Dimensões Da Não Aprendizagem

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Vânia Aparecida Marques Leite Dimensões da não APRENDIZAGEM Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

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  • Vnia Aparecida Marques Leite

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    Fundao Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-2834-4

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  • Vnia Aparecida Marques Leite

    IESDE Brasil S.A.Curitiba

    2012

    Edio revisada

    Dimenses da No Aprendizagem

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  • IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

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    2008 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    Capa: IESDE Brasil S.A.Imagem da capa: Shutterstock

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________L534d Leite, Vnia Aparecida Marques Dimenses da no aprendizagem / Vnia Aparecida Marques Leite. - ed. rev. - Curitiba,

    PR : IESDE Brasil, 2012. 102p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2834-4 1. Aprendizagem. 2. Psicologia educacional. I. Ttulo.

    12-4652. CDD: 370.15 CDU: 37.015.2

    03.07.12 20.07.12 037161 ________________________________________________________________________________

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  • SumrioAprendizagem e dificuldades ............................................................................................... 7

    Aprendizagem: concepes e fatores determinantes ...............................................................................7Processo de aprendizagem e suas dificuldades ........................................................................................8Inteligncia, aprendizagem e desempenho escolar ..................................................................................9Problemas, dificuldades e distrbios de aprendizagem ...........................................................................16Indicadores de dificuldades de aprendizagem na criana ........................................................................18

    Fracasso escolar: a dimenso do ensino ............................................................................... 25Abordagem social do fracasso escolar .....................................................................................................25Diversidade como um desafio da escola ..................................................................................................28Aprendizagem como ponto-chave para a superao do fracasso escolar ................................................34

    Dimenso psiconeurolgica da aprendizagem e suas dificuldades ...................................... 39O crebro e sua relao com a aprendizagem ..........................................................................................39Aspectos neuropsicolgicos da aprendizagem ........................................................................................42Transtorno do Dficit de Ateno Hiperatividade (TDAH) ..................................................................43

    Distrbios da linguagem: leitura e escrita ........................................................................... 53Leitura e escrita e suas dificuldades .........................................................................................................53Dislexia: distrbio de leitura e escrita .....................................................................................................56Implicaes sociais do iletramento ..........................................................................................................61

    Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distrbios ...................................................... 65Introduo psicomotricidade .................................................................................................................65Elementos do desenvolvimento psicomotor ............................................................................................66Psicomotricidade e aprendizagem ...........................................................................................................71Distrbios e perturbaes psicomotores: o que so? ...............................................................................72Psicomotricidade e as dificuldades de aprendizagem ..............................................................................76

    Fatores comportamentais e as dificuldades escolares ......................................................... 81Problemas de comportamento na escola ..................................................................................................81Distrbios de comportamento ..................................................................................................................81Distrbios de conduta ..............................................................................................................................84Distrbios de personalidade .....................................................................................................................84A escola diante dos problemas comportamentais ....................................................................................92

    Referncias ........................................................................................................................... 99

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  • Apresentao

    V ersar sobre o tema dimenses da no aprendizagem refletir acerca do ensino, da construo do conhecimento, da cognio humana, enfim, da multiplicidade de fatores que influenciam na aprendizagem e nas dificuldades de aprender.Ao longo deste livro, buscaremos compreender que as diferentes dificuldades de aprendiza-

    gem no devem ser vistas como ocorrncias isoladas, tampouco devem ser relegadas ao plano da exceo. Essas dificuldades, comumente enfrentadas por alunos e educadores em seu dia a dia, devem ser compreendidas a partir de seu significado scio-histrico, psicolgico e de outras dimenses que buscaremos elucidar ao longo deste estudo.

    Nesta perspectiva, abordaremos a inter-relao de temas como inteligncia, fracasso escolar, diversidade cultural e outros fundamentais para a compreenso do fenmeno da no aprendizagem em sua complexidade.

    Em uma perspectiva sociocultural abordaremos as dificuldades de aprendizagem na sua rela-o com o ensino, entendendo a escola como uma dimenso importante desse processo.

    No que tange aos aspectos psiconeurolgicos e emocionais, este estudo se prope a discutir as dificuldades de aprendizagem na sua relao com as funes cerebrais, abordando os aspectos psi-comotores e focalizando alguns distrbios especficos de aprendizagem e de comportamento e suas implicaes sobre a educao escolar.

    Dessa forma, convidamos voc, leitor, para o incio dessa jornada de estudos cujo principal objetivo a compreenso dos processos de aprendizagem e as dificuldades a eles relacionados como fenmenos multideterminados sobre os quais a escola tem um importante papel a cumprir.

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  • 7Aprendizagem e dificuldades

    Vnia Aparecida Marques Leite*

    Aprendizagem: concepes e fatores determinantes

    Longe de possuir uma definio exata, a aprendizagem um fenmeno complexo que permite interpretaes de diferentes enfoques tericos, cada qual evidenciando aspectos que a influenciam ou a determinam. Desse modo, pode ser abordada do ponto de vista biolgico, psicolgico, cognitivo e sociocultural, fato que muitas vezes gera concepes discordantes entre si.

    A aprendizagem um processo natural do ser humano, portanto, embora o objeto da nossa discusso seja a aprendizagem mediada pelo ensino escolar, importante ressaltar que a escola no o nico lugar onde ela ocorre.

    Entre as teorias que a discutem, podemos observar duas que atualmente j esto sendo superadas.

    A primeira afirma que ela est associada a um processo de memorizao e entende que o ato de aprender se reduz a uma operao intelectual de acumular informaes. Nessa perspectiva terica, a educao entendida como um proces-so simples de transmisso de conhecimento e o aluno como um receptculo vazio de informaes, tal como uma pgina em branco em que podem ser adicionados diferentes tipos de dados. O ambiente externo, formado por objetos e pessoas com os quais o indivduo se relaciona teria, segundo essa vertente, a capacidade de determinar toda a formao do indivduo, que entendido como aquele que moldado pelo meio. Essa concepo de aprendizagem, por supervalorizar a importncia do meio para a formao do indivduo, acaba por relegar ao segundo plano a importncia dos processos psicolgicos e das caractersticas individuais.

    A segunda corrente terica coexistiu no mesmo momento histrico que a pri-meira e se caracterizou pela evidncia dada aos fatores internos do indivduo no pro-cesso da aprendizagem, tais como sua hereditariedade e sua maturao neurolgica.

    Estudos posteriores, orientados pelas contribuies das diversas reas do conhecimento como a psicologia cognitiva e scio-histrica, a psiconeurologia, a antropologia e a lingustica ajudaram na formao de uma nova concepo de aprendizagem, que a entende como um fenmeno multideterminado. De acordo com esses estudos, os fatores internos do indivduo e externos a ele (meio) se inter- -relacionam continuamente, formando uma complexa combinao de influncias.

    Mestre em Psicologia da Educao. Graduada em Psi-cologia pela Pontifcia Univer-sidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Professora do curso

    de Graduao em Pedagogia na Universidade Cidade de So Paulo e em cursos de especia-lizao lato sensu em Psicope-dagogia.

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    Assim, para compreendermos o processo de aprendizagem, devemos con-siderar que ele resulta da relao entre as condies externas ao indivduo seu contexto familiar, social, cultural e educativo e de suas condies internas suas caractersticas individuais, orgnicas e psicolgicas.

    A aprendizagem abrange os hbitos que formamos ao longo de nossas vi-das, aspectos da vida afetiva, os conceitos cientficos e os valores culturais que assimilamos. Resulta, portanto, de uma interao entre as condies singulares, internas de um indivduo e os recursos desafiadores do meio sociocultural no qual est inserido. Nesse dilogo constante, ambos se transformam: indivduo e meio.

    Processo de aprendizagem e suas dificuldades

    A aprendizagem um fenmeno complexo, multideterminado e se consti-tui como um ponto central do desenvol-vimento de qualquer indivduo na medida em que permite sua adaptao ao meio. Contudo, uma adaptao favorvel so-mente possvel quando se tem as condi-es necessrias para isso, que permitem a manifestao de todo o potencial do aprendiz. Vejamos agora, rapidamente, as condies necessrias aprendizagem, a partir de trs dimenses: biolgica, sociocultural e emocional.

    Dimenso biolgicaA dimenso biolgica corresponde aos fatores neurofisiolgicos do indiv-

    duo. Pertence a essa dimenso o ciclo de desenvolvimento do sistema nervoso central, conhecido por maturao, problemas relacionados dinmica das fun-es cerebrais, seja por leses mnimas no crebro ou por outros fatores que pos-sam interferir nas funes elementares da aprendizagem, tais como percepo, ateno, memria e concentrao, entre outras.

    Dimenso socioculturalA dimenso sociocultural da aprendizagem corresponde s circunstncias

    sociais, econmicas e culturais as quais o indivduo est submetido e que podem limitar ou reduzir seu potencial de aprendizagem. Entre esses fatores, encontram- -se includos a desnutrio, pobreza e desorganizao familiar, fraca interao en-tre adultos e crianas, quer no plano ldico, quer no plano lingustico. Cabe consi-derar tambm os sinais de risco, prprios de algumas instituies educacionais que acabam por causar alguns entraves ao longo da aprendizagem em vez de facilit-la.

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    Entre tais entraves, pode-se citar a rigidez e o despreparo de algumas escolas para lidar com a diversidade cultural de seus alunos, evidenciada por atitudes pessimis-tas ou negativas de educadores, por problemas de organizao curricular etc.

    Dimenso psicoafetivaA dimenso psicoafetiva corresponde aos fatores psicolgicos sobre os quais

    no possvel falar sem levar em considerao as disposies biolgicas e socio-culturais do indivduo. Essa dimenso refere-se maneira de encarar os desafios do meio e disponibilidade afetiva para aprender.

