Diego Matos Tese
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Universidade de So Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
So Paulo
2014
Diego Moreira Matos
CILDO MEIRELES ESPAO, MODOS DE USAR
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So Paulo
2014
Diego Moreira Matos
CILDO MEIRELES ESPAO, MODOS DE USAR
Tese apresentada Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de Doutor em arquitetura eurbanismo
rea de Concentrao: Projeto,Espao e Cultura
Orientador: Prof. Dr. AgnaldoAric Caldas Farias
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Um homem solitrio no pode construir
mquinas nem xar vises, salvo na formatruncada de escrev-las ou desenh-las paraoutros, mais afortunados.
Adolfo Bioy Casares
CASARES, Adolfo Bioy. A Inveno de Morel. So Paulo: Cosac & Naify, 2006. p. 96.
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Agradecimentos
Primeiramente, gostaria de agradecer FAU USP por acolher uma pesquisa de tal natureza. Nessemesmo mbito, agradeo CAPES por ter viabilizado um apoio nanceiro pesquisa de doutorado.
Ao professor Agnaldo Farias, meu orientador tanto no mestrado como no doutorado, pela acolhidae amizade. Nesse sentido, por ter sido tambm um apoio em minha vida prossional.
s professoras Ana Maria Tavares e Fernanda Fernandes por suas valiosas contribuies no pro-cesso de qualicao. Fica tambm o meu reconhecimento aos professores que direta ou indireta-mente permearam minha formao acadmica que aqui em So Paulo perfazem 8 anos.
Nessa trajetria de 4 anos de pesquisa gostaria de agradecer tambm s instituies e seus fun -cionrios que me acolheram em minhas vrias idas e vindas nos seus acervos. So elas: as bibliote-cas da FAU USP cidade universitria e Maranho, ECA USP, Lourival Gomes Machado (MACUSP), Florestan Fernandes (FFLCH) e PUC RIO (como tambm do acervo da ps-graduao emhistria da arte); a Fundao Bienal de So Paulo, o Museu de Arte Moderna de So Paulo, o Museude Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Museu Nacional de Belas Artes, o Centro de Documentaoda FUNARTE e o The Museum of Modern Art (NY).
Gostaria tambm de agradecer ao crtico Frederico Morais por ter me recebido e dado seu valioso
depoimento. Agradeo tambm aos demais prossionais da rea que eventualmente tenham con-tribudo para a pesquisa.
Fao um agradecimento especial aos meus amigos queridos que diretamente me ajudaram nessaempreitada nal, dando o suporte necessrio para que a tese se materializasse. So eles: AlbertoLins, Ana Maria Maia, Joo Sodr e Sabrina Fontenele.
Ao longo desse percurso tortuoso de trabalho, de crenas e descrenas, caminhos e descaminhosafetivos e prossionais, quero agradecer s pessoas que direta ou indiretamente estiveram nessemeu universo e que tornam a vida paulistana menos spera e mais acolhedora. Alm dos citados an-teriormente, so eles: Alessandra Parente, Bruno Sidrim, Bia Runo, Chico Mattoso, Clarice Lima,
Clvio Rabelo, Cristina Fino, Daniel Costa, Daniela Arrais, Flvia Marreiro, Ga Manzi, IsabelleMoreira Lima, Juliana Braga, Lvia Perozim, Marcelo Quinder, Mariana Guardani, Natlia Teixei-ra, Nelson Parente, Paula Signorelli, Rafael Urano, Renan Costa Lima, Tiago Guimares, ThomazResende, Yana Parente, Vitor Cesar, entre tantos outros queridos. Preciso agradecer ao Moacir do
Anjos por ter me apresentado ao Cildo Meireles e por ser uma voz critica e lcida na leitura douniverso desse artista.
Quero agradecer sinceramente aos artistas, especialmente aos meus amigos artistas, por tornaremo horizonte da vida menos raso e medocre.
Com todo meu apreo e admirao, agradeo ao Cildo por sua sempre gentil acolhida e, mais ainda,por deixar um legado precioso nossa histria intelectual e cultural.
Queria, por m, agradecer minha famlia, em especial minha querida e nica irm Laura Matos.
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Aqui tambm merece uma ateno mais do que especial o apoio familiar e acadmico de IdilvaGermano, me da minha irm.
Por m, e com minha eterna gratido, agradeo aos meus queridos pais, Maria Odete Moreira e
Mauricio Matos, para os quais dedico com amor essa tese. Sem eles, nada disso seria enm possvel.Espero um dia saber ser pais como eles.
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Resumo
O problema do espao, tanto em termos da experincia como no campo da produo de conheci -mento, tem sido um dos pontos cruciais da prtica contempornea em artes visuais. Deixando-seafetar pela esfera da vida e pelas vrias disciplinas que direta ou indiretamente lidam com a espa-cialidade s quais podemos citar a losoa, a fsica, a arquitetura, a geograa, dentre outras -,os artistas desenvolvem pesquisas direcionadas a essa questo; obviamente sem nunca esquecera coordenada do tempo. No contexto brasileiro, o trabalho de Cildo Meireles um artista de
grande importncia com uma relevante contribuio no cenrio intelectual no pas a investigaodesse problema particularmente reveladora. Ele um dos artistas que melhor possibilitam umaobservncia da natureza do espao, seja por meio de sua subverso, de sua percepo ou mesmode sua proposio. Inaugurada na segunda metade da dcada de 1960, a sua trajetria artsticacontribuiu para o tensionamento das fronteiras da arte pelo seu vis conceitual e experimental. Aomesmo tempo que o artista se encontra profundamente consciente de sua situao contextual decarter biogrco, histrico, ambiental e poltico, sua prtica esteve sempre em sintonia com aspaulatinas transformaes vivenciadas pela arte, o que revelado na prpria histria ocial da artecontempornea recente. Tendo como referente o conjunto da obra do artista, parte-se da hiptesede que por meio de uma trama narrativa bifurcada (trama essa que pode ser espelhada em seu dis-curso), Cildo Meireles opera uma investigao aguda sobre as razes do espao com claras impli-caes polticas. Portanto, procura-se traar, num jogo de idas e voltas, uma perspectiva sobre sua
trajetria, tendo em vista seus trabalhos de meados dos anos 1970 que representam o ponto nodaldessa trama. das incertezas espaciais de trabalhos como Eureka/ Blindhotlande Malhas da Liber-dadeque se consegue denir uma prtica de deagrao espacial, o que se revelar extremamentesedutora. Dividida em duas partes principais, a tese prope em seu primeiro momento ofereceruma estrutura conceitual que dene a percepo geral de uma situao espacial, onde o trabalhode arte deve operar ou ser ele mesmo aquela situao. Na busca incessante de desarmar o real e oconsenso em obras que subvertem as expectativas comuns em relao ao espao, o artista permitedesestabilizar algumas tradies culturais e ideologias modernas. E para novas formas de com-preenso do espao ou mesmo na proposio de espaos que o artista apontar seu olhar. sobreesses desdobramentos em sua produo que a segunda parte da tese ir focar, apresentando algunsconjuntos instalativos em que a seduo pela arte se faz valer e que levam o individuo a uma imerso
espao temporal e a questionar as certezas do espao.
Palavras chave
Cildo Meireles. Espao. Arte Contempornea. Critica de Arte.
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Abstract
The problem of space both as experience and in the eld of knowledge production has been one ofthe crucial matters of contemporary visual arts. Allowing themselves to be aected by the sphere oflife and therefore by several disciplines that directly or indirectly deal with spatiality - such as Phi-losophy, Physics, Architecture, Geography among other artists develop their researches aimingat this question, obviously never forgetting the time co-ordinate. In Brazilian context the work ofCildo Meireles - an artist of great importance due to his relevant contribution to national intellec-tual scene - the investigation of this problem is particularly revealing. He is one of the artists whose
work best enables the observation of the nature of space either by its subversion, or his critical per-
ception, or even its proposition. Starting in the second half of the sixties, Cildo Meireles artistictrajectory helped questioning the frontiers of art both in conceptual and experimental ways. Whilethe artist is deeply conscious of his situation (featuring biographical, historical, environmental andpolitical aspects, his practice has always been in the line with the gradual changes of art, fact thatis revealed in the ocial history of recent art. Taking his lifes work as a reference, our hypothesisis that Cildo Meireles operates an acute investigation about the reasons of space by means of abifurcated narrative plot (a plot that can be mirrored in his discourse). With obvious political im-plications, we outline a perspective about his trajectory as in a game of moving back and forth. Thecentral point of his trajectory occurs in the middle seventies. It is from the spatial uncertainties of
works such asEureka/ BlindhotlandandMalhas da Liberdadethat we dene a practice of spatial out-
burst, later anchored on its chiey seductive nature. Divided in two main parts, this thesis rstlyoers a conceptual frame to dene a general perception of a spatial situation where the work of artmust operate or be itself that situation. In an endless search for disarming reality and consensus in
works that subvert ordinary expectations in relation to space, the artist helps destabilizing somecultural traditions and modern ideologies. It is towards new forms of comprehending space or evenproposing it that the artist directs his gaze. Its about these developments in his art productionthat the second part of the thesis will focus on, presenting some installations where the seductionthrough art asserts itself and takes the individual to a spacetime immersion, questioning the cer-tainties of space.
Key WordsCildo Meireles. Space. Contemporary Art. Art Criticism.
