos 80 como uma disciplina essencial na instituição, porém

com uma identidade descentrada de um projeto educativo claro em função de terem

Page 20: Didática Geral

vivenciado uma crise nesse período.

Com relação a isso, Goodson (1990) ressalta que, no interior de uma determinada

instituição escolar ou na própria sociedade, faz-se necessário examinar as matérias

escolares como comunidades de pessoas que ora compartilham, ora competem entre si,criando-lhes um senso de identidade que lhes é própria. Logo, a origem de uma

determinada disciplina não segue os mesmos padrões do nascimento de outras. Esse autor

tenta entender como as disciplinas não são monolíticas. Elas são, na realidade, espaços de

tensão, de conflitos, de disputa por hegemonia. Destacamos neste estudo que a construção

da disciplina Didática aconteceu social e politicamente de forma conflituosa, contestada e

respondendo a objetivos sociais da educação de acordo com o contexto sócio -econômicopolítico da época e segundo posturas, crenças peculiares não só no contexto acadêmico,

quanto na instituição pesquisada.

No contexto acadêmico a disciplina Didática não se constituiu “... por uma conquista

progressiva de autonomia, através de pesquisas e reflexão que conduzissem à identificação

e delimitação de sua especificidade” (SOARES, 1986:40). Desde o período clássico grego,

a Didática se impôs como um corpo de conhecimento autônomo. Alguns traços básicos

marcaram o seu controvertido desenvolvimento e que vão desde a questão de base

normativa, passando pela expressão da tecnocracia até um movimento contrário no qual a

Didática, hoje, busca explicitamente diferenciar-se de seu papel mais técnico.

Percebemos nas falas dos entrevistados as mudanças que se estabeleceram nas

relações entre esses indivíduos no grupo e como elas se modificaram ao longo do tempo,

em função das relações de poder presentes: as “questões políticas” e o Colégio sob a

responsabilidade de “técnicos”. Tudo isso nos parece indicar que há predominância, nesse

grupo de professores, da idéia de que a valorização da disciplina Didática Geral na

instituição estaria ligada a propostas no nível macro que foram (re)interpretadas e a que o

grupo resistiu, considerando-se a cultura escolar ‘própria’ dessa instituição.

Goodson (1997) prevê que o estudo sobre a disciplina escolar tende a examinar a

relação entre o conteúdo e a forma da disciplina. As bases do pensamento de Goodson nos

Page 21: Didática Geral

fazem entender porque a disciplina é vista por esse grupo como válida no currículo, na

medida em que aparece nesses discursos como vinculada à idéia de “... conteúdo a ser

apresentado para fim de estudo.” (GOODSON, 1997:23).

Chervel (1990) também aponta que esse é o papel mais amplo da disciplina na

instituição: com lentidão a disciplina vai se estabelecendo na instituição, na medida em que

objetiva o seu conteúdo para servir a uma finalidade maior do cotidiano institucional. Eis

mais algumas falas significativas: A Didática já está um pouco arcaica, está precisando de renovação,

de novos métodos (...) Eu acho que atualmente a disciplina Didática é

valorizada aqui no Carmela. Quando eu cheguei aqui, não! A nossa luta era

essa. E nós sempre lutamos contra isso...

(Professora D – lecionando Didática há 16 anos, ex-aluna e há 42 anos

no magistério)

Em 1988 o Claudino Pilleti era o livro básico. Ela imperava no

Carmela Dutra.A postura em relação à Didática era extremamente

tecnicista. A direção do colégio era de técnicos, portanto, a Didática ficou

em segundo plano. Isso aqui passou a ser uma escola que simplesmente

preparava para o vestibular.

( Professora E – lecionou Didática na instituição durante 8 anos, está no magistério há

35 anos e atualmente é Supervisora Pedagógica da equipe de Didática)

O terceiro grupo situa a disciplina nesse período (anos 90) como “voltando às suas

raízes”, como “disciplina de conscientização”. Senão vejamos:

Vejo a Didática no currículo deficitária.... os conteúdos mudaram.

Faz falta um conhecimento um pouco mais aprofundado(...) Mas o Carmela

É um colégio que luta! E é raro, porque essas raízes ‘aqui’ ainda estão voltadas

para a ‘formação’! São raízes ainda de uma ESCOLA (ênfase dada pela entrevistada),

mas ela vai melhorar mais, entendeu? Ela vai voltar ás suas raízes.

O que mais marcou essa mudança nos anos 80 foi justamente esse afastamento das

Page 22: Didática Geral

suas raízes...

( Professora F – lecionando Didática Geral há 8 anos na instituição e há 37 anos no

magistério)

É uma disciplina de grande importância (...) A Didática é uma

disciplina de conscientização e aqui no Carmela eu sinto como uma

disciplina valorizada até pela direção da escola: o carinho, o apoio e o

apreço com que somos tratados demonstra isso.

(Professora G – lecionando Didática há três anos, no magistério há 27

anos e ex-aluna)

A visão desse grupo não é a de negar os conteúdos como produtos de uma tradição

seletiva do passado (WILLIAMS, 1984). Pelo contrário, precisa-se ‘aprofundar’esses

conteúdos porque eles se tornaram ‘superficiais’. A idéia presente é de reconstrução do status da disciplina no currículo, mas que precisa atender, segundo Goodson (1997), a

certas exigências, tanto de estruturas quanto de conteúdos que atendam às necessidades da

sociedade atual.

A disciplina se redefine no currículo da instituição e na virada do milênio, como uma

disciplina ligada ao afetivo, a um diálogo maior. Sendo assim, as três fases da Didática no

Colégio Carmela Dutra estão claras nas falas dos professores entrevistados: 1ª fase –

Didática “Menina dos Olhos” (anos 70 e início dos anos 80); 2ª fase – Didática

“Esfacelada”, perdendo suas raízes (anos 80); 3ª fase – Didática Integradora, Amorosa,

Afetiva (anos 90). Podemos “ver” essa tradição a que Goodson se refere no processo de

“altos” e “baixos” por que passa a disciplina na instituição, no período demarcado.

Percebemos, outrossim, a necessidade de revelar determinados traços ou aspectos dessa

realidade onde foi realizado o estudo e que, articulados, lhe dão uma identidade própria.

Não visamos, nesta pesquisa, à história da instituição na qual se realizou o estudo,

mas, sim, sua caracterização como escola de formação de professores que possui uma vida

social e culturas próprias, com saberes, práticas, projetos e uma comunidade que a circunda

e que lhe dão uma característica singular de uma escola de formação de professores da

Page 23: Didática Geral

contemporaneidade. Conclusões

As memórias traduzidas nas falas dos entrevistados não podem ser consideradas

como verdades porque a memória é atemporal e seletiva e, como tal, ela envolve não

apenas lembranças, mas também esquecimentos. Procuramos, assim, estabelecer um

diálogo com o passado, procurando lidar com a objetividade, interelacionando-a com a

subjetividade.

O clima aberto, sempre presente na cultura da instituição, se expressa não só no

discurso dos entrevistados, como na própria aparência do espaço físico do Colégio, onde a

Creche Fada Joaninha e o Carmelinha se estendem ao lado do pátio do Colégio, mas

também nas disciplinas, especificamente na Didática, nos projetos da instituição e no modo

como todos se relacionam no seu interior, desde o dono da cantina, o secretário, a

bibliotecária, a direção, o professor, a comunidade e o aluno-professorando.

Mostramos que o clima aberto, sempre presente na cultura da instituição, não era

apenas um adendo ao contexto social vivido, mas um fator intrínseco cultural presente no

seu interior, que não segue uma ordem lógica, mas contém uma dimensão social maior que

tende a afetar o currículo da instituição. A disciplina, por sua vez, através da equipe de

Didática, lutou, dialogou com as necessidades do um momento histórico vivido para

legitimar-se na instituição como uma tradição acadêmica desde os anos 70 e início dos 80.

A permanência do seu líder e diretor é fator primordial para a manutenção desse clima

aberto. Observamos, portanto, que a história de uma instituição é feita no seu cotidiano e

que as ações desenvolvidas pelos sujeitos que fizeram essa história e da disciplina Didática

não se fizeram desligadas da forma de existir da escola. Essas ações tornaram e se

constituem em um dos indicadores que expressam a dinâmica da instituição no seu

conjunto.

Constatamos que a disciplina Didática Geral esteve sempre relacionada com um

período e necessidades de um contexto histórico vivido e que lutou todo esse período para

assumir-se como uma disciplina necessária à uma ESCOLA de formação de professores.

Page 24: Didática Geral

Essa disciplina acabou por moldar-se aos objetivos, fins sociais e cultura da instituição,

dialogando com os problemas sociais de seu tempo e contexto. Nesse sentido, uma

disciplina se constrói diferente no contexto escolar e no campo acadêmico. Percebemos, finalmente, que o processo de construção da disciplina Didática Geral

no currículo do Colégio Carmela Dutra não foi linear, nem contínuo e que as relações entre

os sujeitos que participaram dessa história da instituição, em constante diálogo com a

disciplina, acabam por consolidar a sua identidade na instituição : uma disciplina que de

“Rainha” passou a ser representada como uma disciplina “Amorosa”, “Integradora”.

Percebe-se, assim, que a trajetória da disciplina Didática na instituição passou por

períodos de auge, queda e retomada. Fica claro que nessa trajetória histórica da disciplina

na instituição, houve prioridades políticas e sociais predominantes nesses períodos e que

criaram novas tradições dentro da instituição, acabando por afetar o rumo da disciplina na

instituição. A disciplina deixou de ser a “rainha” do currículo dos anos 80 e reinicia uma

nova fase de valorização, parecendo procurar escapar ao vaivém tradicional entre uma

percepção micro e uma consideração macro, optando por um nível meso de compreensão e

decisão.Referências Bibliográficas:

BRUNET, Luc. “Clima de trabalho e eficácia na escola”. In: NÓVOA, A. (coordenação).

As Organizções Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, p.121-139.

CANDAU, V. M. Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Ed. Vozes, 1988.

CHERVEL, André. “ A História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de

pesquisa”. Teoria e Educação, nº 2, 1990.

GOODSON, Ivor. School Subjects and Curriculum Change. Londres: Croom Helm, 1983

__________, Ivor. “Tornando-se uma matéria acadêmica: padrões de explicação e

evolução”. Teoria e Educação, nº 2, 1990, p. 230-254.

__________, Ivor. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995.

__________, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: EDUCA, 1997.

LOPES, A. R. C. & MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: LOPES, A. R.

C. & MACEDO, E. Currícul9: debates contemporâneos. SP: Vozes, 2002a, p. 13-54.

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______, A. R. C. & _________, E. (orgs.) Disciplina e Integração Curricular: história e

políticas. RJ:DP&A, 2002b.

NÓVOA, A. As Organizações Escolares em análise. Portugal: Publicações Dom Quixote,

1999.

REVISTA ÉPOCA. SP: Ed.Abril, fevereiro de 2000, Semanal.SACRISTÁN, J. G. La pedagogia por objetivos: obsesión por la eficiencia. Mdrid:

Ediciones Morata S. L., 1995.

SAVIANI, D. Escola e Democracia. SP: Cortez, 1988.

SOARES, M. B. “Didática, uma disciplina em busca de sua identidade”. In: Revista

ANDE..SP, 1986,p. 39-42.

VEIGA, I. P. A. “Didática : uma retrospectiva histórica” In: VEIGA, I. P. A. A prática

pedagógica do professor de Didática. SP: Papirus, 1994, p. 39-76.