    Os fatores psicolgicos abrangem, por exemplo, os sucessivos fracassos vi-venciados pela criana ao longo de sua trajetria escolar, que a levaram a desen-volver um sentimento de impotncia com relao sua capacidade de aprender. A maioria das crianas com esse tipo de histrico concebe a escola como um ambiente ameaador.

    A relao com o meio familiar e as condies socioculturais tambm for-necem elementos fundamentais estruturao da personalidade do indivduo que pode se tornar frgil, agressivo, altrusta, inseguro e proativo dependendo de suas relaes com os pais e a sociedade.

    Convm reafirmar a importncia do olhar multidisciplinar sobre a aprendi-zagem. Ela no um fenmeno isolado, previsvel. Tampouco depende unicamen-te do aluno ou da escola, mas nos impe a considerao de inmeras variveis que se dinamizam e se encontram em um permanente dilogo. Tendo compreendido esse processo, vamos prosseguir com algumas consideraes sobre o que inteli-gncia, sua relao com a aprendizagem e o desempenho escolar.

    Inteligncia, aprendizagem e desempenho escolar

    Ao discutirmos a aprendizagem escolar, deparamo-nos irremediavelmente com uma concepo de inteligncia bastante comum e antiga.

    H uma ideia dominante nos meios educacionais de que o aprender e suas dificuldades resultam de uma condio interna ou inata do indivduo. A ideia de que o aluno nasce inteligente acaba por justificar o baixo desempenho escolar de muitos, vistos como impermeveis aos apelos do ensino escolarizado.

    A inteligncia um conceito ou constructo que no desfruta de consenso. Se perguntarmos o que inteligncia a um grupo de pessoas, provvel que cada resposta defina inteligncia associando-a ao grau de esperteza de uma pessoa ou a sua capacidade para aprender, solucionar problemas e se sobressair em relao a um grupo de pessoas.

    Mas se perguntarmos a essas mesmas pessoas quais as caractersticas de uma pessoa inteligente, as respostas provavelmente tendero a ser diferentes, pois

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    a inteligncia no significa o mesmo para todas as pessoas. O mesmo ocorre no plano dos estudos sobre a inteligncia, no havendo uma definio nica e univer-salmente aceita.

    Historicamente, a inteligncia tem sido estudada e definida sob diferentes enfoques tericos, cada qual evidenciando habilidades cognitivas e diferenas in-dividuais. Muitas das ideias construdas e incorporadas por educadores e psiclo-gos para a explicao da inteligncia esto associadas tradio psicomtrica.

    Viso psicomtrica de intelignciaA cincia psicomtrica busca a medi-

    o de aspectos psicolgicos individuais por meio da aplicao de tcnicas e medidas. Segundo os tericos psicomtricos, a inteli-gncia um trao ou conjunto de traos que pode ser medido em escalas. Um dos obje-tivos dessa corrente terica identificar, de maneira precisa, quais so esses traos para medi-los e poder compreender de que modo as pessoas se diferem intelectualmente.

    Inspirados pela psicomtrica, Alfred Binet e Theodore Simon instauraram os testes de inteligncia. Em 1905, publicam uma escala mtrica da inteligncia humana. A partir dessa escala, aplicou-se o primeiro teste, contendo 30 itens, dispostos em or-

    dem crescente de dificuldade. O objetivo desse teste era o de avaliar as mais varia-das funes como julgamento, compreenso e raciocnio, para detectar o nvel de inteligncia ou retardo mental de adultos e crianas das escolas de Paris. Tais provas visavam avaliar o contedo cognitivo das crianas e por isso continham exerccios de ateno, percepo, raciocnio numrico, compreenso verbal etc.

    As habilidades avaliadas no teste estavam ligadas rea verbal e lgica, uma vez que os currculos acadmicos tendiam a enfatizar o desenvolvimento da linguagem e da matemtica, aspecto tambm presente nos atuais currculos.

    A Escala Binet-Simon obteve grande repercusso tanto na Europa como nos Estados Unidos da Amrica. Os testes de inteligncia ficaram conhecidos como testes de Q.I. (Quociente de Inteligncia). Isso porque, em 1912, outro estudioso da rea, William Stern, usou pela primeira vez o termo Q.I. com a finalidade de se referir ao nvel mental do indivduo. Tambm defendeu que esse coeficiente poderia ser calculado com a diviso da idade mental de uma pessoa pela sua idade cronolgica. Assim, uma criana com idade cronolgica de 10 anos e nvel mental de 8 anos, teria o Q.I. igual a 0,8.

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    Vale notar que a escala criada por Binet e Simon foi revisada por vrios outros tericos psicometricistas que passaram a compreender a inteligncia como um conjunto de capacidades distintas tais como: rapidez perceptiva, compreenso de palavras, fluncia verbal, fluncia numrica, visualizao espacial, memria e raciocnio. A inteligncia para esses pesquisadores explicada como uma habili-dade mental geral, em conjunto com habilidades especiais, podendo ser mensu-rada em termos gerais e ao mesmo tempo identificada por aptides especficas. Alm disso, essas habilidades so calculadas isoladamente do ambiente em que se insere o indivduo que as possui.

    Inteligncia nas perspectivas atuaisNas ltimas dcadas, novos estudos sobre a inteligncia teceram algumas

    crticas viso psicomtrica, fato que os tornou gradativamente bastante influen-tes. Dentre tais crticas podemos destacar:

    a inteligncia vista como capacidade geral, tal como na viso psicom-trica, ignora as habilidades especficas potenciais e as diferenas indivi-duais;

    a inteligncia vista como fator inato ou intrnseco ao indivduo gera obs-tculos ao desenvolvimento, uma vez que influencia a conduta do educa-dor que acaba por no investir em todas as potencialidades do aluno;

    a inteligncia, quando verificada, testada por instrumentos padronizados, ignora o papel do contexto sociocultural e as diferenas subjacentes a eles;

    a inteligncia no definida a priori, portanto no pode ser mensurada, mas potencializada por meio da educao.

    Inteligncia na teoria de PiagetEntre as crticas apontadas acima, uma das mais pujantes afirma serem as

    definies psicomtricas extremamente singulares, focadas no contedo intelec-tual ou naquilo que a criana sabe, em vez de analisar processos pelo qual esse conhecimento adquirido. Para compreendermos essa argumentao recorremos s ideias de Piaget.

    De acordo com Piaget, os atos intelectuais tal como a aprendizagem so entendidos como atos de organizao e de adaptao ao meio ex-terno. Todo indivduo nasce com uma capacidade inerente de aprender. Tal capacidade se d porque o indivduo possui um aparato biolgico, consti-tudo de estruturas neurolgicas que, quando em relao com o meio externo, promove o desenvol-vimento das estruturas cognitivas estruturando a inteligncia.

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    A inteligncia um recurso mental organizado que est a servio da adaptao do indivduo ao mundo em que vive. a prpria engrenagem e fun-cionamento das estruturas mentais. Essa organizao mental da experincia ocorre a partir da interao de quatro componentes que so, de acordo com Piaget: os esquemas, a assimilao, a acomodao e a equilibrao.

    EsquemasOs esquemas correspondem a estruturas mentais ou cognitivas pelas quais

    os indivduos se adaptam s experincias proporcionadas pelo meio. Podem ser pensados como conceitos ou categorias, tais como fichas de um arquivo: nesse caso, o arquivo a nossa estrutura mental e as fichas so os esquemas, que corres-pondem aos conhecimentos e registros da memria, permitindo-nos reconhecer e interpretar os estmulos do ambiente.

    medida que a criana se desenvolve, os esquemas vo se tornando cada vez mais diferenciados e complexos. Ou seja, h uma contnua modificao e am-pliao dos esquemas ao longo de nosso desenvolvimento.

    [...] os esquemas so construdos sobre as experincias repetidas. Os esquemas refletem o nvel atual, da criana, de compreenso e conhecimento do mundo. Os esquemas so, por ela, construdos. Como construes, os esquemas no so cpias exatas da realidade. Suas formas so determinadas pela assimilao e acomodao da experincia e, com o passar do tempo, elas se tornam cada vez mais prximas da realidade. Enquanto a criana um beb, os esquemas so um todo e, quando comparados aos esquemas do adulto, so extremamente imprecisos e incorretos. (WADSWORTH, 2003, p. 22)

    Assim, o modo como uma criana interpreta uma dada situao diz mais res-peito s caractersticas de uma etapa e seu desenvolvimento cognitivo do que pro-priamente inteligncia. Nessa perspectiva, o desempenho escolar depende mais da forma como a escola articula o modo de aprender do aluno com a maneira de ensinar, do que propriamente com o quociente de inteligncia do educando.

    Como ocorre a modificao dos esquemas ao longo da vida?

    Para responder a essa questo, Piaget recorre aos conceitos de assimilao e acomodao.

    AssimilaoA assimilao corresponde ao processo pelo qual a experincia incorpo-

    rada pelo indivduo, ou seja, o processo cognitivo que permite a integrao de um novo dado perceptual, motor, conceitual aos esquemas existentes. Poderia ser compreendida como o reconhecimento da experincia. Por exemplo, ao levar uma colher boca, a criana pequena j possui esquemas para colher (serve para comer), pois j a conhece e j possui esquemas referentes a essa informao. Ela sabe que o utenslio serve para comer, porque presenciou cenas de adultos uti-lizando-o para se alimentar. Assim, podemos dizer que a criana assimilou esse objeto, pelas propriedades culturais que ele possui, das quais ela j se apropriou.

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    AcomodaoImaginemos agora que essa criana, embora reconhea a colher na sua fun-

    cionalidade, ainda no consegue alimentar-se sem derrubar os alimentos. Dize-mos ento que algo na relao da criana com esse objeto est passando por um processo de ajustamento, ou melhor, de acomodao.

    Desse modo, a acomodao o processo pelo qual o dado novo (uso da co-lher para alimentar-se) incorporado aos esquemas j existentes (conhecimento que se tem do uso da colher). A experincia de comer sozinha com a utilizao do utenslio vai exigir da criana a mobilizao de esquemas motores e mentais que resultaro em um esquema novo, correspondente ao ato de se alimentar sozinha com o utenslio sem derrubar o alimento.

