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DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIMENTOS TEATRAIS COM CRIANÇAS DE 02 A 06 ANOS Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Teatro. Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Cabral. FLORIANÓPOLIS, SC 2015

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DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

EXPERIMENTOS TEATRAIS COM CRIANÇAS DE 02 A 06

ANOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Teatro da Universidade

do Estado de Santa Catarina, como

requisito para a obtenção do Título de

Doutor em Teatro.

Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Cabral.

FLORIANÓPOLIS, SC

2015

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

P436d

Pereira, Diego de Medeiros

Drama na educação infantil: experimentos teatrais com

crianças de 02 à 06 anos / Diogo de Medeiros Pereira. -

2015.

296 p. il.; 21 cm

Orientadora: Beatriz Cabral

Bibliografia: p. 293-296

Tese (Doutorado) - Universidade do Estado de

Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação

em Teatro, Florianópolis,2015.

1. Teatro – Estudo e ensino. 2. Teatro – Aspectos psicológicos. 3. Educação de crianças. 4. Vygotsky. I.

Cabral, Beatriz. II. Universidade do Estado de Santa

Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro. III. Título.

CDD: 792.07 – 20.ed.

DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA

DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIMENTOS

TEATRAIS COM CRIANÇAS DE 02 A 06 ANOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro, da

Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a

obtenção do título de Doutor em Teatro, na área de concentração Teorias

e Práticas Teatrais, linha de pesquisa Teatro, Sociedade e Criação Cênica.

Banca Examinadora:

Orientadora: ______________________________________

Profª. Drª. Beatriz Cabral

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membros:

________________________

Prof. Dr. Flávio Desgranges

Universidade de São Paulo

________________________

Prof. Dr. Gilberto Icle

Universidade Federal do Rio

Grande do Sul

________________________

Profª. Drª. Vera Collaço

Universidade do Estado de Santa

Catarina

________________________

Prof. Dr. Vicente Concilio

Universidade do Estado de Santa

Catarina

Florianópolis (SC), 26 de março de 2015.

À todos os profissionais da Educação

Infantil que contribuíram de forma

direta ou indireta com este trabalho.

À Trupe da Alegria.

Aos meus pais, irmãos e sobrinhos.

Ao meu companheiro.

AGRADECIMENTOS

Aos membros da Trupe da Alegria que “compraram” a proposta

desta pesquisa e desenvolveram comigo os processos apresentados neste

trabalho. Meu eterno agradecimento à Ana Lúcia de Albuquerque,

Danielle Horn, Elizabete Maria Eleotero, Franciele Carminatti, Leonara

de Souza, Márcia Mesquita de Andrade, Maria da Luz Ribeiro, Maria

Sônia de Souza, Rafael Spinelli, Roseli Freire e Zely Mara Duarte.

A Rosetenair Feijó Scharf, em especial, pelo empréstimo de

materiais relativos à Educação Infantil e pela leitura atenta dos trechos

que tratam desse segmento do ensino.

Aos demais membros da Trupe que participaram como

personagens dos processos e/ou que contribuíram com suas ideias e

olhares na estruturação dos episódios.

Aos profissionais da Educação Infantil que se deixaram

“contaminar” pelas propostas e participaram, direta ou indiretamente, das

experimentações.

Às creches e Núcleos de Educação Infantil que receberam os

projetos, obrigado pelo apoio.

Às crianças que se entregaram às propostas e experimentaram de

forma lúdica e prazerosa o teatro.

Aos meus pais, Nazareth e Ademir, pela certeza de um porto

seguro.

À minha irmã Luciane, pelas ligações, orações e conversas.

Ao meu companheiro Lucas Pereira, por aturar meus dias de mau

humor e, mesmo assim, estar sempre comigo.

À amiga Drica Santos, pelas “trocas” acadêmicas e humanas; e a

todos os amigos da turma do bueiro, da dança, da banda (...).

À amiga Bianca Mitke, pelas risadas, pela ajuda, pelas baladas.

Aos acadêmicos do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC

com os quais pude compartilhar conhecimentos, rever conceitos,

experimentar possibilidades, sobretudo aos meus orientandos de estágio

na Educação Infantil.

À CAPES, por ter me proporcionado uma bolsa de estudos em

grande parte do desenvolvimento desta pesquisa.

Ao PPGT, pela atenção e qualidade do seu corpo docente e

secretaria.

Aos membros externos da banca, Flávio Desgranges e Gilberto

Icle, por terem aceitado participar dessa e terem contribuído com o

presente trabalho.

À professora Vera Collaço, por ter sido um exemplo de

professora e ter me acompanhado na graduação, nas bancas de mestrado

e doutorado.

Ao professor Vicente Concilio, pela parceria, pelas

oportunidades e pelas contribuições na qualificação.

À Diretoria de Educação Infantil, por ter acreditado nesta

propostas e ter “aberto às portas” para a realização dos experimentos com

as crianças.

À Audrei Hüllen pela edição do vídeo de abertura da defesa.

A todos que acreditam no poder da Arte e na necessidade de sua

presença no processo de formação da criança e que, de uma forma ou de

outra, apoiaram e apoiam meu trabalho.

Um agradecimento mais que especial à minha orientadora, Beatriz

Cabral (nossa Biange), por tantos anos de paciência, cooperação e

inspiração. Por cada palavra, ponto e vírgula, pelos livros, lanches e

conversas. Muito Obrigado!

Por fim, agradeço à Deus por ter me dado forças para cumprir mais

uma etapa da minha vida profissional.

A Trupe é força de vida e de morte.

Ela é força de morte quando aniquila o mofo da

Educação, o mofo da preguiça intelectual, do

comodismo, da mesmice.

Ela é força de morte quando destrói a ideia de que

Pedagogas são quase que freiras: cuidadoras e

disciplinadoras.

Ela é força de morte quando arrebenta com nossas

verdades, músculos e estética Global.

Ela é força de vida quando reúne este grupo de

pessoas para gerar uma outra entidade viva, que só

existe no coletivo e se sustenta com amor (não o

amor piegas, mas o amor suado, racionalizado,

visceral, das entranhas).

...é força de vida quando proporciona a crianças e

adultos os espetáculos por ela construídos.

...é força de vida quando engendra um autêntico e

vigoroso processo de formação em serviço, o qual

deveria ser tomado como referência por uma séria

Secretaria de Educação, multiplicado,

potencializado, apoiado.

Ricardo Augusto Rocha, 2012.

RESUMO

Esta tese investiga o Drama – abordagem inglesa de ensino e

experimentação teatral – como uma possibilidade metodológica para um

trabalho de iniciação teatral na Educação Infantil. Busca-se estruturar

procedimentos pedagógicos que se relacionem com as especificidades da

infância por meio da proposição de uma prática baseada tanto em

experiências e teorias teatrais quanto nas propostas curriculares dessa

etapa da educação. Para tanto, inicia-se apresentando as propostas

nacionais e municipais para o ensino da arte e do teatro na Educação

Infantil. Na sequência, apresenta-se a teoria do Drama a partir de autores

brasileiros e ingleses que discutem esse método – Bowell e Heap,

Neelands e Goode, O'Neill, Farmer, Chalmers, Cabral e Desgranges.

Segue-se retratando e discutindo 09 processos de Drama desenvolvidos

com crianças entre 02 e 06 anos de idade, a fim de se apresentar

evidências sobre a proximidade do Drama com o trabalho pedagógico

desenvolvido com crianças dessa faixa etária. Os experimentos ocorreram

em instituições públicas de ensino infantil de Florianópolis / Brasil e

foram conduzidos por professores que participam do grupo de teatro,

"Trupe da Alegria". Um diálogo com a teoria de Lev Vygotsky

fundamentou este estudo.

Palavras-chave: Pedagogia do Teatro. Educação Infantil. Drama.

Psicologia do Desenvolvimento. Vygotsky.

ABSTRACT

This thesis investigates Drama – an English approach for theatre teaching

and experiencing – as a methodological possibility to introduce theatre in

children education. It looks for structuring pedagogical procedures linked

to childhood specificities by proposing a practice based both on theatrical

experiences/theories and on the curricular proposals for this stage level.

As such, it starts presenting national and local curriculum indications for

the teaching of art and theater in early childhood education. Then,

presents the theory of Drama, by English and Brazilian authors centred

on this method – Bowell and Heap, Neelands and Goode, O’Neill,

Farmer, Chalmers, Cabral and Desgranges. Next, it reports and discusses

09 drama processes with children from 02 to 06 years old, in order to

present evidence about the close relationship between drama and the

teachers strategies to work with children of this age level. The experiences

took place in Public Infant Schools of Florianópolis/Brazil, and were

conducted by teachers who take part in a theatre group, “Trupe da

Alegria”. A dialogue with the theory of Lev Vygotsky backed this study.

Keywords: Theatre Pedagogy. Early Childhood Education. Drama.

Developmental Psychology. Vygotsky.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Livro “O Corvo” – pré-texto. ............................................. 174 Figura 2 - Pendurando o pássaro que tem seu nome. .......................... 174 Figura 3 - Explorando as máscaras de pássaros. ................................. 175 Figura 4 - Construindo o espantalho. .................................................. 175 Figura 5 - Chamando o Pássaro Azul. ................................................. 175 Figura 6 - Apresentação teatral “O Lobo Só Arroz”. .......................... 175 Figura 7 - Livro de registros. ............................................................... 175 Figura 8 - Experimentando a navegação. ............................................ 175 Figura 9 - Chegada do Pedrinho na caixa. ........................................... 179 Figura 10 - Dona Tibúrcia e Pedrinho. ................................................ 179 Figura 11 - Fada preparando ritual de transformação.......................... 179 Figura 12 - Pedrinho criança interagindo com o grupo. ...................... 179 Figura 13 - Contação de histórias e o baú mágico. .............................. 182 Figura 14 - Boneca Maria Cecília. ...................................................... 182 Figura 15 - Criando ambientação sonora............................................. 182 Figura 16 - Atriz e a boneca Maria Cecília. ....................................... 182 Figura 17 - Explorando o mapa. .......................................................... 192 Figura 18 - Baú do Pirata Pão Duro. ................................................... 192 Figura 19 – Visita dos piratas à Alemanha. ......................................... 192 Figura 20 - Capitão Amedrontador e seu ajudante. ............................. 192 Figura 21 - Professor personagem (capitão) organiza a viagem.......... 193 Figura 22 - Cadeira quente com o Pirata Pão Duro. ............................ 193 Figura 23 - Boi de Mamão e os Piratas. .............................................. 193 Figura 24 - Registro do processo. ........................................................ 193 Figura 25 - Procurando as pistas dos animais desaparecidos. ............. 197 Figura 26 - Como aranhas na teia gigante. .......................................... 197 Figura 27 - Como navegadores à procura do pescador. ...................... 198 Figura 28 - Experimentando o Boi de Mamão. ................................... 198 Figura 29 - Primeira visita de Analiz ao grupo. .................................. 201 Figura 30 - Fabricando brinquedos. .................................................... 201 Figura 31 - Dançando para as crianças do orfanato na entrega dos

brinquedos. .......................................................................................... 201 Figura 32 - Registro das crianças e a história dos seus brinquedos. .... 201 Figura 33 - Mapa com os países que queriam conhecer. ..................... 213 Figura 34 - Construção da máquina de tele transporte. ....................... 213 Figura 35 - Preparação para a viagem à Lua. ...................................... 213 Figura 36 - Cadeira quente com Pedro Álvares Cabral. ...................... 213 Figura 37 - Ambientação cênica da Turquia. ...................................... 213

Figura 38 - Explorando a lâmpada. ......................................................213 Figura 39 - Assistindo ao gênio da lâmpada. .......................................214 Figura 40 - Jogando basquete nos EUA. ..............................................214 Figura 41 - Interagindo com a índia Capotira (professor personagem).

.............................................................................................................217 Figura 42 - Quadro congelados (Cleópatra e Tutankamon). ................217 Figura 43 - Experimentação corporal (como cobras). ..........................217 Figura 44 - Espaço para vivência dramática com plateia. ....................217 Figura 45 - Carta de Catarina. ..............................................................220 Figura 46 - A caveira mexicana. ..........................................................220 Figura 47 - Os apitos peruanos. ...........................................................220 Figura 48 - Encontrando Catarina. .......................................................220

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 25

2 EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM TEATRAL:

CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................ 35

2.1 DIRECIONAMENTOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO DE

ARTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL .............................................. 36

2.1.1 Primeiros Documentos ........................................................ 38

2.1.2 Uma Política Nacional para a Educação Infantil ............. 40

2.1.3 Lei de Diretrizes e Bases de 1996 ....................................... 44

2.1.4 Referencial Curricular Nacional........................................ 45

2.1.5 Diretrizes Curriculares Nacionais ..................................... 48

2.2 EDUCAÇÃO INFANTIL EM FLORIANÓPOLIS: PROPOSTAS

CURRICULARES E LINGUAGEM TEATRAL .............................. 50

2.2.1 A Divisão de Educação Pré-Escolar .................................. 54

2.2.2 Desdobramentos após a LDB de 1996 ............................... 57

2.2.3 Novo século .......................................................................... 62

2.3 TRUPE DA ALEGRIA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES-

ARTISTAS EM FLORIANÓPOLIS ................................................. 70

2.4 ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE SE

TEM DITO? ....................................................................................... 75

3 DRAMA COMO APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM

TEATRAL: FUNDAMENTOS DA PESQUISA .............................. 95

3.1 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO .................................. 95

3.1.1 Origens do Drama ............................................................... 97

3.1.2 O Drama no contexto brasileiro ....................................... 109 3.2 EXPLORANDO O DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .... 113

3.2.1 Relacionar conhecimentos ................................................ 114

3.2.2 Do Drama à linguagem teatral ......................................... 117

3.3 CONVENÇÕES DO DRAMA .................................................. 120

3.3.1 Contexto dos participantes ............................................... 121

3.3.2 Contexto ficcional .............................................................. 122

3.3.3 Pré-texto ............................................................................. 124

3.3.4 Processo .............................................................................. 128

3.3.5 Episódios ............................................................................ 130

3.3.6 Vivência de papéis ............................................................. 133 3.4 ESTRATÉGIAS SELECIONADAS .......................................... 137

3.4.1 Manto do perito e papéis ficcionais ..................................138

3.4.2 Professor no papel e professor personagem ....................141

3.4.3 Cadeira quente ...................................................................146

3.4.4 Narração .............................................................................147

3.4.5 Recursos materiais .............................................................149

3.4.6 Estímulo composto .............................................................151

3.4.7 Ambientação cênica ...........................................................152

3.4.8 Ambientação sonora ..........................................................154

3.4.9 Cerimônias e rituais ...........................................................155

3.4.10 Imitação ............................................................................157

3.4.11 Imagens e quadros congelados ........................................158

3.4.12 Registro .............................................................................159

4 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS: APRESENTAÇÃO DOS

PROCESSOS DE DRAMA ...............................................................163

4.1 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 02 A 03 ANOS ........164

4.1.1 Processo 01 .........................................................................164 4.1.1.1 Estrutura do processo ....................................................166

4.1.1.2 Imagens do processo .....................................................174

4.1.1.3 Observando as crianças .................................................176

4.1.1.4 Avaliação da professora Maria Sônia ............................176

4.1.2 Processo 02 .........................................................................177 4.1.2.1 Imagens do processo .....................................................179

4.1.2.2 Observando as crianças .................................................179

4.1.2.3 Avaliação da professora Danielle ..................................180

4.1.3 Processo 03 .........................................................................181

4.1.3.1 Imagens do processo .....................................................182

4.1.3.2 Avaliação da professora Zely ........................................183

4.1.3.3 Comentários da professora Rosetenair ..........................183

4.2 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 04 A 05 ANOS ........184

4.2.1 Processo 04 .........................................................................184

4.2.1.1 Estrutura do processo ....................................................186

4.2.1.2 Imagens do processo .....................................................192

4.2.1.3 Observando as crianças .................................................194

4.2.1.4 Avaliação da professora Elizabete ................................195

4.2.1.5 Comentários da professora Leonara ..............................195

4.2.2 Processo 05 .........................................................................196

4.2.2.1 Imagens do processo .....................................................197

4.2.2.2 Observando as crianças .................................................198

4.2.2.3 Avaliação do professor Rafael ......................................199

4.2.3 Processo 06 .........................................................................199

4.2.3.1 Imagens do processo ..................................................... 201

4.2.3.2 Observando as crianças ................................................ 202

4.2.3.3 Avaliação da professora Roseli .................................... 202

4.2.3.4 Comentários da professora Ana .................................... 203

4.3 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 05 A 06 ANOS ....... 203

4.3.1 Processo 07 ......................................................................... 203 4.3.1.1 Estrutura do processo ................................................... 206

4.3.1.2 Imagens do processo ..................................................... 213

4.3.1.3 Observando as crianças ................................................ 214

4.3.1.4 Avaliação da professora Márcia ................................... 215

4.3.2 Processo 08 ......................................................................... 215 4.3.2.1 Imagens do processo ..................................................... 217

4.3.2.2 Observando as crianças ................................................ 217

4.3.2.3 Avaliação da professora Maria ..................................... 218

4.3.3 Processo 09 ......................................................................... 219

4.3.3.1 Imagens do processo ..................................................... 220

4.3.3.2 Observando as crianças ................................................ 220

4.3.3.3 Avaliação da professora Franciele ................................ 221

5 REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE AS POSSIBILIDADES

EXPERIMENTADAS ....................................................................... 223

5.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E DRAMA ..................... 223

5.1.1 O contexto sociocultural como ponto de partida ............ 226

5.1.2 O papel das interações na construção de conhecimentos

..................................................................................................... 229

5.1.3 Zona de desenvolvimento próximo .................................. 232

5.1.4 A importância da mediação .............................................. 234

5.1.5 A brincadeira como espaço de aprendizagem ................ 238 5.2 REFLEXÕES SOBRE OS PROCESSOS .................................. 241

5.2.1 Com crianças de 02 a 03 anos ........................................... 242

5.2.2 Com crianças de 04 a 05 anos ........................................... 247

5.2.3 Com crianças de 05 a 06 anos ........................................... 251

5.3 ANÁLISE GERAL DOS PROCESSOS .................................... 255

5.4 A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES ................................. 263

5.4.1 Reflexões ............................................................................ 269 5.5 O DRAMA COMO POSSIBILIDADE ...................................... 271

5.5.1 Análise da questão 01 ........................................................ 275

5.5.2 Análise da questão 02 ........................................................ 278

6 ALGUMAS PALAVRAS ............................................................... 283

REFERÊNCIAS ................................................................................ 293

25

1 INTRODUÇÃO

A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no

Brasil, atendendo crianças de 0 a 05 anos de idade. Ela oferece à criança

possibilidades de experimentação e aprendizagem que contribuirão com

o desenvolvimento de sua personalidade, formação de conhecimentos,

vida emocional e ampliação das relações sociais. Com a legalização, em

19881, desse segmento de ensino e a compreensão de que o atendimento

em creches (0 a 03 anos) e pré-escolas (04 a 05 anos) é um direito das

crianças e de suas famílias, tem havido uma mobilização por parte de

educadores e pesquisadores na discussão do valor social e do caráter

educativo dessas instituições. Dentro desse quadro que se apresenta,

estudiosos e professores das linguagens artísticas tem buscado ampliar

seu espaço de atuação, discutindo possibilidades de trabalhar a arte com

essa criança.

Na estruturação dos fundamentos que direcionariam o fazer

educacional voltado a essas crianças, alguns autores serviram de base,

dando respaldo às diferentes propostas curriculares que tem sido

elaboradas deste os anos de 1990. Atualmente, a psicologia histórico

cultural de Lev Vygotsky (1896-1934) é uma das principais referências

para se pensar em uma criança historicamente localizada e que se

desenvolve a partir da interação com o universo social e cultural em que

se encontra.

Vygotsky (2004) trata o homem como “um agregado de relações

humanas” e, nesse sentido, as primeiras interações que a criança

estabelece com o outro e com o conhecimento influenciarão sua futura

apropriação do mundo, uma vez que “[...] as funções mentais superiores

são relações sociais internalizadas” (VYGOTSKY, 1995, p. 195). Para

esse autor, portanto, o desenvolvimento da aprendizagem está

intrinsecamente relacionado à história e à cultura com as quais o ser

interage.

Nesse processo de construção do funcionamento mental, social e

da subjetividade da criança, a partir da apropriação da cultura que a cerca,

o ambiente educacional – no caso específico deste estudo a Creche ou

Núcleo de Educação Infantil e seus profissionais – tem o papel essencial

de nutrir, com experimentações diversas, a aprendizagem infantil.

Como o professor poderá oferecer espaços para suas crianças

ampliarem as vivências artísticas, por exemplo, se ele se encontrar

1 Através da reformulação da Constituição Federal.

26

distante de teorias e práticas que possam alimentar seu repertório? Como

um professor poderá desenvolver propostas pedagógicas coerentes e

significativas se ele não ampliar seus conhecimentos acerca das diferentes

linguagens e conhecimentos?

Essas foram as questões que levaram ao desenvolvimento de

minha dissertação de mestrado Commedia dell’arte e Educação Infantil: um processo de formação de professores (2011). Naquele estudo eu

buscava ampliar o repertório de experiências com a linguagem teatral de

um grupo de 14 profissionais da Educação Infantil do município de

Florianópolis, por compreender que há uma necessidade de inserir a

linguagem do teatro no início da formação da criança e que esse processo

se daria a partir da mediação realizada por seus professores.

Ao trabalhar com os profissionais da Educação Infantil,

entretanto, questionava-me, e era questionado, sobre possíveis maneiras

de iniciar o teatro com suas crianças, que são mais novas, não

alfabetizadas, muitas vezes sem experiência alguma como espectadoras,

com pouco (ou nenhum) repertório acerca do que seria uma manifestação

teatral.

Ao ministrar formações de professores comecei a perceber que

existia (e ainda existe) um modo de trabalhar teatro com as crianças mais

novas com o qual eu não concordava. Trata-se de um modelo centrado na

criação de produtos artísticos, colocando as crianças como reprodutoras

de falas e marcações mecanizadas, aproximando-as de uma forma adulta

de representação, distante das possibilidades lúdicas e criativas que o

teatro pode oferecer para que as crianças se expressem através dessa

linguagem e se apropriem dela.

Quais seriam as referências teóricas ou metodológicas que esses

profissionais se pautariam para a realização dessa maneira de “ensinar”

teatro? Haveria uma referência metodológica que poderia auxiliá-los na

estruturação de propostas pedagógico-teatrais coerentes com a faixa

etária em que as crianças se encontram? Seria possível propor uma

pesquisa que contribuísse com a estruturação de um trabalho de inserção

da linguagem teatral na Educação Infantil?

Santos (2004) apontava para a carência de pesquisas e estudos

sistematizados, tanto no que se refere às abordagens históricas quanto

metodológicas sobre o ensino do teatro na infância. Percebe que, ainda

que passados mais de 10 anos da obra dessa autora, o quadro de pesquisas

voltadas ao trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil não se

alterou de forma significativa. Por conta da não existência do profissional

específico (professor de teatro) no quadro da Educação Infantil, o ensino

do teatro fica a cargo dos profissionais da Pedagogia, que, em geral,

27

possuem poucas referências sobre as particularidades dessa linguagem e

as licenciaturas em teatro pouco preparam seus estudantes para trabalhar

com essa faixa etária, por não se configurar como um nicho de trabalho.

Em meio a essa lacuna, ou o profissional desse segmento pauta-

se em modelos tradicionais do ensino do teatro, valorizando

precocemente a realização de um “produto”, ou não se apropria da

linguagem teatral por não reconhecê-la como parte do processo

educativo; “[...] pois desconhece o significado do jogo e da imitação e as

suas relações com a aquisição de conhecimentos ligados a diferentes

domínios e funções intelectuais” (2004, p. 117), como aponta Santos.

A partir desse contexto, tanto da prática quando da teoria acerca

do teatro na Educação Infantil, busquei problematizar o trabalho com a

linguagem teatral nesse segmento de ensino, por meio deste estudo de

doutorado. Como estruturar procedimentos de trabalho com a linguagem

teatral que respeitem as especificidades da infância e que, ao mesmo

tempo, proponham, de forma prazerosa, uma iniciação ao teatro?

Quem trabalha com crianças percebe que elas criam diversas

formas de brincar, espontaneamente se expressam por meio da

exploração de seus corpos, pelo uso de brinquedos e materiais, em algum

período do seu desenvolvimento começam a criar jogos dramatizados e,

a partir de tais jogos, elas vão, aos poucos, apropriando-se do mundo que

as cerca e descobrindo as linguagens da arte. Qual referência

metodológica, entretanto, poderia auxiliar na estruturação de um trabalho

pedagógico que potencializasse o jogo realizado pela criança, levando-a

a transpor esse jogo a uma linguagem artística, nesse caso específico, à

linguagem teatral?

Dentro das diversas abordagens para o ensino do teatro que me

deparei ao longo da graduação e dos anos como docente, houve uma em

que eu percebi um diálogo mais efetivo com as propostas pedagógicas

direcionadas à Educação Infantil, o Drama. Segundo Cabral,

O drama como método de ensino, eixo curricular

e/ou tema gerador constitui-se atualmente numa

subárea do fazer teatral e está baseado num

processo contínuo de exploração de formas e

conteúdos relacionados com um determinado foco

de investigação (selecionado pelo professor ou

negociado entre professor e aluno). Como

processo, o drama articula uma série de episódios,

os quais são construídos e definidos com base em

convenções teatrais criadas para possibilitar seu

28

sequenciamento e aprofundamento (CABRAL,

2006, p. 12).

Por promover uma experiência teatral que parte dos interesses da

criança, que dialoga com outras áreas do conhecimento sem promover

uma fragmentação de saberes como ocorre na estrutura do Ensino

Fundamental, por desenvolver-se em episódios que são construídos na

interação que se estabelece entre os participantes e desses com o condutor

do processo, percebi que havia um grande potencial a ser explorado na

proposição do Drama como encaminhamento metodológico para a

Educação Infantil.

Durante a graduação participei de processos conduzidos pela

professora Beatriz Cabral, mas foi durante os estágios de docência do

mestrado e doutorado que tive a oportunidade de estruturar, conduzir de

forma conjunta e acompanhar processos de Drama propostos por Cabral

às turmas da graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa

Catarina (UDESC) e em oficinas oferecidas à comunidade no

Departamento Artístico-cultural da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC). Ao participar dessas experiências, comecei a

questionar-me sobre a possibilidade de explorar o Drama com os

profissionais da Educação Infantil.

Iniciei com pequenos experimentos com os profissionais da

Educação Infantil que trabalho (membros da Trupe da Alegria que será

apresentada posteriormente), com a leitura de textos teóricos sobre o

Drama, com propostas nos cursos de formação que ministrava, orientando

projetos de estágio na Educação Infantil como professor colaborador no

curso de Licenciatura em Teatro da UDESC. Ao avaliar essas propostas

preliminares, constatei um campo a ser explorado e estruturei a presente

pesquisa.

O objetivo central desta tese, portanto, é discutir e defender o

Drama – método inglês de ensino e experimentação teatral – como uma

abordagem possível para uma iniciação ao teatro na Educação Infantil.

Busco estabelecer alguns encaminhamentos metodológicos que

permitam, tanto ao profissional desse segmento da educação quanto ao

professor de teatro, estruturar propostas de ensino com crianças mais

novas.

Por conta do Drama centrar-se na questão da experimentação

dramática em torno de um determinado foco de interesse e não na

construção de um produto artístico, reproduzível e voltado à

apresentação, percebo no Drama ressonâncias com as diretrizes

curriculares voltadas ao ensino e aprendizagem da Educação Infantil, e,

29

portanto, proponho-o como um dispositivo pedagógico possível de ser

apropriado pelos profissionais interessados em trabalhar o teatro nessa

etapa do ensino.

Os objetos centrais de análise e discussão da tese são 09

processos de Drama desenvolvidos com crianças entre 02 e 062 em

espaços de Educação Infantil da rede municipal pública de Florianópolis.

Os papéis de pesquisador, orientador e observador dos processos

possibilitaram que eu me relacionasse de forma participativa com os

profissionais que conduziriam os processos de Drama e que, assim como

eu, interessavam-se em investigar diferentes modos de propor o ensino

de teatro para crianças mais novas. Ao participar da elaboração da

estrutura dos processos e do planejamento das ações, visitava e revisitava

tanto a teoria do Drama quanto as reflexões vygotskianas sobre o

desenvolvimento infantil, buscando estabelecer pontes entre elas.

Utilizei-me de diversas ferramentas para coletar os materiais que

serão apresentados nesta tese. Foi realizado, inicialmente, um diagnóstico

do contexto de cada grupo retratando seus objetos de interesse para, a

partir desse material, iniciarmos a estruturação dos processos. Ao longo

da realização dos experimentos foram efetuados registros audiovisuais,

observações das crianças participando das proposições feitas pelos

condutores, assim como entrevistas semiestruturadas com os

profissionais que conduziram os processos.

No que diz respeito à estrutura da tese, o presente trabalho está

organizado em quatro capítulos. Parto, no primeiro capítulo, do contexto

histórico e pedagógico com o qual esta pesquisa se relaciona. Busco, a

partir dos documentos norteadores que sustentam a estruturação da

Educação Infantil no Brasil, enfatizar a importância de se entender as

dinâmicas dessa etapa da educação para poder dialogar com ela. Nesse

processo, enfatizo quando o trabalho com as linguagens artísticas era

indicado e a maneira como ele era e é proposto. Quando possível, busco

indicações específicas ao trabalho com a linguagem teatral. Enfatizo a Lei

de Diretrizes e Bases de 1996, na qual esse segmento é regulamentado

como primeira etapa da Educação Básica e a Arte é indicada como

disciplina obrigatória em todas as esferas da Educação e que, portanto,

deveria estar presente na Educação Infantil, ainda que não seja esse o

quadro atual.

2 Até o ano de 2013 a Educação Infantil atendia crianças de 0 a 06 anos. A Lei 12.796 de abril

de 2013, alterou a idade limite dessa etapa da Educação Básica para 05 anos. Como os experimentos apresentados nesta tese foram realizados naquele ano, as crianças de 06 anos

compunham os grupos como os quais trabalhei.

30

Ainda nesse capítulo apresento os direcionamentos pedagógicos

para a Educação Infantil de Florianópolis, que, desde os primeiros

documentos, tem enfatizado o trabalho com as linguagens artísticas como

espaço de interação e construção de conhecimentos. Busco refletir e

problematizar as indicações ao trabalho com a linguagem teatral e a sua

relação com o contexto do Ensino de Arte no país. Sigo apresentando a

Trupe da Alegria, grupo teatral formado exclusivamente por profissionais

da Educação Infantil de Florianópolis, constituída a partir de minha

pesquisa de mestrado, a qual vem atuando na formação de professores e

na criação de espetáculos para crianças desse segmento de ensino.

Como espaço de formação e troca, a Trupe contribuiu com a

elaboração dos questionamentos que direcionam esta tese e, em parceira

com alguns de seus profissionais, realizei os experimentos teatrais que

são objetos deste estudo, uma vez que esses profissionais possuíam

conhecimentos prévios sobre o ensino do teatro, discutidos e

experimentados nos encontros do grupo.

Para finalizar o primeiro capítulo, apresento os autores que são

citados com maior frequência em trabalhos voltados a propostas de ensino

da linguagem teatral na Educação Infantil, são eles: Peter Slade (1978),

Viola Spolin (1979), Ingrid Koudela (1982), Vera Bertoni dos Santos

(2004), Ricardo Japiassu (2007), Luíz Fernando de Souza (2008) e

Marina Marcondes Machado (2010). Ainda que alguns desses autores não

tenham tratado especificamente da faixa etária que compreende essa

etapa da Educação enquanto outros indicam possíveis encaminhamentos,

o Drama não aparece como proposta metodológica em nenhum dos

trabalhos analisados.

No segundo capítulo, introduzo o Drama, um fazer pedagógico-

teatral desenvolvido a partir dos trabalhos da professora e atriz inglesa

Dorothy Heathcote e difundido no Brasil por Beatriz Cabral.

Contextualizo sua origem e a maneira como foi apropriado no contexto

brasileiro. Para tanto, utilizo-me dos escritos de autores anglo-saxões

sobre o tema, Gavin Bolton (1995, 1984, 1971), Cecily O’Neill

(1995,1984), John O’Toole (1992), Jonathan Neelands e Tony Goode

(2000), Pamela Bowell e Brian Heap (2013). Para tratar do contexto

brasileiro, fundamento-me nas obras de Beatriz Cabral (2011, 2010, 2009

e 2006), Flávio Desgranges (2006) e Heloise Vidor (2010).

Sigo, ainda no segundo capítulo, discutindo as proximidades do

Drama com as propostas pedagógicas voltadas à Educação Infantil

sobretudo no que diz respeito ao diálogo com outras áreas do

conhecimento e à proposição de um processo dramático que se apropria

31

da capacidade da criança de aprender por meio da criação de situações

ficcionais, da imitação e vivência de papéis.

Apresento, na sequência, a partir dos olhares dos autores

supracitados, as principais convenções do Drama e, na sequência,

conceituo, descrevo e justifico as estratégias selecionadas para a

utilização nos processos desenvolvidos com as crianças de 02 a 06 anos.

Cabe ressaltar que tais estratégias foram escolhidas tendo em vista as

especificidades do desenvolvimento físico e psíquico das crianças. Ao

longo do desenvolvimento dos processos de Drama percebíamos os

modos de elaboração de conhecimentos e a maneira como as crianças de

cada faixa etária respondiam às proposições e, a partir dessas

informações, experimentávamos novas estratégias.

O terceiro capítulo trata dos 09 processos de Drama

desenvolvidos em parceria com 12 profissionais da Educação Infantil que

participam da Trupe da Alegria. Esses experimentos foram divididos em

três grupos de acordo com as seguintes faixas etárias: 03 processos com

crianças de 02 a 03 anos, 03 processos com crianças de 04 a 05 anos e 03

processos com crianças de 05 a 06 anos.

Para abertura de cada bloco etário é apresentada a estrutura de

um processo de forma detalhada, contendo dados gerais (nome do

condutor, instituição, número de crianças, profissionais envolvidos, nome

do processo), relações do processo com os Núcleos de Ação Pedagógica

indicados nas Orientações Curriculares para a Educação Infantil de

Florianópolis3, apresentação dos contextos real e ficcional, resumo da

proposta, estrutura do processo (descrição dos episódios com objetivos,

comentários dos coordenadores e estratégias utilizadas), imagens do

processo, transcrição de comentários das crianças e avaliação do

condutor, realizada mediante entrevista posterior à finalização do

experimento. O processo detalhado é seguido de mais dois processos com

a mesma faixa etária, desses são apresentados os dados gerais, o resumo

da proposta, os aspectos teatrais trabalhados, as principais estratégias

selecionadas, imagens, descrição das observações e avaliação do

condutor.

Finalizo o estudo, no capítulo quarto, refletindo sobre as

propostas experimentadas. A partir da perspectiva histórico cultural de

Vygotsky (2009, 2007, 1996, 1995), Elkonin (1987) e Leontiev (2001),

busco reafirmar a proximidade que percebo entre a proposta

metodológica do Drama e as diretrizes pedagógicas voltadas à Educação

Infantil que se embasam nos estudos desse autor. Reflito sobre as relações

3 Os Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) serão apresentados no primeiro capítulo.

32

entre as ideias de contexto como ponto de partida, das interações como

espaço de construção coletiva de conhecimento, do papel de mediação do

professor, da brincadeira dramática como espaço de aprendizagem que

pode criar zonas de desenvolvimento próximo. Defendo o quanto esses

conceitos assemelham-se nas teorias do Drama e na psicologia histórico-

cultural e que, portanto, uma aproximação é possível.

Realizo uma análise dos processos de Drama realizados,

mantendo a divisão por bloco etário, dialogando com os escritos dos

autores supracitados sobre a periodização do desenvolvimento infantil.

Ainda que tais autores não tenham se dedicado à criação de uma teoria

padronizadora do desenvolvimento infantil – o que seria contraditório aos

fundamentos sócio históricos de suas pesquisas – Vygotsky tratou das

especificidades da relação da criança com seu entorno nas diferentes fases

de seu desenvolvimento, o que ele chamou de “situação social de

desenvolvimento” (1996, p. 264) e seus colaboradores refinaram a ideia

ao discutirem a existência de “atividades principais”, em diferentes

períodos etários, que organizariam a interação da criança com o mundo.

Ao perceber quais atividades direcionam a ação da criança ao

longo do seu desenvolvimento, foi possível conceber diferentes

estratégias do Drama que contribuíssem com o processo de construção e

assimilação de aspectos da linguagem teatral em cada faixa etária,

estruturando, dessa forma, diferentes procedimentos pedagógicos e

artísticos, os quais são apresentados e discutidos. Para um diálogo mais

efetivo com a abordagem metodológica defendida busquei referências no

trabalho de Debbie Chalmers (2010), professora inglesa de Drama que

trabalha com crianças de 03 a 05 anos.

Por fim, realizo uma avaliação das experiências construídas

mediante entrevistas realizadas com os profissionais que conduziram os

processos de Drama. Analiso o grau de percepção deles acerca do

trabalho que realizaram, se houve alguma mudança de pensamento acerca

do modo de trabalhar a linguagem teatral com suas crianças, quais

elementos teatrais percebem ter explorado e o que concluem sobre a

possibilidade de inserção do Drama como um encaminhamento

metodológico possível de ser apropriado pela Educação Infantil. Alio as

respostas dos professores ao entendimento de Vygotsky sobre o conceito

de experiência, como forma de promover uma interlocução entre a prática

e a teoria.

Cabe ressaltar que a investigação de um método para o

embasamento de propostas de trabalho com a linguagem teatral na

Educação Infantil tem o intuito de servir como referencial que suscite

reflexões, experimentações e experiências acerca do desenvolvimento

33

das linguagens artísticas com crianças dessa etapa de ensino. Não

objetivo constituir um receituário rígido e acabado, postura que seria

contraditória aos pressupostos da historicidade e dialeticidade presentes

na teoria histórico cultural com a qual dialogo e no próprio método do

Drama do qual me aproprio. As experiências que serão apresentadas e as

reflexões suscitadas a partir dessas, foram tecidas com base em um

contexto histórico, social e cultural determinado, ainda que possam ser

tomadas como referência para novas investigações e práticas com a

linguagem teatral na Educação Infantil.

O Drama torna possível o encontro entre o sentir, o pensar e o

conhecer. Como apontam Bowell e Heap: “o Drama oferece

oportunidades de investigação e reflexão, de celebração e desafio. É um

meio potente de colaboração e comunicação que pode alterar as formas

como as pessoas se sentem, pensam e se comportam” (2013, p. 03,

tradução nossa), é nessa crença que me pauto ao trabalhar com esse

método com as crianças em foco nesta pesquisa.

Sou consciente do desafio e do risco propor um método para

inserção do teatro na Educação Infantil, uma vez que não há grande

discussão acumulada sobre o assunto. Parti de algumas referências

inglesas, sobretudo Chalmers (2010) e Farmer (2011) que

experimentaram o Drama com crianças mais novas, de minhas

experiências com a formação de professores, nas quais sempre busquei

maneiras diferenciadas de lidar com a linguagem teatral para o público

infantil, assim como da experiência dos 24 profissionais da Educação

Infantil que participam atualmente da Trupe da Alegria e que propõem

questões a serem investigadas.

Acredito que justamente pela carência de bibliografias que

abordem esse assunto, o presente estudo tenha relevância tanto para a área

da Pedagogia quanto do Teatro. Penso que esta tese poderá auxiliar os

profissionais preocupados com a manutenção do espaço lúdico e criativo

que a criança apresenta nos primeiros anos de vida e que costuma perder

por conta da estrutura rígida a qual são submetidas na escola tradicional.

Busco, ao menos em um microcosmo pertencente à imensidão da

rede de educação brasileira, redimensionar esse fazer teatral, levando em

consideração especificidades da infância como a imaginação latente, o

faz de conta, a necessidade de experimentação, a vivência de papéis,

apropriando-me assim das questões defendidas pela Educação Infantil

como a não escolarização, a não fragmentação do conhecimento, a

compreensão da criança como ser global dotado de múltiplas linguagens.

Observo as palavras de Rego, como um horizonte possível de ser

alcançado:

34

A escola desempenhará bem seu papel, na medida

em que, partindo daquilo que a criança já sabe (o

conhecimento que ela traz de seu cotidiano, suas

ideias a respeito dos objetos, fatos e fenômenos,

suas “teorias” acerca do que observa no mundo),

ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de

novos conhecimentos, na linguagem vygotskiana,

incidir na zona de desenvolvimento potencial dos

educandos. Desta forma poderá estimular

processos internos que acabarão por se efetivar,

passando a construir a base que possibilitará novas

aprendizagens (REGO, 2013, p. 108).

Por acreditar na necessidade da presença do teatro na Educação

Infantil como uma linguagem a ser construída a partir de experiências

dramáticas orientadas pelo professor, estruturadas através de um processo

de investigação, que acredito no potencial do Drama como uma referência

teórico-prática que poderá guiar novas descobertas acerca do fazer teatral

com crianças, assim como guiou as minhas, que serão apresentadas nas

páginas que seguem.

35

2 EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM TEATRAL:

CONTEXTO DA PESQUISA

Como pensar possibilidades de trabalho com a linguagem teatral

na Educação Infantil sem antes compreender como os profissionais que

estruturam essa etapa do ensino básico tem discutido a arte e,

especificamente, o teatro dentro de suas propostas pedagógicas? Esse foi

o questionamento que me moveu a escrever este primeiro capítulo, no

qual disserto sobre o desenvolvimento da Educação Infantil no Brasil,

incluindo o viés histórico, mas não me atendo de forma central a ele.

Interessa-me, pois, problematizar a maneira pela qual o trabalho com as

linguagens artísticas foi e tem sido pontuada nas propostas pedagógicas

voltadas a esse segmento de ensino em nosso país.

Dado que o objetivo deste trabalho é discutir e defender a

apropriação do Drama como um modo possível de abordagem da

linguagem teatral no contexto da Educação Infantil, senti necessidade de

aproximar a pesquisa desse contexto e de aproximar também os

interessados em relacionar as áreas do Teatro e da Pedagogia e que, por

ventura, venham a utilizar esta tese como fonte de pesquisa.

Por desconhecer trabalhos na área da Pedagogia do Teatro que

propuseram analisar os documentos oficiais direcionados à Educação

Infantil, pontuando aspectos relacionados ao modo como esse segmento

de ensino discute a questão teatral nas suas diretrizes, utilizarei teóricos

da Educação, sempre que necessário, para tecer argumentos ou explicar

as relações que traço entre minha análise, a história da educação e as

correntes filosóficas que embasaram as propostas voltas à Educação

Infantil.

Parto dos principais documentos nacionais direcionados à

estruturação do trabalho pedagógico a ser realizado nas creches e pré-

escolas, lançando um olhar mais atento ao tratamento dado às linguagens

artísticas, e, quando possível, à linguagem teatral. Após esse

levantamento bibliográfico e os apontamentos críticos feitos a esses

materiais, sigo analisando os modos como a Educação Infantil, ao longo

de sua história no município de Florianópolis, tem indicado (ou não) o

trabalho com a arte e, dentro dessa, com o teatro.

Sigo destacando o trabalho artístico e de formação que

desenvolvo junto a um grupo de profissionais da Educação Infantil do

município de Florianópolis, a Trupe da Alegria, com o qual realizei os

processos que servem como objeto de análise da presente pesquisa e com

a qual tenho pensado e experimentado maneiras de inserir, de forma

36

profícua, a linguagem teatral na Educação Infantil a partir da apropriação

do método do Drama, o qual será apresentado no capítulo seguinte.

Para finalizar o capítulo apresento os principais trabalhos na área

da Pedagogia do Teatro que discutem a linguagem teatral na Educação

Infantil ou que tem sido frequentemente associados à ela. Os trabalhos

destacados são dos autores: Peter Slade (1978), Viola Spolin (1979),

Ingrid Koudela (1982), Vera Lúcia Bertoni dos Santos (2004), Ricardo

Japiassu (2007), Luiz Fernando de Souza (2008) e Marina Marcondes

Machado (2010).

2.1 DIRECIONAMENTOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO DE

ARTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

[...] o que caracteriza o trabalho pedagógico é a experiência com o

conhecimento científico e com a literatura, a música, a dança, o teatro, o

cinema, a produção artística, histórica e cultural que se encontra nos museus, a

arte. Esta visão do que é pedagógico ajuda a pensar um projeto que não se

configura como escolar, feito apenas de e na sala de aula. O campo pedagógico

é interdisciplinar, inclui as dimensões ética e estética. A educação – uma

prática social – se constitui como outra forma de conhecimento científico,

incluindo a arte.

(Sônia Kramer).

A contextualização da origem e fundamentos da Educação

Infantil no Brasil permite compreender suas propostas pedagógicas e os

argumentos e práticas que as justificam. Oliveira [et. al.] (2011) retrata

que a construção de uma proposta pedagógica implica em optar por uma

organização que delimite certos objetivos, julgados mais valiosos do que

outros. Ao pontuar o modo como a Arte é apresentada ou indicada nas

propostas, pretendo problematizar como a contribuição das linguagens

artísticas ao desenvolvimento infantil foi e é percebido por aqueles que

“delimitam” os rumos desse segmento de ensino.

Devido a sua importância no processo de constituição do sujeito

e no desenvolvimento das potencialidades da criança, a Educação Infantil,

dividida nas modalidades creche (para crianças de 0 a 03 anos) e pré-

escolas (para crianças de 04 a 05 anos) tem adquirido reconhecida

importância como etapa inicial da Educação Básica, no Brasil.

37

Com a Carta Constitucional de 1988 o direito à Educação

Infantil foi então efetivamente reconhecido. Na citada Constituição, em

seu artigo 208, o inciso IV retrata que: “[...] O dever do Estado para com

a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-

escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). A partir

da reformulação da carta magna, as creches passam a ser reconhecidas

como instituições educativas e a criança de 0 a 06 anos como sujeito de

direitos. A Constituição incorporou a si algo que estava presente no

movimento da sociedade e advinha do esclarecimento e da importância

que se atribuía à Educação Infantil. Com a garantia por lei, os programas

de educação pré-escolar passaram a ser de competência dos municípios,

devendo por eles ser mantidos com a cooperação técnica e financeira da

União e do Estado.

Dois anos após a Carta Constitucional ter sido aprovada, o

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 – entra em vigência

e são estabelecidos como deveres para com a criança, de acordo com o

artigo 4º da citada lei:

É dever da família, da comunidade, da sociedade

em geral e do poder público assegurar, com

absoluta prioridade, a efetivação dos direitos

referentes à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária. (BRASIL,

2009, p. 23).

E, ratificando a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da

Criança e do Adolescente discorre em seu art. 54, inciso IV, que é dever

do Estado assegurar à criança: “[...] atendimento em creche e pré-escola

às crianças de zero a seis anos de idade;” (BRASIL, 2009, p. 31), ainda

que não de forma obrigatória, como o é para o Ensino Fundamental. Esse

fato representou um avanço significativo em direção à superação das

discursos e ações assistencialistas que envolviam as instituições e uma

garantia, ao menos no plano das intenções políticas, da vinculação de uma

função educativa às ações de cuidado, complementando o papel educativo

das famílias. Sabemos que o Brasil é um país pródigo em leis e não em

sua aplicabilidade. A garantia legal à Educação Infantil abre precedentes

para a sociedade cobrar seus direitos.

Depois de instituída e tornada um dever do Estado, um direito da

criança e uma opção da família, a Educação Infantil necessitou de

38

alicerces pedagógicos que impulsionassem suas práticas. A partir do ano

de 1990 foram produzidos diversos documentos que buscaram embasar o

fazer pedagógico, alicerçando-o em pesquisas científicas, teorias

desenvolvimentistas, discursos acadêmicos e práticas consideradas como

referência. Nos documentos que serão apresentados a seguir, busco

problematizar como os direcionamentos curriculares tratavam (e ainda

tratam) as propostas relativas ao trabalho com a Arte, e, sobretudo com a

linguagem teatral na Educação Infantil.

2.1.1 Primeiros Documentos

As manifestações artísticas e os procedimentos pedagógicos que

buscam subsidiar o trabalho com as artes visuais, a música, a dança, o

teatro, as brincadeiras e jogos, as artes circenses e demais temas

relacionados à Arte, aparecem, inicialmente, nos programas e propostas

formais de Educação da Infância não como formas de fortalecer e

expandir a expressão e a cultura das crianças, “[...] mas como mais um

instrumento de adequação a hábitos e comportamentos considerados

necessários à educação das crianças.” (LOPES; MENDES; FARIA, 2006,

p. 14) ou como livre expressão, sem a necessidade de uma orientação

pedagógica por parte dos professores.

Em 1990 o MEC, em parceria com a Fundação Roberto Marinho,

lançou um projeto de Educação por multimeios para a capacitação de

professores da pré-escola (que trabalhavam com crianças entre 03 e 06

anos), produzido sob a coordenação das professoras Monique

Deheinzelin e Zélia Cavalcanti Lima. O projeto incluía dois volumes

impressos intitulados Professor da Pré-Escola e 20 programas de TV com

o título Menino, quem foi teu mestre?. Cada capítulo do livro correspondia

a um programa sobre o mesmo tema. Ao analisar os documentos constatei

que esses apresentam uma abordagem bastante ampla e pouco estruturada

de um currículo para a pré-escola em diversos eixos de conhecimento.

O volume I trouxe dois textos referentes à área artística: “Artes”

e “Expressão Artística na Pré-escola”. No texto “Artes” é apresentada

uma discussão sobre as etapas de desenvolvimento da capacidade

representativa por meio do desenho sob o prisma construtivista4 (fase das

4 A epistemologia genética de Piaget ou epistemologia construtivista, como a tem caracterizado

Garcia (2002), é uma epistemologia que foi constituída ao longo das investigações realizadas por Piaget e sua equipe no século XX. Piaget retrata que o conhecimento é elaborado “[...] sem pré-

formação exógena (empirismo) ou endógena (inatismo), por contínuas ultrapassagens das

39

garatujas, fase pré-esquemática, fase esquemática), e, portanto, somente

as Artes Visuais são discutidas como linguagem artística na Educação

Infantil. A Arte é colocada no patamar, citado por Lopes [et. al.] (2006),

de “instrumento” a serviço da ampliação da “capacidade” de

simbolização, importante ao desenvolvimento de outras funções mais

complexas, como a linguagem oral e escrita, por exemplo, e não como

desenvolvimento da linguagem artística em si.

O texto “Expressão artística na pré-escola” inicia com a

afirmação de que a atividade artística na pré-escola pode ser realizada a

partir de outras atividades além do desenho, colagem, modelagem, cita,

como exemplo, a realização de propostas a partir das linguagens musical,

teatral, da dança e literatura. Ao longo do texto, entretanto, os “exemplos”

elencados, trabalham exclusivamente com materiais das artes visuais.

Veem-se as primeiras contradições, a distância entre teoria e prática, a

deficiência no que diz respeito às outras linguagens indicadas.

Contradições e deficiências próprias àquele período, no qual a arte visual

era a linguagem artística com mais referências teóricas e metodológicas.

O volume II da obra do MEC traz um texto intitulado “Música e

Dança”, o qual apresenta um relato da origem dessas duas linguagens

como forma de expressão artística e manifestação cultural, relacionando-

as entre si, sem tecer paralelos com a origem do teatro. Em outro texto:

“A Escola, as crianças e as histórias”, o jogo dramático é citado como

decorrente das contações de histórias, retratando que após ouvir histórias

as crianças poderão inserir os personagens nas suas brincadeiras de forma

espontânea. O conteúdo dramático como componente inicial da

linguagem teatral não é enfocado, nem mesmo são dadas orientações de

que o professor pode ampliar esses jogos, oferecendo estímulos às

crianças, discutindo com elas os possíveis temas que emerjam de suas

brincadeiras, potencializando a vivência de papéis, entre outros

encaminhamentos possíveis.

Esse primeiro material, enviado para as creches para subsidiar os

trabalhos pedagógicos a serem desenvolvidos, não incluía propostas de

trabalho com a linguagem teatral, representando, uma lacuna no que diz

respeito a discussões e encaminhamentos metodológicos para o ensino do

teatro na Educação Infantil, ainda que, nesse período as obras de autores

elaborações sucessivas” (1998, p. 11). No entendimento epistemológico piagetiano a construção de conhecimentos é um processo contínuo; ele não se encontra pronto e acabado, nem no meio

exterior nem, no sujeito do conhecimento. Há uma elaboração, que se utiliza de elementos

endógenos (internos) e exógenos (externos) do sujeito, dessa maneira, o conhecimento se dá na relação entre eles. O processo de desenvolvimento infantil foi dividido por Piaget em estágios,

os quais seguem uma linearidade progressiva.

40

como Olga Reverbel, Peter Slade, Viola Spolin, Ingrid Koudela, Sandra

Chacra, Joana Lopes, circulassem no meio educacional e elucidassem

aspectos relativos ao ensino do teatro e poderiam ter sido apropriadas na

elaboração dos documentos supracitados.

2.1.2 Uma Política Nacional para a Educação Infantil

Entre os anos de 1994 e 1996, o MEC realizou encontros e

seminários pelo país com o objetivo de discutir com gestores municipais

e estaduais de educação questões relativas à definição de políticas para a

Educação Infantil, assim como direcionamentos para a estruturação de

suas propostas pedagógicas. Elaborou-se, então, o documento Política Nacional de Educação Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis

anos à Educação (1994), no qual foram definidos os principais objetivos

para a área, a conhecer: a expansão da oferta de vagas para a criança de 0

a 06 anos; o fortalecimento, nas instâncias competentes, das concepções

de educação e cuidado como aspectos indissociáveis das ações dirigidas

às crianças; a promoção da melhoria da qualidade do atendimento em

instituições de Educação Infantil. Esse documento, elaborado mediante

consultoria a educadores eminentes na área como Euclides Redin, Fúlvia

Rosemberg e Vital Didonet, fundamenta-se nos princípios constitucionais

e reitera que a Educação Infantil deve ser oferecida em complementação

à ação da família, cumprindo duas funções indissociáveis: cuidar e

educar.

O documento apontava para os problemas chaves de gestão

educacional, muitos desses ainda presentes em nossa sociedade:

Como tratar uma sociedade em que a unidade se dá

pelo conjunto das diferenças, no qual o caráter

multicultural se acha entrecruzado por uma grave e

histórica estratificação social e econômica? Como

garantir um currículo que respeite as diferenças –

socioeconômicas, de gênero, de faixa etária,

étnicas, culturais e das crianças com necessidades

educacionais especiais – e que,

concomitantemente, respeite direitos inerentes a

todas as crianças brasileiras de 0 a 06 anos,

contribuindo para a superação das desigualdades?

Como contribuir com os sistemas de ensino na

análise, na reformulação e/ou na elaboração de suas

41

propostas pedagógicas sem fornecer modelos

prontos? (BRASIL, 1994a, p. 12)

No que diz respeito a direcionamentos que se relacionam com o

universo artístico na Educação Infantil, o documento supracitado indica

de forma bastante ampla os seguintes objetivos para as propostas

pedagógicas nessa área:

[...] fortalecer parcerias para assegurar, nas

instituições competentes, o atendimento integral à

criança, considerando seus aspectos físico, afetivo,

cognitivo/linguístico, sociocultural, bem como as

dimensões lúdica, artística e imaginária (BRASIL,

1994a, p. 20).

É perceptível nesse documento norteador a ampliação da função

de “cuidar”, historicamente associada a essa etapa do ensino. O

documento aponta uma visão de educação que, no aspecto teórico, lança

um olhar à ludicidade presente no desenvolvimento infantil. Ainda que a

prática se modifique principalmente com experiências concretas e não

apenas com indicações escritas, pode-se perceber o início de uma busca

pela criação de uma identidade para a Educação Infantil.

O MEC também percebeu esta necessidade formativa e lançou o

documento Por uma política de formação do profissional de Educação

Infantil (1994), no qual se discute a necessidade e a importância de um

profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar em

creches e pré-escolas como condição para a melhoria da qualidade da

educação.

Em um trecho que me chamou a atenção nesse documento e que

dialoga com o que acredito acerca do trabalho pedagógico na Educação

Infantil (e nos demais segmentos da educação), a professora Maria Malta

Campos, responsável pelo documento, afirma que os profissionais deste

nível de ensino,

[...] necessitam de um novo tipo de formação,

baseada numa concepção integrada de

desenvolvimento e educação infantil, que não

hierarquize atividades de cuidado e educação e não

as segmente em espaços, horários e responsa-

bilidades profissionais diferentes (BRASIL, 1994b,

p. 37).

42

Faço-me, entretanto, a seguinte pergunta: é possível levar o

futuro profissional a compreender que a criança pequena aprende de

modo integrado, quando, no seu curso de formação, os conteúdos se

apresentam de maneira fragmentada e em disciplinas que não dialogam

entre si? E mais, como exigir do profissional da Pedagogia que dialogue

com os diversos campos como teatro, música, artes visuais, literatura,

relações étnico-culturais, relações com a natureza, entre outros, criando

propostas pedagógicas integradas, se sua prática com tais disciplinas, em

geral, é insipiente, carente de referências teóricas e práticas? Ainda que

discussões sobre a transdisciplinaridade estejam presentes nos processos

formativos, pouco se tem feito para a efetiva integração dos

conhecimentos no processo de formação de professores e na prática

pedagógica nas escolas.

A formação de professores é reconhecidamente um dos fatores

mais importantes para a promoção de padrões de qualidade na educação,

qualquer que seja o grau ou modalidade. Portanto, faz-se necessária uma

formação inicial sólida e constante atualização em serviço, em diálogo

com o contexto sociocultural existente fora dos muros da escola e da

faculdade.

Quanto à formação continuada desses profissionais, penso que

ela não deveria se caracterizar como algo eventual, como um instrumento

usado para suprir deficiências teóricas e práticas de uma formação

acadêmica mal realizada, ao contrário, acredito que a formação

continuada é necessária para alimentar a prática num diálogo concreto

com as dificuldades e novidades da vida corrente, do cotidiano da creche.

Outro documento importante lançado pelo MEC foi: Critérios

para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (1995a), que discute a organização e o funcionamento

interno dessas instituições. No que diz respeito à linguagem artística, as

autoras Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg apontam que: “Nossas

crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e

capacidade de expressão” (BRASIL, 1995, p. 21); abaixo do citado,

algumas prerrogativas, bastante questionáveis e que demonstram a

maneira equivocada e superficial como a arte era pensada pelas autoras

de tais propostas:

[...] Nossas crianças têm oportunidade de

desenvolver brincadeiras e jogos simbólicos;

nossas crianças têm oportunidade de ouvir músicas

e de assistir teatro de fantoches; nossas crianças são

incentivadas a se expressar através de desenhos,

43

pinturas, colagens e modelagem em argila; nossas

crianças têm direito de ouvir e contar histórias;

nossas crianças têm direito de cantar e dançar [...]

(BRASIL, 1995, p. 21).

Porque o teatro de “fantoches” é o indicado para a Educação

Infantil? Elas devem somente assistir ao teatro, não podem experimentá-

lo? Só ouvem a música, não a produzem? Direito a canta e dançar de que

maneira? A partir de quais materiais, referências ou propostas? Qual a

intencionalidade do professor ao realizar essas propostas? Ainda que se

possa pensar que essas práticas foram superadas, em formações

continuadas que realizo percebo o quanto o teatro de “fantoches”5 em

geral é a única referência teatral associada à Educação Infantil e quanto

os professores ainda vão às formações em teatro ansiosos por aprenderem

novos modelos de construção de bonecos. Sei da empatia que as crianças

possuem com os bonecos, mas enfatizar apenas essa linguagem teatral me

parece mais uma demonstração da distância existente entre as áreas da

Pedagogia e do Teatro.

Ainda que se trate de um documento lançado no ano de 1995, seu

relançamento, em 2009, manteve as mesmas concepções e

direcionamentos acima apresentados, desconsiderando as discussões e

experiências mais recentes de trabalho com as linguagens artísticas na

Educação Infantil.

Para finalizar o ciclo de documentos lançados pelo MEC nesse período,

tem-se: Educação infantil: bibliografia anotada (1995b), ao qual não tive

acesso, e Propostas pedagógicas e currículo em educação infantil (1996a). Esse documento foi importante no sentido de indicar

possibilidades de organização do trabalho dos professores no interior das

instituições. As concepções apresentadas no documento expressam visões

mais amplas do que as antigas conceituações de currículo como sequência

de matérias ou conjunto de experiências de aprendizagem oferecidas pela

escola. Trata-o como eixos norteadores de propostas que possam traçar

5 O Teatro de Formas Animadas compreende as mais diversas manifestações de trabalhos teatrais

com objetos (bonecos, máscaras, sombras). Assim como o Teatro de Bonecos compreende

inúmeras técnicas de manipulação (bonecos de luva, de vara, manipulação à vista, entre outras).

A prática do Teatro de Fantoches (modalidade de boneco de luva), no âmbito da escola, em geral, remete a um trabalho mal acabado, desenvolvido por pessoas com pouca experiência prática,

realizado a partir do uso de bonecos aleatoriamente escolhidos. Penso caber aos profissionais

que trabalham com essa linguagem refletirem sobre a devida apropriação dessa no seu trabalho pedagógico, buscando ampliar suas referências e desenvolver um trabalho que pondere as

dimensões artísticas e estéticas, não utilizando-a somente como recurso didático.

44

relações entre o entorno cultural e social das crianças em diálogo com os

conhecimentos de áreas específicas, como as linguagens artísticas.

2.1.3 Lei de Diretrizes e Bases de 1996

Por intermédio da Lei de Diretrizes e Bases (LDB)6 9.394/96, o

ensino de Arte, como disciplina curricular obrigatória, substituiu a

Educação Artística – instituída pela LDB 5.692/71. A nova LDB, ainda

em vigor no Brasil, tornava obrigatório o ensino da Arte em todas as

esferas da Educação Básica (Infantil, Fundamental e Médio), diferente da

LDB de 1971 que obrigava o ensino da Educação Artística apenas para

os níveis Fundamental e Médio (nessa lei denominados, respectivamente,

1º e 2º graus).

Lançando um olhar para esse momento de institucionalização da

Arte na Educação Infantil, entende-se, por que nos anos de 1990 as

propostas artístico-pedagógicas voltadas à Educação Infantil eram

carentes de aprofundamento teórico e metodológico (e algumas ainda o

são), assim como de práticas consistentes que fugissem do senso comum

e intuitivo das pinturas livres, da livre expressão, do faz de conta

espontâneo, das músicas apenas como delimitações da rotina (hora de

comer, hora de dormir, etc.). A obrigatoriedade do ensino de Arte nessa

etapa da Educação Básica, teoricamente, abriria um novo campo de

trabalho e pesquisa até então pouco explorado e faria com que

profissionais da Pedagogia lançassem novos olhares sobre as

especificidades do trabalho artístico com crianças mais novas.

Ainda que a LDB tenha institucionalizado à inserção do ensino

da Arte em todas as esferas da Educação Básica e esta mesma Lei

regulamentou a Educação Infantil como a primeira esfera do ensino,

inexiste, ainda hoje, o profissional específico das linguagens artísticas no

quadro docente desse segmento de ensino. Uma vez que esse profissional

não se encontra presente, acredito que as discussões e pesquisas acerca da

Arte na Educação Infantil tornam-se menos frequentes, justamente por

não se configurar como um campo de trabalho para os professores de

Artes.

No que diz respeito à Educação Infantil, a LDB de 1996 define

que o seu objetivo é promover o desenvolvimento integral da criança até

seis anos de idade. Segundo os seguintes termos da Lei:

6 Utilizarei a sigla LDB sempre que me referir à Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

45

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da

educação básica, tem como finalidade o

desenvolvimento integral da criança até seis anos

de idade, em seus aspectos físico, psicológico,

intelectual e social, complementando a ação da

família e da comunidade. (BRASIL, 1996b).

Essa nova dimensão da Educação Infantil como primeira etapa

da Educação, faz com que sejam elaborados documentos direcionadores,

bem como se ampliem as discussões acerca da fundamentação e

estruturação de suas propostas pedagógicas, além de incentivar a

valorização do papel do profissional que atua com a criança de 0 a 06

anos, com exigência de um patamar de habilitação derivado das

responsabilidades sociais e educativas que se espera dele.

A promulgação da LDB de 1996 exigiu que regulamentações, em

âmbito nacional, estadual e municipal fossem estabelecidas e cumpridas.

Passou a incumbir às instituições de Educação Infantil, por exemplo, de

elaborarem suas próprias propostas pedagógicas com a participação

efetiva dos professores. Quem mais estaria em diálogo direto com as

crianças do que seus professores?

A Lei reconheceu também que a ação pedagógica dos

professores, desenvolvida no cotidiano das instituições de Educação

Infantil, deve levar em consideração as famílias e as crianças e que,

portanto, caberia uma articulação entre todos na construção de propostas

que respondessem, também, aos anseios e necessidades dos meios sociais

e culturais específicos, condizente com a adesão à corrente histórico-

cultural como embasamento filosófico.

2.1.4 Referencial Curricular Nacional

Em 1998, foi lançado o Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (RCNEI) – de caráter não obrigatório, mas indicativo

de ações e propostas que pudessem estruturar a prática pedagógica, além

de contribuir para a qualificação das atividades realizadas no interior das

instituições de Educação Infantil.

O RCNEI, documento dividido em três volumes, apresentou

como objetivos principais a formação pessoal e social da criança e o

conhecimento do mundo. O volume 03, relativo ao tópico “conhecimento

46

do mundo” é composto por 06 textos referentes a eixos de trabalho que

orientariam para a construção de diferentes linguagens pelas crianças, são

eles: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza,

sociedade e matemática.

Ao analisar o documento, encontrei a palavra “teatro” citada duas

vezes; a primeira quando o texto traz uma contextualização do movimento

de educação pela arte7 cita o teatro como uma das linguagens artísticas de

tal movimento e a segunda, quando trata das relações das crianças com o

espaço histórico e cultural, exemplifica a visita a teatros como uma

maneira de experiência direta da criança com a arquitetura do teatro,

classificando-o, apenas, como espaço histórico.

A bibliografia indicada ao final do documento não apresenta

nenhuma obra que trate especificamente da relação do faz de conta, da

representação ou dos jogos dramáticos com o ensino, aprendizagem e

experimentação do teatro, ainda que tais conceitos sejam abordados ao

longo do texto. Em contraposição, são várias as obras que tratam do

ensino da música e das possibilidades de relação entre esta e o

desenvolvimento da criança.

O professor de teatro e pesquisador Ricardo Japiassu (2007)

comenta o fato de que os autores do RCNEI, os quais não são nominados

no documento, sinalizaram a importância do faz de conta nos processos

de desenvolvimento do sujeito, mas descartaram a necessidade de se

trabalhar sistematicamente com a linguagem teatral. Segundo Japiassu:

“[...] os autores do RCNEI não parecem considerar o faz- de-conta ou

jogo dramático infantil como modalidade de representação semiótica

sobre a qual se assente a linguagem cênica ou teatral” (2007, p. 17), ainda

que nesse período existissem obras de pesquisadores teatrais como Peter

Slade, Olga Reverbel e Ingrid Koudela, retratando a relação entre a

dramatização infantil e a linguagem teatral.

Ao longo do citado volume, o Referencial traz diversas

indicações ao faz de conta como uma maneira da criança relacionar as

experiências vividas no seu ambiente próximo com as pulsações

interiores e a imaginação em fase de desenvolvimento. Em todas as áreas

citadas o Referencial trata o faz de conta como um meio possível de se

7O princípio norteador do movimento era o de educar por meio da arte. O movimento de Arte-

educação ou educação pela arte surgiu na Semana de Arte Moderna de 1922 e, apoiado na ideia de livre expressão, passou a orientar classes de arte em São Paulo. Para validar a Arte-educação

nos pressupostos da Escola Nova valorizou-se seu aspecto instrumental, como uma ferramenta

em benefício do conteúdo da lição. No final dos anos de 1940 foram criadas as escolinhas de arte as quais acabaram difundindo o Movimento Escolinha de Arte, ainda que outras linguagens

artísticas se agregaram à proposta, as artes visuais foram privilegiadas nesse movimento.

47

trabalhar outros conteúdos como a música, as artes visuais, a matemática,

as relações sociais e culturais. Por que não tratou especificamente sobre o

trabalho teatral com as crianças, visto que é uma prática recorrente na

Educação Infantil e realizada de maneira equivocada? Não encontro

resposta cabível para justificar essa ausência, dada a existência de

referências teóricas naquele período, a não ser um domínio injustificado

das áreas de Artes Visuais e Música na formulação das propostas

pedagógicas.

No processo de aquisição da linguagem oral, por exemplo, é

evidente que o teatro pode servir para a ampliação das possibilidades

expressivas da criança. Sabemos que as experimentações dramáticas, a

partir do faz de conta ou de um ambiente cenicamente organizado para a

vivência lúdica, permitem a criança, através da interação com os adultos,

com outras crianças e com os materiais “dramáticos” (texto, música,

canto, história, figurinos, etc.), expressar-se, perceber o outro se

expressando e aprender de forma criativa. Penso que fundamentar o

trabalho com a linguagem teatral, o que não foi realizado pelo RCNEI,

contribuiria para que os profissionais da Educação Infantil percebessem

o teatro para além da questão espetacular, mas como uma linguagem, com

conteúdos próprios, a ser construída com as crianças.

O RCNEI indica, por exemplo:

A leitura de histórias é um momento em que a

criança pode conhecer a forma de viver, pensar,

agir e o universo de valores, costumes e

comportamentos de outras culturas situadas em

outros tempos e lugares que não o seu. [...] histórias

se constituem em rica fonte de informação sobre as

diversas formas culturais de lidar com as emoções

e com as questões éticas, contribuindo na

construção da subjetividade e da sensibilidade das

crianças. (BRASIL, 1998, p.143).

E me pergunto: por que não por meio do teatro? De

dramatizações? De experimentações cênicas? Qual a justificativa para

não se escrever especificamente sobre o teatro? Japiassu (2007) corrobora

com meus questionamentos ao expor que existiam, naquele momento, conhecimentos sistematizados a respeitos de possibilidades educativas

por meio do teatro e que esses não foram associados à linguagem teatral

quando da concepção das propostas pedagógicas.

Ainda que o RCNEI tenha sido comentado por um significativo

número de pareceristas individuais, evidenciando críticas e polêmicas,

48

ressalto que a partir desse documento foi dada maior ênfase ao

desenvolvimento das linguagens artísticas, de forma estruturada e

delineada, ainda que o teatro não tenha sido contemplado em tal

documento.

2.1.5 Diretrizes Curriculares Nacionais

Ao mesmo tempo em que o MEC elaborou o RCNEI, o Conselho

Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (1999), com caráter mandatório, o qual teve

como objetivo direcionar os encaminhamentos de ordem pedagógica para

essa etapa do ensino aos sistemas municipais e estaduais de educação.

As DCNEI correspondem a Resolução CNE/CEB nº 1, de 07 de

abril de 1999, a qual Institui tais diretrizes, ampliada nos anos posteriores,

chegando a mais recente que é a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de

2009, a qual as fixa as diretrizes de 1999. Essa última (de 2009)8 explicita

que as propostas pedagógicas da Educação Infantil devem respeitar os

princípios éticos, políticos e estéticos. No tocante ao universo das Artes,

ainda que essa possua também os vieses ético e político, a mesma é

contemplada explicitamente no princípio estético que trata da “[...]

sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão

nas diferentes manifestações artísticas e culturais” (BRASIL, 2010, p.

16), questões amplamente difundidas quanto se trata da área de Artes.