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Lista de Ilustraes
INTRODUO
Il. 01. Mesa de trabalho do artista, Ateli de Cildo Meireles.| p. 39
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CAPTULO 01
Il. 02a. Fio !1990/ 1995", Cildo Meireles. | p. 83
Il. 02b.Fio !1990/ 1995", Cildo Meireles. | p. 83
Il. 03. Secant !1977", Carl Andre. | p. 84
Il. 04. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", N04, Cildo Meireles. | p. 85
Il. 05. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 86
Il. 06. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 86
Il. 07a.Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 87
Il. 07b. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 87Il. 08. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 88
Il. 09. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 88
Il. 10. Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles. | p. 88
Il. 11.Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles. | p. 89
Il. 12.Espaos Virtuais: Cantos !1967#1968", Cildo Meireles.| p. 89
Il. 13.Estudo para Espao !1969", Cildo Meireles.| p. 90
Il. 14.Estudo para Tempo !1969", Cildo Meireles.| p. 91
Il. 15. Estudo para Espao/Tempo !1969", Cildo Meireles.| p. 92
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CAPTULO 02
Il. 16. Espelho Cego !1970", Cildo Meireles.| p. 141
Il. 17. Arte Fsica: Caixas de Braslia/ Clareira !1969", Cildo Meireles.| p. 142
Il. 18. A Line Made by Walking !1967", Richard Long. | p. 143
Il. 19.Mile Long Drawing !1968", Walter de Maria.| p. 144
Il. 20a. Ficha de Inscrio !Frente"no Salo da Bssola para o trabalho Arte Fsica: Caixas de Braslia/
Clareira. | p. 145
Il. 20b. Ficha de Inscrio !Verso"no Salo da Bssola para o trabalho Arte Fsica: Caixas de Braslia/
Clareira.| p. 145Il. 21. Cruzeiro do Sul !1969#70", Cildo Meireles. | p. 146
Il. 22. Cruzeiro do Sul !1969#70", Cildo Meireles. | p. 146
Il. 23. Cruzeiro do Sul !1969#70", Cildo Meireles. | p. 147
Il. 24. Socle Du Monde!1961", Piero Manzoni. | p. 148
Il. 25.Desert Cross !1969", Walter de Maria.| p. 148
Il. 26. Oriente/ Ocidente !1972", Antnio Dias. Coleo do artista. | p. 149
Il. 27. Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Coca $Cola !1970", Cildo Meireles.| p. 150
Il. 28. Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Coca $Cola !1970", Cildo Meireles.| p. 150
Il. 29. Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Cdula !1970 #", Cildo Meireles.| p. 151
Il. 30. Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Cdula !1970 #", Cildo Meireles. | p. 151
Il. 31. Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Cdula !1975", Cildo Meireles.| p. 152
Il 32.Inseres em Jornais: Classificados !1970", Cildo Meireles.| p. 153
Il. 33. Vista da exposio Agnus Dei !1970", tendo como cenrio a ao de Frederico Morais ao se
apropriar do trabalho Inseres em Circuitos Ideolgicos: Projeto Coca $Cola !1970".| p. 154
Il. 34.Inseres em Circuitos Antropolgicos: Token !1971", Cildo Meireles. | p. 155
Il. 35a.Inseres em Circuitos Antropolgicos: Token !1971", Cildo Meireles. | p. 156
Il. 35b.Inseres em Circuitos Antropolgicos: Token !1971", Cildo Meireles. | p. 156
Il. 35c.Inseres em Circuitos Antropolgicos: Token !1971", Cildo Meireles.| p. 156
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CAPTULO 03
Il. 36a.Mebs/ Caraxia !1970 #71", Cildo Meireles.| p. 196
Il. 36b. Mebs/ Caraxia !1970 #71", Cildo Meireles.| p. 196
Il. 37. Record: The Space Between !1971", Antonio Dias.| p. 197
Il. 38. Folder de exposio !Capa e verso", projeto rea Experimental !MAM RJ" #
Eureka/Blindhotland !1970 #1975". | p. 198
Il. 38a. Folder de exposio !pginas internas, Inseres", projeto rea Experimental !MAM RJ"#
Eureka/Blindhotland !1970 #75". | p. 199
Il. 38b. Folder de exposio !pginas internas, Blindhotland", projeto rea Experimental !MAM RJ"#Eureka/Blindhotland !1970 #75". | p. 199
Il. 38c. Folder de exposio !pginas internas, Blindhotland", projeto rea Experimental !MAM RJ"#
Eureka/Blindhotland !1970 #75". | p. 200
Il. 38d. Folder de exposio !pginas internas, Eureka e Expeso", projeto rea Experimental !MAM RJ"
#Eureka/Blindhotland !1970 #75". | p. 200
Il. 39.Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles. | p. 201
Il. 40. Eureka/Blindhotland $Inseres !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 202
Il. 41.Eureka/Blindhotland $Eureka !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 202
Il. 42a. Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 203
Il. 42b.Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 203
Il. 43.Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 204
Il. 44. Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 204
Il. 45. Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 205
Il. 46.Eureka/Blindhotland !1970 #75", Cildo Meireles.| p. 205
Il. 47.Blindhotland/ Gueto !1975", Cildo Meireles.| p. 206
Il. 48a. Sal sem Carne !1975", Cildo Meireles. | p. 207
Il. 48b. Sal sem Carne !1975", Cildo Meireles. | p. 207
Il. 49a. Casos de Sacos !1976", Cildo Meireles. | p. 208
Il. 49b. Casos de Sacos !1976", Cildo Meireles. | p. 208
Il. 50. Casos de Sacos !1976"e Malhas da Liberdade, III !1977", Cildo Meireles.| p. 208
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Il. 51.Malhas da Liberdade !1976 #77", Cildo Meireles.| p. 209
Il. 52.Malhas da Liberdade !1976 #77", Cildo Meireles.| p. 209
Il. 53.Malhas da Liberdade, I !1976", Cildo Meireles.| p. 210
Il. 54a. Malhas da Liberdade !1976 #77", Cildo Meireles.| p. 211
Il. 54b.Malhas da Liberdade, III !1977", Cildo Meireles.| p. 211
Il. 55. Ilustrao do conjunto de Cantor. | p. 212
Il. 56. Ilustrao do tringulo de Sierpinski.| p. 213
Il. 57. Ilustrao grfica do comportamento nas bifurcaes em que a constante de Feigenbaum
comparece.| p. 214
Il. 58.Drawing Series 1968 !Fours", Sol LeWitt. | p. 215
Il. 59.Faa Voc Mesmo: Territrio Liberdade !1968", Antonio Dias.| p. 216
Il. 60. Malhas da Liberdade !1976 #77", Cildo Meireles.| p. 216
Il. 61. Malhas da Liberdade !1977", Cildo Meireles. Ilustrao da lei de formao das Malhas da Liberdade
em exposio realizada no MAM RJ. | p. 217
Il. 62. Malhas da Liberdade III !1977", Cildo Meireles. Trabalho montado em exposio realizada no
MAM RJ. | p. 217_
CAPTULO 04
Il. 63.Documento com a descrio do projeto !1980"deLa Bruja !1979 $81". | p. 234
Il. 64a. Desenho ilustrativo do trabalhoLa Bruja !1979 $81", feito pelo artista. | p. 235
Il. 64b. Desenho ilustrativo do trabalhoLa Bruja !1979 $81", feito pelo artista. | p. 235
Il. 65. La Bruja !1979 $ 81", Cildo Meireles. Composta por uma base de vassoura de madeira e
aproximadamente 2.000 km de fios de algodo. | p. 236Il. 66. La Bruja !1979 $ 81", Cildo Meireles. Composta por uma base de vassoura de madeira e
aproximadamente 2.000 km de fios de algodo. | p. 237
Il. 67. La Bruja !1979 $ 81", Cildo Meireles. Composta por uma base de vassoura de madeira e
aproximadamente 2.000 km de fios de algodo. | p. 237
Il. 68. La Bruja !1979 $ 81", Cildo Meireles. Composta por uma base de vassoura de madeira e
aproximadamente 2.000 km de fios de algodo. | p. 238
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Il. 69. Projeto detalhado do trabalho Atravs !1983 $1989".| p. 239
Il. 70. Atravs !1983 $1989", Cildo Meireles.Instalao com rea aproximada de 225 m2. | p. 240
Il. 71. Atravs !1983 $1989", Cildo Meireles. | p. 241
Il. 72. Convite para a exposio Through !1989", realizada em Kortrijk, Blgica. | p. 242
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Sumrio
CILDO MEIRELES !ESPAO, MODOS DE USAR
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Nota editorial | p. 16
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INTRODUO | p. 17
Sobre o espao, o artista e sua obra na construo de um percurso aberto | p. 18
Sobre a construo de uma malha | p. 23
Sobre o conceito de espao: um prembulo por reas do conhecimento | p. 26
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MDULO 01 | CONCEITO E AMBIENTE | p. 40
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CAPTULO 01 |
DO CONCEITO SITUAO ESPACIAL | p. 41
1.1. Uma trilha bifurcada pelo inesgotvel problema do espao na arte contempornea |p. 42
1.2. Sobre as situaes espaciais de Cildo Meireles | p. 58
1.2.1. Uma primeira abordagem "Espaos Virtuais: Cantos !1967"1968#| p. 67
1.3. Da representao proposio de uma situao real !
Estudo para Espao !1969#; Estudo para Tempo !1969#; Estudo para Espao/Tempo !1969#| p. 76
Caderno de imagens 01 | p. 83
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CAPTULO 02 |
POR UMA CONSCINCIA CONTEXTUAL | p. 93
2.1. O Brasil em contexto: o espao por contingncia poltica atravs da arte | p. 94
2.1.1.Arte Fsica: Caixas de Braslia/ Clareira !1969#| p. 107
2.1.2.Cruzeiro do Sul !1969"7#| p. 119
2.2. A idia enquanto arte e a desconstruo do modo e do meio | p. 126
2.2.1. Inseres em Circuitos Ideolgicos !1970 "#| p. 1302.2.2. Da conscincia contextual ao posicionamento critico!espacial diante do sistema das artes "
A exposio Agnus Dei !1970#e as Inseres em Circuitos Antropolgicos !1971 "#| p. 134
Caderno de imagens 02 | p. 141
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MDULO 02 | MODOS DE USAR | p. 157
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CAPTULO 03 |
ENTRE A RAZO E O CAOS, AS SUTILEZAS DA DEFLAGRAO | p. 158
3.1. Sobre as incertezas do espao | p. 159
3.1.1. O conjuntoEureka/ Blindhotland !1970"1975#| p. 166
3.1.2. A constituio do espao cego e a noo de gueto | p. 175
3.2. Momento de inflexo: sntese, processo e abertura | p. 180
3.2.1.Malhas da liberdade !1976 $1977#| p. 183
3.2.2. Sobre uma herana construtiva e a potica do limite | p. 192
Caderno de imagens 03 | p. 196
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CAPTULO 04 |
POR UM FIM EM ABERTO | p. 218
4.1. Deflagrao, contaminao e ocupao"La Bruja !1979"1981#| p. 219
4.2. Conteno, limites e sentidos "Atravs !1983"1989/ 2007#| p. 226
4.3 Cildo em revista e as contingncias pela seduo | p. 231
Caderno de imagens 04 | p. 234
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BIBLIOGRAFIAS | p. 243
Referncias Bibliogrficas | p. 244
Bibliografia Complementar | p. 253
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Nota Editorial
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A tese que aqui se apresenta contm 2 mdulos principais: mdulo 01 !CONCEITO E AMBIENTE"
e mdulo 02 !MODOS DE USAR". Por sua vez, cada um deles se bifurca em 2 captulos. A ciso
entre os dois mdulos uma apreenso didtica das questes levantadas a seguir. Por uma tomada de
partido projetual em que o legado artstico de Cildo Meireles o objeto central, independente da
hierarquia modular, cada captulo oferece uma fluidez padro de informao, ancorada na partida
pela Introduo e finalizado pela perspectiva aberta das consideraes finais. Sendo assim, cada um
deles possui um ncleo seqencial formado por uma epgrafe, o corpo de texto com todos os seus itens e, por
fim, um caderno de imagens.Sempre nessa ordem, tal caderno ilustrativo respeita a narrativa textual e
estabelece uma leitura visual das disposies tericas e crticas argumentadas em cada captulo. O
caminho inverso poder ser um exerccio proveitoso na compreenso desses 4 blocos. Por fim, aps
esses quatro conjuntos de informao so formalizadas as referncias bibliogrficas gerais, atendendo ao
corpo da tese inteira. Trata#se de escolhas editoriais que tentam estabelecer conexes fiis as idias
primeiras dessa pesquisa acadmica de doutorado.