    Vale notar que os processos de assimilao e acomodao so necessrios para o crescimento e desenvolvimento cognitivo. O mecanismo que permite a regulao de tais processos denominado por Piaget de equilibrao.

    EquilibraoTodo indivduo possui a capacidade de aprender. Sempre que nos depara-

    mos com desafios novos, nossa inteligncia sofre um processo de desequilbrio cognitivo que proporciona motivao em busca de novo estado de equilbrio.

    Desde o nascimento at o final da vida, o conhecimento construdo pelo indivduo, sendo os esquemas do adulto construdos a partir de seus esquemas de criana. A equilibrao o mecanismo interno que regula os processos de assimilao e acomodao, visando adaptao do indivduo ao mundo e ao desen-volvimento intelectual.

    Como podemos relacionar as ideias de Piaget sobre a inteligncia com a questo do desempenho escolar e da aprendizagem?

    Para Piaget, as funes essenciais da inteligncia consistem em compreender e inventar; ou ainda, construir estruturas mentais de forma a organizar a realida-de. Por isso, acredita-se que o futuro da educao est em tirar proveito do desejo inato da prpria criana de reinventar o mundo do seu modo. Toda criana tem o direito de percorrer seu processo de desenvolvimento, por ser a nica respons-vel por construir conhecimentos que se encontram no mbito de sua sociedade e cultura. No entanto, muitas vezes, a escola no considera os processos cognitivos do aluno e suas diferentes etapas por desconhecer o desenvolvimento infantil. A escola piagetiana entende que a criana no tem dificuldades de aprender, mas problemas a resolver. Essa mesma criana possui inmeras hipteses a serem for-muladas sobre o mundo que a rodeia de forma que o compreenda gradativamente, de acordo com o estgio de inteligncia que vivencia no momento.

    Um ambiente educativo deve ser desafiador para a inteligncia da criana, gerando desequilbrios cognitivos para que a aprendizagem ocorra de forma sig-nificativa e estabelea novo equilbrio. Ignorar os processos de construo inter-

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    na do aluno significa focalizar a ao pedaggica somente no ensino, induzindo aquele que tem dificuldades em atender s expectativas do seu professor ao fra-casso escolar inexoravelmente.

    Pode-se perceber que no existe uma inteligncia nica e universalmente aceita, mas sim um indivduo que aprende e se desenvolve de maneira dinmica e com infinitas possibilidades.

    Desse modo, s se pode afirmar que uma criana possui dificuldades de apren-dizagem quando no atende minimamente ao processo de aprendizagem realizado pela maioria dos seus colegas da mesma idade. O que se v nas escolas, no entanto, a estigmatizao precipitada de alunos que so problemas para seus professores apenas por possurem um modo diferente de assimilar o mundo e as coisas que se distancia dos modelos de ensino-aprendizagem tradicionais.

    Teoria das inteligncias mltiplasA teoria das inteligncias mltiplas, desenvolvi-

    da por Howard Gardner, em 1982, surgiu em discor-dncia ideia de que existe apenas um nico tipo de inteligncia. Para Gardner, a inteligncia a integrao articulada de vrios fatores ou habilidades que formam a base das diferenas individuais, podendo ser alterada pelos estmulos ambientais. Para identificar a existn-cia de mltiplas inteligncias, essa teoria baseou-se em pesquisas de vrias reas do conhecimento: psicologia, neuropsicologia, antropologia, biologia e estatstica.

    Gardner tambm se embasou nas recentes pes-quisas da neurologia que afirmam que o crebro huma-no funciona de maneira integrada, no entanto, possui centros neurais altamente especializados quanto ao processamento de diferentes tipos de informao. Essa premissa se ope, portanto, concepo psicomtrica de inteligncia, bem como nfase dada por Piaget habilidade lgico-matem-tica para definir a inteligncia.

    De acordo com Gardner, todo ser humano que mantm preservadas suas funes neurolgicas e mentais capaz de integrar as experincias que vivencia sob oito reas intelectuais, que ele denominou de inteligncias. So elas: corporal--cinestsica, lingustica, lgico-matemtica, espacial, intrapessoal, interpessoal, musical e naturalista. Vejamos cada uma delas.

    Inteligncia corporal-cinestsica habilidade para usar o corpo com desenvoltura, para se expressar, alcanar objetivos e habilidades para manusear objetos.

    Inteligncia lingustica sensibilidade para os sons e significados das palavras, para a estrutura da linguagem e para suas diversas possibilida-des de uso.

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    Inteligncia lgico-matemtica habilidade para perceber e trabalhar com relaes nos sistemas abstrato-simblicos e pensar lgica e sistema-ticamente sobre as prprias ideias, avaliando-as.

    Inteligncia espacial habilidade para perceber relaes visuais e es-paciais com facilidade, transformar tais relaes e recriar aspectos da experincia visual na ausncia de um estmulo pertinente.

    Inteligncia interpessoal habilidade para perceber e responder de modo apropriado ao humor, ao temperamento, s motivaes e s inten-es de outros.

    Inteligncia intrapessoal sensibilidade ao prprio estado interior, re-conhecimento das prprias foras e fraquezas e habilidades de usar in-formaes sobre si para se comportar adaptativamente.

    Inteligncia musical sensibilidade para melodia, habilidade para com-binar tons e frases musicais em ritmos mais amplos, compreenso dos aspectos emocionais da msica.

    Inteligncia naturalista sensibilidade aos fatores que influenciam os organismos (fauna e flora) no ambiente natural e que so influenciados por ele.

    Para Gardner, a viso psicomtrica de inteligncia engana-se ao acreditar na possibilidade de medio do quociente intelectual. Segundo o autor, cada inteli-gncia manifesta-se de maneira diferente e, por isso, deve ser observada e analisa-da de maneira especfica e independente das outras. Essa independncia entre as diferentes inteligncias pode ser percebida pelo fato de que alguns indivduos, que so excepcionais em algumas atividades, so pssimos em outras. Assim, uma pessoa pode no ser brilhante na escrita de textos ou na expresso verbal que corresponde inteligncia lingustica mas pode se destacar nos aspectos que en-volvem relacionamentos em grupo, fato que lhe denota inteligncia interpessoal.

    Para o autor, a inteligncia pode ser definida como a habilidade para re-solver problemas ou criar produtos que so valorizados dentro de determinados ambientes culturais.

    Como as inteligncias mltiplas se relacionam com a aprendizagem e o desempenho escolar?

    Tradicionalmente, as escolas tendem a valorizar dois tipos de inteligncia: a lingustica e a lgico-matemtica.

    Na tradicional configurao de escola, o aluno que aprende melhor utilizan-do outras habilidades que no aquelas valorizadas pelo ambiente escolar acaba prejudicado; fato que, na maioria das vezes, incorre em fracasso escolar e na frus-trao dos objetivos da escola e do prprio aluno.

    Quanto mais possibilidades forem dadas aos alunos para a manifestao de suas habilidades diferenciadas, maior a possibilidade de aprendizagem. Assim, a

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    escola deve considerar igualmente todas as inteligncias na elaborao e execuo do seu projeto pedaggico.

    Em resumo, podemos concluir que inteligncia, aprendizagem e desempe-nho escolar so aspectos que se inter-relacionam no processo de ensino-aprendi-zagem. No entanto, a compreenso da variedade de influncias internas e externas exercidas sobre essa relao de fundamental importncia para no incorrermos em dois equvocos: a) o primeiro refere-se perigosa associao que se faz entre o nvel de inteligncia do aluno com os resultados de sua aprendizagem na escola. Muitas vezes, esse tipo de avaliao d margem para que ocorram equvocos, pois o aluno pode, por exemplo, ter um timo aproveitamento na realizao de uma prova, mas obter esse resultado simplesmente porque memorizou os contedos, sem t-lo aprendido; e b) o segundo equvoco o de impor ao educando a categoria de pouco inteligente apenas devido ao seu baixo desempenho escolar. Isso seria, no mnimo, injusto se considerarmos o fato de que a escola no tem demonstrado, de modo geral, considerar todas as formas de habilidades e inteligncias expressas pelos alunos em suas avaliaes.

    Problemas, dificuldades e distrbios de aprendizagem

    comum ouvirmos, de pais e educadores, comentrios referentes s dificul-dades das crianas para aprender:

    esforado, mas no consegue aprender.

    muito distrado, perde objetos com frequncia e parece desorientado.

    No consegue se expressar com clareza.

    atrapalhada, tropea e cai com frequncia.

    Realiza e compreende bem as tarefas, mas no consegue aprender a ler.

    No conjunto das explicaes fornecidas por pais e educadores para expres-sar a frustrao com a no aprendizagem da criana, comum a utilizao de termos como problemas de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem, dis-trbios de aprendizagem que so mencionados equivocadamente sem nenhum critrio, gerando confuso e preconceitos sobre o assunto.

    Problemas de aprendizagemOs problemas de aprendizagem podem ser caracterizados por um conjunto

    de variveis e influncias que bloqueiam ou dificultam o seu processo natural. Como vimos, ela decorre da conjugao entre fatores externos e internos ao in-divduo. De modo geral, os problemas ocorrem quando internamente, no aluno, a sntese desses fatores no se realiza de maneira harmoniosa, gerando obstculos ao aprendizado.

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  • Aprendizagem e dificuldades

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    Dificuldade de aprendizagemDe acordo com Ciasca (2003), as dificuldades de

    aprendizagem correspondem a uma categoria ampla de fe-nmenos que podem influenciar negativamente o aprendi-zado. Abrangem os problemas de aprendizagem e os pro-blemas escolares, isto , o modo como a escola lida com o processo de ensino-aprendizagem. Enquanto os problemas de aprendizagem concentram o peso da dificuldade no aluno, as dificuldades de aprendizagem incluem os fatores externos ao aluno. No caso da escola, so os problemas de origem pedaggica.

