Didatica Geral Ead

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Didática Geral

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  • Didtica Geral

  • Didtica GeralNeide Arrias BittencourtLcia Schneider Hardt

    Florianpolis, 2010.

  • Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Copyright 2010 Licenciaturas a Distncia FILOSOFIA/EAD/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

    B624d Bittencourt , Neide ArriasDidtica geral / Neide Arrias Bittencourt, Lcia Schneider Hardt.

    Florianpolis : UFSC, 2010. 112p. il. inclui bibliografia.ISBN:978-85-61484-15-61.Didtica. 2. Processo ensino e aprendizagem. I. Hardt, Lcia Schneider. II. Ttulo.

    CDU 371.3

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  • Sumrio

    1 Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica ........................................................................91.1 Abordagens filosficas do processo de ensino

    e de aprendizagem ................................................................. 11

    1.2 A Sala de aula e seus temperos .............................................. 13

    1.3 A sala de aula e a inveno .................................................... 14

    1.4 A sala de aula e a loucura ....................................................... 17

    1.5 Genealogia da didtica ........................................................... 22

    1.6 Tecnologias de si e a didtica ................................................ 23

    1.7 Paradigmas da didtica .......................................................... 25

    1.8 O estranhamento e a didtica ................................................ 26

    1.9 A turbulncia que produz novas indagaes. ..................... 27

    1.10 Didtica e inveno .............................................................. 28

    1.11 A viagem de formao e a possibilidade de chegar a ser o que se ........................................................ 29

    1.12 A docncia e a superao da lgica do dficit ................... 311.13 A didtica e a pedagogia do conceito ................................. 33

    1.14 Cartografias da escola .......................................................... 35

    1.15 O educador e as trs Metforas ........................................... 37

    1.16 A escola protegida................................................................. 38

  • 1.17 Os alunos e o conhecimento ............................................... 41Reflita sobre .............................................................................. 45

    2 A relao pedaggica no contexto do ensino: por uma educao totalizadora ...............................472.1 Da escola que temos para a escola que queremos. ............ 49

    2.2 Concepes de aprendizagem e o aprender em sala de aula ........................................................................ 56

    2.3 O que seria aprender? ............................................................. 59

    2.4 Competncias pedaggicas para o exerccio da docncia .............................................................................. 65

    Reflita Sobre .............................................................................. 68

    3 Avaliao de aprendizagem ........................................693.1 Avaliao do processo ensino-aprendizagem:

    por uma avaliao totalizadora ............................................. 71

    3.2 Modalidades e instrumentos de avaliao ........................... 77Reflita sobre .............................................................................. 81

    4 Planejamento .................................................................834.1 Objetivos gerais segundo os PCNs ....................................... 87

    4.2 Competncias e habilidades a serem desenvolvidas em Filosofia. ........................................................................... 88

    4.3 PARECER CNE/CEB N: 38/2006: que torna obrigatrio o ensino de Filosofia no currculo de Ensino Mdio. ............................................. 88

    4.4 Conceituar: plano, planejamento, projetos. ........................ 93

    4.5 Dez Mandamentos do Professor para realizar um bom plano de AULA. ...................................................... 94

    4.6 A importncia do planejamento dentro de um ensino relacional, participativo ...................................... 98

    Reflita sobre ............................................................................102

    Referncias bibliogrficas ........................................105Sites consultados e indicados ....................................................111

  • ApresentaoVoc tem em mos um livro com foco na Didtica. Um conheci-

    mento necessrio a todos os professores, uma vez que oferece refle-xes, recursos e instrumentos para viabilizar a sala de aula. Afinal o que uma boa aula? Esta ainda uma pergunta pertinente?

    O texto desdobra-se em quatro captulos. O primeiro captulo visa a uma discusso de fundo que tem como inspirao a obra de Rafael Sanzio A escola de Atenas. Com essa imagem ficam afirmadas as mltiplas salas de aula que a humanidade j conheceu. O encontro entre sujeitos na sala de aula desde sempre foi com a dissonncia de vozes, considerando suas expectativas. Os contedos desse primeiro captulo convidam voc a pensar sobre isso evitando desejar o que no real: uma sala de aula perfeita, sem dificuldades, sem dilemas. Mas apesar disso, esse um espao belo, pois o belo fica expresso no diverso, na vitalidade das presenas, nos estilos singulares que se apresentam. Assim a sala de aula precisa de disposio para lidar com a vida, a sua prpria e a de tantos outros.

    O segundo captulo tem como foco o debate pedaggico e faz um convite para pensar a escola que supostamente queremos e como materializ-la. Discutiremos o papel do educador e seu compromis-so com a aprendizagem dos alunos. No terceiro captulo o destaque a avaliao, seus pressupostos e prticas. Ele destaca a importncia da observao e da necessidade de ver o aluno no seu todo, o que significa afirmar que so necessrios outros procedimentos alm de apenas a nota para expressar o desempenho acadmico dos alunos.

  • Por fim, o quarto captulo prioriza o planejamento. A sala de aula necessita de uma organizao prvia e isso implica definir objetivos, contedos, procedimentos e processos de avaliao, considerando as reas de atuao de cada docente.

    Tentamos escapar de um modelo convencional em termos do deba-te sobre a didtica e buscamos estabelecer com vocs um dilogo sobre a educao numa perspectiva mais ampla e abrangente. E ainda assim chegamos sala de aula desejando criar em cada um vontade e desejo para habitar com dignidade esse espao to humano e essencial.

    As autoras

  • Captulo 1 Evoluo histrica e

    tendncias atuais da Didtica

    Provocar uma reflexo nos leitores, atravs do referencial terico, para que os mesmos possam pensar na possibilidade de uma edu-cao humanizadora, a partir das relaes entre o processo de aquisio de conhecimen-to e elementos condicionantes da prtica pe-daggica em contextos escolares, identifican-do o papel da atividade docente como prtica poltica e social permeada de valores, opes filosficas, epistemolgicas e metodolgicas.

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    1.1 Abordagens filosficas do processo de ensino e de aprendizagem

    O espao da sala de aula ainda um dos grandes espaos de aprendizagem no cenrio educacional. To combatida, to agredi-da por crticas assim como tematizada pelos profetas da correo e salvao da educao. Pretendemos discutir a sala de aula a partir da tragdia entendida como uma categoria esttica que pode de-sencadear em cada um de ns a valentia e a liberdade frente aos nossos dramas pedaggicos existencialmente materializados na nossa condio de educadores.

    TragdiaPara Nietzsche o fim da tragdia grega foi o resulta-do da racionalizao da arte, fruto do processo pro-gressivo de supremacia do esprito apolneo, em funo da influencia de Scrates. Eurpedes j d sinais de ir eliminando da tragdia o dionisaco, em favor de elementos morais e intelectuais pregados pelo socratismo. Scrates visto como modelo de homem terico - quis dominar a vida com a razo e a teria comeado a decadncia da humanidade. Scrates faz triunfar o mundo abstrato do pensa-mento e toda a civilizao ocidental acaba invadi-da pelo racionalismo. Scrates acusa a arte de irra-cional, de representar o agradvel e no o til.

    Nietzsche sonha com um processo de re-estetiza-o do mundo, isto um renascimento do esprito dionisaco sem abandonar o apolneo e assim fazer e construir uma existncia artstica.

    Escultura antiga: Apolo com a ctara.Imagem disponvel em: http://www.areliquia.com.br/141arte1_clip_image010_0000.jpg

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    A inspirao para discutir a sala de aula a partir da tragdia vem de uma imagem A Escola de Atenas obra de Rafael Sanzio (re-alizada entre 1509 e 1510) que representa efetivamente um espao coletivo onde muitas aprendizagens acontecem. A imagem segue abaixo para que seja possvel contemplar o que ser apontado e indicado como reflexo.

    A Escola de Atenas, 1510/11 Vaticano, Stanza della Segnatura. Imagem disponvel em: . Acesso em: 20/01/2010.Investigue na internet a interpretao de todos os personagens reunidos pelo artista nesta obra. Em parte descrevo isso, mas uma pesquisa interessante, pois apresenta a dissonncia dos encontros. A sala de aula tambm tem esse tempero, no faz sentido unificar, importa aprender a conviver com todos esses personagens e ainda assim ensinar e aprender.

    De certa forma a obra fala de uma escola com muitas salas de aula e, como toda instituio e toda prtica pedaggica, parece ter uma ordem em termos arquitetnicos e uma ordem do discurso. A centralidade est em Plato e Aristteles. As mos estendidas de Plato tambm sugerem um olhar, aquele que mais afinado, apurado, conseguindo perceber onde est a harmonia. O olhar di-rige-se para o alto, de onde tudo vem para tudo dirigir. A imagem parece destacar que a razo e a boa direo nos fazem alcanar o conhecimento. Mas a escola, tanto aquela de Atenas quanto a atual, vive de muitas foras. Ao lado da fora pretensamente mais apura-da esto as foras mais avessas como a de Digenes, filsofo grego

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    que criticava as posses materiais e que na imagem da escola apare-ce relaxadamente esparramado nos degraus. Seria a expresso da indisciplina, hoje to comum e familiar a todos ns educadores? Sua postura fala e mostra um aborrecimento com a ordem que predomina. Um pouco esquerda o filsofo Herclito crtico da frivolidade humana, avesso aos hbitos sociais, na representao de Rafael, aparece solitrio e pensativo com a cabea apoiada no brao esquerdo. Cada figura isolada funciona como uma espcie de sala de aula e assim expe a dimenso trgica da escola. Trgi-ca porque dissonante, trgica na sua vitalidade em falar e ensinar considerando o diverso e multifacetado.

    O cenrio todo, apesar de expressar uma obra renascentista, pode ser lido a partir de sua dimenso trgica, uma vez que Rafa-el reuniu diferentes pensadores de pocas distintas, escolheu uma centralidade, mas criou margens e lados que nos convidam a pen-sar, e incluiu alguns personagens sem nenhuma forte liderana, que exigem at um esforo para serem vistos, olhados, mas que es-to ali para expressar mais do que as convenes. Em nossas salas de aula muitos personagens passam desapercebidos, custam a ser vistos, ouvidos, demoram a ocupar os espaos, mas esto ao nosso lado para nos desafiar a pensar na relao pedaggica para alm do previsto e do desejvel.

    A imagem que pe em cena muitas salas de aula ganhou con-tornos da ambivalncia e faz emergir a desordem da ordem para ganhar um olhar mais amplo sobre a vida humana. Seria essa uma previso de Rafael? No importa, ns os contemporneos contem-plamos a obra com nossas indagaes para pr em movimento nossos dramas e conflitos.