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INTRODUO
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Sobre o espao, o artista e sua obra na construo de um percurso aberto
Ao se falar no termo espao talvez a primeira acepo que vem mente seu entendimento dentro
da arquitetura, ou seja, sua constituio enquanto espao construdo, lugar de uso e vivncia.
Poderamos ir um pouco mais longe ao pensarmos nele como matriz fundante das cidades, emconstante processo de transformao, e suas determinaes fsicas, limites e ambincias edificadas,
por sua vez, definidas atravs de uma linguagem prpria. De antemo, sabemos que tal abordagem
nos levaria a um caminho mais restrito, eliminando#se inclusive outras possveis tematizaes do
mesmo que a arte contempornea, objeto aqui investigado, procura explorar dissociando#se das
noes de uma disciplina. At porque o trabalho de arte ou mesmo o gesto ou a inteno artstica
nem sempre conjugaria o verbo espacializar. As artes plsticas, como outros campos, a exemplo da
literatura, pode no mais das vezes especular acerca do espao ou convocar aqueles que o apreciam a
experienciar o que ali possa ter sido sugerido.
A ideia de espao perpassa tambm outras lembranas que nos so imediatas. Muitas vezes o temoscomo algo extensvel, ilimitado e associado ao campo mais longnquo que nossos olhos possam
alcanar. Eventualmente ele particulariza#se, na medida em que a paisagem tende a mudar. E nesse
deslocamento, o seu par imediato, o tempo passa a atuar adicionando uma segunda camada
interpretativa. Desse modo a idia de movimento imprescindvel para que o espao possa ser
compreendido de forma perceptiva. A noo de espao, portanto, percorre dois campos de
interpretao que correm em paralelo e tendem em dado momento a bifurcarem#se e eventualmente
aproximarem#se. Trata#se do espao como experincia ou o espao concreto da experincia e aquele
definido abstratamente pela cincia, numa leitura interpretativa da matemtica e da fsica; o que se conhece
como absoluto.E, em termos de conhecimento, a filosofianos deu ao longo dos sculos um substratoterico que advm da capacidade humana de reflexo. Obviamente que anlise do problema espacial
foi sempre cercada pelo condicionamento histrico que naquele momento se oferecia.
Se aparentemente esses dois campos interpretativos parecem no combinar, acredita#se que
justamente na condio inventiva da arte, no caso do contexto contemporneo, o artifcio
deflagrador de tal cruzamento. Formulada essa hiptese primeira, desbrava#se tal investida na
observao e percepo crtica da trajetria artstica e produtiva de um artista brasileiro que vem por
mais de quarenta e cinco anos preocupando#se em investigar o problema de forma aguda e sensvel.
Trata#se de Cildo Meireles !1948". O fenmeno do espao comparece de forma bifurcada e em rede,
num palmpsesto em que o discurso do artista, sua experincia emprica, o conjunto de sua obra, afortuna crtica motivada pelos seus trabalhos, a sua insero na histria da arte brasileira, a
aproximao com a cincia, a sua histria de vida pessoal e uma longa e processual investigao
externa de sua trajetria e obra fazem aflorar. imprescindvel ter a conscincia de que ao longo do
texto a trajetria e carreira do artista, o personagem protagonista e a sua produo so, digamos
assim, razes distintas e no devem ser desvirtuadas. No que a teia de relaes no seja algo
importante e que reflete diretamente o modo de pensar e operar de Cildo Meireles, mas que ela em si
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permita estabelecer uma leitura qual se pode chamar de racionalidade desconstruda, termo do
prprio artista.
Esse amlgama de incertezas, imprecises, repertrios e disciplinas nos desafia a construir um
malevel fio condutor representado pela tese. Aos modos de um fractal, relativas constncias e
algumas alternncias nos permitem tecer a narrativa aqui proposta. De imediato, a refernciaprimeira que se impe de forma contumaz a prpria produo artstica de Cildo Meireles. O
encadeamento contnuo de seus trabalhos concebe uma rede em que ordem e desordem estabelecem
um campo de fora, um plo de repulsa e atrao. Como faremos aluso freqente fsica, enquanto
medida potica da vida assim como a arte, nos faz lembrar aqui dos estranhos atratores de Douglas
Hofstader !1987" que pem ordem e desordem na matria e geram uma multiplicidade. Nesse
sentido, convergem para formao de um espao entre ou intervalar, lugar onde a experincia do
espao se materializa de forma abstrata e pode ser rebatido para o campo ou situao da experincia
de vida.
Essa operao percebida pela experincia cientfica nos coloca analogamente em referncia aosprocessos construtivos da arte e aos elementos fundadores de um exerccio formal de expanso em
que ironicamente a lei de formao oferece em sua aplicabilidade um paradoxo $ o de sua prpria
desconstruo. O jogo da linguagem e o exerccio emprico e instrutivo de composio so
componentes definidores da obra do artista, o que talvez lhe atribua uma condio sinttica e
catalisadora. Tendo em perspectiva uma trajetria que se enlaa no tempo em um movimento de ida
e volta, encontramos uma srie de trabalhos que nos oferecem essa situao espacial de sntese, trata#
se de Malhas da Liberdade!1976 $77". No toa que essa obra ser o centro dessa investigao. De
imediato esse trabalho nos defronta com a pergunta: Como uma malha pode aludir liberdade?
Primeiro, ela estabelece pontos de contato que permitem subdivises e crescimento espacial infinito.Mas, na medida em que ela se ramifica, a malha tambm cria passagens propensas ao movimento, s
trocas e aos novos cruzamentos. Se estabelecida uma slida base de referncia refletida no trabalho
de arte, tambm dele podem nascer novas perspectivas de criao. o que queremos chamar de uma
potica da deflagrao. E tal ao constitui uma situao espacial especfica. Cabe, neste meio tempo,
a precisa metfora do malabarista sempre evocada por Cildo Meireles em seu discurso. Se a idia de
movimento permanente e a arte atua num espao intervalar, o artista est em posio semelhante
ao malabarista1. Este uma figura que administra trs coisas em um lugar que s cabem duas. Nessa
perspectiva, o tempo torna#se essencial e dele se tira proveito. Assim possvel atuar num intervalo,
encontrar uma brecha na malha e dela emergir uma situao. Nesse sentido, assim como o
1A metfora com o malabarista uma das vrias exemplificaes da condio do artista que comparece em discurso do artista.
Tal considerao encontra-se em depoimentos coletados para bibliografias especficas como tambm em depoimentos
prestados ao autor. A prtica artstica de Cildo Meireles pode ser evocada tomando-se emprestadas as palavras de Ronaldo
Brito (1976). Falemos, portanto, de um sutil ato de malabarismo.
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malabarista, o artista aquele que encontra um lugar no tempo. Talvez esteja aqui um propsito
primeiro dos modos pelos quais o artista usa o espao.
* * *
Como veremos adiante, a prpria compreenso contempornea de espao, inaugurada pela nova
fsica ps#einsteiniana, tem nessa dupla uma matriz indissocivel. A abstrao de uma ideia de espao
vivenciada sensorialmente produto de investigao das cincias como a matemtica e a fsica, que
juntas desvendam enigmas desde sobre a criao do universo at particularidades como a noo de
Buraco Negro. Isso nos conduz acepo popular de espao que diz respeito a esse universo que se
prolonga para alm do cu e de nosso campo gravitacional, sempre condicionado ao dado temporal.
Lembremos, por exemplo, de expresses simplrias, mas que em dadas circunstncias podem ser
extremamente poticas, como at onde os olhos podem alcanar. A explorao desse limite pelo
olho na observao do campo bidimensional ou tridimensional, afora a fisicalidade que nos cerca,
permite propor uma apurao dos sentidos ou mesmo desconstruir postulados e parece ser papel da
arte, que se faz como instrumento e que talvez melhor especule sobre o espao pois no lida
necessariamente com uma materialidade, como, por exemplo, deveria lidar a arquitetura. A produo
artstica, em ltima instncia, alimenta#se de figuras de linguagem para subverter os parmetros
experimentados pela cincia. Faz com que ns experimentemos a prpria existncia do espao,
guardando nessa vivncia os mais diversos valores de medida.
Assim, essa proposio da fsica do sculo XX acaba por ser limitada pela prpria noo de
visualidade, primeiro elemento ao qual recorremos quando queremos delimitar um espao. Ou seja,
dentro dessa infinitude$
ou desse espao absoluto, talvez se possa postular$
que recorremos ao olhopara que este nos determine um fim espacial. Na verdade, no existe uma maneira de se delimitar o
espao mas sim a construo de critrios que nascem desde os conhecimentos populares at as
formulaes de rigor cientfico e de suas postulaes comuns no campo das cincias exatas. No
campo discursivo advoga tambm pela noo de espao a produo de conhecimento interessada em
observar os fenmenos sociais como os postulados da geografia, obviamente sem excluir a prpria
natureza, mas levando#se adiante uma compreenso do espao formulada a partir da interao do
indivduo com o seu meio ao longo do tempo e com lastros culturais diversas em funo do lugar e do
tempo histrico. Simultaneamente, o espao , portanto, formulado pela prpria histria.
Talvez a investida primeira e mais simples esteja na consulta a um dicionrio de lngua portuguesa,primeiro recurso na busca por um significado. Assim, se recorremos a ele algumas definies
comparecem hierarquicamente, definindo#se um trnsito que vai da mxima abstrao concretude
do evento dito espacial. No dicionrio Houaiss!2004", por exemplo, quatro definies aparecem em
seqncia. A primeira delas de razo geomtrica e diz que o espao seria a distncia entre dois
pontos ou duas linhas, a condio necessria para que abstratamente possa#se definir um domnio,
um plano com dimenso em uma ordem de grandeza qualquer. Naturalmente a partir desse
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enunciado que se pode a seguir definir o espao como uma extenso limitada em uma, duas ou trs
dimenses, o que nos permite pensar em uma materialidade para o que vocbulo descreve. Essa
extenso por sua vez ganharia uma outra ordem de grandeza, que nos colocaria em um terceiro
campo de definio: a extenso que compreende o sistema solar, as galxias, as estrelas; o universo.