    Distrbios de aprendizagemDe acordo com a definio estabelecida em 1981, pelo National Joint Co-

    mittee for Learning Disabilities (Comit Nacional de Dificuldades de Aprendiza-gem), nos Estados Unidos da Amrica,

    Distrbios de aprendizagem um termo genrico que se refere a um grupo heterogneo de alteraes manifestas por dificuldades significativas na aquisio e uso da audio, fala, leitura, escrita, raciocnio ou habilidades matemticas. Essas alteraes so intrn-secas ao indivduo e presumivelmente devidas disfuno do sistema nervoso central. Apesar de um distrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com outras condies desfavorveis (por exemplo, alterao sensorial, retardo mental, distrbio so-cial ou emocional) ou influncias ambientais (por exemplo, diferenas culturais, instruo insuficiente/inadequada, fatores psicognicos), no resultado direto dessas condies ou influncias. (COLLARES; MOYSS, 1993, p. 32)

    Embora o termo distrbio possua uma conotao mdica tendo em vista que sugere alteraes anormais em algumas funes neurolgicas, tem sido muito utili-zado por educadores, fato que revela a influncia da viso mdica na educao. Em consequncia disso, culpa-se o aluno pelo fracasso de sua prpria aprendizagem.

    Alguns autores utilizam a expresso dificuldade de aprendizagem para se referirem aos distrbios anteriormente mencionados. Entre esses autores est Fon-seca (1995) que afirma que as dificuldades de aprendizagem so desordens con-sideradas intrnsecas ao indivduo, podendo advir de uma disfuno do sistema nervoso central. Os alunos considerados portadores de dificuldade de aprendiza-gem so aqueles que, mesmo no possuindo inferioridade intelectual global, nem limitaes sensoriais decorrentes de deficincia auditiva, visual, fsica ou mltipla apresentam dificuldades para aprender.

    De acordo com Fonseca (1995), fatores externos como condio socioeco-nmica, oportunidades de acesso aos bens culturais, ambiente familiar podem agravar as manifestaes dessas dificuldades, mas elas no desaparecem, mesmo na presena de uma pedagogia eficaz.

    Inm

    agin

    e.

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    Indicadores de dificuldades de aprendizagem na criana

    As dificuldades de aprendizagem podem ser analisadas a partir de alguns indicadores expressos nas respostas do aluno durante a situao da aprendiza-gem escolar. Vamos conhecer agora alguns indicadores apresentados por Fonseca (1995).

    Problemas de atenoMuitas crianas podem apresentar dificuldades em focar a ateno, fato que

    lhes dificulta selecionar os estmulos mais relevantes daqueles de menor impor-tncia. Essa suposta distrao ou falta de foco acaba por influenciar o aprendizado do educando, pois um ambiente muito carregado de estmulos impede que sejam processadas e selecionadas as informaes necessrias ao aprendizado.

    Problemas perceptivosOs problemas perceptivos que mais se destacam na criana com dificuldade

    de aprendizagem so os de discriminao visual e os de discriminao auditiva.

    As crianas pequenas, devido ao andamento do seu processo cognitivo e maturacional, ainda no conseguem identificar, discriminar e interpretar estmu-los ao mesmo tempo. Quando o desenvolvimento perceptivo no ocorre a conten-to, essa caracterstica se mantm nas idades posteriores, indicando uma dificulda-de na aprendizagem.

    A criana com deficincia perceptiva tem dificuldade para distinguir, dife-renciar, analisar estmulos sutilmente semelhantes, mas com significados muito diferentes, comprometendo a sua compreenso de muitos dos materiais de apren-dizagem. Como exemplo podemos citar o caso de crianas que apresentam pro-blemas em identificar as diferenas entre sons e letras, confundido-as.

    Problemas emocionaisOs problemas emocionais quase sempre acompanham as dificuldades de

    aprendizagem. s vezes correspondem origem da dificuldade, outras vezes, so consequncia.

    comum ouvirmos pais e educadores queixarem-se de que seus filhos e alunos, cujo histrico j apresenta dificuldades de aprendizagem, so nervosos, desorganizados, tmidos, instveis, dependentes, agressivos, entre ou-tras adjetivaes.

    Efetivamente, nenhuma criana est imune atmosfera da aprendizagem e tem de lidar com as cobranas da famlia e da escola em relao ao seu desem-penho. Quando a comunicao entre a criana e seus pais ou professores no se

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    desenrola de maneira favorvel pode gerar um estresse emocional que se manifes-tar sob a forma de baixa autoestima, fobias, instabilidade, agressividade, impul-sividade, entre outras formas de desajustamento comportamental.

    Problemas de memriaA memria um processo neuropsicolgico imprescindvel aprendizagem.

    o reconhecimento e a reutilizao do que foi retido e aprendido. Crianas com problemas relacionados memria possuem dificuldade em reter informaes.

    Quando a memria est comprometida, a capacidade de ateno e compre-enso fica igualmente prejudicada, pois para que a aprendizagem ocorra neces-sria a realizao de associaes entre aprendizagens passadas e os estmulos presentes. Essas associaes constituem a maneira com que o crebro classifica, ordena e integra as informaes, resultando em novas aprendizagens. Se h limi-tes quanto capacidade de se recordar e selecionar informaes, tambm haver limitaes para a aprendizagem.

    Para uma boa aprendizagem necessrio que a memria sequencial, visual e auditiva esteja em perfeito funcionamento, visto que podem influenciar mais significativamente no xito ou fracasso da mesma.

    A memorizao auditiva est ligada compreenso e recordao de instru-es simples. Quando essa funo no est funcionando corretamente, a criana pode apresentar dificuldade na execuo de uma sequncia de tarefas, esquecen-do-se de realizar parte delas. Pode tambm surgir a dificuldade em reproduzir slabas e palavras, ou ainda, uma inadequada utilizao da linguagem.

    A memorizao visual necessria ao reconhecimento, compreenso e re-cordao de informaes visuais como imagens, smbolos grficos, letras, nme-ros, palavras etc.

    Quando essa funo da memria est comprometida, a criana pode apre-sentar dificuldade de relacionar as partes e o todo em um estmulo visual, devido a uma dificuldade no armazenamento da informao. D-se o reconhecimento momentneo que no reutilizado posteriormente.

    Algumas dificuldades de leitura e escrita esto diretamente relacionadas ao funcionamento da memria visual, especialmente nos casos em que a criana no consegue lembrar-se dos smbolos e letras recentemente aprendidos.

    Problemas psicolingusticosOs problemas psicolingusticos referem-se dificuldade do crebro em re-

    cepcionar, integrar e expressar informaes, resultando em desordens da lingua-gem falada e escrita.

    Podemos relacionar a essa categoria de dificuldades os seguintes casos: pro-blemas de compreenso do significado das palavras, de frases, histrias e con-versas; problemas em seguir e executar instrues simples e complexas, de fazer

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    associaes auditivas ou dificuldade de expresso, vocabulrio restrito e limitado, a aquisio e compreenso de regras gramaticais e fonolgicas, dificuldades em relacionar palavras com imagens, discriminar sons e slabas sem significado, len-tido na associao entre os fonemas (sons) e grafemas (letras).

    Problemas psicomotoresOs aspectos psicomotores da aprendizagem referem-se ao modo como o

    conjunto constitudo por mente, corpo e afetividade se integram na relao do indivduo com o meio. Assim, o movimento do corpo expressa um estado afetivo e cognitivo.

    Grande parte das crianas com dificuldade de aprendizagem apresenta pro-blemas de organizao psicomotora. O exagero ou rigidez na expresso do movi-mento, dificuldade de orientao no espao, problemas de equilbrio, movimentos imprecisos so algumas das caractersticas observadas em casos de falha na orga-nizao psicomotora.

    Entre as implicaes para a aprendizagem podemos citar as dificuldades na compreenso das noes espaciais e temporais, necessrias aprendizagem de, por exemplo, conceitos de geografia, histria, ou mesmo percepo da orienta-o espacial das letras e palavras na composio da escrita.

    1. Observe o caso abaixo:

    Bruno um aluno ativo de 12 anos, possui vrios amigos, uma capacidade de liderana invejvel, um excelente pianista, alm de ser muito criativo nas tarefas artsticas. No entanto, apresenta srias dificuldades com leitura e escrita, no consegue ler uma sentena simples e pos-sui dificuldades com as operaes matemticas fato que deixa seu rendimento escolar abaixo da expectativa para alunos da sua idade e srie.

    Como a teoria das inteligncias mltiplas explicaria o caso de Bruno?

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    2. Rena-se com seus amigos e discuta qual a relao entre inteligncia, aprendizagem e desem-penho escolar. Em seguida, responda: por que um bom desempenho escolar no pode ser con-siderado sinnimo de inteligncia?

    3. Leia atentamente a histria de Gilvan:

    Gilvan um garoto de dez anos que est matriculado na 3. srie do ensino fundamental.

    o quinto filho de uma famlia de nove irmos e, segundo sua av, nasceu prematuro de um parto com complicaes. O cordo umbilical teria enrolado no pescoo do beb, impedindo sua respirao. Como nasceu desnutrido, era muito mido e teve que ficar na UTI do hospital para ganhar peso antes de ir para casa.

    Gilvan cresceu no serto nordestino, morando com a av, irmos e primos. A me havia falecido e seu pai fora para So Paulo em busca de emprego, sendo que jamais voltou para o Nor-deste. O menino morou l com parte de sua famlia at os oito anos, quando mudou-se para So Paulo juntamente com uma tia e dois irmos mais novos.

    Atualmente, Gilvan mora em uma casa construda em terreno da prefeitura, prximo esco-la, juntamente com os irmos, a av e uma tia.

    Na casa de Gilvan, apenas o irmo mais velho tem emprego fixo. Sua av e sua tia so diaris-tas e Gilvan, juntamente com dois irmos, ajuda na renda familiar vendendo balas no semforo.