    1.2 A Sala de aula e seus temperosEst na cena o deus Apolo, deus legtimo, que ensina o valor da

    disciplina, da medida para todas as coisas. Ele no pode faltar em uma escola. A imagem do inspirador sempre est em uma institui-o. Aprendemos to bem isso que nossas Prefeituras, orgos pbli-cos e escolas continuam a pendurar em suas paredes o ltimo elei-

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    to, designando uma legitimidade sempre passageira (outros tantos quadros tero que ser pendurados) mas sempre presente. Assim, a escola de Atenas tambm tem referncias penduradas. Atena est l tambm, lembrando a moralidade, parceira inseparvel da educa-o. A tradio diz que educar implica melhorar o ser humano, fina-lidade maior da educao. Parece que no bem isso que assistimos na atualidade. O processo de melhoramento no vem acontecendo e o que fica exposto o acmulo de explorao, violncia e injustia. Dionsio no est na cena, mas acaba entrando por meio de perso-nagens como Herclito e Digenes. Dionsio, esse deus do prazer, da festa, da embriaguez, no parece ser uma boa referncia, no pode estar em uma escola e, mesmo ausente, se faz presente nas aes hu-manas que so atravessadas por temas que ele acolhe e cuida.

    Na imagem esto sujeitos que conteplam temas dionisacos. He-rclito um contestador da ordem, Digenes tambm. Zaratustra certamente lembra outras referncias de moralidade e est em cena. Os diversos personagens no esto apenas ancorados em Apolo e Atena, lembram tambm a presena dionisaca, assim como uma sala de aula onde docentes lembram as medidas da didtica, tem suas referncias penduradas na memria, mas sabem que para fa-zer a sala explodir precisam tambm de outras foras nas quais as medidas ficam subsumidas pela capacidade de criar, ousar e atra-vessar fronteiras para sustentar as foras da aprendizagem.

    1.3 A sala de aula e a invenoNietzsche (2004), sugere que a dupla natureza que integra Apolo

    e Dionsio pode ser condensada em uma frmula sumria: tudo o que existe justo e injusto, e em ambos os casos justificvel.

    Para a didtica essa tambm uma frmula possivel, existe na sala de aula a medida e a no-medida e em ambos os casos o que se materializa implica a imprevisibilidade das aes humanas. A sala de aula alarga-se em profundidade, em sensibilidade, em afe-tos quando esses dois instintos artsticos apolneo e dionisaco habitam esse espao em particular.

    Zaratustra, mais conhecido na verso grega de seu nome, Z (Zoroastres, Zoroastro), foi um profeta nascido na Prsia (atual Ir), provavelmente em meados do sculo VII a.C. Ele foi o fundador do Masdesmo ou Zoroastrismo, religio adotada oficialmente pelos Aquemnidas (558 330) a.C. A denominao grega significa contemplador de astros.

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    Segundo Nietzsche, o mundo passa indefinidamente pela alter-nncia entre a criao e a destruio, alegria e sofrimento, bem e mal, sucesso e fracasso, assim, no se pode esperar encontrar um lu-gar do sossego e paz absolutos. Toda a formao permanente de um educador no o colocar em porto seguro, mas poder estabelecer referncias para sustentar a turbulncia. A didtica enquanto uma trajetria da aprendizagem estabelece tambm referncias, ensina a partir das experincias, contudo, precisa reconhecer seus limites. Enfrentar-se com o que no pode ser regulado e controlado, ain-da assim, no impede os fluxos dos processos educativos.

    Os gregos, segundo Nietzsche, nos ensinaram essa habilidade e a estratgia foi a arte. Ela nos conduz ao trgico da vida, que de fato um encontro penetrante com a vida. O gosto pela tragdia tambm o desgosto pelos anncios de redeno, salvao. No existe essa possibilidade, pois no existe um finito harmnico. A viso trgica da vida confunde a vida e a morte e jamais encontra a redeno. Mas tambm no desiste de viver.

    A aceitao da dimenso trgica na vida um combate aos dis-cursos profticos e uma adeso a um movimento que contempla os declnios e a ascenso como espaos de aprendizagem. A sala de aula parece encarnar essa ambiguidade, por vezes ela anima e por vezes ela frustra. Aquilo que nela produtivo cansa e morre, nos obrigando a fixar novas formas de acord-la, de faz-la vibrar. E morre de novo, frustrando, decepcionando e nos obrigando a criar outros e novos desafios.

    Qual a dimenso trgica da didtica? Parece ser encarar esse movimento de morte e vida, superar a excessiva influncia da m-xima comeniana, visando a ensinar tudo a todos. Todos no esto na sala de aula e nem tudo interessa a quem l est. Nossa capa-cidade de influenciar, educar, emancipar, desenvolver , portanto, relativa.

    Das referncias filosficas alcanaremos as referncias pedag-gicas, pois como diz Libneo (2001, p. 38):

    A Didtica deve ser assumida como uma disciplina prtica, desenvol-

    vendo programas de pesquisa a partir das necessidades e demandas da

    prtica. preciso ligar os contedos de formao com as experincias

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    vividas na prtica das escolas, considerar os pedidos de socorro que os

    professores fazem. Os problemas da prtica dos educadores devero

    ser considerados como ponto de partida e de chegada do processo,

    garantindo-se uma reflexo com auxilio da fundamentao terica que

    amplie a conscincia do educador em relao aos problemas e que

    aponte caminhos para uma atuao coerente, articulada e eficaz, frente

    aos problemas da sala de aula.

    As salas de aula so mltiplas, os eventuais pedidos de socorro idem, preciso estar atento s necessidades dos grupos pra mate-rializar um processo humano de aprendizagem e no apenas tc-nico e burocrtico.

    A fora apolnea, presente na tragdia, insiste em nos formar para a ordem da sala de aula. Ela deve ser sempre produtiva, deve ensinar e contemplar contedos, motivar estudantes. A fora apo-lnea cria beleza, medidas, esttica, mas insuficiente em algumas circunstncias, pois no ajuda quando cansamos, nos decepciona-mos, camos. Vale ento a fora dionisaca da tragdia, que entra em cena no para explicar, mas para calibrar nossa subjetividade perante o sofrimento, perante a queda, a sensibilidade, o emba-te do dia a dia. Insiste que podemos nos regozijar, insistir com o desejo e gosto da beleza ainda que to ausente, mas possvel. Encantar-se com uma beleza que acontece ao mesmo tempo em que outras morrem.

    Como educadores devemos dizer isso a outros educadores, es-pecialmente aqueles que esto em processo de formao: a sala de aula no fica resolvida com conhecimento tcnico, com regras e modelos. Sem dvida, a aprendizagem desses contedos funda-mental, mas precisamos cavar espaos para entender a sala de aula como um espao dinmico que nos convida a constantemente pen-sar e criar formas de atuar visando aprendizagem dos alunos.

    preciso sensibilizar-nos com os estudantes presentes, inteiros, envolvidos, mesmo percebendo que outros escapam, do as costas, fogem. Talvez, como Herclito, alguns desses estudantes fujam das medidas que inventamos por no suport-las. O gesto da interrup-o deles designa uma crtica que tambm precisamos saber enxer-gar. Muitos sero esses alunos da divergncia e, se quisermos, da nossa regenerao docente. Nem sempre assim, temos alunos que

    Essa imagem encontra-se no filme Sociedade dos Poetas Mortos. Busque assistir a esse filme e refletir se a cena retratada consiste na sada do apolneo para o dionisaco na prtica de ensino.

    Os nmeros falam por si s, no possvel vermos o Brasil ocupar o 72 lugar num ranking de 127 naes quando o assunto fornecer boa educao aos cidados (UNESCO, 2004); termos 77% dos brasileiros que tm entre 15 e 64 anos analfabetos funcionais (IBOPE, 2004); termos 59,7% das crianas que cursaram a 4 srie do ensino fundamental no estgio crtico/muito crtico de aprendizagem em portugus e 56% em matemtica e apenas 2,8% no estgio considerado adequado em portugus e 3,7% em matemtica (SAEB, 2004); termos ocupado o ltimo lugar (40) em Matemtica, o 37 em Leitura e o 39 em Cincias na avaliao do Pisahttp://www.inep.gov.br/internacional/pisa/ (INEP, 2003) sem que se soem alarmes.

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    no desejam estar na sala de aula, sempre esto insatisfeitos e no justificam uma eventual depredao e recusa da ordem pedaggica.

    1.4 A sala de aula e a loucuraO excesso de vitalidade da sala de aula tambm passa pela dor,

    pelas possveis interfaces entre a racionalidade e a loucura.

    A loucura sempre foi protagonista da histria, de alguma forma est no palco, no texto, nas festas, nas convivncias humanas. Falar dela e com ela, portanto, no significa uma novidade. Vale, talvez, estabelecer novos dilogos, revitalizar a tentativa clssica de Desi-drio Erasmo (1469-1536) em superar os equvocos em relao sua compreenso e destacar sua forma mais encantadora.

    Vale registrar que a loucura do gnero feminino e como tal pos-sui certa intimidade com o campo da educao. Uma personagem feminina tambm est na escola de Atenas, sem muita visibilidade e destaque. Mas est ali, contemplando o que se passa. Assiste o que acontece, ouve, percebe todo o movimento da escola. uma fora aparentemente annima, mas presente. A verso feminina da loucu-ra no tem os parmetros da medida, das convenes, da elegncia, mas constitui-se, como diz Erasmo, a partir de certa insanidade, de um mpeto vital irracional. A voz da loucura fala do inusitado, do que produz impacto em cada um de ns. A escola tambm um lu-gar do inesperado e nesse lugar a loucura tem o que dizer. Segun-do Nietzsche, confundimos instruo com cultura e imaginamos que a civilizao nos humaniza. Nem sempre assim, muitas vezes as instituies impedem o homem de ser aquilo que efetivamente pode ser. Tornar o homem o que ele , eis o ponto fundamental da educao voltada para a cultura (DIAS, 1991), contudo, esse um caminho cheio de travessias, perigos e sedues.

    Uma educao diferenciada busca a superao enfrentando as premissas castradoras, refletindo sobre os valores, restabelecendo uma fora vital que todo ser humano tem: afirmar-se diante do mundo. No permitir ser amansado, enfrentar a moral de rebanho. No tornar-se um profeta dos outros. Formar-se efetivamente.

  • 18 Didtica Geral

    Nietzsche reage a uma viso clssica da escola. A imagem em questo seria para Nietzsche uma provocao para colocar em movimento outras foras alm daquelas que ocupam a centralida-de da cena. Isso no diminui a inteno desse texto, apenas sugere outras leituras de uma imagem que, constituda de beleza, pode nos conduzir a pensar de um jeito nico. Por isso o movimento desse texto ousar ler a beleza em seus mltiplos desdobramen-tos. A loucura aqui incorporada como um tempero da ironia, da indignao, da fora vital para evitar ajustamentos e produzir com qualidade espaos de aprendizagem.