As Diretrizes indicam que para as propostas se articularem dentro

desses princípios é necessária a organização de materiais, espaços e

tempos que assegurem “[...] a indivisibilidade das dimensões expressivo-

motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da

criança” (BRASIL, 2010, p. 19). Neste ponto cabe lançar um olhar mais

apurado. Pensar na “indivisibilidade” das dimensões que permitam a

criança construir conhecimento a partir da experimentação direta é

perceber que todo e qualquer trabalho pauta-se na compreensão de que as

crianças não aprendem de forma fragmentada, isolando-se os

conhecimentos em “disciplinas”.

As DCNEI, em 2009, indicam o teatro como uma linguagem e

ser posta em contato com as crianças na primeira infância. Ainda que não

haja no documento propostas metodológicas para a abordagem desta

8Lançada pelo MEC em formato de livro digital em 2010, a qual utilizo como referência para

este trabalho.

49

linguagem, as áreas artísticas são tratadas de forma igualitária dentro de

um conjunto de formas de expressão capazes de ampliar as

experimentações infantis e seu conhecimento acerca das diferentes

manifestações culturais existentes no Brasil e no mundo.

Compreendo que as indicações são importantes referências para

nortearem o trabalho pedagógico e que, a partir de 2009, então, a

linguagem teatral foi indicada como um conteúdo a ser trabalho na

Educação Infantil. Entendo também que a indicação não é suficiente para

suprir a carência de conhecimentos, sobretudo dos profissionais desse

segmento, para trabalhar com as linguagens artísticas. De um modo geral,

o que se encontra nas práticas realizadas com teatro, principalmente, é a

busca por trabalha-lo a partir da experiência que esse professor possui

como espectador, experiências que em geral são escassas e que colocam

o teatro apenas como produto artístico.

Ao experienciar o teatro como expectadores, eles percebem que,

em grande parte das produções teatrais, existem personagens, falas

“decoradas”, movimentações em cena (“marcações”, talvez), cenário e

outros aparatos técnicos. Logo, quando pensam em realizar alguma

experiência teatral com as crianças pautam-se em suas experiências como

espectadores, sem possuírem a dimensão de que os objetivos do teatro

como objeto artístico e estético são diferentes do teatro posto como um

processo de experimentação ou um fazer pedagógico, o ensino do teatro.

Penso que nos momentos de formação continuada os

profissionais da Educação Infantil possam construir conhecimentos sobre

as áreas específicas, ampliando sua visão sobre as diversas linguagens e

as metodologias de cada área. A formação é um espaço para se pensar e

reestruturar as práticas por meio do diálogo com os profissionais

específicos que se dedicam ao estudo dos procedimentos pedagógicos,

assim como é uma possibilidade para os estudiosos repensarem suas

pesquisas por meio dos relatos da experiência prática dos profissionais

que atuam no dia a dia com a criança.

Realizar práticas significativas com as crianças, pode gerar novas

maneiras de perceber o desenvolvimento humano como um processo

global, no qual os conhecimentos se articulam e se relacionam. E, sem

dúvida, o teatro se coloca como uma linguagem possível na agregação de

diversos conhecimentos, podendo ser um caminho para uma formação

mais integral do ser.

É possível perceber um avanço significativo no processo de

inserção e diálogo com as linguagens artísticas ao longo da estruturação

da Educação Infantil no Brasil. No início a Arte aparece como um

instrumento a serviço da imposição de padrões, depois ela é lançada para

50

o extremo oposto, como um espaço da livre expressão e do

espontaneísmo. Passa a ser apontada de forma ampla, pautada no senso

comum de que os conhecimentos artísticos relacionam-se apenas às

questões lúdica, criativa, sensível, entre outras, deixando de considerar os

conteúdos próprios das linguagens enquanto áreas do saber. Em 1998,

ampliam-se as discussões acerca da necessidade das linguagens artísticas

neste segmento de ensino, até que, com as Diretrizes Nacionais de 1999,

todas as linguagens artísticas são indicadas como áreas de conhecimento

a serem apropriadas pelas propostas pedagógicas para a Educação

Infantil.

A partir das possíveis compreensões que foram apresentadas

acerca do trabalho com as linguagens artísticas na Educação Infantil, e,

sobretudo, da inexpressividade de indicações ou propostas de trabalho

com a linguagem teatral neste segmento de ensino, tratarei de expor, no

subcapítulo seguinte, o modo como a Educação Infantil no município de

Florianópolis, ao longo de sua história, tem dado destaque ao trabalho

com as linguagens artísticas e tem se dedicado, em vários momentos, à

formação de seus profissionais, para a compreensão das especificidades

dessas linguagens. Ressalto que, como a Educação Infantil é de

responsabilidade dos municípios, não há diretrizes estaduais para esse

segmento.

2.2 EDUCAÇÃO INFANTIL EM FLORIANÓPOLIS: PROPOSTAS

CURRICULARES E LINGUAGEM TEATRAL

Conhecer é preciso! Para garantir o que foi conquistado, para combater o que

comprovadamente não deu certo, para avançar no que precisa ser mudado.

Conhecer é preciso! Para que se possa garantir o direito de todas as crianças a

uma educação infantil de qualidade.

(Luciana Esmeralda Ostetto)

A afirmação de Ostetto aponta para a importância de conhecer o

desenvolvimento histórico, estrutural e conceitual da rede de Educação

Infantil. Por esta pesquisa dialogar com a prática que realizo junto a um grupo de professores pertencentes a esse contexto, julguei oportuno

apontar as peculiaridades do ensino infantil em Florianópolis.

Para a compreensão dos motivos pelos quais tenho atuado junto a esta

etapa da educação e proposto este estudo, julguei necessário realizar um

51

levantamento bibliográfico de como o trabalho com o ensino de Artes –

em muitos momentos à margem das propostas curriculares – tem sido

evidenciado nesse município.

O ensino infantil público municipal, em Florianópolis, teve início

em 1976 com a criação do Programa de Educação Pré-Escolar, pelo

Departamento de Educação da Secretaria Municipal de Educação, Saúde

e Assistência Social (SESAS). Um programa de cunho compensatório que

objetivava a implantação de unidades piloto de atendimento para as

populações com baixa renda na cidade, suprindo deficiências alimentares,

afetivas e cognitivas das crianças.

Nesse ano, foi criado o Núcleo de Educação Infantil (NEI) da

Coloninha9, atendendo, inicialmente, turmas de 04 a 06 anos,

funcionando na antiga capela do bairro que estava ociosa, abrigando dois

ambientes de educação pré-escolar. Em 1979, foi construído um prédio

próprio ampliando-se assim o atendimento para crianças menores de 03

anos. Com a ampliação cria-se a modalidade “creche” e tem-se a mudança

de nome de NEI Coloninha para Creche Professora Maria Barreiros10.

Ostetto (2000) retrata que duas são as peculiaridades desta rede

municipal de Educação Infantil desde sua origem. A primeira diz respeito

à vinculação das creches e pré-escolas à Secretaria de Educação e não a

de Assistência Social (como ocorria em muitas regiões do país) e a

segunda, a de que os profissionais contratados para trabalhar nessa

modalidade eram professores desde o projeto inicial (formação essa que

em algumas redes de ensino ainda não é levada em conta, seja pela

ausência de profissionais habilitados ou pela desvalorização que é dada

ao segmento).

As primeiras professoras, relata Ostetto (2000), eram formadas

no curso técnico de 2º grau do Colégio Coração de Jesus (de

Florianópolis) com especialização em materno-infantil. Foram

contratadas novas professores porque não era de interesse da Secretaria

designar professoras que vinham atuando no Ensino Fundamental para

não correr-se o risco de reproduzir a estrutura deste no trabalho com as

crianças.

9 No mesmo ano foi criado também o NEI São João do Rio Vermelho (hoje, NEI São João

Batista), o qual também atendia crianças de 04 a 06 anos. 10 As creches, inicialmente, atendiam crianças de 03 meses a 06 anos funcionando em período

integral – 12 horas por dia; o NEI atendia crianças entre 03 e 06 anos em dois períodos de 04

horas. Hoje está diferenciação faz-se apenas pelos períodos de atendimento, pois creches e NEIs

atendem crianças de 03 meses a 05 anos (faixa etária alterada pela Lei nº 12.796/2013), a primeira em período integral e, o segundo, em dois turnos. Com a nova legislação está-se

repassando as crianças de 06 anos para o Ensino Fundamental.

52

O projeto inicial da SESAS11 tinha, entre seus objetivos:

[...] favorecer o desenvolvimento integral da

criança em seus primeiros anos de vida [...];

preencher as lacunas e deficiências (carências)

provenientes da estrutura familiar; preparar as

crianças para realizar, satisfatoriamente, a

aprendizagem na escola primária [...] (SESAS,

1976, p. 03).

Um fato que chama a atenção no documento de 1976, diz respeito

à “programação das atividades”. Segundo tal documento, a programação

basear-se-ia em vivências e não em aulas a serem ministradas e repetidas.

Percebe-se, desde o início, uma preocupação com as dimensões do

respeito ao tempo das crianças e a ampliação de seus saberes a partir de

vivências e não da “transmissão” de conhecimentos – expressão ainda

corrente em discursos educacionais, mesmo que se saiba que o professor

não “transmite” algo, mas constrói conhecimentos em parceria com os

estudantes, media os processos de ensino/aprendizagem.

Em se tratando das indicações ou propostas curriculares para a

área de Artes – desejoso de que o teatro fosse contemplado – encontrei,

no projeto inicial, 03 tópicos entre os 07 temas indicados: [...] “o prazer

da música”, [...] “o trabalho das artes visuais”, [...] “a fantasia no reino

encantado das histórias” (SESAS, 1976, p. 05-06). Não há um

direcionamento teórico-metodológico nesse momento, são diretrizes

vagas atreladas ao próprio desenvolvimento da Educação Infantil e do

ensino de Artes, ainda incipientes.

Em 1979, foi criado o Departamento de Educação, composto

pelas divisões de Ensino (supervisão, orientação, pré-escolar) e de

Educação Física. Esse departamento elaborou um Plano Municipal de

Educação para os anos entre 1980 e 1983 voltado a aspectos estruturais,

programáticos e de atendimento. No plano não há expressivas referências

à estruturação de propostas pedagógicas, evidencia-se, prioritariamente,

a necessidade de atender a população de “baixa renda”, buscando

compensar as diferenças dessas crianças em relação às que, supostamente,

possuíam maiores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento,

por conta de uma maior renda familiar. Em 1981, tem-se o primeiro currículo organizado pela

Coordenação de Educação Pré-escolar com a colaboração das diretoras e

11 Quando me referir a Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Social utilizarei a sigla

SESAS.

53

professoras das unidades existentes até aquele ano. Nesse documento, o

conceito de currículo é definido como “ambiente de ação” (SESAS, 1981,

p. 02), apoiando-se nas vivências espontâneas da criança, ou seja, tudo o

que cerca a criança constitui-se como matéria para o currículo. Dentre os

objetivos deste documento, um deles preocupa-se com o

“Desenvolvimento da capacidade criadora da criança” (SESAS, 1981, p.

03), sem indicação específica a alguma linguagem artística.

Para as crianças de até 03 anos, dentre as indicações de trabalho

apontadas, a “dramatização” é elencada como possibilidade recreativa.

Para os maiores (03 e 06 anos) a indicação era trabalhar a comunicação e

expressão, ampliando o seu convívio social. Neste período [...] “evita-se

o ‘dirigismo’, o que significava que o educador não podia orientar uma

atividade das crianças, que deveriam crescer de acordo com seu ritmo e

potencialidade individual” (SME, 1996, p. 09). Trata-se do período sobre

a influência dos conceitos de “livre-expressão” e espontaneísmo,

advindos com o movimento Escola Nova.

Ainda que não se tenha direcionamentos efetivos, perceber-se

que não são destacadas apenas as questões assistencialistas, mas inicia-se

um trabalho de estruturação da Educação Infantil como um lugar de

aprendizagem, ainda que ela seja pensada, nesse momento, como uma

preparação para o Ensino Fundamental e não como um momento único

no desenvolvimento da criança.

Um fato importante de ser pontuado é de que, também em 1981,

foi criado o curso de Pedagogia, com habilitação em Educação Pré-

escolar, na Universidade Federal de Santa Catarina, fato que veio a

contribuir com a formação de profissionais habilitados ao

desenvolvimento da rede municipal de Ensino Infantil de Florianópolis.

No ano de 1982, são encaminhadas às unidades apostilas

contendo sugestões de atividades a serem desenvolvidas dentro de

algumas datas comemorativas selecionadas, tais como: Carnaval, Dia

nacional da poesia, Páscoa, Dia das mães, Dia do índio, Festas juninas,

Semana do bombeiro, Dia dos pais, Dia do soldado, entre outras que

acabaram impregnando, durante anos, os planejamentos pedagógicos

desse segmento de ensino, sem, muitas vezes, questionar-se o significado

ideológico e cultural da escolha dessas datas.

54

2.2.1 A Divisão de Educação Pré-Escolar

A Lei Municipal 2.350, de 30 de dezembro de 1985, cria a

Secretaria Municipal da Educação (que até o momento era um

Departamento ligada à Secretaria de Saúde e Desenvolvimento Social) e

também a Divisão de Educação Pré-Escolar (DEPE). A nova Secretaria

lança um primeiro plano de ação para o Triênio que compreenderia os

anos de 1986 a 1988. Nesse período, a rede contava com 32 unidades de

Educação Infantil (08 creches e 24 NEIs).

Havia passado 09 anos desde a criação da primeira unidade e

somente neste momento houve uma organização que permitisse ampliar

as discussões acerca das especificidades da área, assim como, houve a

independência da Secretária da Educação de outros órgãos.

Dentre as 05 propostas elencadas no referido plano de ação destaca-se a

de número 04 referente à Educação Infantil “Atendimento ao pré-escolar

(garantia de atendimento público às crianças de 0 a 6 anos)” (SME, 1986,

p. 02). Com essa proposta apresentam-se alguns projetos como:

“Educação Pré-Escolar”, “Atribuições do supervisor multidisciplinar”,

“Formação de profissionais para a pré-escola”, “Aquisição de brinquedos

educacionais”, “Expansão e ampliação da Rede Municipal de Educação

Pré-Escolar”, “Psicologia de Educação Pré-Escolar”.

Em linhas gerais a proposta da DEPE12 era favorecer e incentivar

o desenvolvimento harmônico das potencialidades sócio afetivas, físicas

e intelectuais da criança, oportunizando a manifestação do senso crítico,

criatividade e autonomia para que se realizassem as expectativas próprias

de cada faixa etária. Há, nesse momento, uma filiação à teoria piagetiana

assim como ao Programa de Educação Pré-Escolar do MEC, comentado

no subcapítulo anterior.

No que diz respeito ao MEC, esse tratou de divulgar por todo o

Brasil o novo fenômeno na educação de crianças: a psicomotricidade.

Como representante de tudo que havia de mais atual nas discussões sobre

infância, ela seria uma das grandes soluções para os inúmeros problemas

que levavam ao fracasso educacional e, em sentido mais restrito, ao

fracasso da alfabetização. Para tanto, era preciso “treinar habilidades”:

esquema corporal, percepção temporal, lateralidade, equilíbrio, etc. Esses

conceitos passaram então a compor o discurso pedagógico a partir

daquele momento.

12 Utilizarei a sigla DEPE quando me referir e Divisão de Educação Pré-escolar.

55

Esse discurso acaba sendo apropriado por diferentes

“especialistas” que começam a disputar territórios no interior das

instituições – psicólogos, psicopedagogos, reeducadores e, também,

professores de Educação Física13, cada um desses colocando-se como

mais capacitado para trabalhar a “educação do movimento”.

O “Programa de Educação Pré-Escolar – Primeira Parte”,

lançado pelo DEPE de Florianópolis em 1988, tratava da primeira

sistematização de uma proposta político-pedagógica que viria a orientar a

atuação dos profissionais da rede. Essa proposta dialogava com o

“Programa de Educação Pré-Escolar – PROEPRE”, lançado pelo MEC, o

qual se pautava na teoria construtivista piagetiana. Dos princípios gerais

que norteavam o documento municipal encontra-se:

[...] o desenvolvimento infantil passa por estágios

diferenciados, dependentes entre si, quanto à

sequência de maturação biológica, decorrente da

interação do indivíduo e meio. Pode-se concluir daí

que a construção da inteligência depende da

organização interna do sujeito frente às

estimulações externas, onde as estruturas

cognitivas serão formadas (SME, 1988, p. 03).

Segundo Ostetto, a elaboração do citado programa “[...]

significou um avanço qualitativo para a educação pré-escolar municipal”

(2000, p. 134), principalmente porque defendeu claramente a função

pedagógica da pré-escola, reforçando o papel profissional dos educadores

de creches e NEIs.

Ao analisar essa proposta, percebi a existência de relações com

as linguagens artísticas estabelecidas ao longo de todo o documento,

justificando a necessidade delas na Educação Infantil por potencializarem

a sensibilidade, a ludicidade e a criatividade. Essas justificativas, de certa

forma, compõem os argumentos ainda hoje utilizados quando da proposta

de um projeto que se relacione com as Artes. Em geral os conteúdos

artísticos não são pontuados, assim como os conhecimentos e conceitos

específicos de cada linguagem artística. Como se pode observar na citação

abaixo:

As atividades de expressão artística são aquelas das

quais a criança representa a realidade e expressa

13 A partir de 1987 teve-se em Florianópolis a instituição de concurso público para o cargo de

professor de Educação Física na Educação Infantil.

56

suas emoções, sentimentos, vivências.

Considerando que afetividade e inteligência nunca

estão separadas, essas atividades proporcionam a

aquisição de conhecimento físico porque, ao

realizá-las, a criança manipula materiais com

textura, consistência, cores e formas diferentes [...]

(SME, 1988, p. 13).

O documento de 1988 retrata a imitação como um

comportamento natural e espontâneo da criança que lhe permite

desenvolver a função semiótica, assim como “[...] um meio através do

qual a criança se expressa e interage com os outros” [...] (1988, p. 16). O

texto indica a necessidade de se criar um ambiente propício para que a

criança imite espontaneamente, por meio de jogos e brincadeiras, e,

consequentemente, amplie sua capacidade de representação, sem,

entretanto, indicar a construção de saberes acerca desse processo, por

meio da linguagem teatral, por exemplo.

Após retratar a imitação, o texto aborda o jogo simbólico

equiparado ao “faz de conta” como uma maneira da criança representar a

realidade. Obrigada a adaptar-se constantemente ao mundo social dos

adultos e a um mundo físico que não compreende por completo, a criança,

segundo o documento, vale-se do jogo simbólico para satisfazer suas

necessidades intelectuais e afetivas, adaptando o real ao seu eu,

transformando-o em função de seus próprios interesses: “[...] através do

jogo simbólico a criança se expressa espontaneamente representando

diferentes papéis: papai, mamãe, filhinho, professor” (SME, 1988, p. 17).

O faz de conta como construção dramática não é pontuado.

Ao longo do texto são exemplificadas possibilidades de dramatização

com as crianças e de imitação a partir dos mais diversos estímulos,

atendo-se ao fato do desenvolvimento de aspectos afetivos, sociais,

cognitivos, lógico-matemáticos, simbólicos, perceptivo-motores, sem

associar essas atividades com a noção de “apresentação”, de construção

de um produto artístico.

Ao finalizar minha análise do documento de 1988, encontrei uma

referência que se relaciona com o método que tenho pesquisado junto a

Educação Infantil e que defendo nesta pesquisa. Ao tratar das

dramatizações espontâneas, o documento ressalta:

Essa forma de representação não pode ser

confundida com a dramatização intencional, que

supõe um planejamento prévio, escolha do tema a

ser dramatizado, organização de cenários e

57

materiais [...] todavia, essas dramatizações

constituem procedimentos úteis para o

desenvolvimento da função semiótica em geral

(SME, 1988, p. 17).

Em 1988, havia, portanto, uma observação de que há uma

diferença entre o jogo espontâneo e a atividade direcionada. Havia uma

identificação do desenvolvimento de jogos de faz de conta na rotina das

crianças, mas não apresentavam uma proposta que aproximasse tais jogos

da linguagem teatral e que ampliasse a experimentação espontânea das

crianças ao nível de uma experiência dramática intencional.

Com a nova gestão municipal (entre 1989-1992) pouco se fez em

termos de proposta de trabalho para a Educação Infantil. No documento

Estrutura Administrativa e Pedagógica (1990) orienta-se que a

organização do trabalho pedagógico passe a ser elaborada pela diretora de

cada unidade por meio de reuniões individuais, grupos de estudos,

encontros, seminários e cursos de formação e atualização, devendo

embasar-se no “Programa Menino quem foi teu Mestre”, do MEC, citado

no início deste estudo.

2.2.2 Desdobramentos após a LDB de 1996

Traduzindo em Ações: das diretrizes a uma proposta curricular

foi o nome de dois documentos lançados no ano de 1996, o primeiro

retratando procedimentos e diretrizes para a rede de Educação como um

todo e o segundo tratando especificamente da Educação Infantil. Esse

último foi lançado 08 anos após a elaboração da primeira proposta (de

1988), representando a síntese das diversas ações desencadeadas pelo

Movimento de Reorganização Curricular (MRC)14, dentre elas, a criação

de Grupos de Formação para profissionais de Educação Infantil. Cabe

ressaltar que foi o primeiro documento a fazer referência a dados

históricos do desenvolvimento da rede de Educação Infantil no município

de Florianópolis.

14 O Movimento de Reorientação Curricular (MRC) teve como objetivo fundamental a

participação de todos os profissionais da educação no processo de elaboração de um novo currículo para a Rede Municipal de Educação (escolas, creches e NEIs) apoiado na teoria

histórico-cultural de Vygotsky e suas apropriações pelo campo da Pedagogia. Portanto, o

documento lançado em 1996 é fruto de discussões, desejos e demandas apontadas pelos profissionais que atuavam diretamente com as crianças nas creches e NEIS, organizado,

posteriormente, pela equipe da DEPE – Departamento de Educação Pré-Escolar.

58

No que se refere a essa etapa de ensino, algumas indicações vão

delinear os rumos que a mesma tomaria a partir daquele momento. Dentre

elas, cito algumas que dialogam diretamente com o trabalho com as

linguagens artísticas:

[...] propiciar a presença da brincadeira como

atividade sócio-afetiva-cultural de experimentação

e possibilidade educativa, em todas as Creches e

NEIS [...] Organizar um ambiente saudável, que

possibilite a criatividade, a brincadeira, a

investigação científica, a racionalidade, a

imaginação e a expressão [...] considerando-se que

a IMITAÇÃO é uma forma importante e primeira

de aprendizagem na infância, faz-se importante que

o educador assuma-se como MODELO15 (SME,

1996, p. 18-19).

Há uma mudança de fundamentação teórica. Busca-se romper

com o construtivismo piagetiano, principal referência dos anos de 1980,

colocando em evidência a questão da aprendizagem, dos contextos

culturais e sociais das crianças e do papel do educador. Ao discutir-se a

função da linguagem, a apropriação e desenvolvimento dessa, pauta-se

em concepções da psicologia histórico-cultural de Lev Vygotsky.

A teoria vygotskiana propõe um estudo sócio genético do ser

humano; estabelece relações entre as condições biológicas,

principalmente nos aspectos neurológicos, e as questões dos contextos

social, histórico e cultural nos quais a criança está inserida na tentativa de

evitar reducionismos e simplificações de qualquer espécie. Segundo

Rego,

Vygotsky rejeita os modelos baseados em

pressupostos inatistas que pre-escrevem

características comportamentais universais do ser

humano, como por exemplo, as definições de

comportamento por faixa etária, por entender que o

homem é um sujeito datado, atrelado às

determinações de sua estrutura biológica e de sua

conjuntura histórica (REGO, 2013, p. 93).

Os interesses de Vygotsky pela psicologia originam-se na sua

preocupação com a origem da cultura. Por entender que o homem é o

15 As palavras destacadas em maiúsculo foram transpostas como apresentadas no texto original.

59

construtor da cultura, ele se contrapõe à psicologia clássica que, segundo

sua visão, não respondia adequadamente aos processos de individuação e

aos mecanismos psicológicos dos sujeitos. Como aponta Rego “[...] a

Psicologia (particularmente a que se ocupa do desenvolvimento) não tem

grande poder de generalização, já que se circunscreve a determinadas

características profundamente relacionadas à dimensão cultural e

histórica do grupo tratado” (2013, p. 94), portanto, as dimensões

sociológicas, culturais e históricas ganham maior ênfase nas novas

propostas pedagógicas.

A psicologia histórico-cultural defende que todo organismo é

ativo no processo de construção de conhecimentos e estabelece contínua

interação entre as condições sociais, que são variáveis, e a base biológica

do comportamento humano. Vygotsky observou que o ponto de partida

são as estruturas orgânicas elementares, determinadas pela maturação, e

que a partir dessas bases formam-se novas e mais complexas funções

mentais, dependendo da natureza das experiências sociais da criança.

No que diz respeito ao documento de 1996, esse não trata mais

deste segmento de ensino como Educação Pré-escolar (termo usado nos

anos de 1980), mas, Educação Infantil. A brincadeira passa a ser o eixo

norteador das propostas de trabalho e é entendida como,

[...] uma atividade tipicamente infantil, social e não

inata. Na brincadeira a criança recria o mundo que

a cerca e apropria-se dos conceitos e valores de sua

cultura através dos diferentes papéis sociais que

assume e dos objetos que explora (SME, 1996, p.

21).

Segundo o documento, portanto, garantir que as crianças possam

brincar diariamente passa a ser fundamental para o desenvolvimento da

linguagem, para ampliação das interações com os ambientes físico e

humano que a cercam, entendendo esse espaço como uma atividade

socioeducativa que caracteriza e garante a experiência da infância. Não

se trata de uma brincadeira livre, mas de propostas que relacionem a

brincadeira à aprendizagem, utilizando a primeira como meio para a

segunda, dada a citada filiação à teoria vygotskiana.

O texto retrata que a unidade fundamental da brincadeira é o

papel assumido pelas crianças. “O papel revela sua natureza social, bem

como possibilita o desenvolvimento das regras e da imaginação” (SME,

1996, p. 22). Quando brinca a criança assume papéis que o seu nível de

desenvolvimento real não lhe permitiria; ser mãe, professora, trabalhar

60

em um salão de beleza ou dirigir um carro só lhe são possíveis no espaço

de representação e experimentação que a brincadeira possibilita, portanto,

a aprendizagem se dá de forma experimental, analógica, subjetiva e com

um fim em si mesma.

Ao tratar do papel do educador, entre outras indicações, o

documento afirma caber a esse as tarefas relativas à seleção e definição

dos temas e conteúdos a serem trabalhados, envolvendo a brincadeira,

desenvolvendo a expressão e a comunicação por meio das diferentes

linguagens expressivas e utilizando-se de contribuições das diferentes

áreas do conhecimento. Percebe-se uma exigência de que esse

profissional seja polivalente, que consiga abarcar em seu planejamento o

trabalhar com as diferentes linguagens, dentre elas as artísticas, assim

como utilizar-se de diferentes áreas do conhecimento, além de definir

temas e conteúdos a partir do contexto das crianças.

Se “[...] é o educador quem define e estrutura o campo da

brincadeira na sala de aula” (SME, 1996, p.25), consequentemente, o ato

de brincar será mais instigante e significativo dependendo justamente de

como o educador criará esses espaços, tempos, procedimentos e propostas

que permitam a instauração da brincadeira com intencionalidade

pedagógica. Uma brincadeira derivada de um planejamento aberto às

contribuições da criança, seguida de registro e avaliação do processo. No

documento aponta-se que:

[...] o educador seja elemento integrante das

brincadeiras, ora como observador e organizador,

ora como personagem que explicita ou questiona e

enriquece o desenrolar da trama, ora como elo entre

as crianças e os objetos. E, como elemento

mediador entre as crianças e o conhecimento, o

educador deve estar sempre junto a elas, acolhendo

suas brincadeiras, atento às suas questões,

auxiliando-as nas suas reais necessidades e buscas

em compreender a agir no mundo em que vivem

(WAJSKOP apud SME, 1996, p. 26).

Como se pode perceber na citação acima, há uma preocupação

com a instituição de um espaço lúdico na Educação Infantil e a indicação

de uma possibilidade de o educador metamorfosear-se em personagem16.

Gostaria de trazer à atenção ao fato de que, enquanto nas propostas

16 Aprofundarei essa estratégia metodológica quando for discutir os experimentos práticos desta

tese.

61

nacionais estas preocupações apareciam pouco ou sempre inibidas,

escondendo-se sob o chavão de “trabalhar o faz de conta”, em

Florianópolis havia indicações mais concretas de possibilidades de se

trabalhar com elementos da linguagem teatral. Cabe ressaltar que o

material foi criado pelos profissionais da rede sob a consultoria de Gisela

Wajskop, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP), naquele momento.

Educação Infantil: uma necessidade social foi um documento

lançado em 1999, como síntese das formações ocorridas com os

profissionais da Educação Infantil do município no ano anterior (1998) as

quais objetivavam refletir sobre a questão curricular na Educação Infantil,

o fazer pedagógico e os processos de apropriação do conhecimento em

diálogo com o RCNEI (1998), citado quando retratei os direcionamentos

nacionais. No que se refere às questões artísticas o documento afirma:

A instituição de educação infantil deve tornar

acessível a todas as crianças que a frequentam,

indiscriminadamente, elementos da cultura que

enriqueçam o seu desenvolvimento e inserção

social. Cumpre um papel socializador, propiciando

o desenvolvimento da identidade das crianças, por

meio de aprendizagens diversificadas, realizadas

em situações de interação (SME, 1999, p. 07).

A dramatização e a mímica, por sua capacidade de representação

de símbolos, signos, ações, papéis, aparecem no documento como

indicativos para colaborar com o processo de alfabetização na Educação

Infantil, ou seja, tem-se a indicação do trabalho com elementos da

linguagem teatral como meio para a assimilação de conteúdos e não com

um fim, pautando-se nas conquistas específicas que essa área do

conhecimento propicia e desenvolve. No texto intitulado “O Ensino de

Arte na Educação Infantil” (um dos artigos que compõe o documento de

1999) a autora Silvia Pilloto aborda a questão da alfabetização estética,

da leitura do objeto artístico e sua contextualização, centrando-se,

exclusivamente, na arte visual.

62

2.2.3 Novo século

Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis

lança o documento Subsídios para a Reorganização Didática da

Educação Básica Municipal, no qual se destaca que, para a Educação

Infantil, o objetivo era estabelecer princípios gerais que levassem em

conta a experiência acumulada pelos profissionais que vinham atuando

com as crianças, de forma a subsidiar a definição ou consolidação de

projetos pedagógicos em cada unidade.

O documento retoma os princípios indicados nas Diretrizes

Nacionais de 1999 e traz uma discussão que me parece interessante.

Ressalta que os documentos direcionadores para a Educação Infantil tem

privilegiado a visão que a Psicologia tem de criança e, nesse sentido,

acabam por estabelecer orientações de caráter instrumental que

predeterminam a ação da criança e, consequentemente, distanciam-se da

realidade de cada uma (e do contexto ao qual pertencem) na formulação

de propostas pedagógicas. Segundo Rocha, autora do documento:

Uma ‘Pedagogia da Infância’ e da ‘Educação

Infantil’ necessitam considerar outros níveis de

abordagem de seu objeto: a criança, em seu próprio

tempo, uma vez que se ocupa, fundamentalmente,

de projetar a educação destes ‘novos’ sujeitos

sociais (ROCHA, 2000, p. 28).

O texto de Rocha tratava ainda de dimensões da criança que se

relacionam com seu processo de desenvolvimento e aprendizagem as

quais devem ser levadas em consideração na elaboração de proposições

de trabalho neste segmento de ensino: “[...] a expressão, a sexualidade, a

socialização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia e a

imaginação” (2000, p. 28). Penso que o teatro, por ser uma linguagem que

tem a capacidade de agregar e inter-relacionar conhecimentos diversos,

pode dialogar com as dimensões abordadas por Rocha.

Ao pontuar essas dimensões a autora discute o espaço da

Educação Infantil como um lugar específico que não se pauta em

conhecimentos parcializados, resultantes da fragmentação em diferentes

disciplinas científicas – como acontece com o Ensino Fundamental – e

que, portanto, não se configura como um espaço preparatório para o nível

de ensino subsequente assim como não pode tomar esse como referência.

63

Não existem, pelo menos nesse momento, orientações

metodológicas sobre alguma área artística específica. Há indicações de

que os projetos educacionais busquem contemplar a totalidade da criança,

que se traduzem na exploração e consequente expansão de suas formas de

comunicação e interação, seus sentimentos, suas brincadeiras,

movimentos, imaginários, afetos, pensamentos, conhecimentos, por meio

da exploração de diferentes linguagens: faz de conta, jogos, teatro, música

e dança.

Pode-se perceber, portanto, que há uma clareza, pelo menos no

nível teórico, da potencialidade pedagógica do trabalho com as

linguagens da Arte, da capacidade agregadora e interdisciplinar que essas

podem obter junto aos pequenos no seu ambiente educacional. Destaco

ainda, que essas concepções são das diretrizes municipais e, portanto,

tratam dessa realidade específica. Há muito que se fazer para que essa

compreensão se expanda nacionalmente, assim como para que ultrapasse

a dimensão teórica do aprendizado, seja nos cursos de formação

continuada seja nas formações iniciais, tanto em Pedagogia quanto nas

Licenciaturas direcionadas à formação artística.

A publicação Formação em Serviço: partilhando saberes, vislumbrando novas perspectivas, de 2004, foi o resultado do processo de

formação permanente dos profissionais da Educação Infantil,

proporcionados durante o ano de 2001. Nesse período, foram realizados

debates, oficinas, seminários, visitas à instituições, entre outras atividades

formativas. No que diz respeito às linguagens artísticas (ou que

estabelecem relações com elas) foram oferecidas as seguintes oficinas:

“Diferentes linguagens: dança, música, gestual e teatral”, “Diferentes

linguagens: gráfica e produção plástica”, “O mundo da imaginação”,

“Corpo e movimento”.

Com a teoria histórico cultural embasando as concepções,

saberes e práticas municipais, a questão da experimentação e do trabalho

com as linguagens ganha mais espaço dentro das propostas pedagógicas,

num claro paralelo com as palavras de Wiggers:

Não podemos pensar que as crianças passam por

sequência de graus de elaboração e

desenvolvimento única e linear. [...] É fundamental

termos cautela com as práticas pedagógicas que

tomam por base o desenvolvimento de algumas

habilidades, sendo comum as que pretendem

aumentar a inteligência e a capacidade linguística

da criança e em que amostras do comportamento

64

são equivocadamente tomadas como referência de

comportamento para todas as idades (WIGGERS,

2004, p. 15).

Legitima-se a necessidade de planejar atividades pedagógicas

que coloquem os interesses e direitos da criança em primeiro lugar. Não

uma criança generalizada pelas teorias construtivistas, mas a criança

historicamente e culturalmente localizada, a criança que está em contato

com determinado professor o qual planeja e propõe atividades para um

grupo específico, dialogando a realidade concreta com os conhecimentos

historicamente acumulados.

O texto aponta para a articulação de propostas pedagógicas na

Educação Infantil a partir da observação de 04 eixos, seriam eles: o

atendimento das necessidades básicas da criança; o trabalho em projetos,

as brincadeiras e situações criadas pela criança a partir da estruturação do

espaço e do tempo e os ateliês ou oficinas.

Ao organizar a prática a partir de “projetos de trabalho”

pretendia-se levar em consideração os contextos sociais e culturais

específicos de cada grupo de crianças. Algo interessante dessa proposta,

segundo o documento, é o fato de que “[...] suas atividades usam de forma

especial diferentes linguagens por considerar que as crianças aprendem

melhor quando podem usar múltiplos sistemas simbólicos” (BATISTA;

WIGGERS, 2004, p. 66), organizando tempos e espaços que priorizem a

diversidade, a pluralidade, a corporeidade, a espontaneidade e as

múltiplas linguagens, como também o olhar sobre o “ser criança”.

No que diz respeito ao teatro, o texto específico sobre essa

linguagem esboça discussões que se aproximam do objeto de estudo da

presente pesquisa. Os autores apontam que:

[...] podemos afirmar que as crianças da educação

infantil encontram-se na fase do jogo simbólico e,

portanto, os jogos dramáticos, para elas, são o

centro das atividades relacionadas ao teatro, pois

ainda não tem consciência para estabelecer a

comunicação com quem as veem, mesmo que seus

jogos estejam sendo observados ou que participem

de uma apresentação (LUNA; RIBEIRO, 2004, p.

52).

O texto segue retratando o quanto é importante à criança

aprender a assistir apresentações teatrais. No que diz respeito ao trabalho

pedagógico, os autores indicam a possibilidade do professor regente ou

65

auxiliar criar personagens para interagir com as crianças dentro do

cotidiano da unidade, apontando que, para que essas ações aconteçam,

não são necessários muitos aparatos “[...] uma saia, um lenço, um pano

ou toalha de mesa, um chapéu ou outro adereço e o teatro já apareceu, de

uma forma simples, divertida e mágica [...] bastando um pouco de

preparo, imaginação e criatividade” (LUNA; RIBEIRO, 2004, p. 53),

apontando ações práticas de fácil acesso pelos profissionais dessa etapa

da educação. Tais apontamentos aproximam-se do método que proponho

nesta tese, mas cabe ressaltar não há indicações metodológicas no

documento municipal de 2004.

Em 2010, a Diretoria de Educação Infantil lançou as Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil, dividida em dois

blocos. A primeira parte composta por textos dos professores

conferencistas que trabalharam no ano de 2009 nas formações

continuadas realizadas junto à rede, a partir dos eixos temáticos

estabelecidos pela diretoria e a segunda parte trazendo relatos de

experimentos realizados pelos profissionais em suas unidades.

O documento identifica e indica três núcleos de ação pedagógica

para orientarem a prática docente dentro da rede. São eles: Linguagem:

gestual-corporal, oral, sonoro-musical, plástica e escrita; Relações sociais

e culturais: contexto espacial e temporal, identidade e origens culturais e

sociais; Natureza: manifestações, dimensões, elementos, fenômenos

físicos e naturais.

Diferente de um conteúdo curricular da escola tradicional, os

núcleos de ação pedagógica (NAPs) buscam delimitar conteúdos de ação

a partir dos quais o professor poderá desenvolver sua ação pedagógica,

ainda que, na prática, sobretudo com as crianças pequenas, essas

dimensões não apareçam isoladas.

Mesmo que o teatro, possivelmente, devesse se inserir no núcleo

das linguagens, não há uma indicação explícita ao trabalho com tal

linguagem no documento. Como nos demais documentos apresentados,

ele aparece sob o rótulo do faz de conta e da imitação, do trabalho com

dramatizações, encenação17 de papéis, sem discussões ou indicações que

possam ampliar a prática relativa a expressividade dramática da criança

em desenvolvimento.

17 A palavra “encenação” foi retirada do texto original e para a mesma, cabe um destaque. Trata-

se de um equívoco colocar a experimentação ou vivência de papéis que a criança realiza como

uma “encenação” dos mesmos. A palavra “encenação” pressupõe pôr-se algo em cena, comunicar por meio da linguagem teatral, apresentar um “produto” e não é esse o objetivo da

criança ao experimentar um papel em sua brincadeira.

66

Como as diretrizes estão sempre subordinadas às mudanças de gestão e

as diferentes concepções daqueles que as desenvolvem, sejam os

profissionais efetivos da rede ou aqueles de áreas específicas contratados

para escrever ou realizar formações, muitas vezes os ganhos teóricos (e

porventura, práticos) obtidos em um momento, podem ser perdidos no

período subsequente, foi o que aconteceu com a linguagem teatral.

Retrocede-se, em 2010, ao indicar apenas o trabalho com teatro

de fantoches (MELLO, 2010, p. 49) e, ainda assim, como auxiliar ao

processo de desenvolvimento da linguagem oral. Ainda no mesmo texto,

o faz de conta é citado como um mecanismo para que a criança

compreenda a função simbólica, a função de representação de algo, que

auxiliará, segundo a autora, no processo de leitura e escrita – uma vez

que, assim como “[...] esse paninho é o manto da princesa” (MELLO,

2010, p. 49), uma palavra representa uma fala, que por sua vez representa

a realidade, ou seja, usa-se um objeto para representar outro.

Ainda no mesmo texto, o faz de conta é, equivocadamente,

indicado para a formação da autodisciplina na criança.

[...] só o faz-de-conta – a atividade lúdica – é capaz

de formar a autodisciplina nas crianças dessa idade.

Ao imitar os adultos no faz-de-conta, a criança

imita seus comportamentos, muito mais

autocontrolados que o comportamento infantil

(MELLO, 2010, p. 50).

Outros textos, entretanto, trazem algumas contribuições

interessantes. No texto “Educação Infantil, arte e criação: ensaios para

transver o mundo” a professora Luciana Ostetto inicia sua contribuição

teórica questionamento o suposto “fazer artístico” nesse espaço de ensino,

em geral pautado em “[...] ensaiar uma dancinha, ou teatrinho, para

apresentação aos pais; [...] confeccionar lembrancinhas para datas

comemorativas” (OSTETTO, 2010, p. 54). Como contraponto a essas

práticas, Ostetto defende uma educação estética a partir da

disponibilização de repertórios (imagéticos, musicais, literários, cênicos,

fílmicos). Cabe ressaltar que seu texto centra-se na discussão das imagens

(repertório visual) que compõem os espaços educativos.

O professor Maurício da Silva (2010), em seu texto, acrescenta a

linguagem cênica, dentro do núcleo das linguagens, ainda que seja apenas

uma indicação pessoal. E dentre os eixos possíveis de se trabalhar, cita

jogos de imitação ou simbolização e atividades de expressão corporal e

dramatização. Seu texto discute, fundamentalmente, a cultura corporal

67

infantil na sociedade. Ao tratar da criança na Educação, o autor afirma

que:

[...] a cultura corporal poderá possibilitar ao

sujeito-criança, ao mesmo tempo, aprender com a

história, com os livros, com o cinema, com a

música, com a dança, com o teatro, enfim, com as

diferentes linguagens da arte, com a cultura local e

universal construída pela humanidade (SILVA,

2010, p. 85).

Por fim, em 2012, foi organizado um documento orientador

contento indicações específicas para cada Núcleo de Ação de Pedagógica

(NAP), o qual foi distribuído no fim do primeiro semestre de 2013,

intitulado Orientações Curriculares para a Educação Infantil.

Em paralelo à elaboração do documento foram organizadas

formações com os profissionais da Educação Infantil. Tais formações

foram realizadas por professores que discutem as linguagens específicas

nesse segmento de ensino ou que se aproximam do mesmo, dada a

dificuldade de se encontrar pesquisadores com experiências práticas

relativas às linguagens na Educação Infantil. Como fui convidado a ser o

consultor (formador) da linguagem corporal, tive acesso ao documento

citado, ainda em 2012, e transponho as indicações referentes ao trabalho

teatral.

A primeira referência relativa ao teatro aparece no texto que trata da

linguagem oral-escrita, a qual recomenda o trabalho com essa linguagem

da seguinte maneira:

Contar e recontar histórias com auxílio de:

transparências e retroprojetor (ilustrações dos

livros projetadas em dimensões variadas,

ilustrações das histórias criadas pelas próprias

crianças), fantoches, dedoches, teatro de sombras

(com imagens criadas pela disposição das mãos,

com bonecos e /ou objetos, com o corpo todo)

(SME, 2012, p. 113).

Além do apontamento citado, o trabalho com o faz de conta (e

não teatro) é citado no núcleo relativo às relações com a natureza e

também no das relações com a matemática, em geral, comentando como

os conhecimentos e descobertas realizadas pela criança alimentam seu faz

de conta, assim como diferentes incentivos materiais (organização de

68

espaços, materiais diversos disponíveis à criança) podem contribuir com

esse espaço de brincadeira lúdico-dramática.

No texto relativo ao teatro, inserido no documento que trata do

“Núcleo das linguagens”, especificamente no eixo da linguagem “sonoro-

corporal”, retrata-se o modo como as histórias infantis, produzidas pelas

crianças, nascem a partir das descobertas do seu corpo e seus movimentos.

Os movimentos e o corpo expressivo expandem-se com a capacidade

imitativa ampliando o repertório corporal e simbólico, que alimentará sua

brincadeira de faz de conta e, caso essa seja ampliada a partir de uma

relação profícua com elementos da linguagem teatral, a partir de

experimentações dramáticas, poderá transformar-se em teatro.

Sobre esse aspecto o texto cita Santos ao expor que “[...] a espontaneidade

e a improvisação do faz-de-conta vão aos poucos ‘virando’ teatro,

adquirindo novos significados que passam a ser intencionalmente

compartilhados, comunicados para uma plateia” (SANTOS apud SME,

2012, p. 177) e, portanto, o trabalho com a linguagem teatral começa a

ganhar novos contornos.

No momento em que eu realizava as formações, iniciava esta

pesquisa de doutorado, buscando exatamente contribuir com a passagem

do faz de conta à linguagem teatral, pensando em maneiras de oferecer

subsídios teóricos e práticos tanto aos profissionais da Educação Infantil

quanto aos do Teatro para a proposição de trabalhos com essa linguagem

que pudessem ser significativos para as crianças, trabalhos que

contribuíssem com a formação ética, estética e artística delas.

Como, entretanto, estruturar um modelo de trabalho com a

linguagem teatral na Educação Infantil que não virasse fórmula, que não

se constituísse como uma metodologia fechada, um sistema rígido a ser

repetido, muitas vezes de forma descontextualizada? As preocupações

com o processo de compreensão das estruturas da linguagem teatral

misturavam-se às minhas preocupações com o contexto histórico, social

e cultural das crianças.

As indicações ao trabalho teatral com crianças pequenas, como

destaquei neste capítulo, são, em geral, muito vagas e restritas a um

determinado gênero teatral, sobretudo ao teatro de formas animadas (aos

bonecos, principalmente) como se pode visualizar no trecho seguinte,

retirado do documento de 2012:

As possibilidades de proposições em relação ao

teatro são inúmeras como o de formas animadas –

ou teatro de bonecos/fantoches, nos quais podemos

incentivar as crianças a criarem seus próprios

69

bonecos e explorar os modos de manipulação dos

diferentes bonecos; o teatro de sombra, de vara e de

máscara, [...]. Nessas proposições, devemos

selecionar ou criar histórias e encená-las com as

crianças, inclusive de diferentes grupos?

Oferecendo todas as condições para que elas

assumam, além da representação, a direção da

dramatização, a organização de cenários figurinos,

sempre podendo contar com nosso auxílio,

respeitando as possibilidades e os seus pontos de

vista (SME, 2012, p. 179).

Ao finalizar a análise dos documentos, percebi que não houve,

em momento algum, indicações à criação de espetáculo teatrais com as

crianças. Pergunto-me, então, como surgiu o hábito de pensar o trabalho

com a linguagem teatral a partir da montagem de peças? Se as atividades

pedagógicas, teoricamente, pautam-se nas orientações indicadas pela

Secretaria da Educação e essa, desde a elaboração do primeiro programa,

em 1988, não apontou a realização de apresentações artísticas como um

aspecto a ser trabalho na Educação Infantil, por que muitos profissionais

quando pensam o trabalho pedagógico com as linguagens artísticas o

relacionam, geralmente, com a criação de um produto? Arrisco-me a

pensar que essa prática venha de uma incipiente formação desses

profissionais nas diferentes linguagens artísticas, assim como de uma

incipiente experiência como espectadores, atrelada a uma pressão

realizada pela escola e pelos pais por um produto que, muitas vezes, não

corresponde a experiência desenvolvida nas aulas, nos jogos, nas

brincadeiras, nas dramatizações etc.

Na busca pela estruturação de uma proposta de trabalho com a

linguagem teatral na Educação Infantil, que fugisse das práticas centradas

na realização de montagens, encontrei no Drama uma possibilidade de

diálogo. Ao estudar e buscar compreender os fundamentos desse fazer

teatral, as estratégias das quais tal método se utiliza e as convenções que

propõe na criação de um processo de experimentação dramática com os

participantes, comecei a perceber proximidades com algumas práticas

realizadas no ensino infantil, ainda que, nesse contexto, elas se

apresentassem muitas vezes de forma desarticulada, sem uma estrutura

que relacionasse as ações desenvolvidas pelo professor. Esse método,

bem como suas estratégias e a maneira como penso suas proximidades

com a Educação Infantil, serão abordados no capítulo seguinte.

Como pesquisar uma proposta de inserção da linguagem teatral

na Educação Infantil a partir do Drama se eu não sou professor desse

70

segmento? Por ser diretor de um grupo de teatro formado exclusivamente

por profissionais da Educação Infantil, iniciei um trabalho com o citado

grupo, inserindo, aos poucos, algumas estratégias do Drama na concepção

do novo espetáculo e indicando algumas possibilidades de trabalho com

a linguagem teatral com suas crianças, enquanto eu amadurecia a proposta

desta tese.

Para finalizar a compreensão dos princípios e propostas a partir

dos quais me embaso para este estudo, bem como das experiências

práticas que me levaram ao desenvolvimento da presente pesquisa,

apresento, a seguir, a Trupe da Alegria – grupo teatral e de formação,

composto, exclusivamente, por profissionais da Educação Infantil do

município de Florianópolis.

2.3 TRUPE DA ALEGRIA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES-

ARTISTAS EM FLORIANÓPOLIS

Uma proposta de educação infantil em que as crianças desenvolvam,

construam/adquiram conhecimentos e se tornem autônomas e cooperativas

implica pensar a formação permanente dos profissionais que nela atuam. Como

os professores/educadores favorecerão a construção de conhecimentos se não

forem desafiados a construírem os seus? Como podem os

professores/educadores se tornar construtores de conhecimentos quando são

reduzidos a executores de propostas e projetos de cuja elaboração não

participaram e que são chamados apenas a implantar?

(Sônia Kramer)

Como trabalhar com as crianças a expressividade corporal, as

relações com seu corpo, relações com o corpo do outro, relações do corpo

com o espaço, se meu corpo (de professor) não possui um repertório a

oferecer? Se não exploro as possibilidades expressivas do meu corpo?

Como posso saber quais sensações são causadas no corpo quando se

realiza algum movimento criativo, quando se põe a dançar, quando se

lança em uma atividade criadora, se eu (professor) não me permito fazer

essas atividades? Como convencer a criança que uma prática corporal,

expressiva, teatral é importante, se não dou importância para tais práticas

na minha vida? Como incentivar uma criança a ir ao teatro se eu

(professor) não frequento esse espaço e não tenho essa prática como um

71

hábito em minha vida? Eu posso trabalhar com Artes se nunca estudei ou

experimentei suas linguagens?

Essas e outras tantas perguntas me perseguem sempre que penso

as práticas artístico-pedagógicas desenvolvidas na Educação Infantil. Não

porque considero que os pedagogos não tenham “capacidade” de

desenvolver um trabalho consistente e pautado em discussões e pesquisas

atualizadas sobre o ensino de teatro (ou dança, ou música, ou artes

visuais), mas porque tenho ouvido, nas formações de professores que

realizo, os profissionais relatarem a carência, em sua formação inicial, de

disciplinas e práticas que lhe deem embasamento para trabalharem com

as linguagens artísticas.

Ao mesmo tempo, percebo que muitos estudos acadêmicos em

teatro estão distantes da atuação dos profissionais da Educação Infantil (e

de outros segmentos da educação também), deixando de contribuir com o

processo formativo desse pedagogo e da criança com a qual ele trabalha

cotidianamente.

Nesta distância entre teoria e prática, nós, profissionais do

Teatro, pesquisadores e professores desta linguagem, deixamos de

dialogar com a área da Pedagogia que necessita de profissionais

específicos para pensar e estruturar conjuntamente suas práticas e, ao

mesmo tempo, deixamos de usufruir dos conhecimentos que aqueles

profissionais tem para trocar conosco a partir de seu trabalho cotidiano

com as crianças.

Penso que essa relação de intercâmbio de informações e saberes

é fundamental para o crescimento de ambas as áreas. Muitas das teorias e

pressupostos sobre o trabalho artístico com crianças são repensados

quando em diálogo com os pedagogos ou são postos em “cheque” pelas

próprias crianças no momento em que essas intervém no processo

artístico-pedagógico em desenvolvimento, fazendo com que

procedimentos sejam questionados e ampliando as possibilidades

metodológicas.

Ancorado nesses questionamentos e nessas reflexões propus, em

2010, por conta da realização do meu mestrado em Teatro, a criação de

um grupo de profissionais da Educação Infantil interessados em participar

de uma formação à linguagem teatral. Como resultado do processo

criamos a Trupe da Alegria e apresentamos o primeiro espetáculo Uma

Creche Divertida e Colorida, este pautado na exploração de elementos

que estruturavam a Commedia dell’arte18.

18 Para maiores informações sobre o processo consultar: PEREIRA, Diego de Medeiros.

Commedia dell’arte e educação infantil: um processo de formação de professores. 2011. 204f.:

72

Após o término da pesquisa, a Trupe de Alegria deixou de ser o

nome de um grupo que estava apresentando a conclusão de uma oficina

de formação à linguagem teatral e passou a nomear um grupo de teatro

formado por profissionais da Educação Infantil. Percebíamos que o que

unia o grupo não era a questão de serem profissionais vinculados à

prefeitura; o que passou a unir o grupo foi o fazer teatral.

Gerou-se um compromisso com a educação e com a ampliação

do contato das crianças com o universo do teatro, seja através da

possibilidade de assistirem a um espetáculo criado especialmente para

elas ou por meio das propostas com a linguagem teatral que esses

profissionais passaram a realizar com suas crianças, no cotidiano das

creches, por conta de sua experiência com o teatro. .

Esse é um aspecto importante de se destacar sobre o trabalho da

Trupe da Alegria. Eu sou um professor de teatro que assumi a direção de

um grupo, não de atores (no sentido profissional do termo), mas de

profissionais da Educação Infantil (que hoje são atores também) que tem

consciência e conhecimento do desenvolvimento das crianças. A

experiência prática desses professores com as crianças influencia as

escolhas artísticas e estéticas da Trupe e o trabalho com a Trupe amplia

as possibilidades pedagógicas de tais profissionais em relação ao teatro.

Em 2011, incorporamos novos integrantes ao grupo, ampliando

o número de participantes de 14 para 20. A proposta, nesse segundo ano,

era criar um espetáculo a partir de alguns “tipos” brasileiros e da estética

do Teatro de Revista brasileiro19. Uma das participantes trouxe-me um

livro, Brasil: histórias, costumes e lendas20, o qual retratava, com riqueza

de detalhes, os “tipos” de cada região brasileira, seus costumes,

vestimentas, danças típicas, manifestações culturais, culinária, etc. Passei

a utilizar o termo “pré-texto” para esses materiais que serviriam de base

para a nossa criação. A partir do livro escolhemos os “tipos” que seriam

retratados na “história” e os atores com seus “tipos” foram divididos em

núcleos para trabalharem juntos no processo de pesquisa de materiais e

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro Sociedade e Criação Cênica, Florianópolis, 2011. 19 Espetáculo ligeiro, misto de prosa e verso, música e dança, faz, por meio de inúmeros quadros,

uma resenha, passando em revista fatos sempre inspirados na atualidade [...] algumas

características lhe são típicas e quase sempre presentes [...]: sucessão de cenas ou quadros bem distintos; a atualidade; o espetacular; a constante intenção cômico-satírica; a tendência em

utilizar um fio condutor; a rapidez de ritmo. (VENEZIANO, 1996, p. 28). O “fio condutor” é um

enredo que une as cenas ou quadros buscando um encadeamento entre as ações e fatos desenvolvidos em cena. Cabe ressaltar que é a existência de um fio condutor simples no Teatro

de Revista que possibilita a existência de tipos tão distintos num mesmo contexto. 20 De autoria de CARTA, ALZUGARY e FASANO (s/d).

73

criação das cenas; obviamente que se tratou de um recorte de algumas

culturas regionais, dado a diversidade brasileira e a multiplicidade de suas

manifestações culturais.

Aprofundava-se a capacidade criativa e criadora dos professores-

atores ao mesmo tempo em que esses percebiam novas maneiras de

compor uma cena, fugindo do modo habitual com o qual se costuma

trabalhar com a linguagem teatral nas creches – em geral reproduzindo as

histórias clássicas da literatura infantil. Propus que construíssemos o

espetáculo em um sistema de colaboração. No processo colaborativo

proposto, os professores-atores, divididos em núcleos de acordo com as

regiões que iriam representar, seriam também pesquisadores e

levantariam materiais cênicos. Nesse formato de construção de cena suas

intervenções passaram a ser fundamentais na criação da dramaturgia,

cumprindo uma função central na concepção do espetáculo, porque além

de proporem materiais, discutíamos conjuntamente os “rumos” do

trabalho como um todo.

Após o trabalho de conjugação dos materiais e de junção dos

núcleos em um enredo simples (típico da Revista), elaboração de

coreografias, ensaio das músicas, criação de cenas, figurinos, cenários,

chegamos à conclusão do nosso segundo espetáculo Brasil de Todas as

Cores, apresentado em 16 unidades da Educação Infantil (no ano de

2011), o dobro de apresentações em relação ao primeiro espetáculo.

Acredito que com as apresentações rompemos, tanto nos atores quanto

nos professores que assistiram ao espetáculo, com o “mito” que é

retratado no RCNEI de que

[...] propostas e práticas escolares diversas que

partem fundamentalmente da ideia de que falar da

diversidade cultural, social, geográfica e histórica

significa ir além da capacidade de compreensão das

crianças têm predominado na educação infantil.

São negadas informações valiosas para que as

crianças reflitam sobre paisagens variadas, modos

distintos de ser, viver e trabalhar dos povos,

histórias de outros tempos que fazem parte do seu

cotidiano. (RCNEI, 1998, p. 165-166).

Em 2012, o grupo decidiu seguir apresentando o espetáculo

Brasil de Todas as Cores, entretanto, elaboramos um novo projeto

intitulado Um dia com a Trupe da Alegria que consistia em: no período

matutino apresentarmos o espetáculo para as crianças e no período

74

vespertino oferecermos experimentações para elas e para os profissionais

da unidade que estivessem nos recebendo em formato de oficina coletiva.

As apresentações e experimentações foram realizadas ao longo

do ano de 2012, a cada 15 dias, totalizando 16 visitas. O contato direto

com as crianças nas experimentações (seus comentários, críticas,

envolvimento, identificações) assim como o diálogo com os profissionais

de cada unidade visitada (relatando e discutindo suas experiências com

teatro na Educação Infantil, em suas unidades, na sua formação

acadêmica) serviram, também, como fonte de reflexão para que eu

pudesse estruturar a presente pesquisa.

As experimentações funcionavam da seguinte forma:

organizávamos cinco “cantos” distribuídos pela creche: o canto dos

aromas e sabores, canto dos sons, ritmos e danças, canto para fingir ser

outro, canto das brincadeiras e artes visuais e canto das histórias. As

crianças entre 03 e 06 anos podiam circular livremente pelo espaço e

escolher qual canto gostariam de participar ou podiam escolher ficar no

parque ou ir e voltar do parque à oficina, elas tinham essa liberdade.

Os profissionais da unidade que nos recebia ficavam em outro

espaço realizando uma oficina conduzida por mim e por um membro da

Trupe (que mudava a cada duas semanas – neste momento eles tinham a

possibilidade de compartilhar sua experiência na Trupe com outros

profissionais e conduzir jogos e exercícios). As crianças menores de 03

anos circulavam com seus professores, por conta da referência e

dependência que possuíam em relação a eles.

Dentre vários aspectos que busquei explorar quando propus as

oficinas coletivas – autonomia da criança, experimentação de atividades

que se relacionassem com a linguagem teatral em formato de oficina,

diversificar as atividades realizadas na Educação Infantil, entre outros –

interessava-me experimentar o professor como personagem

desenvolvendo as atividades com as crianças.

Queria perceber a manutenção do personagem e as possibilidades

de trabalhar com esse lugar duplo, “professor e personagem”, estratégia

utilizada pelo método do Drama e que, antes de propor que a Trupe

trabalhasse com tal método – o que veio a se configurar como a base desta

pesquisa de doutorado – eu buscava a familiaridade dos professores com

esta ou aquela estratégia, sem a imposição e o conhecimento, pelo menos

naquele momento, de que se tratava de uma “preparação” para a proposta

que realizaríamos no ano seguinte.

Ao longo de 2012, o grupo passou a estudar textos relacionados

ao fazer teatral, buscando discutir sua prática em diálogo com discussões

da Pedagogia do Teatro, dentre esses materiais, alguns relativos ao

75

método do Drama. Ainda em 2012, foram selecionados outros

participantes que passariam a compor o elenco do novo espetáculo,

construído em diálogo com a presente pesquisa, bem como,

desenvolveriam os processos de Drama que serão apresentados e

discutidos no terceiro capítulo deste trabalho.

O processo de formação que culminaria na elaboração e

realização dos processos de Drama que serão apresentados e analisados

nesta tese, teve início, portanto, no segundo semestre de 2012. Para que a

pesquisa não se distanciasse do contexto pedagógico do município,

buscamos dialogar com os Núcleos de Ação Pedagógica desenvolvidos

pela Diretoria de Educação Infantil de Florianópolis, esses resultantes de

um processo de discussão e produção bibliográfica acerca de

direcionamentos para a elaboração de propostas pedagógicas na rede

municipal.

O percurso da Trupe da Alegria tem demonstrado o desejo desses

profissionais de ampliarem seus horizontes de conhecimento, de

estabelecerem diálogos com diferentes áreas, de contribuírem

efetivamente com a elaboração de propostas de trabalho que possam

qualificar o seu fazer pedagógico.

2.4 ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE SE

TEM DITO?

Para finalizar este capítulo, no qual busco estabelecer o contexto

da presente pesquisa, trago pesquisadores da área teatral que são

frequentemente utilizados como referência em trabalhos que tratam do

ensino do teatro na Educação Infantil. Cabe ressaltar que alguns desses

autores desenvolveram seus trabalhos especificamente com crianças da

Educação Infantil nos últimos 10 anos enquanto outros são referenciados

mesmo que não tenham se dedicado particularmente à faixa etária

correspondente a essa etapa da educação básica.

Na observação das fundamentações teóricas que tem embasado

projetos de estágio dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Teatro que

propunham a realização de um trabalho teatral com crianças da Educação

Infantil, bem como, por meio da análise de propostas curriculares

direcionadas a este segmento de ensino, deparei-me com algumas obras

que se repetiam.

Com o objetivo de estabelecer bases teóricas que possam servir

tanto como revisão bibliográfica sobre o assunto quanto como um meio

76

para a compreensão do modo pelo qual os pesquisadores da Pedagogia do

Teatro tem refletido sobre a presença dessa linguagem na Educação

Infantil (assim como sobre o fazer teatral para crianças) tratarei de expor

os principais conceitos e autores que se relacionam ao tema.

Usando como referência o tempo cronológico para a

apresentação das obras, inicio elencando a obra O Jogo Dramático Infantil, de Peter Slade21, traduzida por Tatiana Belinky em 1978, sendo

o original, An Introduction to Child Drama, de 1958. Nessa obra o autor

apresenta, de forma resumida, os conceitos presentes em Child Drama,

de 1954. Slade apoia suas reflexões e exposições teóricas nos trabalhos

experimentais desenvolvidos durante décadas com crianças de diversas

faixas etárias, na Inglaterra.

Pautado em um modelo espontaneísta de desenvolvimento da

capacidade dramática da criança, o autor utiliza a expressão jogo

dramático (dramatic play) para caracterizar o faz-de-conta infantil,

desenvolvido nos primeiros anos de vida da criança.

O faz-de-conta é entendido como a capacidade espontânea de

jogar e dramatizar que a criança desenvolve de forma natural. Com o

passar dos anos o faz-de-conta gradativamente deixa de existir, em função

dos progressos conquistados pela criança em direção ao pensamento

abstrato.

Para Slade o drama, no sentido original da palavra significando

“ação”, constitui-se a partir das tentativas emocionais e físicas da criança

em descobrir a vida e a si mesma; a prática repetitiva dessas tentativas

caracteriza o jogo dramático.

Nas palavras do autor, “o Jogo Dramático Infantil é uma forma

de arte por direito próprio; não é uma atividade inventada por alguém,

mas sim o comportamento real dos seres humanos” (SLADE, 1978, p.

17). Aponta ainda que o ato de jogar é inato ao ser humano, mas isso não

significa que a criança esteja fazendo teatro no sentido adulto (e

tradicional, acrescento) do termo, pelo contrário, ao jogar a criança

trabalha sua autoexpressão, sem preocupar-se com a comunicação – fator

inerente ao teatro.

Teatro significa uma ocasião de entretenimento

ordenada e uma experiência emocional

compartilhada; há atores e público, diferenciados.

Mas a criança, enquanto ainda ilibada, não sente tal

diferenciação, particularmente nos primeiros anos

21 (1912-2004), escritor e dramaterapeuta inglês e um dos pioneiros no estudo da dramatização

realizada pelas crianças.

77

de vida – cada pessoa é tanto ator como auditório

(SLADE, 1978, p. 18).

Slade chega a um estudo da evolução do jogo dramático de

acordo com as faixas etárias. Diferencia, por exemplo, o “jogo projetado”

(realizado por crianças mais novas) como um drama no qual a criança se

utiliza de sua mente, mas o corpo não é usado de forma total, há o

predomínio das mãos, da voz e utilização de instrumentos (que por vezes

“ganham vida”). Desses jogos, pode-se esperar, segundo o autor, o

desenvolvimento posterior das capacidades de concentração, observação,

paciência, organização e outras atividades que requeiram tais habilidades.

Para esse autor crianças ao redor de 05 anos, entretanto, lidam

com o “jogo pessoal” – o drama óbvio, no qual o corpo inteiro é usado.

Ocorre a representação de papéis (pessoas imaginadas, animais ou

coisas), desenvolvendo um controle pessoal e domínio do corpo. Na

proporção em que a criança cresce e habitua-se a trabalhar com jogos

dramáticos, aparece, gradativamente, a vontade da utilização de um palco

e da peça escrita.

Entre 09 e 11 anos o jogo dramático infantil aproxima-se mais

do teatro, nesse período o autor indica o trabalho com “improvisações”

diversificadas a partir dos materiais que emanam do próprio grupo e, ao

redor dos 13 anos, poder-se-ia trabalhar com peças dramáticas. Cabe

ressaltar que a passagem do jogo dramático infantil às improvisações e,

consequentemente, a noção e compreensão do teatro, enquanto fenômeno

artístico projetado para um exterior (plateia), deve ser cuidadosamente

conduzida pelo professor.

Pupo traz uma contribuição ao contextualizar a obra de Slade no

meio educacional brasileiro:

Amplamente divulgado em nosso país, esse livro

preconiza uma progressão cuidadosa para a

abordagem não do teatro propriamente dito, mas da

dramatização. Segundo Slade, a arte teatral,

fundamentada na artificialidade, em nada pode

contribuir para a educação de crianças e jovens [...]

Subjaz à proposta de Slade uma visão datada da

cena. Ao identificar a arte teatral com a convenção

e a rigidez nos moldes de um determinado teatro

vigente na época em que escreveu, o autor

considera essa arte incompatível com uma

perspectiva educacional (PUPO, 2005, p. 221-

222).

78

Segundo Slade,

O palco destrói o jogo dramático infantil porque as

crianças tentam meramente copiar o que os adultos

chamam de teatro. Elas não são bem sucedidas

nisso, e essa não é a sua maneira de representar.

Elas precisam de espaço e não tem necessidade de

serem envolvidas nas complicadas técnicas de uma

forma artificial de teatro (SLADE, 1978, p. 97).

Acredito que um profissional consciente das potencialidades

criativas da criança e das necessidades postas ao seu desenvolvimento,

assim como de referências teatrais diversificadas pode se pautar em

propostas teatrais contemporâneas para a ampliação das experiências

lúdicas do seu grupo. Não há dúvidas de que qualquer atividade imposta

distancia a criança de sua espontaneidade e cria bloqueios, situações

embaraçosas (em que a criança não quer se “apresentar”, por exemplo, e

o professor tenta obrigá-la porque os pais estão na plateia querendo

assistir ou porque é o “trabalho” do professor que está sendo exposto).

Pautar-se em um modelo de trabalho com o teatro que busca a

“montagem” de “pecinhas” para a apresentação nas festas escolares

pouco ou nada contribui para construção da linguagem teatral. Esse

modelo imposto e tradicional de representação inibe a capacidade criativa

da criança e transforma a brincadeira dramatizada, naturalmente

divertida, em uma atividade morosa. É justamente esse modelo

impositivo utilizado no período em que escreveu sua obra (anos 1960)

que Slade critica e, portanto, afirma a impossibilidade de se trabalhar com

a linguagem teatral com a criança.

Penso que o professor possa sim enriquecer o jogo dramático

infantil com materiais teatrais e que se de uma proposta de

experimentação lúdica resultar uma experiência passível de ser

compartilhada com outras crianças e pessoas, que seja feita, respeitando

os limites e desejos da própria criança. Para tanto, esse profissional

necessita de uma formação à linguagem teatral que o leve a percepção de

que o teatro enquanto produto artístico encontra-se em um “terreno”

diferente do teatro como atividade pedagógica e que as experiências contemporâneas na área teatral tem buscado romper com as convenções

tradicionais de ator e plateia, palco e público, da ênfase em um texto a ser

apresentado, entre outros aspectos. Outras possibilidades existem e

79

necessitam dialogar com o meio escolar para que se diminuam as

distâncias entre o teatro produzido dentro e fora da escola.

Outra autora frequentemente referenciada é Viola Spolin22 e sua

obra Improvisação para o Teatro, traduzida por Ingrid Koudela e

Eduardo José Amos em 1979 sendo a obra em inglês, Improvisation for

the Theater, de 1963. Segundo os tradutores, essa obra influenciou o

teatro americano de vanguarda na década de 1960 ao se dirigir a

professores, diretores de teatro (para crianças e adultos) e amadores em

geral23.

Na nota de tradução os autores enfatizam que a maioria das

palavras instrumentais empregadas por Spolin são emprestadas da

terminologia esportiva, uma vez que seu sistema foi inspirado no trabalho

de Neva Boyd24 com jogos recreativos em Chicago, portanto, é

desaconselhável sua transposição para o vocabulário do teatro. O ator,

nesse contexto, é colocado com um jogador (player).

O objetivo do sistema “jogos teatrais” (theater games) não é a

“interpretação”, mas a atuação espontânea e orgânica que surge da relação

de jogo. Por meio da fisicalização25 o ideal do jogo teatral é de que o

jogador “torne reais” os materiais imaginários com os quais trabalha

(lugares, objetos, personagens e ações).

O termo “fisicalização” descreve a maneira pela

qual o material é apresentado ao aluno num nível

físico e não verbal, em oposição a uma abordagem

intelectual e psicológica. A “fisicalização” propicia

ao aluno uma experiência pessoal concreta, da qual

seu desenvolvimento posterior depende (SPOLIN,

2001, p. 13-14).

Ancorada no jogo tradicional de regras (dos mais simples aos

mais complexos), Spolin propõe a solução de um “problema” diferente a

cada novo exercício e, aos poucos, amplia o jogo tradicional dando-lhe

caráter teatral, chegando ao trabalho com jogos de atuação, nos quais

22 (1906-1994), autora e diretora teatral norte-americana. 23 Cabe ressaltar que Spolin possui mais três obras traduzidas e difundidas no Brasil, são elas:

Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin (original de 1975), O jogo teatral no livro do diretor (original de 1985) e Jogos Teatrais na sala de aula (original de 1986). 24(1876-1963), educadora e trabalhadora social norte-americana, fundou a Escola de Recreação

e Treinamento (Recreational Training School) na Hull House de Chicago. A escola tinha um

programa de trabalho com grupo de imigrantes, que se desenvolvia com ginástica, dança, jogos, arte dramática, teoria do jogo. 25 Na obra Jogos Teatrais (1984) a tradutora de Spolin, Ingrid Koudela, substituirá o termo

“fiscalização” por “corporificação”, por julgar mais adequado à proposta de Spolin.