    Quando tinha trs anos, Gilvan teve uma forte infeco no ouvido, o que afetou parcialmente a sua audio.

    A professora do menino o considera preguioso e desinteressado, pois no presta a devida ateno nas explicaes e falta muito s aulas.

    Seu desempenho escolar considerado ruim, pois j est na escola h trs anos e ainda apresenta muita dificuldade com a leitura e escrita. Possui um vocabulrio pobre e, apesar de no atrapalhar as aulas, s vezes recusa-se a realizar atividades de leitura e escrita devido a sua dificuldade em realiz-las. Consegue copiar textos da lousa, mas no consegue ler e interpretar adequadamente nem escrever ditados.

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    Considerando o que voc estudou neste mdulo, analise e discuta com seu grupo de colegas de que modo as dimenses biolgica, sociocultural e emocional se expressam no caso do menino Gilvan.

    Ao final da discusso comente a seguinte afirmao:

    A aprendizagem e suas dificuldades so processos multideterminados.

    A Ma Direo de Samira Makhmalbaf.

    A Ma um filme iraniano que conta a histria verdica de duas meninas gmeas, que foram trancafiadas em casa pela famlia, at os 11 anos de idade. Nesse perodo, nunca tiveram contato com outras pessoas a no ser com os pais. Criadas em ambiente familiar pobre de estmulos e uma quase ausente comunicao afetiva com a me cega e o pai, as meninas aprisionadas perdem a chance de desenvolver-se potencialmente apresentando sequelas cognitivas e psicomotoras.

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    1. Bruno apresenta dificuldades na rea lingustica e lgico-matemtica, mas isso no significa que seja menos inteligente uma vez que apresenta habilidades e talentos em outras reas.

    2. A aprendizagem um dos fatores do desempenho escolar, mas o bom desempenho escolar no significa que a aprendizagem tenha ocorrido de fato. Podemos citar como exemplo o aluno que teve um bom desempenho porque tirou boas notas, mas isso s foi possvel apenas porque memorizou algumas informaes e no aprendeu de fato o contedo escolar. Em outro caso, uma criana pode ter aprendido coisas importantes para sua vida, mas que no so valorizadas pela escola. Essa criana pode ser extremamente inteligente e proativa ainda que possua um desempenho escolar abaixo do esperado por seus professores.

    3. A aprendizagem um fenmeno complexo, influenciado por fatores internos e externos ao aprendiz.

    No que se refere aos fatores internos ela depende da integridade biolgica, da etapa do desenvol-vimento neurolgico e cognitivo em que se encontra, alm das caractersticas individuais que levam cada um a absorver as experincias de modo particular.

    No que se refere aos fatores externos aprendizagem, depende do contexto social, cultural, fa-miliar e educativo com os quais o aprendiz interage. Assim, as condies podem ser favorveis ou no aprendizagem. Os fatores internos e externos interagem continuamente na construo da aprendizagem.

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    Fracasso escolar: a dimenso do ensino

    Abordagem social do fracasso escolarDiscutir o fracasso escolar sob a dimenso do ensino exige, antes de tudo, considerar que qual-

    quer tentativa de anlise nessa direo perpassa por vrias outras relacionadas. Ignorar a influncia dos aspectos internos do aluno pode limitar a prpria ao pedaggica na busca do xito de sua edu-cao. Como afirma Carvalho (2000), to perverso como atribuir aos alunos a culpa por seus insuces-sos, isentando o papel da escola e do professor, atribuir a culpa do fracasso somente aos mtodos de ensino e ao modo como a escola estrutura-se em seu currculo. O fracasso escolar deve ser analisado e explicado considerando-o na sua complexidade.

    Durante muito tempo as causas do fracasso escolar foram buscadas na famlia e no aluno. Por influncia da concepo mdica e da psicologia, fatores como predisposio gentica, aptides here-ditrias, dificuldades orgnicas e psicolgicas foram argumentos bastante discutidos e validados para explicar a falta de xito no aprendizado escolar.

    Somente na dcada de 1970, o fracasso escolar passou a ser concebido a partir de perspectivas mais amplas. A teoria da carncia cultural foi uma das contribuies para aquele momento histrico, ao afirmar que o xito na escola estaria diretamente relacionado ao sistema socioeconmico e cultural em que se insere o educando. Essa teoria influenciou profundamente a educao brasileira, instigan-do a criao de programas compensatrios no sentido de recuperar o atraso e diminuir o estado de carncia dos alunos. Essas aes foram defendidas como formas de garantir a igualdade de condies de aprendizagem aos alunos carentes culturalmente, ou seja, queles que, devido sua condio socioeconmica desfavorecida, no possuam os subsdios considerados necessrios a uma educao integral.

    A teoria da carncia cultural logo sofreu crticas acirradas por influenciar a concepo acerca do fenmeno do fracasso a partir de uma abordagem preconceituosa. Segundo os crticos, essa abor-dagem favorecia a desigualdade social e o assistencialismo, j que consideravam que as classes menos favorecidas, devido a sua condio socioeconmica, eram inferiores culturalmente. A teoria da carn-cia cultural contribuiu para certo imobilismo nos meios educacionais que, de maneira fatalista, no se viam em condies de resolver o problema do fracasso escolar de maneira efetiva.

    Estudos posteriores buscaram explicitar a relao entre o modelo excludente de sociedade capi-talista e a escola enquanto avalista e reprodutora de prticas igualmente excludentes. Assim, a partir da dcada de 1980, outras contribuies tericas se deram no sentido de ampliar as discusses acerca das implicaes do sistema educativo, tal como est organizado, nos ndices de fracasso escolar.

    Embora os avanos de tal discusso apontem para uma viso multidimensional, ainda predo-mina nos meios educacionais um entendimento de que o fracasso tem como uma de suas principais causas o prprio aluno, ou ainda, a sociedade tal como se encontra organizada.

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    Podemos observar a influncia dessa percepo expressa cotidianamente na fala dos professores para justificar o rendimento de seus alunos.

    O problema da famlia, pois os pais no tm estudo e no incentivam seus filhos.

    Se o governo investisse mais em recursos educacionais acabaria o pro-blema da educao no Brasil.

    A criana no tem motivao para estudar porque no tem perspectiva de um futuro melhor.

    O aluno fracassa porque se alimenta mal desde pequeno e isso preju-dica a sua aprendizagem.

    Poderamos certamente esgotar as prximas pginas com argumentaes parecidas, todas apresentando em comum a crena de uma possvel iseno da escola no que se refere problemtica do fracasso escolar.

    Essa percepo denota que o fracasso do aluno ocorre por alguma coisa que ele no possui e que, portanto, faz-lhe falta como um ambiente familiar mais estruturado, mais recursos materiais, maior inteligncia, servindo iseno da escola como coadjuvante nesse processo.

    De acordo com Patto (1996), a superao do fracasso escolar passa pelo reconhecimento da complexidade desse fenmeno, considerando os mltiplos as-pectos que o determinam: a instituio escolar tal como organizada, as polticas, o contexto scio-histrico, a condio social e as ideologias sob as quais se ampa-ra a prtica educativa.

    Para Sacristan (2002), o currculo uma seleo cultural. O modo como ele se organiza dentro de uma estrutura educacional determina os aspectos da cultura a serem priorizados, portanto, essa escolha no passvel de neutralidade. Tendo no currculo a sustentao de uma ideologia dominante, a escola revive, por meio de suas prticas, os mecanismos excludentes da estrutura social instaurando e promovendo a manuteno do fracasso.

    A apropriao do conhecimento e dos produtos produzidos em determinado ambiente cultural um processo possibilitado e intensamente influenciado pelos mecanismos de comunicao em massa, pela famlia e grupos sociais. a escola, no entanto, que mais contribui para esse processo de apropriao do conhecimen-to, ou ainda, de interiorizao das ideias e normas sociais.

    A aprendizagem, processo que inicialmente parece ser natural, serve sobrevivncia da espcie humana. No entanto, tambm serve sobrevivncia das prprias instituies sociais, sendo a escola uma delas. Quando o aluno, com a sua prpria histria e experincias socioculturais, no se identifica com os valores, normas e conhecimentos difundidos na escola, passa a ser considerado cultural-mente inferior.

    A esse respeito, convm nos perguntarmos: quantos de ns no julgamos a inferioridade de um aluno por se expressar utilizando gria ou terminologias no

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    apropriadas s normas da lngua materna? Ou mesmo, deparamo-nos indignados com a preferncia de um jovem por uma revista em quadrinhos quando deveria apreciar livros e belas histrias?

    As supostas deficincias socioculturais, portanto, s aparecem em funo de uma cultura imposta. Sem essa imposio de contedos, das normas e valores restariam apenas as diferenas com as quais a escola deveria enriquecer-se e tam-bm aprender. Em outras palavras, podemos dizer que as diferenas e desigualda-des extraescolares (biolgicas, psicolgicas, econmicas e culturais) somente se transformam em deficincias e problemas de aprendizagem quando subme-tidas aos padres de conduta e cultura impostos pelo sistema vigente de ensino, normalmente bastante diferente dos padres culturais da maioria da populao que frequenta as escolas pblicas brasileiras.

    De acordo com Perrenoud (2000), comum definir o fracasso escolar como simples consequncia de dificuldades de aprendizagem ou ainda como expresso objetiva da falta de conhecimentos e de competncias. Contudo, a discusso so-bre o tema passa, segundo o autor, pela compreenso de como a escola percebe a manifestao das diferenas. Essa instituio se organiza e se constitui a partir de determinados interesses que so conflitantes diante da aceitao do diferente. Em uma sociedade escolarizada a valorizao do conhecimento cientfico coloca-se hierarquicamente como superior s outras formas de saber. Desse modo, classi-ficam-se e validam-se determinadas categorias de conhecimento que excluem e rejeitam outras formas de expresso, ou seja, aquilo que destoa das prescries e modelos de cognio humana.

    necessrio considerarmos que todos os indivduos, independentemente de fazerem parte de um mesmo contexto sociocultural, revelam caractersticas de compreenso e ao sobre o mundo de modo diferente e singular. Devemos considerar a existncia das especificidades de cada um como um processo natural do ser humano, pois todos somos diferentes e essa diferena existe em todas as sociedades.