WILLIAMS, R. The Long Revolution. Harmondsworth, 1984.LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 – Foto Notícia “Mais Cem Mil no Ensino Médio” (O Globo – 28/09/2000)

ANEXO 2 - Notícia “ Mãos dadas para a vida” (Revista ÉPOCA, Fevereiro / 2000)

ANEXO 3 - Foto Mural Fixo do “Carmelinha” e do Prêmio Gestão Escolar

ANEXO 4 - Murais Fixos com mensagens de Amor e Paz. “ESCOLA NORMAL

CARMELA DUTRA - Uma Escola que forma e informa em forma de Amor.”

ANEXO 5 - Manual do Professor (CAPA)

Universidade Federal do Ceará

Pró-Reitoria de Graduação

Coordenadoria de Pesquisa e Acompanhamento Docente – CPAD

Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento Curricular

PLANO DE ENSINO DE DISCIPLINA

Ano/Semestre

2007.2

1. Identificação

Page 26: Didática Geral

1.1. Centro: Faculdade de Educação

1.2. Departamento: Teoria e Prática de Ensino

1.3. Disciplina:

Didática I

1.4. Código:

PC 011 (E)

PC 208 (C)

1.5. Caráter:

Semestral e

obrigatória

1.6. Carga Horária:

64 h/a (4 créditos)

1.7. Professor: Paulo Meireles Barguil

1.8. Curso: Licenciaturas da UFC

2. Justificativa

A disciplina Didática I possibilita que estudantes de licenciatura completem sua formação docente:

compreendendo o papel do professor enquanto sujeito e agente de transformações sociais, no sentido

da democratização de um ensino de qualidade em nosso país; refletindo sobre metodologias e os

diversos níveis de ensino; investigando os diversos problemas do cotidiano escolar e as influências

desses no planejamento, execução e avaliação do ensino.

3. Ementa

Fundamentos da prática docente: Educação e didática na realidade contemporânea; o professor; o

estudante e o conhecimento; a natureza do trabalho docente; concepções de ensino; a sala de aula e

seus eventos; planejamento e gestão do processo de ensino aprendizagem.

Page 27: Didática Geral

4. Objetivos – Geral e Específicos

I – GERAL

Refletir sobre o cotidiano educacional brasileiro e o papel do professor na aprendizagem dos alunos.

II – ESPECÍFICOS

Analisar a relação Educação e Sociedade no contexto nacional;

Estudar os vários aspectos do processo ensino-aprendizagem;

Compreender o papel da didática no desenvolvimento do trabalho docente;

Analisar as características e peculiaridades do professor e a respectiva prática pedagógica;

Compreender a dimensão do projeto pedagógico na escola e a sua relação com o planejamento;

Aplicar subsídios teóricos e metodológicos para atuação no ensino fundamental e médio;

Elaborar Planos de Ensino (curso, unidade e aula);

Desenvolver práticas de pesquisa em bibliotecas, internet e outras fontes de informação.5. Descrição do Conteúdo/Unidades 5.1. Carga Horária

1. Educação & Sociedade

1. 1. Função social da escola: manutenção ou transformação da

realidade?

1. 2. Contexto mundial e a crise dos paradigmas

2. O processo de ensino-aprendizagem

2. 1. O cérebro e as concepções de ensino/aprendizagem

2. 2. Professor, estudante e conhecimento: um triângulo

amoroso?

2. 3. A sala de aula: ética, diálogo e violência

3. Didática

3. 1. Desenvolvimento histórico e tendências

3. 2. Professor: características pessoais, compromisso político e

capacidade técnica

3. 3. Trabalho docente – natureza, desafios, possibilidades e

Page 28: Didática Geral

limites

4. Organização do trabalho didático-pedagógico

4. 1. Projeto pedagógico da escola e práticas interdisciplinares

4. 2. Currículo: o que é isso?

4. 3. Planejamento educacional: aspectos conceituais,

modalidades e relações

4. 4. Objetivos, conteúdos, metodologia, recursos e avaliação

4. 5. Elaboração de Planos de Ensino e Planos de Aula para o

Ensino Fundamental e Médio

12 h/a

(1ª, 2ª, 3ª, 4ª,

5ª e 6ª aulas)

12 h/a

(7ª, 8ª, 9ª, 10ª,

11ª e 12ª aulas)

14 h/a

(13ª, 14ª, 15ª, 16ª,

17ª, 18ª e 19ª aulas)

26 h/a

(20ª, 21ª, 22ª, 23ª,

24ª, 25ª, 26ª, 27ª,

28ª, 29ª, 30ª,

31ª e 32ª aulas)

6. Metodologia de Ensino

Aula expositiva dialogada; dinâmicas de grupo; leituras e estudos de texto; pesquisas orientadas.

7. Atividades Discentes

Leituras; participação em discussões e seminários, redação de artigo/resenhas; visita a escolas,

Page 29: Didática Geral

museus e outras instituições educativas; audições musicais e de vídeo; elaboração de planos de ensino.

8. Avaliação

Prova escrita; trabalhos (resenhas, sínteses ...) individuais e grupais; seminários e auto-avaliação.

A nota final é a média aritmética simples da 1ªAP e da 2ªAP, assim descritas:

1ª AP = [(prova escrita) + (trabalhos individuais + trabalhos grupais)] / 2

2ª AP = (trabalhos individuais + trabalhos grupais + auto-avaliação)

9. Bibliografia

9.1. BÁSICA

ALVES, R. Conversas com quem gosta de ensinar. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989.

ANDRÉ, M. E. D. A.; OLIVEIRA, M. R. N. S. (Orgs.) Alternativas do ensino de Didática. Campinas:

Papirus, 1997. (371.3 A468)

BARGUIL, P. M. Há sempre algo novo! – algumas considerações filosóficas e psicológicas sobre a

avaliação educacional. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000. (371.26 B231h)

______. O Homem e a conquista dos espaços – o que os alunos e os professores fazem, sentem e

aprendem na escola. Fortaleza: Gráfica e Editora LCR, 2006b. (370 B231h) BARGUIL, P. M. Reflexões sobre a relação professor-aluno a partir das pesquisas de Piaget e Vygotsky.

In: PASCUAL, Jesus Garcia; DIAS, Ana Maria Iorio (Orgs.). Construtivismo e Educação contemporânea.

Fortaleza: Brasil Tropical, 2006a. p. 93-125. (370.1 P288f)

CANDAU, V. M. (Org.). Rumo a uma nova didática. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. (371.3 R89)

CUNHA, M. I. da. O bom professor e sua prática. Campinas: Papirus, 1990.

FAZENDA, I. C. A. Didática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998. (371.3 D551)

FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (370.98 F934e)

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1997. (370.115 F934p)

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FREITAS, L. C. de. Crítica da organização do trabalho Pedagógico e da Didática. Campinas: Papirus,

1995. (370.733 F936c)

HARPER, Babette et al. Cuidado, Escola!: desigualdade, domesticação e algumas saídas. 34. ed. São

Paulo: Brasiliense, 1994. (370.1 C973)

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. (371.3 L664d)

MACHADO, N. J. Epistemologia e Didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática

docente. Sao Paulo: Cortez, 1995. (370.1 M132e)

MASETTO, M. Didática: a aula como centro. São Paulo: FTD, 1997. (371.30981 M365d)

MORAN, J.M.; MASSETO, M. e BERHENS, M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas:

Papirus, 2000. (371.33 M829n)

NÓVOA, António. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.

______. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. (371.13 P958)

OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.) Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. 2. ed. Campinas: Papirus,

1995. (371.3 D551)

PASSOS, C. M. B. Didática: breve incursão histórica em busca da identidade. Fortaleza. 2006. Notas de

aula.

______. Planejamento: para além do burocratismo. Fortaleza. 2006. Notas de aula.

______. Trabalho docente: características e especificidades. Fortaleza. 2006. Notas de aula.

PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PILETTI, C. Didática Geral. 21. ed. Sao Paulo: Ática, 1997. (371.3 P687d)

PIMENTEL, M. da G. O professor em construção. Campinas: Papirus, 1996. (370.71 P699p)

TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. (370.72 T19s)

VEIGA, I. P. A. (Coord.) Repensando a Didática. 12. ed. Campinas: Papirus, 1996. (371.3 R336)

9.2. COMPLEMENTAR

Page 31: Didática Geral

CANDAU, V. M. (Org.). A Didática em questão. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. (371.3 D551)

D’ANTOLA, A. Disciplina na escola: autoridade versus autoritarismo. São Paulo: EPU, 1989.

FAZENDA, I. C. A. Práticas interdisciplinares na Escola. São Paulo: Cortez, 1991. (371.3 P925)

GADOTTI, M. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993. (370.9 G12h)

HOFFMANN, J. Avaliação mediadora. Porto Alegre: Mediação, 1995.

MARTINS, P. L. O. A Didática e as contradições da prática. Campinas: Papirus, 1998. (370.733

M345d)

OLIVEIRA, M. R. N. S. A Reconstrução da didática: elementos teórico-metodológicos. 2. ed. Campinas:

Papirus, 1993. (371.3 O48r)

SILVA, M. da. Controvérsias em Didática. Campinas: Papirus, 1995. (370.1 S581c)

VEIGA, I. P. A. Didática: o ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996. (371.3 D551)

______. A Prática Pedagógica do professor de Didática. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992. (370.71

V528p)

ZABALA, A. A Prática educativa: como Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

DIDÁTICA E PRÁTICAS DOCENTES: UMA ABORDAGEM

COMPARATISTA

BITTENCOURT, Jane - UFSC

AMADE-ESCOT, Chantal - UPS

GT: Didática / n.04

Agência Financiadora: não contou com financiamento

As didáticas específicas: campo de pesquisa e ferramentas teóricas

As didáticas específicas se desenvolveram a partir da década de setenta, no

contexto da produção acadêmica francesa, principalmente a partir do questionamento

Page 32: Didática Geral

em torno do ensino e da aprendizagem da matemática. Sua emergência se refere

diretamente a uma reação contra o privilégio da abordagem psicológica, essencialmente

de inspiração piagetiana, no estudo dos fenômenos educativos, bastante difundida nas

pesquisas educacionais na França neste período.

Além disso, as reformas curriculares no ensino, marcadamente a introdução da

Matemática Moderna, instingaram uma ruptura com as abordagens demasiado vastas da

Pedagogia. Ao mesmo tempo, incitaram a busca de perspectivas para o ensino, a partir

da consideração dos saberes matemáticos em questão.

As idéias principais das didáticas, geradas principalmente na Didática da

Matemática, centravam-se inicialmente no estudo das condições de transmissão e

aprendizagem do conhecimento em contexto escolar, a partir da consideração do

sistema didático. De fato, o triângulo didático, conforme proposto por Brousseau

(1986), serviu de suporte para o desenvolvimento de uma série de ferramentas teóricas

que, por sua vez, modificaram a própria idéia original, vindo a ressignificar o triângulo.

Como sugere Leutenegger (2000), numa evidente revisão do conceito, o sistema

didático se refere a um sistema de relações entre o professor e os alunos, em torno de

uma intencionalidade de ensinar/aprender um conjunto de saberes, compreendidos, por

sua vez, no seu contexto institucional de produção e regulação.

Tendo em vista caracterizar o sistema didático e analisar seu funcionamento na

sua devida complexidade, diversos construtos teóricos se desenvolveram, como a noção

de transposição didática, proposta por Chevallard em 1986/1991, ou ainda os conceitos

de situação didática e de contrato didático, propostos inicialmente por Brousseau.

Derivações e interpretações, nem sempre convergentes, destes conceitos iniciais, 2

contribuiram para o largo desenvolvimento deste campo de pesquisa. Seu objetivo

principal era favorecer a aprendizagem, propondo, para isso, situações ideais para o

ensino de determinados conteúdos. No entanto, estas propostas, as engenharias

didáticas, se mostraram inadequadas diante da experiência e das expectativas dos

Page 33: Didática Geral

docentes, evidenciando a fragilidade de uma perspectiva orientada da pesquisa para o

ensino.