80

cumprir a “regra” do jogo, mantendo-se atento ao “foco” (ponto de

concentração do jogador), é a base para a aprendizagem teatral.

Partindo-se do pressuposto de que a criança no período que

corresponde a Educação Infantil (0 a 05 anos) ainda não desenvolveu

plenamente a capacidade intelectual de submeter-se a “regras” e não

compreende o significado de centrar-se em um “problema de atuação”,

visto que mesmo a ideia de “atuar” está distante de sua realidade

psicológica, percebe-se a impossibilidade de se pautar uma proposta de

experimentação teatral na Educação Infantil utilizando-se como

referência metodológica o sistema de Jogos Teatrais, como proposto por

Viola Spolin.

A diferenciação entre real e ficcional não é nítida para a criança

nos primeiros anos de vida. Não é por acaso que as crianças mais novas

costumam chorar na presença de personagens, ainda que com a

familiarização com apresentações teatrais ou a presença de personagens

da sala este problema seja aos poucos superado.

Como referido anteriormente, essas crianças encontram-se em

pleno desenvolvimento e realização do seu faz-de-conta. Será justamente

no fim do período da Educação Infantil que a criança estará se

apropriando do conceito e significado da regra e interessando-se por jogos

que se utilizem dessa.

No capítulo XIII de Improvisação para o Teatro, Spolin discorre

sobre a criança e enfoca justamente as crianças entre 06 e 08 anos,

colocando-as como referência para a iniciação no trabalho com jogos

teatrais. A resolução de problemas, a relação palco/plateia, procedimentos

inerentes a esta metodologia, estão distantes do universo das crianças

mais novas. Spolin afirma que com um trabalho estruturado de iniciação

ao jogo teatral as crianças “[...] podem passar mais facilmente do jogo

dramático dos primeiros anos para a experiência teatral” (2001, p. 253).

A autora retrata que ao separar o jogo dramático (entendido no

sentido de faz-de-conta) da realidade teatral e, num segundo momento,

fundir o jogo à realidade do teatro, o jovem ator aprende a diferença entre

o fingimento (ilusão) e a realidade, no reino do seu próprio mundo. E

completa “[...] essa separação não está implícita no jogo dramático. O

jogo dramático e o mundo real frequentemente são confusos para o jovem

e – ai de nós – para muitos adultos também”. (2001, p. 254). Nesse

sentido, ao dramatizar a criança não produz um discurso voltado a uma

plateia exterior ao jogo, modelo no qual Spolin se pauta para identificar a

diferença entre dramatização e teatro.

Não busco descreditar a capacidade de ampliação da

espontaneidade e ludicidade da criança a partir do trabalho com jogos

81

teatrais, ponho em questão a impossibilidade de se trabalhar na Educação

Infantil com o formato metodológico proposto por esse sistema. Acredito

que muitos jogos podem ser adaptados a propostas de experimentação

teatral com crianças mais novas, sobretudo os jogos tradicionais – muitos

dos quais são trabalhados nesse segmento de ensino. E assim, dentro de

uma proposta adaptada (que não seria mais a metodologia proposta por

Spolin) pode-se inserir jogos teatrais dentro de experimentações lúdicas e

dramáticas.

Em 1982, Ingrid Koudela (tradutora de Viola Spolin e

responsável pela difusão de seu método no Brasil) defendeu sua

dissertação de mestrado em teatro – a primeira no país – na Universidade

de São Paulo (USP), a qual deu origem ao livro Jogos Teatrais (1984),

que se tornou uma referência para a área da Pedagogia do Teatro e,

consequentemente, para projetos de ensino do teatro.

Fundamentada em Piaget, a obra procura comprovar a origem do

teatro no jogo infantil defendendo a potencialidade do teatro no

desenvolvimento intelectual, social e afetivo da criança. Traz como

material de análise experimentações realizadas com crianças entre 09 e

15 anos a partir do Sistema de Jogos Teatrais, dialogando com princípios

desenvolvidos por Stanislavski26.

Em sua obra A formação do símbolo na criança (1946) Piaget se

dedica à compreensão e explicação da função simbólica, com base na

imitação e no jogo como atividades propulsoras do desenvolvimento da

inteligência. Indica que o jogo está diretamente relacionado ao

desenvolvimento do pensamento na criança, por conta de seu caráter de

evocação de ações fora de seus contextos habituais, ou seja, pela função

simbólica constituída no momento em que a criança traz para o ambiente

do jogo, informações, ações, relações, de seu cotidiano, distanciando-se

da vida corrente e colocando-os na esfera de uma representação do real.

Como cita Koudela acerca dessa função “[...] a criança realiza uma ação

mimética, que constitui por assim dizer a primeira imagem, que nesse

momento ainda não é mental mas exteriorizada, através da ação”

(KOUDELA, 2011, p. 34), o que seria a base do jogo simbólico, a ação

deslocado do seu contexto de origem.

Por meio do jogo a criança assimila novas experiências, mas é a

partir do ato de imitar que a criança acomoda a experiência dentro de uma

estrutura cognitiva, ou seja, a criança se utiliza do jogo para assimilar e

26Constantin Stanislavski (1863-1938), ator, diretor, pedagogo e escritor russo de destaque entre os séculos XIX e XX. Criador do “Sistema”, uma série de procedimentos de interpretação teatral

amplamente difundido no teatro ocidental.

82

da imitação para acomodar. Cabe ressaltar que as fases de imitação

desenvolvem-se em paralelo à evolução do jogo.

Não me prolongarei a discutir questões relacionadas à teoria

piagetiana, uma vez que a psicologia do desenvolvimento não é o foco

deste trabalho. Interessa-me pensar que Koudela utiliza-se das etapas de

maturação do jogo na criança para compreender e explicar o meio pelo

qual essa poderá se apropriar da estrutura da linguagem teatral.

Resumidamente, as etapas propostas por Piaget seriam:

1 – Os jogos de exercício (iniciam no período sensório-motor do

desenvolvimento cognitivo) que tem origem nos primeiros meses de vida

da criança e caracterizam-se pela repetição de movimentos e ações que

exercitam funções tais como andar, correr, saltar e outras, pelo simples

prazer funcional. Estes jogos serão realizados ao longo da vida.

2 – Os jogos simbólicos, que teriam origem no segundo ano

(etapa pré-operatória do desenvolvimento cognitivo), caracterizando-se

pela função simbólica emergente, ou seja, a habilidade de estabelecer a

diferença entre alguma coisa usada como símbolo e o seu significado real.

Iniciam-se, com a realização de ações habituais como dormir, comer ou

lavar-se que, reproduzidas fora dos seus contextos, evidenciam o

denominado esquema simbólico.

Essa forma primitiva do símbolo lúdico, “[...] marca a passagem

do jogo de exercício para o jogo simbólico: a criança passa a exercitar,

por meio da ficção, as suas ações cotidianas, sem os objetivos reais que

as determinam” (SANTOS, 2004, p. 73). Entre os 04 e 07 anos de idade

os jogos vão se aproximando do real e o jogo simbólico da criança passa

a caracterizar-se pela representação imitativa deste real.

3 – Os jogos de regras. A fase que vai dos 07/08 aos 11/12 anos,

caracteriza-se, segundo Piaget, pelo declínio evidente do jogo simbólico

em proveito do jogo de regras. Esta passagem interessa à proposta dos

jogos teatrais, que se pauta, como citado anteriormente, na regra como

forma de mediar a assimilação da estrutura da linguagem teatral. Nas

palavras de Koudela:

A passagem do jogo dramático ou jogo de faz-de-

conta para o jogo teatral pode ser comparada com

a transformação do jogo simbólico (subjetivo) no

jogo de regras (socializado) [...] A passagem do

jogo dramático para o jogo teatral é uma transição

muito gradativa, que envolve o problema de tornar

manifesto o gesto espontâneo e depois levar a

criança à decodificação do seu significado, até que

83

ela o utilize conscientemente, para estabelecer o

processo de comunicação com a plateia.

(KOUDELA, 2011, p. 44-45).

Na perspectiva apontada por Koudela, jogo dramático infantil,

jogo simbólico e faz-de-conta são conceitos sinônimos que se referem ao

mesmo período do desenvolvimento da capacidade simbólica da criança,

na qual ela apreende o universo ao seu redor relacionando-o com suas

construções cognitivas, sensoriais e subjetivas, ou, como defende Piaget,

com seus “esquemas”, por meio da imitação e da representação.

Como argumentei ao apresentar o trabalho de Viola Spolin, não

se justifica a utilização da metodologia Jogos Teatrais para o

desenvolvimento de uma proposta de experimentação teatral na Educação

Infantil, por conta das crianças deste segmento de ensino se encontrarem

justamente num período cognitivo anterior ao que se propõe com o citado

sistema.

Ainda que o sistema se apoie na busca pelo desenvolvimento da

espontaneidade da criança, ao responder de forma física aos problemas

postos por meio do jogo, alguns de seus pilares são impossíveis de serem

trabalhados na Educação Infantil, como, por exemplo, o procedimento da

“avaliação”.

A “avaliação”, proposta por Spolin e Koudela a qual se realiza

depois que cada “time” terminou de trabalhar com um problema de

atuação, propõe que o observador (que estava na plateia) faça uma

avaliação objetiva acerca do que foi “comunicado” pelo(s) jogador(es).

A relação que se estabelece com a plateia é fundamental para a

assimilação do jogo e a avaliação realizada após a experimentação é

necessária à compreensão dos mecanismos teatrais que se encontram

embutidos nestes.

A relação palco/pateia, nesse molde, não se aplica à Educação

Infantil. As capacidades de reflexão e abstração necessárias para se julgar

o que foi comunicado ou não pelo jogador, se esse se manteve ou não no

“foco” do jogo, são capacidades ainda em processo de construção na faixa

etária desse segmento de ensino.

Cabe ressaltar, entretanto, que Koudela realizou uma

performance com o Grupo Foco27 na VX Bienal de Arte de São Paulo, no

ano de 1979, direcionada à crianças com menos de 06 anos. Utilizando

como pré-texto o relatório de um projeto desenvolvido por Madalena

27 Grupo formado, principalmente, por estudantes do Setor de Teatro da Escola de Comunicações e Artes da USP. Fez experiências práticas com o sistema de jogos teatrais durante os anos de

1978 e 1979.

84

Freire com crianças de 04 anos na Escola Criarte, intitulado “Genoveva

Visita a Escola ou A Galinha Assada”, a proposta do grupo não era a

representação da história da galinha, mas o desenvolvimento de um

processo de experimentação a partir da realização de jogos.

Ainda que a proposta citada tenha se pautado na ideia de jogar

com as crianças em torno dos temas propostos por aquele pré-texto,

exaltando a iniciativa e espontaneidade da criança, não se trata da

utilização da metodologia dos Jogos Teatrais, mas um desdobramento

dessa que se aproxima da proposta metodológica que proponho nesta tese.

É preciso ressaltar que há uma confusão acerca do termo “jogo

dramático”, sendo esse usado tanto para se referir a uma etapa do

desenvolvimento do jogo na criança quanto a uma metodologia de ensino

do teatro. Acerca do termo Pupo afirma o seguinte:

Determinados autores o utilizam como tradução de

dramatic play, enquanto outros se valem do termo

para designar a tradução, em nossa língua, do

original francês jeu dramatique. Ambas as

utilizações possuem em comum o fato de

derivarem do radical grego drama, que designa

ação. Assim, vinculam-se ambos à ideia de

dramatização, ou seja, de uma imitação através da

ação. [...] A natureza dessa dramatização, seu

significado – assim como o tratamento pedagógico

preconizado para o seu desenvolvimento –

divergem amplamente conforme a perspectiva em

que nos colocamos: anglo-saxã ou francesa.

(PUPO, 2005, p. 220).

No caso do inglês Peter Slade, citado anteriormente, o termo

refere-se à brincadeira dramática espontânea da criança. A concepção

francesa de jogos dramáticos (jeu dramatique) foi criada por León

Chancerel (1886 – 1965) nos anos de 1930, a partir de um trabalho

pedagógico realizado junto a escoteiros e participantes de movimentos de

juventude. Pupo (2005) explica que no início de seu desenvolvimento o

jogo dramático tratava de uma modalidade de improvisação com regras,

efetuada a partir de temas e enredos lançados pelo coordenador, preconizando a prática improvisacional como um caminho para que o

participante descobrisse a sinceridade na sua representação. Segundo

Pupo, essa prática teatral

85

[...] privilegia a relação entre o trabalho em grupo

e a expressão pessoal dos participantes, mediante

uma atuação improvisada que se contrapõe à

simples reprodução de formas teatrais consagradas.

Essa perspectiva, inicialmente dirigida para a

atuação junto a crianças e jovens, conforme

apontamos, estendesse mais tarde também aos

adultos. (PUPO, 2005, p. 225).

Os jogos dramáticos franceses tem o autor Jean-Pierre Ryngaert

como sua mais expressiva referência. Dos seus três livros, entretanto, que

abordam essa metodologia, o primeiro, Le jeu dramatique en milieu scolaire, publicado em 1977, possui apenas uma tradução feita em

Portugal e somente o terceiro Jouer, représenter: pratiques dramatiques et formation de 1985, (Jogar, representar: práticas dramáticas e

formação) possui uma tradução brasileira realizada, realizada em 2009.

Devido à inacessibilidade desse material no Brasil, essa metodologia é

pouco conhecida no meio educacional brasileiro28.

Interessa para esta pesquisa compreender as diferentes noções do

termo jogo dramático. No sentido inglês, corresponde a uma modalidade

lúdica natural à criança que pode ser ampliada pelo coordenador de um

processo pedagógico com o objetivo de incentivar a livre expressão do

participante. No caso francês, trata-se de uma modalidade de

improvisação capaz de desenvolver tanto a habilidade natural para o jogo;

“sem perder o prazer próprio ao jogo espontâneo, almeja-se que os

participantes conquistem a capacidade de criar, organizar, emitir e

analisar um discurso cênico”. (DESGRANGES, 2006, p. 94), propondo a

investigação de aspetos próprios à linguagem teatral, como um

instrumento para a reflexão da vida social, contribuindo com o

crescimento pessoal do participante.

Se tomarmos a versão francesa como referência, por se tratar de

uma metodologia apoiada na regra, assim como os jogos teatrais de

Spolin, teríamos dificuldades de trabalhar com crianças da Educação

Infantil. Essa metodologia, entretanto, possui estruturas mais “abertas”, o

que facilita sua adaptação ao público infantil. Tomando a versão inglesa

como referência, estaríamos tratando de uma atividade naturalmente

realizada pela criança e, para os autores ingleses do jogo dramático

28 Além das obras de Ryngaert, podem-se encontrar definições e exemplos de sessões de Jogos Dramáticos no livro “Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo” (2006) de Flávio

Desgranges, bem como nas obras de Olga Reverbel e Maria Clara Machado.

86

infantil, não estaríamos trabalhando com teatro, mas ampliando a

capacidade dramática da criança.

Interessa-me pensar que a brincadeira de faz-de-conta, mediada

pelo professor, pode ser transformada em uma experimentação da

linguagem teatral, distante de modelos tradicionais de teatro, mas pautada

na crença de que a criança performatiza ainda que não construa um

discurso voltado a uma plateia exterior à experimentação. O professor,

munido de experiências e conhecimentos acerca da linguagem teatral,

pode iniciar um processo de ampliação do espaço lúdico da criança, por

meio de experimentações teatrais. Dessas experimentações ele conduziria

a uma assimilação de aspectos da linguagem teatral, iniciando uma

familiarização com tal linguagem.

Dentre as pesquisas que se dedicaram, nos últimos 10 anos, a

discutirem o ensino do teatro na Educação Infantil, inicio apontando o

trabalho da professora Vera Lúcia Bertoni dos Santos, detalhado no livro

Brincadeira e conhecimento: do faz-de-conta à representação teatral (2004), no qual a autora discute aspectos relacionados à maneira como os

trabalhos com elementos dramáticos e teatrais tem sido desenvolvidos no

âmbito da Educação Infantil. Além das discussões propostas, Santos

entrevistou 12 professoras de uma instituição de Educação Infantil,

buscando compreender a maneira como essas trabalhavam com os

elementos teatrais ou, quando não trabalhavam, como os compreendiam

dentro desse espaço de ensino e, ainda, como percebiam as brincadeiras

realizadas espontaneamente pelas crianças.

Em sua obra, Santos apresenta também os discursos de 15

crianças (entre 03 e 06 anos), também entrevistadas, na busca pela

compreensão do modo como elas percebiam as atividades dramáticas e

teatrais realizadas com seus professores, assim como a maneira como

percebiam as produções teatrais com os quais tinham contato, seja por

intermédio da escola ou dos pais. Cabe ressaltar que a autora utiliza como

referência principal para suas reflexões os estudos desenvolvidos por Jean

Piaget.

Alguns aspectos me parecem importantes de serem destacados

da obra de Santos por, de certo modo, justificarem a presente pesquisa.

Santos retrata a carência de publicações referente a abordagens históricas

ou metodológicas do ensino do teatro e a consequente necessidade de

trabalhos que discutam a construção da linguagem teatral na infância.

Aborda a necessidade de superação dos modelos tradicionais e

autoritários de ensino do teatro, ainda presentes sob o “chavão” de

“teatrinho”, pautados em montagens teatrais realizadas com crianças

pequenas. Outro aspecto ressaltado é a ausência de intencionalidade

87

pedagógica quando se propõe a “brincadeira livre” ou a “hora do

brinquedo”, ignorando-se a importância do desenvolvimento da

ludicidade de caráter dramático na infância.

A autora afirma que a má qualificação do trabalho docente gera

abordagens empiristas do ensino do teatro, nas quais as crianças são

“treinadas” a executar as ações idealizadas pelas professoras, impedindo

sua participação ativa no processo, formas estas alheias ao movimento

teatral que se desenvolve fora dos muros da escola. No que diz respeito à

fruição, Santos destaca que o acesso limitado das crianças a espetáculos

teatrais e a qualidade “discutível” desses são aspectos nocivos à

construção da linguagem teatral, além da reprodução de modelos culturais

veiculados pela televisão e cinema frequentemente serem confundidos,

pelas crianças, com a representação teatral.

Santos (2004, p. 48-54) identifica dois modos de abordagem do

teatro no meio educacional possíveis de serem trabalhadas pelos

profissionais da Educação Infantil: o jogo dramático francês29 e o jogo

teatral da norte-americana Viola Spolin, difundido no Brasil por Ingrid

Koudela, ambos citados e discutidos anteriormente.

Apoiando-se na teoria piagetiana para fundamentar e discutir a

passagem da brincadeira de faz de conta para a representação teatral, a

autora traz exemplos tanto de sua vida pessoal quanto das observações

realizadas demonstrando o modo como esse processo construtivo se dá.

Para ela:

Os jogos simbólicos surgem por volta dos dois anos

de idade e principiam com condutas individuais

que denunciam a função semiótica. Observa-se, a

partir daí, uma crescente capacidade de imitação

dos modelos da vida real, que evoluem em direção

ao simbolismo plural, no qual um grupo de crianças

cria representações de cenas que vão,

gradativamente, sendo aperfeiçoadas e

enriquecidas simbólica e esteticamente, superando

o caráter generalizador do símbolo das crianças

menores (SANTOS, 2004, p. 84).

29 Segundo Santos “o jogo dramático [...] surgiu por influência das ideias de Lèon Chancerel (1941) e Jean Chateau (1954) e foi desenvolvido por diversos autores franceses, desde, Catherine

Dasté (1975) e Pierra Leenhardt (1973) até sua atual formulação, contida nos trabalhos de

Richard Monod (1983) e Jean-Pierre Ryngaert (1981)” (2004, p. 48). No Brasil os jogos dramáticos foram apresentados em alguns artigos de pesquisadores como Maria Clara Machado,

José Ronaldo Faleiro e Maria Lúcia Pupo.

88

Santos finaliza seu texto ressaltando a formação dos profissionais

que atuam na Educação Infantil como uma ação necessária à compreensão

da “[...] maneira de como a evolução da atividade lúdica pode

desencadear condutas lúdicas coletivas e intencionalmente teatralizadas

[...]” (2004, p. 114). Faz-se necessário, portanto, levar esses profissionais

a conhecerem os elementos que constituem o fazer pedagógico teatral,

aliando tais elementos aos conhecimentos acerca do desenvolvimento

cognitivo e intelectual das crianças.

O desconhecimento da potencialidade criativa e educativa do

trabalho pautado no jogo, na imitação, em experimentações lúdicas e

dramáticas, faz com que as práticas pedagógicas distanciem-se da

linguagem teatral ou coloquem-na num lugar equivocado, centrado em

um modelo adulto e impositivo que busca, a “transmissão” de

conhecimentos, o “resultado”, ou objetivos genéricos como “desenvolver

a criatividade”, “desinibir” e “socializar”.

Outra referência que destaco, por sua abordagem do fazer teatral

relacionar-se com a Educação Infantil, é o livro A linguagem teatral na

escola (2007) de Ricardo Japiassu. Diferente de Santos, Japiassu pauta

suas reflexões na concepção histórico-cultural do desenvolvimento

humano e, desse modo, aproxima a Pedagogia do Teatro de discussões

mais contemporâneas sobre a infância.

Nessa concepção, a criança é vista como um sujeito que pertence

a uma organização familiar específica, inserida em um determinado grupo

social com valores culturais próprios, “[...] situado em um momento

histórico muito preciso de determinada sociedade” (JAPIASSU, 2007, p.

12) e, nesse sentido, o trabalho pedagógico não se pautará em “limites

restritos”, “padrões generalizantes”, “capacidades específicas” e outros

conceitos que homogeneízam as diferentes crianças, as diferentes

infâncias, os diferentes contextos.

A concepção histórico-cultural tem como foco de estudo o

desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana como resultado de

um processo sócio histórico, no qual as relações que os sujeitos

estabelecem com a realidade circundante seriam responsáveis por seus

processos de construção de conhecimento. Nesse processo, as

experimentações propiciadas por aqueles que interagem com as crianças,

os hábitos, as atitudes, os valores, os costumes, assim como a linguagem,

vão contribuir de forma definitiva com a apropriação e construção de

conhecimentos e experiências.

Ao levar em consideração que muitas crianças permanecem

durante horas em espaços educativos, principalmente com a atual

obrigatoriedade de que a partir dos 04 anos elas frequentem a Educação

89

Infantil, esse espaço institucional e as pessoas (professores, auxiliares,

pessoal da cozinha e limpeza e demais crianças) que o compõem, terão

influência no modo como as crianças se apropriarão da cultura. No caso

específico das manifestações artísticas, as músicas que ouvirem ou

criarem, as histórias em que se envolverem, experiências corporais que

tiverem, espetáculos que assistirem nesse espaço, irão compor parte do

repertório das crianças.

É importante ressaltar que não se trata de um determinismo

histórico e cultural no qual a criança absorve passivamente tudo que

acontece ao seu redor e passa a reproduzir as ações com as quais lida no

seu cotidiano. Ela age de forma ativa no processo de construção de sua

história e cultura, transformando-se e transformando o outro com o qual

interage.

Nesse sentido, Japiassu ressalta que o melhor estímulo à criação

artística infantil seria a organização do ambiente educativo da criança de

modo a gerar a necessidade – e a possibilidade – de expressão da

criatividade. E, nesse sentido, o professor é considerado o parceiro mais

experiente, aquele que, com seu conhecimento mais desenvolvido, pode

organizar tempos, espaços, projetos e situações que proporcionem a

experimentações diversas e com essas, a conquista de diferentes

experiências.

O autor acredita haver um sequência ontogenética do fazer de

conta infantil, estruturada da seguinte maneira: “(1) imitação ou

manipulação objetal; (2) faz-de-conta com personificação; (3) faz-de-

conta com personificação e projeção; (4) faz-de-conta projetado e (5)

devaneio” (2007, p. 39), cada uma delas discutidas em sua obra.

As quatro primeiras etapas podem ser compreendidas a partir da

abordagem de Peter Slade, ainda que Japiassu proponha uma inversão das

etapas propostas por aquele autor e acrescente uma etapa híbrida, entre

personificação e projeção. O “devaneio” é definido por Japiassu da

seguinte maneira: “[...] refere-se ao pleno desenvolvimento da

imaginação, sem nenhuma espécie de auxílio ou suporte material. [...] diz

respeito à criação de ‘enredos’ num plano intramental. Trata-se de ‘sonhar

acordado’” (2007, p. 36).

Não cabe a esta pesquisa discutir as etapas de desenvolvimento

das condutas lúdicas, imitativas e representativas infantis. Na perspectiva

que defendo através do Drama pelo diálogo que acredito haver com a

concepção histórico-cultural, percebo ressonâncias entre a maneira que

penso o trabalho teatral com Educação Infantil e o modo como Japiassu

expõe a teoria da qual se apropria.

90

Cabe ressaltar que Japiassu desenvolveu experimentos junto a

crianças e que esses são descritos em seu livro. Entretanto, ainda que

tenha se pautado na concepção histórico-cultural no desenvolvimento de

seu argumento sobre a atividade cênica na Educação Infantil, percebo

uma contradição entre essa teoria e a maneira como ele desenvolveu sua

prática junto aos pré-escolares.

Segundo sua descrição, Japiassu realizou 14 sessões de trabalho

com crianças em idade pré-escolar em uma escola Municipal de Educação

Infantil de São Paulo, com uma turma multisseriada (entre 04 e 06 anos).

Sua referência metodológica foi o sistema de Jogos Teatrais (de Viola

Spolin), adaptando jogos tradicionais brasileiros a esse sistema. Aliou aos

procedimentos (foco, instrução, plateia e avaliação) ao de círculo de

discussão (de Paulo Freire) e área de jogo (de Augusto Boal) e protocolos

de sessão (derivados das peças didáticas de Bertolt Brecht).

Os grupos multisseriados originaram-se da concepção

vygotskiana de que os mais velhos podem ajudar os mais novos a

resolverem “problemas” ou encararem desafios que se julgam incapazes

(ou que os outros os julgam incapazes) de realizar por conta de serem

mais novos. Ao ajudarem, os mais velhos aprendem a cuidar dos mais

jovens e a respeita-los e os mais jovens desafiam-se mais30.

Ao trabalhar com os jogos teatrais, Japiassu coloca a

experimentação vygotskiana dentro de uma estrutura regrada piagetiana,

que aborda o teatro a partir de capacidades, etapas, avaliação, assimilação

de regras. Ao separar as crianças entre plateia e “atores”, o que ocorre nos

jogos teatrais, ele deixa de explorar justamente a possibilidade de

trabalharem juntos em uma experimentação dramática.

Apoiando-se no jogo de regra, o qual se encerra no momento da

concretização do objetivo, as respostas pessoais, as questões trazidas

pelas crianças, deixam de ser exploradas em prol do jogo em si. Essas

questões não geram novas experimentações que poderiam ser

aprofundadas a ponto de se tornarem experiências mais elaboradas e

talvez, passíveis de serem compartilhadas.

Em Um palco para o conto de fadas (2008), Luiz Fernando de

Souza propõe um trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil

a partir da montagem de peças teatrais, sua argumentação é

completamente oposta à que defendo. Ele trabalha com falas decoradas,

ensaios, marcações, professores atuando junto com as crianças como

30 No capítulo 5 ao abordar a ideia de interação entre aprendizagem e desenvolvimento,

apresentarei o conceito de zona de desenvolvimento próximo, que fundamenta as práticas com

grupos multisseriados.

91

modelo ou narrando as ações que devem ser realizadas por elas. O autor

usa o termo “interpretação” para se referir ao trabalho das crianças e cita

relatos dos outros professores, que com ele trabalham, que utilizam

expressões como “atuar com grande espontaneidade”.

O desenvolvimento do trabalho de montagem parte das

explicações feitas acerca das “reações” que as personagens realizam em

cada situação que enfrentam na história. A partir dessas explicações as

crianças, segundo o autor, entenderiam a razão do que “interpretam” e

compreenderiam a movimentação que devem realizar em cena, como se

pode constatar na seguinte citação:

Durante o processo de ensaio, as marcações da peça

são do educador de teatro, mas submetidas ao crivo

das crianças que as deverão realizar e dos outros

educadores que tem liberdade para alterar qualquer

uma delas, visando facilitar a realização das

mesmas pelas crianças. [...] Reações dos

personagens da peça (medo, alegria, raiva, susto)

são explicadas detalhadamente às crianças, para

que compreendam a razão daquilo que pedimos que

interpretem ou de alguma movimentação que

estiver sendo ensaiada [...]. (SOUZA, 2008, p. 53).

Aponto essa obra justamente por perceber que muitos trabalhos

com a linguagem teatral na Educação Infantil pautam-se nesses mesmos

procedimentos metodológicos, os quais considero ignorarem a

participação efetiva das crianças por enfatizarem a visão adulta de

produto. Quais experiências as crianças poderão gerar a partir de uma

reprodução de “reações”, “movimentações” e “falas”? Que tipo de

envolvimento pode acontecer se a criança acaba reproduzindo ações

impostas? Como sua imaginação pode ser aguçada se ela não precisa

criar, pensar, experimentar, se tudo lhe é indicado pelo professor?

Em um movimento oposto ao de Souza, Marina Marcondes

Machado (2010), propõe o conceito de criança performer a partir da

interlocução com a Fenomenologia (de Maurice Merleau-Ponty) e a

Sociologia da Infância (de Manuel Jacinto Sarmento), colocando a

criança, suas percepções de mundo e maneiras de se expressar sobre esse,

como o cerne do seu trabalho.

Machado privilegia o trabalho do educador com a linguagem

teatral a partir de algumas características do que se nomeia teatro pós-

dramático e da cena contemporânea cuja dramaturgia, segundo a autora

“[...] apresenta uma frágil fronteira entre teatro, dança, poesia, literatura

92

e a arte da contação de histórias” (2010, p. 118). Nesse sentido, aproxima

o teatro da maneira como a criança interage com as linguagens, de forma

híbrida, expressando sua individualidade em uma relação direta entre arte

e vida. Como é possível perceber na citação:

[...] o mais autêntico protagonismo das crianças

pequenas pode ser visto como ato performático:

dizeres intensos pelo corpo, no corpo, são atos

exercidos em cada uma das linguagens da primeira

infância, tal como a cultura adulta propõe: brincar,

desenhar, dançar, criar narrativas próprias, cantar

(MACHADO, 2010, p. 131).

É justamente a colocação da criança como centro do processo

dramático, como aponta Machado, incentivando percepções diferenciadas

do mundo, propondo novas maneiras de interagir com o outro, com o

espaço, com os materiais, com sua criatividade e expressividade latentes,

que busco discutir uma proposta metodológica que dê fundamentos ou

indicativos para os professores experimentarem modos de trabalhar com

a linguagem teatral de forma contextualizada e significativa para as

crianças.

O Drama, como será apresentado no próximo capítulo, é um

fazer teatral que se apoia na experimentação de um contexto ficcional sem

diferenciação entre ator e plateia, sem a reprodução de um texto

dramático, sem a exigência da divisão de papéis, apropriando-se dos

materiais criados pelos participantes ao longo do processo. Nesse sentido,

o teatro que acredito possível e condizente com a Educação Infantil

aproxima-se de experiências contemporâneas com essa linguagem. Se

considerarmos que convenções tradicionais do teatro como

“personagem”, “divisão entre quem faz e quem assiste”, “local específico

para apresentação”, “representação de um texto dramático”, “existência

de um diretor”, “ficção distanciada da vida real” tem sido questionadas e

transpostas em outras diversas possibilidades na cena atual, penso que

seja necessário rever os modelos de fazer teatral que tem pautado o ensino

dessa linguagem na escola.

Conforme lembra Vygotsky (2001), a criança necessita se

comunicar e para isso ela se utiliza do gesto, da fala, do desenho, da

brincadeira, do faz de conta, buscando expor seus desejos, pensamentos e

aspirações, bem como dialogar com o mundo que a cerca na busca pela

compreensão deste. Nesse sentido, ao se apropriar de materiais e

93

performatizar dentro de uma proposta de experimentação, a criança

produz arte e faz teatro.

Não busco, portanto, apoiar-me em técnicas ou sistemas

padronizados de ensino, que deixem de levar em consideração o contexto

no qual a criança está inserida, assim como as necessidades específicas

do seu entorno histórico, cultural e social. Justamente, por ter como um

de seus pilares a ressonância entre contexto real e contexto ficcional em

um processo lúdico e experimental de construção de conhecimentos, que

busco me apropriar do Drama como uma possibilidade metodológica de

trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil.

94

95

3 DRAMA COMO APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM

TEATRAL: FUNDAMENTOS DA PESQUISA

No primeiro capítulo apresentei um breve contexto histórico da

criação da Educação Infantil no Brasil e na cidade de Florianópolis, bem

como os direcionamentos pedagógicos que subsidiaram a organização

dessa etapa da Educação Básica. Busquei pontuar os momentos em que a

Arte ou a linguagem teatral foram indicadas seja como atividade,

conteúdo, ou mesmo quando ignoradas pelas propostas pedagógicas tanto

nacionais quanto municipais. Apresentei o grupo Trupe da Alegria com o

qual realizei os experimentos que compõem este trabalho e, por fim,

expus as principais obras que, nos últimos 10 anos, discutiram o trabalho

com a linguagem teatral com crianças mais novas, buscando refletir sobre

o tratamento dado a esse trabalho pelos pesquisadores da área da

Pedagogia do Teatro.

Dedico-me, neste novo capítulo, a apresentar o método do

Drama, contextualizando sua origem e o modo como tem sido

ressignificado no Brasil. Parto das obras de Gavin Bolton, Cecily O’Neill,

John O’Toole e Jonathan Neelands e chego a obra de Beatriz Cabral.

Posteriormente, discorro sobre as principais convenções do Drama, assim

como destaco as estratégias que foram utilizadas na estruturação dos

processos que serão apresentados no próximo capítulo.

Ao apresentar e discutir as convenções do Drama e justificar as

estratégias selecionadas, busco enfatizar sua proximidade com o trabalho

pedagógico desenvolvido na Educação Infantil, buscando, dessa maneira,

apresentá-lo como um encaminhamento metodológico possível para o

trabalho de inserção de elementos da linguagem teatral nesse segmento

de ensino, sem ignorar as questões próprias do universo infantil.

3.1 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO

O Drama, uma forma essencial de comportamento em todas as culturas,

permite explorar questões e problemas centrais à condição humana, e oferece

ao indivíduo a oportunidade de definir e clarificar sua própria cultura. É uma

atividade em grupo, na qual os participantes se comportam como se estivessem

em outra situação ou lugar, sendo eles próprios ou outras pessoas.

(Beatriz Cabral)

96

Para compreender o método31 do qual pretendo me apropriar

nesta pesquisa, é necessário observar que a palavra drama – do grego

drao, significando ação – traduz a construção de um tempo/espaço

ficcional, no qual, seus criadores agem como se estivessem em tal espaço,

como Cabral retrata na citação acima; e que tal construção prescinde da

existência de uma plateia.

Esse espaço de criação ficcional é facilmente acessado pelas

crianças, justamente por isso que seus jogos infantis imaginativos (ou

jogos de faz de conta) são nomeados, por alguns autores, de jogos

dramáticos infantis. Essa prerrogativa é apontada por Bowell e Heap

como a base para a estruturação de um processo de Drama: “[...] a inata

predisposição das crianças para aprenderem através do jogo dramático”

(2013, p. 08, tradução nossa). A partir dessa predisposição ao jogo, o

condutor de um processo poderá incentivar as crianças ao

desenvolvimento de novas experiências dramáticas.

Enquanto o jogo de faz de conta é uma atividade naturalmente

desenvolvida pela criança, o Drama, como método de trabalho

pedagógico e prática teatral, busca se apropriar desse espaço ficcional

para a construção de conhecimento, por meio da inserção dos

participantes em situações dramáticas – agindo como se estivessem

realmente em tais situações. Apoia-se na habilidade natural dos seres

humanos de criarem e jogarem com situações imaginárias, fazendo com

que os participantes lidem e experimentem questões do mundo real por

meio da ficção e reflitam sobre a experiência realizada.

Os projetos de Drama podem ter os mais diversos objetivos,

desde a investigação, criação e recriação de questões e temas que

transitam pelos conteúdos curriculares através de um procedimento

experimental, até a apropriação de estruturas da linguagem teatral. Pode

desenvolver um processo direcionado a montagem de um texto teatral,

por meio da apropriação e recriação desse texto, ou mesmo a construção

coletiva de uma narrativa dramática. Bowell e Heap afirmam que “[...]

todas essas formas de experiência dramática compartilham os mesmos

elementos comuns ao teatro: foco, metáfora, tensão, símbolo, contraste,

papéis, tempo, espaço [...]” (2013, p. 01, tradução nossa) e, por isso, o

Drama pode ser considerado como um método para o ensino do Teatro.

Independente de qual seja o objetivo da instauração de um

processo de Drama, é importante frisar que a essência desse trabalho

31 Tratarei o Drama como método e não como metodologia por compreender que ele não trata de

uma abordagem específica para a realização de um processo dramático, são diversas as possibilidades e caminhos para o desenvolvimento de uma proposta de Drama. Deste modo,

busco acentuar sua amplitude como um direcionamento pedagógico.

97

encontra-se no ato do participante experimentar estar em “outro” tempo e

espaço, vivenciando diferentes papéis dentro do contexto ficcional; e,

nesse sentido, Drama e Teatro possuem a mesma essência, a experiência

dramática de fazer de conta. Assim como o Teatro, o Drama pode ser

considerado uma arte dramática, ainda que não seja uma arte voltada à

comunicação com uma plateia externa ao processo.

É importante perceber que um processo de Drama sempre terá

um conteúdo, sempre acontecerá em torno de um tema, trabalhará “sobre”

algo. Ele oferecerá sempre dois vieses de aprendizagem – sobre a natureza

dramática e sobre um determinado assunto (conteúdo, curiosidade,

mistério, investigação etc.) por meio da experiência dramática. O

condutor e os participantes irão focar ora em um aspecto ora em outro,

mas os dois aprendizados estarão sempre interligados. Dependendo da

formação do professor e dos objetivos pedagógicos pelos quais ele

desenvolverá um processo, ele poderá estar mais centrado no conteúdo a

ser apropriado pelos participantes ou na ampliação de sua capacidade

dramática, improvisacional e artística.

3.1.1 Origens do Drama

Para buscar compreender a origem desse método e os caminhos

pelos quais percorreu até chegar ao contexto brasileiro, gostaria de

retornar ao início do século XX, quando a pioneira na abordagem da arte

dramática32 na educação, a professora de escola primária33 Harriet-Finlay

Johnson (1871-1956), iniciou uma discussão em torno do modo como

essa linguagem era trabalhada nas escolas inglesas.

Ainda que, naquele contexto, a apropriação de textos teatrais se

desse como um meio para a aprendizagem de outros conteúdos – como a

língua inglesa e a literatura dramática, principalmente –, Johnson discutia

a errônea valorização do produto artístico (montagem de peças,

memorização de falas, habilidades técnicas) em detrimento do processo

de aprendizagem sobre a peça. Johnson criticava também esse

procedimento, por se pautar nas escolhas do professor acerca do material

dramático a ser trabalhado com os estudantes e não na capacidade destes

32 Utilizarei a expressão arte dramática como o ensino global desta linguagem unindo tanto as

concepções dramáticas quanto teatrais e, também, para a diferenciação das abordagens que enfatizam o viés teatral (as quais me referirei como ensino do teatro) daquelas que trabalham

com o Drama. 33 A escola primária seria correspondente ao Ensino Fundamental brasileiro.

98

de explorarem seus próprios jogos e desenvolverem sua ludicidade a

partir dos conteúdos abordados no texto dramático, por exemplo.

Ao invés do professor propor um jogo que pudesse desenvolver

as “habilidades necessárias” a uma “boa” desenvoltura na apresentação

de uma peça, Johnson se dava conta de que se as crianças criassem seus

próprios jogos, conjugando o trabalho dramático com os conteúdos das

diversas disciplinas, as relações interdisciplinares tecidas seriam as

mediadoras da experiência educacional e, portanto, deslocar-se-ia o foco

de aprendizagem do professor para o educando.

Nessa ótica, a ampliação do conhecimento (dos mais diversos

conteúdos) se daria por meio da experiência dramática coletiva,

colocando-se menos ênfase em exercícios e atividades que ensinassem

habilidades voltadas à produção de um espetáculo e sustentando a ideia

de processo colaborativo de aprendizagem entre professor e educando. A

realização de uma montagem teatral seria o resultado de um processo que

representaria a visão de mundo e as necessidades das crianças de

abordarem um determinado tema e não apenas a dos adultos.

As discussões de Johnson retratadas no seu livro The Dramatic

Method of Teaching (1911) lançam as bases para o desenvolvimento de

outras propostas pedagógicas que vão colocar a experiência da criança

como o centro da construção de conhecimentos, influenciando estudiosos

como o também inglês Henry Caldwell Cook (1835-1939) – autor de The

Play Way (1917) – e John Dewey (1859-1952) – principal representante

do movimento da educação progressiva norte-americana34.

Quase meio século depois de Johnson, em meados dos anos

1950, um grupo de professores ingleses reabriu a discussão acerca da arte

dramática na educação. Dessa vez houve uma separação entre um modelo

tradicional voltado à produção de espetáculos – processo centrado nas

escolhas do professor, aproximando-se da figura de um diretor teatral – e

outro modelo calcado na orientação de processos centrados no estudante,

que se afastava da ideia de produto artístico. Dentre os professores

desse segundo modelo cito Brian Way (1923-2006), Richard Courtney

(1927-1997) e Peter Slade (1912-2004) os quais questionavam se as

crianças deveriam ser “treinadas” como atores profissionais. Para esses

autores a natureza imaginária, que se expressa concretamente no jogo

34 A Educação progressiva ganhou expressão no Brasil a partir do movimento conhecido como Escola Nova. A base do pensamento de Dewey sobre a educação está centrada no

desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do estudante, enfatizando a

construção do conhecimento por meio da experiência direta do educando sobre o conteúdo. Conceitos como espontaneísmo e livre-expressão são relacionados a esse movimento, ainda que

não seja essa a essência do movimento.

99

dramático infantil, geraria uma experiência possuidora de um valor

educativo por trabalhar justamente com a individualidade e

expressividade infantis, sem a preocupação com uma plateia. Way

afirmou que “[...] a educação está preocupada com os indivíduos; o drama

está preocupado com a individualidade das pessoas, com a singularidade

de cada essência humana” (1967, p. 03, tradução nossa), enfatizando,

portanto, a ideia de desenvolvimento da expressividade individual e de

sua capacidade criativa.

Nem a prática de treinamento da criança como um ator, nem o

foco na expressividade individual foram a base para um novo

entendimento que se desenvolveu acerca da utilização da arte dramática

na educação. A nova proposta colocaria a arte dramática como

facilitadora em situações de aprendizagem coletivas relacionadas aos

conteúdos do currículo escolar. Esse movimento ficou conhecido como

“Drama na Educação” em oposição ao “Drama Educação”, que tratava do

ensino da arte dramática por meio da montagem de peças teatrais.

A professora e atriz Dorothy Heathcote (1926-2011) tornou-se a

maior representante do movimento de Drama na Educação no sistema

educacional inglês. No final dos anos 1970, o Drama passa a ser

reconhecido como uma forma de arte e praticado em países como

Austrália, Inglaterra, Canadá, alguns países do norte europeu e nos

Estados Unidos, pontua O’Toole (1992, p. 04).

Para Heathcote “[...] drama não são histórias recontadas por meio

de ações. Drama significa seres humanos confrontando-se com situações

que os modificam por conta do que eles devem enfrentar ao lidar com

desafios” (HEATHCOTE apud O’NEILL, 1984, p. 48, tradução nossa).

Nessa perspectiva, o Drama torna-se promotor de uma construção

conjunta de conhecimentos. Os participantes ao agirem, reagirem e

interagirem imersos em um contexto ficcional, apropriar-se-ão de saberes

relativos a situações reais, seja de conteúdos curriculares, de temáticas de

seu interesse ou de questões sociais mais amplas.

Assim, a abordagem de Heathcote, conhecida como Drama

Vivencial, ao invés de buscar a dramatização de peças teatrais prontas,

incentivava os estudantes a elaborarem conjuntamente suas próprias

histórias a partir de questões do seu contexto. Em um processo que se

desenvolvia etapa por etapa, os participantes tinham que tomar decisões

para dar direcionamento ao Drama, evidenciando-se, dessa forma, a

utilização da improvisação teatral como base para a experimentação e

aprendizagem dos temas e conteúdos abordados no processo.

Podia-se utilizar um texto dramático como ponto de apoio para a

proposta vivencial, mas esse deveria ser reconstruído, adaptado,

100

apropriado a partir dos temas, conflitos e situações que sugerisse. Ao

vivenciar papéis dentro do Drama que eles estavam criando, os estudantes

necessariamente deviam entender as implicações de suas ações e o

significado delas. As vozes pessoais e coletivas eram ouvidas sempre que

necessárias à tomada de uma decisão para a continuidade do processo.

O maior ou menor engajamento do grupo com uma proposta era

resultado, em grande parte, da ressonância entre o contexto ficcional

criado para a experimentação dramática e o contexto dos participantes.

Portanto, fatos do cotidiano, temas de interesse, curiosidades relacionadas

com os conteúdos curriculares, eram a base de seus processos. Nesse

sentido, o Drama é tomado como um eixo promotor de

interdisciplinaridade ao possibilitar o relacionamento de aspectos da arte

dramática ao estudo de conteúdos curriculares.

Dorothy Heathcote (segundo Bolton, 1995) mostrava-se

preocupada com as experiências de aprendizagem dos estudantes que

eram negligenciadas pelo sistema educacional. Para ela, a melhor maneira

de um estudante interagir com os conteúdos escolares seria por meio do

Drama e, dentro dele, a promoção de uma intensa relação pessoal com o

material, com a exploração do tema proposto,

[...] empregando todas as experiências passadas

disponíveis ao grupo no momento presente e sua

capacidade imaginativa para criar vida, imagens da

vida em movimento, cujos objetivos são surpresas

e descobertas para os participantes e não para um

grupo de espectadores (HEATHCOTE, 1971, p.

43, tradução nossa).

O envolvimento íntimo com as questões apresentadas em um

momento do processo desafiaria os participantes a enfrentarem não só sua

compreensão da questão abordada, mas, também, a descobrirem qual

seria a melhor maneira de comunicar esse entendimento. Heathcote

afirma “[...] nós podemos dizer que a comunicação é a função crucial”

(1971, p. 43, tradução nossa). Ao resolverem problemas e discutirem as

motivações e relações humanas, os participantes construiriam

conhecimentos.

Heathcote desenvolveu a maior inovação no que diz respeito ao trabalho com Drama nas escolas inglesas. Vidor (2010) destaca que

Heathcote reforçou o caráter educacional do Drama, ao relacioná-lo à

aquisição de conhecimento e não ao desenvolvimento de habilidades

teatrais, como propunham os modelos tradicionais de trabalho com tal

101

linguagem, “[...] sem desconsiderar seu valor artístico e sua origem no

teatro” (2010, p. 28), buscando o fazer artístico como um caminho para a

construção de conhecimentos diversos.

Um ponto a ser destacado sobre o trabalho de Heathcote diz

respeito à maneira como ela incentivava os estudantes a se colocarem no

lugar do outro (papéis que assumiam) a fim de que os participantes

criassem empatia e entendessem os desafios postos “de dentro” da trama.

Ao invés de simplesmente tentar se colocar no lugar do outro (“se eu fosse

essa pessoa, o que eu faria?”), ela encorajava os estudantes a uma escolha

ética (“se eu fosse essa pessoa, o que deveria fazer?”).

Ao tratar os participantes como “peritos”35 em um determinado

assunto abordado no Drama – como pesquisadores, historiadores, juízes,

médicos, conselheiros, cientistas – Heathcote buscava perceber o

entendimento que os estudantes possuíam sobre determinado assunto ou

função social, e, a partir desse contexto, trazer informações que

ampliassem o repertório do participante. Ao tratá-los como especialistas,

enfatizava a responsabilidade que eles possuíam acerca das decisões a

serem tomadas para o encaminhando da proposta dramática.

As ações realizadas pelos participantes e seus significados eram

explorados para orientar os educandos na compreensão das “facetas” de

um papel social e das diversas perspectivas que o tema abordado poderia

desencadear. Dorothy incentivou também os professores a assumirem

papéis como parte da exploração. Essa proposta ficou conhecida como

“professor no papel”36, justamente por possuir experiências como atriz

que a questão da representação teatral é acentuada no seu trabalho.

Ao vestir um papel, o professor poderia propor novas ações

dentro de uma mesma situação e, desse modo, direcionar o foco de

atenção dos participantes questionando as opções tomadas por eles. Ao

interferir no processo, o professor mediaria a construção de

conhecimento, enfatizaria aspectos relacionados ao contexto,

incentivando os estudantes a explorarem diferentes formas de comunicar

seu entendimento sobre a situação.

Cabral (2009a) ressalta que a intervenção de Heathcote oscila

entre os níveis metodológico e ideológico. Há uma intervenção

metodológica ao estruturar e sequenciar o trabalho propondo novas

35 A estratégia “manto do perito” (mantle of the expert) será abordada no subcapítulo seguinte.

36 O conceito de “professor no papel” é uma das maiores contribuições de Heathcote ao Drama

na Educação. Esse conceito será melhor discutido no subcapítulo seguinte.

102

tarefas a partir das criações realizadas anteriormente pelos participantes

e, nesse sentido, enfatiza-se as atitudes tomadas por eles. No nível

ideológico, Dorothy tinha como foco a produção de significados pelos

participantes, “[...] ao selecionar as convenções e estratégias e em dar

prosseguimento à narrativa, Heathcote administra a percepção dos

participantes sobre a situação em pauta [...]” (CABRAL, 2009a, p. 42) e,

dessa maneira, dimensionava as opiniões e olhares sobre um determinado

problema.

Ainda que Doroty Heathcote tenha explorado questões teatrais,

seu foco de trabalho estava na discussão e compreensão dos temas

abordados e na construção de conhecimentos por meio da experimentação

dramática. Portanto, a questão da performance artística dos participantes

não lhe interessava. Desse ponto de vista percebe-se o desenvolvimento

de uma proposta de apropriação de aspectos da linguagem teatral como

um meio para o trabalho pedagógico. Ao enfatizar a construção de

conhecimentos, esse método foi difundido e apropriado tanto por

pedagogos, quanto por professores de teatro, cada qual se utilizando das

estratégias e convenções do Drama de acordo com suas propostas

pedagógicas.

Gavin Bolton, contemporâneo e parceiro de Heathcote, foi um

dos principais teóricos e praticantes do Drama na Educação. Davis (2010)

afirma que enquanto Dorothy inventava novas estratégias e formas de

abordar o Drama e as praticava com crianças e professores, Bolton

dedicava-se a sistematizar e teorizar os conhecimentos e práticas de

ambos, com o intuito de torná-los acessíveis internacionalmente.

Sobre o Drama, Bolton pontua:

Nós estaríamos habilitados para responder esta

questão: quais são a natureza e a função do Drama

quando ele opera no seu mais alto nível de

realização? Parece-me que uma possível resposta

para esta questão seria: quando ele é composto

pelos elementos comuns tanto aos jogos infantis

quanto ao teatro, quando os objetivos são ajudar as

crianças a aprenderem sobre aqueles sentimentos,

atitudes e preconceitos que, antes de

experimentarem o Drama, estavam tão implícitos

pra eles que não tinham consciência (BOLTON,

1971, p. 12-13, tradução nossa).

Em suas obras, Bolton discute às inquietações provenientes de

sua prática como professor de Drama, tais como: a relação entre Drama e

103

jogo, as naturezas cognitiva e afetiva da experiência, as relações entre os

jogos infantis, jogos dramáticos e teatro, como ajudar as crianças a

entenderem o mundo social que as circunda e as relações que estabelecem

com este.

Para Bolton a performance dos participantes, em si mesma, tem

mérito educacional, desde que seja resultado de uma exploração pessoal

e intensa do material que lhes foi oferecido como estímulo. Para ele se o

engajamento emocional dos estudantes for verdadeiro, eles não

representarão estereótipos, mas sim, experimentarão, por meio do

contexto ficcional, os desafios reais dos papéis e situações que

vivenciarem.

A performance será fruto da compreensão do estudante sobre o

material e não da visão imposta pelo condutor do processo, “[...] eles

desenvolvem a responsabilidade por sua aprendizagem” (BOLTON,

1984, p. 05, tradução nossa). Bolton propõe que ambos (professor e

estudante) engajem-se na análise contextual das ações embutidas dentro

de um texto (ou outro material) que sirva de base para o processo

dramático que se desenvolverá em etapas. Ao solicitar o engajamento dos

participantes, gerar-se-á uma apropriação do conhecimento construído e

do conteúdo abordado.

Bolton questiona a separação entre o jogo e a performance, defendendo a ideia de que a junção dessas duas práticas gera uma

experiência mais completa para a criança. Ao desenvolver uma

experimentação dramática, explorando temas de seu interesse, conduzida

pelo professor que, por seu maior conhecimento estabelece as relações

entre tais interesses e os conteúdos escolares, a criança pode dispor da

utilização de ferramentas dramático-teatrais, como papéis ficcionais,

cenários, objetos para aprofundar as questões trabalhadas.

A essência do Drama é a justaposição de dois contextos

concretos: o real e o ficcional e, portanto, se uma criança de 03 anos,

sentada em uma cadeira, com os braços esticados, fingi dirigir um carro,

o significado dessa experiência vai ser melhor compreendido e poderá ser

explorado pelo professor se esse levar em consideração que há um

processo dialético entre os dois contextos – entre a exploração pessoal do

seu corpo (no contexto real) e a performance (no contexto ficcional).

A partir dessa compreensão de Bolton acerca do Drama, que ele

cunha a expressão ‘living throught drama’ para expressar a maneira

como, tanto ele quanto Dorothy, concebiam a imersão dos participantes

em um processo – a vivência pelos participantes de uma determinada

situação que poderia ser real, por meio de um processo dramático.

104

Bolton e Heathcote (1994) resumem um dos princípios que deriva da

abordagem de Heathcote para o Drama na Educação:

Se você lida com formação de professores, você

deve continuar a trabalhar diretamente com

crianças, estudantes do jardim de infância, do

ensino fundamental, ensino médio, superior, ou

seja, em instituições de ensino de todos os tipos,

deste modo você está constantemente praticando o

que você pede para aos outros fazerem e evoluindo

os princípios teóricos a partir da prática

(BOLTON; HEATHCOTE, 1994, p. 03-04,

tradução nossa).

Portanto, o trabalho de Heathcote e Bolton desenvolveu-se a

partir da constante exploração das ferramentas metodológicas que

descobriam por meio dos problemas que enfrentavam na prática. Neste

sentido, a questão contextual está explícita. A partir do momento em que

o professor passa a reproduzir um modelo metodológico distanciado da

prática, ele está se afastando de um dos pressupostos do Drama que é o

de servir como um meio para o desenvolvimento de uma experiência

significativa através da exploração de questões do contexto real em um

contexto ficcional.

Bolton (1984) retrata que é um erro acreditar que os estudantes

poderão ter uma educação estética apenas porque eles adquiriram uma

boa quantidade de conhecimentos conceituais sobre Teatro ou Drama.

Aprender sobre algo nunca deverá e poderá substituir a aprendizagem

através do fazer, do engajamento com a proposta. Como aponta Davis ao

retratar o trabalho de Bolton: “Usar este engajamento para confrontar as

crianças com elas mesmas em relação ao mundo social do qual elas são

parte intrínseca” (2010, p. XVI, tradução nossa) e, portanto, aprender a

partir da experiência do fazer, do colocar-se, do experimentar.

As maiores críticas ao Drama de Heathcote e Bolton dizem

respeito a uma suposta “destruição” da arte teatral nas escolas, como

retratou David Hornbrook (1998). Antes dele, Malcolm Ross (1982)

acusou ambos de serem anti-teatrais, professores manipuladores que

interferiam na criatividade das crianças. Peter Abbs (1994) destacou que o Drama na Educação inglesa negligenciava a questão estética que

envolve a arte dramática.

Bolton, nos escritos sobre seu trabalho, buscou superar a divisão

entre elementos da arte teatral e do Drama, divisão originária da

hostilidade de Slade e Way para com o teatro na escola. Bolton tem

105

defendido a singularidade do Drama como uma forma de arte dramática,

na qual o teatro está intrinsicamente associado.

A irlandesa Cecily O’Neill tem sido uma propulsora do trabalho

com a linguagem dramática na educação. No final dos anos de 1980

O’Neill ampliou a abordagem de Heathcote, propondo um método que

ela denominou de Process Drama (Drama Processo). Segundo a autora,

esse termo busca distinguir uma abordagem particular do Drama dentro

de um contexto teatral.

O’Neill reconhece o trabalho pioneiro de Heathcote e Bolton e

aponta que ela parte do trabalho deles na sua busca pela ampliação das

possibilidades do Drama, principalmente no que diz respeito à

apropriação e diálogo com elementos da linguagem teatral. “Bolton tinha

um profundo conhecimento da natureza teatral e sabia que o Drama

funcionaria melhor quando operasse de acordo com as regras do teatro”

retrata O’Neill (apud DAVIS, 2010, p. XI, tradução nossa) e, portanto,

sua abordagem buscaria enfatizar as questões teatrais presentes no Drama

e aquelas possíveis de serem ampliadas.

Em seu livro Drama Worlds (1995) O’Neill busca demonstrar

que a experimentação dramática propiciada por um processo de Drama,

equivale-se àquela desenvolvida em improvisações teatrais. Ela busca

clarificar a relação existente entre o Process Drama a as características

básicas de um evento teatral, apropriando-se de terminologias do teatro.

Segundo O’Neill:

Process Drama tem o potencial de engajar os

participantes em uma busca por significados

dramáticos [...] elementos dramáticos essências são

manipulados pelo líder e pelos participantes em um

processo de Drama de modo que ele conduza

ambos a uma autêntica experiência dramática e um

maior entendimento sobre a natureza do evento. A

aprendizagem sobre Drama ocorre através do

engajamento na experiência (O’NEILL, 1995, p,

XIV, tradução nossa).

Para O’Neill, o Drama é considerado um gênero teatral. Sua

abordagem busca enfatizar a teatralidade presente nessa abordagem, principalmente pela ênfase que dá ao aspecto da improvisação, presente

tanto em sua abordagem metodológica quanto no fazer teatral. O’Neill

afirma que a improvisação é o componente essencial de um processo de

Drama.

106

Entretanto, diferente de um jogo ou exercício de improvisação

isolado, o Drama propõe que o participante imerja numa situação

dramática e que se coloque em jogo dentro dela. Para que esse processo

tenha uma continuidade e uma organização crescente O’Neill emprega

uma nova característica ao trabalho com o Drama – o pré-texto.

Por ser dramaturga, a autora vai enfatizar a dimensão da

apropriação de um texto no processo dramático, não necessariamente um

texto teatral, mas um material do qual se possam retirar fatores de tensão

e contraste, características intrínsecas a um texto dramático. Ela introduz

a busca por um referencial que delimite e contextualize a atividade em

desenvolvimento, um pré-texto, “[...] uma fonte ou impulso para o

processo de Drama” (O’NEILL, 1995, p. XV, tradução nossa). Cabe

ressaltar que, ainda que O’Neill tenha cunhado o termo “pré-texto”, os

Dramas anteriores a sua abordagem utilizam-se de algum tipo de material

de base para embasar suas propostas.

Assim como os Dramas de Heathcote e Bolton eram

desenvolvidos em sessões, O’Neill trabalha com a estruturação de seus

processos em episódios, mas de um modo diferente. Por sua preocupação

com a coerência interna dos eventos, com a criação de uma narrativa –

como em um texto teatral – a autora cria uma estrutura prévia de

acontecimentos, diferente daqueles que estavam mais focados na pesquisa

de temas.

Isso não quer dizer que ela não se aproprie das contribuições dos

participantes. Ela defende que uma sequência de episódios previamente

estabelecida pode evitar repetições de propostas e estratégias e dar uma

visão do processo para o condutor. É importante ressaltar que diferente

de Heathcote – que desenvolvida processos em torno de temas – O’Neill

cria processos mais próximos da dramaturgia teatral, utilizando-se,

preferencialmente, de textos clássicos nos seus processos.

Mesmo com a existência de uma estrutura prévia, o processo é

impossível de ser repetido. Outro grupo pode trabalhar sobre a mesma

estrutura, mas as respostas às ações e tarefas propostas serão sempre

diferentes. Nesse sentido, a experiência dramática será sempre autêntica

e a composição narrativa gerada – o texto performático – será próprio dos

participantes de um determinado processo.

Nesse processo de construção de uma narrativa teatral, no qual

os participantes devem agir para dar continuidade à trama, O’Neill

enfatiza a dimensão espectatorial a partir de uma auto observação, do ato

de colocar-se como espectador de si mesmo (self-spectator). Não há uma

separação entre ação e reflexão. Os participantes são levados a perceber

seus argumentos e atitudes a partir da consequência desses no desenrolar

107

do processo dramático e a narrativa é constituída a partir de suas

intervenções.

Dorothy Heathcote e Gavin Bolton são reconhecidos como os

pioneiros do Drama, considerado uma nova e radical forma de prática

educativa, mas foi O'Neill quem tornou esse método acessível para

educadores de todo o mundo. Seu trabalho na estruturação do Drama em

sala de aula, seus escritos sobre pré-texto e estruturação de processos de

Drama, seus estudos sobre a imaginação, a educação multicultural e as

formas dramáticas, assim como sua preoucupação com a ampliação do

repertório cultural dos estudantres, foram fundamentais para a difusão do

Drama na América do Norte, Europa e Austrália.

Gostaria de citar outros dois praticantes e estudiosos do Drama

que contribuíram com a teorização e a consolidação desse método dentro

dos sistemas de ensino anglo-saxões.

O primeiro deles é o australiano John O’Toole, precursor do

Drama na Austrália e respeitado professor da Universidade de Melbourne,

seu primeiro livro Theater in Education data de 1977, nesse trabalho

O’Toole cunha a expressão professor-ator para enfatizar a maneira como

atua nas proposta de Drama que realiza. Sua experiência como professor

de teatro e ator influenciou sua obra acerca do Drama na Educação e,

assim como Heathcote, a participação ativa do professor vivenciando

papéis vai se tornar uma característica de seus trabalhos.

Em seu livro The Process of Drama (1992) O’Toole afirma que

a palavra processo em Drama diz respeito a “[...] negociação e

renegociação de elementos dramáticos, em termos de contexto e

propósitos dos participantes” (1992, p. 02, tradução nossa). Nesse sentido,

pensar em processo é reconhecer o contexto real no qual a situação

dramática será instaurada e como tal situação será “alimentada” pelos

participantes da proposta. “O pano de fundo de qualquer experiência

dramática é o contexto real dos participantes” (O’TOOLE, 1992, p. 48,

tradução nossa) e a maior ou menor adesão dos participantes às tarefas,

ações, propostas e improvisações, dependerá, em grande parte, da

conexão estabelecida entre os contextos real e ficcional.

Ao discutir a ação de dramatizar o autor busca identificar quais

elementos que seriam essenciais para que se possa qualificar um evento

como “dramático”. Segundo O’Toole (1992) existem muitos eventos

performáticos como os jogos de guerra (e outras formas de treinamento

por simulação), a performance art, os happenings, que são “quase”

dramáticos, que possuem aparência dramática, mas não carregam todos

os elementos necessários para que seja possível qualificá-los como

Drama. Por outro lado, existem ações humanas como os jogos infantis,

108

adultos que adotam certo “papel social” ou “estilo de vida”, alguns

eventos sociais como rituais e cerimônias, que são compostos

essencialmente de elementos dramáticos, mas que também não podem ser

considerados Drama.

Os elementos que, segundo o autor, compõem uma forma

dramática são: contexto ficcional, papéis sociais e suas inter-relações,

propósitos e tarefas, foco (enquadramento de situações), tensão (nas

tarefas, relações, surpresas, mistérios, segredos), tempo (ficcional),

recepção (diferentes relações com a plateia), espaço (ficcional),

participação do grupo, linguagem e movimento, clima emocional,

símbolo e significado.

Em um processo de Drama, esses elementos vão se conjugar a

fim de tornar a experiência significativa para os participantes,

desdobrando-se em possibilidades de aquisição de conhecimento sobre si,

sobre o mundo e sobre a arte teatral. Esses elementos serão mais bem

clarificados no subcapítulo seguinte quando tratarei das convenções do

Drama e das estratégias selecionadas para os processos desenvolvidos

com crianças da Educação Infantil.

O segundo autor com importante contribuição na atual história

do Drama é o inglês Jonathan Neelands. Seus trabalhos buscam a estreita

relação entre Drama e Teatro, sobretudo a partir da literatura clássica (em

especial, a shakespeariana), com o intuito de explorar questões humanas

mais amplas – questões presentes nas obras de Shakespeare.

Seu primeiro livro Structuring Drama Work: a handbook of available forms in theatre and drama (1990), em parceria com Tony

Goode, tinha o intuito de destacar as convenções necessárias para

professores, líderes e estudantes estruturarem atividades dramáticas. Tais

convenções são apropriadas a partir do teatro, uma vez que, “[...] no

teatro, significados, códigos sociais e interações são representadas,

moldadas e trabalhadas através das convenções dramáticas” (2000, p. 03,

tradução nossa) e, por conta do Drama ser um fazer teatral, tais

convenções apresentam-se na estrutura dos processos.

Ao se apropriar de convenções dramáticas para colocar os

participantes em uma experimentação lúdica, gera-se experiências

diversas acerca dos temas explorados e das relações estabelecidas dentro

do Drama, como uma projeção da vida real. Constrói-se coletivamente

uma experiência assim como reflexões são geradas acerca do sentido

dessas experiências para os participantes.

Neelands e Goode (2000) apontam os seguintes pressupostos

para a compreensão de seu trabalho acerca das relações existentes entre

as convenções do teatro e do Drama:

109

Teatro: é a experiência direta compartilhada que ocorre quando

as pessoas imaginam e se comportam como se fossem outros em algum

outro espaço e tempo. Nesse sentido, os autores, ampliam a noção de

teatro para além da representação de uma peça teatral para uma plateia e

a colocam no mesmo patamar de uma experiência com Drama, onde todos

estão imersos numa situação.

Significados: em teatro, interpretações são realizadas tanto pelos

espectadores quanto pelos participantes. Portanto, na construção de uma

experimentação teatral, o uso simbólico de objetos, luzes, sons, por

exemplo, proporcionam diferentes leituras e significações. A utilização

desse pressuposto conjuga-se à compreensão dos atores de que o ser

humano tem uma necessidade de se comunicar e que essa comunicação

se dá por meio de símbolos, principalmente quando se trata de arte. No

Drama, os participantes criam significados a todo o momento a partir da

apropriação e significação dos materiais utilizados no processo.

Convenções: são indicadores do modo no qual tempo, espaço e

presença podem interagir e ser imaginativamente conjugados para a

criação de diferentes tipos de significados no teatro. Nos Dramas

propostos por Neelands a ênfase na criação de uma ambientação cênica

mostra-se conjugada à utilização das convenções para a promoção de

diferentes significados para os participantes.

Neelands utiliza as convenções teatrais de tempo, espaço e

presença justamente para que o processo de Drama possa levar os

participantes ao desenvolvimento tanto de uma experiência humana,

acerca do conhecimento de si e do mundo, quanto de uma experiência

acerca da linguagem teatral; ainda que essa compreensão possa ser, ou

não, posteriormente comunicada a outros por meio de uma representação.

3.1.2 O Drama no contexto brasileiro

No Brasil, o Drama foi introduzido por Beatriz Cabral depois de

seu doutorado na University of Central England (1990-1994) em

Birmingham (Reino Unido) onde participou de processos de Drama

conduzidos por Dorothy Heathcote. Seu livro Drama como método de

ensino (2006)37 é a principal referência sobre a apropriação desse método

no nosso país.

37 Este livro é uma reelaboração de um material lançado em 1998, pelo Departamento artístico

cultural da Universidade Federal de Santa Catarina, na revista Arte em Foco.

110

Nessa obra, e em dezenas de artigos publicados sobre Drama

deste então, Cabral tem abordado diferentes aspectos desse método, desde

sua estrutura, proposta metodológica, sua construção histórica, à sua base

filosófica. Para Cabral,

[...] a atividade dramática está centrada na

interação com contexto e circunstâncias diversas,

em que os participantes assumem papéis e vivem

personagens como se fizessem parte daquele

contexto naquelas circunstâncias. Para o

participante isto significa ‘assumir o controle da

situação’, ser o responsável pelos fatos ocorridos.

Envolvimento emocional e responsabilidade pelo

desenvolvimento da atividade são características

essenciais do drama – o aluno é o autor de sua

criação (CABRAL, 2006, p. 33).

Cabral (2006) apresenta alguns processos desenvolvidos na

Escola Desdobrada Municipal João Francisco Garcez entre os anos de

1996 e 1998, evidenciando a estrutura de organização dos processos e

dando ênfase à dimensão interdisciplinar existente no Drama. Ao colocá-

lo como eixo curricular no Ensino Fundamental, Cabral aponta as

possibilidades de se apropriar dos conhecimentos de outras áreas na

construção de um processo dramático.

Algumas características tornaram-se peculiares à abordagem de

Cabral. A primeira delas diz respeito ao trabalho com a linguagem teatral.

Enquanto fora do Brasil o Drama é trabalhado tanto por professores de

teatro quanto por profissionais de diversas áreas, sendo, em muitos casos,

utilizado como um meio para aquisição de conhecimentos das disciplinas

do currículo, no Brasil, o Drama foi introduzido como um método para a

experimentação teatral que contribua com a apropriação, pelos

participantes, das estruturas e conceitos teatrais.

Outro aspecto diz respeito à teatralidade presente nos processos

brasileiros. Por Beatriz Cabral ser professora em um curso de licenciatura

em Teatro, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), a

construção dos processos desenvolvidos tanto por Cabral, quanto por seus

orientandos de mestrado e doutorado ou mesmo pelos acadêmicos do

curso, nas disciplinas de Metodologia do Ensino do Teatro e Estágios,

apresenta um aspecto mais teatral.

Tem-se uma preocupação com a aquisição de conhecimentos

acerca da linguagem teatral. Constrói-se um processo com o intuito de

que a experiência dramática proporcionada pelo Drama faça com que os

111

participantes aprendam sobre teatro e conheçam uma maneira diferente

de construir conjuntamente uma narrativa dramática. Esse não é um

aspecto acentuado em muitas propostas de Drama fora do Brasil.

Quando o professor que está desenvolvendo um processo de

Drama entende de teatro, ele sabe como lançar situações que se apropriem

melhor de convenções dramáticas, que desafiem os participantes, que os

coloquem em um ambiente de interação lúdica e experimentação

dramática. Quando esse conhecimento teatral é incipiente, corre-se o risco

de que o processo seja excessivamente conteudista e que os participantes

discutam e reflitam, mas coloquem-se pouco em papéis ficcionais.

Esse é um aspecto essencial ao Drama. Todo e qualquer tema que

o condutor de um processo queira trabalhar ou atividade que queira

desenvolver, deve estar dentro de um contexto ficcional. Os participantes

devem agir e reagir dentro de tal contexto, preferencialmente por meio da

experimentação de diferentes papéis, improvisando-os de acordo com a

situação proposta.

