Dilma vs Aécio

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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa OS APÓSTOLOS Análise crítica do discurso de Dilma Rousseff e Aécio Neves Andrezza Pinto Nascimento - nº 52645 Diego Medrado de Souza - nº 46312 Mestrado em Cultura e Comunicação

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Análise crítica do discurso de Dilma Rousseff e Aécio Neves ao longo da campanha eleitoral de 2014

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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

OS APSTOLOSAnlise crtica do discurso de Dilma Rousseff e Acio Neves

Andrezza Pinto Nascimento - n 52645Diego Medrado de Souza - n 46312Mestrado em Cultura e ComunicaoDocente: Maria Clotilde Almeida

Lisboa, 14 de janeiro de 2015

ndice

Introduo-------------------------------------------------------------------------------------------------- 2Metfora---------------------------------------------------------------------------------------------------- 3Contextualizao das eleies--------------------------------------------------------------------------- 5Background de Acio------------------------------------------------------------------------------------- 8Background de Dilma------------------------------------------------------------------------------------ 9Caractersticas comparadas---------------------------------------------------------------------------- 10Discursos Comparados--------------------------------------------------------------------------------- 11Concluso------------------------------------------------------------------------------------------------- 14Bibliografia----------------------------------------------------------------------------------------------- 15Anexos---------------------------------------------------------------------------------------------------- 16

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Introduo

Neste trabalho ser feito uma anlise aos discursos polticos de Dilma Rousseff e Acio Neves, os dois principais candidatos s eleies presidenciais do Brasil, em 2014. Foram selecionados dois discursos: o pronunciamento da presidente Dilma na conveno nacional do PT, em 21 de junho de 2014 e o pronunciamento do senador Acio na conveno nacional do PSDB, em 18 de maio de 2013. Estes dois discursos representam o essencial do programa defendido por ambos os candidatos.O mtodo de anlise ter por base o modelo de Charteris-Black em seu livro Politicians and Rhetoric: The persuasive power of metaphor.Seguindo o modelo citado, ser apresentado o background dos candidatos, as suas principais caractersticas e uma contextualizao das eleies 2014.Por fim, defenderemos a tese de que toda a campanha e o essencial dos discursos apresentados tm por base a metfora apostolar. Por outras palavras, quer Dilma, quer Acio sustentam a ideia de que foram escolhidos por uma figura maior, Lula da Silva e Tancredo Neves, respectivamente. Assim, ambos os candidatos podem ser metaforicamente comparados aos apstolos escolhidos por Jesus Cristo, motivo pelo qual o ttulo deste trabalho foi selecionado.

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Metfora

Uma metfora criada quando uma palavra usada em um novo contexto e este novo uso da palavra emerge de uma percepo de semelhana entre o contexto original e o novo. Esta semelhana que se observa a partir do uso da palavra provm de uma interpretao pessoal do indivduo. Assim, a metfora no algo que preexiste a linguagem, uma relao que criada pela linguagem no momento da interpretao. As palavras no nascem dotadas de metforas, as metforas emergem a partir da maneira como as palavras so usadas em um determinado contexto.1Entretanto, definir metfora no assim to consensual, como Charteris-Black afirma:

Ask ten metaphor scholars to count the metaphors in a text and you will probably come up with ten different answers; this is because of different views of what exactly counts as a metaphor. Aristotle proposed that Metaphor consists in giving the thing a name that belongs to something else. (Aristotle, in Ross 1952). Although this assumed that a name could be said to belong to a particular thing, it identifies two core ideas about metaphor: a metaphor requires two elements and some exchange between them. As Samuel Johnson put it: metaphor gives you two ideas for one, and as Richards noted in the Philosophy of Rhetoric: The mind is a connecting organ, it works only by connecting and it can connect any two things in an indefinitely large number of different ways(Richards 1936: 2 125).2