Os construtos teóricos - e também metodológicos, como é o caso das engenharias

didáticas- , se difundiram em outros campos, de modo a contribuir para a constituição

da didática das ciências, do francês, da história e da geografia, e da educação física. Tais

campos de pesquisa, embora bastante heterogêneos no que diz respeito à sua

especifidade disciplinar, compartilham uma hipótese forte, que os caracterizaria

enquanto “didáticas específicas”: a consideração dos saberes disciplinares como o

elemento fundamental na compreensão do fenômeno “ensino”, analisado a partir tríade

Pofessor/Aluno/Saberes, tidos como sub-sistemas interdependentes. Este ponto de vista

viria a constituir o núcleo central, que possibilitou às didáticas específicas uma relativa

autonomia disciplinar, em relação a outros campos de investigação que também têm os

fenômenos educativos como objeto de estudos.

As didáticas e as práticas docentes

Recentemente, críticas internas ao carater normativo predominante nas pesquisas

em Didática da Matemática na década de oitenta, assim como a influência de inúmeras

pesquisas em Educação, que passam a se voltar para os docentes e sua

profissionalisação, contribuiram para uma reorientação dos focos de investigação deste

campo. Como sugere Leutenegger (2000), os pesquisadores em didática passam a se

dedicar ao estudo das condições efetivas de ensino e aprendizagem na sala de aula, com

o objetivo de compreender o funcionamento dos fenômenos educativos, onde o lugar do

professor passa a ser bastante problematizado.A questão do professor passa a ser tratada

de múltiplas maneiras, segundo os referenciais teóricos adotados pelos pesquisadores.

De modo geral, as pesquisas procuram compreender e modelisar a prática docente,

identificando o sistema de restrições, decisões e possibilidades inerentes à prática.

Os avanços teóricos na pesquisa em Didática da Matemática permitiram a

migração de construtos para as outras didáticas específicas, que também procuram 3

Page 34: Didática Geral

estudar o pólo “professor”, o que tem colocado a pertinência de um ponto de vista

comparatista.

Além disso, a evidente proximidade, nem sempre convergente, entre os resultados

de pesquisa nas didáticas e em Educação têm incitado o debate recente (Raisky e

Caillot, 1996) em torno da possível constituiçao de um campo teórico comum, para

além das didáticas específicas. A evidente complexidade da questão “práticas docentes”,

compartilhada entre diferentes campos de investigação, indica a pertinência, se não a

urgência, de uma especificação dos instrumentos teóricos e metodológicos próprios a

um ponto de vista “didático”. Esta perspectiva de investigação poderia se denominar

“Didática Comparada” (Mercier, Schubauer-Léoni e, Sensevy, 2002).

A perspectiva comparatista

Neste contexto, a perspectiva comparatista constitui um campo de pesquisa

emergente, que se define a partir de um objeto central, o funcionamento do sistema

didático, e, no seu interior, as práticas docentes efetivas. Sua problemática principal,

como sugerem Schubauer-Leoni e Leutenneger (2002), se centra na questão: a relação

didática se refere a cada campo disciplinar específico – e, neste caso, em que medida? -

ou apresenta traços de “genericidade”

1

?

Seu programa de pesquisa visa identificar elementos genéricos e especificos

presentes nas práticas docentes, considerando diferentes contextos educativos e

situações, como: a sala de aula e outros espaços educativos; as práticas docentes de

diferentes disciplinas ou a utilização de referenciais teóricos comuns entre diferentes

campos disciplinares.

Como adverte Joshua (2002), esta perspectiva evitaria o “fechamento defensivo”

no qual as didáticas disciplinares muitas vezes se colocam, o que tem dificultado o

aprofundamento teórico de seus princípios filosóficos e epistemológicos. Por outro lado,

Page 35: Didática Geral

a perspectiva comparatista se distancia de uma “didática geral”, na medida em que

preserva, como fio condutor da análise de situações didáticas, as relações com os

saberes, em suas regulações de natureza ao mesmo tempo genérica e específica.

1

Este termo se refere ao original francês “génericité”, que não corresponde, em português, ao termo

“generalidade”, que remeteria a uma possível generalização dos fenômenos. A perspectiva comparatista

visa exatamente introduzir uma ruptura, sugerindo uma outra relação entre o que é específico e o que é

genérico: a “generacidade” existe nos fenômenos educativos, mas este traço só pode ser apreendido na

especificidade das situações de ensino e aprendizagem. 4

De modo a explicitar uma metodologia que favoreça esta abordagem comparatista,

um enfoque clínico tem sido proposto, caracterizado pela análise detalhada das

interações no sistema didático. As observações e entrevistas, numa abordagem

etnográfica, possibilitam a compreensão de uma dinâmica evolutiva.

Em relação ao estado atual da pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil,

geralmente centradas nos temas “profissionalização” e “saberes docentes”, esta

perspectiva possibilita ferramentas teóricas e metodológicas para a análise da

operacionalização dos saberes docentes, em situações didáticas concretas. Esta

abordagem parece fundamental diante da fragilidade do ponto de vista unicamente

intrínseco, que considera o professor como sujeito cognitivo, com seus conceitos,

representações e história de vida, isoladamente das situações efetivas de ensino e

aprendizagem, onde tais saberes produzem, efetivamente, sentido. Por exemplo,

Shubauer-Leoni e Leutenegger (1997), colocaram em evidência os processos

diferenciadores co-construídos entre o professor e os alunos, no caso de processos

matemáticos em jogo na escrita de um número.

Page 36: Didática Geral

De modo geral, na perspectiva comparatista, o questionamento sobre a

“genericidade” dos processos em questão pode contribuir para renovar o debate em

torno das relações entre Didática e a Pedagogia, ao mesmo que tempo que interroga a

especificadade das didáticas específicas. Ambas as questões parecem especialmente

pertinentes em relação à dinâmica de produção de conhecimento acadêmico no Brasil,

onde as didáticas específicas têm se introduzido de maneira bastante disciplinar.

Além disso, a pesquisa sobre as práticas docentes no Brasil tem se servido de

diferentes paradigmas de investigação, gerados nos campos do currículo, da sociologia,

da filosofia ou da psicologia da educação

2

, e não especialmente a partir do que seria

próprio a um ponto de vista didático. Neste sentido, a perspectiva comparatista nos

possibilita reposicionar a questão do estatuto epistemológico da Didática, e indagar,

ainda num espírito comparatista, a pertinência de construtos teóricos gerados em outros

contextos educativos, em relação às práticas e às políticas educacionais brasileiras.

Referências Bibliográficas:

2

Além disso, como indicam diversas sínteses (como Borges, 2001 e Nunes, 2001) , as pesquisas

brasileiras nesta área têm sido, até agora, influenciadas principalmente pela produção norte-americana e

canadense, e muito pouco pela didática francesa. 5

BORGES, C. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da

pesquisa brasileira. Educação e Sociedade, Campinas, n.74, ano XXII, p.59-76, abr.

2001.

BROUSSEAU, G. Fondements et méthodologie en didactique des mathématiques.

Recherches en didactiques des mathématiques, Grenoble, vol.7/2, p.33-115, 1986.

CHEVALLARD, Y. La transposition didactique : du savoir savant au savoir

Page 37: Didática Geral

enseigné. 2. ed. Grenoble : La Pensée Sauvage, 1991.

JOHSUA, S. Spécificités disciplinaires, spécificités didactiques, vers une didactique

comparée. In : P. Venturini, C. Amade-Escot, et A. Terrisse (Eds.) Etude des pratiques

effectives: l'approche des Didactiques. La Pensée Sauvage, 2002, p.17-24.

LEUTENEGGER, F. Construction d'une « clinique » pour le didactique. Une étude des

phénomènes temporels de l'enseignement. Recherches en Didactique des

Mathématiques, Grenoble, vol.20/2, p.209-250, 2000.

MERCIER, A. ; SCHUBAUER-LEONI, M.L.; SENSEVY.G. Vers une didactique

comparée : Introduction. Revue Française de Pédagogie, Paris, n. 141 (número

especial : "Vers une didactique comparée"), p.5-16, 2002.

NUNES, C.M. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da

pesquisa brasileira. Educação e Sociedade, Campinas, n.74, ano XXII, p.27-42, abr.

2001.

RAISKY, C.; CAILLOT, M. (eds.). Au-delà des didactiques le didactique : débats

autour de concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boëck, 1996.

SCHUBAUER-LEONI, M.L.; LEUTENEGGER, F. Le travail de recherche sur la leçon

: mise en perspective épistémologique. In : C. Blanchard-Laville (ed.). Variations sur

une leçon. Analyses d'une séquence : l'écriture des grands nombres. Paris :

l’Harmattan, 1997, p. 15-30.

SCHUBAUER-LEONI, M.L.; LEUTENEGGER, F. Expliquer et comprendre dans une

approche clinique/expérimentale du didactique ordinaire. In : Leutenegger e SaadaRobert (ed.). Expliquer et comprendre en sciences de l’éducation. Bruxelles: De

Boëck, Raisons Educatives, 2002, p.227-251. 6

DIDÁTICA E PRÁTICAS DOCENTES

UMA ABORDAGEM COMPARATISTA

Autoras

Instituição

As Didáticas específicas : ferramentas teóricas

Page 38: Didática Geral

As Didáticas e a pesquisa sobre as práticas docentes

A Perspectiva comparatista

Referências Bibliográficas

Didática Geral – Módulo 6 Dg6

Educação Escolar, pedagogia e didática

Fonte: LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.

Cap 2 – página 25 a 26

“Os cursos de habilitação do Magistério em nível de segundo grau e superior,

são os cursos que capacitam o professor.”

Composição dos Cursos :

o um conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos

objetivos e conteúdos devem confluir para uma unidade teóricometodológica do curso.

Ensino Competente compreende :

o depende da formação profissional do professor.

o o processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação

teórico-científica e técnica.

Fazem parte da formação do professor duas dimensões:

o formação teórico-científica, incluindo a formação acadêmica específica nas

disciplinas em que o docente vai especializar-se

o formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia,

História da Educação e da própria Pedagogia que contribuem para o

esclarecimento do fenômeno educativo no contexto histórico-social; a

formação técnico-prática visando à preparação profissional específica para a

docência, incluindo a Didática, as metodologias específicas das matérias, a

Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras.

Page 39: Didática Geral

Os conteúdos devem:

o ser organizados nos aspectos teóricos e práticos e nunca considerá-los

isoladamente. Devendo portanto estar articulados

o os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas

exigências metodológicas.

o As disciplinas de formação técnico prática não se reduzem ao mero domínio

de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo

tempo que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática

TEORIA E PRATICA DEVEM CAMINHAR JUNTAS

o teoria vinculada dos problemas reais postos pela experiência prática e a ação

prática orientada teoricamente.

O processo didático efetiva a mediação escolar de objetivos, conteúdos e

métodos das matérias de ensino. Em função disso, a Didática descreve e explica os

nexos, relações e ligações entre o ensino e aprendizagem; investiga os fatores codeterminantes desses processos; indica princípios, condições e meios de direção do

ensino, tendo em vista conteúdos específicos.

A Didática se baseia numa concepção de homem e sociedade e, portanto,

subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação escolar

a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira.