    O texto clssico de Erasmo nasce de uma decepo, da frustra-o, da resistncia contra a ortodoxia, as estruturas eclesisticas, as verdades totalitrias. O recurso foi uma fala criativa, j que a con-vencional no parecia ser ouvida. Erasmo resolve, ento, adentrar a stira, o gracejo, fazendo uma parceria com a deusa da loucura sendo, portanto, obrigado a adaptar-se a seu carter.

    Nietzsche (1844-1900) da mesma forma critica seu tempo, os estabelecimentos de ensino, as estratgias de erudio da poca e comea a escrever sob a forma de aforismos. Em vez de argu-mentos demorados e complexos, prefere a fala mais direta, ainda que profunda e inquietante. Seu estilo antecipava o fim de um paradigma sistemtico, de uma razo absoluta e segura. A ideia de super-homem faz sua apario na obra Assim Falou Zaratus-tra e pretende apontar que outro homem pode surgir desde que a resistncia soberba da civilizao ocidental se manifeste. A moralidade do cristianismo est ruindo, a academia abandonou seu projeto principal, preciso acabar de produzir essa demolio para estabelecer o novo. Nietzsche introduz o sarcasmo, a ironia, o escrnio para demolir o que no pode mais ficar de p, desesta-bilizando os devotos da verdade.

    Podemos, enquanto educadores, ter sensibilidade para verificar quais so as runas da sala de aula contempornea e resistir para criar outras possibilidades e construir outros e novos espaos bem como novas prticas. Nesse contexto preciso ter coragem e de-terminao. A didtica um campo do conhecimento da educa-o que pode nos ajudar nesse itinerrio.

    O prprio livro de Erasmo de Rotterdam (filsofo humanista que viveu nos sculos XV e XVI), Elogio da Loucura, a expresso de uma crtica Teologia, Filosofia e sociedade de sua poca.

    Esse pensador uma das referncias desse texto e vale dizer que v-lo como educador no muito comum. Mas felizmente uma possibilidade para quem acredita que educao precisa de alguns temperos, que ele como filsofo nos deixou: ironia, coragem, criatividade, esprito livre.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 19

    A educao deveria resgatar essa fora criativa, promovendo outros processos formativos, no de ajustes a lgicas j estabele-cidas, mas permitindo aos seres humanos dar fecundidade a essa fora criativa e revolucionria. Nessa direo a ideia de virtude, de bem e mal precisa ser revista. Afinal, o que sabemos foi inventado por quem, com que finalidade? Qual a origem de nossos sistemas de ensino, de nossos processos pedaggicos? O que conhecemos o que existiu ou acabamos conhecendo o que ficou dado como legtimo? Existiria um campo clandestino para ser investigado?

    Sim, para Nietzsche, existe um campo de conhecimento que fi-cou marginalizado, que precisa ser investigado, em parte esse texto prope-se a isso, e que contempla a imagem de uma escola para descobrir outras foras, outros temperos.

    A proposta celebrar a vida pelo inesperado, indagar-se sobre o bvio e surpreender pela reflexo. Segundo Erasmo, trata-se en-to de fazer o seu prprio elogio (da loucura), como ele comea afirmando:

    No espereis de mim nem definio, nem diviso de mestre de retrica.

    Nada seria mais despropositado. Definir-me seria dar-me limites e mi-

    nha fora no conhece nenhum. Dividir-me seria distinguir os diferentes

    cultos que me prestam, e sou adorada por igual em toda a terra. Alm

    do mais, por que querer vos dar, por uma definio, uma cpia ideal de

    mim mesma que no seria mais que minha sombra, se tendes diante

    dos olhos o original? (ERASMO, 2003, p. 14).

    A originalidade apontada pela prpria loucura implica o reco-nhecimento de sua prtica, que aparece aberta, escancarada, sem controle. Ainda que os virtuosos tentem regul-la, ela escapa, ar-ranja atalhos e se mostra inteira. Se quisermos, portanto, podemos ter o encontro com o original, sem interlocutores e mediadores. Segundo seu discurso, dos virtuosos, os sbios so seus sditos, mas ao mesmo tempo envergonham-se da loucura e escondem-se atrs da erudio. Utilizam palavras incompreensveis, constroem discursos para ningum e imaginam-se lderes.

    J conhecemos agora um pouco do cenrio da loucura, entre-tanto, fica a indagao: Qual seu significado? Onde ela faz aconte-cer sua finalidade?

    Prtica reflexiva...Como sendo a fora

    propulsora, ponto de partida da mudana da prtica

    pedaggica e presente na formao inicial do professor.

  • 20 Didtica Geral

    Significa dizer que a sabedoria no garantia de insero social e de virtude. Afinal, as cidades conseguiram acolher os ensinamentos de Scrates, Plato e Aristteles? Muito antes seguiram as instru-es da loucura e organizaram-se por meio da adulao, do esqueci-mento, fazendo da ao poltica um mecanismo de sustentao dos poderes. Erguem esttuas, penduram quadros com as imagens dos eleitos, agradam o povo para serem legitimados, desejam a glria e a popularidade. A loucura ergue as cidades, sustenta a religio, os imprios, as leis, os conselhos e os colegiados. No se trata, entretan-to, de capturar e acondicionar a loucura em uma categoria assptica. Ela no do bem e nem do mal, ela pertence aos humanos, talvez ela nos torne humanos e nos convide a todo instante a reconhecer isso. Mas temos resistido heroicamente, disfarando essa nossa ma-triz para destacar nossa eventual coerncia e sabedoria.

    A loucura nos livra de duas coisas fundamentais: a vergonha e o temor. Ela nos incentiva exposio, ao embate, denncia, a representar sempre que possvel a comdia da vida. A diferena entre um louco e um sbio, diz Erasmo, que o primeiro obedece a suas paixes e o segundo a sua razo.

    Estamos sendo convidados a dizer loucuras, aproximarmo-nos dela da loucura para produzir outras e novas dinmicas de vida. Na boca dos loucos a verdade pode ser dita, pois os deuses concederam o dom de diz-la sem ofender. Todo sbio um louco em potencial e se desejar poder sentir os efeitos da loucura em seu cotidiano.

    O templo no seria suficiente para a loucura; ela precisa do es-pao aberto, sem limites, pois todos, em algum momento de suas vidas, vo recorrer a ela para sobreviver. Por que ento insistimos em sufocar essa vontade? Por que em nossas falas oficiais continu-amos a critic-la, a defini-la como um desvio?

    De fato a visibilidade da loucura quer pr em questo a racio-nalidade, jovem ainda no contexto da poca, mas desejando tomar uma proporo absoluta. Erasmo duvida dessa fora e apresenta suas fragilidades por meio da loucura.

    Viver a materialidade, as delcias da sensibilidade consistem, como diz o autor, em um pequeno antegozo da bem-aventurana

    Reconhecer esses humanos na sala de aula exige uma abordagem tica da educao. A questo no apenas informar, transmitir, mas refletir sobre a formao de pessoas implicadas pela vida e pela histria.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 21

    eterna. Ele termina afirmando que uma mulher a indicar este ca-minho e, ainda que nem possa lembrar de tudo que tenha anuncia-do, despede-se solicitando aplausos, desejando boas oportunidades de diverso e prazer. A sala de aula pode ser um lugar do prazer, mas ela tambm se faz com uma boa dose de loucura e coragem.

    Quando a sala de aula tomba, frustra, decepciona precisamos de racionalidade, mas tambm da loucura e da ironia. Encarar a queda com dignidade designa uma qualidade esttica do ser humano.

    O encontro humano que acaba acontecendo em uma sala de aula muito complexo, depende de uma srie de aspectos, nem sempre sob o domnio do docente. Assim, ainda que tudo possa ter sido planejado, preparado, antecipado, por vezes falha e frustra. Uma qualidade docente o esquecimento, no fixar a vivncia frustrada, no lembrar atitudes inconvenientes para encontrar a consolao. Para Nietzsche, essa uma expresso da prpria tragdia, pois mostra que a vida no fundo das coisas, a despeito da variabilidade das aparncias, permanece imperturbavelmente poderosa e cheia de alegria. Segundo Nietzsche, a arte salva o ho-mem e o recupera para a vida. Essas ideias esto expressas no livro A Origem da Tragdia indicada na bibliografia. A didtica uma espcie de arte. A consolao nos resgata da dor para que sejamos devolvidos para a vida. Talvez devolvidos para a sala de aula, ape-sar das nossas experincias frustrantes e decepcionantes. Voltar sem querer salvar, corrigir, voltar para fazer outras experincias.

    A presena dionisaca atia o esquecimento para inserir o ser humano de novo na realidade, pois para Nietzsche (2004, p. 52),

    O homem dionisaco comparado a Hamlet: ambos penetraram com

    olhar profundo na essncia das coisas; ambos viram e esto desencan-

    tados da ao, porque no podem alterar em nada a essncia eterna

    das coisas; parece-lhes ridcula ou vergonhosa a pretenso de endireitar

    o mundo. O conhecimento mata a ao, para agir indispensvel que

    sobre o mundo paire o vu da iluso - eis o que Hamlet ensina.

    Parece que, ao contrrio dos gregos, nosso coro insiste em classi-ficar e produzir docentes frustrados, convencidos de uma lgica do dficit. Sempre esto devendo conhecimento, mtodos, controles, regulaes e por isso cansam, desanimam, abandonam a profis-

    E ela tomba mesmo s vezes, apesar de nossa boa vontade. Mesmo com todo

    o planejamento possvel, o imprevisvel existe e

    preciso reagir com vitalidade. Retomar, repensar, refletir sobre o vivido, sobre o que

    frustrou para recomear. Essa nossa maior grandeza: sempre podemos recomear.

  • 22 Didtica Geral

    so, ainda que assinando o livro-ponto. Mas existem outras vozes, outros coros, outras sintonias convidando para outras prticas, para celebrar a vida com toda sua multiplicidade. Precisamos ouvir outras vozes para animar docentes e discentes, para produzir movi-mentos mais criativos e ousados em relao ao conhecimento.

    A dimenso trgica da sala de aula quer trazer essa possibilida-de, apresentar sua natureza anfitri para cavar com o educador um espao novo onde tanto a medida, a ordem, quanto a desordem e a turbulncia possam colocar em movimento as foras artsticas de um sujeito interessado em gente e, por isso, to importante para um pas como o nosso.

    1.5 Genealogia da didticaA discursividade pedaggica, segundo Corazza (1996), vem da

    configurao de uma trplice aliana: religio-cincia-lei, que, por um texto como o de Comenius, estabelece um determinado dis-curso que preconiza prticas especficas. A didtica baseia-se em uma tica e em uma asctica para docentes, que implica tornar o docente aprendiz de determinadas tecnologias de si, fundamentais para produzir o cuidado e a educao com o outro.