    O surgimento da educao escolar, segundo Perrenoud, ampliou a visibi-lidade das desigualdades culturais, que passaram a serem vistas no mais como um processo natural, mas como um desvio das prescries dominantes.

    Para que a escola reconhea as diferenas como naturais, preciso reconhe-cer que algumas desigualdades so oriundas de ambientes extraescolares, de ex-perincias vivenciadas pelo aluno fora da escola, prprias de sua condio tnica, poltica e de outros domnios que marcam a viso de mundo desse educando.

    Considerar a desigualdade como um problema acaba por determinar o fracasso escolar, na medida em que influencia a relao pedaggica entre educan-do e escola, embora essa mesma relao j tenha sido negada a ele pelo simples fato de no se adequar ao preestabelecido.

    De acordo com Perrenoud (2000), o fracasso escolar somente existe porque insere-se em uma instituio, a escola, que julga, classifica e tem o poder de de-clarar o fracasso do aluno apenas porque no se adequou ao sistema da instituio ou no aprendeu pelos mtodos convencionais.

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    Como se v, a questo do desempenho escolar est sempre relacionada ao que a escola espera e exige do aluno, refletindo no currculo uma hierarquia de valores onde determinadas habilidades e contedos so validados em detrimento de outros. preciso, portanto, que a escola conhea o aluno nas suas condies concretas e que esse conhecimento resulte em prticas pedaggicas mais coeren-tes com a realidade da comunidade que se serve dela.

    Enquanto a escola se intitular nica detentora de saberes vlidos, depre-ciando o repertrio sociocultural dos alunos, o mito da carncia cultural ainda predominar na explicao do fracasso escolar.

    Diversidade como um desafio da escolaComo j vimos, natural que sejamos diferentes. So as diferenas que permi-

    tem a relao de completude entre os indivduos e impulsionam a humanidade ao de-senvolvimento. Contudo, a diferena pode se transformar em desigualdade na medida em que as singularidades dos sujeitos ou grupos permitem que alcancem determina-dos objetivos na escola e fora dela de maneira desigual (SACRISTAN, 2002, p. 13).

    Mesmo compreendendo que os alunos no so culpados, ou, os nicos responsveis pelo prprio desempenho escolar, alguns educadores costumam afirmar que pouco ou quase nada po-dem fazer para a superao do fracasso escolar, pois se consideram despreparados e desmotiva-dos. Supe-se que cabe aos especialistas (psic-logos, neurologistas, fonoaudilogos, psicopedagogos etc.) resolver o problema do aluno, que aps a mgica soluo estaria pronto para aprender novamente.

    A superao do fracasso escolar passa efetivamente pela educao inclusiva, por uma pedagogia que acolha as diferenas, resguardando o comum sem desres-peitar a singularidade. A esse desafio referem-se muitas indagaes dos educadores que se encontram perdidos em torno de como atender a diversidade. Questionam, por exemplo: Diversificar o mesmo que individualizar o ensino?, Seramos realistas ao projetarmos uma escola capaz de assumir a diversidade em sua totali-dade, trabalhando e atendendo individualmente as necessidades dos alunos?

    Para Sacristan (2002), atender a diversidade envolve, necessariamente, uma ao de equilbrio entre a comunho de objetivos e a contemplao possvel da individualidade. Pressupe da escola e de seus educadores uma predisposio flexibilidade da ao pedaggica, convivncia com as incertezas, viso multi-dimensional dos processos envolvidos na aprendizagem.

    A educao para a diversidade um desafio para o qual a escola no foi originalmente preparada. Ao contrrio, para atender aos apelos do mundo do tra-

    Inm

    agin

    e.

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    balho, a educao se estruturou em torno de contedos escolares fixos, compar-timentados e homogneos. Atualmente, j se acredita que o aluno assumiu uma nova postura diante da educao escolar. No se porta mais como um receptculo que absorve passivamente o contedo ensinado na escola que concorre com outras formas de comunicao e transmisso de conhecimento, potencialmente mais se-dutoras quanto s formas de veicular as mensagens.

    Nessa perspectiva, a no aprendizagem do aluno pode ser entendida como um sintoma por meio do qual ele denuncia um sistema escolar dominador, massificado e insensvel ao seu capital cultural interno, ou seja, aquilo que o constitui na sua singularidade.

    De acordo com Sacristan (2002), um aspecto que corrompe a ideia de pe-dagogia para a diversidade refere-se s normas disciplinares do trabalho escolar, pois ainda predomina a crena de que para o trabalho com a diversidade so necessrias condies ideais e previsveis, ou seja, os educadores pensam em tra-balhar com a diversidade apenas em um contexto escolar dotado de excelentes recursos materiais e humanos, com alunos perfeitos e adaptveis. Essa ideia nos parece no mnimo paradoxal com a prpria ideia de diversidade, uma vez que, certamente, estariam excludos dessa condio os grupos marginalizados e des-favorecidos. No h pedagogia para a diversidade se somente algumas diferenas so respeitadas enquanto outras so negadas.

    Quando os educadores assumem no estar preparados para atender a diver-sidade em sua sala de aula, isso no decorre somente pelo fato de desconhecerem essa prtica. tambm resultado de um conjunto de representaes, criadas his-toricamente sobre o lugar da diferena na educao.

    O reconhecimento das diferenas de aprendizagem entre alunos no algo novo. No incio do sculo XX, a Psicologia j se ocupava em explicar e identificar as diferenas entre o desempenho escolar de alunos, fornecendo contribuies importantes compreenso dos processos de aprendizagem. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se estudos e instrumentos para distinguir em graus o desempenho cognitivo, a prontido e as outras caractersticas da personalidade.

    A educao, influenciada pelos conhecimentos da psicologia e direcionada a preparar os indivduos para a lgica do mundo do trabalho, estabeleceu a clas-sificao e a diferenciao de alunos, de acordo com seu desempenho de forma a obter maior eficcia na educao da populao.

    At meados do sculo XX era comum haver salas de aula em que se sepa-ravam os alunos fortes dos fracos. Ao longo do desenvolvimento do sistema de ensino, desenvolveram-se os mecanismos cujo prprio nome j sinaliza seu propsito: recuperao, classe especial, entre outros. O currculo, por sua vez, foi organizado a partir de uma hierarquia de conhecimentos predeterminados, divididos em perodos, especialidades, horas-aula etc.

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    Condio da prtica pedaggica para a diversidade

    Explicaes para o fracasso escolar so encontradas, muitas vezes, no cam-po das relaes sociais, por exemplo, no modo como os professores veem seus alunos e os compreendem. A relao professor-aluno no algo objetivo, pois marcada por expectativas e representaes de um em relao ao outro. O aluno que no aprende frustra as expectativas do professor e a si mesmo. Do mesmo modo, o professor que age com indiferena ou intimida seus alunos, tambm aca-ba por frustr-los.

    Esse fenmeno denominado profecia autorrealizadora e se refere postu-ra dos professores de depositar nos alunos baixas expectativas quanto ao desem-penho escolar. O ato de estar contribuindo para a formao dos indivduos algo altamente gratificante ao professor. Quando esse profissional percebe que suas aulas no encaminham seus alunos aprendizagem, sente-se fracassado e desmo-tivado e a profecia se realiza encorajada pela ao docente e pela escola.

    De forma a evitar a ideia de fracasso ou frustrao pessoal, alguns professores tornam-se adeptos da ideia de que certos alunos so menos capazes de aprender. Para corroborar com essa ideia existem algumas teorias explicativas das diferenas de desempenho escolar entre os alunos de um mesmo contexto sociocultural, como as neurolgicas, psicolgicas, antropolgicas etc. Tais teorias acabam validando a justificativa de que o problema do xito e aprendizagem escolar se d por conta somente do aluno.

    A profecia autorrealizadora uma consequncia do modo como a sociedade hierarquizada e de como seus valores so difundidos. O aluno em sua relao com a escola guiado por esses valores e, influenciado por eles, acaba por ter de corresponder com o esperado para a obteno de xito em seus estudos. Por isso, de forma equivocada, pode acabar assumindo o papel de fracassado, ou de aluno problema, ainda que esse rtulo no lhe caiba.

    comum os professores indicarem os supostos defeitos de seus alunos em uma reunio de conselho ou, ainda, aos seus colegas de profisso, fato que contri-bui com a manuteno da profecia. Quem nunca ouviu professores comentarem entre si: Cuidado com aquele aluno que senta no fundo, ele no quer saber de aprender!. Ou ento: Fulano comportado em sala de aula, mas no vai muito longe. Tem muita dificuldade em aprender!. Essas ideias preconcebidas sobre os alunos tendem a se solidificar e se perpetuar ao longo dos anos em que eles permanecem na escola, fazendo com que aquele que sempre foi mal visto tenha poucas oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, o aluno que sempre recebeu elogios dificilmente deixar de receb-los, ainda que assuma uma postura diferente e que, por algum motivo, perca a vontade de aprender.

    fundamental que os educadores reflitam sobre suas profecias de modo a despir-se de ideias preconceituosas que mobilizem o aluno para o fracasso. Isso possvel por meio de atitudes de encorajamento da autoestima, do reconhecimento e da legitimao da aprendizagem do aluno.

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  • Fracasso escolar: a dimenso do ensino

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    Diversidade e competncia docentePhilippe Perrenoud (2000), ao discutir os objetivos na formao profissional

    do professor, define 10 competncias para ensinar.

    Dez competncias para ensinar

    1. Organizar e dirigir situaes de aprendizagem.

    2. Administrar a progresso das aprendizagens.

    3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciao.