Percebo também que nos processos com os quais trabalhei

conjuntamente com a professora Beatriz, o aspecto corporal foi

enfatizado. No contexto brasileiro tem-se uma preocupação com o

engajamento físico do participante, com uma real experimentação

corporal das situações propostas ou mesmo com a construção efetiva de

papéis ficcionais por meio do Drama. Esse aspecto da corporeidade torna-

se evidente quando do trabalho com crianças mais jovens, uma vez que a

assimilação do mundo se dá, inicialmente, por um viés físico.

Em seu livro, citado anteriormente, Cabral estabelece também

relações entre este método e o teatro contemporâneo, ampliando, dessa

maneira, as abordagens metodológicas para o ensino do teatro na

contemporaneidade. “A tarefa posta ao professor se aproxima da do

diretor contemporâneo que visa romper os limites do espaço cênico e

ampliar a interação ator-espectador” (CABRAL, 2006, p. 116), nesse

sentido, tem-se uma possibilidade metodológica para o trabalho

pedagógico que não se distância da prática e teoria da arte teatral em

desenvolvimento fora dos muros da escola.

Outros dois pesquisadores podem ser citados por retratarem em

suas obras o trabalho com o Drama no contexto brasileiro. O primeiro é

Flávio Desgranges que em seu livro Pedagogia do Teatro (2006)

apresenta diferentes metodologias para o ensino do Teatro, entre elas, o

Drama.

Desgranges trata o Drama como uma forma teatral e assinala que

esse método não foi amplamente difundido por conta da existência de

112

diferentes compreensões acerca dos seus objetivos e procedimentos,

dificultando a difusão do mesmo de forma estruturada.

Uma limitação apontada pelo autor diz respeito ao fato dos participantes

imergirem no processo de tal modo que não reflitam acerca do discurso

cênico criado. Cabe ao coordenador, portanto, pensar em estratégias que

“[...] incentivem os participantes a investigar possibilidades e ampliar

seus conhecimentos acerca dos elementos constituintes da linguagem

teatral” (DESGRANGES, 2006, p. 138), cabendo ao condutor acentuar a

questão artística do processo.

A segunda autora é Heloise Vidor. Em seu livro Drama e

Teatralidade (2010), resultado de sua pesquisa de mestrado orientada por

Beatriz Cabral, Vidor retrata que esse método vem sendo difundido em

diversas partes do mundo pela aproximação do aluno com a linguagem

do teatro, “[...] através da construção dramatúrgica e do jogo de

alteridade, quando ao assumir papéis coloca-se no lugar do outro, como

possibilidade de melhor compreende-lo” (2010, p. 27). Em seu estudo,

Vidor acentua o trabalho do professor na construção da proposta ficcional,

sobretudo a partir da utilização da estratégia na qual o professor assume

diferentes papéis sociais como forma de mediação da experiência. No

trabalho de Vidor o professor é colocado como artista que cria em

conjunto com seus educandos. Essa estratégia será aprofundada

posteriormente.

Finalizo este subcapítulo apontando a necessidade de

observarmos o desenvolvimento histórico do Drama para a compreensão

dos motivos que levaram à constituição desse método, a relação estreita

entre seus criadores e as estratégias e adaptações que foram realizadas de

acordo com as experiências de cada um dos professores-pesquisadores.

Este histórico serve também para justificar minha proposta de

apropriação desse método no trabalho pedagógico com crianças da

Educação Infantil. Por conta do Drama estar calcado na experiência

coletiva de construção de conhecimentos a partir de situações do contexto

real dos participantes e por proporcionar a criação de um espaço de

experimentação dramática mediado pelo professor, que vejo nessa

proposta metodológica a possibilidade de contribuir com a estruturação

de um trabalho com a linguagem teatral nessa esfera de ensino.

No subcapítulo seguinte abordarei as convenções do Drama e as

estratégias que julguei possíveis de serem utilizadas nos processos

desenvolvidos com 09 grupos da Educação Infantil. A escolha das

estratégias se deu a partir de discussões realizadas junto aos profissionais

da Trupe da Alegria que trabalharam comigo na elaboração dos processos

e que os conduziram.

113

3.2 EXPLORANDO O DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

[...] é por sua interação social e mediação de adultos que [a criança] se

apropria da linguagem maternal e das relações sociais, incorporando palavras

que lhe permitem compreender o mundo, ascender à vida intelectual dos que a

cercam, aprender enfim.

(Celso Antunes)

Para que a criança se aproprie de um conhecimento, conteúdo,

prática social ou cultural é necessária uma mediação. Tal ação mediadora

pode se configurar como um auxílio dado por um adulto ou um parceiro

mais experiente na realização de uma atividade ou mesmo a descoberta

de novos saberes por meio de informações retiradas de um livro ou de

outro meio de comunicação.

Com a linguagem teatral não é diferente. Para que a criança

perceba que as brincadeiras de faz de conta que realiza no seu cotidiano,

podem, aos poucos, transformarem-se em uma linguagem ou uma arte e

que essa linguagem e arte tem o nome de teatro, é necessária a intervenção

de um adulto consciente tanto dos processos pelos quais a criança

naturalmente desenvolve sua capacidade imaginativa, quanto das

possibilidades de inserir o teatro no cotidiano dessa criança como

linguagem, atividade artística e experiência estética.

Na busca por um caminho metodológico que pudesse contribuir

com a inserção da linguagem teatral na Educação Infantil, assim como

auxiliar o profissional que trabalha diretamente com a criança a promover

uma aprendizagem sobre o teatro condizente com as especificidades da

infância, encontrei no Drama uma estrutura de trabalho que se assemelha

com as propostas pedagógicas da Educação Infantil.

Para verificar a possível apropriação do Drama por esse

segmento de ensino propus, aos profissionais da Trupe da Alegria, a

realização de processos de Drama nas unidades educativas onde

trabalham. Esses trabalhos seriam orientados semanalmente por mim,

mas desenvolvidos pelos profissionais; esses poderiam trabalhar em

duplas (com outro membro da Trupe que não estivesse em sala) ou inserir

outros parceiros de suas unidades no processo (como uma maneira de disseminar essa proposta a outros profissionais).

A partir do pressuposto de que esse método não impõe uma

metodologia fechada, mas propõe um modelo adaptável ao contexto de

trabalho, preocupado com a participação efetiva e afetiva do grupo,

114

apresentarei algumas concepções sobre o Drama que se relacionam com

a Educação Infantil e, posteriormente, as convenções e estratégias desse

método que foram utilizadas para a estruturação dos processos realizados

pelos membros da Trupe, processos os quais serão apresentados e

analisados no capítulo seguinte.

3.2.1 Relacionar conhecimentos

Sobre o que eu quero que as crianças aprendam? Qual o foco do Drama?

Um ponto de partida para um processo de Drama é encontrar o

“tema” ou área de aprendizagem sobre a qual esse será desenvolvido. O

Drama sempre será “sobre” algo. Poderá trazer questões do cotidiano dos

participantes, temas que aparecem em suas brincadeiras, questões

políticas, éticas e estéticas que dialoguem direta ou indiretamente com o

grupo, problemas de relacionamentos, curiosidades dos participantes,

desejo de conhecerem uma determinada cultura, um período da História,

experimentarem o contexto de uma determinada obra (teatral, conto,

romance, filme, música), aprofundarem seus conhecimentos sobre

determinado conteúdo curricular a ser trabalhado. Independe de qual seja

o tema, ele sempre será explorado por meio de uma experimentação

dramática.

Segundo Bowell e Heap, o Drama “[...] oferece a oportunidade

de que duas vertentes de aprendizagem estejam sempre presentes –

aprender sobre a natureza do Drama e aprender através do Drama sobre

outras coisas” (2013, p. 04, tradução nossa). Nesse sentido, a

aprendizagem dramática não exclui o conteúdo a ser trabalhado, pelo

contrário, as duas vertentes são complementares e uma sustenta a outra.

Trata-se, pois, de um processo que se configura artística e

pedagogicamente.

A possibilidade de experimentar dramaticamente determinado

tema ou conteúdo permite a criança o desenvolvimento de uma

aprendizagem mais sensível uma vez que é necessário um engajamento

não somente intelectual mas também físico e emocional para que o

processo dramático e de aprendizagem aconteça. Ao experimentarem

dramaticamente determinadas situações, emergem desejos e curiosidades

que se relacionam com seu contexto – social, cultural, familiar ou mesmo

do conteúdo curricular. A intenção é que a participação no processo se

115

torne prazerosa, estimulante e articulada com a realidade das crianças e

que os elementos teatrais que sustentam o Drama possam ser melhor

assimilados a partir de um tema que seja do interesse da criança.

A atenção aos aspectos artísticos e criativos da experiência serão

focalizados pelo professor, que, como mediador do processo, não deixará

que o conteúdo se sobreponha à experimentação artística e vice-versa.

Portanto, faz-se necessário um conhecimento sobre teatro e sobre Drama

para a criação e condução de um processo e, por conta disso, optei por

experimentar este método com os profissionais que participam da Trupe

e tem uma formação de pelo menos três anos em oficinas teatrais e criação

de espetáculos para crianças.

O Drama consegue, dentro de sua proposta como método, reunir

diversas linguagens e eixos curriculares em torno de si. Um processo de

Drama pode dialogar com diferentes áreas e conteúdos que os professores

queiram trabalhar com as crianças, por meio de um formato lúdico e

experimental, diferente de propostas meramente expositivas e didáticas.

As crianças realizam descobertas colocando-se nas situações propostas

pelos professores, vivenciando cada desafio, refletindo a partir de suas

percepções e da dos colegas, construindo conhecimento de forma coletiva

e expressando seu aprendizado artisticamente. Como afirma Hitotuzi:

É esse caráter pedagógico-transdisciplinar de

vocação educacional humanístico transformadora

que torna o Drama-Processo um modelo atraente

para educadores que, embora desejem um tipo de

educação global para seus alunos, têm de enfrentar

a realidade da compartimentalização curricular

instituída nas escolas. (HITOTUZI, 2007, p. 194).

Essa abertura aos temas específicos de um determinado grupo

contribuiu para pesquisar o Drama como uma forma de aprendizagem

teatral na Educação Infantil, justamente porque nesse segmento de ensino

os conteúdos (sejam eles artísticos ou de outras áreas do conhecimento)

não se encontram distribuídos em disciplinas, mas misturam-se e

permeiam as diversas atividades realizadas, buscando-se evitar que a

aprendizagem da criança se realize de forma fragmentada.

As propostas de ação, por meio do Drama, portanto, embasam-se na interdisciplinaridade, com vistas a uma prática sem fragmentações

que proporcione a educação artística e estética incorporando diferentes

áreas do conhecimento e interagindo com elas. Para que a prática

interdisciplinar não se configure como polivalente, propondo-se

116

atividades diversas, de forma fragmentada, utilizando-se superficialmente

e, muitas vezes, equivocadamente, diferentes linguagens, o Drama propõe

um projeto estruturado em torno de um tema e a investigação aprofundada

desse a partir de diferentes conhecimentos, podendo agregar profissionais

de áreas específicas no processo.

Ao propor o Drama na Educação Infantil, vejo a possibilidade do

profissional que trabalha com a criança realizar um processo pedagógico

que se utiliza das questões pertinentes ao seu grupo e, que “[...] ao

investigar as respostas o fará de acordo com suas necessidades e interesse,

caracterizando-se assim [o participante] como produtor dos

conhecimentos adquiridos em vez de mero reprodutor do que lhe é

passado pelo professor” (CABRAL, 2006, p. 34). Ao observar as palavras

de Cabral, percebe-se o interesse do Drama pela construção de

conhecimentos e não por uma transmissão de verdades.

Ao trabalhar um tema de forma permeável às contribuições das

crianças, a intenção do Drama é de que elas possam ampliar as percepções

acerca das questões postas. Utilizando-se de diferentes estratégias de

trabalho, o ideal é que o condutor tente abordar esse tema por diversos

ângulos e diferentes procedimentos. Ao explorar tais ângulos e questionar

as tomadas de decisões e respostas dos participantes, o Drama se

caracteriza como uma proposta dialógica de construção de saberes.

Independente do tema a ser escolhido, o condutor do processo

necessita encontrar os problemas, conflitos, focos de tensão a serem

enquadrados ao longo do processo. Como afirmam Bowell e Heap:

O Drama, como toda forma de arte, está

preocupado com a representação simbólica de

experiências da vida [...] Drama é essencialmente

sobre pessoas e suas relações, dilemas, interesses,

expectativas, medos, aspirações, celebrações e ritos

de passagem [...] (BOWEL; HEAP, 2013, p. 17,

tradução nossa).

Então, por exemplo, se um professor deseja trabalhar sobre o

tema “códigos de comunicação”, ele pode se questionar como surgiram

as línguas, por que precisamos de diferentes linguagens, qual sua função

em diferentes épocas, como as pessoas podem se comunicar sem saber a mesma língua. Ao trabalhar “o desenvolvimento humano” as crianças

podem ser levadas a perceber como os animais se desenvolvem, como

uma metáfora para compreender seu próprio desenvolvimento. Ao

117

trabalhar com o tema “morte”, pode-se estruturar um projeto que busque

perceber como diferentes culturas lidam com essa.

Cabe enfatizar que para cada tema escolhido para a estruturação

de um processo, necessita-se perceber quais as questões que ele incita,

dentro do contexto dos participantes. Obviamente que um tema tratado na

Educação Infantil terá dimensões diferentes e respostas diversas se

comparado a um processo com uma turma de Ensino Fundamental ou

Médio sobre o mesmo tema.

3.2.2 Do Drama à linguagem teatral

Essa viagem é de verdade ou de mentira? É a professora, não é o pirata!

O Drama, como já mencionado, é um fazer teatral e, como tal,

utiliza-se de convenções teatrais em sua estrutura e permite que os

participantes aprendam sobre teatro a partir desse uso. No âmbito da

Educação Infantil, por meio da nossa experiência direta com as crianças,

algumas questões dessa linguagem pareceram ganhar maior amplitude,

uma vez que, dialogavam com o desenvolvimento da criança. Tratarei de

expor essas questões refletindo sobre como o Drama pode lidar com elas

dentro de sua estrutura.

A dificuldade em distinguir o limite entre o real e o ficcional é

uma questão que fica evidente em processos com crianças menores. Até

que ponto as crianças mais novas acreditam que o acontecimento teatral

é uma ficção construída e não a realidade? Muitas choram, outras tem

medo, justamente porque a compreensão desse espaço ficcional ainda não

está totalmente construída. A medida em que crescem as crianças

começam a brincar e, ainda que saibam que tais brincadeiras são de

“mentira”, que são uma ficção, elas acreditam, interagem e participam de

forma autêntica dessa atividade, mesmo que o limite entre real e ficcional

ainda não esteja definido.

Esse espaço ficcional, tão próprio das brincadeiras de faz de

conta infantis, pode ser ampliado com a instauração de um processo de

Drama. Cabe ao professor, como mediador do processo de assimilação da

linguagem teatral, criar esse espaço ficcional. Ao apropriar-se do espaço

natural da brincadeira, o condutor de um processo pode criar situações e

desafios, utilizar-se de materiais textuais, de objetos e questões que

118

despertem o interesse das crianças a desenvolveram uma experimentação,

alimentando, dessa maneira, o universo lúdico de suas crianças.

O Drama se aproveita justamente da capacidade inata das

crianças de aprenderem a partir da imitação e do faz de conta para colocá-

las em situações ficcionais que lidem com desafios, desejos, curiosidades,

problemas do seu cotidiano. Portanto, um processo de Drama pode

contribuir com a construção desse espaço lúdico e com a compreensão da

convenção de que as situações experimentadas no teatro pertencem a

esfera ficcional.

Como os autores38 do RCNEI afirmam

O brincar de faz-de-conta [...] possibilita que as

crianças reflitam sobre o mundo. Ao brincar, as

crianças podem reconstruir elementos do mundo

que as cerca com novos significados, tecer novas

relações, desvincular-se dos significados

imediatamente perceptíveis e materiais para

atribuir-lhes novas significações, imprimir-lhes

suas ideias e os conhecimentos que têm sobre si

mesma, sobre as outras pessoas, sobre o mundo

adulto, sobre lugares distantes e/ou conhecidos

(BRASIL, 1998, p. 171).

Penso que essa construção de conhecimentos sobre o mundo

pode ser ampliada se o professor propuser atividades pedagógicas

intencionais e diferenciadas dentro de uma estrutura que permita

continuidade e reelaboração dos conhecimentos. Nesse sentido, o Drama

oferece a possibilidade de estruturar um processo de investigação e

experimentação de papéis, lugares, situações, podendo auxiliar os

profissionais a lidarem com as demandas pedagógicas da Educação

Infantil ao mesmo tempo em que exploram a linguagem teatral.

Outra questão que aproxima o Drama do universo infantil diz

respeito a vivência de papéis. O teatro tradicional trata de pessoas (atores)

que, em geral, representam outras pessoas (personagens) em dado tempo

e espaço construídos de forma ficcional. O Drama não se preocupa com a

construção de personagens, mas com a experimentação de papéis sociais,

aqui é fundamental que os participantes experimentem “ser” outras

38 O RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil, retratado no capítulo anterior, foi escrito por um conjunto de autores. Não há uma indicação de um autor para cada

tema ou seção, por conta disso me referi aos autores do documento sem citar um autor específico.

119

pessoas (ou outros seres) buscando colocar-se no lugar dessas para

lidarem com as situações que apareçam durante o processo.

A experimentação de papéis é também uma ação típica das

crianças. É comum encontrá-las fingindo ser a mãe, o pai, a professora, o

super herói, o motorista do ônibus, entre outros. Essa é uma atividade

natural para as crianças, ainda que muitas delas desconheçam que essa é

também uma característica da linguagem teatral. O professor pode ser a

figura que promoverá este aprendizado sobre o teatro. Aproveitando-se

da capacidade das crianças de criar papéis ele poderá, dentro de um

processo de Drama, incentivá-las a assumir e jogar coletivamente a partir

de distintos papéis, de acordo com as situações que vão sendo criadas no

processo, e, dessa forma, trabalhar o conceito teatral de representação.

Sabe-se que a elaboração de papéis se relaciona com determinado

período do desenvolvimento das crianças, geralmente em torno de 04

anos, e que o professor, ao conduzir um processo de Drama, considerará

o contexto do seu grupo e escolherá estratégias que melhor se adequem

as especificidades etárias e socioculturais.

Diferente também de propostas teatrais mais convencionais nas

quais quem atua e quem assiste se encontram em lugares distintos e com

posições diferenciadas, o Drama propõe uma dupla função aos

participantes; ao mesmo tempo em que experimentam dramaticamente

uma situação eles são espectadores de suas ações e das ações dos outros39.

Essas ações influenciarão nos encaminhamentos que serão dados ao

processo, ou seja, suas escolhas e decisões tem repercussões diretas nos

próximos episódios do Drama.

Ainda tratando da questão da apreciação em Drama, em

processos desenvolvidos com crianças do Ensino Fundamental, com

adolescentes ou com adultos, é comum a proposição de atividades em

pequenos grupos nos quais os participantes criam algo para mostrar para

as outros, na Educação Infantil, essas atividades são mais difíceis, pois,

em geral, as crianças ainda não tem a capacidade de criarem algo sozinhas

para ser apresentado. As propostas para crianças mais novas buscam

atividades mais coletivas e, caso se proponha atividades em pequenos

grupos, um adulto acompanhará as crianças.

Os momentos mais propícios para a construção do espaço de

fruição dentro do Drama na Educação Infantil, dão-se, geralmente,

quando o professor traz um papel ou um personagem para interagir com

as crianças. Essa estratégia, que será melhor destacada posteriormente,

39 Trata-se do conceito de self-spectator (espectador de si mesmo), comentado no subcapítulo

anterior quando retratei o trabalho de Cecily O’Neill.

120

permite que a criança lide tanto com a apreciação teatral, quanto com a

convenção da ficcionalidade, principalmente quando é o seu professor

que está representando um papel. Após alguns momentos, em que as

crianças dizem que é o professor que está “vestido”, elas embarcam na

situação ficcional proposta e compartilham dessa, aceitando o papel ou

personagem proposto pelo professor.

Ao vestir este papel e utilizar a linguagem teatral como uma

forma de comunicação com a criança, o professor contribui com a

construção dessa condição do fazer teatral – a relação entre criação e

fruição. Ao tomarem o professor como referência as crianças poderão ser

desafiadas a experimentarem também papéis mais elaborados, utilizando-

se de figurinos, objetos, explorando diferentes modos de usar a voz e o

corpo.

O Drama trata de uma experiência dramática que envolve os

participantes incentivando-os a agirem, improvisarem, criarem,

desenvolverem sua imaginação, aspectos esses semelhantes à experiência

teatral de criação de um espetáculo. Não há no Drama, entretanto,

elementos do teatro tradicional como um texto a ser seguido, personagens

que aparecem mais ou menos vezes em cena, com mais ou menos falas,

uma separação entre quem faz e quem assiste. Nessa experimentação

dramática o texto é criado no próprio ato de responder, agir e reagir aos

acontecimentos ficcionais que envolvem os participantes. Cada um dos

membros do grupo é ator e espectador de si mesmo e dos outros, numa

relação de criação conjunta.

Por conta desse formato experimental do Drama e das questões

a ele relacionadas: o contexto dos participantes, a exploração da

ficcionalidade, a experimentação de papéis, a apreciação artística sem

separação entre quem faz e quem assiste, penso ser ele um

encaminhamento metodológico possível de ser trabalhado na Educação

Infantil que dialoga com as particularidades desse segmento de ensino.

3.3 CONVENÇÕES DO DRAMA

A partir dos escritos de Bowell e Heap (2013), Neelands e Goode

(2000), Desgranges (2006) e Cabral (2006) selecionei as principais

convenções do Drama para serem trabalhadas com os profissionais da

Trupe da Alegria e apropriadas por aqueles que realizariam os processos

nas creches. Os trabalhos de Cabral e Desgranges foram estudados nos

encontros de formação e planejamento com os profissionais, por serem as

121

principais referências em língua portuguesa sobre o assunto, facilitando a

leitura por parte dos membros do grupo.

A seguir traço algumas considerações sobre cada uma das

convenções selecionadas e como lidamos com elas na criação das

propostas de Drama que serão apresentadas no capítulo seguinte.

3.3.1 Contexto dos participantes

Quais questões eu identifico no contexto do meu grupo de trabalho?

Para que a proposição de um Drama gere um engajamento dos

participantes e auxilie na construção de conhecimentos significativos

sobre o tema selecionado para se trabalhar, é importante observar o

contexto do grupo, “[...] suas idades, gêneros, experiências, a situação

social da saúde do grupo, a cultura, o caráter da escola, o espaço onde o

Drama está acontecendo, as demandas curriculares e assim por diante”

(BOWELL; HEAP, 2013, p. 23, tradução nossa) e perceber como o grupo

se relaciona com o tema. O Drama não está interessado em representar

uma história ou reproduzir estereótipos sobre determinado tema ou

situação, ao contrário, ele busca a imersão dos participantes na

experimentação dramática de uma situação que dialogue com a realidade

e amplie a percepção das questões contidas no real.

Partimos, portanto, nos nossos experimentos, da observação do

contexto real das crianças para encontrar focos de interesse, temas

geradores que pudessem impulsionar a criação dos contextos dramáticos.

Neste sentido, tornou-se evidente que cada processo de Drama é

estruturado de forma diferenciada para cada grupo, uma vez que parte dos

interesses e necessidade dos participantes. Nesse sentido, cada processo

caminhou para direções distintas de acordo com as faixas etárias, com as

maneiras como as crianças se apropriavam das dimensões teatrais

trabalhadas, além das necessidades de aprendizagens próprias a cada

grupo de trabalho.

Na observação dos contextos, levantamos algumas questões

iniciais: existe algum problema de relacionamento neste grupo? Sobre

quais temas as crianças brincam? Existe algum conteúdo específico que o

professor julgue importante trabalhar com aquele grupo? Quais suas

curiosidades, desejos, aspirações? Existe algum projeto na unidade

educativa? Existe algum conflito ou situação na comunidade onde as

122

crianças moram? Como elas se relacionam com universos ficcionais? Elas

vivenciam papéis nas suas brincadeiras? Que papéis são esses? Elas

possuem experiências como espectadoras teatrais?

Essas questões ajudaram os profissionais da Trupe a encontrar,

no contexto das crianças um tema que pudesse gerar a imersão do grupo

num processo dramático e construir conhecimentos sobre teatro e sobre

tal tema, por meio do processo de Drama, pois, como aponta Cabral, a

situação dramática se tornará convincente para os participante “[...] pela

interação entre o contexto da ficção, o contexto social e o contexto da

ambientação cênica” (2006, p. 13). A partir das possíveis analogias ou

aproximações entre esses três contextos, dependerá o engajamento

emocional dos participantes, conclui a autora.

Encontrados os temas, os professores da Trupe passaram a

levantar materiais que ampliassem sua visão acerca desse, evitando, dessa

forma, que acabassem estruturando um trabalho a partir de um senso

comum, preconceito ou estereótipo. Percebemos que para poder oferecer

um aprendizado amplo o professor necessita estar munido de referências.

O levantamento de materiais nos ajudou a encontrar diferentes fatos,

histórias, vídeos, músicas, imagens, enfim, estímulos que ampliassem

nossos conhecimentos e, consequentemente, enriquecessem as propostas

que realizaríamos com as crianças.

Munidos desses materiais, passamos então a criar o contexto

ficcional de cada processo. As questões a serem exploradas partiram do

contexto real das crianças e foram transpostas a um contexto ficcional que

desse conta de sustentar o processo dramático, ou seja, todas as atividades

propostas deveriam ser realizadas dentro da ficção. Esta é a primeira

convenção do Drama que estudamos e discutimos: o contexto ficcional.

3.3.2 Contexto ficcional

Como transpor as questões do contexto real para um universo ficcional?

Escolhido o tema, proveniente do contexto real das crianças,

partimos para a delimitação da situação imaginária na qual ocorreriam as

explorações dramáticas. Em quais tempo e espaço a situação dramática

será experimentada? Vamos viajar a outros continentes? Conhecer a Lua?

Vamos para o futuro ou o passado? Estamos no presente, mas fomos

convidados para caçar um tesouro? Encontrar alguém desaparecido?

123

Desvendar um mistério? Para causar um maior engajamento dos

participantes e uma consequente imersão no contexto fictício, o Drama

propõe que se crie uma situação imaginária que tenha ressonância no

contexto real desses, gerando um impacto inicial que motive o

envolvimento com tal situação.

Ao criar esse contexto de ficção o professor poderá ampliar a

percepção dos participantes sobre a linguagem teatral, a qual se

desenvolve na fusão entre real e ficcional, dentro de tempo e espaço

próprios à sua realização. Todas as atividades desenvolvidas nesse tempo

e espaço criados serão realizadas “como se” os participantes

pertencessem a esse contexto ficcional.

Por que esta é a primeira convenção do Drama que eu destaco?

Para que se compreenda que todas as propostas ou atividades que se

pretenda desenvolver dentro de um processo necessitam pertencer ao

contexto dramático. A estruturação de cada etapa do processo necessita

de uma coerência dentro do universo ficcional, e, consequentemente, uma

compreensão por parte do condutor das questões que deseja abordar e da

sua transposição à ficção.

Cabral destaca que “[a] falta de coerência decorre em grande

parte da ausência de informações sobre o assunto, o que acarreta

improvisações desencontradas e/ou simplistas, sem objetivo relacionado

com o contexto ou fatos investigados” (2006, p. 13), portanto, a

credibilidade do processo alia-se à exploração do contexto ficcional com

todas as atividades convergindo para a manutenção desse.

Não há no Drama, por exemplo, um “aquecimento”, como

acontece, geralmente, em uma aula de teatro. Se eu, como condutor do

processo, desejo realizar algum trabalho que “aqueça” os corpos, então

irei pensar uma proposição que, transposta ao contexto fictício, coloque

os participantes em uma atividade corporal. Alguns exemplos: “os

participantes como piratas precisam fortalecer sua musculatura para as

batalhas que poderão enfrentar” ou “para conseguirmos desviar das

cobras teremos que andar em câmera lenta”. Portanto, toda exploração se

dá por meio da ficcionalidade, ou seja, dramaticamente.

As circunstâncias da ficção trarão os desafios, dilemas,

problemas, questões, que deseja-se explorar. Boweel e Heap ratificam a

importância da seleção do contexto dramático ao afirmarem que “[...] os

professores precisam ter em mente que o contexto dramático oferece uma

lente apropriada através da qual cada estudante pode examinar o tema”

(2013, p. 28, tradução nossa), e, portanto, é por meio deste contexto que

as dimensões e tensões pessoais, sociais, culturais, serão confrontadas.

124

Se as crianças vão viajar para o deserto e precisam escolher o que

levar e como utilizar os recursos durante a viagem, há um foco de tensão

nas relações entre elas e como dividem seus pertences na ficção e na

realidade. Se elas vão imitar animais para compreender os processos de

crescimento e desenvolvimento desses, o professor deve encontrar a

correspondência simbólica para a compreensão do próprio

desenvolvimento da criança. Caso precisem enfrentar riscos e desafios

para encontrar um tesouro, elas precisam avaliar se o tesouro vai

compensar tais riscos e desafios e chegar a uma decisão coletiva. Quando

são convidadas a uma festa das caveiras mexicanas, as crianças são

levadas a perceber como as diferentes culturas lidam com a morte.

Ao desenvolverem a experiência dramática, as crianças vão

trazendo outras propostas, novas questões e sugestões. Essa

permeabilidade às possíveis interferências e respostas dos participantes é

um dos motivos pelos quais defendo o Drama como uma referência

metodológica que dialoga com os pressupostos da Educação Infantil. As

propostas de trabalho desse segmento de ensino apontam para a abertura,

nos projetos desenvolvidos, às contribuições das crianças, ao estímulo à

experiência, à autonomia; o Drama necessita justamente desse diálogo

para acontecer.

Um vez que o contexto ficcional tem flexibilidade para absolver

as sugestões trazidas pelos participantes, o professor pode antecipar os

desafios que as crianças vão encontrar na vida real, em situações do

cotidiano, ou mesmo experimentar e discutir aquelas distantes da

realidade de suas crianças como guerras, catástrofes naturais, um mundo

sem água, seres de outros planetas, entre outros.

A instalação de um contexto ficcional necessita de um material que

impulsione a construção coletiva de uma narrativa dramática. A essa

referência utilizada como “pano de fundo” para as situações a serem

propostas e exploradas através do Drama, dá-se o nome de pré-texto.

3.3.3 Pré-texto

O que pode me servir de apoio para uma proposta de Drama?

O termo pré-texto, como apontado no subcapítulo anterior, foi

proposto por Cecily O’Neill e se refere “[...] a fonte ou impulso para o

processo de Drama [...] a razão para o trabalho [...] um texto que existe

125

antes do evento”. (O’NEILL, 1995, p. XV, tradução nossa). Ainda

segundo O’Neill “[...] o melhor conselho é considerar os tipos de pré-

textos que geraram poderosa ação dramática ao longo da história do

teatro” (1995, p. 33, tradução nossa). A autora indica a utilização de

mitos, lendas, contos populares como pré-textos por conta de sua estrutura

dramática, sugestão de papéis, relações e tensões que podem facilitar a

manutenção do processo.

O pré-texto, explicita Desgranges, “[...] delimita o processo e

impede que o coordenador se afaste do foco de investigação ou proponha

exercícios que nada acrescentem à narrativa” (2006, p. 126). Trata-se de

uma referência (textual, histórica, visual, musical, entre outros) que serve

de apoio para o desenvolvimento do processo; uma fonte a qual se pode

recorrer para que não se perca a coerência dramática e da qual se pode

retirar ideias e sugestões para novas situações e papéis a serem propostos

aos participantes.

Segundo Cabral,

Pode-se avaliar o potencial de um pré-texto pelas

intenções e papéis que ele sugere. Um velho baú

contendo fragmentos de um diário, cartas e objetos

referentes aos antecedentes dos acontecimentos

sendo investigados; mapas e/ou pistas que levem a

uma importante descoberta, uma personagem que

sabe mais do que quer dizer, etc. (CABRAL, 2006,

p. 16).

Neelands e Goode não utilizam o conceito de pré-texto, mas sim,

“material de origem” (2000, p. 99, tradução nossa), ampliando desta

forma as possibilidades de fonte para a elaboração de um processo de

Drama. Os autores citam as seguintes possibilidades:

[...] um conceito, como ‘liberdade’; uma notícia de

jornal; um roteiro; cópias de documentos; uma

imagem ou escultura; um mapa ou gráfico; letras

de música; uma história; uma fotografia ou pintura;

fonte histórica primária ou secundária; um poema;

um objeto associado com a experiência; músicas e

sons; uma expressão de sentimento advinda do

grupo (NEELANDS; GOODE, 2000, p. 99,

tradução nossa).

126

Ao observar as possibilidades elencadas pelos autores

supracitados, perguntamo-nos quais poderiam ser os pré-textos ou

materiais de origem para a estruturação de nossos processos de Drama no

âmbito da Educação Infantil. Esta foi a segunda convenção do Drama que

estudamos e, a partir dela, levantamos algumas possibilidades, por

exemplo:

Brincadeiras ou histórias que envolvem tais brincadeiras (de

onde vieram? como surgiram? que mudanças sofreram?);

Músicas (que história a música conta? que ritmos ela tem? de

onde ela veio? em que momento ela foi composta e por quem?);

Contos de diversas culturas (quais diferentes manifestações

culturais podem ser exploradas por meio dos contos? que

analogias podem ser estabelecidas com a cultura do grupo?);

Histórias clássicas (ou não) ou mesmo peças teatrais (que

conflitos as histórias sugerem? que situações os personagens

enfrentam que as crianças podem enfrentar também? que recorte

pode-se fazer da história? em qual tempo e espaço essas histórias

se passam?);

Jogos e danças tradicionais da comunidade (onde surgiram? que

culturas as envolvem? que manifestação elas representam? que

relações propõem?);

Filmes infantis (ou não) (quais situações retratadas no filme

podem servir para uma experimentação? que papéis ele sugere

para as crianças e os professores?);

Imagens (o que elas sugerem? que história essa imagem pode ter?

quem a produziu? quem a enviou para o grupo?);

Fatos históricos ou atuais (como vivenciar fatos do passado?

como tais fatos podem ser atualizados? que tensões existem nos

acontecimentos? eles afetam direta ou indiretamente o grupo?),

entre outros.

Essas possibilidades que apontei são comuns em projetos

desenvolvidos na Educação Infantil, o diferencial nesta proposta é

explorá-los através do Drama. Não se trata da reprodução de uma história,

mas da criação de situações que tenham relação entre si e que proponham

a criação de eventos e vivência de diversos papéis, assim como a reflexão

sobre suas ações dentro da ficção. Ao optar, decidir, entrar em consenso,

pensar encaminhamentos, o participante é levado a refletir sobre a

127

situação vivenciada, além de inserir a criança no universo teatral ao

mesmo tempo em que se amplia o seu repertório histórico e cultural.

Um dos potenciais do pré-texto está na desconstrução dos textos

clássicos. Alguns exemplos explorados em atividades de estágio na

Educação Infantil podem ilustrar esse trabalho de desconstrução, nos

quais buscávamos adaptar as situações propostas na história que servia de

pré-texto às motivações provenientes do contexto real dos participantes.

O objetivo era identificar focos dramáticos que permitissem a

exploração de situações apresentadas na história tomada como pré-texto.

Alguns exemplos: “O coelho pede a ajuda das crianças para encontrar

Alice que desapareceu. As crianças terão que descobrir o paradeiro de

Alice, viajar para diferentes países, encontrar e desvendar pistas,

entrevistar diferentes pessoas: Chapeleiro Maluco, a Lagarta Azul, a

Rainha de Copas”; ou então, “Um burro foge do seu dono e pede abrigo

às crianças, na sua mochila instrumentos musicais, as crianças são

convidadas a se transformarem em músicos. No dia seguinte um cachorro

machucado é encontrado na creche, uma gata foge de sua dona, uma

galinha está cansada de pôr ovos e as crianças viram animais, detetives,

defendem os animais dos patrões”.

A utilização de pré-textos que possuem uma narrativa (seja uma

história, uma peça teatral, um filme ou uma música) auxilia o condutor do

processo a orientar suas proposições em torno de uma possível sequência

de acontecimentos, uma vez que, a própria narrativa existente no pré-texto

sugerirá uma certa linearidade de situações e papéis. Quando se parte de

materiais mais abertos (imagens, objetos, notícias de jornal, por exemplo)

o condutor tem que criar situações que se relacionem e muitas vezes corre

o risco de ficar sem ideias ao longo do processo.

Quando trabalhamos com histórias conhecidas, um fator

limitante que pode ocorrer é as crianças possuírem alguma referência

sobre ela, seja porque foi trabalhada ou lida para elas em um outro

momento ou porque assistiram a alguma peça ou filme sobre tal história.

Nesses casos, elas questionam a cor dos cabelos de Alice, por exemplo,

perguntam quando um determinado personagem vai aparecer ou dizem

que na história que eles conhecem os acontecimentos são diferentes.

Tomar uma história como pré-texto pode auxiliar na percepção das

possibilidades de alteração dessa história, seguindo roteiros distintos para

diferentes grupos a partir de uma mesma referência. Por exemplo, pode-

se tomar um clássico como pré-texto, mas inserir manifestações próprias

da cultura local dos participantes. Nesse sentido, o “tema” e as situações

retiradas do texto podem ter um maior significado dentro do contexto dos

participantes. Dessa identificação com as situações podem emergir

128

histórias pessoais, da cultura local, estabelecendo-se um diálogo com

temas e conflitos existentes na obra tomada como referência. A proposta

do Drama, pode dialogar, inclusive, com os objetivos indicados nas

propostas curriculares de se utilizar as culturas locais no processo de

construção de conhecimento.

Uma vez que o Drama propõe ao participantes solucionarem

problemas para dar seguimento ao processo, ele se apresenta como um

método que propicia a construção conjunta de conhecimentos e consegue

balizar a maneira como o grupo reage a cada proposta, identificando quais

conhecimentos sofreram mutações e quais podem ser melhor

desenvolvidos, de acordo com as respostas do grupo às proposições do

coordenador.

Nos processos desenvolvidos pela Trupe, buscamos evitar a

utilização de histórias e personagens conhecidos. Dos 09 processos,

apenas 01 trabalhou com personagem conhecido, nesse caso o “Pequeno

Príncipe” de Saint Exupéry, mas este “viajou” para outros lugares, de

acordo com a proposta da coordenadora desse processo. Os demais

processos partiram de histórias menos conhecidas, de fatos históricos, de

manifestações culturais, de objetos e cartas enviadas para as crianças

propondo um situação inicial que se desdobraria de acordo com as

respostas do grupo.

Independente de qual seja o pré-texto escolhido, o importante é

que os participantes tenham a oportunidade de interrogar, confrontar,

enfrentar desafios, resolver problemas, experimentar as situações e papéis

e transformar os materiais ampliando suas experiências, desenvolvendo

sua capacidade de imaginar, criar e improvisar.

3.3.4 Processo

Como o Drama se estrutura? Como ele é proposto aos participantes?

Um processo implica num conjunto de atos realizados em torno

de um objetivo; trata-se de uma sequência contínua de fatos que

apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade.

Considero essa a convenção primordial para a compreensão do Drama.

Como afirma Desgranges “não se pode pensar em Drama sem pensar em

processo [...]” (2006, p. 125). O Drama se desenvolve a partir de um

acúmulo de experimentações diferenciadas, do enfrentamento de

129

situações que levam a descobertas e a novos desafios em torno de um

tema, compondo uma narrativa.

Neste sentido, a construção da narrativa, pelos participantes, está

estruturada a partir da ideia de processo. O professor ou condutor do

processo cria o contexto ficcional a partir de um pré-texto e utiliza-se de

diferentes estratégias para levar o grupo a vivenciar situações dramáticas

e improvisar “como se” os participantes estivessem em tais situações,

sendo eles próprios ou experimentando papéis. As proposições seguintes

dependerão, em grande parte, das respostas dos sujeitos às atividades

realizadas. O condutor apropriar-se-á das vozes dos sujeitos, de suas

ações e opiniões para lançar uma outra proposição, reforçando a tensão

dramática, quando necessário, estabelecendo parceiras e confrontos entre

os participantes ou com os materiais apresentados.

Neste sentido, o Drama, enquanto fazer teatral, aproxima-se do

conceito de work in process, conceito que, segundo Cohen “[...] tem por

matriz a noção de processo, feitura, interatividade, retroalimentação,

distinguindo-se de outros procedimentos que partem de apreensões

apriorísticas, de variáveis fechadas ou de sistemas não-interativos” (2006,

p. 17). Nesse procedimento criativo – work in process –, o percurso de

experimentação e feitura da obra artística é parte da obra. Da mesma

forma, o Drama se caracteriza por ser um fazer teatral em processo e a

criação se dá no ato próprio de experimentar e desenrolar as situações

propostas. Ele não tem como objetivo a criação de um produto, a

apresentação, a repetição (em formato de ensaio, por exemplo) que leva,

muitas vezes, a um esvaziamento da experiência por conta da imposição

de marcas e formas.

Esse formato em processo parece-me, também, dialogar com as

propostas de trabalho da Educação Infantil. Diferente de propostas

tradicionais de trabalho com a linguagem teatral, em geral pautadas na

montagem de espetáculos, o Drama propõe a experimentação contínua, a

investigação dramática, a exploração do material colocado à disposição

dos participantes.

Ao se trabalhar com a noção de processo, aproxima-se do modo

como a Educação Infantil, pelo menos no município de Florianópolis, tem

desenvolvido seus trabalhos pedagógicos, a partir da concepção de

“projetos”. Batista e Wiggers retratam a maneira com tal concepção é

desenvolvida:

[...] o surgimento de um projeto se dá de forma

imprevisível e emergente. Logo, são as crianças

que guiam a investigação. [...] suas atividades usam

130

de forma especial diferentes linguagens por

considerar que as crianças aprendem melhor

quando podem usar múltiplos sistemas simbólicos.

[...] cada projeto possui seu próprio momento e

sequência de eventos únicos [...] as decisões são

tomadas com base no grupo particular de crianças

com as quais se trabalha e não por determinação

exclusiva do professor [...] (BATISTA;

WIGGERS, 2004, p. 65-66).

A elaboração de projetos é uma forma de organização didática

que consegue aproximar os interesses das crianças dos conteúdos

necessários de serem trabalhados, além de conseguir reunir diversas áreas

e linguagens em torno de si, apresentando um caráter interdisciplinar, que,

obviamente, dependerá do engajamento do professor em estabelecer

pontes entre diferentes conhecimentos de acordo com o foco de seu

projeto.

Comparado a um projeto, um processo de Drama trata de uma

investigação ao mesmo tempo artística e educacional, como se pode

observar nas palavras de Cabral, “[...] o desempenho artístico será melhor

quanto maior for o conhecimento adquirido sobre os conteúdos e as

formas subjacentes ao processo dramático; o valor educacional da

experiência [...] será tanto maior quanto melhor for o resultado artístico

alcançado” (2006, p. 17). A ênfase no processo, leva-nos a perceber a

preocupação do Drama com a construção de conhecimentos de forma

conjunta. Ao tomarem consciência de que suas opiniões e sugestões, que

surgiram em um dado momento do processo, são apropriadas pelo este,

os participantes se descobrem como autores do Drama, como criadores

daquela narrativa.

Compreendido que o Drama se desenvolve em um processo de

investigação e que esse é formado por uma série de eventos que vão

compondo a narrativa, os participantes da Trupe, sob minha orientação,

iniciaram a organização da estrutura dos seus processos. Para delimitar

cada uma das proposições, nós as dividimos, conforme os estudiosos do

Drama indicam, em episódios.

3.3.5 Episódios

Como distribuir as atividades na organização de um processo de Drama?

131

Cada nova proposição, situação criada ou atividade realizada é

considerada um episódio do Drama. Podemos pensar os episódios como

unidades cênicas que compõem o processo. Observando as palavras de

Desgranges, “os episódios são os fragmentos e/ou eventos que compõem

a estrutura narrativa. O processo desenvolve-se através de episódios que

vão pouco a pouco construindo a narrativa teatral” (2006, p. 126), nesse

sentido, os membros do grupo experimentam as propostas na medida em

que as constroem com a sua intervenção.

A inserção de um novo elemento ou nova situação (tarefa,

desafio, atividade) é um novo episódio do Drama. A duração do episódio

vai depender da proposta realizada. Se o professor tem como objetivo

desenvolver um processo de Drama em uma sessão (um encontro), ele

pode dividir esse processo em cinco ou seis episódios ao longo desse

período.

No trabalho com as crianças de Educação Infantil, em geral, os

processos de Drama realizados nos estágios em Teatro se transformam

em projetos que são desenvolvidos ao longo de um trimestre com sessões

semanais. Nesse formato, tanto os condutores dos processos conseguem

avaliar o que aconteceu e se apropriar das respostas das crianças para a

elaboração da próxima sessão, quanto as crianças tem tempo para se

apropriarem dos elementos trabalhados e esses passarem a fazer parte de

suas rotinas, brincadeiras e discussões.

Nesta pesquisa, optamos por considerar cada sessão como um

novo episódio do Drama, pois ainda que seja composto de diferentes

atividades (ou etapas) essas são conectadas a um mesmo foco de

investigação ou experimentação, ou seja, pertencem a uma mesma

unidade cênica. Todas as etapas contribuem com o aprofundamento de

uma mesma questão investigada num mesmo episódio, cabe ao condutor

escolher as estratégias que levem as crianças a perceberem a questão

sobre ângulos distintos. Uma nova questão ou um novo problema origina

um novo episódio.

No momento de estruturação do episódio, o professor cria

conexões entre uma etapa e outra e levanta distintas possibilidades para

os outros episódios, tecendo uma linha dramática aberta às explorações e

respostas do grupo. Como pontua Desgranges, “[...] se percebe uma

relação estreita entre um atividade e outra, em que aspectos de um

episódio solicitam um desenvolvimento investigativo, que se efetivará no

episódio posterior” (2006, p. 127), nesse sentido, busca-se possibilitar às

crianças que façam escolhas que definirão os próximos caminhos da

132

trama, eximindo-as da constante imposição de propostas feitas pelos

adultos.

Ao longo dos episódios, utilizando-se de diferentes estratégias, o

professor procura questionar, negociar, estabelecer regras ou

compromissos (anteriores a imersão no contexto dramático ou mesmo

dentro dele), colocar problemas a serem solucionados ou discutidos

dentro do próprio Drama, resolver tarefas, observar, registrar, perguntar,

dessa forma os participantes perceberão que tem voz ativa no processo e

que estão colaborando com a resolução do problema e a construção

dramática.

Algo interessante na estruturação dos episódios é deixar questões

suspensas no ar, estabelecer um mistério, promover a realização de tarefas

que serão necessárias à continuidade do processo (construir um amuleto,

deixar pistas para serem analisadas, criar cartazes “procurando” alguém

desaparecido, enviar uma mensagem ou carta e aguardar a resposta, entre

outros). Criar tensões aguça a curiosidade dos participantes e “alimenta”

o processo e as imaginações, buscando manter o Drama estimulante e

interessante para quem participa.

Os processos desenvolvidos pela Trupe tiverem durações

diferenciadas. Alguns foram desenvolvidos ao longo de um semestre e

outros em um mês. As respostas são diferenciadas. Um processo longo

pode estabelecer mais pontes com outras áreas e conhecimentos, pode

gerar mais questionamentos, alimentar mais a imaginação e ampliar as

experiências das crianças ao mesmo tempo em que pode cansá-las e se

esvaziar. Um processo curto pode ter uma estrutura mais definida, um

objetivo mais focado e, ao mesmo tempo, as crianças não terem tempo de

se apropriar dos materiais, conteúdos e experiência, continuando

interessadas pelo tema, mesmo o processo tendo acabado. A duração

dependerá da proposta de cada condutor, do que deseja explorar, de sua

disposição em criar novos episódios, de sua avaliação sobre o processo.

Quando existe um espaço de tempo entre uma sessão e outra, é

interessante relembrar o que aconteceu na sessão anterior para que as

crianças percebam o significado de cada etapa e deem continuidade a

investigação. Como afirma Cabral, “[...] o envolvimento emocional do

aluno com um processo dramático requer uma contextualização contínua”

(2010, p. 06). Essa rememoração pode ser realizada de diversas maneiras:

repetição de uma atividade que aconteceu no episódio anterior e que teve

um maior engajamento do grupo, um narrador que conte o que aconteceu,

algum registro dos fatos (fotos, filmagens, escritas, objetos construídos,

etc.) ou mesmo uma conversa com o grupo antes de um novo episódio.

133

O que percebemos é que os episódios são organicamente

conectados, o próximo episódio dependerá, em parte, do que acontecer no

episódio anterior, criando um encadeamento no processo de investigação

cênica. Existem propostas mais abertas (que se apropriam mais das

respostas dos participantes) e aquelas mais fechadas (que se apropriam

menos e seguem uma estrutura construída previamente). Cada condutor

escolherá um formato mais apropriado ao seu objetivo.

3.3.6 Vivência de papéis

Quem os participantes vão ser no Drama? Sob qual ponto de vista eles

realizarão a experiência?

Qualquer pessoa que observa uma criança brincando percebe o

quanto essa ação é povoada por diversos papéis ficcionais. Tais papéis

podem se originar de situações e experiências vivenciadas pela criança,

de suas relações familiares, podem representar pessoas do seu cotidiano

ou se tratar da imitação de personagens de programas de televisão, filmes,

histórias, entre outros.

Pasqualini aponta que:

[...] os jogos de papéis surgem como um modo

peculiar de penetração na esfera da vida e relações

adultas interditas para as crianças, determinando o

delineamento de um novo período no

desenvolvimento infantil, que recebeu, na

psicologia infantil, o nome de período do

desenvolvimento pré-escolar. (PASQUALINI,

2009, p. 33).

O jogo de papéis, portanto, é uma atividade típica do período de

desenvolvimento infantil com o qual se está lidando nesta pesquisa e

aproxima-se, essencialmente, da linguagem teatral ao permitir que a

criança crie situações imaginárias e brinque de ser outra pessoa, imitando ações ou reconstruindo-as de acordo com seu interesse. Resta ao professor

aproveitar essa habilidade de fazer de conta que é outro e utilizá-la como

uma estratégia dentro do processo que estiver construindo.

Por meio deste jogo de reconstituição ou vivência de papéis a

criança elabora hipóteses e reelabora sensações e experiências que lhe

134

marcaram de alguma maneira. Na brincadeira a criança pode se portar

para além do comportamento habitual de sua idade. Como retrata

Vygotsky, “[...] a situação imaginária em si já contém regras de

comportamento [...]. A criança imaginou-se mãe e fez da boneca o seu

bebê. Ela deve comportar-se submetendo-se às regras do comportamento

materno” (2008, p. 27). Colocando-a em diferentes contextos, ainda que

imaginados, mas reais dentro da esfera de realização por parte da criança,

a criança pode explorar suas habilidades e expandir suas percepções.

A vivência de papéis é a última convenção do Drama que

abordarei. Para Bowell e Heap: “[...] a atividade fundamental em qualquer

tipo de Drama é assumir um papel – isto é, imaginar que você é uma outra

pessoa em um contexto ficcional e explorar uma situação através dos

olhos dessa pessoa” (2013, p. 33, tradução nossa), portanto, trata-se de

uma vivência dramática no qual os participantes agem como se fossem

outro ser.

Na Educação Infantil, em geral, quando um professor propõe

uma dramatização ele pede às crianças que vivenciem uma história que

acabaram de ouvir ou ele explora essa história em algumas atividades

utilizando-se de objetos, vestimentas, e, em alguns casos mais elaborados,

alguma música ou elemento cenográfico. Esse é o lugar mais comum da

vivência de papéis conduzida ou alimentada pelo professor, digo

alimentada porque muitas vezes as crianças começam a dramatizar de

forma espontânea e o professor, atento às ações das crianças, oferece-lhes

materiais para ampliar seu jogo de faz de conta.

No Drama essa vivência é um elemento essencial para que o

participante imerja no ambiente ficcional. Ao vestir um papel ele assume

responsabilidades perante a experiência dramática e percebe o quanto

suas ações tem influência significativa na continuidade dos

acontecimentos. Ao se colocarem em papéis, as crianças tem a

possibilidade de vivenciar os fatos ou situações ficcionais criadas pelo

professor a partir do contexto real.

Esse é um excelente momento de improvisação, no qual os

participantes agem e reagem “como se” fossem outras pessoas e “como

se” estivessem num outro tempo e espaço criados. A partir dessa imersão

o professor pode estimular os participantes a estabelecerem analogias

entre a ficção e o mundo real e aprenderem sobre esse procedimento de

“experimentar” ser outro, uma das principais convenções teatrais,

tradicionalmente falando.

Como apontam Neelands e Goode, “[...] esta experiência de

gerenciar a dimensão real através da dimensão simbólica é central para a

experiência de aprendizagem das formas de improvisação do Drama”

135

(2000, p. 96, tradução nossa). Para tanto, é importante escolher os papéis

que melhor se enquadrem no contexto dramático criado e que permitam a

exploração desse contexto pelos participantes.

Outra questão relevante no que diz respeito à vivência de papéis

é a possibilidade de um maior engajamento corporal no processo. Cabral

afirma que: “[...] em Teatro Educação o aluno é criador e ator, ele faz e

apresenta [...] ele o faz e/ou transforma através do próprio corpo. Esta

seria uma condição privilegiada para e imersão” (2006, p. 29). O

professor pode propor atividades corporais que levem à ampliação do

repertório expressivo das crianças, incentivando-as a criarem

movimentos, vozes e posturas corporais diferentes daquelas realizadas no

seu cotidiano.

Ainda que vivência de papéis seja um suporte para a imersão no

processo dramático, não significa que em todos os episódios as crianças

estarão vivenciando-os. Em alguns momentos elas poderão assistir a um

personagem que traz uma informação, poderão, como elas mesmas,

experimentarem uma situação ficcional, poderão realizar atividades que

alimentem o processo, mas não necessariamente estarão vivenciando

algum papel. Com crianças menores (em torno de 02 a 04 anos) a

consciência do papel é pouco ou nada desenvolvida. Com essa faixa

etária, nos processos que desenvolvemos, buscamos explorar mais as

situações ficcionais do que a vivência de papéis em si.

De qualquer forma, como questiona Cabral: “O que torna esse

envolvimento tão excepcional no ensino de teatro? Eu diria que são a

quantidade e a qualidade das informações à disposição do aluno, ou seja,

a matéria prima para nutrir sua imaginação. Ou seja, a ampliação do

repertório” (CABRAL, 2009b, p. 03). Nesse sentido, ainda que a criança

não tenha formada a dimensão subjetiva que a permita se colocar no lugar

do outro, as possibilidades de ampliação do seu repertório de experiências

e conhecimentos, por meio do Drama, é bastante variada.

As crianças, entre elas e com a mediação do professor, criarão

significados para os estímulos e materiais colocados à sua disposição.

Dentro da estruturação de processos de Drama o condutor favorecerá

também as interações das crianças e dessas com os adultos, além de

incentivar a imaginação, a ludicidade e a criatividade por meio do

trabalho com elementos da linguagem teatral.

Um ponto que desejo destacar da vivência de papéis é a

possibilidade dos participantes experimentarem todos os papéis propostos

de forma conjunta. Ainda que em alguns momentos se possa dividir os

participantes em grupos menores, não há no Drama a seleção de um papel

“principal”, o que comumente ocorre quando da montagem tradicional de

136

peças teatrais. Pode-se criar várias famílias (com a divisão de papéis entre

elas: pai, mãe, filhos, etc.), um grupo de animais (cada criança

experimentando o animal que desejar), um grupo de produtores de

espetáculo (cada um desempenhando uma função da produção), não há

um formato específico, mas, de modo geral, sobretudo com crianças,

privilegia-se a igualdade ou similaridade de papéis e a experimentação

coletiva.

Tradicionalmente, a divisão de papéis se dá pela eleição, por

parte do professor, da criança mais “expressiva” ou “talentosa”. Na

vivência coletiva de papéis a criança que muitas vezes não se manifesta,

seja por timidez, por falta de incentivo ou dificuldade de socialização,

sente-se amparada pelo grupo e consegue se envolver na trama ao ponto

de opinar, de experimentar, por conta dessa dimensão igualitária do

“papel coletivo”.

Com o auxílio do outro, as crianças resolvem coletivamente os

problemas postos pela “trama”, tendo que negociar e chegar a um

consenso sobre as possibilidades de resolução dos obstáculos do processo

dramático. A criança com dificuldades de se manifestar sente que o

ambiente não se torna ameaçador para a exposição de suas ideias, uma

vez que se encontra, dentro da situação dramática, em posição igualitária

às demais crianças.

Obviamente que não é uma regra. Não basta colocar a criança

numa situação dramática que ela passará a se expressar. Amparada pelo

coletivo e não discriminada pela “seleção” tradicional de papéis, o

professor pode interrogar os participantes, distribuindo o “foco”,

incentivando as vozes individuais. Fingindo não saber do que se trata dada

experimentação, o condutor pode questionar “quem elas são”, “de onde

vem”, “o que querem?”. Se elas estiverem de fato envolvidas pela

situação ficcional elas se expressarão, defenderão suas ideias e, por meio

da improvisação, criarão novos fatos que poderão contribuir com outras

etapas do processo.

Ao se expressarem individualmente as crianças se colocam,

concomitantemente, na posição de atores e espectadores. Ao mesmo

tempo em que age, respondendo ao incentivo lançado pelo professor, a

criança observa o seu colega agindo, apropriando-se de movimentos,

expressões, vozes criadas pelo outro, além de perceber diferentes

respostas, ampliando seu olhar sobre uma situação e intercambiando

ideias sobre um problema.

A vivência de papéis facilita a imersão no contexto ficcional e

distribui responsabilidades para o grupo de participantes instigando-o à

ação. O objetivo é de que ao experimentarem situações e papéis diversos,

137

em outro contexto, as crianças ampliem, analogamente, suas habilidades

para reagirem em situações da vida real, ampliando, também, seu

repertório corporal, trabalhando suas emoções, desenvolvendo

experiências com situações ficcionais e construindo conhecimentos

acerca de conceitos da linguagem teatral. O fator emocional é essencial

para o desenvolvimento da subjetividade e ludicidade. Como ratifica

Cabral,

[...] o engajamento com uma atividade pressupõe

empenho em sua realização; colocar-se a serviço de

uma ideia e sua causa – vai além do envolvimento;

potencializa-o. [...] e não há como haver

envolvimento sem emoção. A própria ação de

cativar e atrair, inerentes ao processo de

envolvimento, sugere sua dimensão emocional.

(CABRAL, 2009b, p. 02).

Existem diversas estratégias na literatura sobre o Drama que

podem ser utilizadas na elaboração de cada episódio a fim de contribuir

com o engajamento dos participantes no processo dramático. Escolhi

destacar, neste trabalho, àquelas que acredito terem maior ressonância e

validade no trabalho com crianças em idade de Educação Infantil, que

penso dialogarem com as práticas realizadas pelos profissionais desse

segmento, que pudessem facilitar a apropriação do processo por parte das

crianças e que se relacionassem com suas habilidades momentâneas.

Destacarei a seguir as estratégias trabalhadas pela Trupe na estruturação

de seus processos de Drama.

3.4 ESTRATÉGIAS SELECIONADAS

Quais procedimentos de trabalho eu devo usar? Em qual combinação?

Para qual propósito?

Para Boweel e Heap “[...] as estratégias de Drama são diferentes formas performáticas que, quando combinadas, constroem e fazem o

processo de Drama acontecer” (2013, p. 80, tradução nossa). Tais

estratégias oferecem uma variedade de meios para enriquecer, delinear e

aprofundar a experiência dramática. Elas delimitam as ações que serão

realizadas pelos participantes em cada episódio de um processo.

138

Neelands e Goode (2000) elencaram uma série de estratégias

possíveis de serem trabalhadas na estruturação de processos de Drama.

Em sua obra, os autores dividem as estratégias em quatro categorias:

“ações para construção do contexto”, “ações narrativas”, “ações poéticas”

e “ações reflexivas”. Não utilizarei tais divisões na apresentações das

estratégias que foram apropriadas nos processos realizados pela Trupe,

mas, podemos perceber, a partir da categorização proposta pelos autores,

as finalidades das estratégias.

Determinadas estratégias do Drama podem ser utilizadas para a

construção do contexto ficcional, proposição de papéis, conflitos,

problemas e questões a serem exploradas pelos participantes,

contribuindo com a imersão desses no processo. Outras oferecem meios

para que a narrativa seja construída e tenha continuidade. Existem aquelas

que servem para desenvolver a capacidade dos participantes de se

expressarem, explorarem seus pensamentos, sentimentos, sensações,

percepções, criatividade, entre outros aspectos ligados a sua performance

no processo. Algumas servem para ajudar os participantes a refletirem

sobre a experiência vivida através do Drama.

Para tratar de possíveis estratégias no campo da Educação

Infantil, além dos autores utilizados anteriormente para a exposição das

convenções do Drama, apropriar-me-ei dos escritos de David Farmer

(2011), professor inglês de Drama que analisa em sua obra trabalhos

realizados com crianças em idades correspondentes às da Educação

Infantil brasileira.

3.4.1 Manto do perito e papéis ficcionais

A primeira estratégia que destaco é o manto do perito. Esse

procedimento foi criado e desenvolvido por Dorothy Heathcote a partir

da década de 1960. O manto do perito contribui com a contextualização

do processo e consiste em tratar as crianças como peritos em determinado

assunto ou área de conhecimento. Ao mesmo tempo em que se busca

aumentar o nível de engajamento e confiança dos participantes acerca de

suas responsabilidades como “especialistas”, o condutor percebe quais

conhecimentos eles possuem sobre determinado assunto e quais os que o

professor pode ainda oferecer dentro do Drama.

Farmer define essa estratégia como “[...] a criação de um mundo

ficcional onde os estudantes assumem os papéis de peritos em

determinado assunto” (2011, p. 25, tradução nossa). Para Neelands e

139

Goode quando da utilização do manto do perito “[...] a situação é

usualmente orientada de modo que o entendimento ou as habilidades do

perito sejam requeridas para realizar a tarefa” (2000, p. 34, tradução

nossa), ou seja, as crianças são tratadas como peritos na questão que será

abordada pelo Drama e seus conhecimentos serão necessários para o

desenrolar da situação.

Geralmente utilizamos esta estratégia no início do processo. O

condutor lê uma carta na qual é anunciado o recrutamento de

navegadores, por exemplo. Inicia-se um processo de questionamentos: o

que é preciso para navegar? Quem já navegou aqui? Como um navegador

é? Como ele anda? Que objetos ele usa? Para que ele usa tais objetos?

Que tarefas ele faz? Aos poucos o professor faz um diagnóstico de quais

conhecimentos as crianças possuem sobre determinado assunto. A partir

das respostas apresentadas o professor busca iniciar a abordagem do tema

que será experimentado no processo de Drama, assim como a criação do

contexto ficcional e dos papéis que serão vivenciados, nesse caso, de

navegadores.

O condutor pode, mesmo sem levantar questionamentos, tratar

os participantes como “especialistas”. Vestindo um papel, o professor

pode chegar na sala contando que ele soube que existiam detetives

naquele lugar, ou, uma outra pessoa, vestindo um personagem, pode

surgir na sala e indagar as crianças: “vocês são detetives? É verdade?

Disseram-me que vocês eram! O que vocês fazem? O que é preciso para

ser detetive?”.

Independente da forma como o professor distribuirá os papéis, a

ideia é ampliar a compreensão das crianças sobre diferentes “profissões”

ou “especialidades” e explorar tal compreensão durante o processo. Quais

habilidades, conhecimentos e responsabilidades um cientista, um médico,

um juiz, um detetive, um navegador, um astronauta, um botânico, um

arquiteto, um repórter, entre outros, possuem e que podem ser exploradas

no desenrolar do processo.

Ao serem tratados como peritos ou experts em determinado

assunto, o professor dá às crianças o poder de tomar decisões que

busquem resolver o problema em questão, dá-lhes responsabilidades

gerando reflexões sobre as consequências de suas ações. Elas podem ser

os únicos navegadores que sabem ler as cartas e mapas de navegação

necessários para embarcar em uma viagem. Podem ser os especialistas em

insetos que sabem analisar os bichos que tem aparecido na creche. Quais

seriam os motivos desses bichos procurarem este lugar? Seriam elas

detetives que ajudariam a encontrar o Pinóquio ou Alice desaparecidos?

140

Aos poucos os participantes são inseridos no contexto ficcional

e, ao colocá-los como elementos centrais do processo dramático,

estimula-se uma aprendizagem ativa dos conhecimentos que serão

trabalhados, discutidos e apropriados ao longo do processo em diálogo

com a assimilação de estruturas da linguagem teatral. Nestas propostas de

trabalho as crianças não serão meros receptores de conhecimento, pelo

contrário, ao serem tratadas como especialistas, como responsáveis pela

realização de uma tarefa, pela análise de um material, pela confecção de

algo, pela execução de um atividade, elas constroem seus conhecimentos

e ampliam sua percepção a partir da experimentação.

O professor (ou um personagem da trama que fala diretamente

com as crianças ou que lhes envia alguma mensagem, por exemplo)

precisa dos conhecimentos delas, como peritos, para buscar a solução do

problema posto e para que o processo dramático se inicie. Estabelece-se

uma relação de parceria na qual o professor é o facilitador do processo.

Pode-se estabelecer um “contrato” no qual as crianças se

comprometem (como especialistas) a ajudarem o professor (ou

personagem) a resolver o problema em questão. Todas que concordarem

em participar podem escrever seu nome num documento, carimbar seus

dedos, gravar sua voz concordando com a “convocação”. Desta forma,

elas são empoderadas, encorajadas a se desafiarem. O Drama se utiliza da

capacidade ficcional emergente da criança, mas distancia-se de um fazer

de conta livre, de uma liberdade gratuita para experimentar, é uma

liberdade comprometida com a ficção, porque a criança é parte

fundamental na construção deste espaço ficcional.

Em um processo os participantes podem ser incentivados a

experimentarem mais de um papel, levando-os, como pontua Farmer,

“[...] a desenvolver uma compreensão mais sensível de pontos de vista

contrastantes” (2011, p. 17, tradução nossa). O professor pode propor

diferentes papéis em diferentes momentos, papéis esses que tenham

relação com o tema abordado, este jogo de papéis (role play) também é

uma estratégia do Drama. Em um Drama realizado a partir da história da

escrita, por exemplo, os participantes experimentaram ser tanto homens

das cavernas quanto viajantes do tempo.

Os participantes podem sugerir papéis ou variações dentro de um

papel, por exemplo, todos são navegadores, mas um quer cuidar das velas

da caravela, outro da limpeza, outro da comida, cada participante pode ter

sua individualidade criativa dentro da proposta. Pode-se trabalhar em

duplas, pequenos grupos, todo o grupo em um papel genérico, como

apontei anteriormente, ou criando um papel ou personagem coletivo

(collective role). Nessa estratégia, como aponta Desgranges, “[...] um

141

personagem é representado por mais de um participante ao mesmo tempo.

Cada participante pode ser convidado a mostrar uma característica

diferente do personagem” (2006, p. 129), construindo coletivamente um

papel.

Independente do formato que o condutor se utilizar para propor

papéis em diferentes episódios, o interessante é se apropriar das

descobertas e criações realizadas pelos participantes, buscando ampliar

seus conhecimentos, desafiá-los a experimentar situações diversas,

propondo novos papéis sempre que julgar interessante e necessário.

Ao longo do processo o professor será a figura mediadora, aquele

que motivará os participantes, que os instigará, que estabelecerá o respeito

ao pensamento do outro e às opiniões divergentes, que valorizará a troca

de ideias, que incitará à reflexão diante das informações e tarefas.

Avaliando as respostas do grupo o professor avançará para além das

primeiras impressões e concepções dos participantes, construindo, a partir

de suas avaliações, os novos episódios.

Para este lugar de mediador do processo, o Drama oferece uma

estratégia, que, assim como as demais, trabalha diretamente com

conhecimentos da linguagem teatral: o professor no papel.

3.4.2 Professor no papel e professor personagem

Como apontado anteriormente, em um processo de Drama o

professor é o articulador dos episódios, quem estrutura e capta as

informações que vão surgindo ao longo desse e as utiliza em prol do

processo. Ele é tanto a figura que apoia quanto a que desafia as crianças,

mantendo o foco na experiência de aprendizagem e exigindo das crianças

que tomem posicionamentos, que criem, que respondam, que reflitam,

que deem suas opiniões, que percebam eventuais dificuldades e lidem

com possíveis limitações que o processo possa apresentar como desafio.

Uma das principais estratégias para que o professor realize esta mediação

de dentro do processo é a do professor no papel. Segundo Neelands e Goode o professor no papel é aquele que

“[...] gerencia as possibilidades teatrais e oportunidades de aprendizagem

fornecidas pelo contexto dramático de dentro do contexto, adotando um

papel [...]” (2000, p. 40, tradução nossa). Esta estratégia, também criada

por Heathcote e amplamente utilizada nos processos de Drama que

desenvolvia, coloca o professor como um mediador e parceiro na criação

e manutenção do contexto dramático. Farmer complementa essa ideia ao

142

apontar que o professor no papel “[...] valida e apoia o envolvimento das

crianças na situação de faz de conta e permite ao professor trabalhar e

jogar ao lado delas” (2011, p. 20, tradução nossa) moldando, desta forma,

o processo de acordo com seus interesses pedagógicos.

Para os autores supracitados, alguns dos objetivos desta

estratégia seriam permitir ao professor:

[...] despertar o interesse, controlar a ação,

encorajar o envolvimento, provocar tensão,

desafiar o pensamento superficial, promover

escolhas e ambiguidade, desenvolver a narrativa,

criar possibilidades para o grupo interagir por meio

de papéis [...] tentando mediar seu propósito de

ensino através do envolvimento do grupo no

Drama. (NEELANDS; GOODE, 2000, p. 40,

tradução nossa).

Cabral (1998) traduziu a estratégia teacher in role como

professor personagem, pela inexistência de um equivalente em português

para o termo role que correspondesse ao seu significado no contexto

inglês, no sentido de papel social. Além desse fato, segundo Cabral

(2006), no contexto brasileiro a prática do Drama, ao ser realizado dentro

de um curso de Teatro, enfatizava mais a caracterização e atuação do

professor do que o aspecto social da estratégia, trazendo maior

teatralidade ao termo e potencializando também a dimensão teatral do

Drama.

Vidor (2008) propõe a utilização de termos distintos: professor

no papel quando este representar um papel social e estiver centrado no

estabelecimento do contexto, de um situação ou problemas específicos

sem uma preocupação com a criação artística de tal papel, e professor

personagem, quando se tratar da criação e representação de um ser

ficcional elaborado fisicamente, com maior caracterização, pessoalidade

e consequente potencialização de elementos teatrais.

Quando um professor assume um papel ele se utiliza de traços

mais cotidianos, um simples objeto como um xale, um óculos, um chapéu,

um casaco, aliado a uma pequena mudança de postura ou voz, caracteriza

o uso de um papel. Essas pequenas mudanças permitem que o professor

assuma rapidamente quantos papéis sejam necessários a sua proposta.

Ao assumir um papel o conteúdo da fala que ele traz e sua função

social são mais importantes que sua caracterização e o aspecto teatral de

sua performance. O foco não está na interpretação (atuação do professor

143

como ator), mas no papel social que ele assume no encaminhamento do

processo dramático. Como aponta Vidor, “[...] o foco está potencializado

no o que está sendo dito, na função deste discurso para o desenvolvimento

da narrativa, e menos no como está sendo dito, sem objetivos cênicos”

(2008, p. 18). Questionar os participantes, pedir a opinião sobre um

problema ou ajuda para resolvê-lo, instigá-los a observar os diversos

pontos de vista sobre uma situação podem ser ações realizadas por este

papel.