    Jan Amos Komensk(em portugus Comenius ou Comnio) (28 de mar-o de 1592 - 15 de novembro de 1670) foi um pro-fessor, cientista e escritor checo, considerado o fun-dador da Didctica Moderna.

    Props um sistema articulado de ensino, reconhe-cendo o igual direito de todos os homens ao saber. O maior educador e pedagogo do sculo XVII pro-duziu obra fecunda e sistemtica, cujo principal li-vro a DIDTICA MAGNA. So suas propostas:

    A educao realista e permanente;

    Mtodo pedaggico rpido, econmico e sem fadiga;

    Ensinamento a partir de experincias quotidianas;

    Conhecimento de todas as cincias e de todas as artes;

    ensino unificado.

    FONTE: http://www.culturabrasil.org/didaticamag-na/didaticamagna-comenius.htm. Acesso em: 18 jan. 2010.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 23

    1.6 Tecnologias de si e a didticaAs tecnologias de si, em uma perspectiva foucaultiana, signifi-

    cam formas de ver, pensar, saber, viver, ensinar e aprender. Para ser professor preciso aprender uma srie de prticas que possam configurar um professor competente. Certamente essa tradio do saber ser professor uma condio importante, contudo no suficiente para a didtica. Essa uma rea no apenas do passa-do, da memria, do vivido, mas tambm um campo de pesquisa, de inveno, de desejo para instaurar novas prticas.

    Para Cunha (2006, p. 491) as inovaes so frutos de novos conhe-cimentos e prticas que divergem da antiga ideia dicotmica teoria x prtica, por isso, essas inovaes no deixam de ser uma ruptura epistemolgica, mesmo porque para que essas inovaes aconteam pressuposta uma reflexo, um questionamento, o qual, segundo a autora, um grande avano para uma ruptura paradigmtica.

    Portanto, incentivar o processo de inovaes agir contra um modelo poltico que impe, no raras vezes, a homogeneizao como paradigma, nesse sentido a inovao ganha uma dimenso emancipatria.

    O intuito no apenas apresentar novas propostas didticas, mas tambm entender, atravs de um construto terico, essas ino-vaes, para ento mudar a teoria.

    Uma sntese dos indicadores de inovao relatados pela autora (CUNHA, 2006, p. 493):

    A ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender1. : uma nova forma de abordar o conhecimento, questionando a ideia de um saber absoluto e incontestvel, incorporando a dimenso scio-histrica do sujeito;

    A gesto participativa:2. neste caso, professor e alunos traba-lham juntos, partilhando decises, sendo que o primeiro, as-sumindo seu papel, o condutor de um processo que requer atitudes reflexivas frente ao conhecimento;

    A reconfigurao dos saberes:3. proposto o abandono das di-

  • 24 Didtica Geral

    cotomias legitimadas pela cincia moderna (cincia/cultura, teoria/prtica etc.) e, em contrapartida, tenta-se integrar a totalidade, legitimar as diversas fontes de conhecimento;

    A reorganizao da relao teoria/prtica:4. uma reorganiza-o da lgica acadmica tradicional, segundo a qual a teoria a base da prtica, por isso essa reorganizao traz a prtica como fonte da teoria;

    Perspectiva orgnica no processo de concepo, desenvolvi-5. mento e avaliao da experincia desenvolvida: se refere s decises pedaggicas do processo ensino-aprendizagem e prev a gesto participativa, pois alunos e professor precisam trabalhar juntos estabelecendo as regras;

    A mediao:6. o professor considerado a ponte entre os conhe-cimentos que os alunos j possuem e novos conhecimentos;

    O protagonismo:7. reconhece que os alunos tambm so auto-res na construo do conhecimento, ressignificando o con-ceito de experincia.

    Foucault

    Pensador francs (1926-1984) que, seguindo Niet-zsche, cria novos processos para investigar as inte-raes entre saber-poder. As teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepes modernas destes termos, motivo pelo qual consi-derado por certos autores, contrariando a prpria opinio de si mesmo, um ps-moderno. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompen-do com as concepes clssicas deste termo. Para ele, o poder no pode ser localizado em uma ins-tituio ou no Estado, o que tornaria impossvel a tomada de poder proposta pelos marxistas. O poder no considerado como algo que o indiv-duo cede a um soberano (concepo contratual ju-rdico-poltica), mas sim como uma relao de for-as. Ao ser relao, o poder est em todas as partes, uma pessoa est atravessada por relaes de po-der, no pode ser considerada independente delas. Para Foucault, o poder no somente reprime, mas tambm produz efeitos de verdade e saber, consti-tuindo verdades, prticas e subjetividades.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 25

    1.7 Paradigmas da didticaSegundo Veiga-Neto (1996), em nosso pas, dois paradigmas em

    relao didtica (tecnicista e crtico) aparecem como predominan-tes, podendo ser desdobrados em mltiplas possibilidades, a conside-rar os autores mais conhecidos em cada um dos cenrios referidos.

    O paradigma tecnicista faz do processo de ensinar e aprender uma questo fundamentalmente tcnica e, portanto, uma questo interna escola. Que queremos dizer com isso? Queremos dizer, por exemplo, que quando o professor ou a professora saem da sala de aula para, no mximo, ir at a Psicologia em busca de conheci-mentos sobre como a criana pensa, aprende, sente, se movimenta, amadurece, se comporta e assim por diante. A partir desses conhe-cimentos psicolgicos, organizam-se tcnicas de ensino-aprendi-zagem mais eficientes, pois a escola vista como uma mquina de ensinar contedos. (VEIGA-NETO, 1996, p. 164).

    Vale ressaltar que em nenhum documento a escola denomi-nada como mquina, mas, segundo Veiga-Neto, assim que ela compreendida pela lgica tecnicista, que tambm se preocupa com atitudes e valores.

    A escola como mquina no a produo isolada de um pe-dagogo ou de um campo de conhecimento, mas o resultado de uma confluncia de prticas discursivas e no discursivas, mu-danas sociais, econmicas, polticas e culturais que configuram uma ideia de ordem, de disseminao do poder disciplinar, fazen-do surgir um tipo especfico de educao.

    O sistema faz reinar a universalidade do normativo criando, como diz Foucault, os engenheiros das condutas e os ortopedistas da individualidade, produzindo o poder normalizador e discipli-nador. Verifica-se uma aliana entre a didtica e a lgica institu-cional buscando ordenar e uniformizar aquilo que estava disperso, o que vai exigir uma incorporao de leis que se transformam em dispositivos que podem desdobrar-se em carcerrios, produzin-do uma cultura escolar pouco criativa e totalmente formatada.

  • 26 Didtica Geral

    Um futuro professor deve ter notcias dessa tendncia e, por mais que tentem captur-lo para repetir essa lgica, deve conhecer outros movimentos da didtica que implicam outros convites para a reflexo e a prtica.

    Retomando o segundo paradigma anuncia-do anteriormente, ou seja, o paradigma crtico, podemos dizer que ele tem como caracterstica fundamental dar ao ato pedaggico um forma-to poltico. Nesse cenrio, professores saem da sala de aula, como diz Veiga-Neto, para buscar compreender o que a escola, quais as relaes com o mundo social, econmico e cul-tural. Perdura a suspeita e deseja-se a transformao das relaes econmicas e sociais. De certa forma, cria-se um mundo dualista: dos oprimidos e opressores, dos dominados e dos dominadores, dos alienados e dos conscientizados. Nesse contexto, os professores teriam como tarefas desvelar esse mundo que escraviza e domina e libertar os sujeitos dessa condio. Nesse caso, a didtica no se reduz a um conjunto de tcnicas e mtodos, mas implica outras e novas perguntas sobre papis sociais, ideologia dos currculos e prticas pedaggicas progressistas ou no. Ainda que seja um pro-cesso relevante em suas perspectivas, acaba constituindo-se numa espcie de profecia e misso que ainda assim no contempla as reais necessidades da sala de aula.

    1.8 O estranhamento e a didticaDiante desses dois paradigmas preciso fazer o exerccio do es-

    tranhamento e indagar-se sobre o sentido da didtica. Afinal, ela no apenas um instrumento tcnico a servio da regulao social e tambm no pode ser um meio para salvar os estudantes da inge-nuidade e alienao. Como diz Corazza (1999, p. 2), talvez esteja-mos vivendo um tempo da ps-didtica, onde estamos insatisfei-tos com o j-sabido, j-dito, j-feito, j-sentido da docncia, pois estamos insatisfeitos com as verdades, os jogos de poder, as prti-cas subjetivantes, com as formas de governo que esto implicadas nos processos de formao do docente e tambm nos processos

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 27

    de educao continuada. Precisamos do desassossego para ento suspeitar de verdades estabelecidas, historicizar o que se mostra como natural e normal, slido e herdado, para produzir teias entre o terico e o prtico, considerando a capacidade de cada sujeito-professor. O professor-pesquisador , em sntese, o artista de sua prpria existncia, respaldado por um cenrio coletivo onde di-ferentes sujeitos chocam-se (intelectualmente falando) e aliam-se em funo das indagaes que fazem ao seu cotidiano.

    A questo no est em identificar e fixar os inimigos, mas em compreender como se constituem os cenrios nos quais estamos inseridos. Afinal, o que uma escola? O que acontece nesse am-biente e qual a minha insero nesse cenrio tendo como pressu-posto e prioridade a aprendizagem dos alunos?

    O combate entre o bem o e mal nunca nos levou a lugar algum, e sempre nos deparamos, como diz Bauman (1999, p. 16) com a am-bivalncia, que a possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria. O fato de nomear e classificar no nos pro-tege da desordem, mas nos pe no limite, coloca-nos na condio de quem verifica a incapacidade da definio total e segura. O outro lado da ordem, como diz o autor, a polissemia, a dissonncia cog-nitiva, as definies polivalentes, a contingncia, os significados su-perpostos no mundo das classificaes e arquivos bem ordenados. O que se verifica que o fracasso da atividade ordenadora se cons-tri como ambivalncia, tentando nos fazer entender que o esforo da definio e da classificao tem limites e incompletudes.