    4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

    5. Trabalhar em equipe.

    6. Participar da administrao escolar.

    7. Informar e envolver os pais.

    8. Utilizar novas tecnologias.

    9. Enfrentar os deveres e os dilemas ticos da profisso.

    10. Administrar a prpria formao.

    Embora todas sejam fundamentais ao docente, detalharemos a terceira, que mais se aproxima da discusso apresentada nesta aula.

    Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciao.

    Essa competncia consiste propriamente em:

    administrar a heterogeneidade no mbito de uma turma;

    abrir, ampliar a gesto da classe para um espao mais vasto;

    fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades;

    desenvolver a cooperao entre os alunos e certas formas simples de ensino mtuo.

    O atendimento diversidade remete-se diretamente ao modo como a situao de ensino se organiza. Esse um desafio a ser trabalhado pelos professores, no somente porque os alunos aprendem de formas diferentes e possuem diferentes necessidades, mas para que todos possam participar de situaes variadas de ensino.

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    Como atingir os objetivos da pedagogia da diversidadeH diversos meios para alcanar os objetivos de aprendizagem. Abaixo es-

    to listadas algumas formas de facilitar o processo:

    O professor pode utilizar es-tratgias metodolgicas diver-sificadas, porm essa diversi-ficao deve estar amparada em uma concepo pedaggi-ca que reconhea no aluno a construo da aprendizagem.

    Ter como princpio bsico que os alunos no aprendem so-mente com o professor. Desse modo, necessrio desenvolver estratgias de aprendizagem cooperativa como recurso fundamental ao desenvolvimento pessoal e cognitivo dos alunos. Entende-se por aprendizagem cooperativa o processo educacional em que os alunos interagem de maneira solidria, atuan-do como parceiros entre si e entre o professor com a finalidade de aprender.

    Possibilitar aos alunos a realizao de atividades que possuam diferentes graus de complexidade e que permitam diferentes possibilidades de exe-cuo. Por exemplo, pode-se propor vrias formas de abordar um mesmo contedo de ensino; ou abordar diferentes contedos em uma mesma ati-vidade de modo que a articulao entre os conhecimentos seja efetivada.

    Ter como princpio que os alunos possuem interesses diversos, de for-ma a lhes garantir a possibilidade de escolher qual a melhor maneira de realizar as atividades propostas. Essa forma de organizao permite o acolhimento das diferenas individuais e o autoconhecimento dos alunos enquanto aprendizes.

    Fornecer oportunidades para que os alunos pratiquem e apliquem o que aprenderam.

    Utilizar recursos materiais diversificados de modo a possibilitar diferen-tes atividades e abordagens de um mesmo tema ou assunto.

    Diversificar as formas de agrupamento em sala de aula. As situaes hete-rogneas so enriquecedoras. importante assegurar que aqueles alunos que possuem maiores dificuldades em relao a determinadas tarefas pos-sam se integrar a grupos que correspondam melhor s suas necessidades.

    Realizar avaliao coerente com o princpio de uma educao para a diversidade, avaliao que deve se adaptar aos diferentes estilos, capa-cidades e possibilidades de expresso dos alunos. O processo avaliativo deve ser contnuo e formativo.

    Organizar o espao da sala de aula de modo a permitir a integrao, a convivncia, facilitando a autonomia e a mobilidade dos alunos. Aqueles

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    com dificuldades podero ocupar espaos em que possuam um acesso maior informao podendo se comunicar e se relacionar com os cole-gas e o professor.

    Organizar os tempos levando em conta as atividades, como tambm as necessidades de apoio individualizado dos alunos.

    Criar um clima de respeito e valorizao entre os alunos, estimulando a comunicao, integrao e coeso do grupo.

    A essa altura, voc j deve estar se perguntando sobre a viabilidade prtica dessas aes, considerando as dificuldades enfrentadas na ao pedaggica e no sistema educacional como um todo.

    Uma questo que se impe: de um lado, temos o ensino homogeneizado que, excluindo o aluno que no aprende pelas vias impostas, leva-o ao fracasso escolar. Do outro, est a constatao de que o ensino totalmente particularizado e individualizado no nem vivel e nem possvel.

    De acordo com Sacristan (2002), o ensino se coloca diante da tenso entre a necessidade de atender s diferenas individuais e assegurar um corpo de conhe-cimentos e metodologias comuns a todos, tornando difcil um equilbrio entre o desejvel e o possvel em educao. Para esse autor, uma instituio nunca pode estar radicalmente direcionada para o ensino individualizado, tampouco ignorar que os alunos aprendem de maneiras diferentes.

    Homogeneizar ou diferenciar?Destacamos abaixo alguns aspectos para a compreenso e superao da

    dicotomia homogeneizao versus diferenciao, no mbito da educao escolar.

    importante que o currculo da escola seja favorvel s diferenas. Quan-to sua elaborao, o que ser ensinado ou validado deve considerar a distino entre aquilo que essencialmente deve fazer parte do currculo comum, abrindo-se para a flexibilizao das aes e dos contedos de ensino. O currculo escolar, tal como se encontra organizado segmenta-do em contedos, horas-aula e disciplinas inflexveis no favorece uma aprendizagem por outras vias.

    Embora o professor acredite na diversidade, inevitavelmente ter de tra-balhar suas prprias expectativas quanto aos avanos da aprendizagem de seus alunos. Deve ter em mente que essas expectativas no podem ser to baixas a ponto de empobrecer a aprendizagem dos que atingem facilmente os objetivos. Por isso, dever desenvolver a aprendizagem tanto daqueles que esto alm, quanto aqum dos objetivos previamente planejados pelo docente de forma que todos estejam includos nesse pro-cesso e tenham conscincia disso.

    A diversificao depende muito das condies materiais e dos recursos pe-daggicos indispensveis estimulao e motivao para a aprendizagem.

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    A ideia de dispor de itinerrios formativos diferenciados requer uma re-formulao no mbito organizacional escolar, de modo a romper com o engessamento do currculo, do tempo escolar, dos contedos e metodo-logias.

    A questo central a que devemos nos atentar como educadores que, embo-ra as mudanas sejam necessrias Pedagogia para a diversidade, no podem ser impostas por um currculo prescrito. Elas devem nascer da prpria escola, com seus objetivos, suas necessidades, seus alunos, impulsionando as transformaes no plano macroinstitucional.

    Como vimos, a educao deve se guiar reflexivamente por um projeto que acolha a diversidade de seus alunos. Contudo, para que esse projeto se efetive, h de se flexibilizar o currculo, superar os esteretipos e preconceitos responsveis pelas profecias autorrealizadoras, bem como, reorganizar as prticas educativas. Ou seja, a superao do fracasso escolar requer, antes de tudo, a interveno sobre o sistema educacional de uma forma ampla e significativa.

    Aprendizagem como ponto-chave para a superao do fracasso escolar

    A capacidade de ensinar e de aprender, atributo fundamental dos seres humanos, torna possvel que os indivduos se beneficiem com o ensino, particularmente daquele que ocorre na escola, tendo em vista que uma das principais vias para o intercmbio de ideias, cultura e va-lores entre os seres.

    Esse processo de aprendizagem essencial ao desenvolvimento psicolgico do homem, cabendo escola no apenas a transmisso de um corpo de infor-maes, mas da utilizao de ferramentas, tcnicas e operaes intelectuais que facilitam as interaes sociais. Quando buscamos entender o motivo pelo qual a aprendizagem muitas vezes no ocorre, a prtica do ensino exige que considere-mos as circunstncias de aprendizagem dos alunos.

    De acordo com as ideias de Vygotsky, a educao (que inclui o processo ensino-aprendizagem) destina-se a desenvolver a personalidade, criando condi-es para a descoberta e manifestao dos potenciais criativos dos alunos. Ainda, segundo a concepo citada, o processo de ensino deve se colocar de forma pros-pectiva em relao aprendizagem, pois ensinar uma ao intencional e delibe-rada e no deve, portanto, furtar-se em impulsionar o desenvolvimento. Deve aliar a competncia tcnico-pedaggica ao compromisso poltico com a transformao da realidade social.

    A educao pressupe o conhecimento do aluno no seu aspecto concreto, porm no deve se limitar ao conhecimento do que ele , mas do que pode vir a

    Com

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    ete.

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    ser. A qualidade do trabalho pedaggico se encontra associada capacidade do ensino em promover o desenvolvimento do aluno. A partir disso, Vygotsky intro-duz o conceito de zona de desenvolvimento proximal que se refere ao espao entre as conquistas j alcanadas pelo aluno aquilo que ele j sabe e capaz de reali-zar sozinho e aquelas que para se efetivar dependem da participao de sujeitos mais capazes aquilo que o aluno tem a competncia de saber ou de desempenhar somente com a colaborao de outros sujeitos.

    H uma tendncia da escola em valorizar somente o nvel de desenvolvi-mento real dos alunos, ou seja, o de suas conquistas j alcanadas sem ajuda, ou ainda, aquilo que ele j desenvolveu. Uma expresso clssica dessa valorizao a prioridade que a escola d s atividades que ocorrem de forma individualizada, em detrimento da interao social. Normalmente, tende-se a considerar mais vli-das as avaliaes individuais do que aquelas realizadas com grupos de alunos.

    comum a avaliao da aprendizagem levar em considerao apenas o resultado final do processo, ou seja, as respostas dadas pelos alunos, sem se pre-ocupar sobre como eles chegaram s respostas. Para Vygotsky, as experincias de aprendizagem compartilhadas (realizadas coletivamente) atuam na zona de desenvolvimento proximal, permitindo que as funes ainda no consolidadas venham a amadurecer. Essa zona de desenvolvimento responsvel por todas as atividades que o indivduo ainda no realiza de modo independente, mas, assim o far com a ajuda de um grupo ou de uma pessoa. A tendncia de nosso desenvol-vimento a de nos tornarmos independentes para realizarmos nossas atividades por meio do uso de nossas habilidades j desenvolvidas. Porm, at conquistarmos essa forma de independncia, continuamos nosso desenvolvimento com ajuda dos nossos parceiros, sejam eles professores ou colegas de classe.