Vidor ressalta que assumir um papel exige o enfrentamento de

alguns desafios:

1.agir como se fosse outra pessoa diante dos

alunos; 2. Improvisar sua fala de acordo com o que

surge na relação aqui e agora; 3. Sustentar o papel,

sua lógica e simultaneamente, manter os objetivos

pedagógicos; 4. Aceitar o imprevisível, o acaso,

mudando o rumo sempre que necessário (VIDOR,

2008, p. 15).

No ponto de vista de Vidor, do qual me aproprio, a estratégia

professor no personagem é utilizada quando o condutor do processo cria

um personagem específico, com uma maior caracterização, como um ser

individual e uma preocupação performática. Em geral, este personagem

advém da história (utilizada como pré-texto). Utiliza-se das indicações do

texto para a criação de corpo, voz, figurino, assim como de fragmentos

ou ideias contidas no texto original para a construção do discurso do

personagem, o que não significa que o condutor não possa criar

personagens a partir da outras obras ou referências.

Os fatores diferenciais são o processo de criação e a

performance. O professor personagem traz uma maior caracterização e

exige uma maior preparação na construção do ser ficcional. Ainda que se

paute no texto dramático (ou outro texto de referência) o professor, no

personagem, improvisa a partir dos acontecimentos que surgem da

relação que estabelece com os envolvidos na situação dramática, necessita

preparar-se para o embate com os argumentos, ações e reações dos

participantes.

Existe, portanto, um personagem construído, com um objetivo específico dentro do episódio (contar um segredo, desencorajar ou

encorajar os participantes, desafiá-los, narrar uma parte da história sobre

seu ponto de vista, dar alguma informação, entre outras possibilidades).

Esse personagem pode retornar em outros episódios, quantas vezes o

144

condutor julgar necessária a sua presença. Outros professores (ou atores)

podem ser convidados para agirem como professor personagem no

processo.

Esse personagem pode ser também um boneco, por exemplo.

Muitos profissionais da Educação Infantil tem alguma familiarização e

desenvolvem certas práticas em torno da utilização do teatro de bonecos.

Pode-se aproveitar essa experiência e colocá-la como estratégia dentro de

um processo. Diferente de uma atividade isolada, de uma contação de

história, por exemplo, esse trabalho pode agregar-se a um processo de

Drama e o boneco pode aparecer em diversos momentos, desafiando a

turma, questionando-a, trazendo um recado, relembrando algum

momento, entre outras possibilidades. O ideal é que se tenha um cuidado

com a manipulação do boneco, para que seja uma atividade qualificada.

Cabe ressaltar que, no contexto inglês, essas duas abordagens são

apresentadas como variações do teacher in role. A diferenciação

apresentada aqui, pauta-se em discussões propostas a partir de práticas

que tem sido desenvolvidas no contexto brasileiro, por Cabral e Vidor.

Nas práticas realizadas pela Trupe, nós utilizamos essas

variações para diferenciar os momentos em que os condutores utilizavam-

se de objetos simples ou pequenas alterações para se colocarem em papéis

que tivessem funções específicas em determinado momento do processo,

dos momentos em que os professores criavam personagens mais

elaborados ou convidavam outros profissionais a participarem como

personagens. Nos momentos em que um papel era apresentado, os

condutores, na frente das crianças, faziam alguma alteração no seu

comportamento delimitando a existência de um papel, quando da

presença de um personagem, esse era marcado por uma maior

caracterização e, em geral, a composição da figura se dava sem a presença

das crianças.

Uma terceira categoria foi também explorada nos nossos

projetos. Seria a utilização de um personagem (ou de personagens ou

cenas) que não interagisse diretamente com os participantes. Nesses

momentos, um personagem (advindo do texto de referência) trazia algum

trecho do texto original ou alguma cena era apresentadas para os

participantes. Essa estratégia foi utilizada como uma maneira de

“alimentar” a imaginação das crianças, propiciar novas descobertas sobre

o narrativa ou redefinir os rumos da “trama”.

Como expectadoras as crianças são convidadas a “espiar” algo

que está acontecendo, sem se relacionar diretamente com os personagens,

que podem ter construído alguma cena bem marcada, impactante, com

145

informações importantes para o processo. Geralmente esse personagem é

alguém de fora do processo.

Seja com a utilização do professor no papel, professor personagem, personagem ou cena, essas estratégias podem contribuir

tanto com a construção do contexto ficcional, sendo utilizadas no início

do processo, como podem ser usadas como ações que dão continuidade a

narrativa propondo novas ações ou tarefas ao longo dessa. Cabe ressaltar

que, no contexto da Educação Infantil, no qual existe mais de um

profissional trabalhando com a mesma turma, é possível haver um

revezamento de funções. Enquanto um profissional veste um papel o

outro media a interação desse com as crianças, em outro momento o

mediador pode assumir um personagem e seu colega assumir a mediação

ou os dois vestirem papéis ou personagens em conjunto com as crianças.

Desgranges destaca que, “[...] o papel assumido pelo

coordenador pode assumir diferentes status na narrativa e propor várias

relações de poder com o grupo” (2006, p. 127). Cabral aponta algumas

possibilidades: “Status alto: rei, capitão, treinador, diretor de escola, etc.

Status intermediário: secretário, representante de alguma autoridade,

membro da comunidade ou da tripulação, etc. Status baixo: pedinte,

vítima, refugiado, aprendiz, etc.” (2006, p. 21). Cada status irá propor um

tipo de relação com os participantes.

Farmer (2011) aponta que o papel de status alto impõe certa

autoridade e controle, causando inibição ou instigando os participantes a

agirem. O intermediário ou semelhante (como propõe esse autor), permite

ao professor ser “um deles” imerso na mesma situação, compartilhando

as responsabilidades, e o de status baixo é algum papel ou personagem

que necessita da ajuda dos participantes, em geral, colocando-os no papel

de peritos, estratégia apontada anteriormente.

Cabe ressaltar que essa estratégia conduz as crianças a

perceberem a criação de um espaço ficcional e a explorarem essa

dimensão da linguagem teatral. A apreciação estética é fundamental para

a compreensão do espaço da ficção. Para que a criança perceba que esse

jogo de faz de conta, que acontece em um tempo real, mas cujo

acontecimento não é realidade, e sim uma representação, é necessária a

intermediação do professor.

Muitas crianças, não tem a oportunidade de frequentar

espetáculos de teatro e mesmo sua família ou outros profissionais da

creche ou escola, não valorizam o teatro. Trazer um personagem para a

sala é uma forma simples de inserir, aos poucos, o trabalho com

linguagem teatral na Educação Infantil. Muitos profissionais possuem a

prática de levarem personagens para suas atividades com as crianças. A

146

diferença com relação a uma prática isolada é articulação dessa com o

processo de Drama.

Quando o professor assume um papel na frente das crianças,

caracterizando-se na presença delas, elas percebem a construção da

ficcionalidade e, incentivadas, entram na dimensão fictícia. Quando o

professor cria um personagem e o traz para a sala, em vários momentos

elas vão indicar que é o professor que está “vestido” e essa é uma

excelente oportunidade para o professor trabalhar o real e o faz de conta,

aspecto fundamental do teatro.

Nos momentos em que o professor transita entre personagem,

papel e coordenador do processo, estabelece-se a possiblidade das

crianças perceberem a convenção teatral sendo realizada. Quando o

professor coloca-se como personagem as crianças necessariamente são

postas no lugar de espectadoras, e depois ele incita as crianças a se

colocarem em papéis, então as dimensões do fazer e fruir são trabalhadas,

assim como novos olhares sobre o mundo são lançados a partir da

metáfora desse mundo expressa pela experimentação dramática.

Outras estratégias podem se articular à do professor no papel ou

professor personagem. Uma das que utilizamos nos processos da Trupe foi a cadeira quente ou berlinda.

3.4.3 Cadeira quente

Trata-se de um jogo de improvisação bastante comum, utilizado,

por exemplo, para que um ator responda perguntas lançadas por outros

jogadores, acerca do seu personagem. No caso do Drama, como aponta

Desgranges, “[...] um participante, que pode ser o coordenador, assume

um personagem da trama, a quem o grupo pode lançar questões que

tragam novas informações acerca do contexto da narrativa em questão”

(2006, p. 127).

Nos momentos em que surge um personagem na sala, em geral,

as crianças querem conversar com ele, fazer perguntas, descobrir quem

ele é, de onde ele veio, o que ele quer, entre outras tantas questões que

surgem. Essa é uma ótima estratégia para o papel ou personagem se

relacionar com as crianças. É importante que todas as respostas dadas

contribuam para o processo em desenvolvimento. Qualquer questão ou

comentário relevante que porventura surja pode ser apropriado em um

outro episódio.

147

Quando se trata de um personagem baseado em uma pessoa real,

por exemplo, um famoso navegador, um cientista, um estudioso, pode-se

ampliar o conhecimento das crianças sobre tal pessoa lançando-se

perguntas sobre sua vida, sua história, seus feitos. Quando se tratar de um

personagem retirado de uma história, colocando-o na cadeira quente,

pode-se explorar outros fatos que a história original (algumas vezes

conhecida pelas crianças) não explorou, contando com improvisações por

parte de quem estiver representando para inventar outros acontecimentos.

Na Educação Infantil, além do professor regente da turma, temos

a presença dos auxiliares de sala e/ou ensino. Um ou outro poderão estar

no papel enquanto o que não estiver estimula as crianças a fazerem

perguntas ou ele mesmo lança questionamentos “chaves” em determinada

etapa do processo, servindo de mediador da situação.

Farmer (2011) indica a possibilidade de também as crianças sentarem na

cadeira quente em duplas ou grupos experimentando papéis, podendo,

desta maneira, evitar o medo e a inibição e um se apropriar da ideia do

outro na criação das respostas, sendo o condutor e os demais membros do

grupo quem lançam as perguntas.

Outras possibilidades podem ser exploradas, por exemplo, pode-

se utilizar a cadeira quente em meio a uma improvisação, pedindo-se que

os participantes “congelem” e o condutor entreviste individualmente os

papéis, questionando seus pensamentos, sensações, expressões. Cada

condutor pode encontrar variações possíveis de acordo com o seu grupo

de trabalho.

Nos processos com a Trupe utilizamos muito essa estratégia,

principalmente quando se tratava de crianças mais novas, que, num

primeiro momento, tinham medo do personagem. Colocando-o na

cadeira quente conseguíamos lançar perguntas e desafiar as criança a se

aproximarem do personagem e interagir com ele.

3.4.4 Narração

Ouvir histórias, contar histórias, recontar histórias, dramatizar as

histórias são algumas práticas recorrentes na Educação Infantil. Como

afirma Farmer, “[...] contar histórias é uma das mais simples e talvez mais

atraentes formas de atividade dramática e imaginativa” (2011, p. 45,

tradução nossa). Ao imaginar as situações narradas em uma história as

crianças podem traçar paralelos com o mundo ao seu redor, desenvolver

sua imaginação e criatividade.

148

Essa é também uma estratégia possível de se trabalhar no Drama,

a narração. Neelands e Goode propõem que a narração seja usada

“dentro ou fora do contexto dramático” (2000, p. 85, tradução nossa). O

professor (com ou sem um papel ou personagem) pode se utilizar da

narração para introduzir o contexto dramático, contar um novo fato que

ocorreu, revelar alguma informação até então desconhecida, criar tensão

antes de uma nova proposta, fazer ligação entre um episódio e outro,

relembrar algum momento vivenciado em uma sessão anterior ou encerrar

um episódio ou processo.

O condutor pode descrever um lugar e pedir que as crianças se

imaginem em tal lugar, pode preparar a chegada de algum personagem,

pode levantar questões e se apropriar das respostas dos participantes na

sua narração. Pode ainda narrar uma história apresentando objetos,

fotografias, imagens, mapas, figurinos, que serão posteriormente

analisados pelos participantes ou que servirão para aguçar a imaginação

desses e incentivá-los à imersão no processo.

Se o professor está usando uma história como pré-texto ele pode

narrar trechos dessa para os participantes, fazendo ligações entre um

episódio e outro, destacando os momentos de tensão nos quais os

participantes experimentarão uma ou outra situação provenientes da

história e criarão sua própria versão dos fatos.

Os profissionais da Trupe estão bastante habituados a contar

histórias, portanto, a narração foi uma estratégia bastante utilizada para

aproximar as crianças do universo ficcional. Buscamos trabalhar com

contações de histórias utilizando objetos que chamem a atenção das

crianças: instrumentos musicais, imagens, objetos fora do cotidiano

(como lamparinas, disco de vinil, caixinha de música, entre outros). Cada

profissional escolheu o momento em que a narração podia ser utilizada.

As crianças também podem ser incentivadas a narrarem histórias.

Podem narrar histórias referentes a um determinado tema ou situação que

tenham vivido e que se relacione com o foco do Drama ou mesmo

vivenciando papéis podem ser incentivadas a criarem histórias e situações

e narrarem para os demais. Como em todos os momentos do processo, as

informações trazidas pelos participantes podem ser incorporadas ao

Drama.

Cada participante, em geral, tem uma percepção diferente de uma

situação experimentada e pode contar para os seus colegas o que percebeu

ou mesmo, entre uma sessão e outra, as crianças podem narrar o que

aconteceu na sessão anterior. Dessa forma o professor distribui as vozes

dos sujeitos e consegue avaliar as percepções individuais.

149

3.4.5 Recursos materiais

Uma variedade de materiais pode dar suporte a um processo de

Drama. Investindo-se em materiais que enriqueçam o processo, o

condutor pode ampliar as percepções e a imaginação dos participantes.

Assim como a criança usa o brinquedo como material de apoio ao seu faz

de conta, podemos usar diversos materiais para criar situações dramáticas.

Quanto mais os participantes acreditarem nos materiais que são

oferecidos para a interação e se apropriarem desses, maior deverá ser seu

engajamento no processo. Esta materialidade pode ser construída a partir

da utilização de diferentes recursos, destaco algumas possibilidades:

Uma carta (enviado ao grupo ou interceptada por algum motivo),

Mensagens (escritas, gravadas em vídeo ou em áudio),

Um bilhete (encontrado ou enviado ao grupo),

Uma manchete de jornal (verdadeira ou criada para o processo),

Um diário ou agenda (de uma pessoa real ou criada),

Um informativo sobre algum fato (real ou ficcional, do presente

ou do passado),

Uma convocação (real ou ficcional, do presente ou do passado),

Regras de como se portar em determinado lugar (verdadeiras ou

criadas),

Documentos (reais ou fictícios),

Fotos (de diversas épocas de acordo com o processo),

Mapas (de diversos épocas e lugares reais ou imaginados, de

acordo com o processo),

Imagens diversas (pinturas, desenhos, palpáveis ou projetadas na

parede, por exemplo),

Objetos pessoais (de alguma personagem, de alguém

desconhecido, de alguém que se está procurando),

Figurinos (para as crianças vestirem, com os quais o professor irá

compor um papel na frente das crianças),

Objetos de uma determinada época (de acordo com o processo),

entre outros.

Como afirmam Neelands e Goode “[...] os participantes se

debruçam sobre as pistas e informações parciais oferecidas a fim de

construir o Drama no qual irão explorar e desenvolver temas, eventos e

significados sugeridos pelos materiais inacabados” (2000, p. 28, tradução

150

nossa). Não há um limite de possibilidades materiais que podem ser

criadas e exploradas a fim de instigar a investigação dramática e a

construção da narrativa. O ideal é que o condutor se preocupe com a

veracidade dos materiais, por exemplo: papel envelhecido para criar

documentos antigos e esses serem escritos a mão, pode oferecer luvas

para os participantes tocarem objetos raros, lupas para procurarem pistas,

algumas peças de figurinos ou objetos para quando experimentarem

papéis, etc.

Alguns materiais podem ser construídos com as crianças, por

exemplo, caso farão uma viagem podem confeccionar seus passaportes,

cartas de despedida ou mesmo um relógio para viajarem no tempo. Se

enfrentarão uma batalha podem construir amuletos de proteção, escudos,

espadas. Confeccionar cartazes com desenhos e descrições de uma pessoa

que estão procurando. Podem construir algum acessório para os papéis

que irão vivenciar ou se maquiarem antes de um ritual. Enfim, cada

condutor pode “alimentar” o processo da maneira que julgar mais

adequada e que possa gerar uma maior experimentação por parte das

crianças.

Para que as crianças desenvolvam experiências diferenciadas é

necessário promover espaços nos quais elas possam experimentar. O

Drama, enquanto método de trabalho, propõe um espaço de

experimentação que consegue abarcar diferentes áreas do conhecimento,

diferentes linguagens e manifestações artísticas. Ao trabalhar com

diversos materiais o condutor pode explorar diferentes linguagens e áreas

do conhecimento em busca de recursos que possam oferecer uma

experiências mais global aos participantes. Por exemplo:

Existe algum conto, história, língua, sotaque que pode ser

apropriado pelo processo?

Alguma forma diferenciada de escrita, códigos de comunicação?

Distâncias a serem percorridas, cálculo de peso de bagagens,

tamanho e peso dos participantes, formas geométricas?

Algum fato histórico, pessoas importantes em um dado

momento, contexto histórico do presente e do passado?

Hábitos e costumes de um povo (alimentação, comportamento,

vestuário, relações familiares, regras do grupo, etc.) de uma

determinada época?

Mapas, bússolas, diferentes climas, rotas de navegação, correntes

marítimas, vegetação específicas de um lugar?

Grupos de animais, plantas de uma região ou local?

151

Manifestações artísticas, objetos de arte, danças e rituais,

esportes?

Ritmos, sons, instrumentos musicais?

Ao buscar recursos materiais em outras linguagens e áreas do

conhecimento o professor pode encontrar diversas possibilidades de

ampliar a materialidade do seu processo. Esses materiais podem ser

trabalhados separadamente, aparecendo diferentes objetos ao longo do

processo ou pode-se trabalhar com o “pacote de estímulos”, que trata da

reunião de diferentes artefatos – objetos, cartas, textos, mapas,

fotografias, documentos, entre outros – em uma embalagem condizente

com o processo de experimentação, gerando-se tensão no relacionamento

dos objetos. Nos processos da Trupe, cada condutor fez um levantamento

das possíveis relações com outras áreas buscando elencar materiais a

serem trabalhados ao longo do processo.

É importante destacar que as crianças, sobretudo as mais jovens,

necessitam da materialidade para sustentarem seus jogos e brincadeiras,

justamente porque a imaginação, por si só, não sustenta o jogo. Ainda que

elas, muitas vezes, não usem os objetos de maneira real, elas podem tocar,

perceber, explorar os materiais para, dessa forma, imergirem na ficção.

3.4.6 Estímulo composto

Cabral (2006) retrata que a caraterística mais importante do

trabalho com o estímulo composto ou pacote de estímulos é o

envolvimento emocional com o tema. Por meio da materialidade concreta

dos objetos, os participantes envolvem-se melhor com o processo.

Quando eles acreditam nos materiais apresentados, sua imersão nas

circunstâncias propostas se dá, em geral, de forma mais crível. Cabral

indica que “[...] o container dos estímulos deve ser coerente com os

objetos e documentos contidos nele” (2011, p. 179), para que, dessa

forma, a materialidade se torne crível.

Diferente de um objeto ou material apresentado separadamente,

a ideia do estímulo composto é reunir uma série de materiais combinando-os de acordo com o processo, criando tensão, gerando a necessidade de

investigação desses materiais e das possíveis relações que serão criadas

pelos participantes. Como aponta Cabral, “[...] os artefatos contidos no

pacote de estímulos [...] funcionam como uma alavanca para impulsionar

152

o processo dramático, e vão tornando-se menos importantes à medida que

a imaginação do grupo se fortalece” (2006, p. 37), ou seja, trata-se de um

estímulo à criação.

Ao trabalharmos com estímulos compostos buscamos apresentar

informações divergentes ou complementares na maneira como os

materiais se relacionam com o assunto abordado. Esta ação se mostrou

importante para que as crianças, a partir de informações diversas,

pudessem ter mais elementos sobre os quais refletir e experimentar.

Como indica Farmer, “[...] mostre-lhes cada objeto, um por um,

ou faça uma rodada para exame. Convide os participantes a darem

sugestões sobre o personagem ou contexto e perceba como eles se

envolvem como cada objeto revelado” (2011, p. 61, tradução nossa). O

professor, como mediador, assume a postura de instigador: “Quem já viu

isso? Vamos analisar? O que será que é? Pra que serve? Vocês conhecem

algo parecido?” e introduz cada objeto: “onde ele foi encontrado”, “quem

enviou”, “a quem pertenceu”, entre outras possibilidades.

A observação das características e propriedades dos objetos

possibilita a identificação de atributos como quantidade, qualidade,

tamanho e forma, além de estabelecer relações com diferentes tempos,

pessoas e histórias, seus usos sociais e simbólicos.

É possível montar, junto com as crianças, um acervo dos

materiais, obtidos ou criados, para que elas possam recorrer sempre que

precisarem ou se interessarem, servindo como uma memória do processo.

Se cada sessão ocorre uma vez por semana, por exemplo, os materiais

podem ficar expostos na sala, vindo a alimentar os jogos de faz de conta

e mesmo diferentes discussões e questionamentos ao longo da semana.

3.4.7 Ambientação cênica

Neelands e Goode indicam que “[...] materiais e mobiliário

disponíveis podem ser usados para representar o lugar onde um Drama

está acontecendo, quer para representar a escala física de algo no Drama,

ou para fixar a posição e proximidade de quartos, casas, lugares onde os

eventos ocorreram” (2000, p. 15, tradução nossa). Essa mobília e demais

objetos que compõem um espaço cênico são tratados como uma estratégia

para construir uma ambientação cênica.

Um ambiente cênico com potencialidade imersiva contribui para

estimular os participantes a se envolverem com as circunstâncias

ficcionais. Como afirma Cabral, “[...] quanto mais elaborado o ambiente

153

de imersão, mais ativa é a participação” (2006, p. 27). Um ambiente

cênico cuidadosamente elaborado provoca diferentes sensações,

emoções, pensamentos e percepções contribuindo com a construção do

espaço ficcional.

No terreno da Educação Infantil as crianças encontram-se numa

fase de constante experimentação e de ampliação das experiências

sobretudo sensoriais, portanto, ao elaborarmos as ambientações cênicas

para os processos, preocupamo-nos em construir ambientes ricos em

possibilidades interativas e lúdicas.

A criação de ambientações cênicas contribui também com a

ampliação da noção de espaço cênico, uma vez que, ao entrarem nos

espaços criados muitas crianças percebiam que se trata de um ambiente

construído, mas, imersas no contexto ficcional, elas vivenciavam a

experiência dramática jogando com o espaço e atribuindo novos

significados a esse, dentro do contexto de ficção.

Algumas crianças, sobretudo as mais novas, tem dificuldades em

lidar com espaços escuros, com tecidos pendurados, com uma iluminação

diferenciada, nesses casos o condutor pode, aos poucos, alterar o espaço

a fazê-las perceber que essa alteração se dá por conta da criação de um

momento de faz de conta.

Nos processos que desenvolvemos, cada condutor escolheu o

momento em que poderia criar um ambiente cênico para que o grupo

explorasse. Trabalhamos com recursos diversos: tecidos para criar uma

caverna onde o tesouro do pirata estava escondido, barracas com papel

nas paredes para representar cavernas com escritas rupestres, ambiente

escuro com plástico bolha no chão para representar a Lua, espaço com

diversos brinquedos e materiais reciclados para representar uma fábrica

de brinquedos, entre outros.

Outra proposta foi o deslocamento das crianças para locais

diversos (dentro ou fora da creche) atribuindo novos significados a esses.

Nesse sentido, a horta virou um grande ninho; o parque ecológico, uma

floresta desconhecida; a beira de uma lagoa, o porto onde desembarcaria

a personagem que enviava cartas sobre suas viagens para as crianças.

Esses locais foram tratados também como ambientes cênicos, pois deu-se

significado ficcional para os espaços reais. Muitas vezes o deslocamento

para espaços fora da sala de aula mobiliza o grupo e quando colocado em

um contexto ficcional, pode gerar uma maior imersão na proposta

dramática.

154

3.4.8 Ambientação sonora

A ambientação sonora tem os mesmos pressupostos apresentados

para a ambientação cênica. Essa estratégia refere-se a possibilidade de

ampliar a imersão dos participantes na proposta dramática a partir de

estímulos sonoros. Como indicam Neelands e Goode, “[...] sons, músicas,

palavras e frases, ou pré-gravadas ou tocadas ao vivo, são usadas para

criar o clima e a atmosfera da experiência vivida por um personagem, por

exemplo” (2000, p. 73, tradução nossa), enfatizando uma determinada

época ou situação.

O professor pode se utilizar de músicas de diferentes culturas,

pode utilizar instrumentos musicais para criar o ambiente sonoro

desejado, utilizar-se de ruídos, sons da natureza, barulhos ou estimular as

crianças a criarem a “trilha” de sua experimentação a partir do uso de

instrumentos musicais ou de sons produzidos pelo próprio corpo.

Essa estratégia pode ser utilizada para além do ambiente sonoro

que engloba o espaço cênico, mas também como forma de acompanhar

uma ação que esteja acontecendo, como aponta Desgranges (2006).

Enquanto alguns participantes dramatizam os outros podem acompanhar

a ação criando a “trilha sonora” daquele momento. “O grupo é encorajado

a pensar na paisagem sonora, a qual deve ter forma musical específica,

tecendo várias palavras, declarações e sons de forma conjunta,

orquestrando-os [...]” (2000, p. 73, tradução nossa), afirmam Neelands e

Goode.

Como a Educação Infantil busca estabelecer um diálogo

constante com a linguagem musical, planejamos o uso de diferentes

fontes sonoras ao longo dos processos. Alguns exemplos: como ambiente

sonoro para a narração de algum fato, criando diferentes vozes para os

papéis que as crianças vivenciariam, imitando sons dos animais,

utilizando músicas de outras culturas sempre que “viajassem” a um lugar

desconhecido, experimentando instrumentos musicais diversos,

construindo instrumentos com objetos reciclados, além do trabalho com

letras de músicas que pudessem representar determinadas ações, como os

“piratas” cantando em alto mar.

Além de ser uma estratégia que contribui com a situação

ficcional, essa é uma possibilidade das crianças conhecerem diferentes

músicas, sons e ritmos fugindo daqueles que são usualmente utilizados no

cotidiano da Educação Infantil e ampliando o repertório das crianças e do

professor (que necessita pesquisar tais materiais para utilizar no

processo).

155

Na questão dramática a ambientação sonora pode colaborar com

a instauração de diferentes climas (de mistério, de tranquilidade, de

tensão), remeter a diferentes épocas (músicas medievais, renascentistas,

futuristas), enfatizar a passagem do tempo, unir-se a outras estratégias

como rituais e cerimônias.

3.4.9 Cerimônias e rituais

Casamentos, funerais, datas comemorativas, festas, aniversários,

passeatas, premiações, espetáculos de rua, são algumas cerimônias

citadas por Neelands e Goode, segundo esses autores, “grupos criam

eventos especiais para marcar, comemorar ou celebrar algo de

importância cultural ou histórica” (2000, p. 52, tradução nossa). A

realização de uma cerimônia pode ser uma estratégia utilizada no Drama.

Dependendo do tema do processo o condutor pode se utilizar

dessa estratégia como um meio para gerar novas experiências no contexto

dramático. As cerimônias em si são carregadas de teatralidade, de

relações e interações; pode ser um meio de pôr os participantes em contato

direto com esses eventos que ocorrem na vida real.

Pode-se trabalhar tanto com a experimentação de movimentos

sociais ou passeatas em um Drama histórico, por exemplo, assim como a

realização de uma festa, na qual os praticantes terão de descobrir pistas

sobre um mistério ou mesmo colocar em discussão as comemorações

oficiais, conhecidas como datas comemorativas (dia do índio, dia do

soldado, descobrimento do Brasil, entre outras), aproximando-se dessas

datas por outros ângulos.

Outra estratégia próxima à cerimônia é o ritual. Cabral aponta o

seguinte acerca dos rituais:

[...] os rituais podem tomar várias formas, mas são

geralmente descritos como manifestações

coletivas, com movimentos padronizados em

sequências que são caracterizadas pelo seu alto teor

teatral, usualmente incluindo gestos, canções ou

sons, cores ou luzes, e vozes, tudo coordenado e

orquestrado em torno de um único tema. Tal

coordenação é um mecanismo para criar uma

experiência de identidade ou identificação grupal.

O impacto que os rituais geralmente acarretam está

relacionado com sua ressonância com a vida e

156

necessidades dos participantes (CABRAL, 2006, p.

102).

No contexto do Drama o ritual pode ser compreendido como

“[...] uma sequência especialmente concebida de palavras e movimentos

para demarcar um importante ponto no Drama” (2011, p. 106, tradução

nossa), aponta Farmer. Neelands e Goode citam alguns exemplos de

rituais: “[...] iniciação em uma gangue, testemunho em um tribunal,

eleições, realização de um juramento” (2000, p. 69, tradução nossa). Cabe

ao condutor criar aquele que melhor se adeque aos seus propósitos.

É interessante observar que na realização de um determinado

ritual, prestando testemunho ou fazendo um juramento, por exemplo, os

participantes são observados um a um, mesmo dentro de uma proposta

coletiva de papel. O ritual permite a expressão individual, permite

conhecer a voz do outro, sem constrangimento, amparado pelo

movimento coletivo.

Quando se trabalha um Drama sobre alguma tribo ou grupo

étnico é comum encontrar rituais que são realizados por tais grupos, essa

é uma excelente oportunidade de experimentar tais cerimonias e

aproximar a turma, imersa no contexto ficcional, dessas manifestações do

contexto real, ampliando a sua percepção acerca do tema que se está

trabalhando e da teatralidade presente no ritual.

Nos processos com as crianças pequenas, os rituais podem ser

usados de diversas maneiras. Nos processos da Trupe planejamos realizá-

los como um “contrato” ou um “pacto” entre os participantes antes de

“embarcarem” em uma viagem, por exemplo, ou para começar ou

terminar uma sessão, como uma forma de delimitar a “entrada” e “saída”

do contexto ficcional. Utilizamos também como forma de ativar o corpo

para enfrentar um desafio ou obter proteção, como uma forma de

saudação ou em momentos em que a pronúncia das “palavras mágicas”

fazia algum encantamento acontecer.

Dependendo da função pela qual o ritual foi criado ele pode ser

repetido sempre que necessário à realização de determinada atividade,

aponta Farmer, “[...] como uma forma de reunir a classe e para envolvê-

la novamente no Drama” (2011, p. 106, tradução nossa) e completa: “[...]

discursos, cânticos, poesia, esculturas humanos, obras de arte e mímica

podem ser utilizados” (2011, p. 107, tradução nossa). Cabe ao condutor

escolher como se apropriar de alguma manifestação existente ou criar um

ritual específico para seu processo.

157

3.4.10 Imitação

A imitação é uma atividade comum nos jogos que as crianças

realizam. É parte das suas atividades dramáticas. É comum vermos as

crianças criarem movimentos e sons para representar as situações que

estão imaginando. Através da imitação a criança se apropria do mundo e

começa a deter os códigos culturais daqueles com os quais convive. A

aprendizagem é um processo de imitação, a criança imita os sons e formas

de escrita para se tornar alfabetizada, ela repete as palavras que lhe são

ditas e as associa com os objetos, pessoas, sensações que as palavras

representam. A própria arte dramática trata de um processo de imitação

de pessoas e situações, em tempos e espaços ficcionais.

Como estratégia do Drama a imitação pode ser usada para

diversos fins. Desgranges apresenta a pantomina40 como a estratégia na

qual “[...] um participante, que pode ser o coordenador, narra a história

enquanto os outros, ao mesmo tampo, a apresentam em cena, em geral,

sem utilização de fala” (2006, p. 129). Nesse caso ela é utilizada como

uma meio para que os participantes transformem as situações narradas em

ações corporais.

Neelands e Goode apontam que “[...] essa atividade enfatiza o

movimento, as ações e respostas físicas ao invés do diálogo ou

pensamentos” (2000, p. 63, tradução nossa). A imitação pode ser usada

como uma forma dos participantes perceberem os comportamentos de

determinados papéis e demonstrarem esse comportamento, ou mesmo

como uma resposta física de seus corpos às situações e tensões criadas no

processo. O condutor pode pedir para a criança demonstrar como reagiria

se estivesse perdida, por exemplo, ou quais movimentos um marinheiro

realiza para fazer o navio se mover.

Trata-se de um estratégia que exige o engajamento físico.

Diferente de muitas estratégias que exigem discussões e reflexões, essa

estratégia incentiva os participantes a colocarem seus corpos em ação.

Farmer ressalta que “[...] a mímica permite aos alunos desenvolverem

precisão e clareza em seus movimentos que, por sua vez, ajuda em suas

habilidades de comunicação e performance” (2011, p. 79, tradução nossa)

e, portanto, aproxima-se do universo da Educação Infantil, no qual a

percepção corporal, a descoberta dos limites, capacidades motoras e a

40 Aqui entendida como a representação de gestos, sons e expressões a partir de uma sequência

de ações mimetizadas (usando a mímica).

158

imaginação que se traduz em movimento simbólico, são ações contínuas

no desenvolvimento da criança.

Por conta disso, nos nossos processos incentivamos as crianças a

imitarem, a perceberem seus corpos, a criarem respostas corporais.

Utilizamos a imitação tanto para a construção de movimentos e posturas

de determinados papéis – contribuindo com a experimentação de “ser”

outra pessoa, desenvolvendo a observação, a análise dos seus

movimentos, a percepção corporal – quanto como uma forma de

ampliação da expressividade corporal a partir da imitação de animais, de

sons da natureza ou objetos.

Como Farmer aponta, “[...] é importante que a mímica tenha um

propósito para que os estudantes possam desenvolver suas ideias ao invés

de reproduzirem as ações narradas” (2011, p. 79, tradução nossa). Assim

como toda estratégia do Drama ou toda ação pedagógica, é necessária a

intencionalidade. O condutor do processo é o responsável por “ouvir” o

grupo e realizar proposições de acordo com o contexto e as respostas

desse, guiando o processo de acordo com suas intenções pedagógicas.

3.4.11 Imagens e quadros congelados

Outra estratégia que nos utilizamos, e que é amplamente

apontada na literatura existente sobre Drama, foi a construção de imagens ou quadros congelados. Brincar de congelar ou fazer estátua é um tipo de

jogo corporal facilmente acessado por qualquer faixa etária e que não

exige experiência de representação nem inibe os participantes a criarem

algo no seu corpo na presença de outras pessoas.

Essa estratégia pode ser utilizada para representar “[...] pessoas

ou objetos, bem como conceitos abstratos como emoções e atmosferas”

(FARMER, 2011, p. 63, tradução nossa) ou ainda “[...] como ponto de

partida ou fechamento do trabalho – neste caso uma imagem fixa que

representa a síntese ou o conflito central do trabalho daquele grupo”

(CABRAL, 2006, p. 60) ou “[...] como forma de, a um sinal do professor,

ser interrompido e fixado o momento da apresentação para sua

observação ou análise” (CABRAL, 2006, p. 60), mostrando a reação do

grupo a determinado estímulo ou seu imaginário acerca de uma situação.

Desgranges indica outra possibilidade: “[...] um participante

pode criar uma ou mais esculturas, valendo-se do corpo de outros

integrantes, com o objetivo de mostrar como uma situação poderia ser

apresentada teatralmente” (2006, p. 129). Pode-se solicitar a criação de

159

uma imagem, por exemplo: cada um vai ao centro da roda e cria uma

imagem sobre um tema, os outros observam e comentam ou um esculpe

uma imagem no corpo do outro e depois analisam as imagens esculpidas.

Os quadros congelados podem também partir da reprodução de imagens

e fotografias. Um grupo apresenta a imagem aos demais inicialmente de

forma congelada e, aos poucos, vai dando-lhe movimento, sons e falas.

Essa estratégia é uma atividade improvisacional que tem o

potencial de incentivar a conscientização das possibilidades expressivas

do corpo, explorando a comunicação física e a linguagem corporal, assim

como uma maneira de os participantes expressarem seus sentimentos e

experiências, representando corporalmente conflitos, atitudes e emoções.

O risco, entretanto, é usá-la de forma mecânica, para obter silêncio ou

preencher espaço e tempo da sessão. A frequência com que essa

estratégia aparece nas estruturas de Drama inglesas, leva a crer que nem

sempre ela é utilizada como uma maneira de gerar engajamento físico na

proposta ou como forma de aprofundar as diferentes representações

corporais acerca de um foco de interesse.

O professor pode utilizar as imagens ou quadros congelados para

incentivar as crianças a demonstrarem fisicamente a aprendizagem de um

conceito ou a percepção de ideias contrastantes ou pontos de vista

diferentes sobre um assunto ou situação. Essa mediação é realizada a

partir de questionamentos que o professor lança tanto para quem realizou

a ação como para quem assistiu, destacando pontos de vista e percepções

diferentes, apontando detalhes, guiando o olhar das crianças de acordo

com seus objetivos pedagógicos e com a criação dos participantes.

No contexto da Educação Infantil, dada a existência de dois

profissionais atuando conjuntamente com um mesmo grupo, é

interessante dividir o grande grupo em proporções menores e cada

professor orientar a composição de um quadro congelado a partir de uma

mesma imagem, por exemplo. Cada condutor pode orientar para a criação

de uma solução distinta ou uma interpretação diferenciada para as

imagens produzidas ampliando-se o quadro de possibilidades e

referências.

3.4.12 Registro

Para encerrar este capítulo e a exposição teórica acerca do Drama

e das estratégias selecionadas e utilizadas na realização dos processos da

Trupe, gostaria de tecer algumas considerações sobre o registro dos

160

processos e de como ele pode servir como uma ferramenta para a

manutenção do Drama e para a avaliação do professor acerca dos

significados que estão sendo elaborados pelas crianças.

Nas Orientações Curriculares para a Educação Infantil de

Florianópolis o registro á apresentado como um meio que “[...] possibilita

a ampliação dos conhecimentos sobre as crianças com as quais atuamos e

suas experiências” (2012, p. 235). Ao organizar, analisar e refletir sobre

os registros, o professor tem materiais concretos para avaliar o que foi

proposto e para planejar as suas próximas ações.

O mesmo acontece com um processo de Drama. Para que o

professor consiga encadear uma sessão na outra, perceber as maneiras

como as crianças estão reagindo às proposições, as contribuições que elas

trazem, as novas curiosidades que são despertadas pela experimentação

dramática, é importante que ele, ou outro profissional que esteja

acompanhando o processo, registre as falas, as expressões, as maneiras

como as crianças reagiram, o conteúdo de suas discussões, os momentos

de tensão. Esse registro vai permitir que o condutor identifique o que pode

ser aprofundado e o que foi assimilado.

Além do registro ser útil para a avaliação do processo e o

planejamento das próximas sessões, ele servirá como um meio para

retomar com os participantes o que aconteceu na sessão anterior,

principalmente quando o processo é realizado com certa distância de

tempo entre uma sessão e outra. No âmbito da Educação Infantil a

rememoração do processo auxilia também a criança a desenvolver a

noção de passado, presente e futuro, estabelecendo conexões de tempo e

percebendo as possibilidades de se imaginar e antecipar ações.

O professor pode desenvolver diversas maneiras de registrar o

que aconteceu. A maneira mais comum é a realização de desenhos após a

vivência dramática, para ver o que a criança assimilou e como percebeu

o que foi experimentado, esta pode ser uma possibilidade a ser ampliada

utilizando-se de outros suportes além de folhas comuns e lápis de cor ou

giz de cera, tais como: carvão, tinta, terra e cola, folhas, pinturas coletivas

em grandes papéis, nas paredes, no chão, entre outros.

Considero, entretanto, mais interessantes as formas de registro

que são realizadas dentro do contexto dramático, como por exemplo: as

crianças como detetives fotografam as pistas, o professor como

entrevistador pede para cada participante relatar para a câmera o que

aconteceu na viajem que realizaram, cartas podem ser escritas no final de

uma sessão e a resposta ser lida no início da sessão seguinte estabelecendo

uma conexão entre os dois momentos. Pode-se construir um mural onde

serão colocadas pistas encontradas ou fotos dos lugares por onde

161

passaram, objetos podem ser construídos no final de uma sessão (um

mapa, um relógio, um amuleto, entre outros) e serem retomados na sessão

seguinte com uma rememoração dos fatos guiada pelo condutor, entre

outras possibilidades.

O registro no processo de Drama vai além da coleta de

informações sobre o desenvolvimento das crianças ou o trabalho do

professor. Ele tem a função de alinhavar os acontecimentos dentro da

narrativa dramática em construção. Serve como suporte material das

situações e acontecimentos criados, retratando os elementos e criações

que foram incorporadas no processo. A partir do registro o condutor

poderá refletir sobre os futuros encaminhamentos assim como avaliar

quais estratégias funcionaram com cada grupo e quais não. O registro é o

acervo de conhecimentos do professor, que lhe possibilita tanto recuperar

o que foi criado, quanto avaliar o que foi proposto e realizado.

162

163

4 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS: APRESENTAÇÃO DOS

PROCESSOS DE DRAMA

O Drama com crianças mais novas pode abranger todas as áreas do currículo.

Além do óbvio desenvolvimento das habilidades criativas, físicas e de

comunicação por meio do compartilhamento de atividades teatrais, o

desenvolvimento da matemática e conhecimento e compreensão do mundo

podem ser facilmente estimulados através da escolha de canções e histórias

apropriadas e uso criativo do espaço. Mas é nas áreas de desenvolvimento

pessoal, social e emocional que muitas crianças ganham mais, à medida que

crescem em confiança e autoestima e aprendem a trabalhar em conjunto com os

outros.

(Debbie Chamers)

Neste capítulo dedico-me a apresentar os processos de Drama

realizados durante o segundo semestre de 2013 pelos membros da Trupe

da Alegria, grupo teatral apresentado anteriormente. Foram realizados 09

experimentos com 12 profissionais da Trupe participando diretamente de

sua estruturação e proposição junto às crianças e outros 03 como

personagens nos processos dos colegas, portanto, 15 membros se

envolveram com a proposta.

Os experimentos foram estruturados de forma coletiva, sob

minha orientação, com a colaboração dos outros 09 membros que não

atuariam no desenvolvimento das propostas. A organização dos episódios

e a escolha das estratégias partia dos contextos, ideias e problemas

trazidos ao grande grupo pelos condutores dos processos. Esses processos

foram desenvolvidos entre os meses de maio e outubro de 2013, alguns

duraram 03 meses enquanto outros, 05 meses. Cada episódio acontecia,

geralmente, com o intervalo de 15 dias, para que conseguíssemos analisar

o que aconteceu e prepararmos os materiais para o próximo episódio. Não

há uma regra específica para o tempo entre um episódio e outro.

No encontro semanal do grupo, dedicávamos um tempo à

discussão, avaliação e estruturação dos processos de Drama em

andamento. Os condutores expunham suas experimentações e os demais

membros lançavam ideias e questionamentos, auxiliando no encaminhando dos futuros episódios. Eu trabalhei em conjunto com os

condutores, organizando os materiais, escolhendo as estratégias,

avaliando as sessões. Acompanhei em torno de 02 sessões de cada

processo na unidade educativa, nas quais coletei imagens e pude observar

as crianças e os condutores em ação.

164

Como uma maneira de organizar meu olhar e estruturar minha

análise do material coletado, decidi dividir os experimentos em três

blocos de acordo com as seguintes faixas etárias: 02 a 03 anos (03

experimentos), 04 a 05 anos (03 experimentos) e 05 a 06 anos (03

experimentos). Essa organização não se deu de forma aleatória, foi

pautada na nossa percepção de que em cada um desses períodos a maneira

como as crianças lidavam com as proposições dramáticas e os diferentes

aspectos da linguagem teatral exigia que as estratégias fossem pensadas

de maneira particular e o trabalho desenvolvido de acordo com tais

particularidades.

Para que a leitura não se tornasse morosa, escolhi, em cada bloco,

um processo para apresentar com mais detalhes – dados do processo,

relações com os núcleos de ação pedagógica apresentados no início deste

trabalho, estrutura do processo com detalhamento por episódios e

estratégias propostas, imagens, observações das crianças e algumas falas

dessas, avaliação da professora que conduziu o processo – seguido de um

resumo com imagens dos demais processos realizados com a mesma faixa

etária.

4.1 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 02 A 03 ANOS

4.1.1 Processo 01

Dados Gerais

Coordenadora do processo: Maria Sônia Silva de Souza (membro da

Trupe há 04 anos).

Função na unidade: professora.

Outras profissionais envolvidas diretamente:

02 auxiliares de sala (período matutino e vespertino).

Outras profissionais envolvidas em alguns episódios:

01 professoras de outro grupo (como Abelha e Dona Julinha41),

01 professora de Educação Física (como Borboleta42),

01 auxiliar de sala de outro grupo (como Lobo Só Arroz43).

41 Representadas pela professora Juliana Lira. 42 Representada pela professora Luísa Aguiar. 43 Representado pela professora Michele Ferreira.

165

Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Barreira do

Janga.

Localização: Bairro Saco Grande (região norte da ilha).

Número de crianças: 16.

Dados Iniciais do Processo44

Tema: A natureza e o ser humano.

Contexto: A leitura das histórias “O Corvo de Pearblossom”, de

Aldous Huxley e Beatrice Alemagna, e “A gralha azul”, de Luciana

Garcia, despertou o interesse das crianças sobre os pássaros. Deste

interesse buscamos realizar uma aproximação entre o processo de

desenvolvimento e crescimento dos pássaros (e outros animais) como

uma metáfora para explorar o desenvolvimento das crianças, assim

como tentamos aproximar as crianças da natureza. A utilização de um

tecido azul para representar o pássaro na contação da história originou

o personagem Pássaro Azul.

Nome do Processo: O Pássaro Azul e seus amigos.

Contexto Ficcional: O Pássaro Azul é um amigo das crianças e as

visita com frequência. A cada visita ele traz materiais para as crianças

explorarem, apresenta outros animais e ainda as convida para suas

viagens, mas para poderem viajar com o Pássaro Azul elas precisam se

transformar em pássaros também.

Pré-texto: “O corvo de Pearblossom” e a “Gralha Azul”.

Papel das crianças: Pássaros (papel principal) e outros ao longo do

processo.

Aspectos teatrais trabalhados: Potencialização do faz de conta,

imitação, expressividade corporal e fruição.

Duração do processo: 05 meses – desdobrado em projeto anual (após

o término do processo de Drama a professora continuou trabalhando

com a temática).

Relações com os NAPs45

Relações sociais e culturais: a família das crianças x a família dos

animais, habitação x ninho, diferenças físicas x diferenças de espécies,

fases da vida, hábitos de higiene, interação com os parceiros x

interação com o bando.

44 Os dados dos processos foram descritos pelos professores condutores. 45 Os Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) foram apresentados no primeiro capítulo referente

ao contexto da pesquisa. Referem-se às áreas temáticas indicadas pela Diretoria de Educação Infantil de Florianópolis para serem trabalhas nos projetos pedagógicos desenvolvidos pelas

unidades e pelos profissionais da rede municipal.

166

Linguagem oral e escrita: exploração de contos e histórias de bichos

de diferentes espécies e lugares, trabalhar a imitação dos sons dos

animais.

Linguagem visual: imagens de ninhos, flores, sementes, árvores,

diferentes espécies de animais, observar o voo dos pássaros, as cores.

Linguagem corporal e sonora: imitação dos movimentos e dos sons

dos animais, ouvir sons de pássaros, sons da natureza.

Relações com a natureza: interação das crianças com os animais e

com a natureza, perceber e respeitar as plantas e os animais.

Relações com a matemática: criação e uso de brinquedos com

animais – dominó (sapo), encaixes e quebra cabeças de imagens de

animais, quantificação de filhotes.

Resumo do processo

O processo do Pássaro Azul iniciou com a utilização de um objeto

(canga azul) atrelada à contação de uma história envolvendo pássaros.

Depois da canga surgiu o personagem Pássaro Azul que passou a fazer

parte da rotina das crianças, trazendo materiais, motivando e

incentivando situações de aprendizagem a partir de objetos como

máscaras, binóculos, martelos, espantalho, entre outros, traçando um

paralelo entre a vida dos animais e o desenvolvimento das crianças. O

processo se vinculou à experimentações dramáticas e despertou

diversas emoções nas crianças: medo, surpresa, curiosidade, amor a

natureza, vontade de imitar, fingir ser bicho. Buscamos explorar

materiais que contribuíssem com a criação de situações de faz de conta,

nas quais as crianças imergiam e ampliavam suas experiências nutrindo

sua imaginação, assim como inserindo personagens no cotidiano das

crianças, iniciando um processo de assimilação de aspectos da

linguagem teatral.

4.1.1.1 Estrutura do processo

O Pássaro Azul

Episódio 01: Saindo do livro: o Pássaro Azul aparece para as

crianças

Objetivos:

Etapa 01: Ambientação sonora – “Valsa dos Sonhos”. Professor no

personagem – Pássaro Azul.

Etapa 02: Imitação – movimentos

e sons de pássaros.

167

Criar o código de que a música

“Valsa dos Sonhos” (de Marcus

Vianna) prepara a entrada do

Pássaro Azul. Apresentar o

personagem “Pássaro Azul” para

as crianças. Interagir com as

crianças utilizando diferentes

movimentos e sons. Incentivar a

imitação trabalhando variações

de melodias e ritmos corporais e

sonoros. Deixar material para ser

explorado. O Pássaro falará em

“blablação” (emissão de sons

sem nexo).

Comentários da professora46:

É comum nesta faixa etária

estranhamento e reações de

choro, o que não aconteceu. No

máximo alguns se escondiam do

Pássaro, ficavam olhando de

longe. A mediação da auxiliar foi

bem proveitosa, dando

significado às ações do pássaro,

interpretando-as junto com as

crianças.

Ao longo da semana trabalhamos

com os materiais deixados pelo

Pássaro.

Etapa 03: Estímulo composto – uma caixa será entregue às crianças

contendo a história “O Corvo”, o

filme “Ovos e ninhos”, sementes e

alpiste. Os comentários das

crianças serão escritos em mural.

Episódio 02: O Pássaro Azul, a

Abelha e a Borboleta.

Objetivos: Desenvolver a interação entre as

crianças e o personagem e dessas

Etapa 01: Ambientação sonora –

“Valsa dos Sonhos”. Professor no personagem – Pássaro Azul.

Leitura dos comentários das

crianças no mural criado no

primeiro episódio.

46 Os comentários foram retirados das avaliações escritas realizadas pelos profissionais

condutores dos processos após cada episódio.

168

com as crianças do outro grupo.

Envolver outras turmas no

processo. Propiciar a fruição de

uma cena teatral. Trabalhar as

imagens dos pássaros, a imitação

desses e a vivência dramática e

corporal.

Comentários da professora: O Pássaro Azul é um amigo da

turma que cria situações nas

quais as crianças podem lidar

com seu mundo imaginário e

ampliá-lo. Além disso, ele serve

como metáfora para as crianças

perceberem seu próprio

desenvolvimento. Neste

episódio a Borboleta deu uma

rosa mágica para o Pássaro Azul

e com a ajuda das crianças ele

começou a falar, imitando as

palavras que as crianças diziam e

depois começando a dizer suas

próprias palavras. Ensinamos as

crianças do outro grupo a bater

asas, a voar, pular, piar, etc. As

crianças assistiram atentas à cena

e gostaram de se maquiar.

Etapa 02: Material – recebimento

de um convite para irem visitar

outra turma. Imitação –

movimentos e sons de pássaro.

Etapa 03: Professor personagem

(convidadas) – como Abelha e

Borboleta. Apresentar uma cena

para as crianças.

Etapa 04: Material – imagens de

pássaros.

Etapa 05: Vivência – maquiar as

crianças do pássaro que elas

escolherem (a partir das imagens).

Episódio 03: O Pássaro Azul e

os pássaros filhotes.

Objetivos:

Explorar a corporeidade

individual a partir da relação das

crianças com o pássaro que tem

seu nome. Incentivar as crianças

a se expressarem corporalmente

Etapa 01: Ambientação sonora –

“Valsa dos Sonhos”. Professor no

personagem – Pássaro Azul.

Material – mostrar as imagens dos

pássaros da sessão passada.

Etapa 02: Estímulo composto – uma caixa com um texto sobre

pássaros, filhotes de passarinho

feitos de pano com o nome de cada

169

e vocalmente. Perceber as

relações entre os pássaros

grandes e os pequenos, como

uma metáfora para as relações

familiares.

Comentários da professora:

As crianças estão bastante

familiarizadas com o Pássaro

Azul e sempre que toca a Valsa

dos Sonhos arregalam os olhos e

apontam pra cima dizendo: “_

oh, Pássaro Azul”. A música

serve como instituição do faz de

conta. A árvore com os pássaros

fica na sala e, ao longo da

semana, é possível perceber as

crianças imitando pássaros,

procurando o seu pássaro,

criando situações de faz de conta

que envolvam a temática do

processo.

criança e uma cor diferente.

Exploração do texto e objetos.

Etapa 03: Improvisação – cada

criança explorará o movimento e o

som do seu passarinho e o levará

para a árvore que estará na sala.

Episódio 04: O Pássaro Azul e

as máscaras.

Objetivos:

Utilizar a máscara como uma

forma de trabalhar, ainda que de

forma sutil, a noção de papel

ficcional. Explorar a máscara

como um estímulo para as

crianças trabalharem o corpo e a

voz em conjunto com uma

música, criando o voo dos

pássaros.

Comentários da professora:

Etapa 01: Ambientação sonora – “Valsa dos Sonhos”. Professor no

personagem – Pássaro Azul.

Etapa 02: Imitação – quando o

Pássaro Azul pegar o passarinho da

criança da árvore e disser seu

nome, cada criança fará os

movimentos e sons de um pássaro.

Etapa 03: Material – Pássaro Azul

entregará uma máscara para cada

criança e juntos experimentarão

um voo de pássaros. Ambientação sonora – sons de natureza.

170

Neste episódio, em meio as

improvisações, surgiu a ideia de

criar um mágica que

transformasse as crianças em

pássaros: “_ Pir lim pim pim,

criem asas para mim”. O Pássaro

Azul desenvolveu esse poder

mágico que ajuda a expandir as

explorações dramáticas das

crianças.

Episódio 05: O Pássaro Azul, o

comedouro e os binóculos.

Objetivos:

Incitar o olhar sobre os maus

tratos para com a natureza por

meio da presença do “Pássaro

Mal” na horta existente na

unidade educacional. Construir

um comedouro para tentar atrair

pássaros para a creche. Usar o

binóculo para observar pássaros

e para estimular a imaginação.

Comentários da professora: Colocamos o comedouro em

frente à janela da nossa sala,

assim podíamos acompanhar o

movimento dos pássaros reais e

imaginados lá fora. Percebemos

um jogo entre real e ficcional: a

horta e o comedouro são reais,

mas os pássaros, as vezes vem

comer, outras vezes as crianças

os imaginam, nesse sentido o

binóculo serviu tanto para as

crianças observarem pássaros

reais, quando para criarem

Etapa 01: Estímulo composto –

materiais para construírem um

comedouro de pássaro (madeira,

martelo, pregos, imagens de um

comedouro) e binóculos (de papel).

Um carta do Pássaro Azul.

Etapa 02: Produção material –

construção do comedouro e

binóculo.

Etapa 03: Vivência – crianças

observarão pássaros. Professor no papel – Pássaro Mal. O Pássaro

Mal circulará a horta, maltratará as

plantas e derrubará a comida do

comedouro. Convencer as crianças

a escreverem para o Pássaro Azul e

pedir a ajude dele.

171

pássaros que elas viam com os

“olhos da imaginação”. Percebo

que o processo tem alimentado a

fantasia delas. A presença do

“Pássaro Mal” levou-nos a

conversas sobre a proteção à

natureza e também sobre a

necessidade dos animais de

sobreviverem em meio às

cidades e à ocupação do homem.

Claro que essas conversas se

deram dentro do limite etário das

crianças.

Episódio 06: O Pássaro Azul e o

espantalho.

Objetivos:

Construir o espantalho. Realizar

uma vivência corporal – na busca

pelo “Pássaro Mal”.

Comentários da professora:

Na construção do espantalho

pude fazer um paralelo com o

corpo das crianças. Elas

percebiam a si mesmas e aos

colegas e diziam as partes do

corpo do espantalho que

estávamos construindo e quais

partes faltavam. As crianças

gostaram tanto do espantalho

que iria pra horta que decidimos

construir um outro espantalho

Etapa 01: Material – carta do

Pássaro Azul (resposta). Estímulo composto – materiais para a

construção de um espantalho

(ráfia, roupas, chapéu, cordas,

martelo, pregos e desenho de um

espantalho).

Etapa 02: Produção material – construção do espantalho para a

horta.

Etapa 03: Vivência – observar os

pássaros. Procurar o Pássaro Mal.

Explorar formas de se deslocar no

espaço (em câmera lenta,

escondendo-se, rastejando-se,

entre outras).

172

para ser amigo das crianças e

visitar as suas casas.

Episódio 07: O Pássaro Azul, o

Lobo Só Arroz e a Dona Julinha.

Objetivos:

Explorar o universo ficcional

criando o ritual que convoca o

Pássaro Azul. Oferecer um

momento de fruição teatral para

as crianças por meio da

apresentação de uma peça curta

criada por três profissionais da

unidade. Unir o projeto de sala

ao da unidade “horta e

alimentação saudável”.

Comentários da professora: O Pássaro Azul trouxe uma bolsa

(batizada de “bolsa viajante”)

com um espantalho dentro

(nomeado pelas crianças de

Espantalho Talho). Esta bolsa

iria cada final de semana para a

casa de uma criança

acompanhada de algum legume

ou verdura da horta da creche e

um caderno onde os pais

registrariam o que fizeram com o

alimento mandado e o que o

Espantalho fez no fim de

semana. As crianças estão mais

acostumadas a assistirem uma

cena teatral, percebo que elas

prestam atenção, reagem e

interagem. Há uma formação à

linguagem teatral. Ao longo da

semana trabalhamos com as

Etapa 01: Professor personagem –

(convidado) como Lobo – pedirá

ajuda para as crianças.

Etapa 02: Ritual – voo dos

pássaros para chamar o Pássaro

Azul para vir ajudar.

Etapa 03: Ambientação sonora –

“Valsa dos Sonhos”. Professor no

personagem – Pássaro Azul levará

as crianças para outro espaço para

conhecerem a Dona Julinha –

professor personagem (convidado)

Etapa 04: Apresentação – o Lobo,

o Pássaro Azul e Dona Julinha

apresentarão uma peça curta para

as crianças.

Etapa 05: Caixa de estímulos – o

Pássaro Azul deixará um

espantalho de presente para a

turma, uma “bolsa viajante” e

imagens de animais e seus filhotes.

173

imagens de animais e seus

filhotes (jacaré, galinha,

tartarugas, borboletas, joaninhas,

formigas) traçando relações com

a vida das crianças.

Episódio 08: O Pássaro Azul, o

barco e a floresta.

Objetivos:

Experimentar as situações

dramáticas que serão sugeridas.

Explorar o ambiente ficcional da

floresta e a imitação dos animais.

Comentários da professora: Os animais explorados nos

últimos dias foram

confeccionados em tecido para

serem manipulados pelas

crianças. Confeccionamos

também os filhotes desses

animais. Aqueles que nascem de

ovos foram colocados dentro de

cascas de ovos e os demais,

próximos dos animais adultos no

ambiente criado. Além da

exploração dramática que

envolveu chegar ao local, os

animais foram explorados pelas

crianças. Elas tem ampliado o

uso da imitação e percebo que os

materiais são ferramentas que

incentivam a criação de

brincadeiras de faz de conta.

Etapa 01: Ambientação sonora –

“Valsa dos Sonhos”. Professor no personagem – Pássaro Azul levará

as crianças de barco para

conhecerem uma floresta cheia de

animais.

Etapa 02: Vivência – as crianças

navegarão de barco, feito de pano,

guiadas pelo Pássaro Azul que

proporá movimentos (remar, reagir

as ondas, navegar em câmera lenta,

entre outros).

Etapa 03: Vivência – voo dos

pássaros para as crianças chegarem

à floresta (espaço da creche).

Etapa 04: Ambientação cênica e

sonora – ambiente composto com

bichos e seus filhotes (feitos de

diversos materiais), ovos (com

filhotes dentro), sementes, sons de

pássaros. Tempo para as crianças

explorarem os objetos e o espaço.

Estimular a imitação de sons e

movimentos.

Etapa 05: Vivência – voo dos

pássaros para as crianças chegarem

ao barco e retornarem à sala.

Episódio Final: Socialização com a creche.

174

Objetivo:

A professora, no personagem Pássaro Azul, contará, em forma teatral,

as “aventuras” que o seu grupo experimentou na realização do processo

de Drama. As crianças participarão apresentando o voo dos pássaros –

exploração de movimentos e sons de pássaros realizada em vários

momentos do processo. A ideia é uma vivência dramática com plateia.

Comentários da professora:

Nesses momentos em que conseguimos socializar com o grupo um

trabalho que foi construído em conjunto com as crianças, em que elas

experimentam com prazer as situações propostas, que elas não se veem

inibidas pala presença de uma plateia, estamos trabalhando na

formação de um outro olhar sobre o trabalho com a linguagem teatral

na Educação Infantil. O foco da apresentação foi jogar diante da plateia

com situação vividas na sala e não mostrar um produto criado para uma

apresentação.

4.1.1.2 Imagens do processo

Figura 1 - Livro “O Corvo” – pré-

texto.

Figura 2 - Pendurando o pássaro

que tem seu nome.

175

Figura 3 - Explorando as máscaras

de pássaros.

Figura 4 - Construindo o

espantalho.

Figura 5 - Chamando o Pássaro

Azul.

Figura 6 - Apresentação teatral “O

Lobo Só Arroz”.

Figura 7 - Livro de registros.

Figura 8 - Experimentando a

navegação.

176

4.1.1.3 Observando as crianças

(Episódio: o Pássaro Azul e os pássaros filhotes)

Profa. – Olá pessoal. Cheguei... ué, tem algo diferente, o que aconteceu?

Cri01 – O passarinho, ele veio! Cri02 – É... trouxe presente.

Cri03 – Tu era o passarinho!

Cri04 – Olha, eu ganhei. Profa. – Ai que pequenos. São filhotes? E pra onde ele foi? Onde ele

mora?

Cri0 – Lá longe, na árvore!

(Episódio: O Pássaro Azul, o barco e a floresta)

(A auxiliar prepara a chegada do Pássaro Azul que vai trazer um barco

hoje!) Auxil. – Quem sabe nadar? Quem já andou de barco?

Todos – EU! Cri01 – Já mergulhei! Assim ó! (tapa o nariz e se abaixa).

(As crianças deram alpiste para os pássaros e couve para a galinha) Cria02 – O jacaré gosta de comer peixe!

(As crianças pegam os passarinhos com seus nomes da árvores) Cri03 – O vovô do meu papai me deu um passarinho!

Eu – E ele canta? Cri03 – Assim ó: piu, piu, piu!

(Menino dá um beijo em todos os bichos antes de voltar pro barco.)

4.1.1.4 Avaliação da professora Maria Sônia47

Eu vejo que o ganho das crianças foi muito grande, foi aquilo que

eu pude planejar né. Agora o meu ganho foi enorme (risos) [...] foi um

47 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 30 de janeiro de 2014.

177

trabalho muito intenso, não é pouca coisa, é um trabalho bastante

profundo eu acho, sério, muito sério, muito bacana poder fundamentar as

ações do planejado e mais bacana ainda é ter a fonte, acho que é isso, e

também um grupo para discussão, da gente poder trocar ideias com os

colegas e ver que eles tem também um caminho percorrido e estão

também traçando essa experiência do Drama, foi bem bacana, muito

bacana! [...] Os momentos mais bacanas eu acho que foram as atividades

da criança, eu acho que quando a gente consegue fazer com que as

crianças se tornem... quando a gente consegue dar a elas ações também,

de fazedores, de desbravadores, então eles voavam ou pegavam material

daquela caixa e tentavam fazer algo... ou mesmo como plateia, tentando,

eles tentavam, como se diz, interpretar os movimentos e os sons do

pássaro, os trejeitos, muito lindo isso, esses momentos foram muito

importantes até para replanejar.

4.1.2 Processo 02

Resumo dos Dados

Condutora: Danielle Jorge Horn (membro da Trupe há 01 ano).

Função na unidade: professora.

Outras profissionais envolvidas:

02 auxiliares de sala (matutino e vespertino48),

01 professora de outro grupo (como Fada em uma sessão49),

01 atriz convidada (como Pedrinho em uma sessão50),

Unidade Educacional: Creche Morro da Queimada.

Localização: Bairro José Mendes (região central de Florianópolis).

Número de crianças: 15.

Nome do processo: A chegada do Pedrinho.

Resumo do processo

A chegada de Pedrinho teve como finalidade trabalhar questões

relacionadas ao afeto, ao cuidado com o próprio corpo, com o corpo do

outro e a exploração da expressividade corporal. Buscamos construir

com as crianças um aprendizado acerca da importância de cuidar dos

amigos e da percepção de sua expressividade a partir de proposições

48 A auxiliar do período vespertino, Marta Honorata, representou a mãe de Pedrinho – Dona

Tibúrcia. 49 Representada pela professora Karina Conrat. 50 Representado pela atriz Drica Santos.

178

lúdicas e de brincadeiras de faz de conta que partiam da situação de

tratar o Pedrinho, que era um boneco, como uma criança de verdade.

O Pedrinho teve um envolvimento com as famílias também pois, a cada

semana, ele visitava a casa de uma das crianças e os pais relatavam o

que acontecera em sua visita. Essas informações serviam também para

alimentar o processo de Drama. Além de trabalhar as questões

referentes ao projeto de sala (“Valores e vivências por um mundo

melhor”), um dos nossos objetivos era abordar também o tema dos

projetos coletivos da Unidade (“Valores” e “Diferentes culturas

brasileiras”) e isso ocorreu principalmente através dos personagens

(familiares de Pedrinho) que vinham visitá-lo na sala. O final do

projeto se deu com a “transformação” de Pedrinho em menino de

verdade, utilizando a trama de “Pinóquio” como pré-texto.

Aspectos teatrais trabalhados: Situações de faz de conta, contato

com personagens, sensorialidade, expressividade corporal e

exploração da imaginação.

Principais estratégias utilizadas: Estímulos materiais (envio de

cartas para as crianças, imagens de crianças brincando coletivamente,

cada personagem trazia objetos de sua cultura, entre outros), professor

personagem (Dona Tibúrcia – mãe do Pedrinho, Tio Jorge – tio de

Pedrinho, Fada madrinha, Pedrinho – boneco e criança), cadeira

quente (questionando os personagens), ambientação sonora

(brincadeiras cantadas de diferentes culturas, músicas dos personagens,

músicas relacionadas a situações de interação – abraço, carinho, rodas,

etc.) e ritual (transformação do boneco em crianças de verdade).

179

4.1.2.1 Imagens do processo

Figura 9 - Chegada do Pedrinho na

caixa.

Figura 10 - Dona Tibúrcia e

Pedrinho.

Figura 11 - Fada preparando ritual

de transformação.

Figura 12 - Pedrinho criança

interagindo com o grupo.

4.1.2.2 Observando as crianças

(Episódio: Pedrinho vira menino de verdade)

Profa. – Acho que vi alguém passar!

Cri01 – É a fada!

Cri02 – Lá na rua! (Alguém bate na porta – crianças em silêncio, atentas, parecem ansiosas)

Todos – É a fada! É a fada!

Fada – É aqui a creche do Pedrinho?

180

Cria01 – Eu tenho uma madrinha!

Fada – E ela é fada?

Cri01 – Não é. Cri04 – Minha vó é minha fada!

Fada – Pra fazer a mágica eu vou precisar de uma varinha, de uma roda e da ajuda de todos vocês! (Coloca Pedrinho boneco dentro da caixa).

Preciso de uma luz mágica (acende-se um foco de luz e apaga-se a luz da sala, fazem um ritual e transformam Pedrinho em criança de verdade. A

atriz Drica Santos representa Pedrinho, diz gostar de teatro e sai da caixa

com uma mochila cheia de objetos para as crianças experimentarem – maquiagem, máscara, nariz de palhaço, plumas, caixinha de música,

entre outros que remetem ao teatro).

4.1.2.3 Avaliação da professora Danielle51

[...] por ser uma turma com uma faixa etária menor a gente não

sabia como ia ser o desenrolar desse processo, mas de qualquer maneira

a gente ofereceu para esperar a resposta né e foi a mais positiva possível.

Como as crianças tiveram esse contato com o Pedrinho de uma maneira

muito carinhosa, de uma maneira muito generosa eu diria [...] a

finalização com o Pedrinho se tornando criança de verdade né, foi o

momento mais mágico, por mais que todo o processo tinha sido

maravilhoso e a gente percebia que as crianças tavam [sic.] dando uma

resposta positiva, mais nada se compara a finalização do projeto quando

a gente teve a presença da Drica e se transformou no Pedrinho em pessoa

e pode brincar e trouxe vários outros materiais que as crianças puderem

estar interagindo com esses materiais também e foi muito rico aquele

momento, passou tempo e as crianças viram as fotos e lembravam do

Pedrinho, lembravam daquele momento, então foi um momento muito

mágico mesmo.

51 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014.

181

4.1.3 Processo 03

Resumo dos Dados

Condutora: Zely Mara da Rocha Duarte (membro da Trupe há 04

anos).

Função na unidade: auxiliar de sala.

Parceira na estruturação do processo: Rosetenair Feijó Scharf

(membro da Trupe há 04 anos).

Função: assessora pedagógica na Diretoria de Educação Infantil.

Outras profissionais envolvidas:

02 professoras do grupo (matutino e vespertino).

Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Dra. Zilda Arns

Neumann.

Localização: Bairro Carianos (região sul de Florianópolis).

Número de crianças: 15.

Nome do processo: O baú mágico.

Resumo do processo

O processo se desenvolveu em torno de um baú mágico que trazia

objetos para as crianças explorarem e propunha situações dramáticas

para elas experimentarem a partir da narração das histórias que surgiam

desse. Instrumentos musicais foram utilizados como forma de criar

ambientações sonoras para as histórias. Adereços e figurinos foram

enviados para as crianças explorarem os papéis que as histórias

sugeriam. Uma das histórias (“Marieta quer falar”, de Ducarmo Paes)

trata de uma boneca que deseja falar como as crianças. Esse enredo

despertou o interesse do grupo em confeccionar uma boneca e dar-lhe

vida. O baú mágico tratou de enviar uma boneca de pano (batizada

pelas crianças de Maria Cecília). Maria Cecília visitou outras turmas e

participou dos momentos de faz de conta criados pelas crianças. Um

dia a boneca sumiu, as crianças construíram cartazes procurando-a, a

intenção era transformar Maria Cecília em pessoa, mas isso não foi

possível devido a uma série de contratempos.

Aspectos teatrais trabalhados: Experimentações dramáticas,

narração de histórias e expressividade sonoro-corporal.

Principais estratégias utilizadas: Narração (histórias contadas pela

professora), imitação (dos sons, vozes e movimentos propostos a partir

das histórias), materiais (baú, instrumentos musicais, boneca,

construção de cartazes) e ambientação sonora (criação de sons para as

histórias).

182

4.1.3.1 Imagens do processo

Figura 13 - Contação de histórias e

o baú mágico.

Figura 14 - Boneca Maria Cecília.

Figura 15 - Criando ambientação

sonora.

Figura 16 - Atriz52 e a boneca

Maria Cecília.