A metfora deixou de ser uma questo de interesse perifrico para se tornar uma rea central da pesquisa cognitiva e lingustica. A noo de embodiment prope que o prprio significado tem origem na experincia de nossos corpos enquanto eles interagem com o ambiente.2Os nossos eus emocionais e morais so mediados pelo pensamento para produzir metforas que nos permitem adaptar s mudanas em ambientes pessoais e sociais. Em ambos, o mundo da moralidade pblica e o mundo emocional privado, a metfora nos permite ganhar controlo sobre os sentimentos de incerteza decorrente da mudana. Quando a incerteza surge no mundo poltico, o conflito moral mediado por metforas para reduzir esta incerteza e restaurar a ordem moral que foi ameaada por uma mudana social, econmica ou tecnolgica.2 A mudana a palavra essencial durante toda a eleio e fruto da prpria metfora apostolar. Por um lado, o Brasil sofreu muitas mudanas desde o fim da ditadura, tendo como protagonistas Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, por outro lado, segundo Dilma o Brasil precisa de mais mudanas e seguir mudando, ou segundo o lema de Acio muda Brasil, o pas precisa mudar o rumo traado por Lula e retornar s mudanas de______________________________________________________________________________________________1 - Charteris Black, Jonathan. Metaphors of Control in Public and Private Worlds. University of Hertfordshire, CADAAD, 2008. YouTube, 27 de Maio de 2014.2 - Charteris-Black, Jonathan. Metaphors as Models of Political Leadership. University of Durham, 2008. PDF. p. 4. 3

Tancredo e Cardoso. (ver anexos, imagem 1). De uma forma ou de outra, mudar essencial, pois levar a boa nova e a mensagem da mudana o trabalho dos apstolos.Ao fazermos a anlise dos dois discursos e das suas respectivas metforas, demonstraremos como o uso duma linguagem persuasiva cria histrias credveis e consistentes no s sobre os prprios candidatos, mas tambm sobre o contexto em que eles esto inseridos. Desta forma, poderemos chegar ao cerne da metfora apostolar e ao modo como usada para persuadir a audincia. Assim, partindo daquilo que est errado no presente, a linguagem persuasiva dos polticos e o uso apropriado de metforas procura criar uma promessa de um futuro melhor. Este discurso feito ativando ideias, valores e sentimentos profundamente enraizados na sociedade.3 Tendo em conta a forte presena do cristianismo na sociedade e na cultura brasileira, usar a metfora dos apstolos perfeitamente acessvel e, ao mesmo tempo, profundamente motivadora.Apesar de fazer parte do conhecimento geral do povo brasileiro, a ideia de ser o eleito para seguir o caminho comeado por uma tradio, pode ter interpretaes diferentes, pois o conhecimento da cultura e da histria varia entre os indivduos. A metfora surge a partir da tomada de conscincia de uma relao de semelhana entre dois significados associados e tal conscincia desta semelhana muda de pessoa para pessoa, ou seja, um ato de interpretao pessoal do espectador.4Por fim, conclumos com a seguinte citao de Charteris-Black:

Consider this recent example: Putin anoints Medvedev as successor. () So in the Bible a divinely appointed king is referred to as "the anointed". The metaphor therefore implies that Putin has taken on a God-like role. () Metaphor enables us to adapt our mental understanding through such embodied experience of the world. The world is not directly accessible but is represented through concepts originating in our experience of our bodies () Metaphors therefore serve the symbolic purpose of mediating between minds as they understand the world, and bodies as they experience it and overcomes divisions between them. 4

Assim, a teoria da metfora conceptual prope que a linguagem tem a sua origem na experincia de nossos corpos. O autor ainda prope um ponto de origem (que o sentido original da palavra e est relacionada com a nossa experincia) e um ponto de chegada / destino (que o novo contexto em que a palavra usada e que est relacionada ao nosso entendimento). A correspondncia entre os dois pontos representada em uma srie de imagens que descrevem como a experincia corporal organiza nossa compreenso mental do ponto de chegada abstrato.

______________________________________________________________________________________________3 - Charteris-Black, J. (2011) Politicians and Rhetoric: The persuasive power of metaphor. Basingstoke & New York: Palgrave-MacMillan. p. XIV.4 - Charteris-Black, Jonathan. Metaphors as Models of Political Leadership. University of Durham, 2008. PDF. p. 2. 4