Temos ento um retorno possvel a uma mxima abstrao, na medida em que a infinitude douniverso algo difcil de mensurar e de conseguir compor como uma dada extenso. na verdade a
sujeio da noo de espao enquanto um a priori, ou seja, o lugar ou a situao que j existe e abriga
todas as coisas do mundo. E pode ser ainda um perodo ou intervalo de tempo, o que nos
condiciona portanto ao que seria seu par imediato. Retomando#se agora a noo de distncia que
medimos no apenas por unidade de tamanho mas por unidade de tempo. o tempo que nos d a
sensao desse intervalo entre as coisas. Muitas vezes a determinao desses parmetros de medio
nos faz pensar em seu oposto, o que comumente se chamaria de vazio. Estabelece #se aqui uma
reiterao de uma via de mo dupla entre o que se preenche ou habita e o que inexiste ou se
estabelece como intervalo ou mesmo negativo. No por acaso que a noo de vazio possa
confundir#se com a prpria percepo do espao. Os vazios, no espao construdo, so a prova de
existncia do outro. So eles, por fim, o prprio espao.
Nessa digresso que se traa a partir de uma consulta ao dicionrio entendemos que a geometria
assumida indiretamente, pondo#se como campo de conhecimento e normativas que primeiro
estabeleceu a possibilidade de se representar matematicamente algo que nos posto como
fundamental em uma relao sinestsica com o mundo. Ademais, considera#se tambm sua condio
histrica de compreenso e sua carga filosfica, algo que pe em curso a possibilidade de
compreender o espao em termos ontolgicos. Poderamos falar ento de uma ontologia do espao?
E como, de fato, esse contingente produzido pela arte contempornea? Por fim, tendo em vista o
personagem e propositor de nosso objeto de estudo, sob que modos Cildo Meireles opera essa
produo ou uso?
* * *
importante enfatizar que o objeto inicial de ateno nesta pesquisa a obra do artista Cildo
Meireles. J a idia de espao comparece permeando a narrativa que constituda nesta tese. Na
verdade, este espao revelar#se# como elemento hegemnico e que dar sentido a uma teia de
relaes estabelecidas entre os trabalhos ao longo dos mais de quarenta anos na trajetria do artista ena histria da arte. Estabelece#se uma leitura em que so contempladas desde obras conceituais e
objetuais produzidas ainda em meados dos anos 1960 at as instalaes que surgem com mais
constncia nos anos 1990. Todas elas, aos seus modos, insinuam uma percepo potica pela
condio deflagratria desses trabalhos. Inclusive, tais mudanas na maneira como os trabalhos se
materializam parece ter justificativa plausvel dentro da investigao que por hora se processa. Essa
perspectiva ser conduzida ao longo da estrutura da tese, que identifica alguns momentos
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significativos da produo artstica de Cildo Meireles a partir da hiptesede que o artista, ao exercerem sua prtica um contnuo processo de especulao sobre a natureza do espao, revela suas possveis
incidncias pelos trabalhos entrelaados em rede, ou melhor, na forma de uma malha outrora
mencionada. bom ressaltar que essa aproximao quase literal com a obra do artista no advm de
uma simples referncia ou escolha arbitrria de partida.
Existem no palimpsesto caractersticas que podem ser verificadas na atuao de Cildo Meireles.
Como veremos adiante, h um momento histrico em meados dos anos 1970 em que a produo
desse artista, como de muitos de seus pares, chega a um momento de mxima conteno e resistncia
conceitual. Se formula naquele momento uma sada deflagratria, quase explosiva, que constituiria,
no caso do Cildo, em formulaes de carter espacial. Caberia nesse momento o carter sedutor de
sua obra, que veremos adiante.
Tendo em vista esse dado de conscincia contextual, mais do que indicar uma simples categoria de
espao !como conceito esttico e compartimentado"#o que conferiria leitura um carter genrico
j que o espao !sem dissoci#lo de seu par imediato, o tempo"acaba por estar prximo de todos oscondicionantes da vida #, tratava#se de reconhecer os modos de pensar e produzir o mesmo a partir
de conceitos que so caros ao artista ou que, de certo modo, esto na raiz do problema constitudo
com o trabalho de arte. Est centralizado o caminho trilhado pelo trabalho. Se insinuamos um
percurso deveras sinuoso, bifurcado e articulado, sob o regime de um ensaio conceitual articulado,
achamos por bem, ainda em modelo introdutrio nos atermos a uma de nossas primeiras leituras
elucidativas e sintticas do problema:
Embora apresente uma soluo de formalizao singular para cada projeto imaginado, tambm Cildo
Meireles se ocupa, desde quase o incio de sua trajetria, em discutir criticamente a idiaconvencional de espao em que se desenrola a vida humana $quer em sua dimenso fsica e cotidiana,
quer em uma perspectiva poltica e de temporalidade ampliada #, afastando maneiras redutoras oucircunscritas de topografar territrios. Para tanto, o artista exercita $ por meio de seus trabalhos $
um mtodo de investigao do mundo que, em vez de ater#se somente ao campo da perceporetiniana, se apia na sntese entre relaes sensoriais e mentais de modo que os sentidos e a razo
estimulem uns aos outros e produzam, juntos, a cognio de espaos que se habitam ou que s seconcebem. !Moacir dos Anjos, Babel, 2006, p. 11".
Logo no prlogo de seu texto Babel, Moacir dos Anjos nos oferece um gancho para a ao
investigativa que aqui se inicia. Ele parece definir a existncia desse lugar do entre, em que sentido
e razo trabalham na compreenso dos espaos de vivncia ou dos que podem ser concebidos. Emoutros termos, poderamos falar de um estudo topolgico daquilo que sua obra nos oferece. E,
trazendo para o espao concreto da experincia !Bollnow, 2011"trata#se, nas palavras do crtico, de
um processo aberto de topografar territrios.
Dentro da hiptese de se construir um percurso em aberto para o qual o espao, o artista e sua obra
convergem, tem#se em ltima instncia a perspectiva crtica que incide na vontade investigativa de
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trazer o espao luz desse legado artstico, que muito nos conta do Brasil e das dinmicas da histria
e do circuito da arte contempornea !no que ela teria de mais experimental", j bem distante dos
debates de gnero, tcnica e suporte. Poderamos inclusive ir alm, almejando um lugar quase que
cientfico ao fazer artstico de Cildo Meireles. Subjaz a idia de uma inesgotablidade inerente aos
trabalhos de arte investigados ou do conjunto que esses notabilizam. Amide, a pluralidade
interpretativa impe uma condio aberta construo potica !Eco, p. 57, 2005". E dessa condiosomos inescapveis.
_
Sobre a construo de uma malha
Se o ndice oferece de sobrevo uma primeira ordem estrutural, ele parece impassvel diante da
inesgotabilidade relatada anteriormente. Acerca desse quesito, necessrio abrigar em um segundo
plano uma outra estrutura em que so desvelados os prprios trabalhos artsticos que sero
investigados. Mas para que se d conta dessa leitura, antes relevante conduzir um relato de sua
narrativa principal.
Por fins metodolgicos e de um partido que nasce de um olhar mais amplo, optamos por segment#la
em dois mdulos principais que contribuem didaticamente para compreenso do trabalho e dos
objetivos correntes. Esses dois conjuntos amplos insinuam metodologicamente os aspectos tericos e
crticos lanados pelos quatro captulos sugeridos. O mdulo 01, CONCEITO E AMBIENTE, que
composto pelos dois primeiros captulos define o tema da tese, levantando os conceitos que
compreendem a noo de espao, ilustrando de que maneira tal especulao espacial repercute na
obra do artista. Criam#se tambm bases para um recorte histrico dentro de um amplo contexto da
histria da arte brasileira, apresentando em que ambiente o artista desenvolve sua potica ainda ao
final dos anos 1960. Nesse sentido, o captulo 01 !DO CONCEITO SITUAO ESPACIAL"e o
captulo 02 !POR UMA CONSCINCIA CONTEXTUAL"so complementares entre si. Ademais,
existe uma razo histrica imposta na trajetria do artista que define um momento de inflexo,
propulsor para o segundo mdulo da tese.
O mdulo 02, MODOS DE USAR, formado pelos dois ltimos captulos, traz, pelo vis do espao, as
definies de uma sntese conceitual da obra do artista no captulo 03 !ENTRE A RAZO E O
CAOS, AS SUTILEZAS DA DEFLAGRAO". Esta sntese fundamental para o
desenvolvimento de suas instalaes apresentadas no captulo conclusivo !POR UM FIM EM
ABERTO". Portanto, esse mdulo apresenta o ncleo central do tema abordado, que em termos
histricos correspondente aos meados dos anos 1970, e desenvolve essa hiptese nas situaes
espaciais promovidas de forma sedutora pelo artista, especialmente a partir da virada para os anos
1980. Historicamente poderamos at reiterar a noo de ambiente que se materializaria nas
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instalaes do artista. Mas, em funo de um dado histrico, teramos efetivao de uma significao
anacrnica. Ao mesmo passo, o termo ambiental, talvez coerente no incio da trajetria do artista,
constantemente rechaado por ele prprio, pois parece reiterar um condicionamento fsico ao
trabalho.
Sem perder de vista sua auto#conscincia e sua persecuo poltica da arte, parece manter o dadocontingente de sua obra sempre no limiar entre ordem e desordem, caos e razo, real e virtual, espao
vivido e espao concebido, etc.
Ao final do trabalho, so lanadas como desafios algumas questes conclusivas, estabelecendo ns
para futuras bifurcaes dessa estrutura permevel.
* * *
A permeabilidade, que por mais das vezes nos oferece um labirinto, permite enxergar uma narrativa
secundria, mas que na realidade define a primeira como princpio. E, como essa investigao partedas obras de arte e da teia de relaes por elas estabelecidas, se faz imprescindvel formalizar esse
segundo sumrio da tese. Se em 3 captulos e um conclusivo formalizamos uma estrutura didtica,
fundada nas hiptese!s"levantadas pelo texto, nesses mesmos segmentos narrativos uma malha aberta
e circular de trabalhos do artista se comunicam. vista disso, subjaz no trabalho uma vontade de
falar da natureza bifurcada do pensamento2 desse artista, bem como do seu rebatimento nos
trabalhos. Poderamos at falar de um tempo elstico que permeia a maneira como o artista opera; da
concepo intelectual do conceito materializao do trabalho.