52 Seria representada pela professora (membro da Trupe) Rosetenair Feijó Scharf.

183

4.1.3.2 Avaliação da professora Zely53

[...] foi assim um processo gratificante, um processo que pra mim

com as crianças foi importante por uma boneca estar interagindo junto

com elas e fazendo parte dos momentos [...] a Maria Cecília para aquela

turminha ficou forte e importante, muito bom. O mais marcante foi

quando a Maria Cecília apareceu e triste para eles não tentar encontrar a

Maria Cecília, que terminou o ano letivo e não encontraram [...] o Drama

faz a gente viajar, viajar na imaginação, viajar no lúdico, viajar com as

crianças [...].

4.1.3.3 Comentários da professora Rosetenair54

[...] planejar essa ação com ela e poder pensar em cada passo, não

como algo fechado né, porque a gente praticamente dava pistas pra depois

ir trabalhar com as crianças e, com certeza, isso mudou bastante [...] eu e

ela meio que pensamos assim um caminho pra chegar no que a gente

queria com as crianças [...] percebemos o quanto cada elemento que ela

levava isso resultava uma outra ação pras [sic.] crianças [...]. Eu penso

que esse conhecimento que eu e a Zely tivemos e trabalhamos e tal, ajuda

muito na questão do dia a dia com a criança porque eu penso que não é só

chegar: “_ah eu vou fazer teatro pras [sic.] crianças”, não é isso, mas

planejar algumas ações, algum caminho e que, nesse caminho então, as

crianças vão poder ter o espaço delas, a forma delas, nessa evolução

mesmo do trabalho.

53 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014. Cabe ressaltar que

devido a paralizações e greves ocorridas no final do ano de 2013 e a um problema de saúde com

a professora Zely, não foi possível realizar o último episódio previsto que seria a transformação

da boneca em pessoa, essa seria a sessão que eu iria coletar os comentários das crianças, por conta desses fatos não apresentei a observação das crianças deste processo. 54 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 15 de março de 2014. A professora Rosetenair,

como apontado, foi parceira de Zely na estruturação do processo.

184

4.2 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 04 A 05 ANOS

4.2.1 Processo 04

Dados Gerais

Coordenadora do processo: Elizabete Maria Eleotero (membro da

Trupe há 03 anos).

Função na unidade: auxiliar de sala.

Parceira na estruturação do processo: Leonara de Souza (membro

da Trupe há 03 anos).

Função na unidade: auxiliar de sala55.

Outras profissionais envolvidas diretamente:

02 professoras (manhã e tarde).

Outros profissionais envolvidos em alguns episódios:

01 professora (membro da Trupe – como Pirata Invasor)56.

01 ator convidado (como Pirata Pão Duro)57.

04 professoras de outros grupos (como espanhola, alemã, italiana,

chinesa e bruxa)58.

01 professora de Educação Física (como Pirata Pão Duro no último

episódio)59.

01 estagiário de Biologia (como Pirata da horta)60

Unidade Educacional: Creche Machado de Assis.

Localização: Bairro Capoeiras (região continental de Florianópolis).

Número de crianças: 36 (18 em cada grupo).

Dados Iniciais do Processo

Tema: A vida dos piratas.

Contexto: A leitura da história “O tesouro do pirata Pão Duro”, de

Atílio Bari, despertou o interesse das crianças pela vida dos piratas.

55 O projeto inicial surgiu na turma de Leonara de Souza e por pertencer a mesma creche que

Elizabete começaram a desenvolver o processo de Drama em conjunto. Entretanto, devido a mudança da professora regente da turma de Leonara e essa decidir não dar continuidade ao

processo, o grupo de Leonara não participou de todos os episódios. Por conta disso, o projeto

inicial teve continuidade no grupo de Elizabete, contando com o apoio de Leonara. 56 Representado pela professora Vanessa Philippi Cecconi. 57 Representado pelo ator e acadêmico do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC Felipe

Schaitel. 58 Representadas, respectivamente, pelas professoras Iracema da Silva, Eliane Hoffman, Juciana

Folster e Elite Castilho (ambas personagens). 59 Representado pela professora Ana Paula Freitas. 60 Representado pelo estudante de Biologia André Ganzarolli Martins.

185

Como a turma era bastante ativa e criativa e estava iniciando o processo

de alfabetização, decidimos criar um processo de Drama que pudesse

envolver as crianças no mundo dos piratas, proporcionar

experimentações dramáticas, utilizar de diferentes linguagens na

construção de saberes e ao mesmo tempo ampliar o repertório literário

das crianças. Surgiu então o projeto “Literarteando no mundo dos

piratas” que dialogaria com o processo de Drama.

Nome do Processo: O tesouro perdido.

Contexto Ficcional: O Pirata Pão Duro enviará um pacote para as

crianças contendo um mapa e objetos de navegação (bússola, luneta,

faixas para a cabeça) instigando as crianças a navegarem em busca de

um tesouro. As crianças, como piratas, terão de enfrentar os desafios e

as descobertas que o processo incitará.

Pré-texto: “O tesouro do pirata Pão Duro”.

Papel das crianças: Piratas.

Aspectos teatrais trabalhados: Imersão em contextos ficcionais,

vivência de situações dramáticas e papéis, exploração corporal,

interação com professores personagens.

Duração do processo: 03 meses – desdobrado em projeto anual após

o término do processo de Drama.

Relações com os NAPs

Relações sociais e culturais: interação com outro grupo, a vida

nômade dos piratas, conhecimento de outras culturas, apropriação do

Boi de Mamão no processo.

Linguagem oral e escrita: leitura e escrita de cartas, criar, ouvir e

contar histórias (“Carolina e os Piratas”, autor não encontrado e “Os

pequenos piratas” de Rosa Curto e Aleix Cabrera), explorar poesias

(“O pirata”, de Andra Valladares “Um colar de conchas”, de Rangel

Alves da Costa) ao longo do processo.

Linguagem visual: criação de objetos para o processo (chapéu, tapa

olho, espada), utilização de imagens e vídeos de piratas. Utilizar

imagens e vídeos de manifestações culturais diversas e de animais de

diferentes países.

Linguagem corporal e sonora: trabalho corporal aliado à músicas

(“Os piratas” de Álamo Oliveira e Luís Gil, “Você é um pirata”, de

Lazy Town), exploração e criação do corpo dos piratas, vivência de

sensações corporais (dentro de um navio, em um pântano, num lugar

escuro, etc.) a partir de ambientações cênicas. Exploração de desejos,

necessidades, sentimentos e gestos das crianças.

186

Relações com a natureza: desenvolver alguma proposta junto ao

estagiário de Agronomia em relação à horta. Realizar alguma trilha

com as crianças. Estudos dos animais de cada país por onde passaram.

Relações com a matemática: explorar noções de distância, tempo,

peso, deslocamento, contagem, ritmo, etc.

Resumo do processo

Partindo da história “O tesouro do Pirata Pão Duro” as crianças foram

desafiadas a emergirem no mundo do piratas. O que encontrariam?

Haveria um tesouro? Quem seria o Pirata Pão Duro? Muitas perguntas

surgiram ao longo do processo. As respostas foram criadas pelas

próprias crianças que, experimentando o papel da piratas, descobriram

um tesouro enterrado, viajaram para diferentes países, salvaram o

Pirata Pão Duro e o Boi de Mamão que haviam sido raptados.

Conduzidos pelo Capitão Amedrontador as crianças embarcaram nessa

viagem, ampliando seu imaginário e construindo conhecimentos sobre

a linguagem teatral.

4.2.1.1 Estrutura do processo

O tesouro perdido

Episódio 01: Mapa do tesouro.

Objetivos:

Instaurar o contexto dramático

do processo. Verificar os

conhecimentos das crianças

sobre navegação e instigar seu

imaginário sobre a temática da

proposta.

Comentários da professora:

Após a instauração do contexto

dramático partimos para a nossa

viagem. No caminho,

encontramos um grupo de

piratas que também buscavam

Etapa 01: Estímulo composto – o

grupo receberá uma carta de um

pirata junto com objetos de

navegação, indicando a existência

de um tesouro.

Etapa 02: Manto do perito –

verificar o que sabem sobre piratas,

o que entendem de navegação, criar

o contexto de ficção.

Etapa 03: Vivência de papéis e situação – iniciar uma navegação

como piratas. Encontrarão com

outro grupo de piratas no meio do caminho.

Etapa 04: Material – criação da

ilha deserta (desenhar com as

187

por um tesouro e eles, assim

como nós, não sabiam bem ao

certo onde estaria. Ao se

encontrarem, os grupos de

piratas começaram um batalha

entre eles. Descobriram que ao

invés de inimigos poderiam ser

amigos em busca do tesouro. As

crianças falavam que iriam

encontrar um baú.

crianças), discutir o que poderiam

encontrar como tesouro.

Episódio 02: Preparando a

viagem.

Objetivos:

Dar materialidade ao processo a

partir de objetos que possam

auxiliar a imersão na proposta e

a vivência de papéis.

Comentários da professora:

Na sala preparamos músicas,

selecionamos os suprimentos,

organizamos a viagem que será

uma grande aventura. Nossos

colchões viraram navios,

pintamos o rosto. Papéis

viraram chapéu de pirata e a

aventura no mar foi muito

divertida. Os corpos tomam

formas, são ações e reações

produzidas pelas próprias

crianças vivenciando o faz de

conta com mediação do

professor.

Etapa 01: Material – usar o

desenho da ilha deserta para

rememorar o que aconteceu no

episódio anterior.

Etapa 02: Material – produzir

chapéus, tapa olho e espada para a

aventura.

Etapa 03: Vivência de papéis –

explorar a criação corporal dos

piratas e possíveis músicas para a

navegação.

Etapa 04: Professor no papel – professor como capitão organizará

os itens que serão levados para a

viagem. Apresentará um mapa do

tesouro mandado pelo Pirata Pão

Duro.

Episódio 03: Viajando pelos

continentes.

Etapa 01: Material – analisar o

mapa enviado pelo Pirata.

188

Objetivos:

Desafiar as crianças a

analisarem os materiais e a

criarem situações que possam

ser apropriadas na proposta.

Viajar para diferentes países

conhecendo um pouco sobre a

cultura desses.

Comentários da professora:

Ao analisar o mapa do Pirata Pão

Duro descobrimos que se tratava

de um mapa do mundo e que

indicava alguns lugares que

deveríamos visitar para chegar a

ilha deserta. Ao encontrarmos o

baú descobrimos que a roupa de

pirata transformaria qualquer

um, que se atrevesse a vesti-la,

no Pirata Amedrontador. As

crianças começaram a dizer que

não tinham coragem e que era

melhor um adulto fazer

primeiro. Entrando no

imaginário das crianças eu

comecei a colocar a roupa e me

transformar. Vozes, gestos e

expressões foram me

transformando no Pirata

Amedrontador.

Etapa 02: Improvisação – como

piratas viajar a alguns países

indicados no mapa para procurar

pistas sobre a ilha deserta e os

piratas. Experimentar situações de

navegação. Professor personagem – como capitão do navio pirata.

Etapa 03: Professor personagem –

professores convidados

representarão uma espanhola, uma

italiana, uma alemã e uma chinesa

e farão desafios para as crianças

descobrirem alguma pista.

Etapa 04: Material – encontrar o

baú enterrado na creche, dentro

estará uma roupa de pirata, um

livro com códigos a serem

desvendados, fotos de lugares e

uma história de piratas.

Episódio 04: A invasão dos

piratas.

Objetivos:

Proporcionar um momento de

interação das crianças com um

Etapa 01: Professor personagem – (convidado) como Pirata Pão Duro.

Cadeira quente – crianças farão

perguntas ao Pirata. Mostrar baú e

os pertences encontrados. O pirata

falará da necessidade de criação de

189

personagem representado por

um ator convidado. Nutrir o

imaginário a partir da fruição da

cena ensaiada.

Comentários da professora:

Partindo de um livro de literatura

infantil que continha um código

de piratas que dizia como cada

pirata deveria se comportar

durante uma viagem

coletivamente, criamos o código

de conduta do grupo 4/5. Surgiu

de uma necessidade do contexto

real diante de algumas situações

de agressividade e

desobediência. [...] A presença

de um personagem representado

por uma pessoa de fora (que não

seja o professor) atrai muito as

crianças e parece fazer com que

acreditem mais no processo.

um código de conduta pirata para as

crianças. Criar o código com elas.

Etapa 02: Cena – outros piratas

(professores da creche) invadirão a

sala e raptarão o Pirata Pão Duro

(cena ensaiada).

Etapa 03: Material – durante a

cena cairá do bolso dos piratas um

mapa que levará a um navio

abandonado (possível local onde

levarão o Pirata sequestrado).

Incentivar as crianças a analisarem

o mapa e decidirem ir salvar o

pirata ou não.

Episódio 05: O pirata e a horta.

Objetivos:

Estabelecer uma relação com os

projetos da unidade, neste caso,

o da horta. Dentro do contexto

dramático a ideia era fortalecer

os corpos com alimentos

saudáveis para o resgate do

pirata.

Comentários da professora:

Todas as quintas André

(estagiário de Biologia) chegava

para mexer na horta com as

crianças. Depois de participar

com as crianças em uma de

Etapa 01: Professor no papel –

como capitão incentivar as crianças

a fortalecerem seus corpos para a

viagem. Vivência de papéis – crianças como piratas realizando

atividades corporais.

Etapa 02: Professor no papel (convidado – estagiário de

Biologia) – apresentará para as

crianças alimentos que podem

ajudar a ampliar a força e atenção

delas.

Etapa 3: Vivência – preparar os alimentos.

190

nossas aventuras o grupo o

apelidou de o Pirata da horta. E

quem disse que ele não se tornou

o tal? Neste dia, como pirata da

horta, ele ensinou receitas para

as crianças se tornarem piratas

fortes.

Episódio 06: Resgate do pirata

Pão Duro.

Objetivos:

Resgatar o Pirata Pão Duro.

Relembrar os episódios.

Encaminhar o processo para

uma finalização.

Comentários da professora:

A sala se transformou em um

grande navio abandonado, tudo

foi preparado minuciosamente

para que aparecessem ali várias

sensações. Medo, choros, gritos

e coragem foram aparecendo

conforme as crianças entravam

na sala. E o pirata foi salvo. E as

crianças? Bom, as crianças

pareceram se deliciar ao

experimentar tal aventura.

Etapa 01: Material – explorar o

mapa que caiu do bolso do pirata

que raptou Pão Duro. Relembrar os

fatos ocorridos. Reafirmar o desejo

de viajar.

Etapa 02: Vivência de papéis e exploração corporal – construção

do corpo dos piratas (fortes e

corajosos). Colocar as faixas na

cabeça para “vestir” o papel.

Professor personagem –

caracterizar-se de capitão (Pirata

Amedrontador) na frente das

crianças.

Etapa 03: Improvisação –

situações de uma viagem de barco.

Etapa 04: Ambientação cênica –

navio abandonado. Professor

personagem – (convidada, de outro

grupo – como bruxa) tentará

impedir as crianças de entrarem no

navio. Ritual – dar força e coragem

para as crianças e ajudar a achar o

Pirata Pão Duro.

Etapa 05: Improvisação – procurar

pistas que levem ao Pirata Pão

Duro, interagir com o personagem,

improvisar situações relativas à

proposta. Professor personagem

(convidada, professora de

Educação Física – como Pirata Pão

191

Duro). Material – encontrarão o

Boi de Mamão que teria sido

raptado junto com o Pirata.

Etapa 06: Improvisação – comemoração do resgate.

Episódio 07: Os piratas e o Boi

de Mamão.

Objetivos:

Fazer uma releitura da dança do

Boi de Mamão, misturando

situações vivenciadas no

processo de Drama com a

estrutura dessa dança.

Comentários da professora: E nossa releitura ficou assim:

“Um pirata mal raptou o Boi.

Com a ajuda de um mapa, um

grupo de crianças-piratas

conseguiu salvar o Boi. Então, o

Pirata Amedrontador pede para

o Boi dançar pra todos e a dança

começa. Ao ver todos os

personagens do Boi um pirata se

apaixona pela Maricota, moça

tão bonita que parece um pau de

fita, e os dois viram namorados”.

Etapa 01: Improvisação – propor

às crianças uma releitura da dança

do Boi de Mamão, misturando o

processo dos piratas com os

personagens do Boi.

Episódio Final: Relendo o Boi de Mamão.

Objetivo: Experimentar com plateia momentos vividos nos episódios

do processo de Drama, aliando algumas propostas desenvolvidas com

a dança do Boi de Mamão.

Comentários da professora:

192

A ideia de uma vivência dramática com plateia além de ser um

momento em que as crianças podem se colocar como atores,

apresentando o que foi criado de forma conjunta, oferece para outras

crianças a possibilidade de verem um trabalho artístico, servindo

também como uma maneira de socializar com a unidade o processo

desenvolvido. Foi um momento bastante prazeroso poder compartilhar

e contaminar outras pessoas com o nosso trabalho.

4.2.1.2 Imagens do processo

Figura 17 - Explorando o mapa.

Figura 18 - Baú do Pirata Pão

Duro.

Figura 19 – Visita dos piratas à

Alemanha.

Figura 20 - Capitão Amedrontador

e seu ajudante.

193

Figura 21 - Professor personagem

(capitão) organiza a viagem.

Figura 22 - Cadeira quente com o

Pirata Pão Duro.

Figura 23 - Boi de Mamão e os

Piratas.

Figura 24 - Registro do processo.

194

4.2.1.3 Observando as crianças

(Episódio: Resgate do Pirata Pão Duro)

Profa. – Temos que ser corajosos para salvar o pirata. Vocês são Corajosos?

Todos – SIM! Profa. – Alguém está com medo?

Todos – NÃO!

Profa. – Eu vou me transformar no Pirata Amedrontador, deixa eu colocar a minha roupa!

(A condutora veste-se de Pirata e retoma o corpo e a voz do seu

personagem já apresentado para as crianças em outro episódio).

(Na porta da caverna uma bruxa. As crianças não aparentam temer. Ela

diz ser amiga do Pirata, tenta impedir as crianças de entrarem porque é

muito perigoso. As crianças decidem continuar, a Bruxa oferece uma poção para tornar as crianças mais fortes e corajosas, as crianças

tomam). Cri01 – Você viu o pirata?

Cri02 – Ele tem um chapéu.

Bruxa – Sim. Ele está preso na caverna. Profa. – O que podemos fazer para soltá-lo?

Bruxa – Eu tenho uma magia, mas vocês tem que repetir comigo, pode

ser? TODOS – Sim!

Magia: “Para o oeste terá de navegar, durante sete dias sem parar. No meio do oceano, além do mar, sete ilhas há de encontrar. A quinta é cheia

de ossos de piratas proscritos, e deles ainda se escuta o grito61”.

(Ouve-se o grito do Pirata Pão Duro e as crianças vão ao encontro dele).

61 Retirado do livro “Caça ao Tesouro” de A. J. Wood com ilustração de Maggie Downer.

195

4.2.1.4 Avaliação da professora Elizabete62

Para mim foi uma experiência assim bem interessante né,

enquanto educadora. Pras [sic.] crianças eu acho que foi muito mágico

assim, e pra creche inteira foi uma novidade porque a gente acabou

envolvendo todos, mesmo aqueles que não tinham uma percepção do que

que era o processo de teatro dentro da creche ou pra criança. Por que a

gente tem sempre aquela noção do teatro [...] de ir lá apresentar o

“teatrinho” e nesse processo não foi assim. [...] Claro, teve os conflitos,

os nossos mesmos de educadores, de não querer, de ter a resistência, mas

foi um processo assim que acabou se tornando algo assim mágico pras

[sic.] crianças e pra gente também. Por que eu, a Leo e as outras que

vestiram esse processo [...] como algo importante pras [sic.] crianças,

acabaram ficando surpresas com a reação das crianças, com o movimento

das atividades que foram feitas, que eles pediam mais e que não ficou só

naquilo, “não acabou”, apresentou a peça e acabou, não foi assim, foi cada

coisa que a gente trazia pra eles se criava um outro episódio, uma outra

cena [...] pra mim foi uma experiência e tanto e um aprendizado muito

importante.

4.2.1.5 Comentários da professora Leonara63

O processo foi muito rico pra mim e pras [sic.] crianças porque a

gente começou a buscar várias informações além de só brincar ou só

cantar. A gente começou a buscar informações concretas mesmo,

informações sobre o mar, informações sobre os países, sobre como se

construíam os barcos, como que funcionava uma bússola, o que eram os

piratas, se realmente existiram os piratas, a gente foi em busca e descobriu

que existiam duas piratas mulheres. E pras [sic.] crianças isso foi muito

rico assim, eles começaram a entender várias coisas que as vezes a gente

só fica na... superficialidade [...]. Tudo isso com a parceria das crianças,

não foi nada partindo somente de mim, da minha vontade ou do que eu

queria, tudo eles foram perguntando e a gente foi buscando, isso com a

ajuda da internet principalmente [...] foi muito divertido, foi bem

prazeroso pra eles assim, essa descoberta, essa busca.

62 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de março de 2014. 63 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de março de 2014.

196

4.2.2 Processo 05

Resumo dos Dados

Condutor: Rafael Spinelli (membro da Trupe há 02 anos).

Função na unidade: professor de Educação Física.

Outras profissionais envolvidas:

01 professora readaptada64 como Bruxa65.

01 professora readaptada como Maricota66.

01 professora regente da turma

02 auxiliares (da turma e de Educação Especial).

Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Tapera.

Localização: Bairro Tapera (região sul de Florianópolis).

Número de crianças: 15.

Nome do processo: A bruxa na ilha da magia e os animais.

Resumo do processo

Uma brincadeira cantada que falava sobre uma bruxa despertou o

interesse das crianças em torno dessa figura. Elas diziam que a bruxa

era malvada e que comia crianças. Diante desses comentários,

levantando alguns questionamentos com as crianças, resolvemos

preparar uma festa e convidar uma bruxa para tentar tirar a má

impressão que tinham sobre ela. Nesse contexto, surgiu a proposta de

fazermos um processo de Drama entorno da bruxa. Pelo fato de

estarmos trabalhando com um projeto na unidade sobre a região Sul do

Brasil, resolvemos unir a personagem da bruxa à cultura da ilha, dado

que essa figura pertence ao imaginário ilhéu, e, desta forma,

contemplaríamos as duas propostas. A bruxa apareceu para as crianças

dizendo que precisava viajar e deixou sua aranha (de brinquedo) para

as crianças cuidarem. A partir do envolvimento com a aranha,

ampliamos o processo para a exploração de outros animais, tanto os do

Boi de Mamão – manifestação cultural da ilha – quanto dos peixes e

insetos que povoam o nosso meio. As crianças assumiram os papéis de

animais – como forma de incentivo à imitação e expressão corporal, de

64 O termo readaptação refere-se à situação jurídica que envolve o profissional que não se

encontra na capacidade laborativa plena para exercitar as tarefas de seu cargo, nesse caso, as

tarefas de ensino. Trata-se de uma pessoa que não está clinicamente apta a fazer o trabalho rotineiro, relacionado à sua função, mas também não é considerada, pela perícia médica,

clinicamente inapta para receber uma licença ou se aposentar por invalidez. Em geral, assumem

outras funções nas unidades. 65 Representada pela professora Maria Isabel Andrade Tomaz.

66 Representada pela professora Maria de Fátima Patrício Dalago.

197

detetives – que precisavam encontrar as pistas que levariam ao

encontro de todos os animais do Boi de Mamão, de navegadores –

viajando a procura do pescador perdido. O uso de vídeos enviados pela

e para a bruxa foi um diferencial no processo. A finalização do

processo se deu com uma vivência dramática em que o Boi de Mamão

foi apresentado para uma plateia. A construção do Boi partiu da

maneira como as crianças se envolveram com esse folguedo e o

adaptaram ao seu imaginário.

Aspectos teatrais trabalhados: Exploração corporal e vocal,

interação com personagens, exploração de situações dramáticas, uso de

objetos e adereços e vivência dramática com plateia.

Principais estratégias utilizadas: Professor personagem (professor

condutor do processo como Mateus – figura típica do Boi de Mamão),

Bruxa (professora da unidade convidada) e Maricota (personagem do

Boi de Mamão representada por uma professora convidada), professor no papel (especialista em insetos), vivência de papéis (detetives,

navegadores e animais), imitação (corpos e sons dos animais e dos

papéis ficcionais), material (cartas da bruxa, pistas, mapas, animais do

Boi de Mamão, badanas de navegador, vídeos, entre outros), ritual

(iniciação em navegação, transformando-os em navegadores

destemidos).

4.2.2.1 Imagens do processo

Figura 25 - Procurando as pistas

dos animais desaparecidos.

Figura 26 - Como aranhas na teia

gigante.

198

Figura 27 - Como navegadores à

procura do pescador.

Figura 28 - Experimentando o Boi

de Mamão.

4.2.2.2 Observando as crianças

(Episódio: Procurando os animais)

(Professor lê a pista mandada pela bruxa)

Prof. - “Como detetives deverão procurar um mapa que ao Boi os

levará”

(Após todo o percurso chegam a um saco pendurado no teto) Prof. – Como podemos pegar o saco?

Cri01 – Com uma cadeira.

(Testam a cadeira, mas não alcançam) Cri02 – Com uma corda.

(Testam a corda, mas não conseguem laçar)

Cri03 – Uma escada! (Com a escada conseguem tirar).

(Episódio: A dança do Boi)

Diferente de uma apresentação ensaiada, as crianças experimentam a dança do Boi de Mamão com plateia. O professor conduz o processo,

lembrando cada etapa da dança do Boi. Pergunta quem quer ser cada um dos personagens. Os que não querem ficam tocando os instrumentos

musicais. O professor como personagem transforma alguns momentos

da dança em brincadeiras, como vários cachorros e vários urubus e um brinca de pegar o outro (Que sons os cachorro fazem? Como os urubus

se movimentam? – questiona o professor). As crianças da plateia

199

participam também como animais. Percebo que a dança do Boi,

bastante utilizada em várias unidades da Educação Infantil como forma

de apresentação (marcada, rígida, imposta) se transformou numa grande brincadeira, numa improvisação, numa vivência com plateia.

4.2.2.3 Avaliação do professor Rafael67

Gostei assim, pela primeira experiência assim né, foi um projeto

bastante interessante. Eu gostei bastante porque eu vivenciei essa questão

da Educação Física inserida realmente no processo da turma [...] a gente

tem essa questão mais pendente em relação à Educação Física de inserir

mais durante a proposta que não seja uma coisa muito quebrada [...] eu

trabalhei muito o corporal. Teve um dia que a gente era os animais, que a

gente vivenciava os animais corporalmente [...] eu trouxe esses bichos

que eles conheceram pro corpo [...]. Teve vários elementos que foram

interessantes. Um deles, que eu achei legal, foi a questão do vídeo. Isso

foi bem interessante porque as crianças mandaram... eu filmei eles

conversando, falando pra bruxa pra ela voltar e a bruxa depois respondeu

perguntando pra eles o que que eles estavam fazendo, se eles estavam

gostando das coisas que a bruxa tava [sic.] mandando, se eles tavam [sic.]

cuidando bem da filha dela, a aranha, e daí, depois, as crianças

responderam também com um vídeo. Então teve essa comunicação assim

com a bruxa, de longe, foi bem legal. [...] outro elemento que foi legal

também foi a vivência que a gente foi até a praia de barco [...] e foi

filmado, a gente filmou umas partes e colocou no DVD final que foi pra

casa e daí teve até os pais que falaram dos vídeos que eles assistiram, foi

bem interessante essa dia também.

4.2.3 Processo 06

Resumo dos Dados

Condutora: Roseli Helena Heinen Freire (membro da Trupe há 03

anos).

Função na unidade: professora.

67 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 17 de fevereiro de 2014.

200

Parceira na estruturação do processo: Ana Lúcia de Albuquerque68.

Função: professora readaptada (atualmente na Secretaria de

Educação).

Outros profissionais envolvidos:

02 auxiliares de sala,

Diretor da unidade.

Unidade Educacional: Creche Waldemar da Silva Filho.

Localização: Bairro Trindade (região central da ilha).

Número de crianças: 20.

Nome do processo: Os brinquedos e suas histórias.

Resumo do processo

O projeto surgiu da maneira descuidada como as crianças lidavam com

seus brinquedos e os brinquedos da creche. A partir desse contexto,

criamos a personagem Analiz Brinquesempre da Esperança, dona de

uma fábrica de brinquedos que viaja o mundo conhecendo as crianças

e suas maneiras de brincar. Analiz é apaixonada por brinquedos feitos

de diferentes materiais (madeira, sucatas, papel, porcelana, entre

outros). O contexto ficcional foi instituído quando a personagem

Analiz enviou uma carta para o grupo dizendo que gostaria de conhecê-

los, pois tinha uma proposta a lhes fazer. Junto com a carta ela mandou

o endereço de um site da internet para as crianças verem os brinquedos

que ela fabricava e conhecerem crianças de diferentes países e seus

brinquedos. As imagens das crianças e seus brinquedos foram

exploradas, assim como foram discutidos, com as crianças, os

diferentes contextos socioculturais. Analiz visitou então a turma,

trouxe uma mamuska (brinquedo tradicional da Rússia) e contou a

história de sua origem e apresentou sua proposta ao grupo: convidou

as crianças para se transformarem em ajudantes na sua fábrica pois

precisava produzir brinquedos para as crianças de um orfanato

ganharem no dia das crianças. Juntos escolheram quais brinquedos

iriam fabricar. Viajaram de avião para a fábrica de Analiz, que fica na

Rússia, produziram os brinquedos, colocaram em uma caixa por eles

decorada, junto com outros brinquedos que trouxeram de casa para

doar. O processo encerrou com as crianças do grupo entregando

brinquedos para as crianças do orfanato da CERTE (no bairro Ponta

das Canas, em Florianópolis) e apresentando uma dança que criaram

conjuntamente.

68 Membro da Trupe da Alegria há 04 anos representou a personagem Analiz, dona de uma

fábrica de brinquedos.

201

Aspectos teatrais trabalhados: imaginação (situações ficcionais),

dramatização, jogo entre real e ficcional, interação com o personagem,

vivência de papéis e criação de histórias.

Principais estratégias utilizadas: narração (criação e contação da

história dos brinquedos), materialidade (cartas, imagens de brinquedos

e crianças brincando, histórias dos brinquedos, ferramentas para

construção dos brinquedos), professor personagem (convidada),

vivência de papéis (construtores de brinquedos), ambientação cênica

(avião, fábrica de brinquedos).

4.2.3.1 Imagens do processo

Figura 29 - Primeira visita de

Analiz ao grupo.

Figura 30 - Fabricando brinquedos.

Figura 31 - Dançando para as

crianças do orfanato na entrega dos

brinquedos.

Figura 32 - Registro das crianças e

a história dos seus brinquedos.

202

4.2.3.2 Observando as crianças

(Sessão: Visita de Analiz)

Cri01 – O que é que você tem dentro dessa mala aí? Profa. – Vocês querem saber o que eu tenho na mala?

Todos – SIM! Cri02 – Eu pensei que você era pequena!

Profa. – É? E vocês sabem de onde eu sou?

Todos – NÃO! Cri01 – Do Paraná?

Profa. – Não, da Rússia! E eu não posso ver um brinquedo quebrado

que eu tenho que consertar! Vocês cuidam dos brinquedos de vocês?

(Sessão: Na fábrica de brinquedos)

Profa. – Como conversamos no outro dia, vamos construir brinquedos

pra dar de presente pras [sic.] crianças do orfanato! Que brinquedos vocês escolherem construir?

Profa. Regente – Escolhemos o robô de caixinha de leite e a flor de garrafa pet. Né crianças?

Todos – SIM!

Profa. – Então vamos começar a produção! (A personagem Analiz apresenta os materiais e as crianças escolhem

qual dos dois brinquedos querem produzir. A professora regente e as

auxiliares ajudam as crianças no processo de construção).

4.2.3.3 Avaliação da professora Roseli69

Olha, eu acho que foi bem positivo, porque a gente trabalhou

temas bem significativos com as crianças né. Essa questão de que tem

crianças que tem muitos brinquedos e que não valorizam, que estragam,

que é importante a gente valorizar [...] porque que outros não tem, porque

as vezes os pais não tem condições de comprar por isso a gente tem que

ter um cuidado nosso, pra não estragar, que se um dia a gente puder doar

pra alguém é importante. As crianças também tinham essa coisa de não

69Trechos da entrevista por mim realizada no dia 25 de fevereiro de 2014.

203

saber o que era um orfanato né, porque que as crianças estavam nesse

orfanato. Tudo isso foi trabalhado com as crianças [...] elas ficaram

bastante emotivas e envolvidas. O momento mais marcante foi quando o

personagem Analiz chegou na sala e eles puderam conhecer, porque eles

conheciam só por carta. Ela chegou contou a história da mamuska e

também proporcionou o momento da construção dos brinquedos [...] o

momento da entrega e o contato com as crianças da instituição que a gente

visitou, toda a viagem e a preparação foi muito importante pra elas.

4.2.3.4 Comentários da professora Ana70

Eu já tava bastante tempo afastada da sala né [...] então foi bem

interessante assim, foi bem legal tá com eles novamente, conversando; e

eu entrei como personagem e eles já estavam me esperando, então foi bem

interessante [...] eles me receberam como a Analiz, gostei bastante de ser

professor-personagem. [...] Eu acho que elas se envolveram bastante, o

trabalho da Roseli em sala antes acho que foi bem interessante porque ela

já estava trabalhando e elas interagiram com a proposta.

4.3 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 05 A 06 ANOS

4.3.1 Processo 07

Dados Gerais

Coordenadora do processo: Márcia Mesquita de Andrade (membro

da Trupe há 04 anos).

Função na unidade: professora.

Outras profissionais envolvidas diretamente:

01 auxiliar de sala (período matutino),

01 auxiliar de Educação Especial.

Outras profissionais envolvidas em alguns episódios:

01 coordenadora pedagógica como funcionária da alfândega71,

70 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 02 de julho de 2014. 71 Representada por Greicy Mery Oliveira.

204

01 professora de Educação Física como instrutora americana de

basquete72,

01 professora de outro grupo como chinesa73

02 professoras (membros da Trupe) como Pedro Álvares Cabral e

gênio da lâmpada74,

01 dançarina de dança egípcia.

Unidade Educacional: Creche Celso Pamplona.

Localização: Bairro Jardim Atlântico (região continental de

Florianópolis).

Número de crianças: 25

Dados Iniciais do Processo

Tema: Formas de comunicação escrita e falada.

Contexto: A existência no grupo de uma criança cega que seria

iniciada no trabalho com braille despertou a curiosidade das outras

crianças sobre diferentes formas de comunicação escrita e falada. O

discurso familiar de que as crianças precisam aprender a ler e escrever

porque entrarão no Ensino Fundamental no próximo ano aparece nas

falas das crianças, despertando seu interesse pela escrita.

Nome do Processo: Os exploradores: viajando pelo mundo.

Contexto Ficcional: Viajantes do tempo e do espaço são convocados

para explorarem diferentes tempos históricos e diferentes culturas a fim

de descobrirem as formas de comunicação dos habitantes dos lugares

para onde viajarão, assim como obterem respostas as suas curiosidades

sobre os lugares por eles selecionados.

Pré-texto: História da escrita.

Papel das crianças: Exploradores (principal) e outros ao longo do

processo.

Aspectos teatrais trabalhados: Imersão em contextos ficcionais,

discussões sobre realidade e ficcionalidade, envolvimento com

ambientes cênicos, vivência de papéis, improvisação e fruição.

Duração do processo: 03 meses – desdobrado em projeto anual após

o término do processo de Drama.

Relações com os NAPs

Relações sociais e culturais: costumes e hábitos de diferentes culturas,

alteração das formas de escrita ao longo da História, respeito pela

diferença.

72 Representada por Caroline Hubert. 73 Representada por Rosane de Souza. 74 Representados, respectivamente, por Isabel Terezinha Bragagnolo e Roseli Schutel.

205

Linguagem oral e escrita: histórias ligadas ao contexto dos países

“visitados”, idiomas e diferentes formas de escrita.

Linguagem visual: Pinturas e obras de arte de cada lugar, criação de

trabalhos visuais usando como referência as manifestações de cada país

visitado, uso de figurinos característicos dos lugares visitados.

Linguagem corporal e sonora: criação dos corpos e vozes dos papéis

explorados, músicas tradicionais dos países, diferentes ritmos e sons na

criação dos ambientes.

Relações com a natureza: (não preencheu).

Relações com a matemática: cálculo de distâncias e horas de viagem,

uso de mapas, globo terrestre, bússola e rotas de navegação.

Resumo do processo

No papel de exploradores as crianças viajaram no tempo e espaço.

Inicialmente foram convidadas para experimentarem episódios da

História da escrita, descobrindo as diferentes formas de comunicação

do passado. Foram para a Idade das Cavernas (conhecer as escrituras

rupestres), para o Egito (conhecer o papiro e a matemática) e China

(conhecer o mandarim e o tangram75). Após uma viagem (no contexto

real) a um planetário, pediram para viajar para a Lua, discutiram as

implicações e necessidades. Selecionaram então outros países e as

línguas que desejavam conhecer: Portugal (origem da língua

portuguesa), Turquia (cavernas da capadócia e o turco) e EUA

(basquete e o inglês). Em cada sessão havia uma mensagem a ser

decifrada ou algum desafio que as levava à próxima viagem. O

processo se pautou no uso de diferentes fontes materiais (mapas,

códigos de escrita, objetos característicos dos lugares), contos literários

dos diferentes países, ambientações cênicas (com imagens, objetos,

vídeos de pessoas falando diversas línguas), ambientação sonora

(músicas populares de cada lugar visitado) e presença de professores

representando personagens.

75Tangram é um quebra-cabeça chinês formado por 07 peças. Com essas peças podemos formar

várias figuras, utilizando todas elas sem sobrepô-las.

206

4.3.1.1 Estrutura do processo

Os exploradores: viajando pelo mundo

Episódio 01: Homens das

cavernas.

Objetivos:

Vivenciar o papel de homens das

cavernas, conhecendo a origem

da escrita, os hábitos e costumes

do homem primitivo. Decifrar

uma pintura deixada na parede

que indica um caminho onde

encontrarão um mapa com uma

rota para o Egito.

Comentários da professora:

Ao longo da semana discutimos

como fazer a viagem para o

Egito e o que levar. Decidimos ir

de navio. Confeccionamos um

passaporte.

Etapa 01: Narração – história da

origem do fogo. Professor no papel – homem das cavernas.

Etapa 02: Estímulo composto –

escritas rupestres, imagens de

homens das cavernas, objetos

rudimentares.

Etapa 03: Vivência de papéis – crianças como homens das

cavernas.

Etapa 04: Ambientação cênica – caverna feita com uma barraca e

papel pardo. Improvisação – realização de pinturas nas paredes

da caverna com carvão e criação de

objetos em argila.

Etapa 05: Material – decifrar os

desenhos na caverna que levam a

descoberta de um mapa para o

Egito.

Episódio 02: O misterioso

Egito.

Objetivos:

Escolher os objetos que são

necessários para uma viagem e

justificar essa escolha. Conhecer

sobre a escrita egípcia, os

desenhos nas paredes das

pirâmides, traçando um paralelo

com as pinturas rupestres e a

cultura egípcia. Experimentar

serem navegadores e

Etapa 01: Material – mapa do

Egito descoberto na sessão passada

(rememorar).

Etapa 02: Manto do perito –

revelar o que as crianças sabem

sobre navegação.

Etapa 03: Vivência de papéis –

crianças como navegadores

arrumarão o que vão levar para a

viagem de navio, mostrar e justificar a escolha (cada criança

trará um objeto de casa).

Etapa 04: Professor no papel (convidada – coordenadora

207

improvisarem situações dentro

do navio.

Comentários da professora: Nas atividades em sala o foco de

discussão foi sobre se a viagem

era de mentira ou de verdade.

Oportunidade de trabalhar essa

convenção do teatro. Chegamos

ao consenso de que era uma

viagem na qual usaríamos a

imaginação, que poderia ser de

mentira ou de verdade, cada um

escolheria.

As crianças levaram pra casa

uma cópia da escrita que

receberam no Egito para os pais

ajudarem a descobrir a origem

daquela escrita e mandarem

imagens do local, quando e se

descobrissem.

pedagógica) – como funcionária da

alfândega autorizará a viagem das

crianças, uma a uma dirá porque

quer viajar, o que imagina

encontrar.

Etapa 05: Ambientação cênica e

sonora – navio e telão com mar

projetado a frente das crianças.

Professor no papel – capitão do

navio. Improvisação – situações de

uma viagem de navio (tempestades,

monstros marinhos, dormir no

navio). Materiais – mapas, bússola,

cálculo da distância e duração da

viagem.

Etapa 06: Ambientação cênica e

sonora – imagens das pirâmides,

músicas egípcias. Personagem

(convidado) – bailarina de dança

egípcia dançará, servirá quitutes

para as crianças e entregará um

livro que conterá uma escrita

diferente da egípcia para as

crianças descobrirem a origem.

Episódio 03: Uma lenda

Chinesa.

Objetivos:

Conhecer um pouco sobre o

mandarim (língua com o maior

número de falantes) e a cultura

chinesa, assim como jogar com a

possibilidade de criarmos uma

máquina de tele transporte que

as levará para os lugares que elas

querem conhecer. Trabalhar a

fruição a partir do contato com o

Etapa 01: Material – coletar as

imagens que as crianças trouxerem

sobre o país da escrita diferente

(China). Oferecer imagens da

China no passado e no presente.

Confeccionar um mural com as

imagens.

Etapa 02: Narração – leitura de

um conto chinês. Ambientação sonora – crianças serão convidadas

a criarem os sons da história.

Etapa 03: Professor personagem

(convidada – professora de outro

208

professor personagem

convidado.

Comentários da professora: Passamos alguns dias

trabalhando na construção da

máquina de tele transporte, que

seria criada com canos de PVC e

tecido. Internamente ela teria um

relógio no qual colocaríamos o

ano para o qual viajaríamos.

Neste período as crianças

fizeram um passeio ao planetário

da UFSC e voltaram com o

desejo de conhecerem a Lua.

Decidimos ir à Lua. Discutimos

a questão da gravidade e da

inexistência de oxigênio.

Construímos capacetes e

“mochilas” de oxigênio que

seriam utilizadas em duplas na

Lua.

grupo) – como chinesa, trará

palavras em mandarim, apresentará

o tangram e falará sobre o tele

transporte. Cadeira quente – crianças poderão fazer perguntas à

chinesa. Ambientação sonora – músicas chinesas.

Etapa 04: Material – as crianças

desenharão possíveis máquinas de

tele transporte e apresentarão para

os colegas que escolherão qual

máquina fabricar. Vivência de papéis – ao longo da semana como

cientistas e engenheiros construirão

uma máquina de tele transporte.

Episódio 04: Conhecendo a

Lua.

Objetivos:

Explorar a corporeidade,

movimentos de leveza

associados a “falta de

gravidade”. Vivenciar a situação

de viajaram de espaçonave e de

serem astronautas. Discutir os

conhecimentos construídos na

viagem ao planetário.

Comentários da professora:

Etapa 01 – Manto do perito –

descobrir o que as crianças sabem

sobre os astronautas. Discussão.

Etapa 02: Professor no papel –

condutora como piloto da aeronave

e auxiliares como aeromoças

explicarão as regras da viagem –

uso de oxigênio e o cuidado com o

colega que usará a mesma mochila

de ar, colocar cintos de segurança e

capacete (Material).

Etapa 03: Ambientação cênica –

aeronave, construída com cadeiras

do lado de fora da sala. Vivência de papéis – astronautas. Improvisação

209

A cada nova viagem as crianças

“embarcam” mais nas situações

fictícias e exploram mais sua

imaginação e criatividade. Ao

viajarem para a Lua imaginaram

os outros planetas, apontando

para “marte”, “netuno”,

“júpiter”, planetas que eles

conheceram no passeio à UFSC.

Uma questão interessante foi o

compartilhamento de mochilas,

a responsabilidade em estar

sempre perto do colega, por

conta da divisão de oxigênio.

– situações de uma viagem espacial

(contagem regressiva para

lançamento, observar os planetas

ao longo da viagem, meteoros

batendo na nave, aterrissagem).

Etapa 04: Ambientação cênica e

sonora – sala escura, estrelas

penduradas, chão forrado com

plástico bolha, trilha sonora

futurista. Vivência corporal –

leveza (como se estivessem sem

gravidade).

Etapa 05: Material – Construir

uma bandeira do Brasil para deixar

na Lua. Cada criança dirá uma frase

sobre a experiência para deixar

escrita na bandeira. Improvisação –

retorno para a Terra.

Episódio 05: Portugal descobriu

o Brasil?

Objetivos:

Viajar no tempo (usar a máquina

de tele transporte). Descobrir se

há diferença entre o português de

Portugal e o do Brasil. Saber se

o Brasil tinha sido descoberto ou

já havia alguém aqui. Encontrar

Pedro Álvares Cabral. Trabalhar

a vivência dramática e a fruição.

Comentários da professora: Como professora instigo as

crianças a perguntarem, a se

colocarem no papel de

Etapa 01: Estímulo composto – imagens do “descobrimento”,

primeira missa no Brasil, imagens

de caravelas, mapas antigos, relatos

de viagem (lidos pela professora).

Significado das cores da bandeira

brasileira (rememorando a que

deixaram na Lua).

Etapa 02: Narração – contar a

história do “descobrimento”. Abrir

para discussões sobre a existência

de habitantes quando os

portugueses chegaram no Brasil.

Etapa 03: Ritual – na máquina de

tele transporte escolher o ano de

1500 e todos juntos devem dizer

porque querem viajar para

210

exploradores, observar todos os

detalhes e, ao longo da semana,

realizamos atividades a partir

das curiosidades e descobertas

que elas fazem nas sessões de

Drama. Uma questão

interessante que surgiu nessa

sessão, foi a relação com objetos

e hábitos do passado

comparados aos do presente. As

crianças falaram sobre televisão,

geladeira, celular, máquina

digital, computador, coisas que

Pedro Álvares Cabral não

conhecia.

Portugal. Vivência de papéis – exploradores.

Etapa 04: Professor personagem

(convidado – da Trupe) – como

Pedro Álvares Cabral. Cadeira

quente – crianças farão perguntas

ao personagem. Materiais –

(trazidos pelo professor

personagem: bacalhau, luneta,

registros da navegação para o

Brasil, fado, palavras em português

que tem outro significado em

Portugal, curiosidades da língua

portuguesa). Dará um mapa para

encontrar uma lâmpada mágica na

Turquia.

Etapa 05: Ritual – na máquina de

tele transporte voltar ao presente.

Episódio 06: Em busca do gênio

turco.

Objetivos:

Conhecer um pouco sobre as

cavernas da Capadócia na

Turquia, a escrita, fala e música

turcas. Encontrar o gênio da

lâmpada e explorar essa

interação com o personagem.

Comentários da professora:

As crianças desejaram conhecer

as cavernas da Capadócia por

influência da novela, aproveitei o desejo para ampliar o

conhecimento delas sobre

algumas manifestações culturais

da Turquia. Ao longo da semana

Etapa 01: Ritual – Tele transporte

para a Turquia com o mapa que

ganharam de Pedro Álvares Cabral.

Etapa 02: Material – exploração

do mapa (que contém a planta baixa

da creche mas com o indicativo das

cavernas da capadócia) onde

encontrarão a lâmpada. Vivência de papéis – exploradores.

Etapa 03: Ambientação cênica e

sonora – caverna com um tapete,

almofadas, lâmpada mágica e

música turca. Material – explorar a

lâmpada.

Etapa 04: Professor personagem

(convidado – da Trupe) – como

gênio da lâmpada. Cadeira quente

– crianças questionarão o gênio.

Improvisação – crianças farão dois

211

trabalhei com eles a história do

gênio da lâmpada, eles já

possuíam algumas referências

dos desenhos animados e sabiam

que poderiam fazer três pedidos.

Discutimos quais seriam os

desejos coletivos nos quais todos

fossem beneficiados. Foram

escolhidos: 1 – geladinho, 2 –

chocolate e 3 – sorvete. Os dois

primeiros foram atendidos pelo

gênio, no momento do terceiro

eu fingi passar mal e o gênio

negociou com as crianças trocar

o terceiro desejo pela minha

“cura”.

pedidos que serão realizados, no

terceiro terão que escolher entre o

pedido ou “curar” a professora.

Etapa 05: Material – o gênio

entregará às crianças um livro com

palavras em inglês para as crianças

desvendarem seus significados e

usarem em sua viagem para os

EUA.

Etapa 06: Ritual – tele transporte

para a creche.

Episódio 08: O basquete norte-

americano.

Objetivos: Perceber as palavras em inglês

que usamos no nosso cotidiano e

as marcas de empresas norte-

americanas com as quais

convivemos. As crianças

desejaram aprender mais sobre o

basquete e queriam conhecer a

Disneylândia.

Comentários da professora:

Em parceria com a professora de

Educação Física da unidade,

trabalhamos a história do

basquete com as crianças.

Discutimos as palavras em

inglês que usamos no cotidiano e

as marcas norte-americanas.

Etapa 01: Ambientação cênica –

avião (construído na sala).

Professor no papel – como

comissária de bordo. Viagem para

os EUA. Utilização das palavras

em inglês. Improvisação –

situações de uma viagem de avião.

Etapa 02: Ambientação cênica –

quadra de esportes da escola

vizinha (como se fosse uma quadra

nos EUA). Professor no papel –

(convidada – professora de

Educação Física) – como instrutora

americana de basquete ensinará as

crianças a jogar basquete e jogará

com elas.

Etapa 03: Professor no papel –

como guia turística apresentará imagens de lugares famosos dos

EUA e por último levará as

crianças a um parque com piscina

de bolinhas e cama elástica.

212

Encontramos, no dicionário, os

significados das palavras do

livro que o gênio deixou para

usar na viagem aos EUA.

Discutimos a questão de real e

ficcional novamente, pois as

crianças queriam ir pra

Disneylândia e nós decidimos

criar o “nosso” parque, com

cama elástica, piscina de

bolinhas e outros jogos (como

fechamento do processo). Eles

queriam fazer a viagem de avião,

tentei contato com a

INFRAERO para realizar um

visita, mas não consegui.

Etapa 04: Brincadeira livre no

parque criado.

Etapa 05: Ambientação cênica e

improvisação – retorno para casa

de avião.

Episódio Final: Rememorando as viagens.

Objetivos:

Relembrar as situações vivenciadas. Discutir a questão de realidade e

ficcionalidade e sua relação com o teatro. Relembrar os personagens

que encontramos e os papéis que experimentamos. Pontuar as

descobertas de diferentes linguagens e formas de comunicação. Traçar

um paralelo entre as línguas que conhecemos, o braille e a língua de

sinais.

Comentários da professora: Nós criamos um mapa do mundo no qual colocamos as bandeiras dos

países que desejávamos conhecer. Esse mapa ficou pendurado na sala

e utilizávamos dele para estabelecer nossas rotas, perceber as distâncias

que teríamos que percorrer e quais países ainda faltavam conhecer.

Utilizei-me desse mapa para relembrar as viagens que realizamos

nesses três meses. As crianças desejaram conhecer outros países como:

Argentina e Austrália, mas estas viagens ainda não foram realizadas.

213

4.3.1.2 Imagens do processo

Figura 33 - Mapa com os países

que queriam conhecer.

Figura 34 - Construção da máquina

de tele transporte.

Figura 35 - Preparação para a

viagem à Lua.

Figura 36 - Cadeira quente com

Pedro Álvares Cabral.

Figura 37 - Ambientação cênica da

Turquia.

Figura 38 - Explorando a lâmpada.

214

Figura 39 - Assistindo ao gênio

da lâmpada.

Figura 40 - Jogando basquete nos

EUA.

4.3.1.3 Observando as crianças

(Episódio: Conhecendo a Lua)

Profa. – A viagem é de verdade?

Cri01 – É de imaginação! Profa. – E quando é de imaginação não é de verdade?

Cri02 – Pra quem quiser é.

Cri03 – Eu imaginei que tava voando.

Cri04 – Eu vi num filme que a Lua é bem assim.

Profa. – Vocês gostaram de viajar?

Todos – SIM! Cri01 – Eu fui com uma super meia.

Cri02 – Eu fui com uma super bota.

Profa. – Quem viu os planetas?

Cri05 – Eu vi Netuno!

215

Cri06 – Eu fiquei preso no planeta, o Pedro me salvou!

Cri07 – Eu queria morar na Lua!

4.3.1.4 Avaliação da professora Márcia76

O processo dessas viagens começou tudo com a necessidade que

eles trouxeram pra sala, a ideia de descobrir novas escritas, de saber

escrever. Daí surgiu a ideia de fazer essas viagens até pra gente ter um

outro olhar de como trabalhar essas questões na Educação Infantil, não

ser uma questão fechada de aprender as letrinhas, os números, mas de ter

um outro olhar de como a gente poderia explorar esta escrita [...] o

processo eu acho que como qualquer processo tem as coisas que acontece,

as coisas que a gente não consegue fazer acontecer, mas no todo, assim,

eu acho que foi muito legal, tanto pra mim quanto pras [sic.] crianças. Eu

pude aprender com eles muita coisa e eu acho que eu também pude trazer

muitos subsídios das necessidades que eles queriam descobrir. [...] O mais

marcante foi a gente viver esse real e imaginário, foi muito legal. Por

serem crianças já de 06 anos, então eles são maiores, tem um

entendimento maior do que é real [...] outra coisa foi, enquanto

profissional, eu poder experimentar possibilidades diferentes que o teatro

traz pra mim lá no dia a dia da Educação Infantil, enquanto professora né.

A gente tem uma proposta, uma perspectiva enquanto professora e eu

acho que o teatro traz essa contribuição de ter outros olhares de como

trabalhar ali no dia a dia.

4.3.2 Processo 08

Resumo dos Dados

Condutora: Maria da Luz Ribeiro (membro da Trupe há 03 anos).

Função na unidade: professora auxiliar (assume as turmas nas horas-

atividades das professoras regentes).

Outras profissionais envolvidas:

02 auxiliares de sala (matutino e vespertino).

01 professora regente (que acompanhou alguns episódios).

Unidade Educacional: Creche Franklin Cascaes.

76 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de janeiro de 2014.

216

Localização: Bairro Ponta das Canas (região norte de Florianópolis).

Número de crianças: 25

Nome do processo: Pequeno Príncipe e o mundo das cobras.

Resumo do processo

O processo surgiu da junção de dois projetos: o projeto da turma

(“pequenos herpetólogos conhecedores de cobras”77) e o projeto de

contação de histórias da condutora do processo de Drama. Uma das

histórias selecionadas – e que serviu de pré-texto para o processo – foi

“O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Entretanto, ao

invés de viajar para diferentes planetas, neste processo o Pequeno

Príncipe viajou com as crianças para lugares onde existiam muitas

cobras ou onde as pessoas se relacionavam de alguma maneira com as

cobras. Viajaram ao Egito (para conhecer Cleópatra, Tutankamon e a

cobra naja), Índia (encantadores de cobras), Austrália (aborígenes e a

cobra mais venenosa do mundo – a taipan) e Amazônia (índios, cobras

sucuri e coral) e, por fim, uma cobra picou o Pequeno Príncipe para

que ele retornasse ao seu planeta – discutindo então a questão da morte.

Como herpetólogos eles conheciam as cobras de cada lugar e como

outros papéis, vivenciavam situações e dramatizavam histórias de cada

país visitado; um gênio da lâmpada (professor personagem) serviu de

guia nessas viagens. Ao final foi realizada uma vivência dramática com

plateia, na qual as crianças escolheram os papéis que desejam

representar.

Aspectos teatrais trabalhados: Dramatizações, criação de histórias,

imersão em situações ficcionais, improvisação, fruição e vivência

dramática com plateia.

Principais estratégias utilizadas: Manto do perito (explorar seus

conhecimentos sobre cobras, colocando-os no papel de herpetólogos),

professor personagem (como gênio – guia e como índia), vivência de

papéis (criação corporal dos papéis), narração (introdução aos locais

onde iam visitar e contação das histórias das cobras daqueles locais,

incentivando a imersão), materialidade (criação de objetos que

auxiliavam as crianças a vivenciarem os papéis; uso intenso de

acessórios, figurinos e maquiagens; uso de imagens na narração de

histórias), quadros congelados (acontecimentos das histórias eram

transformados em quadros congelados para as crianças analisarem e

discutirem as situações, reações aos acontecimentos também geravam

imagens congeladas).

77 Projeto desenvolvido pela professora regente da turma, Sirlei de Oliveira.

217

4.3.2.1 Imagens do processo

Figura 41 - Interagindo com a índia

Capotira (professor personagem).

Figura 42 - Quadro congelados

(Cleópatra e Tutankamon).

Figura 43 - Experimentação

corporal (como cobras).

Figura 44 - Espaço para vivência

dramática com plateia.

4.3.2.2 Observando as crianças

(Episódio: Vivência dramática com plateia).

Profa. – Vamos fazer uma dramatização e precisamos usar esses objetos pra gente se transformar nas pessoas da história! O que será que tem no

rosto do gênio? Cri01 – Ele tem o rosto azul, igual o do Aladim!

Profa. – Como podemos fazer ele diferente?

Cri02 – Ele podia ter um bigode! Profa. – Quem quer ser o gênio?

218

Cri02 – Eu!

(A professora entrega-lhe um lápis ele vai até o espelho e desenha um

bigode) Cri02 – Eu tenho um bigode. Finalmente!

(Quando ele volta pra roda as outras crianças reagem)

Todos – AHHHHHHHH! Que legal! Bigodão! (A turma fica eufórica assistindo à caracterização de cada papel).

(Após a experimentação a professora e as crianças fazem uma conversa

em roda)

Profa. – Como foi a história? Fazer a história? Cri01 – Foi legal!

Cri02 – Eu fiquei com vergonha.

Cri01 – Eu não tenho vergonha. Cri03 – Foi engraçado!

Profa. – O que foi engraçado? Cri03 – A sua voz!

Profa. – Mas quando eu faço um personagem eu posso mudar minha voz.

Cri02 – Eu vou ficar com minha voz mesmo.

4.3.2.3 Avaliação da professora Maria78

Eu acho que foi um processo muito rico assim sabe, essa tua

proposta de trazer pra Educação Infantil vivenciar esse momento né, a

criança tá vivenciando isso. Ela já tem essa dramaticidade nela, mas

assim, é legal quando alguém está com ela, coordenando ela, fazendo ela

se apropriar desses elementos que a gente traz né, nas Artes Cênicas, pra

eles verem por um outro ângulo né. [...] Uma coisa que eu falava muito

com eles era a questão da fantasia né, não gente a gente não vai usar

fantasia agora, a gente vai usar figurino. Esse é o figurino da Cleópatra,

esse é o figurino do Pequeno Príncipe, são os elementos que, quando a

gente coloca a gente se transforma num outro ser. [...] Era legal que

quando eu colocava eles já sentiam que havia uma certa mudança, então

houve uma apropriação, naquele momento eu senti que eles se

apropriavam. [...] Quando eu apareci como índia eles entenderam que

naquele momento eu não era a Maria, mas um personagem.

78 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de novembro de 2013.

219

4.3.3 Processo 09

Resumo dos Dados

Condutora: Franciele Carminatti (membro da Trupe há 03 anos).

Função na unidade: professora.

Outras profissionais envolvidas:

01 auxiliar de sala (matutino).

01 professora convidada (membro da Trupe – como Catarina na última

sessão)79.

Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Retiro da Lagoa.

Localização: Bairro Lagoa da Conceição (região leste de

Florianópolis).

Número de crianças: 24

Nome do processo: Viajando com Catarina.

Resumo do processo

Catarina foi uma personagem criada para trabalhar com o imaginário

das crianças, ampliando o repertório cultural e incentivando a

construção de conhecimentos sobre a linguagem teatral. Catarina é uma

personagem que viaja pelo mundo atrás de aventuras, curiosidades,

histórias e lendas. Ela mandava cartas para as crianças contando suas

experiências, apresentando um pouco dos costumes e histórias dos

países por onde passava, incentivando as crianças a vivenciarem

diferentes situações, transformarem-se nos papéis ficcionais das

histórias e lendas dos países que ela visitava ou propondo mistérios a

serem desvendados pelas crianças, criando, dessa forma, diferentes

situações e desafios a serem explorados no contexto ficcional.

Aspectos teatrais trabalhados: Criação de histórias, imersão em

situações ficcionais, improvisação e explorações corporais.

Principais estratégias utilizadas: Narração (contação das histórias

enviadas por Catarina, exposição dos mistérios a serem desvendados),

vivência de papéis (colocando-se como os papéis ficcionais da história,

construindo novas histórias a partir das que eram narradas, explorando

o papel de detetives em busca de pistas para a resolução dos mistérios

de Catarina), materialidade (cartas de Catarina, fotos, mapas, objetos

enviados para serem analisados).

79 Representada pela professora Rosetenair Feijó Scharf.

220

4.3.3.1 Imagens do processo

Figura 45 - Carta de Catarina.

Figura 46 - A caveira mexicana.

Figura 47 - Os apitos peruanos.

Figura 48 - Encontrando Catarina.

4.3.3.2 Observando as crianças

(Episódio: O encontro com Catarina)

(Catarina espera as crianças em um trapiche na Lagoa da Conceição,

usando uma sombrinha colorida que chama a atenção das crianças logo que elas chegam no espaço).

221

Cri01 – Olha lá, tem uma sombrinha colorida!

Cri02 – Vamo perguntar se ela é a Catarina. Profa. – Dois de vocês vão lá perguntar, quem quer ir?

(alguns ficam com medo, outros se habilitam, dois são selecionados).

Cri03 – É ela! É ela! Ela é a Catarina! Cri04 – Ela é loira!

(As crianças devolvem alguns objetos mandados por Catarina, ela traz

um mapa apontando os lugares por onde passou e decide contar uma

história para as crianças, após a história, anuncia que lhes dará um presente)

Cri01 – Pra sala?

Catarina – Sim. Cri02 – Pra escola?

Catarina – Também. Cri03 – Para o diretor?

Catarina – Serve pra todo mundo!

Cri04 – Pros meus irmão? Catarina – Sim! É um livro. E assim como eu contei essa história, vocês

podem contar a história do livro pra muitas pessoas!

4.3.3.3 Avaliação da professora Franciele80

Foi muito legal. As crianças entraram no clima, uma no início

ficava na dúvida se realmente existia a Catariana, se não existia, quem

era. Uns achavam que ela era bruxa, outros achavam que ela era uma

velha, daí ficava aquela curiosidade. Depois, com o passar do processo,

com o recebimento das cartas, daí eles acreditaram mais e quando viram

a Catarina mesmo, tinha uns que ainda ficavam na dúvida daí começaram

“_ela existe, ela é de verdade!” [...]. As crianças entraram mesmo nesse

processo, gostaram de conhecer a Catarina, ficavam curiosas com cada

carta que chegava, o que tinha de novidade, se tinha história, se ela

mandava alguma coisa. [...] Quando ela chegou foi o momento mais

marcante.

80 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 02 de dezembro de 2013.

222

Como apontado no início deste capítulo, os processos foram

divididos em 03 grupos etárias por percebermos que em cada período (02

a 03 anos, 04 a 05 e 05 a 06 anos) as crianças reagiam de maneiras

diferentes às atividades planejadas para cada episódio. No capítulo

seguinte, farei uma análise dos processos de acordo com essas divisões

propostas relacionando-as com a teoria vygotskiana, sobretudo com os

conceitos que tratam do desenvolvimento infantil.

223

5 REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE AS POSSIBILIDADES

EXPERIMENTADAS

Como retratado nos capítulos anteriores, o Drama se fundamenta

na experiência ativa do participante com o processo de construção de uma

narrativa dramática. Nessa experimentação e exploração de temas e

materiais, as crianças constroem conhecimentos sobre o teatro e sobre

outros assuntos, de acordo com a proposta do condutor, mediante as

interações que ocorrem entre si, com os materiais usados como estímulos

e com o próprio condutor.

Durante a realização desta pesquisa, o estudo das convenções e

estratégias do Drama levou-me a aproximá-lo de conceitos e pressupostos

da abordagem sócio interacionista do desenvolvimento humano proposta

por Vygotsky e seus colaboradores. Discussões acerca da relação entre

desenvolvimento e aprendizagem, a influência e importância do contexto

histórico e cultural na formação dos sujeitos, o papel da mediação no

processo de construção de conhecimentos, a interação como fator

primordial à conquista de formas mais complexas de pensamento e

linguagem, dialogam com as proposições metodológicas apresentadas

neste estudo.

Ao pontuar os aspectos que corroboraram com a proposição do

Drama como uma possibilidade metodológica de inserção da linguagem

teatral na Educação Infantil que se aproxima das propostas pedagógicas

destinadas a esse segmento de ensino, finalizarei o presente trabalho

buscando aliar as convenções do Drama aos pressupostos da teoria

histórico-cultural de Vygotsky. Tratarei também de analisar os processos

apresentados no capítulo anterior a partir da teoria da periodização infantil

desenvolvida por esse autor e seus colaboradores. Por fim, discuto e

avalio a proposta desta tese em diálogo com entrevistas realizadas com os

profissionais que conduziram os processos de Drama utilizados como

objeto de análise deste trabalho.

5.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E DRAMA

A teoria histórico-cultural (também conhecida como sócio

histórica ou sócio interacionista) teve início com as obras de Lev

Vygotsky (1896-1934), desenvolvidas em meio à revolução socialista

russa, ocorrida em 1917, e à ditadura socialista da União Soviética.

224

Rego (2013) cita as palavras de Vygotsky para apontar o objetivo

central dos estudos desse autor: “[...] caracterizar os aspectos tipicamente

humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas

características se formaram ao longo da história humana e de como se

desenvolvem durante a vida de um indivíduo” (2013, p. 38). A abordagem

vygotskiana, portanto, vai definir o sujeito como um ser construído a

partir da apropriação e reelaboração de ações, conceitos e signos

historicamente e socialmente construídos, nessa concepção, a cultura

integra a natureza humana.

Divergindo das concepções inatista, segundo a qual as

capacidades humanas se encontrariam prontas desde o nascimento,

necessitando apenas do amadurecimento natural, e ambientalista, que

atribui ao meio a responsabilidade pela construção do ser, como a

metáfora que compara a criança a uma “folha em branco” que vai ser

“preenchida” ao longo do seu desenvolvimento, Vygotsky defenderá que

ambos, organismo e meio, são reciprocamente influentes no processo de

construção do psiquismo humano.

A concepção histórico-cultural foi influenciada pelos princípios

teóricos do materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich

Engels (1820-1895). Segundo Facci: “[...] os fundamentos marxistas

enfatizam que mudanças históricas na sociedade e na vida material

produzem mudanças na consciência e no comportamento humano” (2004,

p. 65). O desenvolvimento da criança, portanto, necessita ser

compreendido como algo orgânico, em permanente construção, ligado a

um determinado contexto. Nesse sentido, a tentativa da psicologia em

definir características e leis universalmente válidas para o

desenvolvimento infantil foi objeto de crítica de Vygotsky.

O autor diferencia as funções psicológicas elementares, comuns

a homens e animais (tais como: atenção e memória involuntária) das

funções exclusivamente humanas, denominadas funções psicológicas

superiores (tais como: controle consciente do comportamento, atenção e

memória voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio

dedutivo, capacidade de planejamento). As funções superiores, para

Vygotsky, tem origem cultural e não biológica, pois, segundo o autor, elas

se originam a partir das relações estabelecidas entre os indivíduos e desses

com o meio, a partir da internalização de comportamentos, conceitos e

signos. Como aponta Vygotsky: “a internalização das atividades

socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o

aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto quantitativo

da psicologia animal para psicologia humana” (1996, p. 58). O sujeito é,

portanto, um ser histórico.

225

Ao dialogar com o método dialético de Marx e Engels, o

pesquisador russo buscou identificar como as mudanças qualitativas que

ocorrem no comportamento humano, ao longo de seu desenvolvimento,

estão relacionadas com o contexto social e com as atividades criadas para

estruturar as relações, sendo o trabalho a mais importante.

Marx afirma que:

[...] a existência [...] de cada elemento da riqueza

material não existente na natureza, sempre teve de

ser mediada por uma atividade especial produtiva,

adequada a seu fim, que assimila elementos

específicos da natureza a necessidades humanas

específicas. Como criador de valores de uso, como

trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição

de existência do homem, independente de todas as

formas de sociedade, eterna necessidade natural de

mediação do metabolismo entre homem e natureza

e, portanto, da vida humana. (MARX, 1985, p.50)

Segundo a teoria marxista, o homem transforma a natureza por

meio do trabalho, buscando satisfazer suas necessidades e, nesse

processo, cria instrumentos para ampliar sua intervenção sobre o meio,

assim como formas de comunicação. A linguagem surgiu da necessidade

de troca de informações e experiências no processo de trabalho, como

sistema mediador entre pensamento e ação. A partir dos instrumentos e

da linguagem o homem passou a transformar a si mesmo e sua realidade.

Nesse sentido, o sujeito é ativo no processo de construção de sua história

psíquica e social. Como afirma Vygotsky: “[...] o controle da natureza e

o controle do comportamento estão mutuamente ligados, assim como a

alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria

natureza do homem” (1996, p. 55). Vygotsky atribui aos instrumentos a

função de regular as ações do homem sobre o meio.

No processo de construção de conhecimentos, o estabelecimento

de relações com parceiros mais experientes passa a ser fundamental.

Dessa forma, relacionando sua teoria à questão educacional, Vygotsky

atribuiu a escola uma grande importância, uma vez que será no espaço

escolar que a criança passará boa parte de sua infância e adolescência,

estabelecendo relações com seus pares, apropriando-se dos

conhecimentos historicamente acumulados e constituindo-se como

sujeito – tanto na sua individualidade quanto nos aspectos que a fazem

pertencer a um determinado grupo.

226

No espaço educacional as necessidades serão outras. Não será o

trabalho que guiará às ações da criança sobre o meio, mas sim a

necessidade do desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas,

assim como a construção de novos saberes. A apropriação da linguagem

permitirá a criação de oportunidades de aprendizagem que levarão à

assimilação de novos conhecimentos e os brinquedos e materiais

escolares funcionarão como instrumentos facilitadores dos processos de

desenvolvimento. O processo de ensino/aprendizagem na perspectiva

histórico-cultural, portanto, não ocorre a partir de um acúmulo entre

fatores biológicos e fatores sociais, mas sim, da interação dialética que se

dá entre eles.

Nos tópicos seguintes buscarei relacionar conceitos e

pressupostos da teoria vygotskiana com as convenções e estratégias do

Drama apresentadas nos capítulos anteriores. Como reflexões finais deste

trabalho, pretendo reafirmar a proximidade do Drama com as teorias que

fundamentam atualmente a prática pedagógica na Educação Infantil.

5.1.1 O contexto sociocultural como ponto de partida

Vygotsky não intencionava criar uma teoria do desenvolvimento

humano. Seu interesse pela infância surgiu da compreensão de que nesse

período iniciava-se a construção do sujeito e, como apontado

anteriormente, o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem,

para ele, eram aspectos fundamentais de serem estudados para se entender

o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Entretanto, na análise do autor, a psicologia tradicional estudava

a criança e o desenvolvimento de suas funções psíquicas desconsiderando

o meio social e cultural em que ela estava imersa, assim como as formas

de pensamento predominantes nesse meio. Ao citar o trabalho de Piaget,

por exemplo, Vygotsky afirma:

As uniformidades de desenvolvimento

estabelecidas por Piaget aplicam-se ao meio dado,

nas condições em que Piaget realizou seu estudo.