Contextualizao das eleies 2014

Brasil Contemporneo o nome que comummente se d ao perodo de 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial e fim da Ditadura Vargas) at aos nossos dias. Pode ser dividido em trs grandes partes. A primeira parte comea em 1945 e acaba em 1964, o perodo da democracia, do otimismo, da construo de Braslia, da instalao de empresas multinacionais, da exploso cultural na msica, no cinema e na televiso, nas artes e na literatura. Entre 1964-1985, temos o perodo da ditadura militar, dos planos de integrao nacional da sade, da educao, das telecomunicaes e das grandes obras de infra-estrutura como a rodovia transamaznica e a usina hidroeltrica de Itaipu. Perodo caracterizado tambm pelo baixo desenvolvimento dos indicadores sociais e pela alta inflao, pela censura, pela tortura dos que exprimiam opinies contrrias ao governo, pelos milhares de presos, pelos mais de 500 mortos e desaparecidos ofuscados pelas mos dos rgos de represso.A contestao ditadura foi constante e incansvel. Diversos setores da sociedade, como o movimento de mulheres, o movimento estudantil, o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), os sindicatos, o movimento negro, todos reivindicavam o retorno da democracia. Em 1983, surge o Diretas J, um movimento civil que reivindicava eleies presidenciais atravs do voto direto e que conquistou uma vitria parcial, em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito presidente atravs de um Colgio Eleitoral. Neste movimento encontramos todos os principais nomes da poltica democrtica brasileira, como Tancredo Neves, Ulysses Guimares, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Franco Montoro, Dante de Oliveira, Mrio Covas, Grson Camata, Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros.Em 1985, portanto, inicia-se o perodo da democracia, mas que s se consolida com a nova Constituio de 1988 e as eleies presidenciais livres e diretas de 1989.Desde 1994, as eleies presidenciais tm sido dominadas pelo Partido dos Trabalhadores, PT, e pelo Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB. De 1994 2002, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi o presidente do Brasil e de 2003 2010 o cargo foi ocupado por Lus Incio Lula da Silva, do PT. Aps 8 anos de poder do PSDB e 8 anos do PT, as eleies de 2010 tiveram trs protagonistas: Dilma Rousseff do PT - ex-ministra da Casa Civil do governo Lula; Marina Silva do Partido Verde - ex-ministra do meio ambiente do governo Lula; e Jos Serra do PSDB - ex-governador de So Paulo. A campanha foi dominada por temas morais e religiosos, como a descriminalizao do aborto e o casamento e unio civil entre pessoas do mesmo sexo, e pelos temas habituais, como o papel do Estado e a corrupo. No primeiro turno, Dilma teve 47% dos votos vlidos, seguida de Serra com 33% e Marina 19%. No segundo turno, Dilma foi eleita com 56% dos votos vlidos, devido principalmente ao forte suporte de Lula durante toda a campanha.O governo Dilma destacou-se nas seguintes vertentes: na economia fraco crescimento do PIB, manuteno da inflao abaixo dos 7%, baixo ndice de desemprego e um constante aumento dos salrios; nas questes sociais desenvolveu o programa Vale Cultura e o Mais Mdicos, manteve o Plano Brasil Sem Misria, ampliou o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, o programa Brasil Sorridente e o Farmcia Popular; implantou a Comisso Nacional da Verdade, com o intuito de averiguar violaes dos direitos humanos no Brasil entre 1946 e 1988; no ambiente destaca-se o contnuo desmatamento da Amaznia; por fim, na educao alcanou algum xito com o programa Pronatec e o Cincia sem Fronteiras.No incio de 2013, em plena pr-campanha eleitoral, Dilma aparecia como forte candidata reeleio. Entretanto, no fim do ms de junho, o aumento do preo dos transportes pblicos e o avultado investimento em obras para o Campeonato do Mundo FIFA despertou uma srie de grandes manifestaes contra o governo, contra a classe poltica e contra a corrupo no Brasil. Dilma viu o seu ndice de popularidade cair acentuadamente. Por isso, a presidente decidiu apresentar na televiso um plano de cinco pactos para responder s principais reivindicaes dos manifestantes reforma poltica; melhoria da sade pblica; maior responsabilidade fiscal e conteno da inflao; mais mobilidade urbana; e aplicao de 100% dos royalties do pr-sal na educao.Em outubro de 2013, Marina Silva, que tinha aumentado a sua popularidade ao longo dos protestos, viu o registo do seu partido ser negado pelo Tribunal Superior Eleitoral, por no ter o nmero mnimo de assinaturas. Impossibilitada de concorrer presidncia em 2014 pelo seu partido, juntou-se ao PSB Partido Socialista Brasileiro do candidato Eduardo Campos.Em 15 de novembro de 2013, figuras histricas do PT como Jos Dirceu, Jos Genono e Delbio Soares foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal depois do julgamento da ao penal do Mensalo. Dilma no fez comentrios e, inesperadamente, viu a sua popularidade aumentar. Ao contrrio das expectativas, quer a Taa das Confederaes FIFA 2013, quer o Campeonato do Mundo FIFA 2014, ambos realizados no Brasil, no tiveram grande impacto nas eleies presidenciais. Em julho de 2014, os trs principais candidatos estavam definidos: a presidente Dilma, do PT; o senador Acio, do PSDB; e o ex-governador do Pernambuco Eduardo Campos, do PSB.Em 13 de agosto de 2014, Eduardo Campos morreu em um acidente de avio, em um bairro residencial de Santos, So Paulo. A sua morte alterou significativamente o rumo das eleies (ver anexos, grfico 1).O PSB apresentou Marina Silva como candidata. Na pesquisa do Datafolha 152, realizada no dia 14 e no dia 15 de Agosto, Marina obteve 21% dos votos, contra 20% de Acio. Sendo assim, Marina e Dilma disputariam o segundo turno das eleies. Numa simulao do Datafolha referente ao segundo turno, as duas candidatas apresentavam empate tcnico. Ao longo do ms de agosto, a popularidade de Marina aumentou. Entretanto, o aparelho do PSDB e do PT foram suficientes para minimizar o poder do PSB. Acio aumentou a intensidade e agressividade do seu discurso, com fortes ataques estrutura do PT, aos 12 anos de poder e aos casos de corrupo e, alm disso, conseguiu associar a imagem de Marina ex-ministra do meio ambiente do governo Lula de seu ex-partido, o PT. Dilma, por seu lado, teceu crticas contra Marina referentes proposta de dar autonomia ao Banco Central e mudana de posicionamento sobre os direitos dos homossexuais. Assim, nas semanas seguintes, Marina (incapaz de motivar os sentimentos da populao brasileira para o seu projeto poltico) caiu para o terceiro lugar. Com a derrota no primeiro turno, ela decidiu apoiar, no segundo turno, o candidato Acio Neves, surpreendendo algumas expectativas sobre o seu possvel apoio Dilma.Por fim, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita no segundo turno, vencendo o senador Acio Neves com uma margem de apenas 3% (ver anexos, grfico 2).