4100

4100

CONTRIBUIÇOES AO ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DA DIDÁTICA DA HISTÓRIA

COMO DISCIPLINA ESCOLAR NO BRASIL: 1935-1952

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

1

Universidade Federal do Paraná

Page 40: Didática Geral

RESUMO

No Brasil, na primeira metade do século XX, entre as bandeiras de luta dos intelectuais preocupados

com a educação do povo brasileiro neste período, estavam a necessidade de difusão e universalização

da escola pública, a renovação e difusão de novas idéias pedagógicas e, principalmente, a preocupação

com a formação dos novos mestres. É neste contexto também que a História se consolida como

disciplina escolar (Nadai; Bittencourt), ao mesmo tempo em que, nos cursos de formação de

professores, eram criadas e introduzidas disciplinas de cunho pedagógico, destinadas especificamente

à complementação didático-pedagógica dos especialistas nas diferentes áreas do conhecimento. Além

das disciplinas de cunho pedagógico geral, foram introduzidas as Didáticas Especiais, entre elas, a

Didática da História, objeto deste trabalho. Assim, esta pesquisa inscreve-se no campo de investigação

da história das disciplinas escolares (Chervel; Goodson) e da história como disciplina escolar

(Bittencourt; Citron), cujos estudos e pesquisas têm apontado a necessidade de se entender os saberes

e práticas escolares em sua especificidade, considerados como expressão da cultura escolar (Juliá),

articulados às mudanças e continuidades inscritas nos ritmos próprios da longa duração, bem como

relacionados com os contextos e estruturas das sociedades. O objetivo deste trabalho não é pesquisar a

História como disciplina escolar, mas buscar identificar e analisar alguns elementos que contribuíram

para a construção do código disciplinar (Cuesta Fernandez) da Didática da História, uma disciplina

cujos conteúdos e finalidades destinam-se especificamente à formação do professor de História. Neste

Page 41: Didática Geral

trabalho, tomou-se como fonte para a investigação três manuais produzidos por professores de

Didática da História e publicados, respectivamente em 1935 (dois manuais) e 1952 (1 manual), no

contexto de duas reformas educacionais: a Reforma Francisco Campos (1931) e a Lei Orgânica do

Ensino Secundário, Reforma Capanema (1942). Pesquisas recentes (Chopin) têm indicado os manuais

didáticos como elementos destacados da cultura escolar, situando-os como importantes e substanciais

fontes para a História da Educação. Neste trabalho, tomou-se como objeto de análise manuais

destinados à formação de professores os quais, devido à sua natureza e ao seu conteúdo, têm sido

reconhecidos como diferentes dos manuais destinados aos alunos (Guereña/Ossembach/Del Pozo).

Estes manuais, utilizados principalmente em instituições de formação de docentes, apresentam-se

como referencias para se conhecer os processos de profissionalização de professores (Nóvoa;

Escolano; Vidal; Carvalho). No caso específico deste trabalho, analisou-se manuais representativos de

determinada disciplina, a História, num contexto em que, segundo Correia y Peres, a influencia da

Pedagogia estimulava a criaçao das Didáticas Especiais. Apreendidos enquanto discursos, como

“textos visíveis” do código disciplinar da Didática da História, estes manuais revelaram-se como

indiciários de determinadas formas de pensar e do sentimento comum da prática profissional, bem

como permitiram distinguir algumas evidencias de maneiras pelas quais foram concebidas certas

representações da História como matéria escolar o que, conforme Michel Foucault, pode ser revelador

da compreensão do que cada sociedade apresenta como seu “regime de verdade”. Neste sentido, a

Page 42: Didática Geral

análise dos três manuais permitiu sistematizar algumas questões, tais como se procurava legitimar

determinado perfil do professor de História, certas concepções de História, bem como de um saber

“técnico-prático”- ou um conjunto de princípios e estratégias de ensino. Isto permite sugerir que esta

História com Pedagogia (Schmidt) constituiu o fundamento de uma nova disciplina, a Didática da

História, bem como levantar a hipótese de que muitos dos seus elementos passaram a contribuir para a

constituição da representação da identidade profissional do professor de História no Brasil.

1

[email protected] 4101

4101

TRABALHO COMPLETO

Na área do ensino de História, vários autores vêm contestando posições que pensam a

Didática da História apenas como um conjunto de conhecimentos que tentam transformar, na prática,

historiadores profissionais em professores da escola fundamental e média, perspectiva que tem

acompanhado muitas concepções relacionadas com as disciplinas destinadas a ensinar como se ensina

a história. No Brasil, a concepção de que estas disciplinas têm um caráter eminentemente “prático”,

baseadas numa aplicação de ténicas e métodos de ensino aos conteúdos específicos da História, ainda

é predominante, dando origem, inclusive, à criação de disciplinas como Didática da História do Brasil,

Didática de História Medieval, Didática da História da América, sugeridas em recentes reformas

curriculares dos cursos de História.

Page 43: Didática Geral

No entanto,com base em estudos contemporâneos, pode-se afirmar a existência de um

domínio específico do conhecimento denominado Didática da História, o qual se inscreve nas

interfaces da investigação entre a própria epistemologia da História, tomada como referência para a

construção de categorias e metodologias de análise, e seu diálogo com outras ciências, situado “na

encruzilhada de diversas ciências humanas entre as quais estão, por um lado, as que se ocupam

tradicionalmente da aprendizagem e, por outro, as que constituem a base do conhecimento que se

pretende ensinar”. (PRATS,2002,p.81).

Nesta direção, este trabalho procura entender a construção da Didática da História como um

tipo de disciplina escolar, com um substrato próprio. O campo e objeto de investigação da pesquisa

são alguns manuais destinados à formação de professores, foram produzidos por profissionais do

magistério, que se dedicaram ao ensino da metodologia e prática de ensino de História no Brasil, e que

publicaram obras sobre as suas experiências, respectivamente em 1935 e 1952.

De um lado, este estudo insere-se no conjunto de reflexões sobre a história das disciplinas

escolares (Chervel,1990; Citron,1992; Goodson,1997), as quais têm apontado a necessidade de se

entender os saberes escolares em sua especificidade, articulados às mudanças e continuidades inscritas

nos rítmos próprios da longa duração, bem como relacionados com os contextos e estruturas das

sociedades.

De outro, o trabalho inscreve-se nos estudos sobre as didáticas das disciplinas ou didáticas

específicas, temática que vem atraindo a atenção de pesquisadores educacionais, como atestam os

trabalhos de Terrise (2001), os quais apontam a constituição do campo das didáticas específicas a

Page 44: Didática Geral

partir do conceito de “referência”. Nesse sentido, Moniot (2001) também assinala que a construção do

campo específico da didática da História é um fazer-se, instituído a partir da referência à história dos

historiadores, ao conceito de “transposição didática”, à própria constituição da história como

disciplina escolar, bem como à idéia de prática social de referência, pressupondo, portanto, uma

determinada cultura política e de filosofia social.

A partir destas perspectivas, aponta-se a construção de um tipo de matéria escolar, isto é, de

um conjunto de conhecimentos, idéias, valores, rotinas e práticas, que foram sendo sistematizadas em

diferentes momentos históricos, e cuja principal finalidade passou a ser a constituição de uma base de

referência sobre “como ensinar” a história e cujo destino é a formação inicial e/ou continuada de

professores.

Historicamente, no Brasil, essa disciplina tem aparecido com várias denominações, tais como

Didática da História, Metodologia do Ensino de História e Prática de Ensino de História, nos cursos de

licenciatura, destinados à formação do professor de História. Também recebeu o nome de Didática dos

Estudos Sociais (incluindo Geografia e História), quando se destina à formação de professsores das

séries iniciais (1ª. a 4ª. série). A escolha do recorte histórico deve-se ao fato de que os manuais

utilizados como fontes foram publicados em dois momentos significativos para o ensino de História no

Brasil: - em 1935 , durante o processo de implementação da Lei Francisco Campos (de 1931), a qual

tornava obrigatório o ensino de historia na escola secundária, inclusive a História do Brasil. Neste

período foram publicados dois manuais:

SERRANO, Jonathas – Como se ensina a história.São Paulo: Editora Cia. Melhoramentos de

Page 45: Didática Geral

São Paulo, 1935. O autor já havia publicado um manual da mesma natureza, em 1917, dirigido a

professores da escola primária. Era professor do Instituto de Educação e do Colégio Pedro II, do Rio

de Janeiro. Produziu também vários manuais didáticos de historia geral e do Brasil, destinados a

alunos. 4102

4102

MENDES, Murillo – A História no curso secundário. Monografia para o concurso da cadeira

de Metodologia do ensino secundário, do Instituto de Educação, da Universidade de São Paulo. São

Paulo: Gráfica Paulista, 1935. O autor era secretario geral da reitoria da Universidade de São Paulo.

O terceiro manual analisado, foi publicado após a promulgação do Decreto-Lei n. 4.244, de

1942 – Reforma Gustavo Capanema e da Portaria 1.045, da Reforma da Escola Secundária, de 1951:

CASTRO, Amélia Americano Franco Domingues de. Princípios do método no ensino da

História. Tese de doutoramento apresentada à cadeira Didática Geral e Didática Especial, da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo: Universidade de

São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Boletim 138, Didática Geral e Especial 1, 1952.

A autora foi professora de Prática de Ensino de História da USP.

A opção pela análise de manuais, tem como referência o pressuposto de que determinados

objetos contribuem para materializar as disciplinas, entre eles o manual didático. Trata-se de um tipo

de objeto da cultura escolar, produzido fora da escola, mas destinado ao uso em sala de aula,

caracterizando-se como um dos elementos do contrato didático porque “um protocolo preside o seu

uso o qual é raramente ensinado, mas frequentemente enunciado, o qual o aluno descobrirá

progressivamente”.(DEVELAY,1992,p.33). Da mesma forma, os objetos utilizados no ensino de uma

Page 46: Didática Geral

discplina mudam, ao mesmo tempo em que muda a sua matriz disciplinar. È neste sentido que pode se

falar da importânca do manual didático na construção da história da Didática da História, uma

disciplina que foi sendo instituída nas e a partir das experiências realizadas nos cursos de formação

de professores, acompanhando o próprio processo de pedagogização da história no Brasil.

Uma primeira questão é a de elucidar as principais características deste tipo de publicação. De

modo geral, os manuais destinados à formação de professores têm sido incluídos no conjunto de

publicações que, conforme Batista (2000, p.542), “são tanto produzidos quanto impressos tendo em

vista o mercado escolar”, remetendo, portanto, à necessidade de identificá-los no movimento de

construção do processo de escolarização.

Segundo Briand/Chapoulie (1993), este processo é um fenômeno relacionado à experiência

própria da instituição escolar e com os sujeitos nela envolvidos, bem como inserido na dinâmica das

articulações entre as instituições escolares e determinados projetos e propostas políticas. Ao mesmo

tempo, esse movimento é um processo paulatino de produção de referências sociais, de uma cultura

escolar, tendo a escola ou a forma escolar de socialização e transmissão de conhecimentos como eixos

articuladores de sentidos e significados, ao qual se dá o nome de escolarização do social. Nesta

perspectiva, duas ordens de questões se apresentam. A primeira diz respeito às relações entre escola,

cultura e ensino, as quais requerem a superação de concepções reprodutivistas da escolarização; a

segunda indica a particular importância da noção de cultura , pois ela permite articular, descrever e

analisar os elementos-chave que compõem o fenômeno educativo, incluindo-se, entre eles, os manuais

Page 47: Didática Geral

didáticos. (FARIA FILHO, 2000).