Não são leis da natureza, mas sim leis histórica e

socialmente determinadas. Piaget já foi criticado

por Stern81 por não ter dado a devida importância à

situação social e ao meio. [...] De nossa parte,

81 Wilhelm Stern (1871-1938) – psicólogo alemão, fundador da psicologia diferencial.

227

estamos convencidos de que o estudo do

desenvolvimento do pensamento em crianças em

um meio social diferente, e em especial de crianças

que, ao contrário das estudadas por Piaget,

trabalham, levará com certeza a resultados que nos

permitirão formular leis com uma esfera de

aplicação muito mais ampla (VYGOTSKY, 1993,

p. 28-29).

Ainda que Vygotsky e seus colaboradores tenham concebido a

existência de um processo de maturação das funções psicológicas, como

destacado no capítulo anterior no qual analisei cada faixa etária de acordo

com as concepções vygotskianas, os estágios de desenvolvimento, para

esses autores, ainda que possuam uma certa sequência, não são imutáveis.

Como retrata Wertsch, “[...] Vygotsky não separa os indivíduos da

situação cultural em que se desenvolvem. Este enfoque integrador dos

fenômenos sociais, semióticos e psicológicos tem uma capital

importância hoje em dia [...]” (1988, p. 34).

As fases apontadas por Vygotsky, portanto, dependem das

condições concretas nas quais ocorre o desenvolvimento da criança. As

condições socioculturais exercem influência tanto sobre o conteúdo

concreto de um estágio individual do desenvolvimento como sobre o

curso total do processo. Os limites de idade de cada estágio também

dependem das condições históricas, logo, esses limites se alteram com a

mudança das condições socioculturais.

A Pedagogia se apropriou desses pressupostos para conceber

propostas de ação que percebessem e considerassem o contexto sócio

cultural das crianças envolvidas em um processo de

ensino/aprendizagem, sobretudo na Educação Infantil, em que as

exigências pelo cumprimento de um currículo não são acentuadas.

Sabemos que cada criança chega na creche/escola com uma bagagem

cultural singular. Cada criança é diferente da outra e é preciso levar esses

fatores em consideração pra que se estabeleça um processo efetivo de

construção de saberes. Penso que na heterogeneidade do grupo, na busca

por ampliar seus repertórios, partindo dos seus interesses, incitando a

interação das diferenças, que a ação pedagógica deveria se desenvolver.

Nesse sentido, percebo a proximidade do Drama com as

propostas pedagógicas da Educação Infantil. Ao convencionar que um

processo necessita partir do contexto real dos participantes para depois se

desdobrar em um contexto ficcional, o Drama busca abarcar as diferenças

e respeitar as especificidades socioculturais. Isso não significa limitar as

228

crianças aos seus objetos de interesse e aquilo que conhecem, mas

estabelecer conexões entre conhecimentos existentes e aqueles que

podem ser construídos através de um processo dramático, ampliando o

horizonte de experiências e referências das crianças.

Como apontado nos capítulos anteriores, quanto maior

ressonância tiver o contexto ficcional no contexto real dos participantes,

maior será a probabilidade de que as crianças imerjam na situação

proposta. Quando mais próximas estiverem as estratégias utilizadas pelo

professor das especificidades apresentadas pelas faixas etárias, maiores

serão as apropriações das crianças do material oferecido pelo condutor.

Portanto, um diálogo efetivo entre a proposta dramática e o contexto dos

participantes faz-se necessário para que o Drama seja relevante para o

grupo e o instigue a se engajar na construção da narrativa.

Smolka, ao tratar da teoria de Vygotsky, afirma que:

O desenvolvimento da criança, encontra-se [...]

intrinsecamente relacionado à apropriação da

cultura. Essa apropriação implica uma participação

ativa da criança na cultura, tornando próprios dela

mesma os modos sociais de perceber, sentir, falar,

pensar e se relacionar com os outros (SMOLKA,

2009, p. 08).

Assim como a cultura existente em determinado contexto não é

algo acabado e imutável, sendo construída e reconstruída pelas condições

do meio e pelas relações estabelecidas pelos membros de um determinado

grupo, o processo de Drama também não existe a priori, ele se constrói

na intervenção direta dos participantes que fornecem materiais e se

apropriam daqueles oferecidos, construindo e descontruindo os estímulos

trazidos pelo condutor do processo.

Dialogando com Rego que afirma: “[...] o ser humano não só é

um produto de seu contexto social, mas também um agente ativo na

criação deste contexto” (2013, p. 49); percebo que o Drama, ao ser

apropriado pela Educação Infantil, configura-se como um

encaminhamento metodológico que pode contribuir com a ampliação da

capacidade criativa das crianças, ao fornecer-lhes materiais, ao desafiá-las, ao colocá-las em situações diferentes do cotidiano, ao questionar suas

respostas, ao incentivar a construção de saberes e alteração de suas

percepções, podendo modificar, dessa forma, seu meio cultural.

229

5.1.2 O papel das interações na construção de conhecimentos

A teoria histórico-cultural aponta que há uma ação recíproca

entre o aparato biológico – hereditariamente herdado – e o meio

sociocultural no qual a criança está imersa; nas palavras de Vygotsky:

[...] de um lado, os processos elementares, que são

de origem biológica; de outro, as funções

psicológicas superiores, de origem sociocultural. A

história do comportamento da criança nasce do

entrelaçamento dessas duas linhas (VYGOTSKY,

1996, p. 52).

Nesse sentido, há uma unidade entre os processos de

aprendizagem e os de desenvolvimento. O aprendizado escolar, por

exemplo, produz novas estruturas de pensamento e exige que processos

internos sejam elaborados a fim de que novos conhecimentos sejam

internalizados, portanto, para que o aprendizado ocorra é necessário o

desenvolvimento de novas estruturas mentais. Como Vygotsky afirma:

“[...] o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de

desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e

especificamente humanas” (1996, p. 103), portanto, o processo de

desenvolvimento progride em função da aprendizagem.

A aprendizagem, entretanto, não se dá de forma autônoma, ela

ocorre a partir das relações que a criança estabelece com outras pessoas

(parceiros mais experientes). Na interação com o outro a criança é capaz

de movimentar processos de desenvolvimento que, sem ajuda, seriam

impossíveis de ocorrer.

Na teoria vygotskiana a interação social tem um papel central

como ação promotora de processos de aprendizagem e desenvolvimento.

Essas interações se dão, primeiramente, com os adultos (geralmente os

pais) que procuram iniciar a criança na sua cultura e mediar a relação dela

com os objetos, instrumentos, códigos e signos do mundo. E, num

segundo momento, as relações serão estabelecidas com os novos pares

que a criança encontrará pelo caminho – crianças mais experientes,

professores, familiares. Nesse processo de incorporação cultural, a

criança desenvolve processos psicológicos mais complexos,

internalizando-os a partir da prática social.

Rego afirma que:

230

[...] ao internalizar as experiência fornecidas pela

cultura, a criança reconstrói individualmente os

modos de ação realizados externamente e aprende

a organizar os próprios processos mentais. O

indivíduo deixa, portanto, de se basear em signos

externos e começa a se apoiar em recursos

internalizados (imagens, representações mentais,

conceitos etc.) (REGO, 2013, p. 62).

A construção da individualidade dá-se, portanto, a partir das

relações sociais. É através das interações que as funções superiores,

tipicamente humanas, desenvolver-se-ão, do social para o individual.

Nessa construção do ser, a apropriação da linguagem possui um papel

central, ao permitir que, através dos signos e palavras, as crianças

consigam entender o que o outro lhe quer comunicar, assim como,

consigam expressar o que sentem, pensam, imaginam, percebem, etc.,

inicialmente através da fala e, na sequência, através da linguagem escrita.

Corroborando com as ideias anteriormente expostas, percebo a

proximidade da estrutura do Drama com a teoria vygotskiana ao propor,

justamente, que o processo de construção do conhecimento teatral se dê

através das interações estabelecidas no ambiente ficcional. Ao

participarem de uma atividade teatral, por exemplo, os participantes

utilizam de seus conhecimentos e se apropriam das respostas de seus

pares, ampliando os saberes prévios. Quando o professor lança um

questionamento ou um desafio, ele pode perceber em que grau se encontra

o desenvolvimento de seu grupo e quais conhecimentos os participantes

possuem e, dessa forma, mediar a aprendizagem e torná-la instigante e

significativa.

Como Chalmers aponta,

[...] o Drama é, essencialmente, uma atividade

social. Quando as pessoas atuam, cantam, dançam

ou performatizam de qualquer forma, elas

raramente o fazem sozinhas, são geralmente

membros de um grupo ou equipe que trabalham em

conjunto para criar uma experiência coletiva.

(CHALMERS, 2010, p. 76, tradução nossa).

As propostas pedagógicas para a Educação Infantil, apresentadas

no primeiro capítulo, enfatizam a necessidade de que as crianças

interajam no espaço de aprendizagem, que tenham oportunidades de se

comunicar e construir conhecimentos de forma conjunta. Quanto mais

231

oportunidades as crianças tiverem de interagir, discutir, questionar,

trabalhar coletivamente, dividir tarefas, maiores serão as possibilidades

de ampliarem seu repertório de experiências. Percebeu-se, com os

experimentos práticos, que o Drama necessita que os participantes se

apropriem da situação criada e, a partir das interações, criem respostas

para o encaminhamento da narrativa, apropriando-se, dessa forma, das

estruturas da linguagem teatral.

Ficou evidente, na realização dos experimentos, que com as

crianças mais jovens as respostas não eram expressas, prioritariamente,

através da linguagem falada, mas por meio das reações, expressões, da

linguagem corporal como um todo, diferente das crianças mais velhas

que, por se apropriarem mais da fala, realizavam intervenções mais

diretas no processo, expressando suas opiniões e lançando

questionamentos. O condutor irá dosar, a partir de sua percepção sobre o

grupo, quais estratégias poderão ser usadas com cada faixa etária. Na

relação estabelecida com o professor (parceiro mais experiente) as

crianças terão a oportunidade de ampliarem suas formas de comunicação

e expressão, seja pela linguagem corporal ou falada.

Vygotsky criou uma abordagem diferenciada para tratar da

relação entre aprendizagem e desenvolvimento permitindo que os

profissionais da educação identifiquem o contexto de seu grupo antes de

lhes propor uma ação pedagógica, que, dialogando com a proposta do

Drama, serve também aos condutores de processos. Essa abordagem,

central à teoria vygotskiana, parte da compreensão do conceito de zona de desenvolvimento próximo82.

82 PASQUALINI (2011) em nota afirma que: “o conceito zona blijaichego razvitia tem sido

traduzido para o português de maneiras diversas: zona de desenvolvimento próximo, proximal,

potencial, imediato. Zoia Prestes, em sua tese de doutoramento defendida em 2010 na Universidade de Brasília e intitulada ‘Quando não é quase a mesma coisa: Análise de traduções

de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: Repercussões no campo educacional’, esclarece os

equívocos contidos na escolha dos termos proximal, potencial e imediato para tradução do conceito. O termo blijaichego significa, em russo, o adjetivo próximo no grau superlativo

sintético absoluto, portanto: o mais próximo, proximíssimo. Zoia Prestes defende que a tradução

que mais se aproxima do termo russo é zona de desenvolvimento iminente, cuja característica essencial, em suas palavras, é a das ‘possibilidades de desenvolvimento’”. Em seu artigo,

Pasqualini opta pelo uso do termo “próximo”, pela familiaridade com pesquisadores, estudantes

e professores brasileiros, e que, ao mesmo tempo, não conduz a equívocos. Dado esse contexto, optei pela utilização do termo “próximo” neste trabalho, ainda que em algumas citações o

conceito apareça com outro termo.

232

5.1.3 Zona de desenvolvimento próximo

Na teoria vygotskiana são apontados dois níveis de

desenvolvimento infantil: nível de desenvolvimento real ou efetivo –

conhecimentos que a criança possui, ações que ela consegue realizar

sozinha, ciclos de desenvolvimento completados – e o nível de desenvolvimento próximo – o que ela poderá realizar ou aprender através

da mediação de parceiros mais experientes, interagindo com esses.

Vygotsky define a zona de desenvolvimento próximo (ZDP)83 da

seguinte maneira:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento

real, que se costuma determinar através da solução

independe de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da

solução de problemas sob a orientação de um

adulto ou em colaboração com companheiros mais

capazes (VYGOTSKY, 1996, p. 97).

Antunes complementa: “[...] seria o espaço no qual, graças à

interação e ajuda de outros, uma determinada pessoa pode realizar uma

tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de alcançar

individualmente” (2011, p. 28), ou seja, a ZDP é o espaço entre os níveis

real e próximo do seu desenvolvimento.

Vygotsky ressalta que “[...] a zona de desenvolvimento próximo

tem um valor mais direto para a dinâmica da instrução que o nível atual

de seu desenvolvimento” (1993, p. 239). Nesse sentido, o ensino deveria

incidir sobre a ZPD, o que significa que as atividades pedagógicas

necessitariam ser organizadas com a finalidade de conduzir o estudante à

apropriação de novos conceitos. Tal apropriação dar-se-ia mediante

descobertas conduzidas e da tomada de consciência dessa apropriação,

como agentes no processo de construção dos saberes. Desse modo,

realizar-se-ia uma aprendizagem efetiva e não uma mera reprodução de

conteúdos.

O Drama, ao trabalhar com perguntas e desafios, incitando a

colaboração de todos na construção da narrativa, na descoberta de pistas,

na resolução de problemas, levantando hipóteses, propondo momentos de imitação e recriação de imagens e movimentos, criando mistérios a serem

83 A partir desse momento, tratarei a conceito de zona de desenvolvimento próximo usando a

sigla ZDP.

233

desvendados, entre outras estratégias, parece-me incidir justamente nesse

“entre lugar” apontado por Vygotsky, nessa zona de aprendizagem.

Ao afastar-se da reprodução de modelos tradicionais do ensino

do teatro, principalmente da separação entre palco e plateia, da utilização

de textos dramáticos, da divisão de personagens etc., o Drama busca um

diálogo constante com as percepções e respostas das crianças, estando

atento às suas contribuições e ampliando as experiências teatrais das

crianças para além da criação de espetáculos. Ao desenvolver uma

experiência teatral compartilhada e uma aprendizagem sobre o teatro, o

Drama propõe que os conhecimentos prévios sejam revistos e

desdobrados por meio da ficção.

Vygotsky coloca a imitação como uma ação central no processo

de aprendizagem por ZDP, nas palavras do autor:

As crianças podem imitar uma variedade de ações

que vão muito além dos limites de suas próprias

capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a

orientação de adultos, usando a imitação, as

crianças são capazes de fazer muitas coisas. Esse

fato, que parece ter pouco significado em si

mesmo, é de fundamental importância na medida

em que demanda uma alteração radical de toda a

doutrina que trata da relação entre aprendizagem e

desenvolvimento em crianças (VYGOTSKY,

1996, p. 101).

Ao indicar a imitação como ação promotora de desafios às

crianças, parece-me haver uma relação direta com a linguagem teatral que

se utiliza da imitação para promover situações nas quais as crianças

percebem que estão fazendo de conta, fingindo ser outro ser, mimetizando

ações de outras pessoas (ou outros seres), explorando situações fictícias.

Esse fato pode ser observado nos processos apresentados no capítulo

anterior, os quais desafiaram as crianças às mais diversas ações e

situações: voar como pássaros, viajar a diferentes períodos da História,

navegarem como piratas, explorarem a Lua, fingirem ser animais, etc.

Planejar ações a partir do conceito de ZDP requer um processo

contínuo de observação das conquistas do grupo e a percepção de quais

novos desafios podem ser postos para que uma nova aprendizagem se

efetue, tendo consciência dos limites impostos pelo aparato físico e

psicológico da criança que se encontra em desenvolvimento. Como

afirma Vygotsky, “[...] aquilo que é zona de desenvolvimento proximal

hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã [...]” (1996, p. 98), ou

234

seja, quando a criança de fato aprender, quando se apropriar de um

conhecimento, esse será internalizado e comporá seu repertório.

A experiência escolar, de uma maneira geral, oferecerá às

crianças a possibilidade de construírem conhecimentos diferentes

daqueles que elas aprendem no cotidiano. Esses conhecimentos

desenvolvidos no ambiente escolar são nomeados por Vygotsky de

conceitos científicos; são aqueles historicamente acumulados e

sistematizados e que, de maneira geral, não pertencem a esfera cotidiana

das relações estabelecidas pela criança.

O teatro como linguagem, em geral, não se encontra na esfera

cotidiana de nossas crianças como prática, seja de expressão, seja de

fruição. Acredito, então, que é papel da escola gerar oportunidades para

que esse conhecimento seja construído, considerando os saberes prévios

do grupo e tornando-os mais elaborados à medida em que as crianças

avancem nos processos de experimentação teatral.

Na esfera da Educação Infantil penso que o teatro necessita ser

inserido de forma cuidadosa, respeitando os limites de desenvolvimento

físico e psíquico da criança, assim como através de situações de

experimentação dramática prazerosas, que coloquem a criança como

centro do processo e não como mera reprodutora de textos, expressões,

marcações, entre outras práticas que restringem a capacidade da criança

de criar. Cabe ao professor, como parceiro mais experiente, conduzir suas

crianças num processo conjunto de construção de novos conhecimentos,

gerando situações que intervenham nas zonas de desenvolvimento próximo, desafiando-as a criar ao invés de impor modelos.

5.1.4 A importância da mediação

Como apontado nos tópicos anteriores, a construção de

conhecimentos e o desenvolvimento das função psicológicas superiores

são ações mediadas, tanto por instrumentos (objetos do cotidiano,

ferramentas, máquinas, brinquedos) quanto por sistemas sígnicos

(fenômenos, gestos, figuras, sons, entre outros, que representam algo

diferente de si mesmo).

Rego aponta que “a linguagem é um signo mediador por

excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados pela cultura

humana” (2013, p. 42) e, portanto, ela é fundamental em todos os grupos

humanos, pois, entre outras funções, permite a apropriação de estruturas

235

comunicativas (palavras, números e seus significados, por exemplo)

assim como a troca de informações e experiências.

O acesso a esses signos, entretanto, será possível se houver uma figura

que promova o contato da criança com o objeto de conhecimento. Para

Vygotsky “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa

através de outra pessoa” (1996, p. 11). Esse papel, no âmbito escolar, será

exercido pelo professor, que como mediador, intervirá nas zonas de

desenvolvimento próximo das crianças e, dessa, forma, criará situações

para que a aprendizagem ocorra.

Oliveira, ao citar as teorias de Vygotsky, aponta que: “a

mediação em termos genéricos é o processo de intervenção de um

elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta

e passa a ser mediada por esse elemento” (1997, p. 26), que, como

apontado, pode ser um instrumento, um signo ou outra pessoa.

A mediação realizada pelo professor necessita considerar o

indivíduo historicamente e socialmente localizado, perceber sua evolução

biológica em relação aos meios oferecidos para seu desenvolvimento

intelectual e cultural. Cabe ao educador fornecer instrumentos para que a

criança amplie suas ações, criando e recriando de forma própria sua

maneira de agir, sentir e ver o mundo. Nesse contexto, o papel do

professor ganha destaque como parceiro mais experiente, mediador na

construção de saberes e incitador de oportunidades de interação.

No que diz respeito à apropriação da linguagem teatral por meio

do Drama, o professor condutor assume, constantemente, a função de

mediador, o que exige dele observar quais conhecimentos as crianças

possuem, como elas respondem as suas intervenções e quais outros

desafios podem ser postos para que o processo se desenrole e as crianças

se apropriem do conhecimento teatral e criem os rumos da narrativa. Essa

mediação ocorre tanto dentro do contexto ficcional, quanto no

planejamento do episódio.

As estratégias professor personagem e professor no papel, por

exemplo, buscam justamente colocar o professor em um lugar mediador

dentro da ficção. Como personagem inserido no contexto ficcional,

parceiro das crianças na experimentação dramática, o professor deixa de

ser um instrutor e intervém diretamente na construção da narrativa.

Essa estratégia do Drama, originada no trabalho de Heathcote e

que ganhou novos contornos (principalmente artísticos) quando utilizada

pelos estudantes e professores de Teatro, mostrou-se fundamental no

trabalho com a Educação Infantil. A transformação do professor em

personagem na frente das crianças foi um fator central para iniciá-las no

processo de compreensão do espaço ficcional do jogo e como forma de

236

incentivá-las a experimentarem os papéis propostos. As mais jovens não

distinguiam a realidade da ficção, mas por meio da imitação eram levadas

a explorar materiais, sensações, objetos, sons, etc. As mais velhas

colocavam em discussão os limites entre realidade e ficção, exigindo que

o professor mediasse a construção desse conhecimento.

Quando se trata de um conhecimento específico, como é o caso

do trabalho com a linguagem teatral, penso que seja necessário que o

condutor possua uma real experiência para que possa mediar a

aprendizagem de suas crianças. Por esse fato que propus aos professores

da Trupe da Alegria que conduzissem os experimentos, justamente

porque eles estavam em um processo contínuo de formação na linguagem

teatral e possuíam um olhar diferenciado sobre o trabalho com essa

linguagem na Educação Infantil.

A apropriação do teatro como experiência em processo e não

como produto artístico altera a relação da criança com essa arte e

relaciona-se diretamente à maneira como o professor promoverá esse

contato. Como afirma Chalmers:

[...] se você se levantar e se lançar no primeiro

acontecimento na história com entusiasmo, todo

mundo deverá se sentir inspirado a segui-lo! Narrar

a história de forma apropriada desdobrando-a em

ações e expressões, encorajará todos a copiar o que

você está fazendo, mas não necessariamente

imitando-o exatamente. (CHALMERS, 2010, p.

79, tradução nossa).

Ao se colocar como mediador de um processo, acredito ser

necessário que o professor se questione quanto ao seu repertório cultural,

suas experiências com a arte, suas visões de mundo, a maneira como lida

com as diferenças, os preconceitos que possui. Como mediador, ele será

o promotor das ações que desencadearão no desenvolvimento de suas

crianças. Essas, pelo menos em um primeiro momento, irão se apropriar

dos materiais, conceitos e conteúdos fornecidos por seu professor. É

importante refletir sobre o que se está oferecendo.

Nesse sentido, a ação mediadora pressupõe intencionalidade, o

que exige planejamento, avaliação, registro do processo, considerando as

diferenças existentes no grupo. Uma atividade livre pouco contribui para

que criança desenvolva algo além do que conhece – do seu nível de

desenvolvimento real. Em uma atividade livre ela tenderá a utilizar o

repertório que possui e, se esse for escasso, suas criações também serão

237

escassas e limitadas. Se ela ouve sempre as mesmas histórias, seu

repertório de histórias e os papéis ficcionais que povoarão suas

brincadeiras de faz de conta serão sempre os mesmos. Rego aponta que

“[...] é necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as

manifestações infantis” (2013, p. 116) e, a partir daí, conduza o processo

de ensino/aprendizagem possibilitando a experimentação de novas

atividades e a aquisição de novos significados.

A condução de um processo de Drama exigirá do mediador uma

postura questionadora. Essa atitude necessita permear todo o processo;

inquerir os participantes sobre suas opiniões, sobre experiências

anteriores, sobre como podem resolver um problema, quais as

possibilidades que eles imaginam para desvendar um mistério, o que eles

pensam, sentem a cada nova tarefa ou atividade. O mediador necessita

perceber e avaliar tanto as respostas verbais como as não verbais (as ações

realizadas pelas crianças nas situações, as relações que estabelecem com

os outros participantes, a maneira como interagem, suas criações

corporais, seu engajamento físico e emocional, etc.).

Ao coletar as respostas do grupo o professor fornecerá os

materiais que darão encaminhamento ao processo. Incentivará à reflexão

dos participantes avaliando com eles os acontecimentos. Buscará quebrar

com julgamentos de valor de certo ou errado, construindo conhecimentos

sobre os significados das suas ações e reações. Checará os fatos que foram

marcantes e a repercussão de alguma estratégia utilizada ou de algum

acontecimento. Direcionará o foco de atenção das crianças para um ponto

que seja importante dentro do seu planejamento. Estabelecerá novas

situações ampliando, dessa forma, as discussões sobre possíveis dilemas.

Coletará informações dos participantes, com o objetivo de perceber as

relações que eles estabelecem entre as experiências realizadas no contexto

dramático e no contexto real.

Como aponta Cabral,

[...] o sucesso ou fracasso do drama como método

de ensino ou aprendizagem reflete a habilidade do

professor para coordenar as interações dos alunos

em diferentes níveis a fim de equilibrar fazer e

apreciar e de introduzir situações, informações

e/ou desafios na hora certa de acordo com os

diferentes papéis e ações (CABRAL, 2006, p. 31).

Percebemos, portanto, através da experiência de realização dos

processos que é de fundamental importância o papel do professor como

238

condutor da experimentação e construção da linguagem teatral pela

criança. Do contato inicial mediado por esse profissional, dependerá, em

grande parte, a relação futura dessa criança com o teatro.

5.1.5 A brincadeira como espaço de aprendizagem

Um último ponto de diálogo que gostaria de propor entre as

convenções do Drama e a teoria histórico cultural diz respeito ao modo

como essa trata a questão da brincadeira, colocando-a como um espaço

para promoção da aprendizagem, aspecto esse que se aproxima da ideia

de criação de um espaço ficcional proposta pelo Drama.

Em 1996, quando a Prefeitura municipal de Florianópolis passou

a apoiar-se na teoria histórico cultural para elaborar sua proposta

pedagógica, a seguinte afirmação foi posta no documento daquele ano:

A brincadeira é local privilegiado para diagnosticar

os níveis de conhecimento e desenvolvimento

infantis, porque enquanto brincam as crianças

expressam livremente e tornam estáveis os

diferentes saberes, atitudes, conceitos,

comportamentos, características e particularidades

do acervo sócio-afetivo e cultural com o qual se

defrontam diariamente, seja de forma sistematizada

ou ocasional (SME, 1996, p. 38).

É possível constatar que, na citação acima, a brincadeira é

indicada como uma zona de desenvolvimento próximo, na qual o

professor, atento aos processos de desenvolvimento de suas crianças, é

capaz de perceber o repertório que elas possuem e quais ações ele

necessita empreender para que o conhecimento delas se amplie.

Vygotsky afirma:

[...] a brincadeira cria uma zona de

desenvolvimento iminente na criança. Na

brincadeira, a criança está sempre acima da média

da sua idade, acima de seu comportamento

cotidiano; na brincadeira, é como se a criança

estivesse numa altura equivalente a uma cabeça

acima da sua própria altura. A brincadeira em

239

forma condensada contém em si, como na mágica

de uma lente de aumento, todas as tendências do

desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto

acima do seu comportamento comum.

(VYGOTSKY, 2008, p. 35).

Na Educação Infantil tem-se compreendido a brincadeira como

um espaço de construção de conhecimentos, no qual a criança age em

função daquilo que imagina e pensa, como aponta Vygotsky, “a criação

de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança, pelo

contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em

relação às restrições situacionais” (1996, p. 117). Nessa criação

imaginária, que se realiza em um tempo/espaço real, a criança pode

experimentar diferentes situações, desafiando-se, interagindo, realizando

desejos irrealizáveis na esfera do real, ressignificando a função dos

objetos de acordo com sua imaginação.

Na medida em que a criança se desenvolve, a brincadeira torna-

se a atividade central de sua relação com o meio. Penso, então, que as

propostas de trabalho realizadas nesse segmento de ensino necessitam

considerar que a criança aprende brincando e que essa brincadeira pode

ser “séria”.

No senso comum, o conceito de brincadeira é relacionado à ideia

de uma atividade descomprometida e desarticulada da construção de

conhecimentos e ampliação de experiências que contribuam com o

desenvolvimento da criança. Portanto, pensar a brincadeira como

atividade séria é compreender que essa atividade é um dos meios pelos

quais a criança se apropria da cultura, amplia sua capacidade expressiva,

sua subjetividade, compreende outras realidades e efetua, na realidade

concreta, seus desejos e pulsões interiores.

Atividades dramáticas desenvolvidas a partir de uma brincadeira

de faz de conta podem trabalhar a expressão, motricidade, afetividade,

cognição, desenvolvimento linguístico, além de ampliar o repertório

cultural da criança. Como enfatiza Oliveira [et. al], “[...] as brincadeiras

infantis nem sempre são bem entendidas por certas pessoas, incluindo

alguns professores que costumas dizer ‘as crianças estão só brincando’,

como se ali nada acontecesse!” (2011, p. 66); sabe-se que há uma série de

processos físicos e psíquicos se realizando no ato de brincar. Articulando a importância da brincadeira, apontada por

Vygotsky, com a criação de um contexto ficcional para a uma

experimentação dramática – proposta pelo Drama – percebo que há uma

proximidade metodológica entre essas abordagens por ambas indicarem

240

a situação imaginária como um espaço propício à construção de

experiências diversificadas.

Tanto na brincadeira como no Drama a criança transfere para a

esfera ficcional as ações que gostaria da realizar se estivesse, de fato, em

condições de realizá-las de “verdade”. Em uma brincadeira de faz de

conta ela joga com questões reais desconstruindo-as, construindo novos

significados, assimilando novos saberes do mundo real, imaginando e

criando. Nesse espaço ela pode tanto ser a mãe ou a professora, quanto

navegar como pirata, viajar no tempo e espaço ou conhecer outros

planetas. A imitação, novamente, tem papel fundamental nesse processo,

ao desafiar as crianças a descobrirem outras ações possíveis de serem

realizadas84 a partir daquelas que elas realizaram ao imitarem outras

pessoas.

Vygotsky afirma que,

A brincadeira da criança não é uma simples

recordação do que vivenciou, mas uma

reelaboração criativa de impressões vivenciadas. É

uma combinação dessas impressões e, baseada

nelas, a construção de uma realidade nova que

responde às aspirações e aos anseios da criança.

Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança

para criar é a imaginação (VYGOTSKY, 2009, p.

17).

Se levarmos em consideração que a base da criação para

Vygotsky é a “capacidade de fazer uma construção de elementos, de

combinar o velho de novas maneiras” (2009, p. 17), podemos

compreender que quanto mais experiências as crianças dispuserem em

seu repertório para serem acessadas e recombinadas em um ato de criação,

maiores serão as possibilidades de criarem.

Nesse sentido, é possível concluir que o conhecimento se amplia

e se desenvolve a partir das interações com o meio material, social e

cultural. Uma criança aprenderá sozinha a sustentar o corpo, a pegar

objetos, a caminhar, a correr (salvo se ela tiver alguma deficiência

motora) e caso seu professor não queira intervir nesse processo, ela “dará

um jeito”. Entretanto, se o professor dispuser de materiais de diferentes

texturas pra que ela toque, se ela engatinhar ou andar em diferentes

84 Cabe ressaltar que ao tratarmos da imitação não estamos nos referindo às atividades que pressupõem “cópia” de “modelos”, pelo contrário, é contra o modelo reprodutivo e mecânico de

teatro que estamos discutindo este trabalho.

241

espaços (dentro e fora da sala, reais e ficcionais), se ela correr dentro de

uma proposição lúdica, se ela imaginar diferentes soluções para um

problema, se ela imitar um animal, se ela fingir ser outra pessoa, entre

outras tantas possibilidades, acredito que seu desenvolvimento será mais

prazeroso, desafiador, estimulante e conectado com uma ampliação da

imaginação e criatividade.

Ao considerar o fato de que este trabalho propõe defender o

Drama como um encaminhamento metodológico para inserção da

linguagem teatral na Educação Infantil, percebo que ele pode se apropriar

desse espaço lúdico facilmente acessado pela criança e eixo das propostas

voltadas a esse segmento de ensino – a brincadeira – e, aos poucos,

promover uma aproximação com a linguagem teatral. Partir da

brincadeira de faz de conta, criando um contexto ficcional, ampliando a

materialidade que subsidiará o processo, propondo papéis e situações,

parece-me ser um caminho que respeita as especificidades dos processos

de desenvolvimento e aprendizagem infantis e insere o teatro como uma

linguagem prazerosa e instigante.

Penso que um professor comprometido com o fazer pedagógico

e que deseja que a criança se muna de experiências, promoverá uma

descoberta “de si” – criança – e “do mundo” por meio da ampliação de

proposições sensoriais, expressivas, corporais, artísticas que auxiliem no

desenvolvimento da subjetividade e do senso de coletivo, que respeitem

os ritmos e desejos da criança, favorecendo, desse modo “[...] a imersão

das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas

de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,

dramática e musical [...]” (BRASIL, 2010, p. 25), como apontam as

diretrizes nacionais para a Educação Infantil.

5.2 REFLEXÕES SOBRE OS PROCESSOS

Para a análise dos processos realizados e reflexão sobre esses,

partirei das resposta que observei, nos períodos etários selecionadas, às

estratégias utilizadas com cada grupo etário no desenvolvimento das

experimentações. Essas respostas serviam para balizar a organização dos

futuros episódios os quais eram estruturados de acordo com a percepção

dos modos com as crianças interferiam e se envolviam nas propostas.

Como aporte teórico para refletir sobre cada período, utilizarei

os fundamentos da periodização do desenvolvimento infantil na

perspectiva histórico-cultural a partir de Vygotsky (2009, 2008, 1996,

242

1995, 1993) e seus colaboradores. Apropriar-me-ei também dos escritos

de Chalmers (2010), professora inglesa de Drama que trabalha com

crianças na faixa etária correspondente a da Educação Infantil brasileira,

propondo um diálogo com seu olhar sobre o Drama com crianças mais

novas.

5.2.1 Com crianças de 02 a 03 anos

A Psicologia histórico-cultural ou sócio histórica, com a qual

dialogo para refletir sobre as especificidades do trabalho com a linguagem

teatral nas etapas da Educação Infantil, nega a possibilidade de se analisar

o desenvolvimento psicológico da criança como um processo meramente

natural, caracterizado por fases ou estágios que se sucedem em uma

ordem fixa e universal. Autores como Vygotsky, Luria, Leontiev e

Elkonin possuem uma visão historicizadora do psiquismo humano. Tal

negação, entretanto, não os levou a abandonar a discussão sobre a

periodização do desenvolvimento85, ainda que, segundo Rego (2013), a

preocupação de Vygotsky não era elaborar uma teoria do

desenvolvimento.

Vygotsky explicita a subordinação dos processos biológicos ao

desenvolvimento cultural, demonstrando que “[...] a cultura origina

formas especiais de conduta, modifica a atividade das funções psíquicas,

edifica novos níveis no sistema do comportamento humano em

desenvolvimento” (1995, p. 34). Cada etapa do desenvolvimento infantil,

para esse autor, é caracterizada por uma atividade central que desempenha

a função de principal forma de relacionamento da criança com a

realidade86. Essa atividade será melhor desenvolvida e ampliada de

acordo com o entorno social da criança, por meio de práticas e

instrumentos que irão mediar as relações entre o sujeito e o objeto de sua

atividade, pois, para Vygotsky, “[...] a realidade social é a verdadeira

fonte de desenvolvimento [...]” (1996, p. 264) e, portanto, é por meio das

85 Suas proposições partem da análise do contexto sócio histórico da União Soviética no início

do século XX e, portanto, não devem ser transpostas de forma linear à realidade brasileira, o que

seria contrário aos pressupostos das obras desses autores. 86 Cabe ressaltar que as proposições de Vygotsky sobre a periodização do desenvolvimento

psíquico tem caráter inacabado devido a sua morte prematura, sendo essas discussões ampliadas

por seus companheiros de pesquisa citados anteriormente.

243

interações com essa realidade que a criança apreende a cultura e constrói

conhecimentos.

Na primeira infância, por exemplo, a função psicológica básica

é, para Vygotsky (1996), a percepção. Esse será o período propício,

segundo o autor, para o desenvolvimento, principalmente, da percepção

verbal, justamente por conta da linguagem se encontrar em processo de

maturação. Há também uma relação direta com a materialidade na busca

pela compreensão do significado dos objetos e das funções sociais desses.

Elkonin (1987) trata o período da primeira infância como o da

atividade objetal manipulatória, na qual tem lugar a assimilação dos

procedimentos elaborados socialmente de ação com objetos. Para que

ocorra essa assimilação, é necessário que os adultos mostrem essas ações

às crianças. A comunicação emocional do primeiro ano de vida da criança

cede lugar a uma colaboração prática em prol da ampliação da percepção

e do uso de objetos.

Há, nesse período, uma unidade entre a percepção afetiva (o que

a criança vê) e a ação. Os objetos induzem-na a ação – a porta a querer

abrir e fechar, a escada, a querer subir, o sino a querer tocá-lo. Segundo

Vygotsky, “[...] nas atividades da criança na primeira infância, a força

impulsionadora provém dos objetos e determina o comportamento dela”

(2008, p. 29), ou seja, a percepção dos objetos e suas funções são o

estímulo para a atividade.

A partir dessas duas referências – percepção e manipulação de

objetos – como atividades primordiais para a organização da atividade

psíquica, corporal e cultural da criança nesse período, teço algumas

reflexões sobre as escolhas das estratégias utilizadas na estruturação dos

processos de Drama com as crianças dessa faixa etária.

A percepção da criança se relaciona de forma direta com os

objetos contidos na esfera do real, e, portanto, a materialidade foi uma

estratégia central para os processos anteriormente apresentados, um

suporte para os trabalhos. O envio de cartas, o uso de caixas de estímulos

(contendo objetos, máscaras, instrumentos musicais), o trabalho com

músicas, adereços, figurinos, maquiagens, ambientações cênicas (com

diferentes luzes, sons, cheiros, texturas) contribuiu com a ampliação e

alteração da percepção das crianças e a criação de um vínculo entre esses

elementos e a linguagem teatral.

Ao explorarem os materiais e ambientes criados, incentivávamos

o surgimento de diferentes reações, emoções, interações e um primeiro

contato com a linguagem do teatro. Chalmers pontua que “auxílios visuais

[...] podem incentivar os mais tímidos e as crianças que não cooperam

244

muito a participar” (2010, p. 40, tradução nossa) pois, como indicado, a

percepção e exploração material induzem à ação.

Um ponto de partida comum a esses processos foi o uso da

contação de histórias, as quais desencadeavam curiosidades, comentários

e temas para a organização dos próximos episódios. Cabe perceber,

portanto, a estratégia da narração, prática comum na Educação Infantil,

como um suporte interessante para a vivência de atividades dramáticas e

sensoriais nesse período de formação da consciência. Como afirma

Vygotsky, o “[...] pensamento da criança evolui em função do domínio

dos meios sociais do pensamento, quer dizer, em função da linguagem”

(1993, p. 116). Ao propiciar, portanto, às crianças essa relação direta entre

linguagem, percepção e ação por meio do Drama – que buscava

materializar elementos da história narrada – o professor possibilitava a

aquisição de diferentes repertórios o que poderá ocasionar as evoluções

de pensamento, apontadas por Vygotsky.

A diferenciação do “eu” é também um processo que a criança

passa nesse período da vida. Acreditamos que ao trabalhar com os

bonecos (Espantalho, Pedrinho e Maria Cecília) em contato direto com as

crianças, visitando suas casas, interagindo nas atividades, contribuímos

também com essa diferenciação. Ao perceber o corpo do boneco, a

criança visualizava seu corpo, ao ver o professor cuidando do boneco e

interagindo com ele, as crianças alteravam a maneira como interagiam.

Ao utilizar os bonecos, buscávamos também incentivar a percepção da

diferença entre realidade e ficcionalidade – o boneco de mentira que na

brincadeira se transformava em boneco de verdade, porque as crianças

interagiam, cuidavam, conversavam, imaginavam situações utilizando-se

dele.

Outra questão importante de ser destacada no trabalho com essa

faixa etária foi a busca pela ampliação da expressividade infantil.

Chalmers aponta que “as crianças mais novas são naturalmente muito

expressivas e prontamente exibirão suas emoções para que todos possam

ver, particularmente quando estão animadas, descontentes ou tristes!”

(2010, p. 31, tradução nossa). Buscamos, portanto, explorar as

manifestações corporais de diferentes emoções e sensações que as

crianças sentiam.

Percebemos que o trabalho com a imitação, com a percepção de

sons e movimentos e as tentativas de reprodução desses geravam novas

criações. A partir da observação de imagens, buscando criar

movimentações, ambientes sonoros e situações ficcionais, gerou-se

momentos de interação e afetividade. Portanto, percepção, atividade

motora e afetiva mostraram-se interligadas nos processos.

245

A vivência de papéis, uma das convenções do Drama, foi

trabalhada também com ênfase na estratégia da imitação. A questão de se

colocar no lugar do outro, imaginando possibilidades para se resolver um

problema ou refletir a partir do ponto de vista do papel assumido,

obviamente não condiz com essa faixa etária. Para trabalhar com essa

convenção as propostas buscaram incentivar as crianças a imitarem

(animais, movimentos da natureza – ar, água, fogo –, caminhar como

bonecos, produzir os sons, entre outros). A vivência de papéis, portanto,

foi trabalhada a partir da imitação, da sensorialidade e do conhecimento

das possibilidades corporais.

Chalmers afirma que:

Na fase inicial de suas vidas, as crianças passam

grande parte do seu tempo aprendendo a controlar

o seu próprio corpo e explorando o que podem

fazer com ele. É importante que elas tenham tempo

suficiente e oportunidades para trabalhar e jogar

com seu corpo inteiro e desenvolver gradualmente

suas habilidades motoras. (CHALMERS, 2010, p.

41, tradução nossa).

Percebemos que dentro de uma proposta de Drama a questão

corporal pode ser acentuada porque ele permite a criação de um tempo e

espaço nos quais a criança, imersa em um ambiente de brincadeira e

ficcionalidade, pode explorar seu corpo de forma prazerosa e criativa.

Um aspecto central ao desenvolvimento da linguagem teatral que

me parece necessário focalizar com crianças de 02 a 03 anos é o espaço

para a fruição. Ao utilizarem das estratégias professor no papel ou

professor personagem os condutores dos processos contribuíam com a

percepção desse espaço de ficcionalidade que é instituído quando da

presença de um ser ficcional. Se o professor “veste” o papel ou

personagem na frente das crianças ele põe em evidência a relação entre

real e ficcional, tão necessária à assimilação da linguagem do teatro.

Além dessas estratégias, o professor pode construir cenas com

seus parceiros da unidade ou mesmo convidar atores para representar uma

cena para as crianças, o que aconteceu em alguns episódios dos processos.

Ao experimentarem ser plateia e interagir com esses seres ficcionais no

dia a dia, a possibilidade dessas crianças se habituarem a assistir, a fazer

de conta, a construir suas experiências dramáticas será, com certeza,

ampliada.

246

Por fim, utilizar-me-ei das opiniões das professoras condutoras

dos processos acima destacados para enfatizar as possibilidades do

trabalho com o Drama com crianças mais novas, justificando o trabalho

com essa faixa etária. Nas palavras de Maria Sônia (2014):

[...] o Drama pra mim é uma modalidade educativa

de empenho e planejamento intenso e que traz

experiências significativas em todas as faixas

etárias, não é só para o Ensino Fundamental e

crianças maiores de quatro anos. Eu acho que as

crianças pequenas também ganham muito com o

Drama [...]87.

E Danielle (2014) completa:

[...] por mais que a gente tenha feito numa faixa

etária menor e as coisas acontecem muito rápido,

são muito mais instantâneas, a gente conseguiu

fazer um processo, conseguiu dar uma sequência e

eu vi que o teatro acontece dessa forma também na

Educação Infantil, a gente tem que proporcionar

que as crianças tenham essa vivência, não pensar

no produto final, pensar na experiência como um

todo [...]88.

Pelas reflexões apresentadas sobre as práticas desenvolvidas,

pode-se perceber a ênfase dada a ampliação das percepções das crianças,

incentivando-as a tocar, a olhar, a sentir, a escutar, a provar, a cheirar,

aliando essas percepções à exploração da expressividade. A materialidade

utilizada buscava instigar as crianças à ação, à vivência de propostas

lúdicas estruturadas a partir do pré-texto tomado como referência, nas

quais desenvolviam-se habilidade motoras, de linguagem e pensamento.

Ao interagir com seres ficcionais diversos as crianças tiveram a

oportunidade de ampliar o contato com a linguagem teatral.

87 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 30 de janeiro de 2014. 88 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014.

247

5.2.2 Com crianças de 04 a 05 anos

Segundo Vygotsky (2008), o jogo ou a brincadeira como

atividade principal de relacionamento da criança com a realidade no

período pré-escolar, em torno de 03 a 06 anos. No jogo ou brincadeira,

ocorre a criação de uma situação imaginária na qual os participantes

dessas atividades relacionam-se de forma a sustentarem esse espaço

ficcional, interagindo por meio de um acordo comum (explícito ou

implícito) de que o que se passa nesse espaço pertence à esfera da ficção.

O que não significa, como aponta Vygotsky “[...] que a criança entenda

por si mesma os motivos pelos quais a brincadeira é inventada e também

não quer dizer que ela o faça conscientemente” (2008, p. 24), ou seja, em

muitos momentos a criança brinca sem ter consciência dos motivos que

geraram a brincadeira, agindo de forma a organizar desejos irrealizáveis

na esfera do real.

Segundo Vygotsky,

Na idade pré-escolar, surgem necessidades

específicas, impulsos específicos que são muito

importantes para o desenvolvimento da criança e

que conduzem diretamente à brincadeira. Isso

ocorre porque, na criança dessa idade, emerge uma

série de tendências irrealizáveis, de desejos não-

realizáveis imediatamente. Na primeira infância, a

criança manifesta a tendência para a resolução e a

satisfação imediata de seus desejos (VYGOTSKY,

2008, p. 25).

Elkonin (1987) aponta que uma das principais categorias de

jogos realizadas nesse período é o jogo de papéis, nos quais as crianças,

de uma maneira geral, fazem de conta que são outras pessoas. Ao brincar,

vivenciando papéis que a criança encontra no seu cotidiano (real ou

mediado por materiais como livros, filmes, imagens), ela pode buscar a

realização de atividades dos adultos, as quais não poderia por conta de

sua idade – como dirigir, ser mãe, professora; ou experimentar situações

que pertencem apenas ao universo da ficção – como ser super-herói, príncipes e princesas, voar, viajar à Lua.

Nesse espaço de ficção ela busca também assimilar ações sociais

ligadas à realização de tarefas – estudar, cuidar da casa, trabalhar; e

compreender as relações sociais, mediante a reprodução das formas como

os adultos se relacionam – trocando carícias, brigando, discutindo,

248

estabelecendo hierarquias e relações de poder. Como aponta Leontiev, a

criança tenta “[...] integrar uma relação ativa não apenas com as coisas

diretamente acessíveis a ela, mas também com o mundo mais amplo, isto

é, ela se esforça para agir como um adulto” (2001, p. 121), por isso a

vivência de papéis é fundamental nesse período tanto para a

experimentação de ações irrealizáveis quanto para a assimilação dos

códigos sociais.

O meio social e cultural no qual a criança se desenvolve, será,

portanto, a matéria-prima para suas brincadeiras. Se esse meio oferece

relações interpessoais de afeto, cuidado e respeito, essas relações

aparecerão nas brincadeiras infantis. Se o entorno cultural oferece

referências diversificadas no que diz respeito ao contato com

manifestações culturais, a partir de um repertório variado de músicas,

filmes, objetos, histórias, livros, apresentações artísticas, entre outros,

maior será o quadro de referências que a criança poderá se apoiar para o

desenvolvimento de suas brincadeiras.

Chalmers afirma que:

[...] a dramatização com papéis pode ajudar na

preparação ou recuperação de experiências difíceis

ou preocupantes, dando-lhe [à criança] a

capacidade de ‘seguir em frente’ e utilizar as novas

habilidades para lidar com essas situações mais

facilmente no futuro (CHALMERS, 2010, p. 13,

tradução nossa).

Essa questão, apontada pela autora, pode ser observada, por

exemplo, quando um familiar de alguma criança falece e percebe-se que

há uma alteração no comportamento dela. Um processo de Drama pode

se apropriar dessa situação e buscar maneiras de discuti-la dentro de sua

estrutura. Ajudando, dessa forma, a criança a lidar com o ocorrido e

expressar seus sentimentos.

No que diz respeito à linguagem teatral, percebe-se na

brincadeira, principalmente com papéis, um terreno profícuo para o

estabelecimento de propostas de vivência dramática que auxiliem as

crianças a compreender esse espaço da ficção e do fazer de conta que é

outra pessoa, como uma convenção do teatro. Além da vivência de papéis, nesse período do desenvolvimento

infantil a criança deixa, aos poucos, de se relacionar com o cotidiano

imediato, para agir a partir de suas ideias e de sua crescente imaginação,

como aponta Vygotsky, “[...] a ideia separa-se do objeto e a ação

249

desencadeia-se da ideia e não do objeto [...]”. (2008, p. 30). Os objetos

deixam de ser explorados em busca da compreensão de sua utilidade,

como acontecia no período anterior, mas, por exemplo, “[...] um pedaço

de madeira começa a ter o papel de boneca, um cabo de vassoura torna-

se um cavalo [...] (VYGOTSKY, 2008, p. 30)”, ou seja, a ideia separa-se

do objeto e a ação da criança é motivada mais por seu pensamento do que

pelo próprio objeto.

Esses foram os pontos principais que nós apoiamos na realização

dos processos de Drama com as crianças com idades entre 04 e 05 anos:

a vivência de papéis (pelas crianças e pelos professores) e o uso de

materiais que contribuíssem com a instauração dos contextos de ficção.

Os processos de Drama, com essa faixa etária, buscaram

estruturar vivências dramáticas mais elaboradas, que pudessem provocar

uma maior imersão nos contextos ficcionais propostos. No experimento

04, por exemplo, pode-se observar o engajamento das crianças ao se

transformarem em piratas, suas contribuições para o desenrolar do

processo, suas curiosidades e sua imaginação agindo de forma ativa no

encaminhamento da proposta.

Por possuírem mais referências culturais, as crianças conseguiam

tomar mais decisões e preencher as propostas com suas criações, além de

discutirem com os demais as diferentes percepções e opiniões sobre um

desafio. Elkonin (1987) aponta que o principal significado do jogo é

permitir que a criança modele as relações entre as pessoas. Dentro do

Drama, portanto, além da assimilação da linguagem teatral, a questão da

interação e respeito à opinião do outro, pode ser acentuada.

Diferente dos mais jovens, que lidam de forma real com os

objetos e personagens, nessa faixa etária é possível perceber o

desenvolvimento da compreensão de que é o professor quem está vestindo

um personagem, mas isso não impede que a criança embarque na proposta

e brinque de fazer teatro.

A mediação dos condutores como professores no papel ou

professores personagens foi de fundamental importância para a

construção dessa convenção teatral. Nas observações que realizei

constatei que ao perceberem o professor alterando sua imagem, sua voz,

seu corpo, as crianças passaram a explorar também seus corpos e vozes e

a vivenciar de forma mais intensa e consciente os papéis propostos no

Drama. Nas avaliações descritivas realizadas pelos condutores, eles

também apontaram a percepção dessa ação mediadora (construção do

papel/personagem na frente das crianças) como um aspecto que

contribuía com a criação de seres ficcionais por parte das crianças.

250

A corporeidade, portanto, continuou evidenciada, mas para além

da imitação, como acontecia nos primeiros experimentos com crianças de

02 a 03 anos. No experimento 05, por exemplo, o condutor – professor de

Educação Física – buscou criar situações nas quais as crianças pudessem

explorar seu corpo, realizar uma atividade corporal, mas dentro do

contexto ficcional do Drama, fazendo com que o trabalho com a Educação

Física não fosse algo deslocado da realidade da Educação Infantil,

distante da brincadeira e da ludicidade.

Ainda que eu tenha pontuado o trabalho da Educação Física, não

significa que os demais profissionais não possam trabalhar a questão da

corporeidade em seus processos. A criança movimenta-se o tempo todo,

seu corpo é o canal de percepção do mundo e o meio de expressão de suas

ideias. Ao propor a vivência de papéis, naturalmente pode-se explorar a

corporeidade: como um pirata fala? Como a aranha se desloca? O que os

detetives fazem para encontrar pistas? Como uma tripulação se comporta

em uma viagem de barco? Essa é, também, uma contribuição do teatro

para a Educação Infantil: incentivar o uso expressivo e criativo do corpo.

A questão da materialidade foi ampliada com esta faixa etária.

Enquanto com as crianças mais novas (02 e 03 anos) os materiais eram

utilizados com ênfase na ampliação das percepções sensoriais e da

manipulação dos mesmos, com os grupos de 04 e 05 anos a materialidade

era um suporte para o engajamento na ficção. As cartas e vídeos que eram

enviados para as crianças, os objetos dos personagens, as pistas

encontradas, os adereços, as ambientações cênicas e sonoras, auxiliavam

a imersão das crianças no contexto dramático e a concentração na

realização das atividades.

Como aponta Chalmers:

As crianças mais novas podem se concentrar por

longos períodos de tempo se eles estão interessados

no que estão fazendo e apreciando explorar uma

atividade, mas sua capacidade de atenção pode ser

breve e, se eles ficarem entediados, eles serão

incapazes de aprender ou desenvolver habilidades

ou manter o tipo e nível de comportamento que

permita ao grupo trabalhar de forma conjunta.

(CHALMERS, 2010, p. 48, tradução nossa).

Assim como a criança se utiliza do brinquedo como um suporte

para a brincadeira, ela se apropria dos materiais oferecidos pelo professor

como elementos que desencadeiam a criação do faz de conta, e, no caso

251

do Drama, do contexto ficcional, não usando necessariamente o objeto na

sua real função, mas a partir da imaginação que se projeta no objeto. A

qualidade do material oferecido contribuirá com a concentração e

engajamento das crianças na proposta.

Neste período do desenvolvimento infantil a capacidade da

criança de criar situações fictícias possibilita ao professor desenvolver

processos com os mais diversos temas, propondo diferentes experiências,

ampliando as referências culturais, linguísticas, literárias, imagéticas, da

criança. Por conta da linguagem oral estar também em um processo mais

amadurecido, a criança consegue exprimir suas opiniões, dúvidas,

curiosidades e se colocar de forma mais ativa na investigação além de

facilitar as interações. Como afirma Chalmers, “[...] inventar uma

história, fingir ser um personagem ou um animal, participar de uma dança

ou música conjuntamente e compartilhar risadas são coisas amigáveis

para fazer” (2010, p. 21, tradução nossa), essas atividades, quando

colocadas no contexto do Drama, ampliam o estabelecimento de relações

entre as crianças.

O espaço fictício da brincadeira, a vivência de papéis, o uso dos

objetos de forma lúdica, a crescente expressividade e a capacidade de

comunicação são aspectos que, por um lado contribuem com a

assimilação da linguagem teatral e por outro, podem ser ampliados por

meio do uso consciente e adequado dessa linguagem a favor de um

desenvolvimento mais criativo e expressivo das crianças. Como afirma

Vygotsky, “[...] do ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma

situação imaginária pode ser analisada como um caminho para o

desenvolvimento do pensamento abstrato” (2008, p. 36), esse pensamento

abstrato é tão importante para a assimilação de diferentes linguagens,

quanto para o amadurecimento psíquico e intelectual da criança.

5.2.3 Com crianças de 05 a 06 anos

As crianças de 05 a 06 anos encontram-se num momento de

transição, deixando o espaço da Educação Infantil e direcionando-se para

o Ensino Fundamental, no qual, é sabido, os conhecimentos encontram-

se distribuídos em disciplinas específicas. Começam as aulas “de” cada

disciplina; nos primeiros anos ainda com uma professora e nos anos

posteriores com profissionais das linguagens específicas que, em geral,

não dialogam seus saberes, seguindo, cada um, o seu conteúdo

programático.

252

Ao entrar na escola, a atividade principal da criança deslocar-se-

á, segundo Leontiev (2001) da brincadeira para o estudo. A brincadeira

não será completamente abandonada, mas a atividade organizadora da

relação da criança com o mundo, passará a ser o estudo. Por um lado,

porque a própria estrutura da escola exigirá isso da criança e, por outro,

porque a pressão familiar girará em torno de saber o que a criança está

aprendendo na escola.

Essa pressão por uma preparação para o Ensino Fundamental

acaba repercutindo no espaço da Educação Infantil. Ainda que, cada vez

mais, a Educação Infantil busque se afirmar como um segmento

diferenciado daquele, superando a visão compensatória que

tradicionalmente carrega, os profissionais da Educação Infantil,

sobretudo aqueles que trabalham com crianças maiores, criam, muitas

vezes, um dilema entre trabalhar com conteúdos ou com atividades

lúdicas, como se esses espaços não pudessem se complementar e construir

uma experiência mais significativa para as crianças.

No experimento 07 temos justamente esse contexto apresentado

pela condutora do processo – de que as crianças queriam aprender a ler e

a escrever. Como tenho defendido neste trabalho, a experiência com o

Drama pode se utilizar de diversos conteúdos, sobretudo aqueles de

interesse das crianças para construir o processo dramático. Aproveitar o

interesse pessoal e social pela descoberta de novos conhecimentos, que

fica latente nesse período, é uma possibilidade.

Como este estudo desenvolve-se a partir do terreno do teatro

busco enfatizar as questões teatrais quando do trabalho com o Drama,

entretanto, corroboro com as preocupações de que, no espaço da

Educação Infantil, os saberes não sejam trabalhados de forma

fragmentada e busco, justamente, aliar os conhecimentos teatrais àqueles

advindos das demais áreas.

Questões como a história da escrita, as diferentes formas de

comunicação, lendas de diferentes países, alfabetização, distâncias

geográficas, conhecimentos sobre diversos animais e plantas, contato com

obras visuais, com manifestações artísticas e culturais de outros povos,

foram trabalhados de forma conjunta com a experiência dramática e com

a assimilação de aspectos da linguagem teatral, em todos os processos,

mas, sobretudo, naqueles realizados com as crianças de 05 a 06 anos.

Vygotsky aponta a perda da espontaneidade infantil na medida

em que a criança é inserida no contexto escolar. Segundo ele, “a perda

da espontaneidade significa que incorporamos à nossa conduta o fator

intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto” (1996, p. 378), ou

seja, na medida em que envelhecemos passamos a racionalizar mais

253

nossas atitudes e expressões frente a uma vivência – dramática, artística,

corporal, social – do que a criança.

A incorporação do fator intelectual leva, por exemplo, muitos

profissionais a usarem o discurso de que a criança é mais criativa do que

o adulto. A criança é, em geral, mais espontânea, mas, como a criatividade

está diretamente relacionada a quantidade de referências – visuais,

literárias, vivenciais, relacionais, de experiência de vida –

consequentemente, o adulto possui maior capacidade criativa do que a

criança.

Essa ideia é ratificada por Vygotsky ao afirmar que “[...] a

imaginação se apoia na experiência; como a experiência se apoia na

imaginação [...]” (2009, p. 09), ou seja, quanto mais experiências

possuirmos, maior será nossa capacidade de imaginar; e quanto mais

imaginamos mais experiências podemos desenvolver. Se a imaginação é

a base de toda atividade criadora, como afirma Vygotsky (2009), quanto

mais trabalhamos com a imaginação, maiores as possibilidades de criação

artística, científica ou técnica.

Como a criança entre 05 e 06 anos possui mais referências do que

as crianças das faixas etárias anteriores, as questões teatrais puderam ser

trabalhadas de forma mais aprofundada com essa faixa etária. Ficou

evidente a consciência, por maior parte das crianças dessa idade, de que

as propostas do Drama eram realizações do universo ficcional e que,

portanto, elas estariam fazendo de conta, imaginando as situações e papéis

propostos pelos condutores. Essa consciência fez com que aspectos da

linguagem teatral, como a improvisação das situações propostas,

ganhassem maiores dimensões, justamente porque as crianças

conseguiam emergir no universo ficcional apropriando-se desse lugar. A

questão dos limites entre real e ficcional pode ser discutida e apropriada

pelas crianças nesse período do desenvolvimento.

Muitas crianças aos 05 ou 06 anos possuem alguma referência de

apresentação teatral, por terem assistido a um espetáculo no espaço da

creche ou com suas famílias, ou mesmo, os pais lhes falaram que o filme

ou a novela “é de mentira” e, portanto, elas utilizam esse conhecimento

sobre ficcionalidade ao se apropriarem do teatro. Em muitos momentos,

consequentemente, as crianças aliam o trabalho com elementos teatrais

com a questão da apresentação e muitas pedem para se apresentar para

outras crianças – este é outro aspecto que pode ser trabalhado com essa

faixa etária, desde que a ideia de apresentação tenha sido compreendida

pelo grupo de crianças.

Se as crianças possuem referências teatrais elas conseguem

acessá-las em discussões sobre o teatro caso elas não possuam, o

254

professor necessita proporcionar essa experiência para que possa, em um

outro momento, analisá-la com as crianças e construir essa dimensão da

linguagem teatral que é a comunicação com uma plateia.

Sei que em muitas Unidades de Educação Infantil (e em outros

segmentos também) tem-se a dificuldade de levar um grupo teatral para

se apresentar ou de levar as crianças a um teatro – ressaltando que são

experiências totalmente diferentes, estar num teatro e assistir a um

espetáculo na própria creche, penso que ambas sejam necessárias à

criança. Por meio do Drama, entretanto, a utilização da estratégia do

professor personagem, contribui, em parte, com a construção desse

espaço de interação da criança com o ser ficcional, de fruição de uma

atividade artística e da ampliação das referências da criança sobre teatro.

Outros aspectos que ficam mais evidentes com crianças mais

velhas é a utilização de desafios e problemas para serem resolvidos. As

crianças, por sua maturação psicológica, conseguem imaginar possíveis

ações, escolher opções, discutir possibilidades e tomar decisões

conjuntas; uma vez que a linguagem oral está em pleno desenvolvimento,

elas conseguem comunicar suas percepções, trazer suas vozes para o

processo, contribuindo de forma mais efetiva com a construção da

narrativa em processo e com a experiência dramática como um todo.

Sobre este aspecto, Chalmers aponta algumas posturas necessárias ao

condutor:

[...] aceite e destaque todas as ideias de forma igual,

mesmo se uma criança é ajudada por um adulto a

pensar ou falar, mas perceba especialmente quais

as crianças que pensam coisas novas e quais

tendem a copiar a criança do lado ou a ideia da

criança mais popular ou ainda de sua melhor amiga.

Encontre oportunidades para destacar e estimular

as crianças mais imaginativas e espere que cada vez

mais o grupo possa gradualmente tentar imitá-las

trazendo novas ideias. (CHALMERS, 2010, p. 74,

tradução nossa).

Um situação ocorrida no processo 07 pode exemplificar a

questão da tomada de decisões. As crianças, antes de encontrarem com o

gênio da lâmpada, decidiram coletivamente sobre os 03 pedidos que

fariam para ele (por suas referências anteriores elas sabiam que teriam

direito a 03 pedidos quando encontrassem o gênio). A condutora, que

estava grávida, teve a ideia de, no momento do terceiro pedido, fingir

passar mal, para ver se alguma criança sugeriria trocar o terceiro pedido

255

pela “melhora” da professora. Foi o que aconteceu, ao verem a professora

passando mal uma criança pediu para o gênio “curá-la” e o gênio fez um

acordo com as crianças que esse seria o terceiro pedido. Por mais simples

que seja esta situação, houve um dimensão ética sendo trabalhada com as

crianças e que foi discutida posteriormente. A partir de desafios como

esse outras questões éticas, políticas, sociais, podem ser exploradas nos

processos de Drama.

O uso da linguagem evidencia-se também nas propostas que

trabalham com contação e criação de histórias. As crianças entre 05 e 06

anos, por possuírem mais referências como apontado anteriormente,

tornam-se menos passivas na construção dos universos ficcionais e

trazem mais contribuições à narrativa, além de conseguirem discutir,

posteriormente, as situações que ocorreram no processo e suas percepções

sobre essas.

Nos 05 anos de trabalho dos profissionais da Trupe da Alegria

com a linguagem teatral, desenvolvendo projetos e ações nas unidades,

temos percebido que se o processo de trabalho com a linguagem teatral

inicia-se com as crianças mais novas vivenciando diferentes percepções,

manipulando objetos, depois assistindo personagens, construindo papéis

ficcionais, no período final da Educação Infantil, elas passam a se

apropriar da linguagem teatral e participam de forma mais ativa e

autônoma em processos de criação artística.

As crianças entram na Educação Infantil com diferentes

habilidades desenvolvidas, possuidoras de diversos níveis de referências

e experiências. Como aponta Chalmers, “[...] nossa tarefa é garantir que

cada uma tenha a oportunidade de progredir um pouco mais antes de

passar para a próxima etapa do ensino” (2010, p. 75). Penso que as

crianças que experimentarem a linguagem teatral de forma prazerosa na

Educação Infantil terão menos resistência ao teatro no Ensino

Fundamental e poderão, ao menos, tornarem-se espectadores que

valorizem essa arte, ou, quem sabe, usem essa linguagem como forma de

expressão.

5.3 ANÁLISE GERAL DOS PROCESSOS

Em Imaginação e criação na infância (2009), Vygotsky, ao tratar

do ato criativo da criança, aponta a dramatização e a criação verbal como

os tipos de produção infantis mais frequentes e difundidos. Nesse sentido,

pode-se compreender a experiência com a linguagem teatral como uma

256

ação intimamente relacionada com a capacidade expressiva e

comunicativa da criança.

Nos 09 processos de Drama apresentados nesta tese e nas

reflexões realizadas sobre cada grupo etário apresentado, busquei abordar

as possíveis relações entre os processos de desenvolvimento infantil e os

diferentes aspectos da linguagem teatral trabalhados em cada período.

Nos processos com crianças de 02 a 03 anos, a linguagem teatral

se aproximou do desenvolvimento da percepção, propondo vivências que

pudessem afetar as sensações das crianças, oferecendo-lhes diferentes

materiais (visuais, sonoros, táteis) para serem manipulados e

experimentados, gerando situações de imitação e expressão corporal e

vocal. A presença de papéis ficcionais em conjunto com a narração de

histórias contribuiu com a iniciação das crianças no processo de

assimilação do espaço ficcional próprio do Drama e do teatro.

Segundo Vygotsky, “[...] o drama baseado na ação – na ação

realizada pela criança – é mais íntimo, mais ativo e relaciona de maneira

direta a criação artística com a vivência pessoal [...]” (2009, p. 97),

justamente porque ao dramatizar, a criança se utiliza das impressões

coletadas do ambiente circundante, por meio da imitação, transpondo-as

a situações e ambientes que a vida não lhe apresenta, ou seja, imaginando

tais situações e recriando-as em suas brincadeiras. Aproveitar o espaço de

dramatização e construir em conjunto com a criança um ambiente

propício à vivência da linguagem teatral foi um aspecto fundamental para

o trabalho.

Com as crianças de 04 a 05 anos a ênfase foi colocada na vivência

de papéis e na criação de situações que buscassem ampliar o repertório

expressivo, criativo e cultural das crianças. Aproveitamos as brincadeiras

de faz de conta para construir com as crianças o conhecimento sobre a

semelhança dessas com a linguagem teatral. A construção de papéis

ficcionais na frente das crianças evidenciando justamente este lugar

fictício no qual o professor/condutor se transforma em um papel ou

personagem foi percebido como uma estratégia primordial para a

apropriação da linguagem teatral por essas crianças.

Além da ação direta realizada pela criança no momento em que

dramatiza, outro motivo que a aproxima da criação dramática, segundo

Vygotsky, é a relação de tal criação com a brincadeira. O autor ratifica

essa ideia ao afirmar que “[...] o drama está diretamente relacionado à

brincadeira, mais do que qualquer outro tipo de criação. Por isso, é mais

sincrético, ou seja, contém em si, elementos dos mais variados tipos de

criação” (2009, p. 99), pois nessa brincadeira dramática, a criança

congrega, numa só pessoa, segundo essa autor, “[...] o artista, o

257

espectador, o autor da peça, o decorador e o técnico.” (2009, p. 100) e

portanto, o Drama, ao se utilizar de outras linguagens e conhecimentos e

do espaço da brincadeira, pode ser um eixo estruturante dos projetos

pedagógicos da Educação Infantil.

A relação com os diversos conteúdos e linguagens evidencia-se,

ainda mais, nos experimentos desenvolvidos com crianças entre 05 e 06

anos, grupos nos quais, como apontado anteriormente, há uma maior

pressão social quanto a passagem das crianças ao Ensino Fundamental.

Como acentuado ao longo do texto, o Drama pode agregar diferentes

temáticas e eixos curriculares dentro de sua estrutura. O foco central é o

trabalho com a linguagem teatral, mas os demais conhecimentos e

linguagens interagem com a experiência dramática de acordo com os

objetivos pedagógicos do professor. O Drama como encaminhamento

metodológico, portanto, possibilita o trabalho interdisciplinar, típico

desse espaço da educação.

Nesse sentido, para não distanciar este trabalho das discussões

realizadas pelos profissionais da Educação Infantil quanto à segmentação

de conhecimentos, busquei me apropriar das indicações contidas nos

Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) propostos pela Diretoria de

Educação Infantil de Florianópolis. Nos processos que abrem cada bloco

de experimentos apresentei as relações com as áreas das linguagens, das

relações sociais e culturais, com a natureza e matemática, porque julgo

importante não ignorar a caminhada que esse segmento de ensino tem

feito em direção a estruturação de um currículo para a Educação Infantil

que respeite as especificidades da infância. A ideia é agregar, colocando

a linguagem teatral como um conhecimento que possa dialogar com os

demais conhecimentos.

Um aspecto importante de ser destacado é a exploração da

expressividade infantil, a ampliação do repertório corporal e vocal das

crianças. Em alguns processos de Drama que pude acompanhar no

National Drama International Conference 2013 em Londres e em outros,

desenvolvidos na Inglaterra, dos quais li relatos e analisei as estruturas89,

percebi a ênfase dada aos aspectos intelectuais: a análise da história, a

escolha de alternativas para a resolução de um problema, tomada de

posição, a construção de um discurso, entre outras. As dimensões que o

89 Drama – a handbook for primary teachers (1994), de Geoff Readman e Gordon Lamont; Drama Pathways (1991), de Jill Harris; Stimulating Drama – Cross Curricular Approaches to

Drama in the Primary School (1991), de Patrice Baldwin; Reaching out through Drama (1991),

de Wendy Alcock; Drama Strategies – new ideas from London Drama (1991), de Ken Taylor; Drama Works (1989), de Trevor Freeborn e alguns exemplares da National Drama’s magazine

of professional practice.

258

Drama tomou no Brasil, ao ser apropriado por cursos de licenciatura em

Teatro e por pesquisas na área teatral, acabaram criando uma ênfase na

criação corporal e vocal dos papéis tanto dos participantes quanto dos

professores.

No âmbito da Educação Infantil, no qual a assimilação do mundo

perpassa o corpo da criança e as percepções, sensações e emoções das

crianças são os mecanismos de construção de conhecimento sobre o

mundo e sobre si, penso que a dimensão corporal necessita ser observada

e trabalhada pelo condutor de qualquer atividade pedagógica. No caso

específico da linguagem teatral, buscamos enfatizar o corpo em todos os

processos de Drama desenvolvidos. Como aponta Vygotsky, “[...] a

imagem criada com elementos da realidade encarna-se e realiza-se de

novo na realidade [...]” (2009, p. 98), pois o corpo é o lugar de exercício

e realização das ações imaginadas pelas crianças.

Em relação ao trabalho corporal, Chalmers aponta que: “[...]

através do Drama, as crianças podem vir a conhecer seus corpos e o que

podem fazer com eles muito bem” (2010, p. 28, tradução nossa). Dentro

de suas propostas os condutores podem desafiar as crianças a descobrirem

seu corpo, como observa a autora, elas podem aprender “[...] a andar,

correr, saltar, pular, andar na ponta dos pés, deslizar, dar passos gigantes

ou pequenos, dançar, rastejar, engatinhar, rolar, parar e congelar” (2010,

p. 28, tradução nossa) e esse é um aprendizado importante, ligado à

expressão corporal, ao teatro e a própria descoberta de si.