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A formao de uma malha em aberto !do mais amplo ao especfico e o movimento de retorno
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Inicio ou fim#UNIVERSO DA PRODUO INTELECTUAL E MATERIAL DE CILDO MEIRELES >DERIVAES CONCEITUAIS DA ARTE CONTEMPORNEA E O ESPAO >RECORTE DE
OBRAS >ESTRUTURA MODULAR !DIDTICA, HISTRICA"> OS CAPTULOS E SEUSCONTEXTOS PRODUTIVOS >AS OBRAS SELECIONADAS PRIMRIAS >AS OBRAS
SELECIONADAS SECUNDRIAS "retorno
_
2 Como dito pelo prprio artista em entrevista concedida ao autor, sua potica resultado direto de sua estrutura de
pensamento. Isso comparece de forma cada vez mais explcita na medida em que se adentra no universo de sua criao e seu
labor. Tal interpretao recorrente em sua bibliografia especfica, que foi objeto de estudo em todo o circuito analtico aqui
empreendido.
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Um segundo plano estrutural !sobre os trabalhos
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MDULO 01 | CONCEITO E AMBIENTE
Partida
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CAPTULO 01 | DO CONCEITO SITUAO ESPACIAL
01. Espaos Virtuais: Cantos #1967"1968$
*Volumes Virtuais #1968"1969$;
*Ocupaes #1968"1969$
02.Estudo para Espao #1969$; Estudo para Tempo #1969$; Estudo para Espao/Tempo #1969$
Fio #1990/ 1995$
Situao
_
CAPTULO 02 | POR UMA CONSCINCIA CONTEXTUAL
03.Arte Fsica: Caixas de Braslia/ Clareira#1969
$
*Arte Fsica : Cordes/ 30km de Linha Estendidos #1969$
*Mutaes Geogrficas: Fronteira Rio !S. Paulo #1969$
04. Cruzeiro do Sul #1969"70$
05. Inseres em Circuitos Ideolgicos #1970 "$
*Inseres em Circuitos Antropolgicos #1971 "$
Espelho Cego #1970$
Centro e Sntese
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CAPTULO 03 | ENTRE A RAZO E O CAOS, AS SUTILEZAS DA DEFLAGRAO
06.Eureka/ Blindhotland #1970"1975$:
Inseres em jornais de flashes visuais; Blindhotland !Eureka; Expeso.
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*Blindhotland/ Gueto #1975$/ *Casos de Sacos #1976$*Sal sem Carne #1975$
07.Malhas da liberdade #III$#1977$
*Malhas da liberdade #I$e #II$#1976$
Mebs/ Caraxia #1970 !71$
Deflagrao e contingncia
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CAPTULO 04 | POR UM FIM EM ABERTO
08. La Bruja #1979"1981$
09.Atravs #1983"1989/ 2007$
*Sermo da Montanha: Fiat Lux #1979$
Retorno e abertura
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Esse exerccio de imerso estrutural poderia ir alm. Mas esses planos seqenciais comparecero ao
longo do texto amalgamando personagens $crticos e artistas, outros trabalhos do artista, trabalhos
correlatos de outros artistas, movimentos histricos, conceitos legitimados pela histria da arte e
trajetria pessoal do artista.
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Sobre o conceito de espao: um prembulo por reas do conhecimento
Antes de adentrarmos na narrativa proposta para a tese, importante traarmos um breve percurso
acerca do problema do espao. Com o intuito de sistematizar um ponto de partida, uma pergunta
faz#se primordial: mas afinal o que seria o espao? Como defini#lo? Sabemos de sua existncia a priori
mas no conseguimos circunscrev#lo em termos conceituais. Um caminho a ser seguido nos faz
pensar na etimologia da palavra e nos conduz, em seguida, e em um passo mais largo, para uma
pesquisa inicial em filosofiae na fsica, levando a uma compreenso geral do que pode ser postulado e
que comparece na prpria histria dessas disciplinas. Trata#se de um percurso labirntico mas que
nos permite especular e construir uma base argumentativa que ser confrontada ao longo dos quatro
captulos seguintes.
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O dicionrio etimolgico nos oferece uma definio semelhante que nos foi dada em um dicionrio
comum. No caso, o Dicionrio Etimolgico Nova Fronteira da Lngua Portuguesa #1984$ define espao
como a distncia entre dois pontos, ou a rea, ou o volume entre limites determinados. Repete #se
portanto a construo de uma idia que parte de princpios da geometria e chega definio de uma
estrutura tridimensional, o que, representado materialmente, poderia ser confundido com o prprio
espao arquitetnico. A percepo de um limite nos conduz a uma compreenso de espaovivenciado: ou aquilo que podemos constatar fisicamente, ou mesmo compreender em termos de
outras disciplinas com suas fronteiras virtuais, como o espao social, o espao econmico, dentre
outros. Seriam todos substratos da observao de uma experincia individual primeira, aquela que
acontece no que Bollnow !2011, p. 19"define como the concrete experienced space. Tal vivncia
ganha amplitude e eventualmente uma leitura abstrata.
A prpria origem etimolgica da palavra no nos traz informaes elucidativas acerca de uma
limitao conceitual, mas nos fornece uma prospeco pela sua origem dentro da linguagem e de seu
uso corrente, o que conflui com a prpria trajetria do termo espao no campo da filosofia. Do
latim teramos Spatium !Nascentes, 1932", que significaria intervalo, espao#entre, e nas lnguas
inglesa e francesa a palavra seria Spatial !Cunha, 1984". Enuncia#se aqui de forma anloga a prpria
razo presente no pensamento de Cildo Meireles. No primeiro caso, tem #se a noo de intervalo e
cuja origem grega estaria na idia de algo que est aberto, com grande extenso, intervalo propcio
para um deslocamento. E do prprio latim, a origem de Spatiumestaria relacionado ao verbo patere#pateo$, que significaria estar aberto, abrir caminho ou mesmo ser acessvel. Tal digresso
conceitual nos conduz novamente idia de um intervalo possvel ou mesmo algo extensvel, o que
denotaria por sua vez uma extenso sem fronteiras. J a referncia ao ingls Spatial #ou Spacial$advm
do prprio termo Space,quando se quer falar do mesmo em termos de sua dimenso fsica.
Avanando nesse processo de prospeco, demos o segundo passo ao enveredar pelo campo da
filosofia, que tem o espao como vocabulrio recorrente em suas investigaes. Nesse sentido, optou#
se por consultar preliminarmente um manual de termos tcnicos e crticos dessa disciplina. Em
Lalande !1970"o vocbulo aparece associado a trs termos correlacionados: espacial, espacialidade e
espao#tempo. Este ltimo conceito deriva da pesquisa cientfica, que apresenta o espao em termos
quadridimensionais, de que trataremos mais adiante. Por sua vez, os termos espacial e espacialidade
comparecem no campo discursivo quando se referencia a noo de espao em sua relao com o
corpo e os objetos que o constituem. Sendo assim o espao definido como o lugar ideal,
caracterizado pela exterioridade das suas partes, no qual se localizam as suas percepes e que
contm, por conseqncia, todas as extenses finitas !LALANDE, 1970, p. 381".
Tendo como referncia e limitao a geometria enquanto parte da matemtica que investiga a
natureza do espao $e nela a geometria euclidiana como sua face mais usual $, Lalande !1970, p. 381"
apresenta o espao por meio de dois aspectos determinantes. O primeiro que ele tem trs
dimenses, quer dizer, que por um ponto podem passar trs linhas retas perpendiculares entre si e
apenas trs. E outro o define como homaloidal, quer dizer, que nele podem se construir figuras
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semelhantes em qualquer escala. Nesse sentido, entende#se que, quando a palavra usada sem outra
determinao, aplica#se a mesma ao entendimento do espao geomtrico euclidiano. Ainda, a negao
dessas duas propriedades matemticas nos levaria ao que hoje se chama de hiperespaos e espaos
no euclidianos. Esses, por assim dizer, so as investidas da matemtica contempornea, resultado
das ltimas revolues cientficas3.
O prprio conceito de espao comparece de forma instrumentalizada na EnciclopdiaMcGraw !Hill
Encyclopedia of Science and Technology !1966", que se dedica a defini#lo no campo da cincia. A
publicao qualifica o espao em termos fsicos enquanto uma propriedade do universo que se
estende em trs dimenses. O texto apresenta o espao geofisicamente como a parte do universo
para alm da influncia da terra e de sua imediao atmosfrica. Tal considerao o faz observvel
dentro dos preceitos da fsica clssica e moderna, seja pela teoria da relatividade ou pelos avanos da
astronomia. Curiosamente, deixada de lado sua considerao em termos de lugar de ao ou mesmo
de lugar proporcionado pela arquitetura, algo tangvel realidade imediata do sujeito. Trata#se assim
de uma definio que corrobora com os mecanismos ideolgicos de uma plataforma moderna
cientfica instituda.
De partida, fica evidente a possibilidade de se construir um conceito ontolgico de espao,
principalmente ao adjetiv#lo como homogneo, istropo, contnuo, ilimitado. a partir dessa
construo ontolgica que os dicionrios de filosofia propem#se a discutir o tema. O primeiro
dicionrio adotado o de Ferrater Mora !1994". Por ele possvel determinar um caminho que
contemple as vrias acepes do termo. Por aproximao, outro autor tambm vem a contribuir para
a leitura que se quer dar acerca da noo de espao. Nicola Abbagnano !1998"parte de uma leitura
crtica em que pondera, para alm do conceito ontolgico mencionado anteriormente !informao
que repercute nos mais variados dicionrios e enciclopdias", a existncia de trs problemas
concernentes ao espao, que so a natureza, sua realidade e estrutura mtrica. desse raciocnio que
so qualificadas as vrias postulaes que contriburam para uma investigao sobre o espao em sua
completude.
Essa busca conseqncia direta do que Fbio Duarte !2002", em seu livro A Crise das Matrizes
Espaciais, chamar de polissemia do conceito de espao. Tal condio faz gerar essa necessidade
primeira de se entender que existem duas vises de espao $ a absoluta e a polissmica, que so
perpassadas por termos recorrentes tanto em uma como em outra. Em conjunto, esses termos nos
dariam a possibilidade de construo de uma matriz espacial, nos desobrigando de tentar em vo
3Ao nos referirmos ao termo revoluo cientifica, o tomamos emprestado de Kuhn (1978) que a analisar enquanto paradigma
de mudana da percepo do mundo. Ao se referir s revolues cientificas promovidas por Coprnico, Newton, Lavoisier e
Einstein, o terico ir objetivar sua pesquisa histrica. Precisamos descrever as maneiras pelas quais cada um desses episdios
transformou a imaginao cientfica, apresentando-os como uma transformao do mundo no interior do qual era realizado o
trabalho cientfico. Tais mudanas , juntamente com as controvrsias que quase sempre as acompanham, so caractersticas
definidoras das revolues cientficas (KUHN, 1978, p. 25).