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Background de Acio

Acio Neves da Cunha nasceu em Belo Horizonte no dia 10 de Maro de 1960, filho de Acio Cunha e Ins Maria e neto de dois importantes nomes da poltica brasileira: Tristo da Cunha e Tancredo Neves5.Em 1970, muda-se para o Rio de Janeiro com os pais e as irms. Em 1981, retorna a Minas Gerais a pedido de Tancredo Neves, que concorria ao governo do Estado. Aps a vitria, Tancredo escolhe Acio para o cargo de secretrio particular do governador.Alm do feitio para a poltica, Tancredo queria ensinar-lhe disciplina. Por isso, quando Acio apareceu sem gravata na primeira reunio do secretariado do Estado, o av pediu-lhe para se retirar. Mas o neto provou ser engenhoso, pois pegou a gravata de um empregado de mesa e retornou sala de reunio. Em 1984, graduou-se em economia pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais e, no ano seguinte, foi nomeado presidente da Caixa Econmica Federal. Em 1986, candidatou-se pela primeira vez e foi eleito deputado federal com o maior nmero de votos (236.019), cumprindo mais quatro mandatos consecutivos. Sua filha Gabriela nasceu em 1991, fruto do seu primeiro casamento com a advogada Andra Falco.Foi eleito presidente da Cmara dos Deputados em 2001 e, no ano seguinte, elegeu-se governador de Minas Gerais. Em 2006, foi reeleito com 77% dos votos vlidos. Em Maro de 2010, com o fim do mandato, Acio deixa o governo com uma popularidade de cerca de 92% (segundo pesquisa da Vox Populi/Fiemg) e fica conhecido como o governante que arrumou as contas do Estado, atravs do seu choque de gesto. No mesmo ano, foi eleito senador, repetindo o feito de ter sido o candidato mais votado de Minas Gerais e obteve sucesso na transferncia do seu cargo ao seu ex-vice governador, Antnio Anastasia, do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB.Em 2013, com o intuito de fortalecer o nome de Acio Neves a nvel nacional, o PSDB elege-o presidente do partido - com 97% dos votos. Neste ano, casou-se com Leticia Weber, com a qual teve um casal de gmeos. Em Junho de 2014, oficializa a sua candidatura Presidncia da Repblica e em Outubro recebe 48,36% dos votos vlidos, mas perde para Dilma Rousseff, que obtm 51,64%.