É importante destacar que o trabalho pedagógico com as

linguagens artísticas não visa a formação de artistas ou o desenvolvimento

técnico de habilidades, como acaba acontecendo quando muitos

profissionais encaminham suas atividades para a criação de produtos ou

reproduções estereotipadas de modelos tradicionais de teatro, mas para

que a criança construa conhecimentos sobre o teatro enquanto forma de

expressão artística e utilize tais conhecimentos de acordo com seus

desejos. Chalmers afirma:

Se as crianças são acostumadas a se colocarem

diante dos outros com frequência a partir de uma

idade muito jovem, seja falando, cantando,

dançando ou atuando de qualquer outra forma, elas

serão capazes de usar essas habilidades em

qualquer situação em que se encontrarem mais

tarde [...] (CHALMERS, 2010, p. 17, tradução

nossa).

259

Ainda que o foco do Drama não esteja no produto, a

improvisação de situações diversas leva as crianças a construírem

experiências sobre o teatro e essas podem ser compartilhadas,

posteriormente, com uma plateia. É possível, segundo O’Neill, com base

em algum tipo de registro, viabilizar a reutilização do “texto latente do

Drama-Processo” (1995, p. 32, tradução nossa) como tema gerador de

outros eventos improvisados. O desafio do condutor é, em uma vivência

compartilhada com uma plateia, manter a autonomia da criança, o prazer

em realizar a atividade dramática com a presença do outro.

Pode-se, a partir dos fatos ocorridos em cada episódio ou em um

episódio específico que fora mais marcante para as crianças, organizar-se

uma espécie de roteiro, com esboços de situações experimentadas

anteriormente pelas crianças, e propor uma nova experimentação

dramática, mas desta vez, compartilhando com uma plateia. Essas

vivências dramáticas com plateia, como denominamos, podem ser

seguidas de conversas sobre o que aconteceu, discutindo-se a ideia de

apresentação de um produto gerado a partir de uma experiência concreta

da criança expressando-se através da linguagem do teatro.

Os experimentos 01, 04, 05 e 08 propuseram, ao final dos seus

processos, uma vivência dramática com a presença de uma plateia, o que

foi bastante interessante por conta de percebermos as crianças como

protagonistas da atividade, mantendo o mesmo entusiasmo que tinham ao

experimentarem as situações durante o processo. Essas vivências

compartilhadas também foram importantes por terem gerado discussões

entre os profissionais das unidades sobre novas possibilidades de

trabalharem com a linguagem teatral.

No que diz respeito às temáticas abordadas nos processos, muitas

delas tiveram relação direta ou indireta com o espetáculo que a Trupe

produziu no ano de 2013 – Navegando a terras distantes – no qual as

crianças eram convidadas a navegarem pelos 05 continentes, encontrando

diferentes culturas e manifestações artísticas. A ideia era aproveitar, nos

processos de Drama, alguns materiais pesquisados para o espetáculo

(histórias, contos, músicas, danças) e mesmo os personagens (Gênio,

Boneca, Pedro Álvares Cabral, Índia, entre outros).

O processo de construção do espetáculo contribuiu também para

ampliar o repertório dos profissionais acerca dos temas de seus processos,

assim como sua experiência com a linguagem teatral. Esse trabalho

artístico tinha ressonância direta na maneira como trabalhavam com o

Drama. Percebemos a conexão existente entre a experiência artística dos

professores e seus projetos pedagógicos.

260

Tínhamos como objetivo também que as crianças participantes

dos processos de Drama ao assistirem o espetáculo da Trupe possuíssem

algumas referências (trabalhadas nos processos) que pudessem aproximá-

las das cenas, aproximando também a experiência estética da construção

de conhecimentos.

Outros temas partiram de um diálogo com os projetos existentes

nas unidades: sobre horta, alimentação saudável, literatura, manifestações

culturais brasileiras, cultura local, alfabetização, entre outros. É

interessante destacar que mesmo concluídos os processos de Drama os

seus temas permaneceram guiando as atividades pedagógicas ao longo do

ano, dando origem a outras atividades e mesmo a outros projetos. Isso se

deu por conta do interesse apresentado pelas crianças de explorarem ainda

mais os temas e por conta da estrutura diferenciada de construção de

conhecimentos que o Drama apresenta, fazendo os participantes

experimentarem as situações ao invés de aprenderem algo de forma

mecânica, distanciada da experiência vivencial.

Buscamos também, em alguns processos, quebrar certos

estereótipos em relação a figuras pertencentes ao imaginário infantil. No

processo 01, por exemplo, o Lobo não aparece com um ser malvado, mas

como um animal que está fraco porque só come arroz e ele pede ajuda às

crianças. No processo 05, a figura da Bruxa aparece também como

alguém que quer se aproximar das crianças e deixa sua aranha para ser

cuidada enquanto ela realizará algumas viagens.

Quebrar esses estereótipos é ampliar o olhar das crianças sobre a

própria humanidade e sobre os padrões de comportamento que

reproduzimos no ambiente educacional. Por que a Princesa deve ser

sempre a “mais bonita”, qual o padrão de beleza instituído e reproduzido?

Por que os meninos são sempre os mais corajosos e as meninas as

“donzelas” em perigo? Que padrão de gênero estamos instituindo com

frases como: “menino não chora” e “menina não sobe em árvores, menina

brinca de casinha”? Penso que o educador necessita estar atento aos

conteúdos, ocultos ou não, que permeiam seu trabalho pedagógico e que

influenciam na construção da identidade e caráter da criança, para isso, o

professor necessita refletir sobre suas opiniões e preconceitos.

Alguns aspectos quantitativos podem ser destacados acerca dos

09 experimentos:

A distribuição geográfica das creches – houve uma preocupação

com a distribuição dos processos em diferentes regiões. Foram

02 creches do norte da ilha, 02 da região central (incluindo

periferia), 02 na região sul, 02 na parte continental e 01 no leste

261

da ilha. Ao distribuir os processos tínhamos como intenção

disseminar também a proposta de trabalho com o Drama na rede

de Educação Infantil e “contaminar” o máximo de instituições e

profissionais com o nosso trabalho.

O número de crianças envolvidas – nos processos com a faixa

etária entre 02 e 03 anos 45 crianças participaram; entre 04 e 05,

71 crianças e na faixa dos 05 a 06 anos, foram 74 crianças. Ao

total, 190 crianças tiveram a experiência de trabalhar com a

linguagem teatral, de acordo com as especificidades de suas

faixas etárias. Com certeza o olhar das crianças para a teatro foi

ampliado e construído de maneira respeitosa, participativa e

criativa.

O número de profissionais envolvidos – além dos 15 membros da

Trupe (09 condutores dos processos, 03 parceiros na estruturação

e 03 representando personagens) foram envolvidos diretamente

19 profissionais que atuavam nos grupos com os quais os

processos foram desenvolvidos, 15 profissionais das unidades

foram envolvidos de forma indireta representando papéis ou

personagens e 05 pessoas (atores, dançarinos, estagiários) foram

convidados a participar de algum momento dos processos. Ao

todo, 54 profissionais participaram desta pesquisa e puderam

ampliar também seu repertório de possibilidades de trabalho com

a linguagem teatral na Educação Infantil.

Tempo de participação na Trupe – a maior parte dos membros

da Trupe que conduziram processos tinha um experiência com a

linguagem teatral de cerca de 03 anos, apenas uma professora

estava na Trupe a 01 ano. Ou seja, os profissionais que

conduziram os processos estavam munidos de experiências

teatrais e discussões sobre o trabalho com essa linguagem na

Educação Infantil por conta de sua participação nesse grupo de

teatro e estudo. Assim, a formação em serviço ou continuada

ganha destaque como um meio para o professor poder ampliar

seu repertório e sua experiência, principalmente sobre as

linguagens específicas e mais ainda sobre as linguagens das

Artes, que sabemos, são pouco trabalhadas na sua formação

inicial.

Um último ponto que gostaria de abordar diz respeito à

apropriação de manifestações da cultura local, no caso específico dos

experimento 04 e 05, o diálogo com a dança do Boi de Mamão –

262

manifestação popular de origem açoriana, difundida especialmente na

região litorânea de Santa Catarina, semelhante à outras manifestação

brasileiras com o Boi Bumbá nordestino, por exemplo.

Como destacado ao longo do trabalho, o Drama busca se

apropriar de questões, temas e situações do contexto dos participantes. O

Boi de Mamão é uma manifestação que encontra-se bastante difundida

nas unidades de Educação Infantil de Florianópolis seja porque muitas

comunidades possuem grupos que apresentam o Boi, uma vez que os

familiares das crianças participam desta dança e elas encontram-se

imersas nessa cultura ou porque deseja-se resgatar tal manifestação

naquelas unidades onde essa manifestação da cultura local não seja

trabalhada.

Minha crítica a alguns projetos de trabalho com o Boi de Mamão

baseia-se nos mesmos argumentos que uso para tratar das criações de

produtos artísticos com as crianças sem o devido cuidado com a sua

participação efetiva, sem o prazer da brincadeira. Acaba-se, muitas vezes,

distribuindo os personagens do Boi, obrigando-se as crianças a cantar e

dançar, colocando-se um CD para ser seguido, preocupando-se,

exclusivamente, com a apresentação e não com o processo de apropriação

e recriação dessa manifestação cultural de acordo com as percepções das

crianças. Destaquei os dois processos que trabalharam com o Boi para

pontuar que é possível apropriar-se de uma manifestação cultural e manter

a participação ativa da criança, despertando seu interesse pelo processo,

construindo conhecimento e experimentando ao invés de reproduzir um

modelo que muitas vezes encontra-se distante de sua realidade física e

psíquica.

Por corroborar com a ideia anteriormente exposta destaco as

palavras de Vygotsky:

[...] a lei principal da criação infantil consiste em

ver seu valor não no resultado, não no produto da

criança, mas no processo. O importante não é o que

as crianças criam, o importante é que criam,

compõem, exercitam-se na imaginação criativa e

na encarnação dessa imaginação. [...] tudo – desde

as cortinas até o desencadeamento final do drama –

deve ser feito pelas mãos e pela imaginação das

crianças, e somente assim a criação dramática

adquire para elas todo o seu significado e toda a sua

força (VYGOTSKY, 2009, p. 101).

263

Meus desejos, ao incentivar o trabalho com o Drama na

Educação Infantil, são de que as crianças possam criar, imaginar,

experimentar; os educadores possam se perceber como mediadores do

processo de construção cultural e artísticas; as brincadeiras infantis sejam

compreendidas como um caminho para a ampliação dos repertórios das

crianças; os professores estejam nutridos de novas experiências e

busquem sempre ampliá-las para, dessa forma, poderem ampliar o

repertório de suas crianças e, por fim, que a linguagem teatral possa ser

apropriada pela Educação Infantil como um conhecimento que explora as

potencialidades da criança de forma global – corpo, mente, voz,

construção de conhecimentos diversos, interação, linguagem, entre outros

aspectos, que acredito possíveis de serem trabalhados por meio do teatro.

5.4 A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES

O ambiente que envolve a criança e as condições oferecidas para

que ela construa saberes e experimente novas situações e desafios é

conceituado por Vygotsky (1996) como “situação social do

desenvolvimento”. Essa situação oferece possibilidades para que ocorra

uma identificação entre as necessidades do indivíduo e as ofertas do

ambiente. Vygotsky propôs a “experiência” como o resultado psicológico

do relacionamento que se constrói entre sujeito e meio. Segundo o autor:

A experiência da criança é o tipo de unidade

simples da qual é impossível dizer que é a

influência do ambiente sobre a criança ou uma

característica da própria criança. A experiência é

uma unidade de personalidade e ambiente na

medida em que ambos existem no desenvolvimento

[...] a experiência deve ser entendida como o

relacionamento interno da criança enquanto

indivíduo com um aspecto da realidade

(VYGOTSKY apud DANIELS, 2002, p. 57).

A noção de experiência como “relacionamento”, apontada pelo autor, não trata de uma relação passiva, de simples percepção ou

processamento de estímulos exteriores, mas um relacionamento definido

a partir dos interesses da criança, possível através da prática social que a

põe em relação direta com o ambiente objetivo, gerando novas percepções

e significados sobre esse. A experiência, nesse sentido, abarca tanto a

264

subjetividade individual quanto as relações intersubjetivas e é identificada

como o resultado interiorizado da relação estabelecida.

Sem intenção de esgotar ou aprofundar o conceito de

experiência, apoio-me na ideia vygotskiana de “resultado de um

relacionamento” – sujeito com sujeito, sujeito com objeto, sujeito com o

mundo, sujeito com um conceito – por considerá-la adequada às reflexões

que pretendo traçar e por dialogar com o conteúdo exposto ao longo deste

trabalho.

Vygotsky aponta que a experiência social acumulada é

culturalmente mediada, ou seja, disponível às pessoas por meio da prática

social. Nesse sentido, tanto a cognição quanto a comunicação no e com o

mundo social são necessárias ao desenvolvimento histórico cultural. A

participação ativa do sujeito na relação com o ambiente constrói sua

experiência; ao negociar e renegociar significados, conceitos, práticas,

ações, conhecimentos, a subjetividade se amplia. É necessário, entretanto,

que o sujeito reconheça as práticas, os conteúdos ou conceitos que foram

incorporados aos seus conhecimentos para que a experiência se torne

concreta na sua vida.

Voltando-me para a experiência com a linguagem teatral

construída com os profissionais da Trupe da Alegria que conduziram os

processos de Drama, vejo como relevante perceber como a construção de

uma prática pedagógica de inserção da linguagem teatral na Educação

Infantil foi nutrida pela prática artística desses educadores. Esses

profissionais experimentaram processos de criação, vivenciando no seu

corpo a arte teatral, construíram uma experiência artística como ação

formadora do ser artista e do ser educador.

Ao lidarem com a formulação e constante avaliação dos

processos de Drama realizados, os condutores viam-se construindo uma

experiência com a linguagem teatral, num processo de retroalimentação

no qual o profissional formava as crianças e se formava na sua atuação

junto a elas e na consequente reflexão sobre a sua prática.

Com o intuito de apontar a maneira como os profissionais que

conduziram os processos refletem sobre sua experiência como

professores/artistas, sem me deter em análises profundadas, pois não é

esse o foco deste trabalho, transcrevo trechos das entrevistas realizadas

com os 09 condutores e 03 colaboradores dos processos de Drama

apresentados no capítulo anterior.

Pesquisador: Sua experiência com a Trupe e com o Drama alterou sua

forma de conceber o trabalho com a linguagem teatral? Se mudou, em que aspectos? Como era antes e como é hoje?

265

Ana Lúcia – A Trupe ela vem pra colaborar muito com o dia a dia de

todos, assim. Eu vejo pelas outras meninas que estão em sala [...] eu vejo

que elas aplicam muito do que a gente aprende lá na Trupe contigo, elas

colocam no dia a dia delas. [...] Eu acredito que todo professor de

Educação Infantil deveria ter essa experiência de participar, se não

atuando como a gente faz, mas pelo menos ter todas as informações que

tu traz pra gente. Eu acho que colabora muito com a dia a dia dos

professores em sala de aula, eu acho que é muito importante. [...] As

crianças, algumas, tem oportunidade, outras não tem oportunidade

nenhuma de assistir uma peça de teatro se não for na creche né, na escola,

mas a experiência com a Trupe ela traz, ela trouxe pra mim, assim, outras

novidades que eu não percebia na hora de tá fazendo teatro [...]. Eu acho

que colaborou pra mim muito, mudou minha visão nesse aspecto, do

improviso, da generosidade com o outro, de saber que todos estão ali

participando juntos e que vamos além.

Danielle – Minha percepção mudou depois que eu entrei na Trupe né.

Porque eu tinha uma percepção diferente de teatro, de drama, de teatro

para as crianças [...] hoje em dia eu já vejo de uma outra forma na

Educação Infantil, não só na Educação Infantil mas eu acho que na

educação em si. Eu tenho uma outra visão com o Drama no processo

educativo. Eu percebo assim que constantemente a gente trabalha com

isso, mas as vezes a gente não sabe. A gente trabalha com isso nas

brincadeiras de faz de conta. Nosso dia a dia com crianças pequena é

assim [...] é importante que os professores tenham, cada vez mais, essas

vivências pra que possam proporcionar isso pra essas crianças também

[...] os professores deveriam ter mais interesse em procurar porque pra

mim o teatro na Educação Infantil é primordial. [...] Eu via o teatro como

aquela pecinha pronta que a gente prepara as crianças, a gente prepara, os

professores, e apresenta na creche, num determinado momento, numa

data festiva, num dia especial. Hoje eu percebo que o teatro é uma

vivência direto.

Elizabete – Nossa, contribuiu bastante! Pro meu aprendizado, assim, pra

entender, claro que ainda tem muitas coisas, que eu tenho que ler muito,

tenho que clarear mais né, que o processo que a gente vivenciou de

formação, foi muito importante, mas foi pouco, parece que a gente precisa

de mais. Aí eu vejo assim, que é como se fosse um vício, a gente tem que

tá lá pra vivenciar e pra entender o processo que tá vivenciando aqui

dentro da creche. Pra mim foi um aprendizado e tanto. Eu comecei a

266

perceber com outros olhares o que as crianças nos traziam, como era feito

os teatros antes nas unidades, como a gente pensava e como é pensado

hoje, totalmente diferente, apesar da gente ter ainda uma certa resistência

de algumas companheiras de ter medo de se expor. [...] Esse processo de

formação que eu passei com a Trupe pra mim foi um momento muito

importante, assim, de vivência e de troca de experiência dentro da

unidade. [...] Hoje a gente percebe que o grupo já respeita quem traz esse

tipo de trabalho com teatro pra dentro da unidade, na sala. [...] E o

processo que eu vivenciei na Trupe não foi só pro meu trabalho também,

foi pra mim, enquanto pessoa, tinha um grupo de amigos que a gente

vivenciava, se respeitava, se sentia, se percebia, foi um processo

importante, assim, muito importante mesmo.

Franciele – Com certeza. Profissionalmente, as vezes, a gente via o teatro

como uma forma, ah, pegar um livro e transformar num teatro, até

inventar uma outra história e tal, e agora, com a Trupe, a gente vê outras

possibilidades como essa do Drama, de todo mundo junto, ao mesmo

tempo, sem ser “_fulano vai ser tal personagem, ciclano vai ser outro”, dá

pra todos juntos ser a mesma coisa. [...] No caso desse processo foi uma

brincadeira, eles se transformaram num personagem, eles dramatizaram

aquele personagem, mas todos juntos, ao mesmo tempo, todos se

transformaram em caveira mexicana cada um do seu jeito e eles curtiram

aquele momento. Daquele personagem já surgia uma brincadeira partindo

das crianças [...].

Leonara – Com certeza, alterou muito. Hoje a gente consegue entender

esse movimento das crianças, que elas tem, que elas necessitam, e o teatro

ele traz isso pra gente, ele mostra que a gente pode fazer da sala um palco,

que a gente pode tá sempre brincando, pode tá sempre transformando,

sempre trazendo fantasias, maquiagem e fazendo de conta que a gente é

uma princesa, um príncipe, um monstro e a Trupe trouxe isso pra gente

né, junto com o Drama também, que a gente pode tá sempre encenando e

as crianças podem tá sempre se divertindo com isso. E a gente também,

como professor, [...] pode tá se transformando, pode virar uma boneca e

tá brincando com eles, contado uma história pra eles e mexendo com a

imaginação das crianças.

Márcia – A gente pensa assim: o que que é o teatro? Ah é ir lá, tem o

roteiro, a gente ensaia aquelas falas e apresenta com eles e isso a gente

faz muito na creche, [...] quando a gente começa a se apropriar um pouco

do Drama, de como funciona, a gente acaba percebendo que aquele

267

teatrinho que a gente faz, não tem nada a ver com a realidade da crianças.

E a nossa proposta do dia a dia tem muito mais a ver com o teatro na

questão de experimentar, da criança curtir aquilo que tá fazendo. As vezes

não tem um roteiro, uma história fechada, a gente pode até se utilizar de

histórias, mas a própria criança vai construindo isso na fala, no corpo, no

movimento, então eu acho que se apropriar do Drama é também entender

um pouco isso, que o teatro não é aquela coisa de decorar as falas, mas é

muito mais próximo do que gente faz no dia a dia, de construir, de

vivenciar com eles.

Maria – Eu acho que esses anos todos que eu estou na Trupe me fez ver,

pedagogicamente, uma outra forma de teatro. Eu acho que todas essas

aulas, essas oficinas que nós tivemos, essa vivência que a gente teve com

as crianças nessas apresentações, me fez ver um outro lado, o lado criança

mesmo. [...] E o teatro me ajudou muito a ver isso né, na questão das

brincadeiras, na questão de estar passando pra eles essa questão do teatro

né. [...] Como a gente pode fazer tanta coisa na Educação Infantil através

do teatro, nessa imensidão de cores, de fantasias.

Maria Sônia – Antes da experiência já havia muito presente no meu fazer

com as crianças o teatro. Essa maneira de trazer um personagem, já fazia

isso, mas não tinha dimensão, não tinha a percepção do que as crianças

estavam colhendo, do que eu podia estar enriquecendo, de como construir

com as crianças ou mesmo com os meus colegas um espetáculo né. E

geralmente tinha narrador e a ambientação cênica era bem reduzida,

enfim, o ganho foi muito grande porque a gente agora tem noção dos

elementos, de quais elementos são importantes na narrativa teatral, de

que, com a criança, o importante não é o produto final, mas sim o processo

de construção de toda a narrativa e o Drama traz isso, essas reflexões

todas, assim. A gente acaba, no exercício do planejamento de cada

episódio, refletindo sobre muitos aspectos e ressignifica, elabora de forma

diferente, acaba trazendo e somando muito pra Educação Infantil, porque

na Educação Infantil a gente não pode pensar em produto e a formação

que a gente tem, o pouco que a gente teve nessa linguagem, enquanto

estudante na licenciatura é muito pobre, muito reduzido, porque é arte em

geral. A gente só sabe como não pode fazer, mas não sabe como fazer de

outra forma. Com o estudo do Drama e a vivência do Drama e a

construção e a experiência que a Trupe nos trouxe foi enriquecedor,

inesquecível. Acho que eu sou uma pessoa diferente, acho que sim. [...]

Fundamentar a prática desta forma foi enriquecedor e a gente continua.

268

Rafael – Faltava, principalmente na Educação Infantil, eu via, ou era os

professores que se apresentavam pras [sic.] crianças ou as crianças

apresentavam mas sem um processo, as vezes é muito ‘_ah vamos fazer

o teatro da Branca de Neve!’, então pegava lá as crianças e ‘_você vai ser

tal, tal, tal’ e colocava, as vezes, pra fazer né, sem trabalhar o processo da

dramatização, de conhecer o personagem, perceber esse personagem [...]

acabavam sendo forçadas, as crianças não queriam, ‘_mas porque a

criança não quer?’, por isso, porque ela não vivenciou isso durante um

tempo, assim. Essa questão do Drama me ajudou, assim, nesse sentido,

de perceber mais né, o tempo, a questão da criança, da gente trabalhar

mais isso.

Roseli – Sim, com certeza. Quando tu participa e vivencia e vê que tem a

possibilidade né... porque antes a gente também não tinha conhecimento

né. Tu tem que estudar, tu tem que pesquisar, mas tu ler é diferente do tu

participar ou então tu realizar, [...] a forma de trabalhar em sala de aula o

teatro, que até agora me ajudou muito a entender, a fazer a leitura, a

compreender a forma como eu trabalho, como eu planejo, pra conseguir

conquistar a atenção né, porque muitas vezes as crianças não querem

ouvir uma história, mas se você tá num personagem, você coloca um

chapéu, você coloca um adereço diferente, naquele dia, eles já param pra

te olhar, então, pelo menos o primeiro impacto da atenção você já

conseguiu. [...] O Drama ajuda a gente a conseguir desenvolver o teu

trabalho do dia a dia né, as coisas do currículo né [...] a experiência com

a Trupe me deu mais opções de trabalho, mais informação, mais

conteúdo, como trabalhar, enriqueceu muito meu próprio planejamento,

com sugestões, com exercícios que a gente fazia nos encontros da Trupe

e que podem ser feitos em sala de aula com as crianças também.

Rosetenair – Eu penso que eu não passei de professora pra artista, eu acho

que eu fiquei uma professora melhor diante de todo esse trabalho que vem

acontecendo por muitos anos. [...] Eu me vejo uma professora que hoje

reflete mais sobre a questão do movimento, a questão do corpo, a questão

da sonoridade. Então, as minhas ações hoje, na contação de histórias, nas

performances literárias, hoje elas são mais pensadas, não são feitas de

qualquer jeito, elas são planejadas, elas tem sempre um reflexo da aula

que eu tive de teatro. Então eu digo que o teatro ajudou a ser uma melhor

professora, um melhor adulto pra trabalhar com criança. [...] O que eu

gosto e o que eu aprendi foi isso assim, o quanto a gente não pode estar

tão fechado, tão limitado nessa ação [...], poder fazer com que as crianças

participem, elas são ativas nesse processo [...], ela vai entrando na história

269

e vai construindo junto com a professora, com esse adulto que se propõe

a fazer isso e, ao mesmo tempo sem uma rigidez de roteiro, que eu acho

que é isso que nos prende, principalmente numa Educação Infantil que a

gente trabalha com crianças pequenas não dá pra ter uma certa rigidez. Eu

vejo que esse tipo de trabalho faz com que a criança tenha mais espaço,

nesse processo.

Zely – [...] Eu sempre fui uma pessoa muito tímida, com muito medo de

falar as coisas, porque poderia falar errado, porque ia falar coisa que não

devia [...] hoje eu sou uma pessoa mais... ainda com medo de certas

coisas, não vou dizer que não, medo do desconhecido, mas tem que

arriscar. [...] Antes eu era, devido talvez a própria timidez, antes eu não

tinha coragem de chegar e propor alguma coisa pras crianças, antes.

Depois que eu entrei na Trupe eu vi que eu fiquei mais confiante, fiquei

mais detalhista, não que queira assim as coisas tudo prontinhas, não, tem

que elaborar, tem que criar e tem que fazer o melhor pras [sic.] crianças

participarem. Eu fiquei mais, como eu que eu posso explicar, não aceitar

as coisas, esperar que as crianças também tragam alguma coisa pra mim,

algum elemento, alguma criação que a criança traz, não é só nós levarmos

pra eles. Eu fiquei mais observadora, nesse momento, com as crianças, na

parte teatral. A criança ela tem muito a nos dar, nós damos, mas também

nós recebemos.

5.4.1 Reflexões

Algumas questões podem ser pontuadas a partir das respostas dos

professores:

Mudança de percepção acerca do fazer teatral com e para

crianças – nas respostas os profissionais apontam o quanto a

experiência com a Trupe lhes permitiu conceber novas maneiras

de trabalhar o teatro na Educação Infantil, quebrando com as

formas tradicionais pautadas nas escolhas do professor, na

rigidez da busca por um produto, na história pré-concebida,

desvinculando o teatro das datas comemorativas, focalizando o

trabalho no processo e não no produto.

Experimentação de possibilidades de trabalho com o teatro – os

professores apontam como a pesquisa com o Drama lhes permitiu

270

buscar novos caminhos, fundamentar seu trabalho com o teatro,

planejar atividades teatrais colocando-as no dia a dia, dialogando

com o cotidiano e os interesses da criança, tornando a experiência

teatral das crianças mais elaborada, descobrindo novas

estratégias de ação que se aproximassem da criança,

experimentando diferentes materiais que servissem de estímulo

à experiência dramática.

Novas percepções acerca das criações infantis – são apontadas

como descobertas do processo as novas relações estabelecidas

com as crianças no fazer artístico: a parceria entre professor e

criança, a experimentação coletiva de papéis sem eleição de

“personagens principais”, maior abertura para as criações e

proposições das crianças, o prazer da criança em experimentar

sem ser pressionada a repetir e ensaiar, a construção coletiva no

processo de Drama.

A importância da formação continuada – em muitas respostas os

profissionais apontam a importância da formação que partilham

na Trupe da Alegria, o quanto a experiência com a Trupe altera

seu trabalho, amplia seu repertório, alimenta sua prática, oferece-

lhe conhecimentos mais precisos e fundamentados sobre a

Pedagogia do Teatro, subsidiando seus planejamentos. Indicam

também a necessidade de que outros profissionais tenham acesso

a formações semelhantes, uma vez que o conhecimento sobre

teatro na formação inicial é incipiente.

Diálogo com as questões da Educação Infantil – os profissionais

apontam suas percepções acerca da proximidade da proposta do

Drama com aspectos relativos à Educação Infantil. A apropriação

do espaço da brincadeira como um lugar onde a linguagem teatral

pode se desenvolver, a possibilidade de trabalhar com múltiplas

linguagens no processo de Drama, assim como dialogar com

conteúdos diversos, sem fragmentações.

Desenvolvimento pessoal – alguns profissionais apontam a

importância do trabalho teatral para conquistas pessoais:

capacidade de colocar-se diante de um grupo, superação da

timidez, experimentar um personagem diante das crianças e de

outros adultos sem medo, aprender a trabalhar coletivamente,

superar as dificuldades de se apresentar, entre outros aspectos.

Ao observar os apontamentos de Vygotsky, percebo que o desejo

dos professores de ampliarem seus conhecimentos sobre a linguagem

271

teatral aliado à possibilidade de participarem de um grupo de formação,

gerou uma nova experiência para cada membro do grupo. Vygotsky

afirma que “quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está

disponível para a imaginação dela” (2009, p. 22). Nesse sentido, quanto

mais oportunidades os profissionais da Educação Infantil tiverem de

ampliar sua experiência com a linguagem teatral, maiores serão as

possibilidades de transpor esses conhecimentos às suas práticas

pedagógicas.

Vygotsky (1996) aponta que a experiência conquistada é o

processo de internalização das ações realizadas no mundo exterior. Penso

que, ao vivenciarem as oficinas teatrais e criarem espetáculos e processos

de Drama, os professores se apropriaram desse conhecimento,

internalizaram esse aprendizado mediante a reflexão sobre suas práticas,

alteraram sua forma de trabalhar o teatro com suas crianças.

Acredito que uma experiência (tanto pessoal quanto coletiva) foi

desenvolvida e essa experiência é realimentada e reelaborada a cada nova

proposta de trabalho e pesquisa da Trupe, a cada nova proposta de Drama

realizada com as crianças, a cada nova discussão que o grupo realizava

sobre teatro. A experiência pessoal é ampliada na apropriação da

experiência do outro, na construção coletiva de saberes. Este é o princípio

vygotskiano de que o aprendizado se dá a partir das interações.

5.5 O DRAMA COMO POSSIBILIDADE

Finalizo este trabalho com a percepção dos profissionais que

conduziram os processos de Drama, sobre a possibilidade de explorar esse

método como um dispositivo pedagógico que possa inserir o teatro na

Educação Infantil, respeitando as peculiaridades dessa etapa do ensino.

Em entrevista realizada com os professores, propus duas

questões. A primeira relativa ao modo como compreendiam o trabalho

com o Drama na Educação Infantil e a segunda, quais elementos teatrais

eles, conscientemente, perceberam serem trabalhados nos processos

desenvolvidos.

Pesquisador: Você acredita que o Drama seja um fazer teatral possível de ser apropriado pela Educação Infantil? Por que?

Ana – A criança se envolve muito com tudo se o professor chega com

uma proposta assim [...]. Quando ele sabe o que tá fazendo, é muito

272

interessante. A criança participa junto com o professor quando o professor

propõe uma coisa e sabe o que ele tá propondo. Eu acho que a criança ela

vai junto contigo sempre, e o Drama é mais uma faceta que a gente vai

usar dentro da sala da Educação Infantil pra ajudar no trabalho do dia a

dia né, é mais uma colaboração pro trabalho, pra gente poder até tá

diferenciando os trabalhos [...] porque a criança adora novidades né. Tudo

que tu traz de novo ela já embarca junto com a gente e vai embora [...]. A

gente tá lá pra isso, pra ampliar o repertório deles.

Danielle – É possível, muito possível. Até porque a gente já tem essa

prática, já faz isso, só que não em formato de formação, porque as pessoas

ainda não tem esse conhecimento. Assim como eu tinha essa visão de

teatro, acredito que a maioria tenha uma outra visão, uma visão diferente

de teatro na Educação Infantil e que essa experiência que eu tive com a

Trupe me proporcionou ter uma outra visão e que eu percebi que é

diferente daquilo que a gente pensa.

Elizabete – Eu acho que tem tudo a ver com a Educação Infantil. [...] Não

‘pode’ ser, eu acho que ele ‘deve’ ser um processo que tenha que tá na

Educação Infantil, porque tudo que passa pela Educação Infantil, todos os

momentos que tem que ser vivenciados, esse momento do brincar, da

literatura, da contação de história, o Drama tem isso, querendo ou não,

subentendido ali, tá ali dentro mesmo do processo de Drama, na

metodologia, então eu acho que tem que tá .[...] Hoje eu entendo assim,

claro que teve um momento que eu nunca pensei que o teatro pudesse ser

esse elo de proposta pedagógica pra Educação Infantil.

Franciele – Com certeza. A gente já vem fazendo isso né, mas eu acho

que é com outro olhar. Quem não conhece esse processo que tu tá fazendo

com a gente de Drama, não olha com esse olhar de Drama né. A gente já

vem fazendo isso na Educação Infantil, a gente se transforma em

personagem e outras coisas, eles fazem o faz de conta, só que muitas

pessoas que não conhecem esse processo não olham dessa forma.

Leonara – Eu acho que o Drama deveria ser divulgado para todas as

professoras né, pra começar a tomar consciência realmente do nosso

trabalho e até pra ter uma estrutura de trabalho, porque muitas vezes a

gente fica perdida, fica solta, cada uma faz um projeto de uma forma,

como aprendeu, mas tem umas que se formaram há vinte anos, outras há

dez, outras há cinco. E o Drama ele traz uma estrutura de como que a

gente vai montar esse projeto, que passos a gente pode estar seguindo. Eu

273

acho que é muito importante assim, se todos tivessem esse discernimento

que a gente teve, que a gente teve a oportunidade de ter na Trupe né.

Márcia – Com certeza. Porque eu acho que tem tudo a ver com a linha de

trabalho da Educação Infantil. O Drama ela traz o problema e aí a gente

vai construindo o processo e desvendando esse processo né e eu acho que

a Educação Infantil é isso. Quando a gente vai se apropriar desse

conhecimento com eles não é uma coisa pronta e acabada, é também

assim, tem um problema, uma questão que a gente levanta, seja pela

necessidade da criança, seja pela faixa etária que a gente tá trabalhando e

isso vai sendo construído. [...] Hoje eu não vejo meu trabalho distante

assim, a Educação Infantil distante das coisas que o Drama traz, eu acho

que o Drama ajudou a entender melhor a própria proposta da Educação

Infantil assim.

Maria – Eu não vi dificuldade porque não traumatiza, porque você traz a

proposta de uma maneira que é acessível pra criança entender. [...] Eu

trouxe uma proposta próxima daquilo que elas estavam trabalhando no

dia a dia, que era a questão das cobras, dessa forma não foi um choque,

uma proposta que tivesse distante delas. O Drama propõe essa

proximidade com o contexto né e isso é a realidade da Educação Infantil.

Maria Sônia – Nossa, muito! Acredito que o Drama possibilita o

planejamento diferenciado diante da especificidade dessa faixa etária de

0 a 03. E nós temos uma dificuldade muito grande de estarmos nos

distanciando da escolarização porque aprendemos a planejar segundo, nós

temos até conteúdos muito fechados. Se a gente quer ampliar para

núcleos, pensar em experiências e não em conteúdos dados e se a gente

quer que a criança tenha uma aprendizagem ativa, que o lúdico esteja

presente e tudo mais, eu acho que o Drama é um caminho.

Rafael – Com certeza. Eu acho que essa primeira experiência com Drama

mostrou bastante elementos pra trabalhar na Educação Infantil com o

teatro de forma mais contínua, porque as vezes a gente trabalha o teatro,

aqui a gente tem um projeto de teatro, que as vezes a gente acaba

mostrando, claro que são os professores as vezes que fazem, mas fazem

uma peça teatral e fica naquilo. [...] Acho que pode trazer os elementos

durante todo o ano, no dia a dia das crianças, trabalhando a questão

corporal, a questão do projeto da professora, então dá pra fazer um Drama

que consiga contemplar todos os elementos da Educação Infantil, até a

274

questão dos NAP’s90 também, a questão com a natureza, a questão do

próprio currículo, o Drama consegue costurar até o próprio currículo,

todos os elementos que se trabalha no currículo, durante o próprio

processo.

Roseli – Eu creio que é uma oportunidade assim, um instrumento que

pode ser utilizado e muito bem aproveitado dentro daquilo que a própria

secretaria propõe como proposta curricular. Se aproveita muita coisa.

Você aproveita a questão da imaginação, do criar situações novas, de se

ambientar em lugares diferentes, então, quanto mais informação pra

criança, mais conteúdo nessa área, a criança vai se envolver, vai ficar mais

significativo pra ela. E assim, o Drama é uma forma de tu tá conseguindo

colocar uma realidade diferente, uma situação diferente, que não do

cotidiano dela, que faz ela pensar, faz ela questionar e que faz ela também

achar uma solução praquilo. Isso é muito interessante pra criança.

Rosetenair – Possível sim. Eu acho que o que precisa é o professor aceitar

essa possibilidade. [...] Eu acredito que é um trabalho possível, é um

trabalho que dá condições pra alargar junto com outros professores, eu

acredito que mais pessoas deviam poder estar estudando isso né. Esse

grupo leva muita coisa para o outro, mas eu acho ainda que faltam muitos

‘outros’ saberem desse trabalho, dessa possibilidade de trabalho [...]. Tem

que estudar um pouco, tem que ter conhecimento, não é só querer fazer,

mas eu acho que tem que estudar, tem que perceber todo esse

conhecimento e ao mesmo tempo se abrir pras [sic.] possibilidades.

Zely – Na minha visão realmente é possível. Como eu fiquei com a faixa

etária de G3 e eles tinham de 02 anos e meio a 03 anos vi que realmente

é possível, não importa a idade. [...] O Drama traz uma diversidade de

possibilidades para trabalhar entre uma idade e outra. Acredito que é

possível, ele tem que ser mais aproveitado nas creches de Educação

Infantil.

90 Núcleos de Ação Pedagógica propostos pela Diretoria de Educação Infantil e apresentados no

primeiro capítulo.

275

5.5.1 Análise da questão 01

Foi unânime a resposta dos profissionais acerca da possibilidade

de trabalho com o Drama na Educação Infantil. Todos afirmaram

acreditar na proximidade desse encaminhamento metodológico com as

propostas pedagógicas relativas a esse segmento da educação. Alguns

pontos podem ser destacados de suas respostas:

A estrutura do Drama auxilia o professor a planejar

intencionalmente suas ações, gerando a necessidade de

compreender a atividade que irá propor dentro do processo em

desenvolvimento;

A proposta traz um diferencial para a Educação Infantil,

alargando as possibilidades de trabalho com a linguagem teatral

nesse segmento;

Por meio do processo consegue-se ampliar o repertório das

crianças, mediante o diálogo com diferentes áreas e

conhecimentos – interdisciplinaridade;

Proximidade com a proposta da Educação Infantil ao partir do

contexto dos participantes, ao fugir da fragmentação do saber, ao

dialogar com as especificidades de cada faixa etária, ao se

apropriar do faz de conta;

Ao trabalharem com o Drama os professores relatam a mudança

de olhar sobre os modos de experimentar o teatro com suas

crianças;

Apontam, novamente, a necessidade de que outros profissionais

tenham acesso a esse conhecimento e desenvolvam experiências

com o Drama;

A criança é colocada como sujeito ativo no processo;

A experiência dramática é construída coletivamente, por meio do

fazer;

Apontam o Drama como um encaminhamento que não trata de

uma experiência isolada, mas que se insere no cotidiano

pedagógico;

Indicam a necessidade de formação para que os conhecimentos

sobre possibilidades de trabalho com o teatro sejam renovados.

276

Pesquisador: Quais aspectos da linguagem teatral você percebe ter

trabalhado por meio do Drama?91

Danielle – Na verdade, dentro do que a gente tem como orientações da

Educação Infantil, a gente trabalhou praticamente tudo; a linguagem

corporal muito, na verdade a linguagem corporal foi a que mais chamou

a atenção, linguagem oral e escrita, momentos de musicalização,

expressão corporal, tudo a gente conseguiu contemplar dentro desse

processo.

Elizabete – Eu penso que essa coisa de representar, de trabalhar o corpo,

do sentir o outro, do perceber o movimento do outro, e isso tá no teatro.

[...] Se eu ver o Drama como teatro também, essa ligação que tem, os dois

tão muito juntos, mesmo que eu não tenha que tá num palco eu posso tá

lá dentro da minha sala e fazer dela um palco e fazer o processo de Drama,

e fazer o processo de sentir o outro, de perceber, isso foi muito trabalhado.

Franciele – Os movimentos corporais, transportar eles pra um outro

mundo, mudar a sala para um outro cenário, onde eles fazem parte

daquele momento todos juntos.

Leonara – O movimento, a percepção do outro, que você não caminha

sozinho, você precisa do outro, você tá sempre né... É um grupo que

precisa se ver, se enxergar, a descoberta, que a todo momento eu falei

disso, porque tu descobre, tu busca, tu pesquisa e o Drama ele te

possibilita isso, né.

Márcia – Nós, professores, enquanto personagens, a gente tá podendo ter

essa possibilidade de vivenciar diferentes personagens que a gente até faz

mas não tem essa noção de que tem relação com o teatro, e aí agora,

quando a gente usa o Drama e tem esse entendimento a gente consegue

fazer essa ponte dessas possibilidades, do que que o teatro traz.

Maria – Eu vejo que a questão da própria linguagem corporal né, que eu

vejo que a criança ela tem muito essa questão de dramatizar né, de

apresentar com o corpo. [...] Quando a gente dramatiza alguma coisa, a

gente tem a questão corporal que apresenta pra eles. Então quando eu vejo

que eles estão nos imitando eles transmitem isso através do corpo e

91 Devido a um descuido, essa questão não foi proposta a professora Ana Lúcia, e, portanto, não

houve resposta da referida professora a esta questão.

277

através da fala também né, porque eles tentam imitar aquilo que eles estão

ouvindo, vendo, então eu acho que está muito presente dentro da própria

expressão corporal deles né.

Maria Sônia – A percepção sonora, espacial, de organização dos

ambientes, muitas vezes eu convidava as crianças a organizar o espaço

para receber o Pássaro Azul. De ser plateia, eu acho que esse objetivo é

muito interessante, é muito importante também porque as crianças

precisam aprender, aprendem com o adulto a sentar e escutar o outro né,

a sentar e aplaudir né. A leitura da gestualidade, do corpo, enfim. Ficar

atento ao seu derredor. Eu acho que o teatro tem isso, assim, de trabalho

intenso que é muito importante.

Rafael – O principal, assim, é essa questão de dramatizar, sair do lugar

comum, sair da pessoa comum e aí se colocar em outro ambiente, se

colocar como outro elemento, outra pessoa, no caso a gente foi navegar

de barco, a gente colocou faixa na cabeça pra ser piratas. “_Então todos

agora vão ser piratas e a gente vai navegar nesse barco, todos de pirata”.

Naquele momento as crianças saíram da questão da criança e eu acredito

que a criança já tem muito isso da imaginação e se transportar pra outro

lugar ou ser outra pessoa. Isso é muito forte, a questão da dramatização.

Roseli – A questão do professor personagem que é um professor que

chega de uma forma diferente na sala de aula, que ele transforma uma

situação que cotidianamente é de uma forma mas que, naquele dia que ele

vem de personagem, é diferente [...]. A questão das crianças vivenciarem,

por exemplo, você trabalha uma situação, uma floresta, elas imaginarem

que estão na floresta, você vai contando uma história e eles vão sentindo

o perfume, eles sentem o ar, conforme você envolve as crianças na

situação, na história que você conta, elas podem ser também personagens.

[...] Você cria um ambiente diferente, foi utilizado por exemplo uma

fábrica, “_Mas como se chega nessa fábrica?”. [...] Tem uns que não

acreditam que ficam assim: “_ah vocês tão me enganando, não é assim”,

mas ele quer participar, ele quer estar junto, ele pergunta pro personagem,

mas ao mesmo tempo ele questiona: “_será mesmo?”, mas você oferece

a oportunidade. Isso é importante, a criança ter esse contato. Quando ele

for, por exemplo, assistir um espetáculo, ele já vai ver de outra forma,

diferente de uma criança que nunca viu, nunca vivenciou, nunca foi um

personagem.

278

Rosetenair – Eu penso assim ó, quando tu estas trabalhando com essa

linguagem eu penso que outras linguagens aparecem né, aparece a

linguagem musical, a corporal, a sonora, então eu vejo, com isso, uma

possibilidade de trabalho com as linguagens, não só com a linguagem

teatral. Eu acho que ela abre a possibilidade de outras áreas. [...] Quando

se fala em teatro se fala em arte, quando se fala em arte está se falando

em vários eixos [...]. É uma linguagem que te dá muitas possibilidades

com a expressão, com o corpo, com o movimento, com o som, então, eu

acredito muito nesse trabalho né. [...] Eu penso nessa linguagem cênica,

que eu acho que é um exercício né, de trabalhar com as crianças, pra elas

irem percebendo isso, pra elas irem percebendo esse lugar, percebendo

esse corpo, as possibilidades que tem esse corpo, as possibilidades de

trabalhar com o outro né, com as outras crianças, com o outro adulto, de

poder alterar esse espaço, de poder transformá-lo, de poder apresentar pra

outras crianças, assim, de um jeito muito tranquilo, sem aquela

preocupação que tem que fazer certo ou errado. [...] Que a criança possa

realmente se colocar, do jeito que ela sente, naquele espaço, das coisas

que ela vivencia, [...] que a criança possa recriar, brincar com aquilo,

porque a brincadeira traz muito a questão do faz de conta, daí sim, eu

penso que isso pode se transformar em experiência.

Zely – A criança fica mais segura, mais criativa, vivencia mais outras

coisas, a criança fica mais independente.

5.5.2 Análise da questão 02

O enfoque dado ao corpo, pelos professores, foi o que mais se

destacou nas respostas. A relação que o teatro estabelece com a questão

da expressividade corporal, da imitação, da comunicação por meio de

movimentos, de sons, parece ser percebida pelos profissionais como o

aspecto mais importante dos processos. Destaco alguns pontos de suas

respostas:

Ampliação da expressividade corporal da criança;

Uso da imitação como uma ação promotora da aprendizagem;

Incentivo às crianças para comunicarem o que pesam, sentem e

vivenciam;

279

Estabelecimento de relações interpessoais através do

desenvolvimento de um trabalho coletivo;

Drama como uma experimentação teatral em processo focalizado

na experiência de representar, de se colocar em uma outra

situação;

Criação de contextos ficcionais diversos a partir de estímulos

oferecidos ou dos desejos pessoais das crianças;

Exploração de materiais na criação dos contextos ficcionais, das

ambientações cênicas, de objetos para os papéis a serem

experimentados;

Trabalho com o conceito de personagem, seja pela observação

do professor no personagem, seja por meio da experimentação de

papéis;

Diálogo com outras linguagens artísticas (música, dança, artes

visuais);

Formação de público mediante as possibilidades de fruição

dentro do próprio processo;

Incentivo ao desenvolvimento da imaginação e da criatividade;

Apropriação, recriação e construção coletiva de histórias;

Discussão, a partir da experiência prática, dos conceitos de real e

ficcional;

Liberdade de expressão e criação dentro da proposta;

Desenvolvimento pessoal: segurança em falar diante dos colegas,

independência de criar, exploração e desenvolvimento da

expressividade corporal.

Julguei importante apresentar as percepções dos profissionais

que conduziram os processos de Drama, uma vez que, como enfatizado

ao longo do trabalho, este estudo se apoia no diálogo entre as áreas do

Teatro e da Pedagogia e o trabalho desses profissionais foi fundamental

para que eu conseguisse experimentar diferentes maneiras de propor a

linguagem teatral nessa etapa do ensino.

Por meio do Drama buscamos ampliar as possibilidades de

trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil, por acreditarmos

na necessidade de que as linguagens artísticas estejam presentes no cotidiano das crianças e sejam trabalhadas de forma fundamentada e em

acordo com as especificidades da infância. Desse contato inicial da

criança, dependerá, em grande medida, seu contato posterior com as

diferentes linguagens, seja como forma de expressão ou como

necessidade de fruição.

280

Ao observar as palavras de Vygotsky, percebemos:

[...] a necessidade de ampliar a experiência da

criança, caso se queira criar bases suficientemente

sólidas para a sua atividade de criação. Quanto

mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe

e assimilou [...] mais significativa e produtiva será

a atividade de sua imaginação. (VYGOTSKY,

2009, p. 23).

Ao trabalharmos a linguagem teatral na Educação Infantil,

portanto, estamos gerando novas experiências, possibilitando às crianças

ampliarem seu repertório de conhecimentos e, dessa forma, alimentando

os materiais subjetivos que ela poderá dispor quando realizar atividades

de criação e expressão. Defender o teatro como linguagem expressiva

necessária nessa etapa da Educação é colocá-lo como área de

conhecimento, como forma de expressão pessoal e social, como

manifestação cultural e não apenas como suporte para outras “disciplinas”

ou “adereço” em festas e mostras.

Vejo a necessidade de ampliação do espaço das linguagens

artísticas em todas as esferas da educação, para que, de fato, possamos

começar a empreender a construção de novas propostas para a educação

brasileira; propostas que dialoguem com os novos desafios que o contexto

sociocultural impõe.

Rego afirma que os postulados de Vygotsky apontam a

necessidade da criação de uma “outra escola”. Nas palavras da autora:

[...] uma escola em que as pessoas possam dialogar,

duvidar, discutir, questionar e compartilhar

saberes. Onde há espaço para transformações, para

as diferenças, para o erro, para as contradições,

para a colaboração mútua e para a criatividade.

Uma escola em que professores e alunos tenham

autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu

próprio processo de construção de conhecimentos

e ter acesso a novas informações. Uma escola em

que o conhecimento já sistematizado não é tratado

de forma dogmática e esvaziado de significado

(REGO, 2013, p. 118).

Penso que o Drama como fazer teatral e encaminhamento

metodológico para o ensino do teatro, propõe justamente que o espaço de

281

aprendizagem seja dotado de significado para os participantes, que o

processo de construção de saberes parta de seus interesses e dê voz à sua

expressão, que transforme a experiência dramática em um espaço de

respeito aos diversos pontos de vista e que o conhecimento artístico seja

construído de forma compartilhada. Inseri-lo na Educação Infantil,

portanto, é possibilitar esse conhecimento no início da formação do ser,

e, talvez, gerar uma necessidade de permanência do contato da criança

com a linguagem teatral ao longo de sua vida, tanto na escola quanto fora

dela. Esse é meu desejo como professor e artista.

282

283

6 ALGUMAS PALAVRAS

Iniciei este trabalho retratando o crescente número de estudos

voltados à criação de uma identidade para a Educação Infantil que a afaste

tanto do viés assistencialista, historicamente a ela atrelado, quanto da

fragmentação de conhecimentos, própria ao atual formato curricular do

Ensino Fundamental. Dentro desse quadro de novas buscas e perspectivas

para o trabalho pedagógico nessa etapa da Educação Básica, a presente

pesquisa tomou como problema discutir uma possibilidade metodológica

de iniciação à linguagem teatral com crianças entre 02 e 06 anos de idade.

Busquei desenvolver uma abordagem para o ensino do teatro que

estivesse fundamentada em atuais discussões da pedagogia teatral que

respeitasse tanto as especificidades desse segmento da educação quanto o

processo de desenvolvimento físico e psíquico que as crianças

apresentam.

Na teoria histórico-cultural, da qual me utilizei para refletir sobre

os aspectos próprios ao desenvolvimento da criança assim como para

problematizar as propostas pedagógicas e metodológicas utilizadas pela

Educação Infantil, o aprendizado é considerado um aspecto fundamental

para que as funções psicológicas superiores se desenvolvam e para que a

criança seja inserida nas práticas sociais e culturais de seu grupo. O

aprendizado, portanto, é o caminho para que novos conhecimentos sejam

construídos e o meio pelo qual o sujeito desenvolverá novas experiências.

No ensino da arte, os conhecimentos sobre diferentes

manifestações e linguagens artísticas para que sejam apropriados pela

criança dependem de parceiros mais experientes no assunto que

promovam o contato com esses conteúdos. No caso específico do

ambiente educacional, é necessário que os profissionais envolvidos no

processo de ensino/aprendizagem ofereçam à criança a possibilidade de

entrar em contato com tais conhecimentos e experimentá-los,

desenvolvendo, dessa forma, um aprendizado sobre a arte. Esse

aprendizado será mais eficaz se for coerente com o contexto social,

histórico, cultural, físico e psicológico no qual a criança se encontra.

Dentre as possibilidades metodológicas difundias no contexto

brasileiro do ensino do teatro, o Drama pareceu-me a abordagem que mais

se aproximava das especificidades pedagógicas da Educação Infantil e

dos processos de desenvolvimento que as crianças dessa etapa da

educação apresentam. Estudos anteriores, como os apresentados no

primeiro capítulo, que se debruçaram sobre o ensino do teatro para a

primeira infância, não apresentaram ou discutiram esse método como um

284

dispositivo pedagógico possível de ser trabalhado com as crianças desse

contexto. Havia, portanto, um objeto de estudo a ser explorado.

Como exposto ao longo deste trabalho, o Drama propõe a

experimentação de situações diversas a partir da exploração de um

determinado tema ou conteúdo advindo do contexto dos participantes, por

meio da instauração de um contexto ficcional. O grupo imerge no

processo ao invés de criar um produto artístico, experimentando

situações, desafios e papéis ficcionais, focando na utilização da

linguagem teatral como forma de comunicação e expressão.

A partir dessa perspectiva, defendi a apropriação do Drama como

uma forma possível de inserir a linguagem teatral na Educação Infantil,

sendo esse o ineditismo desta pesquisa, uma vez que esse método não fora

teorizado como proposta metodológica para essa etapa da Educação

Básica brasileira.

A realização dos experimentos práticos envolveu alguns

profissionais que trabalham diretamente com crianças entre 02 e 06 anos

estabelecendo uma relação de complementariedade e

interdisciplinaridade entre as áreas do Teatro e da Pedagogia, que,

acredito eu, necessitam dialogar para que o contato da criança com essa

linguagem artística seja prazeroso e cuidadosamente estruturado.

Buscamos ampliar a abrangência etária da proposta, por

compreender que em cada período de seu desenvolvimento a criança

responde de maneiras diferentes aos estímulos do meio, por este fato

trabalhamos com grupos etários diversos, 03 grupos com crianças de 02

a 03 anos, 03 entre 04 e 05 anos e outros 03 entre 05 e 06 anos. A partir

dessa distribuição foi possível investigar diferentes estratégias do Drama,

adaptando-as e revendo-as frente às limitações físicas e de maturação

psicológica apresentadas, naquele momento, por cada um dos grupos.

As descobertas feitas com a realização dos processos atestaram

o pressuposto apresentado como questão norteadora do trabalho. De fato,

o Drama mostrou-se como um dispositivo pedagógico que dialoga com

as especificidades indicadas pelas diretrizes pedagógicas voltadas à

Educação Infantil, sobretudo àquelas que se fundamentam na teoria

histórico-cultural de Vygotsky. O Drama oferece também ferramentas e

subsídios teóricos para que a linguagem teatral seja iniciada de forma

coerente com o desenvolvimento infantil.

Dentre as relações propostas entre Drama e Educação Infantil,

foram destacadas e comprovadas, por meio deste estudo:

O diálogo proposto com o contexto dos participantes,

apropriando-se de seus desejos, curiosidades, interesses,

285

atribuindo valor às suas manifestações, à cultura infantil,

ampliando seus horizontes e conhecimentos a partir do que lhes

era mais próximo, desafiante e instigador. Temas e assuntos do

seu cotidiano puderam ser abarcados pelos processos e tiveram

seus significados ampliados pelas experimentações dramáticas.

Nesse sentido, a iniciação à linguagem teatral não se mostrou

distante das possibilidades apresentadas pelos grupos, pelo

contrário, as limitações encontradas e os interesses manifestados

foram a base para estruturarmos propostas específicas de ação

com cada grupo de crianças.

O trabalho desenvolvido no formato de processo, construído de

forma coletiva, aberto às mudanças de rumo naturais de uma

prática de ensino/aprendizagem na qual os sujeitos são

considerados ativos na construção de seus saberes, como propõe

Vygotsky. As indicações e questionamentos das crianças

serviram como meio para a realimentação do processo e criação

de novas situações e desafios. Como o foco do Drama não é a

criação de um produto artístico, o professor tinha liberdade para

experimentar sem a projeção antecipada de um resultado

artístico.

A importância da mediação realizada pelos condutores dos

processos, que, em sua maioria, vivenciaram papéis e

personagens, na busca por uma construção mais orgânica da

experiência dramática. Ao desafiarem-se como artistas-

professores, apropriaram-se desse aspecto da linguagem teatral,

servindo de referência e suporte para que as crianças desejassem

também experimentar e viver diferentes papéis. A mediação do

professor se mostrou como o fator essencial para que a criança

ampliasse seu conhecimento sobre o teatro e desejasse

experimentar. Como o teatro encontra-se distante do cotidiano da

criança, a ação mediadora, realizada por um profissional

comprometido com a construção de uma experiência prazerosa e

instigante, mostrou-se como primordial no processo de iniciação

à linguagem teatral.

A interação proposta como base para a construção da experiência

coletiva e individual, seja entre as crianças ou dessas como seus

professores ou profissionais convidados. Na perspectiva de que

os conhecimentos são construídos mediante a parceria

estabelecida com os membros mais experientes do grupo social

e cultural, o Drama propicia que o fazer e o refletir sobre o teatro

286

se efetive não como “transmissão” de saberes, mas como

experiência construída de forma dialógica. Nesse diálogo,

criança e adulto aprendem, pois cada grupo com sua

especificidade, exige que o professor estruture procedimentos

para que a aprendizagem ocorra de forma contextualizada.

Privilegiar a experiência como forma de descobrir o mundo e de

ter acesso ao conhecimento, a partir da tentativa, do tateio, da

dúvida, do questionamento, do desafio, do medo, da imitação, da

expressão, da descoberta com seu corpo inteiro. Elementos da

linguagem teatral foram experimentados e, aos poucos, passaram

a compor o repertório das crianças. Retomando a ideia

vygotskiana de que a experiência é construída a partir do

“relação” estabelecida entre os sujeitos e desses com diferentes

estímulos do meio, buscamos incentivar as crianças a

experimentarem, a se engajarem na busca de respostas e a se

perceberem como construtoras do conhecimento teatral.

A interdisciplinaridade como busca por um conhecimento

global, que não apresente às crianças um saber fragmentado, mas

que se utilize das diversas áreas e linguagens para tornar a

aprendizagem integralizadora, lidando com os aspectos social,

cultural, afetivo, físico, sexual e linguístico da criança. Os

experimentos, como apresentado, conseguiriam promover

interlocuções com outras áreas e auxiliar o professor a pensar em

maneiras de trabalhar um determinado tema a partir de

contribuições diversas, procedimento esse indicado nas

propostas para a Educação Infantil – o trabalho a partir de

projetos.

Na busca por perceber e discutir a proximidade entre a proposta

metodológica do Drama e as indicações pedagógicas para a

Educação Infantil, constatamos a necessidade de que fossem

concebidas estratégias específicas para lidar com cada faixa

etária na instauração dos processos. Para essa investigação foram

encontradas referências na periodização do desenvolvimento

infantil apresentada por Vygotsky e seus colaboradores. Alguns

aspectos foram percebidos como fundamentais em cada faixa

etária:

Com crianças de 02 a 03 anos, que, segundo Vygotsky, tem como

atividade central a manipulação de objetos, optamos pelo uso de

diferentes materialidades com o intuito de ampliar a percepção

sensorial, gerando diferentes sensações, sentimentos e respostas.

287

O estímulo à imitação, ao uso do corpo e da voz como forma de

expressão, comunicação e desenvolvimento da linguagem

corporal e oral, mostrou-se como um aspecto central para

promover uma iniciação ao teatro com crianças dessa faixa

etária. O contato com diferentes personagens e papéis para

trabalhar uma iniciação a questão da fruição artística também foi

acentuada e mostrou-se profícua.

Com crianças de 04 a 05 anos, que encontram-se na fase da

experimentação de papéis, segundo a teoria histórico-cultural,

focalizamos no incentivo a vivência de seres ficcionais como

forma de estimulá-las à criação de diferentes situações fictícias.

A brincadeira de faz de conta ganhou novos contornos a partir da

oferta de diversas materialidades (objetos, figurinos, imagens,

músicas, maquiagens, contação de histórias, entre outras) e ao

explorar as criações realizadas pelas crianças, criações essas que

retornavam nos episódios seguintes. A corporeidade também foi

acentuada, mas como um meio para ampliar a percepção das

crianças acerca da diferenciação entre as esferas do real e do

ficcional utilizando-se, como estratégia, a construção corporal

dos seres ficcionais experimentados. Ao se colocarem em

personagens as crianças construíam a convenção de que, como

seres ficcionais, estariam agindo no espaço do faz de conta e que

esse fazer de conta orientado, era teatro.

Com as crianças entre 05 e 06 anos, para as quais a descoberta de

novos saberes, através do estudo, passa a organizar sua relação

com o mundo, foi possível ampliar sua experiência com a

linguagem teatral através vivência de papéis, da fruição de

diferentes personagens, da experimentação de situações

dramáticas, da resolução de mistérios e desafios e da

apropriação de diferentes áreas do conhecimento como forma

de ampliar o universo ficcional proposto e o conhecimento das

crianças. Como nessa faixa etária a compreensão da existência

do teatro está, em geral, construída, o trânsito entre uma atividade

e outra deu-se de forma mais facilitada.

Cabe ressaltar que em todas as faixas etárias houve propostas de compartilhamento da experiência dramática com outras crianças.

Atestamos, dessa forma, a possibilidade do Drama de gerar uma

apresentação para um outro grupo a partir do que foi vivenciado pelos

participantes de um processo, sem, entretanto, criar-se um produto

288

acabado e reproduzível. O compartilhamento com uma plateia ou vivência

dramática com plateia, como denominamos, pressupôs expressar para o

outro o que elas criaram de forma conjunta durante o processo.

Para a vivência dramática com plateia, o condutor propunha um

roteiro aberto, criado a partir da rememoração dos acontecimentos

ocorridos no processo e, diante de um outro grupo, conduzia as crianças

a experimentarem novamente algumas situações. Novas criações podiam

ocorrer durante o compartilhamento, porque, também nesses momentos,

propúnhamos que as crianças estivessem experimentando, libertando-as

da exigência de reproduzirem ações de forma mecanizada.

Esse fato pode ser observado nas palavras da professora Roseli

Freire, em entrevista concedida para a pesquisa:

Muitas vezes uma brincadeira vira uma

apresentação para as outras crianças, que não é uma

coisa assim de que tem que sentar e ensaiar, vira

uma brincadeira né [...]. A gente tinha uma música

que a gente trabalhava com eles na sala que

começamos estudando os indígenas né, do projeto

viajando pelo mundo, e aí tinha uma música que os

índios cantavam, daí a gente confeccionou as

roupas [...], quando a gente viu estavam todas as

crianças da creche cantando e tocando aquela

música. Mas foi uma coisa que as crianças

gostavam de apresentar, eles ficavam envolvidos

[...], mas foi porque foi uma brincadeira, porque foi

significativo pra eles. Eles entraram no

personagem, eles foram os índios, eles

confeccionaram o material, eles pintaram as

roupas, eles tiveram uma participação bem efetiva.

(FREIRE, 2013).

Ao investigar o Drama como dispositivo pedagógico para propor

o trabalho com o teatro nessa etapa da educação, constatei que os

educadores/condutores/mediadores, precisam estar atentos às

peculiaridades do desenvolvimento psíquico nas diferentes etapas

evolutivas da criança. Eles precisam perceber como elas respondem a

cada nova proposição, quais conhecimentos apresentam, como as crianças nutrem a experimentação dramática, para que, dessa forma, os

profissionais possam estabelecer diferentes estratégias que favoreçam a

apropriação da linguagem teatral.

289

Como discutido ao longo do trabalho, acredito que não cabe

apenas indicar o trabalho com “dramatização de histórias” ou “ampliação

do faz de conta infantil”, como ocorre em grande parte das diretrizes

pedagógicas voltadas à infância, para que esse profissional compreenda

os procedimentos e possibilidades de realizar uma ação educativa que

tenha o teatro como foco de aprendizagem e investigação. São necessárias

experiências nas quais o professor possa vivenciar o teatro e perceber a

diferença entre conceber uma iniciação à linguagem teatral focalizada

num processo de construção de saberes e propor uma prática de

construção de produtos artísticos. Penso que essa diferença necessita ser

compreendida pelos profissionais que desejam desenvolver um projeto

que envolva o teatro.

Na Educação Infantil inexiste, até o presente momento, um

profissional específico do teatro, seja para trabalhar diretamente com as

crianças, seja para subsidiar o trabalho realizado pelo Pedagogo. Como

pesquisador e professor da área, acredito que a presença de um

profissional específico seria o ideal e ampliaria as discussões e práticas

com o essa linguagem nessa etapa da educação.

Acredito que não caiba no espaço da Educação Infantil uma “aula

de teatro” como nos moldes tradicionais na qual, em geral, trabalha-se

com jogos de improvisação ou interpretação teatrais ou mesmo com a

montagem de espetáculos. Assim como penso não caber qualquer outra

“aula” que “encaixote” um conhecimento e o desvincule da prática, do

cotidiano, da brincadeira – essa colocada como eixo das atividades

pedagógicas nesse segmento de ensino.

O trabalho de iniciação à linguagem teatral se configura para

além da questão de “ensinar” ou “transmitir” um conteúdo ou ainda

“aplicar” um jogo ou exercício, como muitos professores

equivocadamente se referem às ações pedagógicas que realizam. O

caminho, ao meu ver, é experimentar o teatro de forma contextualizada,

dentro de um planejamento estruturado em diálogo com o contexto dos

participantes, tornando o ensino do teatro uma atividade

pedagogicamente qualificada, desvinculada do pensamento de que

trabalhar com arte orienta-se a partir de propostas de “livre expressão”

sem um objetivo claro e definido pelo professor.

O trabalho de iniciação ao teatro apresentado neste trabalho

pautou-se na ampliação das experiências das crianças com essa

linguagem. Ressaltando aspectos como: a relação entre espaço real e

ficcional, a experimentação lúdica coletiva, a fruição artística, a criação e

improvisação de propostas que permitissem às crianças vivenciarem

outros tempos, espaços, papéis, ampliando seu conhecimentos sobre o

290

teatro, além de outros aspectos como a expressividade, subjetividade,

sensorialidade, coletividade, ludicidade, entre outros.

Cabe ressaltar que os experimentos aqui apresentados foram

possíveis devido ao comprometimento dos membros da Trupe da Alegria

que desenvolveram um trabalho além do comumente esperado no seu

planejamento, desafiando-se a experimentar, a errar, a buscar novas

perspectivas para o ensino do teatro. Esse grupo representa uma demanda

por experiências que possam ampliar o repertório dos profissionais da

Educação Infantil em relação ao trabalho com as linguagens artísticas,

assim como gerar novas abordagens metodológicas que contribuam com

suas práticas pedagógicas e de outros profissionais.

Penso ter construído com a Trupe da Alegria meios pelos quais

eles, e outros profissionais interessados, possam propor às crianças

oportunidades interessantes, desafiantes e enriquecedoras de

desenvolverem aprendizagens sobre elas mesmas, sobre o mundo e sobre

a arte teatral.

Reafirmo meu pensamento de que formações isoladas, realizadas

com um pequeno número de profissionais, não possibilitam ampliar a

discussão sobre a necessidade de se explorar as linguagens artísticas nessa

etapa da educação. Acredito que são necessárias formações in loco,

realizadas nas unidades educativas, onde as “maneiras de fazer”

encontram-se enraizadas, para que, de fato, possamos vislumbrar

mudanças no que diz respeito à apropriação da arte.

Defendo que a formação atue com todos os profissionais,

auxiliando-os na elaboração de propostas, ajudando-os a pensar caminhos

e metodologias, acompanhando suas práticas para que, desse modo, a

formação tenha ressonância na realidade e a prática seja desenvolvida a

partir de um constante diálogo com a teoria, num processo de

retroalimentação. Para que propostas como essa se efetivem, é necessário,

entretanto, um investimento em formação continuada assim como uma

mudança de percepção dos gestores acerca da importância das linguagens

artísticas como saberes indispensáveis à formação da criança.

Penso que a Universidade como um todo deva estar aberta ao

diálogo com os profissionais da Educação Básica e preocupada com sua

parcela de contribuição para com a sociedade, parcela essa que não se

restringe à formação acadêmica, sobretudo nos cursos de licenciatura,

mas ao estabelecimento de parcerias que contribuam com as mudanças

tão necessárias ao atual sistema educacional brasileiro.

A construção da experiência dos professores com a arte, portanto,

é necessária para que o olhar sobre as práticas artísticas com crianças seja

alterado, para que esse profissional possa sentir o que a arte lhe causa,

291

seja como espectador, seja como “experimentador” dela. Acredito que,

dessa maneira, ele poderá conduzir suas crianças a se expressaram através

de outras linguagens e, dessa forma, descobrir novos procedimentos para

trabalhar o teatro, a dança, a música, as artes visuais.

Desejo que material levantado nesta pesquisa possa servir de

inspiração para outros profissionais que quiserem iniciar suas crianças

num processo de assimilação e aprendizagem da linguagem teatral.

Constatei que o trabalho com o Drama é possível na Educação Infantil,

que pode ser apropriado, ampliado e transformado em proposta para esse

segmento, a partir da formação de outros profissionais. Acentuo a

necessidade de que os professores tenham a oportunidade de vivenciar a

linguagem teatral e criar em si uma memória viva da experiência

dramática, para que compreendam a proposta do Drama e para que as

práticas apresentadas neste trabalho não sejam tomadas como um modelo

e tratadas de forma descontextualizada.

Por ser uma referência metodológica que parte do contexto dos

participantes, o Drama se apresenta como uma possibilidade de trabalho

que estabelece um diálogo constante com a realidade e, nesse sentido,

com o contexto artístico e educacional contemporâneo não isolando a arte

produzida fora dos muros da escola, podendo dialogar com as

transformações artísticas, políticas, sociais, culturais e histórias. Por se

apropriar das falas, desejos e curiosidades dos sujeitos ele se coloca como

uma referência atual e em constante renovação que consegue se utilizar

das brincadeiras de faz de conta infantis transpondo-as a um fazer teatral

paulatinamente tornado consciente pela criança.

Ainda que a atual LDB regulamente a oferta da disciplina Artes

em todas as esferas da Educação Básica e que saibamos que essa não é a

realidade de grande parte das unidades de Educação Infantil, que, assim

como muitas escolas de Ensino Fundamental e Médio, não possuem um

profissional específico para o ensino das linguagens artísticas, espero que,

um dia, todas as crianças tenham a possibilidade de experimentar a arte

em todas as suas possibilidades. Na atual conjuntura política do nosso

país, na qual, supostamente, a Educação é a prioridade, possamos

vislumbrar mudanças significativas nas estruturas humana, física,

curricular, ofertando um ensino contextualizado, com professores

capacitados e valorizados, que se preocupem com a formação integral dos

futuros sujeitos que darão continuidade a esse país. Que as linguagens

artísticas e, sobretudo o teatro, possam ocupar o lugar que lhes cabe para

a formação de pessoas sensíveis, críticas, conhecedoras e apreciadoras de

arte. Insisto em acreditar que novos caminhos são possíveis.

292

293

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