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Na verdade, seria melhor colocar que o espao emana das coisas, assinalando a interdependncia
entre as coisas e o espao que as constitui. E, de acordo com o conceito de lugar, no seria possvel
conceber as coisas sem seu espao, ou seja, o mesmo no poderia ser um mero receptculo vazio, essa
zona nebulosa ou condio intermediria. Aristteles opor#se#ia tambm aos atomistas, justamente
por esses considerarem a noo de vazio como forma equivalente ao espao. Para eles essa entidade
no poderia ser entendida como uma coisa, pois os tomos so coisas essenciais do mundo.Entendiam que, graas existncia desse espao, era possvel conceber o momento; este ltimo seria
o deslocamento das coisas ou tomos atravs do no ser ou vazio espacial. Mais uma vez, agora na
proposio dos atomistas, a idia de um trnsito comparece como fator determinante na
comprovao de um sentido para o espao. Isso acontece ao mesmo tempo que se constitui a raiz
para o pensamento newtoniano, como prope Abbagnano !1998".
A riqueza de pensamento na antiguidade clssica imps algumas leituras sobre o assunto que em
termos derivavam das percepes iniciais de Plato e Aristteles. Ferrater Mora !1994" recorre a
Sambursky para dispor das proposies que surgiram aps a noo de lugar que particulariza a viso
aristotlica. Sendo assim, as principais concepes acerca do espao depois de Aristteles foram
concebidas por Simplcio, e nelas se destacariam duas de origens distintas. A primeira se deve a
Teofrasto, que prope considerar o espao no como uma realidade em si mesma, mas como algo
definido mediante a posio e a ordem dos corpos. J a segunda advm das observaes de Estrato
de Lmpsaco, que prope considerar o espao como uma realidade equivalente totalidade do
corpo csmico. O espao algo completamente vazio, mas sempre preenchido por corpos !MORA,
2001, p. 219". Temos, desse modo, durante a poca helenstica, construes acerca do tema que
derivariam dessas duas proposies conflitantes. So prenncios que o pensamento moderno tentaria
definir, especialmente na viso totalizadora em torno de um espao absoluto. De outro lado, estaria a
permanncia da ideia de que o espao se realizaria em sua relao com as coisas do mundo, o que nofuturo poderia ser chamado de espao da experincia.
Dentro dessa histria fundada na Grcia antiga, Plotino se destacaria posteriormente ao se apropriar
das consideraes aristotlicas, validando a noo de lugar, como tambm aceitando a viso platnica
de espao como uma realidade incorprea. Em contrapartida, a concepo estica do espaodistinguia#se da aristotlica na medida em que os esticos concebiam o espao como um contnuo
dentro do qual h posies e ordens dos corpos. Por outro lado, avizinhava#se da aristotlica
porquanto a forma como os corpos e objetos se dispunham definia um condicionamento de lugar.
Estava fundamentado assim o primeiro problema enfatizado por Abbagnano !1998, p. 348"acerca da
natureza do espao, ao encontrar no pensamento grego a proposio de que o espao poderia serentendido como qualidade posicional dos objetos do mundo, lastro para grande parte do
pensamento do sculo XVIII. Tal colocao seria futuramente refutada por Newton, o responsvel
por entender o espao como continente de todos os objetos materiais do mundo.
O problema do espao tambm foi pauta de reflexo na Idade Mdia, o que contemplava novamente
o debate colocado pela filosofia antiga. Os escolsticos, ainda com uma interpretao de base
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reverbera em Kant, quando da vontade de se compreender o espao enquanto realidade substancial.
Segundo Mora !2002, p. 223", Locke se interessa mais precisamente pelo problema da origem da
ideia do espao. Esta idia obtida por meio da vista e do tato. Tal possibilidade de percepo o
levaria a crer em uma distino entre a extenso e o corpo. Essa considerao tem como
conseqncia a formulao de que, embora a noo de espao tenha uma origem emprica, ele deveria
ser concebido como algo em si. Ainda, seu mtodo de classificao das qualidades !das entidades oudas coisas que conhecemos"em primrias e secundrias o levou observao de que o espao, com
estatuto de qualidade primria, existe independente do ser percebido. Trata#se de uma chave para a
compreenso do fato de o espao ser caracterizado como incorpreo. Ele seria uma realidade, ou
melhor, uma ideia real, que fundamenta#se aqui como uma concepo empirista do mesmo.
A prevalncia de um argumento de natureza emprica suscita uma resposta contundente com o
desenvolvimento de uma perspectiva newtoniana para o problema da natureza do espao, que o
definir como absoluto. Tal discusso anunciava tambm a importncia do tempo, que tambm era
elemento gerador dessas discusses que ocorreram ao avanar dos anos da segunda metade do sculo
XVII at o primeiro tero do sculo XVIII. Embora muitos autores contribussem para essas
discusses, elas aconteciam sobretudo em volta da polmica entre Newton, com o apoio de seu
entusiasta Samuel Clarke e Gottfried Leibniz, defensor do espao como a tal qualidade posicional
dos objetos no mundo. Como dito por Abbagnano !1998, p. 350", o empirismoreduziu o conceito deespao ao emprico, a uma ideia derivada de sensaes. Mesmo em situaes de oposio, Leibniz e
seus seguidores reduziram o espao a um conceito discursivo e universal.
Tal embate pode ser revisitado por meio das correspondncias entre os dois, Clarke e Leibniz. Como
apontado por Mora !1994", no debate em torno da publicao e das postulaes do Principia de
IsaacNewton que acontece esse dilogo. Sem questionar a existncia de uma ordem divina, o teor da
discusso define que, embora Deus no seja espao, ele est em toda parte de modo que
constituinte do espao e tambm da durao. O espao o Sensorium Dei, rgo sensorial da
divindade. Esta idia foi rejeitada por Berkeley, Huygens, pelo seu opositor maior, Leibniz, e tambm
por Ernst Mach. Newton defendia a primazia de um espao absoluto sob a existncia do espao
relativo, que colocado apenas como uma dimenso movvel ou uma dada medida do absoluto. O
espao para Newton uma medida absoluta e at uma entidade absoluta. Visto que as medidas no
espao relativo so funo do espao absoluto, pode#se concluir que este ltimo o fundamento de
toda dimenso espacial !MORA, 2001, p. 222".
Por sua vez, o fato de intuir a noo de espao enquanto algo absoluto veio a contribuir para a suarevoluo no campo da fsica, cuja elaborao fundamental est na determinao da lei da gravitao
universal e nas trs leis fundamentais da mecnica. Newton construiu, portanto, com a definio de
uma natureza do espao, um dado operacional em sua plataforma cientfica.
O impacto de Newton sobre a maneira de pensar no sculo XVII foi avassalador. Pela primeira vez,
desde a geometria de Euclides, um cientista conseguira construir um modelo cientfico gigantesco,com um formidvel arcabouo dedutivo a partir de poucas hipteses, cujas concluses eram
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corroboradas pelas observaes empricas. Com a surpresa adicional resultante de que, no sculo
XVII, a geometria euclidiana era concebida como um ramo da matemtica pura, e no da fsica!SIMONSEN, 1998, p. 118".
Assim como Newton instaurou um dos maiores paradigmas da fsica, que s veio a ser questionado
por Einstein, Kant foi o responsvel por estruturar muito do pensamento da filosofia moderna por
meio de sua publicao Esttica transcendente da crtica da razo pura. O livro no deixa de lado uma
questo to central como a definio da natureza do espao. Para ele, o espao uma forma da
intuio sensvel assim como tambm o tempo o , ou seja, uma forma a priorida sensibilidade. Ao
visitar as definies kantianas, Mora !2001, p. 222, grifo nosso"explicita as caractersticas do espao:
No um conceito empricoderivado de experincias externas, porque a experincia externa s possvel pela representao do espao. uma representao necessria a priori, que serve defundamento para todas as intuies externas, porque impossvel conceber que no exista espao, se
bem que possamos pens#lo sem que contenha objeto algum. O espao , em suma, a condio da
possibilidade dos fenmenos, ou seja, uma representao a priori, fundamento necessrio dos
fenmenos. O espao no nenhum conceito discursivo, mas uma intuio purae, finalmente, oespao representado por um quantumdeterminado.
Para Mora, a contribuio de Kant extremamente valiosa, sendo fundamental para o
desenvolvimento da filosofia no sculo XIX, ao realizar uma aproximao entre o idealismo de Plato
e o empirismo britnico. Foi por ele que se atribuiu ao espao as caractersticas de aprioridade,
independncia da experincia, intuitividade e idealidade transcendental. Ante os seus pares e aqueles
que o precederam, Kant rejeita os conceitos advindos dos empiristas britnicos como a
fenomenalidade do espao defendido por Hobbes, sua irrepresentabilidade sem os corpos como
propunha Berkeley, como tambm a mera ordem sucessiva dada pelo hbito elaborado por Hume.
Como lembrou Simonsen !1998, p.6", para esses empiristas, dentro do enunciado de Kant, s eramvlidas as proposies analticas e as sintticas a posteriori. No entanto, o filsofo da Critica da razo
pura retoma o platonismo assumindo como premissa importante para a veracidade das proposies
sintticas a priori. Admitir essa possibilidade foi crucial para enunciar seu entendimento da natureza
do espao.
H tambm uma contribuio especial do idealismo alemo para uma ampliao do construtivismo
do espao, agora determinado por um pensamento absoluto. Em Hegel, por exemplo, o espao
uma fase, um momento no desenvolvimento dialtico da idia, a pura exterioridade desta. O espao
apresentava#se neste ltimo caso, como a generalidade abstrata do ser fora#de#si da natureza. Foi
durante o sculo XIX que examinou#se com freqncia no s a natureza do espao, mas tambm aquesto da origem da noo de espao.
Antes de introduzirmos o debate da fsica moderna, cujo eixo principal est na teoria da relatividade
geral de Albert Einstein, sobre as noes de espao, tempo e espao#tempo, Mora !1994, p. 1085"
tambm nos alerta acerca das maneiras ou pontos de vista sobre como o espao vem sendo
enquadrado enquanto tema, o que novamente nos faz enfatizar a polissemia do termo. So elas: a
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geomtrica, a fsica, a gnoseolgica, a psicolgica, a metafsica, dentre outras. Cada uma, ao seu
modo, busca definir parmetros de observao do fenmeno. Alis, vale mencionar tambm a
importncia do debate promovido pela fenomenologia. Tal considerao nos faz repensar tambm,
especialmente quando tratarmos da produo em arte, a importncia da experincia corprea que
dever ali ser considerada em toda sua plenitude. Daramos ento importncia lembrana de
Eugne Minkowski e Heidegger, referenciados por Bollnow !2011"em seu captulo introdutrio.