Assim, os manuais destinados aos professores pertencem à cultura escolar, sendo produtos e

produtores de conhecimentos escolares, instituidores de modos de fazer ou de construir a

escolarização, bem como construtores de identidades pessoais e profissionais. Enquanto

referenciadores e normatizadores de práticas pedagógicas escolares, eles contribuíram e contribuem

para urdir e dinamizar a complexa trama do cotidiano escolar. Neste sentido, estão identificados com

a construção da forma escolar, a qual permite recuperar a formação do professor destinado ao ensino

de História no movimento do “pensar a mudança” no processo de escolarização brasileiro.

(VINCENT/THIN/LAHIRE, 2001:10).

Eles também podem ser definidos a partir de sua principal característica, isto é, pelo tipo de

leitor a quem, prioritariamente, se destinam - os professores, na “forma de manuais de didática geral

ou didática especial,( que propunham métodos e atividades de ensino de alguma disciplina), os livros

didáticos exclusiva ou prioritariamente para o professor (...) ”(BATISTA,Ibid:551).

A opção pela pesquisa em manuais destinados à formação de professores de História significa

também tratar este objeto a partir dos marcos definidores iniciais, isto é, como manuais didáticos

relacionados ao processo de escolarização, constitutivos da cultura escolar e destinados à formação

didático-pedagógica dos professores, em determinado período e contexto da sociedade brasileira. O

fato de proporem métodos e atividades de ensino da disciplina História indica a necessidade de

explicar o que se entende pelo conjunto de conhecimentos veiculados por estes manuais, ou o tipo de

saberes constitutivos destas publicações. 4103

4103

Page 48: Didática Geral

Em primeiro lugar, é preciso distinguí-los dos manuais cujo conteúdo principal é o

conhecimento histórico propriamente dito: conteúdos de História Antiga, Medieval, Moderna,

Contemporânea e História do Brasil, tratados didática e graficamente com a finalidade do

ensino/aprendizagem da História pelos alunos. Os manuais de didática trazem uma gama de

conhecimentos que podem ser incluídos nos saberes e práticas próprios da prática de sala de aula de

História, destinados a uma introdução formal para o ensino de História nas escolas, exercendo a

função de mediação entre a História como disciplina acadêmica e os modos de ensinar o

conhecimento histórico na sala de aula. Segundo Rüsen,(1987), a natureza destes conteúdos é guiada

pelas necessidades da formação dos professores para o ensino de História, cujo processo pode ocorrer

em dois níveis e constituem o substrato da disciplina Didática da História.

O primeiro nível é puramente prático e de acordo com os métodos de ensino de História na

sala de aula. Trata-se de um relato influenciado pela pedagogia – é falar e ensinar como fazer. Rüsen

(1987) chama este aspecto de Metodologia do ensino de História. O outro é teórico, pois focaliza as

condições e necessidades básicas do ensino e aprendizagem da História. Trata-se da discussão da

História em relação a outros conhecimentos com os quais está comprometido o fenômeno do ensino e

aprendizagem. Por exemplo, as ciências sociais que investigam as condições sociais do ensino e da

aprendizagem e, naturalmente, com os próprios historiadores os quais investigam a História como

sujeito principal do discurso. Neste nível, diz o autor, se estabelece os objetivos e formas da educação

histórica, a partir de um determinado contexto político, social, cultural e institucional. A metodologia

do ensino de História estabelece os significados práticos através dos quais estes objetivos podem ser

Page 49: Didática Geral

alcançados.(RUSEN,1997,p.277).

Os trabalhos de Rüsen (1997) indicam que os manuais destinados aos professores referem-se

a um determinado conhecimento escolar, um tipo especial de saber, ou seja, a História como matéria a

ser ensinada, que pode ser explicada pela sua inserção numa larga tradição social inventada, não de

uma só vez, e recriada no que Fernandez Cuesta (1998) chama de “código disciplinar”, ou seja

una tradición social que se configura históricamente y que se compone de un conjunto de

ideas, valores, suposiciones e rutinas, que legitiman la funcion educativa atribuída a la História y que

regulam el orden de la práctica de su enseñanza (…) las especulaciones y retóricas discursivas sobre

su valor educativo, los contenidos de sua enseñanza y los arquetipos de práctiva docente, que se

suceden en el tiempo y que se consideran, dentro de la cultura dominante, valioso e legitimo.(…) lo

que se dice acerca del valor educativo de la Historia, lo que se regula expresamente como

conocimiento historico y lo que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones,

prácticas y contextos escolares impregnam la acción institucionalizada de los sujetos profesionales

(los profesores) y de los destinatarios sociales (los alumnos) que viven y reviven, en sua acción

cotidiana, los usos de educación historica de cada época. Usos que, naturalmente, no son ajenos, todo

lo contrario, a la lógica de producción y distribución del conocimiento (...).(FERNÁNDEZ CUESTA,

1998,P.8-9).

Nesta perspectiva, tais manuais podem ser vistos como constitutivos do “código

disciplinar”da História e, assim, analisados em duas dimensões. A primeira diz respeito à idéia da

construção do código disciplinar como uma tradição que se configura historicamente em uma larga

Page 50: Didática Geral

duração, a partir da relação que se estabeleceu entre a edificação da história como disciplina escolar e

a dinâmica da educação brasileira, como as reformas educacionais realizadas.

A segunda incita à análise dos manuais a partir da busca de características do “código

disciplinar”, a qual coloca em relevo a complexa problemática das relações entre conhecimento

científico e conhecimento escolar, pois os livros de texto são uma parte da “tradição seletiva”que, “en

virtud de una acción recontextualizadora efectuada por vários agentes sociales, convierte el saber

acadêmico en conocimiento escolar legítimo, trasmuta la ciência que se hace en la ciência que se

enseña”(FERNANDEZ CUESTA, op.cit., p.102). Neste sentido a análise dos manuais pode elucidar

aspectos da “transposição didática”(CHEVALLARD, 2000) relacionados à construção dos modos de

ensinar a História enunciados pelos autores, a partir da sua própria cultura experiencial. Alguns

autores, como aqueles que produzem os manuais de Didática Especial, organizam esta transposição a

partir de sua experiência como educador ou especialista em educação. Outros sistematizaram seus

enunciados a partir de sua experiência em sala de aula, como especialista em determinada disciplina.

Desde o momento de sua introdução como elemento constitutivo do código disciplinar da

História, estes manuais já apresentam o que Fernandes Cuesta (1998) chama de “história com 4104

4104

pedagogia”, porque ressaltam e valorizam aspectos pedagógicos como fundamentais para um ensino

cujo objetivo era formar verdadeiros cidadãos. Neles, a interação com o conteúdo específico da

História foi mediada por elementos pedagógicos e psicológicos e o conteúdo passou a ser visto

Page 51: Didática Geral

muito mais em função do seu interesse e adequação aos alunos.

Neste aspecto, é importante destacar que os três manuais analisados dedicam uma parte às

reflexôes sobre a História como ciência e outra parte aos aspectos metodológicos do seu ensino. A

preocupação com os aspectos metodológicos no ensino de História já existia na obra de Jonathas

Serrano, mas foi a Reforma Francisco Campos, de 1931, que apresentou, pela primeira vez, nas

propostas das diferentes disciplinas, incluindo a História, a grande novidade das Instruções

Metodológicas. Ressalta-se que a partir de 1930, teve início um processo de consolidação do código

disciplinar da História, no contexto da sociedade brasileira pós-Revolução de 1930, o qual concretiza a

institucionalização de alguns projetos de reformas educacionais, como a Reforma Francisco Campos,

de 1931. Neste contexto, o ensino de História pode ser visto como um “fator de coesão nacional” e

“a História era tida como disciplina que, por excelência, formava os estudantes para o exercício da

cidadania e seus programas incorporavam essa concepção” (ABUD, 1993:163). Entre as bandeiras de

luta dos educadores brasileiros deste e dos períodos subseqüentes estavam a necessidade da difusão

da escola pública, a formação profissional dos novos mestres e a renovação pedagógica. Este tripé,

determinado em função das demandas nacionais, embasou e estimulou a produção e difusão de uma

literatura específica, destinada à formação renovada de professores. Estas publicações consolidaram-se

como documentos importantes para orientação das práticas pedagógicas escolares, de modo geral, e da

História, em particular.

A presença das Instruções Metodológicas na Reforma Francisco Campos é demonstrativa da

Page 52: Didática Geral

consolidação da História como disciplina escolar obrigatória para todas as escolas. Elas enfatizam a

renovação metodológica como o caminho para a construção de um ensino necessário à formação do

cidadão mais crítico, uma expectativa da luta dos educadores neste período, bem como são indiciárias

da presença das idéias da Escola Nova no Brasil.

No ensino de História o pensamento de John Dewey foi um dos referenciais para estas

inovações, sugeridas no manual “Como se ensina a História”, de Jonathas Serrano, publicado em

1935. Este manual faz parte do conjunto de publicações da “Biblioteca da Educação”, organizada por

Lourenço Filho, e essa Coleção “é contemporânea e caudatária de outros empreendimentos editoriais

semelhantes,implementados tanto no Brasil como em outros países da América e

Europa”(MONARCHA,1997,p.31). Com esta obra, SERRANO consolidou sua posição como

intelectual identificado ao horizonte social em que se inscreve a perspectiva do "otimismo

pedagógico". No momento da sua produção, era professor do colégio D.Pedro II e Membro do

Instituto e este livro pertence à já referida Biblioteca de Educação, volume número 25.

Ao contrário do aspecto metodológico, do ponto de vista do conteúdo a ser ensinado, o livro

contém uma severa crítica aos conteúdos propostos pela Reforma Curricular Francisco Campos, de

1931. O significado desta Reforma no contexto pós Revolução de 1930 já foi analisado por ABUD

(1993) para quem a História era tida como disciplina que, por excelência, formava os estudantes para

o exercício da cidadania e seus programas incorporavam essa concepção..

Com relação à Reforma Francisco Campos, de 1931, SERRANO (1935) afirma que ela seria

absolutamente irrealizável, "dir-se-ia que os programmas dessas series foram elaborados por quem

jamais esteve em contacto com a realidade viva de classes secundarias do nosso meio. Número

Page 53: Didática Geral

excessivo de pontos". Note-se a preocupação do autor com a adequação do currículo ao

desenvolvimento dos alunos e aos seus interesses. Neste sentido, a obra “Como se ensina a História”

reserva vários capítulos às questões metodológicas, aprofundando questões já explicitadas em outras

obras.

A preocupação com a renovação metodológica no ensino de História também está presente na

obra de Murillo Mendes (1935). Este autor dedica grande parte de suas reflexões à necessidade da

renovação do ensino de História, preocupado que está com a sua adequação aos ideais e interesses da

juventude. Ao contrário de SERRANO, para quem a Reforma Francisco Campos, apesar de apontar as

inovações metodológicas, é passível de crítica, MENDES considera essa proposta como inovadora em 4105

4105

todos os sentidos. No entanto, assim como SERRANO, ele dedica uma parte do seu livro às reflexões

sobre o conhecimento histórico e outra sobre as “Novas directrizes da methodologia da historia”.

focalizar os indivíduos como expressões do meio social e, principalmente, desenvolver “os

processos de fixação, investigação, raciocinativos, ilustrativos e outros, abrangendo esquemas, formas

de representação, literatura, exame, discussão, e também onde os julgamentos de valores eram

recomendados.Fazendo apelo à pedagogia da escola nova, a Portaria ressaltava e enfatizava a

importância do estudo da história do passado para a compreensão do presente. A proposição desta

Portaria pelo MEC fez parte um conjunto de medidas constitutivas do processo de redemocratização

da sociedade brasileira após o período da ditadura Getulista, Estado Novo (1937-1945). No campo

Page 54: Didática Geral

educacional, um dos principais investimentos do governo brasileiro no período (1945-1961) foi a

valorização e expansão da escola secundária, ocorrendo o que Nunes (1980) chamou de

“modernização da escola secundária”.