    1.9 A turbulncia que produz novas indagaes

    A novidade talvez esteja na compreenso que passamos a ter de que a crtica no alcana um estgio final, onde ento reinaria a paz, a harmonia e a aula perfeita. No existe um lugar ltimo para a liberdade e para a felicidade permanentes. Contudo, o fato de no existir esse lugar no imobiliza nossa capacidade de reao. Segundo Veiga-Neto, uma vez que jamais chegaremos a um ponto de repouso, a luta constante e para sempre. Nossa ca-

  • 28 Didtica Geral

    pacidade de permanentemente pensar, criticar e mudar o possvel coloca-nos na condio de sujeitos histricos e no de expectado-res incapacitados de agir. Diz Veiga-Neto (1996, p. 170):

    A humildade intelectual significa que cada um tem sempre de voltar a

    crtica para si prprio; tem de perguntar de onde tirou o que pensa ser

    suas verdades. A humildade intelectual significa uma constante insatis-

    fao e desconfiana acerca do que se diz, acerca do que se sabe, acerca

    do que se pensa saber e acerca do que se pensa sobre aquilo que se faz,

    que se pratica na vida diria. Isso no deve ser confundido nem com

    fraqueza nem com pobreza intelectual.

    O conhecimento seguro e para sempre um engodo. Ainda que alguns itinerrios possam ser traados, sempre haver novidades a serem construdas, maneiras diferentes de conduzir os trabalhos, basta aqui lembrar das questes de gnero, tnicas, sociais e religiosas que por muito tempo ficaram marginalizadas no debate pedaggico e que hoje tomam um lugar de destaque nas prticas pedaggicas.

    1.10 Didtica e invenoNo podemos igualmente imaginar que a didtica pode habitar

    um porto seguro que perene, mas reconhecer a sua capacidade de inveno a produzir prticas to especficas que so datadas cul-turalmente e que dependeram de formas prprias de ver o mundo, o aluno, o currculo, a avaliao.

    Em um trabalho encomendado e apresentado em sesso es-pecial do GT (Grupo de Trabalho) de Didtica na 27 Reunio Anual da ANPED (Associao Nacional de Pesquisa em Educa-o 2004), essa trajetria histrica fica bem apontada e merece alguns destaques nesse texto. Segundo Garcia (2004), a didtica prope uma tica e uma asctica para os docentes, por intermdio de tecnologias que produzem um determinado tipo de ser e fazer-se professor(a). O recorte do texto considerou a influncia que as pedagogias freireanas e a pedagogia histrico-crtica tiveram em diferentes nveis de ensino no Brasil durante as dcadas de 1980 e 1990. A abordagem da autora no optou por detalhar exaustiva-mente as pedagogias citadas, mas em analis-las a partir dos dis-

    Maria Manuela Alves Garcia professora da Faculdade de Educao, Universidade Federal de Pelotas, atuando no Programa de Ps-Graduao em Educao, na Linha de Pesquisa Currculo, Profissionalizao e Trabalho Docente. Desenvolve estudos e investigaes nas reas de Currculo e Trabalho Docente, interessando-se sobretudo pelas problemticas das Polticas Curriculares, das Reformas Educacionais e da Formao de Professores.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 29

    cursos que as fizeram emergir, apontando que o funcionamento da didtica crtica produziu um tipo especfico de expectativa em relao ao docente, uma personalidade moral exemplar e capaz de guiar os sujeitos aprendentes pelos caminhos do esclarecimento e da ao emancipada. O trabalho est baseado em Foucault e en-tende a pedagogia e a didtica como tecnologias humanas que implicam trabalho tico dos indivduos sobre si prprios. So formas de saber-poder que exercem formas de governo medi-da que conduzem e determinam a conduta dos indivduos e dos grupos que so alvo de suas aes e programas. O texto no des-qualifica qualquer abordagem didtica, apenas pratica aquilo que j apontvamos no incio desse texto: buscar olhar de um outro lu-gar aquilo que j parecia completamente analisado e configurado. Nesses termos, valeria, inclusive, ler Paulo Freire e tantos outros autores a partir de outro lugar. Segundo Garcia (2004), as peda-gogias crticas funcionam por meio de um tipo de poder invisvel, discreto que, ao organizar-se por meio da verdade e da emancipa-o, deseja gerar sujeitos conscientes, ativos e engajados, visando a transformar as estruturas do Estado.

    O texto termina por relativizar essas posies, anunciando a possibilidade de novas abordagens para o campo da didtica.

    1.11 A viagem de formao e a possibilidade de chegar a ser o que se

    Uma abordagem importante hoje parece ser desencadear um processo para que cada um possa chegar a ser o que se . Essa posio vem de Nietzsche e, divulgada por Larrosa, implica a de-fesa no sentido de que cada indivduo alcance sua prpria forma e identidade. Esse voltar-se para si mesmo , como diz o autor, o efeito da melhor arte e cria a dimenso esttica para aquele que insiste em viver com dignidade. Essa uma bela imagem da do-cncia: conduzir algum at si mesmo, assim como um desafio para quem aprende. Aprender no significa repetir, tornar-se dis-cpulo do outro, mas encontrar sua prpria forma depois da expe-

    19/09/1921 - 02/05/1997

  • 30 Didtica Geral

    rincia obtida e vivenciada. A didtica tem muito a fazer por esse processo, pois pode desencadear o ambiente para que o professor encontre seu estilo aps conhecer tantos outros j consolidados no contexto da tradio pedaggica. O esforo o de conhecer para criar e no para repetir.

    A formao, portanto, no significa dar um mesmo formato a sujeitos distintos, mas significa sensibilizar cada um a assumir sua prpria possibilidade como educador. Para assumir tal possibilida-de, por vezes, necessrio combater o que j se , ainda que esse esforo no esteja inserido em nenhum propsito emancipador.

    A ideia de formao precisaria ser entendida como uma vontade de Arte para poder mostrar sua dimenso esttica ou potica. A formao tem uma relao com a inveno, com a capacidade cria-tiva dos seres humanos, no uma busca do autoconhecimento, da arrogncia de quem se constituiu individualmente, mas tem relao com as experincias pelas quais passamos e como elas nos tocam.

    Essa compreenso do processo de formao tem uma relao dire-ta com o ponto de vista defendido sobre a didtica e sua contribuio para a educao. Seria a didtica que precisaria abrir espaos para esse sujeito inventor-experimentador de si mesmo, no para tor-nar-se igual a todos, nem para arrogar-se o direito de ser totalmente outro, nem tampouco para destacar-se solitariamente no campo pro-fissional, mas para ser desafiado a inserir-se em um tempo e espao sempre destrutivo e construtivo, desprendendo-se de si, compreen-dendo-se em permanente transformao e em construo.

    Retomamos, portanto, a ideia de formao como uma ideia de viagem, como experincia esttica que, como diz Nietzsche, implica vontade de potncia, que , em ltima instncia, uma atitude afir-mativa com a vida, que pode levar o ser humano a uma mxima in-tensidade organizativa em todos os planos do exerccio profissional.

    Trata-se de ousar como um artista ao produzir uma obra de arte que, ao selecionar um tema, inventa e produz uma forma nova de expressar um conceito, valores e convices. A experincia est-tica na educao deveria produzir esse movimento que, segundo Larrosa (2002, p. 76-79), depende de duas regras fundamentais:

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 31

    a primeira seguir o prprio instinto, preciso saber ouvir, vaga-bundear para sair de si mesmo e encontrar-se com o estranho que pode apresentar novidades, no se propor a uma finalidade ante-cipada, mas deixar caminho aberto para o novo. Em sntese, evi-tar deixar-se formatar excessivamente, mesmo reconhecendo que nunca escapamos totalmente da captura. A segunda regra, como diz Larrosa, saber conviver com mestres em tempo adequado, como pretexto para a experimentao de si, mas que preciso abandonar esse convvio no momento oportuno.

    De certa forma, todos ns j fomos tomados pelo outro, passa-mos por outro e precisamos buscar nossa prpria identidade sem perder as referncias, mas evitando submetimentos. A didtica, assim, pode ser o instrumento pelo qual o sujeito/professor(a) adquira a capacidade de criar sua trajetria como uma experi-ncia esttica, no suportando qualquer intimidao no sentido de repetir palavras e prticas do outro, pois dominar quem apren-de, apoderar-se dele , no mnimo, uma postura incompreensvel. A viagem da formao, vale dizer, tambm no uma viagem alie-nada, sem ritmo, individualista, mas um andar vibrante que se fortalece atravs das diferentes formas de sensibilidade implicando o aluno(a), o currculo, as metodologias, a avaliao. A identidade do professor pode sempre se enriquecer com novas perspectivas, por isso no h, como diz Hopenhayn (2001, p. 266), um tempo totalmente-alienado-a-superar-definitivamente, nem um tempo libertrio instaurado para sempre, ao final da histria. O que exis-te mobilidade e reflexo que produz um movimento de expanso oriundo da vontade de potncia que ser capaz de gerar prticas pedaggicas comprometidas social e politicamente. Os alunos se-ro sempre outros e l estaro para nos fazer pensar em outras aulas, outros mtodos, outra avaliao.

    1.12 A docncia e a superao da lgica do dficit

    Precisamos rejeitar essa prtica que insiste em nos fazer pensar que nada sabemos sobre educao e que por isso, a priori, estar-

  • 32 Didtica Geral

    amos em dbito com a humanidade. Ainda que implicados por um contexto formativo, devemos nos entender como sujeitos que pensam, levantam hipteses, so tocados por propostas e capazes de inventar outras.

    Para que os(as) professores(as) tenham um mesmo estilo e com-petncia, o pressuposto uma subordinao aos mecanismos de regulao (na maioria das vezes burocratizada) com a consequen-te e necessria obedincia a tais procedimentos. Repete-se a lgica da ordem, mantendo a ideia de que a funo do conhecimento cir-cunscrito a uma instituio educacional uma coisa meio sagrada, que precisa ser ordenada. A docncia se faz por meio de uma teia de relaes, visveis e invisveis, mas os fios esto tramados por uma analtica do poder que parece aprisionada nas vontades insti-tucionais que capturam a todos. Por isso, a perspectiva foucaultia-na no veio para resolver todos os problemas, mas para coloc-los na berlinda, na beira do abismo, pois l que sempre se est, entre o desafio de sempre repetir o que j existe ou tentar outras e novas formas de sobrevivncia possveis nesse limite de existncia. De certa forma, o resultado dessa reflexo pode trazer certo alvio e um convencimento tranquilizador: no se onipotente e nem to-talmente coerente, sendo recomendvel incluir as fragilidades no cotidiano para buscar alternativas mais honestas s dificuldades pedaggicas em nossos contextos de trabalho como docentes.

    A prtica de uma esttica do eu implica entender como cada indivduo produzido e se produz como sujeito. Localizar essas tramas e teias que constituem os sujeitos um exerccio de resis-tncia e pode ser uma possibilidade de mudar prticas cansadas para inventar outras. Estas novas possibilidades vm de uma habi-lidade do ser humano, qual seja, a arte de jogar designando algu-mas resistncias, que no implicam impor uma derrota, mas apon-tar fragilidades, ativando a alegria da inveno e da afirmao de coisas diferentes. Trata-se, como j se anunciou, de uma prtica de liberdade, de ousar querer ser de outro jeito. O jogo implica uma atitude de resistncia e liberdade, constituindo uma nova experi-ncia que pode resultar em um estilo, em uma outra esttica da existncia no que se refere docncia.