________________________________________________________________________________________________5- Tristo da Cunha: Em 1934, foi eleito Deputado Estadual Constituinte pelo Partido Republicano Mineiro. Posteriormente foi Secretrio da Agricultura, Indstria, Comrcio e Trabalho no governo deJuscelino Kubitschek.

Tancredo Neves: Advogado e empresrio com vasta trajetria na poltica brasileira, tendo sido primeiro-ministro, ministro da Justia e Negcios Interiores, ministro da Fazenda, governador do Estado de Minas Gerais e presidente do Brasil, em 1985.8

Background de Dilma

Dilma Vana Rousseff nasceu em Belo Horizonte no dia 14 de Dezembro de 1947, filha de uma professora e dona de casa fluminense6 e de um advogado e empreendedor blgaro.Seu pai fora filiado ao Partido Comunista da Bulgria e teve grande influncia em Dilma. Teve sucesso nos seus negcios e ao falecer, em 1962, deixou uma significativa herana imobiliria para a Dilma e os seus dois irmos.Em 1964, ano do golpe militar e incio da ditadura, Dilma associa-se ao COLINA - Comando de Libertao Nacional - um movimento que queria implementar o socialismo atravs da fora armada. Devido perseguio militar, em 1968, Dilma e outros membros do movimento refugiam-se no Rio de Janeiro. Conhece, ento, o advogado gacho Carlos de Arajo, dissidente do Partido Comunista Brasileiro, com quem viveu cerca de 30 anos e com quem teve a sua nica filha. Em 1969, o COLINA se associa Vanguarda Popular Revolucionria, formando o VAR-Palmares - Vanguarda Armada Revolucionria Palmares. Em Janeiro de 1970, Dilma foi presa e durante vrios dias foi torturada. Saiu do Presdio Tiradentes em 1972 e mudou-se para Porto Alegre, onde Carlos Arajo estava preso e onde se graduou em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1974, Arajo foi libertado.Nos 30 anos seguintes, Dilma exerceu diversos cargos na rea da poltica e da economia, alm de cursar o mestrado e doutorado em Cincias Econmicas na Unicamp. Foi estagiria na Fundao de Economia e Estatstica (FEE); trabalhou no Instituto de Estudos Polticos e Sociais (IEPES); ajudou Leonel Brizola na recriao do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e na fundao do Partido Democrtico Trabalhista (PDT); foi Secretria Municipal das Finanas de Porto Alegre e Secretria de Minas, Energia e Comunicaes do Rio Grande do Sul.Em 2000, depois de divergncias com o seu partido PDT, filiou-se ao PT para apoiar o candidato vencedor prefeitura de Porto Alegre. Em 2002, Lula vence s eleies presidenciais e, para surpresa de todos, escolhe Dilma para o cargo de Ministra de Minas e Energia do Brasil. Em 2005, assume o cargo de Ministra-Chefe da Casa Civil, substituindo Jos Dirceu, acusado de ser o mentor do Escndalo do Mensalo7.Em 2010, Lula escolhe Dilma para concorrer eleio presidencial, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente do Brasil. Em 26 de Outubro de 2014 foi reeleita, vencendo o candidato do PSDB, Acio Neves.