(p.5). Esta deficiência, como ela própria afirma, deve-se ao fato de que a maioria dos livros

era em lingua estrangeira. Esta referência pode ser considerada um indicativo da forte influência de

autores estrangeiros na construção da Didática da História no Brasil, além da presença de autores

estrangeiros na própria bibliografia citada pelos autores analisados.

Uma novidade a ser destacada na obra de CASTRO (1952) é a forma pela qual ela admite a

diferença entre a Didática Geral – o estudo das diferentes técnicas didáticas particulares aplicáveis nas

situações em que se defrontam professores e alunos, ligado com as considerações gerais que as

explicam e fundamentam, bem como os diversos modos de proceder que são utilizados na

aprendizagem, que obedecem a certos principios mais gerais que constituem o método pedagógico. E a

Didática Específica – a qual considera o método pedagógico em função de uma determinada matéria.

A proposta do seu livro é: estabelecer os principios básicos referentes à natureza da história; Estudar

os principios gerais do método pedagógico, a partir do qual se busca as finalidades da ação educativa e

as características próprias do educando, para as diretrizes da orientação didática; Desenvolver os

processos didáticos particulares nos quais se encontram os principios fundamentais já explicitados.

Para CASTRO (1952) existe uma Didática Específica da História, a qual é constituída pelos principios

que definem a natureza da Historia enquanto ciência e pelos principios de natureza psico-pedagogicos

Page 55: Didática Geral

(método de ensino, objetivos educacionais e concepção de educando). Esta preocupação está presente

na estrutura do seu livro:

Já no primeiro capitulo da segunda parte, a autora procura explicitar a relação entre a história

como conhecimento especifico e os outros conhecimentos que interferem no seu ensino, tais como a

psicologia, a pedagogia e a sociologia, com o intuito de definir o método e as finalidades do ensino.

Em primeiro lugar, procura definir o que entende por método – ou seja, um conjunto de

meios ou os processos empregados para atingir o objetivo visado. Busca também distinguir método

de técnica, processo ou artifício de ensino. A técnica é uma fase do método, que é a aplicação prática

de certos princípios pedagógicos. Existem também as técnicas didáticas para aplicação e uso dos

instrumentos de ensino (quadro de giz, cinema,etc). Os métodos derivam de determinada doutrina

filosófica ou psicológica, como o método do pensamento reflexivo de Dewey, o método dos passos

formais de Herbart e dos projetos de Kilpatrick.

A autora baseia-se nos princípios da teoria da atividade do educando de John Wynne, os quais

pressupõem: - uma atitude ativa da escola perante a organização da sociedade o que exige a formação

de hábitos de iniciativa, participação , cooperação, crítica e pesquisa, no educando;o desenvolvimento

da interação entre o indivíduo e o meio, o que exige o ajustamento progressivo do educando ao meio e

a harmonia entre os indivíduos e a sociedade; além da consideração do indivíduo como um todo

orgânico.Baseia-se também nos s princípios da teoria da educação funcional de Claparede, os quais

indicam o pressuposto da atividade como atitude inerente ao educando e pressupõem a educação como

Page 56: Didática Geral

o desenvolvimento interno do indivíduo e a inteligência como um processo de adaptação a situações

difíceis. Em todos os momentos, ela procura a aplicabilidade destes princípios no ensino de História.4106

4106

CASTRO (1952) faz uma apropriação do pensamento de Dewey (Democracia e Educação)

para afirmar que é impossível considerar um método de ensino como separado da matéria à qual se

aplica, bem como do objeto a qual se aplica. Assim, afirma que entende a Historia como

O estudo das sociedades humanas e de sua evolução, pelo qual se compreende o estado atual da

humanidade e a continuidade histórica entre passado e presente, constitui o material com o qual

trabalhará o professor – material a ser ainda considerado em suas finalidades e em suas

possibilidades de assimilação por parte do educando. (p.49).Então, o que seria próprio da historia e

dos outros conhecimentos?

Para a autora, há um conjunto de conhecimentos gerais psicológicos, sociológicos e

pedagógicos que esclarecem o mecanismo mental da aquisição dos conhecimentos, da formação de

hábitos e atitudes, motivos de ação, etc..Estes constituem os princípios que devem dirigir a ação

pedagógica em qualquer circunstância, inclusive na metodologia específica de cada disciplina e que

formam a tríade essencial: matéria, fins, meios. Também dá um destaque especial ao educando que,

em sua opinião, é o centro polarizador das atenções da didática da história. Para ela, a finalidade do

ensino de história deve levar em consideração o desenvolvimento do educando e a adaptação do

indivíduo à sociedade.

A proposta que ela diz fazer para o ensino de história, em sua opinião, é adequada à realidade

Page 57: Didática Geral

das escolas e exige apenas uma mudança na mentalidade dos professores que com felizes exceções,

apegam-se a processos rotineiros e destituídos de objetivos. A reforma do ensino de história depende

exclusivamente de ser ela compreendida, aceita e praticada pelos professores, com entusiasmo e

carinho.(p.50).

Explicitamente a autora faz referencia ao Decreto-lei n.4.244 de 9 de abril de 1942, do

Ministro Gustavo Capanema, para apoiar-se nas finalidades do ensino secundário, propostas no seu

artigo 1º.:

“O ensino secundário tem as seguintes finalidades:

1. formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral

dos adolescentes;

2. acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a

consciência humanística;

3. dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de

formação especial”.

CASTRO também concorda com a concepção de jovem inscrita na lei, onde estes são

considerados como adolescentes, seres imaturos, cuja personalidade está em formação.

No subtítulo onde analisa os Objetivos do Ensino de História, a autora começa anunciando que

não podemos aceitar para a historia, na escola secundária, os mesmos objetivos da historia – ciência.

Não porque sejam diferentes, mas por serem encarados através de pontos de vista diversos: para a

primeira o fim está dentro do próprio conhecimento e para a secunda o fim está no educando e seu

desenvolvimento.(p.54). Ela afirma sua posição de que o principal propósito do ensino da hisitória em

nossas escolas publicas é treinar cidadãos e não produzir historiadores científicos.(p.55), o que revela,

Page 58: Didática Geral

de sua parte, uma consciência acerca da especificidade do conhecimento histórico escolar e de uma

disciplina que tem a responsabilidade de transmitir este tipo de conhecimento.

Ao mesmo tempo, vemos sua preocupação em indicar a relação entre o ensino e os modos de

educar de cada sociedade, quando diz que Os objetivos da educação em cada país determinam a

seleção das matérias a ensinar e a discriminação dos programas(p.55), bem como seu compromisso

com os interesses e realidades dos jovens estudantes da escola secundária, como atesta a pesquisa que

fez sobre este tema.

Esta pesquisa foi realizada em 1951, num universo de 428 alunos (377 amostras), com as

perguntas -

“Gostas das aulas de história? – Gostas de estudar história da civilização? – Porque? – Quais

os acontecimentos que mais o interessam na história?

Segundo a autora, cerca de 88,5% do total responderam afirmativamente. Este resultado fez

com que ela afirmasse que os adolescentes estão aptos a aprenderem história, particularmente porque 4107

4107

têm facilidade de desenvolver a Imaginação, quesito fundamental para a aprendizagem do passado;

além da capacidade de reflexão, ou de raciocinar (analisar, sintetizar, deduzir, induzir, perceber

relações, julgar e extrair conclusões). Outra capacidade inerente ao adolescente, segundo a autora, é a

do desenvolvimento da curiosidade – eles tudo indagam, tudo querem saber, têm atração pelo novo e

pelo exótico. Em sua opinião, uma dificuldade a ser superada pelo professor, é a atração que os

adolescentes têm pelas guerras, lutas e conquistas, mas, segundo ela, estes interesses podem ser

facilmente sublimados,

Page 59: Didática Geral

Se a história for ensinada como uma série de lutas políticas e militares nada conseguiremos,

porém, se dermos igual relevo à luta pela conquista da ciência e da arte, aos grandes movimentos

dirigidos por um ideal, à idéia da solidariedade e da unidade dos homens, talvez um passo à frente

seja dado nesse sentido. E se considerarmos a consciência histórica como sendo a própria

consciência humana aquela será obtida sem esforço através do dsejo que tem o adolescente de

conhecer e participar da humanidade de seu tempo e sua época.

Ao mesmo tempo, a autora diz que novos interesses devem ser despertados e criados nos

adolescentes, tais como: pela evolução da civilização, continuidade e interrelação entre passado e

presente; pela vida social em geral (usos, costumes,línguas, crenças etc); pela vida cultural em todos

os seus aspectos; pelas relações entre os homens e o meio, gêneros de vida,descobertas etc; pela vida

política nacional e internacional, e pela vida econômica em geral.

CASTRO (1952) já admite uma problemática que ainda persiste na formação do professor de

história, que é a dicotomização entre a formação do especialista e a formação pedagógica. Em sua

opinião, para superar esta questão é necessária levar em conta a posição do especialista, o qual possui

uma visão completa sobre determinado corpo de conhecimentos logicamente organizados e a posição

do aluno, para quem a matéria é o desconhecido a explorar. A organização lógica do conhecimento

histórico é a meta e não o ponto de partida do ensino. Este ponto de partida deve ser o ponto de vista

do aluno

Como afirma Fernandez Cuesta (1997;1998), o “código disciplinar” da Didática da História

foi sendo construído a partir de relações que se estabeleceram entre marcos contextuais, perspectivas

Page 60: Didática Geral

das ciências e uma determinada prática escolar desenvolvida em cursos de formação de professores..

Os manuais analisados evidenciam, assim, alguns elementos originais para a análise do “código

disciplinar” de uma disciplina que nasce nos espaços destinados à formação de professores (Instituto

de Educação, Faculdade de Educação), com alguns elementos que definem a sua natureza específica.

Entre eles, podem ser citados a forte relação com as diretrizes educacionais propostas pelo Estado, o

diálogo com outras ciências, como a psicologia e a sociologia, bem como chamada “pedagogização da

História”. Essa “pedagogização” revestiu-se, principalmente, pela incorporação de aspectos

relacionados aos métodos e técnicas de ensino e aos estudos referentes à personalidade e psicologia do

educando, importados da disciplina Didática Geral, indicando a existência de um novo tipo de

conhecimento ou de uma didática específica, cujos conteúdos destinam-se a ensinar a ensinar a

história.

A forma da “transposição didática” do conhecimento historico em conhecimento historico

escolar que constituiu o substrato de conteúdos próprios desta nova disciplina não levou em

consideração, neste momento, o fato de que o método de ensino pressupõe uma relação intrínseca com

o método e a filosofia da própria ciência, o qual delimita, não somente os objetivos e finalidades do

ensino, mas também a sua forma de ensinar. Pelo contrário, a transposição didática do conhecimento

historico em conhecimento escolar pautou-se, sobretudo, na imposição dos aspectos psicológicos e

pedagógicos. Esse pode ser um dos fatores que afastaram tanto “a história dos professores e a história

dos historiadores”.