    Segundo Veiga-Neto, Poder e Saber so dois lados do mesmo processo, entrecruzam-se no sujeito, seu produto concreto. No h relao de poder sem a constituio de um campo de saber, nem saber que no pressuponha e no constitua relaes de poder. Foucault, em vez de considerar que s h saber na ausncia de relaes de poder, considera que o poder produz saber.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 33

    1.13 A didtica e a pedagogia do conceito

    O livro Deleuze e a Educao, escrito por Gallo (2003), uma bela tentativa didtica de trazer a filosofia para o campo da educao e tem como propsito desalojar o educador de certezas pr-estabele-cidas para iniciar uma nova possibilidade de insero na realidade.

    Deleuze

    O trabalho de Deleuze (1925-1995) se divide em dois grupos: por um lado, monografias interpretando filsofos modernos (Spinoza, Leibniz, Hume, Kant, Nietzsche, Bergson, Foucault) e por outro, interpretando obras de artistas (Proust, Kafka, Francis Bacon, este ltimo o pintor moderno, no o filsofo renascentista); por outro lado, temas filosficos eclticos centrado na produo de conceitos como diferena, sentido, evento, rizoma etc.

    O filsofo do Corpo-sem-rgos (figura esttica de Antonin Artaud, re-tomada como conceito filosfico por Deleuze em parceria com Flix Guattari).

    Para ele, O ofcio do filsofo inventar conceitos. Assim como Nietzsche cria a personagem-conceito de Zaratustra, Deleuze afirma em Labcdaire, en-trevista dada a Claire Parnet, ter criado com Flix Guattari o conceito de ri-tornelo - refro, forma de reterritorializao (povoamento), e desterritoria-lizaao. Uma filosofia da imanncia, dos diagramas, dos acontecimentos.

    As principais influncias filosficas tero sido Nietzsche, Henri Bergson e Spinoza

    FONTE: Wikipdia. Disponvel em: . Acessado em: 15 dez. 2009.

    A filosofia no se reduz contemplao, reflexo e comunica-o. Seu movimento o de criar conceitos que permitam as atitudes acima, mas que no se esgotem nesse movimento, por isso precisa-mos aprender um pouco mais sobre a pedagogia do conceito.

    Para Deleuze, conceituar implica sobrevoar o vivido, para res-significar o mundo, a experincia. Gallo destaca as caractersticas bsicas do conceito, que de uma forma arriscada pretendemos reconfigurar para o campo da educao e, mais especialmente, para o campo da didtica:

  • 34 Didtica Geral

    todo conceito assinado. Implica autoria, criatividade, com-a) promisso. Remete ao estilo, ao jeito de posicionar-se frente aos dilemas do mundo.

    todo conceito uma multiplicidade, no existem conceitos b) simples.

    todo conceito criado a partir de problemas. Podem ser novos c) problemas ou outras formulaes sobre antigos problemas.

    todo conceito tem uma histria. Eles tm ligao com nos-d) sa trajetria, com nossas relaes, com nossas leituras, com nossas prticas. No se trata de histria linear, mas cheia de avessos, de cruzamentos, de tramas e teias.

    todo conceito uma heterognese. A filosofia no pode ser e) vista como um sistema, que responde a todas as questes de uma poca, elas tm algumas possibilidades, um horizonte de eventos.

    todo conceito incorporal. O conceito no a coisa-em-si, f) ele um acontecimento, um dizer o acontecimento.

    um conceito absoluto e relativo ao mesmo tempo. Relativo g) na forma de responder a um desafio, absoluto (nunca uni-versal), pois de alguma forma implica uma possibilidade de resposta a um determinado acontecimento.

    o conceito no discursivo, no proposicional. Ele um h) dispositivo ou um agenciamento, um operador que produz realidade, que faz pensar a realidade de novo.

    Nesse esforo de fazer brotar acontecimentos seguindo o proposto por Deleuze, a didtica, por meio de uma pedagogia de conceitos, pode fazer nascer uma prtica atenta ao presente, que busca alterna-tivas para problemas reais, tornando-se a arte de formar, inventar e fabricar conceitos. Conceitos que precisam de prticas, de experin-cias e de procedimentos novos. As referncias histricas continuam sendo importantes, as prticas j vivenciadas tm seus significados, mas importa fazer nascerem outras prticas, estabelecer relaes en-tre o velho e novo para construir o que ainda e pode ser vlido para o contexto educacional. Nessa direo, preciso acreditar que o professor inserido em uma instituio perceba os dispositivos da or-

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 35

    dem, os valores da comunidade escolar, o significado do currculo, as expectativas dos sujeitos que aprendem e, a partir disso, consiga es-tabelecer relaes de contato, no porque segue uma cartilha peda-ggica, mas porque mostra disposio em problematizar o cotidia-no, desejando buscar alternativas e solues, ainda que provisrias e incompletas. Sendo autor de conceitos, o professor faz acontecer, produz com seus iguais esperana no campo da educao.

    1.14 Cartografias da escolaNeste captulo vamos montar um verdadeiro quebra-cabea

    com alguns elementos que fazem parte do processo de aprendiza-gem, so eles: a escola, o professor, as concepes do ensinar e do aprender e, por fim, chegar ao processo de avaliao.

    Antes de se iniciar a montagem dessas peas at parece fcil ver a educao, a escola, a aprendizagem, o aluno que queremos ou que sonhamos possuir. Na fala de alguns autores, ela parece at concretizar-se, materializar-se mesmo.

    Por exemplo, para Libneo (1998, p. 07):

    A escola com que sonhamos aquela que assegura a todos a formao

    cultural e cientfica para a vida pessoal, profissional e cidad, possibilitando

    uma relao autnoma, crtica e construtiva com a cultura em suas vrias

    manifestaes. A cultura provida pela cincia, pela tcnica, pela esttica,

    pela tica, bem como pela cultura paralela e pela cultura cotidiana.

    Ainda Libneo (1998, p. 26):

    A escola precisa deixar de ser meramente uma agncia transmissora de

    informao e transformar-se num lugar de anlises crticas e produo

    da informao, onde o conhecimento possibilita a atribuio de signifi-

    cado informao.

    No entanto, entre o sonho e a realidade existe, s vezes, uma grande distncia. Infelizmente, o que vemos muito, hoje, so pro-fessores desanimados, alunos apticos e desinteressados. Alunos que, se algum dia foram curiosos, criativos e interessados, a pr-pria escola parece ter-se encarregado de destruir estes sentimentos to necessrios para se buscar o conhecimento.

  • 36 Didtica Geral

    Entre vrios fatores que podem ter contribudo para isso, cita-remos trs:

    o apego em excesso educao formal;a)

    a relao de poder existente no processo de ensino (que ain-b) da muito centralizado no professor);

    a viso e a utilizao distorcidas da avaliao da aprendiza-c) gem, que muitas vezes vm reforar ainda mais as situaes acima citadas.

    Esses trs fatores esto imbricados, unidos entre si, em primeiro lugar, a sociedade precisa de cidados formalmente instrudos, mas que tambm sejam justos, crticos e criativos. E h outras qualidades necessrias ao desenvolvimento do ser humano que a preocupao excessiva com a educao formal pode ter e tem negligenciado.

    Nessa direo, dar aula muito mais que transmitir; avaliar supera a necessidade de expressar resultados e desempenhos. A racionalidade no pode pr a beleza em segundo plano. A beleza depende da ao criadora que se d no corpo, na mo, na boca, no pensamento, no acolhimento do outro e, portanto, pode produ-zir experincia esttica. Por isso a aventura, pois ela se d quando criamos a partir de lugares no previsveis, combinamos coisas as-simtricas, ficamos surpreendidos com o que aparece.

    Talvez possamos enfrentar nossos hbitos. Uma inveno abre espao, alarga, aprofunda. No se conforma com as molduras con-vencionais e a marteladas (como diz Nietzsche), procura cavar ou-tros espaos para a imaginao e para a experincia esttica. E essa experincia pode ajudar o campo da educao a compreender o sujeito como uma totalidade sensvel, racional, previsvel e tantas vezes imprevisvel. Devemos pensar a sala de aula e os processos educativos considerando que tanto Apolo como Dionsio (isso inevitvel) habitam entre ns, indicando desejos, medidas, crit-rios, valores, avessos, mas, acima de tudo, gosto pela vida. A didtica pode ser a expresso do amor vida e sua efetiva potencialidade.

    Um dos desdobramentos da experincia esttica proposta por Nietzsche talvez esteja expresso nas trs transformaes contem-pladas pelo autor: camelo, leo e criana.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 37

    1.15 O educador e as trs MetforasPara Nietzsche (2005 a) o esprito que se transforma nessas

    trs imagens. O camelo carrega o que pesado, slido, assim como os espritos que se deixam sobrecarregar, pois ensinados que fo-ram a tomar todas as cargas, as suas, as dos outros. E l vai o came-lo pelo deserto, em geral carregando mais do que deve, precisa e merece. Quantas vezes vivemos essa condio e carregamos o nos-so e outros tantos deveres. Ficamos exaustos, e por vezes ficamos ss. O camelo incorpora a mxima tu deves e imagina que essa sua funo. No h sada. Nossos currculos esto pesados, falam dos outros, destacam a cultura que nos moldou, sobrando poucos espaos para a afirmao da vida que temos e que nos constituiu. Muitas vezes nos tornamos esse professor-camelo.

    Mas a experincia esttica vem da ruptura, do cansao, da in-dignao, do peso e converte-se em resistncia, transformando-se em leo, cuja mxima eu quero. No preciso, no devo carregar todos os pesos, mais do que suporto. Descolonizar-se do peso, das amarras, das ideias bem dosadas de virtude e justia. O leo ainda no criou outro valor, mas cria uma liberdade para uma nova cria-o. Para dizer no ao dever, ao peso, necessrio ser leo. Um professor-leo reconhece que precisa mudar.

    O leo assusta, inconveniente, espaoso, grande, forte e gulo-so, mas cava espaos para mostrar sua presena e, ao afirmar-se, desmonta cenrios e roteiros. Mas o que ainda precisa ser estabe-lecido, criado?

    A terceira transformao proposta por Nietzsche toma a ideia de criana. A criana a inocncia e o esquecimento, um novo comear, movimento, afirmao, disposio. O esprito quer sua vontade e vontade de criao est na criana. Como educadores certamente somos por vezes camelos e lees. Mas estaramos exercendo nossa condio de criana? O que andamos inventan-do, quais as novas possibilidades de fazer conexes entre os con-tedos, entre as sries, entre as disciplinas? O que continuamos a repetir sem perceber que o sentido j se foi e que tomamos o tempo do estudante indevidamente? Qual a nossa ao criadora?