________________________________________________________________________________________________6 - Fluminense: NaturalouhabitantedoRiodeJaneiro.7 - Mensalo: escndalo decorrupo poltica baseada no pagamento de dinheiro em troca de apoio poltico.9

Caractersticas comparadas

Acio o poltico nato. Homem que sabe bem o que dizer, quando dizer e como dizer. Soube tirar proveito dos que o rodeavam, especialmente o seu av Tancredo e o seu pai8. Acio o bon vivant virtuoso, um sujeito sorridente, esbelto, voz calma e dico eloquente, sabe cativar e persuadir atravs do discurso. Tambm caracterizado pela ironia, pela desenvoltura em frente s cmaras e pela utilizao de uma linguagem rebuscada, quase potica.Pelo contrrio, Dilma o exemplo da contestao de esquerda, a Joana DArc da poltica brasileira. Mulher de fibra, de luta, da prtica civil, de linguagem direta e simples (ver anexos, outros dados). uma figura de traos militares, fruto do seu background de luta e contestao contra a ditadura militar e tambm devido ao contexto da poltica brasileira dominada por homens.Ambos so polticos experientes e reconhecem a impossibilidade de governar um pas com a dimenso do Brasil sem a cooperao da oposio. Por isso, Acio chama a si mesmo homem do dilogo, afirma que brigam as ideias e no os homens. Esta afirmao vai de encontro ao discurso de vitria de Dilma que declarou a sua forte esperana de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para construo de pontes () este o meu primeiro compromisso do segundo mandato: dilogo. Dois seres humanos divergentes no seu modo de ser, com caminhos pessoais e pblicos diferentes, mas que se cruzam numa disputa eleitoral. Nesta guerra discursiva apenas um pode ser o vencedor. Assim, podemos dizer que a verticalidade de Dilma foi um fator essencial para a criao de confiana no eleitor brasileiro, contrastando com a figura do bomio Acio.

8 - O pai de Acio Neves, Acio Ferreira da Cunha (1927- 2010), foi filho do importante poltico mineiro Tristo da Cunha e foi deputado estadual, deputado federal, secretrio de Agricultura, Indstria, Comrcio e Trabalho no governo de Kubitschek e presidente do Conselho de Administrao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES).10

Discursos Comparados

Dilma e Acio revestem-se do passado para construir a ideia de que so os apstolos escolhidos para continuar a obra comeada pelos verdadeiros heris da poltica brasileira uma espcie de poltica messinica.Dilma foi escolhida e teve o desafio de suceder uma lenda viva () Um gigante que em muitas reas fez mais, em 8 anos, do que outros governos em 80. Acio o sucessor nato do seu av Tancredo e do sonho da democracia, o lder de um partido que esteve sempre do lado certo, [porque] o PSDB sempre esteve do lado da democracia. Os companheiros que aqui esto no negaram a Tancredo o voto no Colgio Eleitoral no momento em que o grande objetivo do pas era virar a pgina do regime autoritrio. Segundo a irm do senador, a jornalista Andrea Neves Cunha, o que aconteceu foi simples: ele viu o peixe [Acio] e o colocou dentro dgua. A evocao da ideia de que foram escolhidos est presente no incio dos discursos. Alm disso, demonstram uma grande satisfao em poder representar e continuar o caminho iniciado pelos "gigantes" da histria poltica do Brasil. A seguir, destacamos dois fragmentos que ilustram a reflexo anteriormente citada:

Dilma: Agradeo, do fundo do meu corao, mais esta prova de confiana. Estou com a alma tomada da mais profunda gratido e alegria. hora de ampliarmos a extraordinria transformao pacfica que estamos fazendo h mais de uma dcada! Lula mudou o Brasil e o Brasil quer continuar mudando. A continuidade que o Brasil deseja a continuidade da mudana."

Acio: Hoje, presidente Fernando Henrique, no realizamos apenas mais uma conveno do PSDB. Hoje, ns nos reencontramos com nossa prpria histria. Com os nossos valores e princpios, mas, sobretudo, com a nossa responsabilidade de mudar o Brasil

Nestes trechos verificamos o mago de ambos os discursos. Enquanto h um passado a ser honrado, tambm existe um futuro a ser construdo. Segundo Dilma continuar mudando, ou seja, continuando o caminho de Lula, a continuidade da mudana. Para Acio mudar o Brasil, pensamento central do movimento Diretas J na luta contra a ditadura e que levou Tancredo eleio. Tambm foi a frase que finalizou a recitao da Constituio Brasileira de 1988, proferida por Ulysses Guimares. Neste sentido, este slogan ainda representa o pensamento que trespassou toda a trajetria histrica e eleitoral do PSDB e que foi empregado, igualmente, por Fernando Henrique nas suas duas vitrias para o cargo de presidente do Brasil.Alm disso, para corroborar a ideia da poltica messinica (a necessidade de salvao) preciso criar um ambiente de catstrofe eminente, estratgia utilizada por ambos os candidatos. Para Dilma o medo de voltar ao passado:

Se na eleio do presidente Lula a esperana venceu o medo, nessa eleio a verdade deve vencer a mentira e a desinformao; o nosso projeto de futuro deve vencer aqueles cuja proposta retornar ao passado.