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Page 61: Didática Geral

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4109

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS

Grupo de Pesquisa Educação a Distância e Práticas

Educativas Comunicacionais e Interculturais – EDaPECI

Page 63: Didática Geral

ANAIS DO II SEMINÁRIO EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO, INCLUSÃO E INTERCULTURALIDADE

DE 12 A 14 DE AGOSTO DE 2009

A DIDÁTICA DA EAD VIRTUAL

Renata Maria dos Santos

1

[email protected]

Priscila Silva

2

[email protected]

RESUMO

O presente artigo aborda as características da didática na Educação Virtual, com o intuito de distinguir

as suas especificidades. Por se tratar de uma nova modalidade de ensino, faz-se necessário demonstrar

a importância de distinguir as peculiaridades da didática do ensino presencial e do ensino à distância, o

que será possível ao apontarmos as semelhanças e as discrepâncias existentes entre ambas. As

pesquisas bibliográficas e web-bibliográficas (livros, periódicos, artigos e teses digitais)

empreendidas, nos colocaram diante de fontes empíricas que fundamentaram toda a teoria deste

trabalho. Portanto, um conjunto de procedimentos didáticos que asseguram a qualidade do processo de

ensino aprendizagem em ambiente virtual é identificado por esta pesquisa, constituindo-se numa base

de informações sobre a didática específica à EAD para iluminar as futuras práticas pedagógicas.

PALAVRAS-CHAVE: Didática; Educação a Distância; Novas Tecnologias.

1

Pedagoga; Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior; Aluna Especial do Mestrado em

Page 64: Didática Geral

Educação NPGED/UFS e do Mestrado em Sociologia NPGCS/UFS; Membro do EDAPECI.

2

Formada em Letras; Pós-graduanda em Didática e Metodologia do Ensino Superior; Aluna Especial do

Mestrado em Educação NPGED/UFS; Membro do EDAPECI. 230

ABSTRACT

This article discusses the characteristics of virtual education in teaching, in order to distinguish their

specificities. As a new method of teaching, it is necessary to demonstrate the importance of

distinguishing the peculiarities of teaching presence in education and distance learning, which will be

possible to identify the similarities and differences between them. The bibliographic searches and

web-bibliographical (books, journals, articles and theses digital) taken, placed in front of empirical

sources that supported the whole theory of this work. Therefore, a set of teaching procedures that

ensure the quality of the teaching learning in virtual environment is identified by this research,

constituting a base of information on teaching specific to EAD to illuminate the future teaching

practices.

KEY WORDS: Teaching; Distance Education; New Technologies.

1 INTRODUÇÃO

Tornou-se imperativo reconhecer que é necessária uma didática que promova a reflexão, a

crítica e a transposição de conteúdos, independente do distanciamento físico entre professores

e alunos. Essa discussão intensifica-se no mundo contemporâneo, caracterizado por um

turbilhão de informações e inovações tecnológicas, científicas, culturais e educacionais que

impõem a necessidade de nos educarmos permanentemente. Para tal, felizmente, podemos

contar com as novas tecnologias na educação, pois as formas tradicionais de ensino não

produzem os resultados necessários, quando sozinhas nessa empreitada.

Page 65: Didática Geral

Partindo do pressuposto de que a aquisição do saber não se restringe mais aos espaços

físicos denominados escolas, faculdades, bibliotecas, dentre outros, urge, portanto, a

necessidade de se compreender essa transição paradigmática e elaborar propostas didáticas e

metodológicas que não negligenciem a construção do conhecimento.

Faz-se Mister entender que, vencer uma cultura de ensino presencial torna-se um desafio

não apenas dos professores, pois se espera dos alunos uma autonomia responsável diante

dessa “não-presencialidade” do professor, e a este docente se aplica sucessivas tarefas, dentre

elas a busca por “novas competências” em favor de um “novo fazer pedagógico”. Ambos

ganham, portanto, novas responsabilidades e novos perfis.

A EAD virtual, destarte, deve contribuir para ampliar qualitativamente e

quantitativamente as oportunidades educacionais e a construção do conhecimento. É, 231

portanto, crucial ao professor explorar todas as possibilidades didáticas e metodológicas. A

exemplo nos diz Pedro Demo, que:

[...] a teleducação não dispensa o professor, embora agregue a seu perfil outras

exigências cruciais, como saber lidar com materiais didáticos produzidos com meios

eletrônicos, trabalhar em ambientes diferentes daqueles formais da escola ou da

universidade, acompanhar ritmos pessoais, conviver com sistemáticas diversificadas

de avaliação. (DEMO, 1996, p.200)

É importante salientar que o fato de professores e alunos estarem fisicamente

próximos não os isenta dos problemas de relacionamento decorrentes da jornada educacional,

tais problemas e suas respectivas soluções pedagógicas existem na EAD e também nos cursos

presenciais. Basta que se estabeleça uma relação (virtual) confiável e legítima para se estreitar

os laços de um relacionamento atípico, porém provocador, para a aquisição do conhecimento.

A Educação virtual requer contornos particulares, seja na didática, na metodologia, na

avaliação, na interação, na formação do professor, na conscientização dos alunos, ou seja, é

necessário polir as idéias e teorias da educação presencial, e construir novas idéias e teorias

próprias para essa modalidade de ensino.

Page 66: Didática Geral

Há um enorme potencial contributivo, tanto da EAD para a educação presencial,

quanto da experiência didática presencial para a EAD. Longe de se enfraquecerem podem se

ajudar, se complementar, oferecendo opções para quem deseja estudar virtual e/ou

presencialmente.

Desta forma, o presente artigo se propõe a refletir sobre as singularidades da didática

no processo de ensino e aprendizagem na modalidade da EAD virtual, identificando o

conjunto de procedimentos que guardam semelhanças e divergências com o ensino presencial.

Os registros apresentados nos permitem construir, a partir de uma revisão bibliográfica

atualizada e bem direcionada, uma base conceitual que expressa a importância da didática

nessa modalidade de ensino, descortinando suas peculiaridades.

2 A DIDÁTICA

O precursor da Didática João Amós Comenius (1592-1670), no século XVII estudou a

formação dessa teoria para investigar as ligações entre o ensino, o aprendizado e suas leis, e

escreveu a primeira obra clássica sobre o assunto, intitulada “Didactica Magna”. 232

Essa obra possuía (naquele momento histórico) um caráter revolucionário, pois serviu

com ardor à causa protestante de luta contra o tipo de ensino que a Igreja Católica Medieval

praticava, pregando a máxima de “ensinar tudo a todos”.

Tal disciplina técnica que tem como objetivo específico a “técnica de ensino”, visa

ajudar a resolver possíveis contradições entre o processo de ensino-aprendizagem e sua

utilização é elementar para todo tipo de atuação docente seja ela presencial ou à distância.

O processo de ensino-aprendizagem sob o prisma da didática é esclarecido por

Libâneo, quando este nos diz que:

O processo didático se explicita pela ação recíproca de três componentes – os

conteúdos, o ensino e a aprendizagem – que operam em referência a objetivos que

expressam determinadas exigências sociopolíticas e pedagógicas e sob um conjunto

de condições de uma situação didática concreta. (LIBÂNEO, 2005, p. 91).

A didática é, portanto, uma atividade educacional especializada, que se preocupa com

Page 67: Didática Geral

os problemas de ensino, buscando orientar esse processo. Entretanto, segundo Feldman (2001,

p.43) “Uma didática pode conter uma teoria da instrução, mas uma teoria da instrução

dificilmente abarcará por si mesma, todas as necessidades educacionais que requerem

respostas didáticas”.

Por Mello et al (2008), a didática pratica a mediação entre a teoria e a prática

educativa, o conteúdo e a forma de educar, o professor e o aluno, a sala de aula e a totalidade

da sociedade, ou seja, um domínio pleno das dimensões do ensino e da aprendizagem.

Desse modo, a competência requerida nos diz Perrenoud (2000), é cada vez menos

técnica e, sobretudo lógica, epistemológica e didática. Portanto:

Cabe ao professor, porém, dosar e disponibilizar uma teoria que desperte seu

interesse e o instigue para ir além do ponto em que estava, lembrando que o

problema da unidade teoria e prática surge quando a primeira vai de encontro da

necessidade da segunda, que pode desembocar na falta de tempero, de consciência e

de utilidade. (ROMÃO, 2008, p.72)

Pelo exposto, vimos que as informações que transitam por vias digitais

(potencialmente formadoras), requerem, a priori, habilidades didáticas para lidar com os

meios de acessá-las e de modo crítico e criativo, transformá-las em conhecimento. Kensky

(2007, p. 46), sobre tal assunto nos diz que “É preciso respeitar as especificidades do ensino e

da própria tecnologia para poder garantir que o seu uso, realmente, faça a diferença”. 233

3 A GLOBALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO

A globalização impõe transformações em todos os âmbitos da sociedade, cujos processos

de civilização e modos de produção são ditados pelo capitalismo. Além de produtos e

serviços, a globalização nos apresenta hábitos, estilos e conceitos que modificam a maneira

como vemos e apreendemos o mundo através do processo de incorporação dessas instâncias

ao nosso cotidiano.

O capital intelectual que representa a soma dos conhecimentos de todas as pessoas que

trabalham em uma empresa torna-se supervalorizado, produzindo a necessidade de uma

Page 68: Didática Geral

formação voltada para o desenvolvimento de competências, habilidades e estratégias de

negócios. Tal formação permite às empresas disputar o seu espaço no mundo globalizado.

O século XXI evoca a valorização da economia do conhecimento o que implica saber

principalmente o que fazer com ela. Um cenário voltado para a aprendizagem onde é preciso

saber gerenciar o conhecimento. Surge, portanto, um novo tipo de globalização, a

globalização da educação que acontece através da Educação Aberta e a Distância com a

utilização dos meios de comunicação, predominantemente a internet.

Reconhece-se o conhecimento como o fator mais importante da produção, onde é

preciso medi-lo no trabalho executado, agregando valor à atividade intelectual. Ocorre,

portanto, uma valorização do poder do cérebro intensificando o domínio do saber.

A globalização “da educação” suscita uma série de acontecimentos que transformam a

sua estrutura física e a mediação do conhecimento, ao implantar as Universidades Virtuais, os

Portais Educativos, Universidades Corporativas no âmbito empresarial e a dualidade de um

sistema que pode mesclar o presencial e o virtual, ampliando desse modo as possibilidades de

acesso ao sistema educativo, com uma otimização do tempo e redução/isenção da interação

física.

A era do conhecimento composto por mudanças estruturais nos imputa a tarefa de

aprender sempre mais, inovando e renovando conhecimentos. O seu tempo de vida útil está

cada vez mais reduzido e já não é mais possível formar um profissional para a vida inteira, o

que traduz a necessidade de se inserir em um sistema de aprendizagens ao longo dela.

O grande e atual desafio da educação recai na necessidade de trabalhar o homem e a

mulher integralmente, com vistas a possibilitá-los atender os requisitos do mercado e atuarem

como cidadãos de um mundo globalizado, pois o conhecimento, como valor universal e 234

direito de todos, precisa ser utilizado em todas as esferas da vida cotidiana, não devendo estar

meramente restrito a uma preparação para o trabalho.

A cultura da globalização atribui uma série de desafios, dentre eles o da formação de

cidadãos capazes de articular os contextos global e local. Para isso é necessário um maior

Page 69: Didática Geral

investimento na elaboração e gerenciamento de programas educativos que atendam às

demandas sociais.

Oliveira (2006) acrescenta que a EAD, fruto da globalização, encurta distâncias e pode

contribuir para a constituição de força de trabalho, de aprendizagem e principalmente de

solidariedade.

4 TRAÇOS DISTINTIVOS DA EAD VIRTUAL

Um olhar lançado sobre os itinerários teórico-metodológicos de sucesso da EAD

virtual, aponta que o ensino a distância, via web, não corresponde simplesmente à iniciativa

de cadastrar conteúdo em uma ferramenta tecnológica digital e distribuí-lo para as centenas,

quiçá milhares de pessoas sedentas de conhecimento. É necessária uma mudança estrutural,

no modelo pedagógico, na didática, na formação dos profissionais, dentre outras.