  • 38 Didtica Geral

    Refletir sobre nossos processos pedaggicos, nossos planos de ao pode ser um bom incio para desencadear a imaginao e a aventura. Est a o espao do professor-criana.

    Para Bachelard, o hbito o pior inimigo da imaginao. Ima-ginar desejar e proteger o que ainda est ausente. No livro A po-tica do espao (1988), o autor defende o direito e nosso dever de construir imagens de um espao feliz. Resolvemos trazer essa ideia para o espao escolar e perguntar o que andamos fazendo para proteger essa imagem de espao feliz.

    Bachelard

    A obra bachelardiana (1884-1962) encontra-se no contexto da revoluo cientfica promovida no in-cio do sculo XX (1905) pela Teoria da Relatividade, formulada por Albert Einstein. Todo seu trabalho acadmico objetivou o estudo do significado epis-temolgico desta cincia ento nascente, procu-rando dar a esta cincia uma filosofia compatvel com a sua novidade. E partindo deste objetivo que Bachelard formula suas principais proposies para a filosofia das cincias: a historicidade da epis-temologia e a relatividade do objeto.

    O novo esprito cientfico, portanto, encontra-se em descontinuidade, em ruptura, com o senso co-

    mum, o que significa uma distino, nesta nova cincia, entre o universo em que se localizam as opinies, os preconceitos, enfim, o senso comum e o universo das cincias, algo imperceptvel nas cincias anteriores, baseadas em boa medida nos limites do empirismo, em que a cincia representa-va uma continuidade, em termos epistemolgicos, com o senso comum. A ruptura epistemolgica entre a cincia contempornea e o senso comum uma das marcas da teoria bachelardiana.

    FONTE: Wikipdia. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2009.

    1.16 A escola protegidaPrecisamos aprender a defender esse espao de foras adversas, de

    hostilidades. Aprender a imaginar como gostaramos de ocupar esse espao e proteg-lo. Um espao que resguarde nossas frustraes, decepes e acolha nossos sucessos com a mesma medida. Apren-der a habitar um espao que se quer fazer feliz, por vezes, comea quando aprendemos a morar em ns mesmos. Qualquer morada implica uma via dupla: ela se faz com a gente e ns nos constitumos com ela. A experincia esttica em geral depende de espaos cheios. Como diz Bachelard, quase inimaginvel pensar uma gaveta vazia. O devaneio se move pelo movimento do espao ocupado. difcil

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 39

    pensar uma sala de aula vazia, difcil desej-la. Imaginamos uma sala ocupada e criamos sonhos, desejos e expectativas.

    Habitar um espao encontrar redutos onde possamos nos abrigar, por vezes, nos encolher. Segundo Bachelard, s habita com intensidade aquele que aprendeu a se encolher. Todos temos as memrias dos cantos, espaos da intimidade que merecem ser protegidos para que a escola possa construir um espao humano.

    Em uma escola preciso imaginar a grandeza e a miniatura, o silncio e barulho, para salvaguardar as inevitabilidades. Do ba-rulho pode surgir a criatividade. O silncio pode dar em nada. Precisamos poder dizer como habitamos nosso espao vital, con-siderando todas as dialticas da vida, como nos enraizamos em um canto do mundo (BACHELARD, 1990). Precisamos acreditar que a nossa memria poder fixar lembranas de proteo e de experincias estticas. Como estar sendo construda a memria de escola e dos estudantes brasileiros? Qual a nossa lembrana de escola? A vida comea mais fechada e protegida para que possa alargar-se e expandir-se.

    Como so nossas salas de aula? De onde vm a luz, os sussurros, o silncio? O que est atravancando os movimentos do corpo e da men-te? H espao para o devaneio? Existem pores clandestinos? Que iti-nerrios esto registrados nos caminhos que a sala de aula viabilizou? O espao convida ao, e antes da ao a imaginao trabalha.

    O espao um lugar que d ao ser humano razes para viver! Para habitar preciso construir. Nossa atividade esttica poderia ser ler nosso espao, ler nossa escola. Ler nossa sala de aula. O que nos protege? Quais hostilidades esto aparecendo e por qu? Existe clima para a imaginao? Existe lugar para os espritos li-vres? Ou temos de ser todos iguais, seguir uma mesma cartilha? A dissonncia tem lugar, o espao arejado? O que me impede de sonhar e imaginar nesse espao? Onde esto as rachaduras? Quais seriam os primeiros consertos necessrios?

    Uma escola contempornea talvez devesse estar vida para ver, reparar quem so nossos alunos, o que interessa e o que no inte-ressa, deveria interessar-se em toc-los, em [descobrir] como esta-belecer aprendizagens. Nossa viso no pode ser gulosa, ver mais

  • 40 Didtica Geral

    do que existe, colocar no aluno o que l no est. O riso irnico nem sempre pretende o constrangimento, o corpo que mexe no deseducado, a voz que alardeia nem sempre quer interromper.

    Existe uma luta que precisa acontecer contra a inadequao, a insuficincia e a mutilao de nossa cultura para resgatar o afeto perdido. Em tempos de ganncia, acelerao, velocidade, absti-nncia moral e misticismos compensatrios, a imaginao como expresso da arte nos pe em outro ritmo, a pressa atropela, inva-de, impede. O oposto da pressa no a lentido, mas um desloca-mento mais espaoso, mais esttico, silencioso e atento ao que nos passa enquanto andamos. A experincia para acontecer precisa de tempo e ritmo prprio.

    preciso desejar conservar o espao vivo. Conservar remete tradio. No devemos pensar em mudar tudo, pois falhamos tam-bm quando no conservamos nada. O que deixamos de conservar em nossos processos educativos? Que tradio precisa de proteo?

    Nas salas de aula formais e no formais h espao para vrios crescimentos e valeria inspirar-se em Rilke, citado por Bachelard, quando diz que essas rvores so magnficas, mas mais magnfico ainda o espao sublime e pattico entre elas, como se, com seu crescimento, ele aumentasse tambm. Crescer com os outros pro-voca novas estticas que podem nos fazer habitar um lugar feliz. E felicidade no essa coisa plena, simtrica, estvel. Felicidade implica cavar em si mesmo e nos outros desejos e meios para mo-vimentar-se, para criar, para nos sentirmos bem quando estamos com uma ideia na cabea.

    Que possamos viver nessa condio: criaturas que habitam a ter-ra, os espaos concretos e materiais, mas que no desistam de so-nhar, de desejar habitar tambm os espaos areos, mais leves, are-jados e cheios de pessoas capazes de reparar nos pequenos detalhes que nos fazem sensveis e criativos. A sala de aula um desses luga-res e, portanto, preparar-se para ele faz todo sentido. A didtica nos convida para criar no ambiente escolar mltiplas e variadas formas de aprendizagem, materializando a metfora da criana, que indica nossa capacidade de inveno e compromisso com o ser humano.

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 41

    1.17 Os alunos e o conhecimentoO primeiro aspecto diz respeito ao excesso de formalismo, isto ,

    o apego excessivo ao conhecimento pronto, acabado e j produzi-do, afasta a possibilidade de torn-lo agradvel, acessvel, motivador aos alunos, no permitindo a utilizao de metodologias adequa-das e diferenciadas que possibilitem o brincar com o conhecimento, transformando o ato de aprender em algo desagradvel e maante.

    Em relao ao segundo aspecto apontado, destaca-se o fato de a educao ainda centrar-se, mais fortemente, na situao de en-sino e menos na de aprendizagem, isto , firmar-se numa posio antiga e, talvez, difcil de se rever (pois nela at mesmo os alunos se consideram protegidos) que a do princpio de que deve ter algum que ensine (o professor) e algum que deve aprender (o aluno); algum que tudo sabe, ou deveria saber, e algum que nada sabe e precisa aprender. Algo muito prximo das antigas te-orias do ensinar tudo a todos e da tabula rasa, entre outros, modelos extremamente estticos, nada relacionais, que dificultam a interao professor aluno e o processo de aprendizagem. Como exemplo desta linearidade apresentamos o Quadro 01.

    Linearidade Objeto Sujeito Referencial Avaliao Produto da aprendizagem

    Seletiva, propedutica,uniformizadora,transmissora e

    centrada no Ensino.

    Resultados Alunos Disciplinas

    Sano/classificao/

    provas/exames

    Quantitativo/cristalizado

    Quadro 01 - FONTE: Zabala (1998, p. 199).

    Como afirma Meirieu (1998, p. 72), temos que nos conscienti-zar de que certas coisas mudaram:

    No h mais o sujeito-em-si, pgina virgem ou cera mole totalmente

    disponvel s solicitaes externas, assim como tambm no h saber-

    em-si, entidade perfeitamente arquitetada, que deveria estar fora do al-

    cance das malversaes pedaggicas.

    Deste modo, da relao entre ensino, aprendizagem e o conhe-cimento se originam muitos dos problemas da sala de aula. Da a importncia de se rever as concepes de aprendizagem que podem estar permeando, norteando o trabalho do professor na sala de aula.

  • 42 Didtica Geral

    Olhando para a literatura existente percebe-se que a denncia, sobretudo a respeito da escola, j foi amplamente proclamada e descrita. O que falta so tentativas, perspectivas de superao e solues ou, quem sabe, liberdade de ousar, de concretizar sonhos, de pensar e agir pedagogicamente, atravs de ideias pessoais e ori-ginais, tentando deixar de lado certos modismos e estrelismos to comuns na rea.

    As razes da utopia esto no fato de que o homem no um ser satis-

    feito e o mundo no est terminado. Mas que ainda no e pode vir

    a ser (a esperana). Isto indica que a utopia (vir a ser) deve se realizar

    numa ao concreta. (CUNHA, 1985, p. 28)

    E Cunha (1985, p. 29) resume, dizendo que preciso a uto-pia que denuncia para que surja a utopia que anuncia. Parece ser chegada a hora da segunda utopia proposta pela autora, pois a primeira j aconteceu.

    O terceiro aspecto apontado em relao distoro da ava-liao, ele ser aprofundado no terceiro captulo deste livro. Ape-nas para dar incio s reflexes sobre este tema, citaremos Zabala (1998, p. 103):

    Avaliao s tem sentido para a aprendizagem quando os resultados

    permitem ao aluno continuar progredindo. E isto s ser possvel quan-

    do a avaliao dos resultados que se transmite ao aluno for feita com

    relao a suas capacidades e ao esforo realizado. Este provavelmente

    o nico conhecimento que preciso saber com justia, j que o que

    permite promover a auto-estima e a motivao para continuar.

    Esta citao extremamente sria e profunda, quando o que se deseja repensar, analisar porque algumas coisas acontecem no processo de aprendizagem alheias ao que apontado, direcionado to bem por diversas teorias.