J para Acio o desejo de dar novamente ao Brasil um governo srio e, por isso, o medo de um futuro desastroso guiado pelo PT:

() devolver ao Brasil um governo srio, honrado e eficiente. () Queremos tirar o pas das garras de um partido poltico que se esqueceu de suas origens e da sua histria. Que abdicou de ter um projeto de pas para se contentar com uma palavra nica e exclusivamente com um projeto de poder. () Vamos enfrentar um partido que se encastelou no Estado.

Aps evidenciarmos que a metfora apostolar o foco de anlise do discurso poltico deste estudo, descreveremos a seguir outras metforas conceptuais identificadas no decorrer da nossa investigao.

Recurso Metfora blica

Como Charteris-Black (2005, p.4) refere: The use of conflict metaphors is rhetorically effective as it identifies political opponents and creates an automatic set of oppositions that draw on knowledge of survival, assim, os trechos seguintes exemplificam este conceito de metfora blica:

Dilma: Quero conversar com vocs sobre as grandes batalhas que vamos enfrentar.Nossa misso, agora, dar vida a esta transformao democrtica e poltica, sem interromper, jamais, a marcha da grande transformao social em curso.

Acio: Companheiro de todas as trincheirasNo tero porque ns do PSDB, do Democratas, do PPS, no permitiremos que a maior das conquistas do nosso tempo, as liberdades democrticas sejam colocadas em risco por aqueles que no tem a dimenso do que servir ao pas.Os nossos adversrios, e aqui isso j foi dito, vm atentando contra a democracia, querendo colocar um garrote no Supremo Tribunal Federal, inibir as aes do Ministrio Pblico, cercear a imprensa, inibir a livre movimentao das foras partidrias Recurso Metfora do controlo

Ainda segundo Charteris-Black (2005, p.4) Another type of control metaphor for modeling leadership is when politicians represent themselves as creative forces for what is morally good. ()The conceptual metaphor I have proposed here is GAINING CONTROL IS CREATING WHAT IS GOOD. Para clarificar, tem-se os trechos a seguir:

Dilma: Eu no fui eleita para trair a confiana do meu povo, nem para arrochar salrio de trabalhador!

Acio: () Pois onde estiver o PSDB, meus amigos e minhas amigas, estejam absolutamente seguros, estar a defesa intransigente da tica, da liberdade e da democracia.

Recurso Metfora animal

O autor afirma que as metforas de animais are employed to add colour and a touch of lightness and humour to political discourse (CHARTERIS-BLACK, 2005, p. 109).

Dilma: Enquanto, no resto do mundo, a crise devorou, desde 2008, 60 milhes de empregos ().

Acio: Queremos tirar o pas das garras de um partido poltico que se esqueceu de suas origens.

Por fim, podemos tambm identificar uma estrutura textual pr-estabelecida, com uma sequncia esquemtica de temas polticos. Verificamos logo no incio dos discursos uma referncia aos respectivos companheiros (de destacar o facto de que Dilma inicia com companheiras) e aos militantes do partido (de destacar que Acio usa a expresso tucanos - militantes do PSDB):

Dilma: Companheiras e companheiros, agradeo, do fundo do meu corao, mais esta prova de confiana. () hora de construir mais futuro, queridos militantes e queridas militantes!

Acio: Companheiros e companheiras, tucanos de todas as partes desse maravilhoso Brasil.