O tema central do livro de Bollnow justamente o esclarecimento do que o autor chamou de: the
concrete space experienced and lived by humans. Desconstruir esse espao concreto e entender os
seus vrios aspectos nos leva a um dos problemas mais relevantes da filosofia, a condio espacial da
existncia humana. O autor contextualiza um histrico de vrios dos pensadores preocupados com
essa questo. So eles, em ordem de apario: Brgson, Simmel, Heidegger !nome central", Sartre e
Merleau#Ponty. Por fim, coloca dois pensadores com grande relevncia no assunto: Drckheim e
Eugne Minkowski !com o seu livro temps vcu/ lived time". nessa matriz histrica que se d a
discusso do termo alemo Raum "espao. O prprio autor reivindica o problema para a filosofia, que
ficou em segundo plano com os prprios adventos da fsica moderna.
Mas, na razo das cincias exatas, foi no final do sculo XIX que a fsica explicitou o seu papel
preponderante na determinao de novos parmetros de investigao do espao. Mora !2001"
apresenta esse percurso de pensamento atravs das aproximaes tericas de trs grandes fsicos nas
duas primeiras dcadas do sculo XX. De maneira sinttica, temos primeiro a matemtica de
Hermann Minkowski !1908"; depois a teoria da relatividade de Albert Einstein !1916", que investigou
as transformaes de Lorentz; e, em terceiro, a mecnica ondulatria de Schrdinger, em observncia
do universo atmico. Os trs, em conjunto, so responsveis por introduzir a noo de espao#tempo
como um contnuo, dois elementos essenciais e inseparveis.
Ainda, em referncia ao campo da filosofia, Heidegger ir contrapor#se s teorias cientficas.
Segundo ele, a noo de espao pr#cientfica e a espacialidade deve ser entendida a partir da
prpria existncia, como portadora das caractersticas de des#afastamento e direcionalidade.
Segundo ele, o espao no est no sujeito $ como pretende o idealismo $, nem o mundo est noespao $como sustenta o realismo #; ocorre, sim, que o espao est nomundo, porquanto o ser#no#
mundo, constitutivo da existncia, deixou livre o espao !MORA, 2001, p.224".
na teoria geral da relatividade, de 1916, que Einstein unifica espao e tempo, matria e gravitao
!STANNARD, 2008". O campo eletromagntico includo na teoria do campo unificado, de 1953, ou
seja, a teoria segundo a qual o campo eletromagntico resultado das propriedades geomtricas do
contnuo tetradimensional espao#temporal. O espao definido, portanto, como campo
!Abbagnano, 1998", demarcando a renncia a uma percepo tradicional do mesmo.
Assim, achamos por bem tambm esclarecer em termos gerais a complexidade conceitual do tempo,
elemento essencial para o melhor entendimento da ideia de espao#tempo. Assim como o prprio
espao, o tempo pode ser compreendido como uma categoria ontolgica fundamental, imprescindvel
a inmeras disciplinas. Em primeiro plano, o tempo no uma coisa, no ele que muda, mas as
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coisas que por ele so, de certo modo, afetadas. O tempo , para falar de maneira no rigorosa, o
passo da mudana das coisas reais. Isto , o tempo no absoluto, porm relacional !BUNGE, 2002,
p. 377". Ademais, ele no se configura como pertencente a qualquer coisa considerada real, como
poderia acontecer com o espao. Em contrapartida, o tempo pode ser entendido como algo
partilhvel ou mesmo pblico. Assim, podemos distinguir dois conceitos de tempo: o fsico !ou
ontolgico" e o perceptual !ou psicolgico". O tempo fsico , em geral, encarado como algoobjetivo, enquanto o tempo psicolgico , por definio, tempo !ou ento durao"percebido por um
sujeito !BUNGE, 2002, p. 377".
* * *
Sabemos da importncia das teorias da relatividade especial #1905$ e geral #1916$, mas precisamos
compreender mais detalhadamente o porqu de sua relevncia. Assim, para comear, pertinente
trazer as verdades que sucumbiram com o advento das teorias de Einstein. Russell Stannard !2008",
em seu livro Relativity !A very short introduction, enumera logo de incio quais seriam essas certezasque ruram:
1. Ns todos vivemos no mesmo espao tridimensional. 2. O tempo passa na mesma velocidade !ou
da mesma forma" para todos. Equivalncias... 3. Dois eventos acontecem simultaneamente ou um
antes do outro. 4. Dando energia suficiente, no existe limite para o quo rpido alguma coisa possa
viajar ou se mover. 5. Matria no pode ser criada ou destruda. 6. A circunferncia !ou o permetro"
de um crculo 2! x o raio. 7. Numa situao de vcuo, a luz sempre caminha em linha reta.
!STANNARD, 2008, traduo nossa".
A grosso modo, todos os aspectos que circunscreviam o entendimento de espao absoluto postulado
por Newton parecem ruir, posto que so distintos se considerados ante o conceito de relatividade.Em primeiro plano a ideia de velocidade ganha relevncia. Ela nos permite entender que as situaes
que ns observamos podem diferenciar#se em funo do referencial adotado. Portanto, dentro da
teoria da relatividade especial, temos como caracterstica: the principle of relativity, which states
that the laws of nature are the same for all inertial frames of reference. E ainda, one of those laws
allows us to workout the value of the speed of light in a vacuum $a value which is the same for all
inertial frames, regardless of the velocity of the source or the observer !STANNARD, 2008, p.4".
Tais postulados adotam o principio de inrcia de Galileu e apostam na constncia da velocidade da
luz, uma vez comprovada pelos experimentos de Michelson $ Morley. Essa questo formulada
tambm a partir do que ficou conhecido como a cinemtica de Lorentz $Einstein.Portanto, ao adotarmos pontos de referncia como condicionantes de nossas observaes dos
fenmenos, geramos uma interdependncia do que se observa e de quem observa. Esse dado
relacional parece ser o elemento essencial da teoria. Tendo isso em mente, possvel distinguir
fenmenos como a dilao do tempo, a contrao da distncia !de Fitzgerald", the twin paradox !o
paradoxo do astronauta"e a perda da simultaneidade. Estes fenmenos no sero aqui tomados como
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objetos de anlise especfica, mas podem eventualmente comparecer nas situaes citadas pela
prpria produo artstica, que aqui objeto de anlise. E, sobre o fenmeno que mais nos possa
interessar, Einstein props:
that what relativity was telling us is that space and time are much more alike than we might suspect
from the very different ways in which we perceive and measure them. Indeed, we should stop thinking
of them as a three#dimensional space plus a separate one#dimensional time. Rather, they were to be
seen as a four#dimensional spacetime in which space and time are indissolubly welded together!STANNARD, 2008, p. 26".
H por traz dessa definio uma importante discusso em torno do seu significado e da realidade do
que se convencionou chamar de espao#tempo. Na verdade, quebra#se tambm com a prpria ideia
de visualizao desse espao, na medida em que se trabalha com ordens de grandeza impossveis de
serem apreendidas pelos sentidos. Vale lembrar ainda que a formulao de uma realidade
quadridimensional parte das observaes de um outro fsico chamado Minkowski, citado
anteriormente. Este autor leva Einstein a repensar o tridimensional, em face ideia de um lugar do
contnuo em quatro dimenses. bom enfatizar que tais formulaes prescindem de suascomprovaes matemticas, das quais a fsica no abre mo. Tal considerao levou o cientista a
pensar uma formulao geomtrica para a observao do que aqui se pode entender como evento.
Por exemplo, em sistemas inerciais a separao entre dois eventos calculada atravs da frmula
pitagrica da geometria euclidiana. J os sistemas acelerados so interpretados via geometria no#
euclidiana, uma geometria natural do sistema. Isso pode ser constatado com auxlio do princpio da
equivalncia, no qual a gravitao deve corresponder acelerao de eixos, que significa mudana da
mtrica do espao#tempo. Assim, nessa geometria, o espao#tempo encurvado pela presena de
matria, e a trajetria dos corpos existe agora na forma das geodsicas !SIMONSEN, 1998".
No caso, a matria informa o espao sobre como ele deve curvar #se e o espao informa a matria
sobre como mover#se. Por sofrer a interferncia do tempo, que descreve um caminho sinuoso, o
espao, que tende a expandir#se, no acontece mais no plano de base tridimensional. Na realidade, o
espao torna#se ativo ou mesmo performtico. Talvez possamos falar na ideia de um espao mutante,
j bem distante da noo de lugar aristotlica ou da prpria noo de res extensa, definida por
Descartes.
Explorar um possvel conceito de espao, mesmo que demarcado pelas experincias cientficas, nos
faz construir um trajetria que se bifurca paulatinamente, oferecendo uma complexa teia conceitual
na qual se sobrepem compreenses distintas, desde uma situao que diz respeito ao universo bemdistante da nossa realidade imediata at o universo atmico. E neste, a compreenso da mecnica se
d de uma outra forma, mesmo que a prioriesteja amparada na causalidade. Cabe, portanto, descrever
alguns aspectos que dizem respeito mecnica quntica. Dentre eles, talvez o mais relevante seja a
insero da probabilidade ou do acaso na observao de um sistema fsico. Entretanto, importante
enfatizar que as investigaes no campo da mecnica quntica dizem respeito ao universo
microscpico. Se o caso for avaliar fenmenos de porte macroscpico, as mecnicas de Newton e
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partcula. Este conjunto tornar#se#ia fundamental para que se abrisse margem para o
desenvolvimento de uma observao probabilstica do fenmeno atmico.
Tambm devem ser mencionados Bohr, Kramers e Slater, que introduziram o conceito de onda de
probabilidade. Trata#se, assim, de uma verso quantitativa do velho conceito de potncia da filosofia
aristotlica, que introduzia algo entre a ideia de evento e o evento real, um tipo estranho de realidadefsica a mediar entre possibilidade e realidade !HEISENBERG, 1987, p. 36". Em seqncia, o debate
entre Bohr e Schrdinger e os fsicos de Copenhague definiram um clarificao completa para a
teoria quntica. Esse processo de estruturao de um novo preceito fsico e de um novo mtodo
cientfico de investigao. Decorrem dai as relaes de incerteza, diferentes instncias do principio de
indeterminao. Vale lembrar tambm do conceito de complementaridade de Bohr, que uma outra
maneira de abordar o problema. Heisenberg coloca ainda em seu ensaio que devemos dar nfase,
aqui, ao fato de que mais de um quarto de sculo se passou para, da ideia primeira do quantum de
energia, chegar#se a um entendimento real das leis tericas da mecnica quntica. Isso indica uma
mudana profunda, que teve de ocorrer nos conceitos fundamentais que dizem respeito realidade,
antes que se pudesse entender a nova situao !HEISENBERG, 1987, p. 38".