Através da internet e da WEB convergente temos o limiar da 5ª geração de EAD, que

se distingue das outras fases de ensino a distância (correspondência, televisionada,

radiofônica), por causa do elevado nível de comunicação síncrona e assíncrona que permite

promover no decorrer do processo, uma distância que reserva inúmeras possibilidades de

presença “virtual”.

A quinta geração, a de classes virtuais on-line com base na internet, tem resultado

em enorme interesse atividade em escala mundial pela educação a distância, com

métodos construtivistas de aprendizado em colaboração, e na convergência entre

texto, áudio e vídeo em uma única plataforma de comunicação. (MOORE,

KEARSLEY, 2008, p..48).

Tal modalidade de educação possibilita a auto-aprendizagem mediada por recursos

didáticos sistematicamente organizados em distintos suportes de informação que de modo

isolado ou combinado veiculam a base de informações que subsidiará o processo.

Nas palavras de Belloni:

“A educação aberta e a distância aparece cada vez mais, no contexto das sociedades

contemporâneas, como uma modalidade de educação extremamente adequada e 235

Page 70: Didática Geral

desejável para atender às novas demandas educacionais decorrentes das mudanças

na nova ordem econômica mundial”. (BELLONI, 2008, p. 3)

Niskier adentra ao contexto da legislação e nos diz que:

O sistema de ensino brasileiro obteve enorme flexibilidade com a promulgação da

Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, cuja regulamentação propicia a criação de

novas modalidades de cursos, de modo a poder incorporar novos conteúdos, práticas

pedagógicas e procedimentos de avaliação.” (NISKIER, 1999, p.16).

A distância, característica preponderante da EAD virtual é vista por Romão (2008) de

modo positivo ao pensarmos em lidar com ela de modo a fazer suscitar uma presença que se

estabelece na relação educativa, ou seja, aceitá-la para potencializar a presença que dela

advém, a presença “virtual”.

5 INTERAÇÃO

O fato de na EAD virtual o ensino ser conduzido por intermédio das NTICs tornam-no

um desafio para a maioria dos professores que precisam substituir os modos de interação

tradicionais e descobrir o potencial destas tecnologias para o processo de ensinoaprendizagem, o que nas palavras de Moore et al (2008), se dá através da humanização da

relação, cujas técnicas para alçá-la varia de acordo com a tecnologia.

A comunicação, mediada tecnologicamente, deve estar pautada em uma capacidade de

empatia, domínio das tecnologias e do conteúdo, para que este profissional possa motivar os

seus alunos e ajudá-los a gerenciar os seus estudos, pois, o processo precisa estar centrado no

aluno, o que requer ir além da introdução de tecnologias, buscando promover o

desenvolvimento da capacidade de auto-aprendizagem, assevera Belloni (2008). “Em EAD

como na aprendizagem aberta e autônoma da educação do futuro, o professor deverá tornar-se

parceiro dos estudantes no processo de construção do conhecimento, isto é, em atividades de

pesquisa e na busca da inovação pedagógica”. (IBID, p.81)

Vygotsy (2003) nos disse que a construção do conhecimento se dá por meio da

Page 71: Didática Geral

interação, pois cada pessoa é um ser social, relacional e participante de um processo histórico.

Portanto, o processo de ensino-aprendizagem envolve aquele que ensina, o aprendente e a

relação entre eles. 236

A distância na EAD virtual não representa abandono ou ausência, nos diz Romão

(2008). E esta continua esclarecendo que de igual modo estar presente não garante a

interlocução e o diálogo. Um tratamento diferenciado nesse processo suscitará a condição

humana e esta por sua vez estabelecerá a presença.

Uma interação cuja relação seja confiável e legítima sustenta grandes possibilidades

de sucesso. Pautada no aluno com vistas a fortalecê-lo como ser pensante, que caminha rumo

ao maior ganho educacional possível. “Toda atividade, todo ato de comunicação, toda relação

humana implica um aprendizado. Pelas competências e conhecimentos que envolve, um

percurso de vida pode alimentar um circuito de troca, alimentar uma sociabilidade de saber”

(LÉVY, 2007, p. 27)

É preciso dar respostas adequadas, em tempo hábil, provocando no aluno a

necessidade “consciente” de construção coletiva do conhecimento, promovendo assim, uma

relação fecunda em termos de relacionamento e interação.

O aumento da interatividade pode significar, por exemplo, o aumento da compreensão

do conteúdo que ocorre mediante o uso de técnicas pedagógicas e a efetivação da relação

entre tutor e aluno que ocorre mediante os meios de comunicação disponíveis.

A interação na EAD virtual difere-se dos modos anteriores a essa geração pois ocorre

em alto nível graças às tecnologias que a tornam multidirecional. Anteriormente tivemos as

interações unidirecional e bidirecional que não conferiam muita eficácia e credibilidade ao

processo.

Os modos síncronos e assíncronos ocorrem através dos chats, fóruns, e-mails,

telefonemas, encontros presenciais. Uma diversidade de formas de comunicação existe e

precisam ser explorada nesse processo, para que alcancemos os fins desejados.

6 MATERIAL DIDÁTICO E AVALIAÇÃO

Page 72: Didática Geral

A preocupação com a criação de condições para a aprendizagem do aluno deve estar

presente em todas as modalidades de ensino. Na Educação a Distância (EAD) o material

didático constitui-se em elemento mediador entre o aluno e o conteúdo a ser aprendido e traz

em seu cerne a concepção pedagógica que norteia o ensino aprendizagem do curso.

A probabilidade de sucesso de um curso a distância é diretamente proporcional à sua

qualidade pedagógica, e nos materiais didáticos a qualidade pedagógica pode ser alcançada 237

primando-se pelo caráter intelectual do conteúdo e suas múltiplas possibilidades de interação

e estímulo.

O material didático de cursos a distância deve destinar-se a orientar os estudos,

promover a ampliação do conhecimento, facilitar a compreensão crítica dos conteúdos,

instigar o hábito de pesquisa e promover a avaliação do processo de aprendizagem.

Construir um material didático para a EAD pressupõe, portanto, um repensar

pedagógico onde o conteúdo não prescinda a viabilização da aprendizagem e ambos não

sofram limitações por conta da distância física, em consonância com a fundamentação

filosófica e pedagógica do curso.

Impresso, audiovisual ou disponível na WEB ele deve favorecer a autonomia do aluno,

promovendo interação, estímulo e aquisição de conhecimento.

Com vistas a avançar na aprendizagem contamos com a avaliação, que através de um

processo de coleta de dados permite verificar se os objetivos e propostas dos cursos estão

sendo atingidos. Esta deve ocorrer de forma diversificada por conta das múltiplas

modalidades de interação.

A avaliação segundo Piletti:

[...] é um processo contínuo de pesquisas que visa interpretar os conhecimentos,

habilidades e atitudes, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento,

propostas nos objetivos educacionais, a fim de que haja condições de decidir sobre

alternativas do planejamento do trabalho do professor e da escola como um todo. (

PILETTI, 1987, p. 190)

Page 73: Didática Geral

Diagnosticar as condições dos alunos ao iniciarem o curso, detectar e controlar as

falhas e insucessos no decorrer da aprendizagem e classificar os objetivos alcançados são os

modos de avaliar que podem promover o sucesso do ensino virtual, e devem ser planejadas

para esse tipo específico de processo.

Por Libâneo (2005) podemos entender a avaliação como sendo uma tarefa didática

essencial ao trabalho docente e não pode ser resumida à simples realização de provas e

aferição de notas.

Desse modo o processo de avaliação deve representar momentos privilegiados para

alunos e professores, promovendo possibilidades de correlacionar resultados, intensificar os

acertos e corrigir os equívocos, principalmente em se tratando de uma modalidade de ensino

em processo de consolidação. 238

7 DIDÁTICA VIRTUAL

As estratégias da ação didática empregadas devem estar adaptadas à nova modalidade

de ensino (virtual) por meio de planejamento, pois planejar é uma necessidade constante em

todas as áreas da atividade humana.

Uma combinação especial entre ensino e tecnologias por meio, também, de uma

didática que aglutine as peculiaridades dos fatores preponderantes e subsidie as etapas do

processo.

[...] o ambiente de ensino digital oferece novas possibilidades interessantes,

auspiciosas e inteiramente novas para o planejamento didático do preparo para o

estudo autônomo, em todo caso incomparavelmente mais do que o melhor curso de

ensino a distância impresso, mais do que o mais impressionante programa didático

na televisão e a mais intensiva assistência tutorial. (PETTERS, 2003, p. 260)

Conhecer as necessidades, características sócio-culturais e potencialidades

intelectuais da clientela, ajuda no estabelecimento de metas, objetivos e procedimentos

didático-metodológicos mais adequados.

A didática do ensino a distância contempla as seguintes especificidades:

Page 74: Didática Geral

• O aluno estuda onde e quando desejar, separado fisicamente;

• A ênfase no material didático facilitará a mediação;

• Aprendizagem mais autônoma (aluno mais ativo);

• Vários tipos de docentes: o que elabora o material; o que atua presencialmente

e o que atua virtualmente;

• O tutor é o suporte/orientador da aprendizagem;

• O processo ocorre por vias tecnológicas digitais;

• A comunicação é diferenciada (diversificada).

Os procedimentos didáticos precisam promover a regularidade do contato, a

elaboração de comentários que indiquem fontes de informação suplementar, o incentivo à

interação aluno (aluno-conteúdo-tutor), e à autonomia responsável permitindo que o aluno um

papel ativo no processo.

A Didática do ensino virtual deve contemplar a multidimensionalidade desse processo

e os procedimentos adequados prevêem:

• Ênfase na autonomia do aluno;

• Exploração das possibilidades do material didático;239

• Domínio das ferramentas;

• Conhecimento prévio dos processos de interação e mediação;

• Disponibilidade e interesse para a comunicação diferenciada.

A assessoria didática precisa ser contínua para aprimorar as práticas educacionais ao

longo do processo de ensinar e aprender virtualmente, pois a forma de organizar e orientar o

ensino a distância interfere diretamente na aprendizagem do aluno.

8 CONCLUSÃO

Sob a égide dos princípios educacionais, convém ressaltar que educar a distância não

significa se desvencilhar da responsabilidade de mediar o acesso às informações, para que se

possa convertê-las em conhecimento. Uma apropriação didática do conteúdo, uma avaliação

minuciosa dos procedimentos didáticos, uma disposição para reaprender a ensinar usando as

Page 75: Didática Geral

novas tecnologias, são atitudes indispensáveis aos professores (tutores) do século XXI.

A sociedade convoca a educação, como de costume, a dar conta das necessidades

educacionais que a globalização do conhecimento lhe impõe. O desafio didático-pedagógico,

portanto, está consolidado. Os muros e relógios tornam-se obsoletos, na EAD, pois a distância

geográfica e os horários de atividades, de presença em sala de aula não regem a realidade dos

alunos à distância.

Pensar em um novo modo de estar presente, em uma nova forma de atuar, em um novo

tipo de reciprocidade, são alguns dos paradigmas com os quais devemos lidar contando com a

contribuição elementar da didática, pois esta continuará indissociável da educação.

O célebre educador Paulo Freire, deixou-nos um legado de obras e experiências que

nos permitem enxergar a importância da educação para o exercício de uma vida cidadã. Sua

atuação baseou-se na busca pela superação das desigualdades, através do modo de conceber e

fazer educação, e nada mais coerente do que nos propormos, como tão bem ele nos orientou, a

pilotar o progresso da educação frente às inovações tecnológicas.

Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de

chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o

nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o

que fomos e o que somos, para sabermos o que seremos. (FREIRE, 2008, p.33) 240

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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