De seguida, ambos seguem a estrutura lgica de temas fulcrais para o eleitor brasileiro, como a economia, a educao, a sade, os programas sociais, os transportes, a reforma poltica, entre outros. Para conclurem os seus discursos, os dois candidatos apresentam uma atitude positiva e de aclamao ao povo brasileiro e reforam a esperana em um futuro melhor: Dilma: Recolhamos os improprios e as grosserias e os transformemos em versos de canes de esperana no futuro do Brasil. Com a fora do povo, venceremos de novo. Viva o Brasil! Viva o Povo Brasileiro.Acio: Nos aguardem e nos esperem, porque vamos de novo escrever no Brasil uma pgina de dignidade, de competncia e de utopia. Por um Brasil mais justo e mais solidrio. Viva o PSDB. Contem comigo!Concluso

No mundo da moralidade pblica e no mundo emocional privado, a metfora nos permite ganhar controlo sobre os sentimentos de incerteza decorrente da mudana. Quando a incerteza surge no mundo poltico, o conflito moral mediado por metforas para reduzir esta incerteza e restaurar a ordem moral que foi ameaada por uma mudana social, econmica ou tecnolgica.A mudana foi a palavra essencial durante toda a eleio e fruto da prpria metfora apostolar. O Brasil sofreu muitas mudanas desde o fim da ditadura, tendo como protagonistas Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, mas o pas precisa de mais mudanas. Isto foi defendido tanto por Dilma Rousseff quanto por Acio Neves, pois levar a boa nova e a mensagem da mudana o trabalho dos apstolos. Ao fazermos a anlise dos dois discursos e das suas respectivas metforas, percebemos como o uso duma linguagem persuasiva cria histrias credveis e consistentes no s sobre os prprios candidatos, mas tambm sobre o contexto em que eles esto inseridos. Partindo daquilo que est errado no presente, a linguagem persuasiva dos polticos e o uso apropriado de metforas procura criar uma promessa de um futuro melhor. Este discurso feito ativando ideias, valores e sentimentos profundamente enraizados na sociedade. Tendo em conta a forte presena do cristianismo na sociedade e na cultura brasileira, usar a metfora dos apstolos perfeitamente acessvel e, ao mesmo tempo, profundamente motivadora.Assim, como j foi dito, os dois candidatos revestem-se do passado para construir a ideia de que so os apstolos escolhidos para continuar a obra comeada pelos verdadeiros heris da poltica brasileira uma espcie de poltica messinica.Por fim, podemos concluir que a anlise crtica metafrica uma ferramenta de anlise do discurso, a partir das metforas, que permite uma profunda compreenso daquilo que est subentendido e enraizado na ideologia do poltico, do partido e do prprio contexto e cultura em que o discurso se insere. Atravs deste instrumento de anlise, foi possvel desenraizar, descodificar e esclarecer aquilo que melhor caracterizou as eleies de 2014 no Brasil e aquilo que esteve na base dos discursos de Dilma e Acio, ou seja, a metfora apostolar.

Bibliografia

Charteris-Black, J. (2005) Politicians and Rhetoric: The persuasive power of metaphor. Basingstoke & New York: Palgrave-MacMillan

Charteris-Black, J. Metaphors as Models of Political Leadership. University of Durham, 2008. PDF.

Charteris-Black, J. Metaphors of Control in Public and Private Worlds. University of Hertfordshire, CADAAD, 2008. YouTube, acesso em: 27 mai. 2014

Biblioteca da Presidncia da Repblica. Ex-presidentes. http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes, acesso em: 20 dez. 2014

Acio Neves Senador. Biografia. http://aeciosenador.com.br/biografia/, acesso em: 23 dez. 2014

Portal do Planalto. Biografia da presidenta Dilma Rousseff. http://www2.planalto.gov.br/presidencia/presidenta/biografia, acesso em: 23 dez. 2014

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Anexos

Imagem 1

Grfico 19, primeiro turno

Grfico 210, segundo turno (contabilizando os votos brancos e nulos, 6%)

________________________________________________________________________________________________ 9 - Segundo os dados do Ibope125, Ibope132, Ibope141, Datafolha149, Ibope150, Datafolha152.10 - Segundo os dados do Ibope 170, Ibope 173, Datafolha 174, Datafolha 175, Datafolha 178, Ibope 182.16

Outros dados

Palavras e expresses usadas por ambos: companheiros (as), compromisso, mos, cabea erguida, futuro, transformao. Nmero de palavras utilizadas por Dilma: 2406. Nmero de palavras utilizadas por Acio: 3140.

PalavraDilma UtilizaesAcio Utilizaes

Mudar (e variaes)111

Transforma (e variaes)202

Brasil/brasileiro (e variaes)4138

Amigo (a)012

Trajetria04

17