* * *
Por fim, ante a costura conceitual que aqui se apresenta de forma panormica e mesmo incompleta,
entendemos que o espao reside propriamente na ideia. nela, na elaborao mental, que o espao
construdo, seja ele imaginado ou elaborado por um postulado matemtico que se alimenta das leis
da fsica. Analogamente, por exemplo, o espao da arquitetura, a paulatina construo e
desconstruo das cidades, nasce da deflagrao de conceitos apropriados do desenvolvimento da
cincia contempornea. A prpria noo de espao, conceito demasiadamente genrico, deve servisto como algo performtico e mutante. Sugere#se, portanto, a indeterminao do conceito de
espao.
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MDULO 01 | CONCEITO E AMBIENTE
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CAPTULO 01
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DO CONCEITO SITUAO ESPACIAL
Um homem escala uma montanha porque ela se encontra l. Um homem executa uma obra de arte porque ela
no se acha l1.
Carl Andre.
A palavra que eu acho mais bonita, entre as que eu conheo, lejos porque pressupe que seu ser est aqui e l
ao mesmo tempo. O l uma constatao do ser2.
Cildo Meireles.
1 Frase do artista e poeta norte-americano Carl Andre (1935), que parte de uma gerao de artistas norte-americanos
responsvel por uma produo considervel no campo das artes visuais e da escrita. Esteve na linha de frente de uma nova
experimentao em arte que diluiu as fronteiras entre os gneros, da aplicao dos materiais e do uso da linguagem. Essa
traduo mencionada logo acima foi extrada de um ensaio critico de Frederico Morais, publicado ainda na primeira
metade dos anos 70, momento em que o debate em arte ganhava novos rumos, tanto em termos do contexto nacional como
de um paralelo formal com a realidade norte-americana e europia. MORAIS, Frederico. 29 definies de arte: escolha uma.
Dirio de Notcias, Rio de Janeiro, 20 fev. 1973.
2Depoimento do artista extrado de catlogo de exposio, cujas referncias e menes ao termo lejosso recorrentes em
demais publicaes e nas conversas realizadas com o artista. Indicao bibliogrfica: HERKENHOFF, Paulo. Cildo Meireles,
Geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Artviva Produo Cultural, 2001.
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1.1. Uma trilha bifurcada pelo inesgotvel problema do espao na arte contempornea
Principalmente no ps segunda guerra mundial, e com mais afinco na segunda metade dos anos1950, a arte passou por transformaes, capazes de questionar paradigmas do pice do projeto
esttico moderno. A amplitude de significados impostos arte contempornea fonte
inesgotvel de experimentao, construes ideolgicas e a refutao dos mais diversos valores
culturais, o que a coloca frontalmente como voz poltica. Trs questes nos parecem cruciais na
definio de um caminho a ser trilhado por aqui. A primeira delas diz respeito relao entre
linguagem e conceito, a segunda nos coloca o problema do processo no campo da arte e a terceira
particulariza o campo da prtica ambiental !termo usado por hora na falta de um mais sinttico".
Todas elas foram matria de investigao intelectual por parte de artistas contemporneos desde
a ruptura com o suporte ou mdia, a contaminao por outras reas do conhecimento, bem comode uma aproximao e dependncia para com o espectador. A idia de arte ou o trabalho de arte
sero sempre o nosso ponto de partida.
Em segundo plano, outra informao importante que aes ou prticas artsticas que derivam
dessas questes tm o conceito de espao, tanto em termos abstratos como em termos concretos,
como um de seus pontos deflagradores. E sobre ele, no campo das artes visuais, que
contemporizamos por agora, o que nos coloca, portanto, na questo randmica do fenmenoentre o espao de experincia !ou experienciado"e a experincia de espao, ambos trabalhados
pelas produes artsticas e arquitetnicas. Logo adiante, ser trilhada perspectiva que nasce
fundada nessas trs questes mencionadas e analisadas pelo crivo dos prprios artistas, porintermdio do recurso textual e de suas obras. Desse ponto, os trabalhos de Cildo Meireles seroos objetos de investigao.
* * *
Como j sabido, o espao acontece como fenmeno nos campos da criao humana. Ele
produzido dentro de circunstncias histricas especficas, sempre atendendo a necessidades
materiais e espirituais concernentes ao momento ao qual respondem. Na arquitetura, em
especfico, o espao manifesta#se como um problema maior, especialmente com o advento do quese entende como espao moderno, local de sntese de um projeto esttico e tecnolgico. A
arquitetura talvez tenha como seu principal propsito cientfico constituir uma interpretao do
espao. Como definiram os crticos e historiadores italianos Bruno Zevi !1998" e Gulio Carlo
Argan !1966", para citar dois exemplos, o espao o protagonista maior da arquitetura. Portanto,
pode se extrair da arquitetura, no caso a moderna, alguns dos impasses que sero enfrentados pela
arte contempornea, mais especificamente na segunda metade do sculo XX, encontrando
inclusive um lugar histrico para o pensamento e a produo do artista Cildo Meireles. S para
dar um indcio, o movimento que inerente ao entendimento de um espao quadridimensional,
presente na arquitetura, ser assunto recorrente da arte experimental.
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Esse protagonismo do espao nos faz entender a importncia de conceitu#lo dentro desse campo
de produo cultural. Como mencionado logo no incio do prembulo anterior, uma das
percepes de maior senso comum em termos de realidade do espao acontece quando se olha
para arquitetura ou dela se faz uso. Naturalmente, a vida nas cidades inconcebvel sem a troca
entre sujeito e ambiente, instituda no lugar onde a arquitetura formalizada. dessa relao queo espao arquitetnico constitui#se, obviamente dentro de uma perspectiva construda a partir
dos paradigmas modernos. O que importa aquilo que no pode ser representado mas que umresultado da dinmica da relao entre indivduo e espao construdo, dando razo de ser
arquitetura em uma perspectiva mais ampla. No ambiente fisicamente ou socialmente construdo,
o espao aquele que s pode ser vivido, o lugar da experincia direta, como vimos de forma
introdutria. Obviamente que tal leitura tem suas origens ainda no pr#guerra, no sendo essa atnica do debate subseqente.
Entretanto, no de maior interesse imergir no debate da crtica de arquitetura moderna, mas
encontrar dento da disciplina uma discusso inicial acerca do conceito de espao, amparadosempre pelas circunstncias de um contexto histrico. Portanto, a compreenso do binmio
espao/arquitetura sofre ao direta do tempo. Argan !1966", atento ao fenmeno, problematiza
de forma enftica a noo de espao ao defini#lo como um produto de seus dois elementos
principais: a natureza e a histria. O autor parte, portanto, da premissa de que, ao falar de espao,
ele no est se referindo a
uma realidade objetiva, definida, com uma estrutura estvel, mas sim a um conceito, isto , a uma
idia que possui um desenvolvimento histrico prprio e cujas transformaes so expressadas
totalmente ou em parte $...%pelas formas arquitetnicas em particular e pelas formas artsticas em
geral !1966, p. 13, traduo nossa".
Esse desenvolvimento, para o que nos interessa, tem sua raiz histrica introduzida no comeo
dessa trilha, e suas transformaes so explicitadas no exerccio experimental, antecipatrio e
infindvel do pensamento artstico. J os dois componentes&natureza e histria #so necessrios
porque neles estaria contido o universo do pensamento humano, tanto em termos de produo
cultural como cientfica3. Portanto, toda vez que o homem quer criar alguma coisa deve enfrentar
o mundo fsico e as aes do passado. Seria da atitude assumida diante destes componentes que
derivariam as teorias que estruturam a prpria obra de arte. Nesse sentido, ao se pensar em um
desenvolvimento histrico prprio, est se limitando sua compreenso ao dado do que pode ser
produzido por linguagem ou por matria, estabelecendo relaes com o campo da realidade. Aprpria histria da arquitetura e da arte acompanha de certa maneira as percepes de mundo
3Essa observao nos faz pensar nas investigaes potico-espaciais do poeta e artista escocs Ian Hamilton Finlay (1926
2006), especialmente nas intervenes na paisagem de seu jardim Little Sparta (1966), criado em parceria com sua esposa
Sue Finlay. O artista atesta para a potncia da linguagem como ferramenta de investigao artstica, ao mesmo tempo em
que a fora expressiva da palavra em forma de aforismos adere aos elementos arquitetnicos construdos. Em certa
ocasio, o artista definiria natureza como the universal camuflage. Como veremos adiante, Cildo Meireles enfrentar a
relao entre natureza e cultura nas palavras finais de seu texto Inseres em Circuitos Ideolgicos, no qual sentenciava a
contaminao total da arte pela cultura e, por conseguinte, sua relao dicotmica e paradoxal com a natureza.
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7/23/2019 Diego Matos Tese
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que foram constitudas ao longo do tempo. Grosso modo, o mesmo pode se dizer do complexo
campo da filosofia.
Sendo assim, partindo da premissa de que se trata de um problema filosfico, um componente
essencial do conceito de espao a prpria concepo do mundo, da natureza em sua relao
com o indivduo e com a sociedade humana, um aspecto que poderia ser chamado de naturalista!traduo nossa, 1966, p. 14". O historiador afirma que em certos perodos histricos a
predominncia do componente natural acabou por definir indiretamente a produo artstica
como uma atividade de representao da natureza. Esta associao foi condio fundadora da
produo no Renascimento. Nasceram portanto todas as categorias de representao,
formulando#se a natureza da pintura, da escultura e da arquitetura. E ainda, nesse perodo, foi
agregado ao tema da natureza a questo da antigidade como histria. Portanto, sintomtico
que momento a idia de histria se tornasse indissocivel da noo de natureza. Essa aproximao
leva construo de uma estrutura que permanecer indissocivel na modernidade; s que sofrer
a ao subversiva empreendida pelo olhar contemporneo. A noo de olhar deve sercompreendida em toda sua amplitude sensria; uma relao sinestsica com o universo cultural.
Ao adentrar o campo da filosofia, Argan !1966"retoma a figura de Aristteles como o filsofo da
antigidade mais importante para a formao do pensamento ocidental. Perspectiva semelhante
conferida por Bollnow !2011"nos idos dos anos 1960. Sem retomar uma digresso pelo conceito
de espao na filosofia, um dado nos parece essencial na proposio aristotlica: de que esse espaopoderia ser compreendido como lugar cuja percepo s aconteceria pela possibilidade da
experincia do sujeito. Tal referncia retomada como primeiro momento em que a
conceituao de espao pode sugeri#lo enquanto fenmeno.
Aps uma leitura histrica que se inicia pelo Renascimento e a interpretao do Barroco,
destacando#se as figuras de Bernini e Borromini, Argan !1966" estabelece os parmetros de
compreenso do espao como fenmeno, o que algo coerente com a historiografia da arte. Vai
ao encontro do que Gombrich !2006" narra em seus captulo