    Avanando nossa discusso em torno do papel prospectivo da educao para a aprendizagem, consideremos ento o caso do aluno que, mesmo participando das interaes sociais e de seus desafios, ainda apresenta dificuldades em aprender.

    Para Vygotsky, as funes psicolgicas possuem uma base orgnica e cultu-ral. Do ponto de vista orgnico, as funes psicolgicas tm no crebro um sistema aberto e de grande plasticidade (flexibilidade) com capacidade de se modificar por interferncia das relaes socioculturais, ou seja, nosso aparato cerebral ajusta-se aos desafios do contexto social e cultural no qual estamos inseridos.

    Essa flexibilidade do funcionamento cerebral permite que um processo sen-sorial prejudicado seja substitudo por uma operao puramente intelectual. Por exemplo: uma criana que apresenta dificuldades de percepo auditiva pode, no somente, ser estimulada a discriminar os fonemas e seus significados por outros meios que no o da audio, mas tambm ser desafiada a essa compreenso a partir de aprendizagens que faam sentido conjuntamente com outras habilidades psicolgicas fundamentais apreenso do mundo, como a ateno, a memria, o raciocnio lgico etc. Isso facilitaria a apropriao do conhecimento mediante a mobilizao de vrias funes cognitivas.

    Diante do exposto, a aprendizagem um processo cujo objetivo final s pode ser alcanado se consideramos o educando em sua amplitude, buscando abarcar

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    todas as influncias, externas e internas. Somado a isso, cabe ao professor a cons-cincia de que o desenvolvimento desse educando se d primordialmente na escola, motivo pelo qual foi conferido a essa instituio o papel de impulsionar o desenvol-vimento humano. As limitaes prprias da natureza de cada aluno muitas vezes acabam por priv-los do direito de acesso aos bens culturais da sociedade de sua poca. A escola no deve se eximir de garantir esse direito aos alunos, pois poten-cialmente essa razo de existir, a funo educativa.

    A escola traz a possibilidade de desenvolvimento integral do indivduo, in-dependentemente de suas limitaes, particularidades e dificuldades, tal como prev a pedagogia para a diversidade.

    1. Entendendo que diversificar o ensino no a mesma coisa que individualiz-lo, discuta com seu grupo e responda: a) De que modo a prtica pedaggica pode se realizar, respeitando e potencializando as diferen-

    tes caractersticas e necessidades dos alunos?

    b) De acordo com a perspectiva de Vygotsky, de que modo a ao educativa pode visar supe-rao do fracasso escolar?

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    2. Leia atentamente o texto a seguir e, depois, desenvolva as atividades sugeridas.

    A histria de RicardoRicardo um garoto de 9 anos que, embora leve uma

    vida simples, nunca lhe faltou sustento. Mora numa fave-la prxima escola em que estuda. O seu sustento vem do trabalho de seu pai como pedreiro e de sua me como empregada domstica. Na escola, Ricardo no consegue obter xitos, especialmente por conta de sua dificuldade com a escrita e por isso j foi reprovado.

    Assim como outros alunos que apresentam dificul-dades, Ricardo recebe tratamento diferenciado na sala de aula: praticamente ignorado enquanto outras crianas usufruem da ateno da professora que sempre os questiona se esto com dvida ou dificuldade.

    Ricardo fica disperso na aula. Segundo sua professora, ele no conseguir acompanhar o ensino, pois j est bastante atrasado em relao aos demais.

    A coordenadora pedaggica da escola acredita que o fracasso de Ricardo consequncia da falta de cultura dos pais que so praticamente analfabetos. Eles reconhecem que seu filho est desinteressando quanto escola, mas no sabem explicar por que isso ocorre. A me suspeita que o menino seja preguioso e que a escola deveria lhe exigir mais.

    Para Ricardo, o cotidiano da escola uma desagradvel rotina. No v motivao nas tarefas e se sente incapaz de aprender, j que frustra constantemente as expectativas dos pais e da escola. Ricardo representa um exemplo bastante comum de fracasso escolar. Muito embora no apre-sente antecedentes traumticos ou problemas cognitivos, no consegue satisfazer as exigncias do ensino.

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    agin

    e.

    Tendo em vista o que voc estudou sobre a questo do fracasso escolar, discuta com seu grupo o caso de Ricardo procurando responder a questo:

    Que relao pode-se estabelecer entre a profecia autorrealizadora e a problemtica vivenciada por Ricardo?

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    Nenhum a Menos Direo de Zang Yimou. Com Wei Minzhi, Zhang Huike, Tiam Zhend e Gao Enman China, 1998.

    O filme se passa na antiga China comunista de Mao Ts-Tung, numa pauprrima escola rural chinesa. L, uma garota de 13 anos recebe a incumbncia de substituir o professor titular da escola, licenciado por um ms. Ela no dispe de um livro sequer; pode gastar no mximo um giz por dia e, ainda por cima, deve morar na sala de aula junto com seus 28 alunos. Por falta de mveis adequados, as carteiras ganham a funo de camas. A menina tem como principal obrigao evitar a evaso es-tudantil, um problema crnico no pas. A trama se inicia quando um aluno abandona os estudos e vai para a cidade grande em busca de emprego. A pequena mestre no tem dvida: segue no encalo do fujo.

    O filme nos ajuda a refletir sobre o fracasso escolar em sua relao com o contexto sociocultu-ral, as influncias e o sistema escolar desse contexto.

    Para aqueles que desejam se aprofundar a respeito do tema desta aula, recomenda-se o livro de Maria Helena Souza Patto, intitulado A Produo do Fracasso Escolar: histria de submisso e rebeldia, da editora T. A. Queiroz, de 1996.

    1. a) A prtica pedaggica deve ser diferenciada, com a utilizao de recursos e metodologias

    diversificados de modo a valorizar a participao e cooperao dos alunos respeitando suas diferentes necessidades.

    b) A ao educativa deve valorizar no aluno aquilo que ele est prestes a desenvolver, portanto, deve ser prospectiva. Alm disso, deve promover a interao social e valorizar o conheci-mento que esse aluno j conquistou por meio de suas experincias anteriores, dentro de seu contexto sociocultural.

    2. Ao longo de sua vida escolar, o jovem Ricardo demonstrou alguns indcios de que possui algu-mas dificuldades que, no entanto, no foram devidamente levadas em considerao pelos seus pais ou pelos seus professores. Do contrrio, as dificuldades de aprendizagem de Ricardo foram interpretadas como sinal da falta de interesse do jovem pela escola. Nesse caso, cumpre-se o que estamos chamando de profecia autorrealizadora, aquela que faz com que o aluno acredite no seu prprio fracasso.

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    Dimenso psiconeurolgica da aprendizagem e suas dificuldades

    O crebro e sua relao com a aprendizagem

    Ao longo da histria, o funcionamento do crebro foi objeto de especula-es msticas, filosficas e cientficas. Mas a partir do sculo XX que passou a ser mais profundamente compreendido e explicado.

    As ltimas pesquisas da neurologia tm apresentado um progresso considervel ao ex-plicar o funcionamento cerebral e sua relao com a aprendizagem, por meio da utilizao de tcnicas como a tomografia computadorizada e a ressonncia magntica1.

    O crebro um substrato material que pode ser visualizado e manipulado. formado por substncias qumicas, enzimas e clulas nervosas chamadas neur-nios. Em geral, o ser humano possui aproximadamente 100 bilhes de neurnios que so os responsveis pela integrao dos estmulos levados s reas cerebrais, possibilitando assim a aprendizagem.

    A aprendizagem envolve a integrao de trs componentes bsicos do fun-cionamento cerebral que so: a ateno, a motivao e a memria.

    AtenoProcesso pelo qual o organismo se coloca em estado de alerta, mantendo-se

    aberto aos estmulos do meio. Esses estmulos possibilitam a aprendizagem. Vale notar que a ateno um fator relacionado capacidade de concentrao, neces-sria para realizar qualquer atividade.

    Isto

    ckph

    oto.

    1 Instrumentos de anlise que permitem o mapea-mento do crebro por imagens e a observao do processa-mento das funes cerebrais relacionadas s atividades cognitivas e emocionais.

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  • Dimenso psiconeurolgica da aprendizagem e suas dificuldades

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    Motivao um componente da aprendizagem relacionado emoo/motivao. O

    aluno aprende quando seus componentes motivacionais so ativados. H uma rea cerebral especialmente voltada s respostas emocionais, denominada de sistema lmbico.

    MemriaConstitui-se num conjunto de regies cerebrais responsvel pelo processo

    de reteno da informao. Possui a funo especfica de guardar os dados para utiliz-los quando necessrio.

    Para que a memria funcione adequadamente, necessrio o funcionamen-to dos dois componentes citados anteriormente, a ateno e a motivao.

    Estudos apontam a existncia de trs nveis de memria:

    Nvel 1 representa a reteno de informaes por um curto perodo e ape-nas reproduz o que o indivduo acabou de aprender.

    Exemplo: quando gravamos momentaneamente em nossa memria um n-mero de telefone para discarmos em seguida. Provavelmente, aps o nmero ter sido discado, esquecemo-nos da informao, ou seja, o crebro armazenou esse dado apenas enquanto foi necessrio.

    Nvel 2 um tipo de memria mais elaborada que se caracteriza pela as-sociao de fatos e experincias que o indivduo vivenciou e ficaram gravados. Essas memrias so recuperadas medida que o indivduo pode associ--las com as novas informaes que aprende.

    Exemplo: ao assistirmos a uma aula sobre o sistema solar, nossa compreenso ocorre por meio das associaes que fazemos entre o que sabemos do assunto e os dados n