    Pois bem, o que se v, na maioria das vezes, se distancia, e muito, deste propsito de justia. O que se observa uma avaliao ser-vindo apenas para medir resultados finais, para aprovar ou repro-var, perseguir alunos e, o que pior, enfraquecer a aprendizagem, ou seja, muito mais utilizada como mecanismo de poder, pois em alguns casos o que mais se pratica a injustia. Para ilustrar veja-

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 43

    mos alguns depoimentos de alunos para perceber claramente estas caractersticas da avaliao no dia-a-dia dos alunos:

    Seus mtodos de avaliao so intrigantes, pois certos alunos obtm

    nota, outros no. No discute sobre a prova. No admite idias contrrias

    s dela. No libera nota de provas. Provas orais deveriam ter 2 ou 3 pro-

    fessores avaliando. Uma avaliao bimestral oral, e outra, um projeto. ,

    no mnimo, estranha sua avaliao. (CAP).

    ... Explica a matria apenas com conversas, no escrevia nada no quadro.

    Aplicava provas com consultas, em grupo, para serem feitas em casa,

    no vinha em muitas provas. (CAP) (BITTENCOURT, 2001).

    Tambm basta fazer um breve exerccio de memria para lembrar-mos situaes de verdadeiro pnico quando era dia de prova.

    Entretanto, avaliao no algo solto, mas uma decorrncia da concepo de aprendizagem que permeia o trabalho escolar, mais especificamente a prtica pedaggica do professor. Caso ela seja linear, esttica, reprodutivista, claro que isso ir refletir em todo o processo de aprendizagem.

    Assim vemos que antes de se falar em avaliao temos que co-nhecer/rever as concepes de aprendizagens para, a partir disso, refletir e decidir que professores queremos ser, num exerccio de autonomia, de protagonismo e de tomada de deciso.

    Observado deste modo, h a possibilidade de avanar da line-aridade para um ensino dinmico, relacional e interativo, pois s assim seria impossvel avaliar s avessas, ou seja, de modo esttico, sancionador, quantificador e/ou apenas classificador.

    Para isso preciso visualizar outra possibilidade de ensino. Ve-jamos no Quadro 02 como seria o ensino num esquema mais re-lacional, interativo.

    Aprendizagemtotalizadora Objeto Sujeito Referencial Avaliao

    Produto da aprendizagem

    FormaoIntegral

    DiversidadeConstrutiva

    Processos Alunos/Professores

    CapacidadesHabilidades

    AtitudesCompetncias

    DesafiadoraRelacional

    Auxiliadora

    Descritivo/Interpretativo

    Quadro 02 - FONTE: Zabala (1998, p. 199).

    Comentrios de alunos entrevistados na pesquisa

    de doutorado da professora Neide Arrias Bittencourt.

  • 44 Didtica Geral

    Com este quadro e analisando situaes concretas da vida es-colar torna-se mais fcil responder como fica a avaliao nesse contexto de mudanas, pois neste esquema apresentado na tabela 02 no se justificaria mais uma avaliao punitiva, sancionadora, ou seja, uma avaliao burocrtica, linear como a apresentada na tabela 01, que sempre teve e tem um carter disciplinador, muitas vezes, punitivo, mas que, num sistema mais aberto como o apre-sentado na tabela 02, no teria mais sentido algum.

    Para Vazquez (1997, p. 209):

    A atividade terica por si s no prxis, afirma-se, tambm, que en-

    quanto a teoria permanece em seu estado puramente terico no se

    passa dela prxis e, por conseguinte, esta de certa forma negada. Te-

    mos, portanto, uma contraposio entre teoria e prtica que tem raiz no

    fato de que a primeira, em si, no prtica, isto , no se realiza, no se

    plasma, no produz nenhuma mudana real. Para produzir tal mudana

    no basta desenvolver uma atividade terica: preciso atuar pratica-

    mente. Ou seja, no se trata de pensar um fato, e sim de revolucion-lo.

    Para isso necessrio representar este espao de pedaggico interativo, portanto, em primei-ro lugar foi preciso reorganizar o espao peda-ggico, tornando-o mais relacional, interativo e participativo. Para Perrenoud (1999, p. 105) o clima, as condies de trabalho, o sentido da atividade ou auto-imagem importam tanto quanto os aspectos materiais ou cognitivos das situaes didticas.

    Foi pensando nesta necessidade de se mudar o espao pedaggico que surgiu a grfico 01, ela representa o esforo realizado no sentido de reorganizar o espao pedaggico, tendo por alvo a organizao da aula de modo a privile-giar a aprendizagem como centro do processo pedaggico.

    Hoje tanto na fundamentao terica amplamente divulgada, como nos documentos oficiais como Diretrizes Nacionais de ensi-no, Parmetros Curriculares Nacionais PCNs h uma forte pres-so, uma cobrana constante e conceitual para que a escola mude suas formas avaliativas, para que ela d um basta ao seu enfoque

    Prticareflexiva

    ProfessorConhecimento

    Aluno

    RelaoA-A

    RelaoP-AA-P

    APOIO METODOLGICO

    Aprendizagem

    Grfico 01: Como seria o espao pedaggico interativo. FONTE: Bittencourt (2001, p. 74).

  • Evoluo histrica e tendncias atuais da Didtica 45

    tradicionalista e linear de ser e abra espaos para outras formas de acompanhamento da aprendizagem.

    Esta presso vem tambm de setores produtivos da sociedade, que no confiam mais, quando da contratao de seus funcion-rios, nos histricos escolares contendo apenas notas, expedidos pelas universidades como sendo indicadores de qualidade do alu-no nela formado. Estes setores querem saber mais: se eles so cria-tivos, habilidosos, competentes, se sabem gerir conflitos, se traba-lham em grupos, se pensam coletivamente etc.

    Mas, voltando aos trs aspectos expostos, no mais possvel continuar apenas diagnosticando problemas, precisamos trat-los, ou melhor, se faz necessrio no apenas tratar, medicar, preciso curar, solucionar.

    Reflita sobreSegundo Nietzsche o mundo passa indefinidamente pela alter-

    nncia entre a criao e a destruio, alegria e sofrimento, bem e mal, sucesso e fracasso, assim, no se pode esperar encontrar um lugar do sossego e paz absolutos. Toda a formao permanente de um educador no o colocar em porto seguro, mas poder estabe-lecer referncias para sustentar a turbulncia. A didtica enquanto uma trajetria da aprendizagem estabelece tambm referncias, ensina a partir das experincias, contudo precisa reconhecer seus limites. Considerando os contedos apresentados nesse livro, refli-ta sobre quais seriam as referncias bsicas da didtica que ajuda-riam um professor a assumir sua tarefa em sala de aula.

    Leituras recomendadasNIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra: um livro para

    todos e para ningum. Vozes, 2007.

    ______. A origem da tragdia. Centauro, 2004.

    ERASMO, Desidrio. Elogio a loucura. Traduo: Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2005.

    VSQUEZ, O. S. Filosofia da praxis. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

  • Captulo 2 A relao pedaggica no

    contexto do ensino: por uma educao totalizadora

    Provocar uma reflexo nos leitores, atravs do referencial terico, para que os mesmos possam pensar na possibilidade de uma edu-cao humanizadora, a partir das relaes entre o processo de aquisio de conhecimen-to e elementos condicionantes da prtica pe-daggica em contextos escolares, identifican-do o papel da atividade docente como prtica poltica e social permeada de valores, opes filosficas, epistemolgicas e metodolgicas.

  • A relao pedaggica no contexto do ensino: por uma educao totalizadora 49

    2.1 Da escola que temos para a escola que queremos.

    H outros aspectos que atingem diretamente a sala de aula, alm dos trs aspectos descritos no captulo anterior: o primeiro diz res-peito ao excesso de formalismo, o segundo aspecto apontado o fato de a educao ainda centrar-se, mais fortemente, na situao de ensino e o terceiro em relao distoro da avaliao de aprendizagem. No dia-a-dia da sala de aula existem outras pres-ses, externas escola, que assustam e com as quais, muitas vezes, no sabemos como lidar.

    A maior delas diz respeito ao desenvolvimento do mercado e rapidez da produo de novas tecnologias, que afetam a organiza-o do trabalho e as formas de produo, [...] modificando cada vez mais o perfil do trabalhador, necessrio para esse novo tipo de produo (SEABRA, 1994, p. 77, grifo nosso).

    Lobo (2004), falando sobre a escola e o profissional do futuro, tambm alerta para estas novas exigncias:

    Os especialistas propuseram, diante do desafio de definir esse perfil, al-

    gumas caractersticas que no poderiam ser ignoradas na formao do

    profissional do futuro: ser flexvel, capaz e disposto a contribuir para a

    inovao e ser criativo; ser capaz de lidar com incertezas, estar interessa-

    do e ser capaz de aprender ao longo da vida; ter adquirido sensibilidade

    social e aptides para a comunicao; ser capaz de trabalhar em equipe,

    desejar assumir responsabilidades, tornar-se empreendedor; preparar-se

    Artigo de Roberto Leal Lobo e Silva Filho na Folha de S. Paulo

    de 06 dez. 2004.

  • 50 Didtica Geral

    para o mundo do trabalho internacionalizado por meio do conhecimen-

    to de diferentes culturas e, finalmente, ser verstil em aptides multidis-

    ciplinares e ter noes de reas do conhecimento que formam a base de

    vrias habilidades profissionais, como tecnologias e informtica.

    Segundo Seabra (1994, p. 79), o homo studiosus, o grande so-nho dos humanistas de libertar o homem das tarefas desumani-zantes e tornar a cultura, o saber e as artes sua principal ocupa-o, passa pela viso unificadora de escola e profisso, ou seja, no existem mais diferenas entre as duas. Ao contrrio, para ele [...] a escola tem que preparar seus alunos para esta realidade, eles tero que aprender a aprender, e aprender a faz-lo com autonomia. O que importa gastar mais tempo numa formao de qualidade e investir na educao continuada (SEABRA, 1994, p.79 ).

    S que, enquanto o conhecimento corre sobre fibras ticas, pro-vocando no mercado agilidade e novas necessidades, a escola, na opinio deste autor, [...] est imobilizada na antiquada formao de erudio que se quer atingir, em vez de se arrojar na formao de sujeitos crticos, dotados de autonomia de aprendizagem. (SE-ABRA, 1994, p. 77)

    Para Libneo (1998, p. 26), verdade que a escola precisa ser repensada, mas ao mesmo tempo ele defende que um dos aspec-tos mais importantes a considerar que ela no detm, sozinha, o monoplio do saber.

    Este enfrentamento seria um dos primeiros passos que a escola deveria dar rumo sua transformao, pois desse modo estaria reconhecendo suas limitaes, delimitando