DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DA SALA DE AULA 86.pdf · Independentemente das vantagens ou desvantagens...

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— 1 — DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DA SALA DE AULA 1 A. J. BISHOP e F. GOFFREE Um episódio Quando Watanabe Sensei colocou três marcas magnéticas no quadro e desenhou um cesto por baixo delas, todos os alunos disseram que se lembravam. Antes de pedir a resposta, Sensei desenhou um cesto vazio, um sinal mais e um sinal de igual. + = •• Fig. 1 Então, para reconstituir os últimos minutos da aula anterior, Sensei chamou Kaneko para mostrar o que tinha feito na véspera. Este foi ao quadro e colocou as marcas, sucessivamente, em dois arranjos diferentes, explicando que em qualquer dos casos o resultado seria sempre três (2+1 ou 1+2). No dia anterior Katakura tinha comentado: " Engraçado, o significado é diferente, não é?". Sensei pediu a Katakura que explicasse este seu comentário. Katakura acrescentou: "Não significa exactamente três". Sensei perguntou-lhe: "Katakura, o 'três' de que falas é este do cesto ou este aqui no sítio da resposta?" Katakura apontou para o último. "O três à direita é o resultado da adição", continuou Sensei. "Isto é o resultado de juntar isto com aquilo. Ele diz que não significa três. Discutam isto. Quem terá razão, Katakura ou Kaneko? Haverá ainda outras opiniões diferentes?" Cada grupo de alunos conversou seriamente cerca de um minuto. Sensei contou os votos: 10 apoiavam Kaneko e 28 Katakura. Então, Sensei perguntou: "Quem não pôs o braço no ar?" Ichimura Kun: "Não se pode adicionar. Não se pode adicionar 3+0. Sendo assim, não há nenhum resultado." Sensei perguntou: "Quer dizer com isto que a resposta é zero?" — "Sim." — "Quem concorda?" (oito) "Oh, alguém mudou de ideias!" Sato San levantou-se. "Não se pode adicionar 3 com 0, por isso o resultado é três." Sensei perguntou: "Não se pode adicionar ou não há nada a adicionar?" — "Não há nada a adicionar", respondeu ela. Sekine Kun concordou com Ichimura que o resultado seria zero. Akutsu levantou-se e disse, "Uma vez que existem aqui três, mesmo não havendo nada aqui, há três". 1 Capítulo 8 do livro Perspectives on Mathematics Education , organizado por B. Christiansen, A. G. Howson e M. Otte e publicado pela editora D. Reidel, em 1986. A tradução é de José Manuel Varandas, Hélia Oliveira e João Pedro da Ponte.

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DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DA SALA DE AULA1

A. J. BISHOP e F. GOFFREE

Um episódio Quando Watanabe Sensei colocou três marcas magnéticas no quadro e desenhou um cesto por baixo delas, todos os alunos disseram que se lembravam. Antes de pedir a resposta, Sensei desenhou um cesto vazio, um sinal mais e um sinal de igual.

+ =• ••

Fig. 1

Então, para reconstituir os últimos minutos da aula anterior, Sensei chamou Kaneko para mostrar o que tinha feito na véspera. Este foi ao quadro e colocou as marcas, sucessivamente, em dois arranjos diferentes, explicando que em qualquer dos casos o resultado seria sempre três (2+1 ou 1+2).

No dia anterior Katakura tinha comentado: " Engraçado, o significado é diferente, não é?". Sensei pediu a Katakura que explicasse este seu comentário.

Katakura acrescentou: "Não significa exactamente três".

Sensei perguntou-lhe: "Katakura, o 'três' de que falas é este do cesto ou este aqui no sítio da resposta?"

Katakura apontou para o último.

"O três à direita é o resultado da adição", continuou Sensei. "Isto é o resultado de juntar isto com aquilo. Ele diz que não significa três. Discutam isto. Quem terá razão, Katakura ou Kaneko? Haverá ainda outras opiniões diferentes?"

Cada grupo de alunos conversou seriamente cerca de um minuto. Sensei contou os votos: 10 apoiavam Kaneko e 28 Katakura. Então, Sensei perguntou: "Quem não pôs o braço no ar?"

Ichimura Kun: "Não se pode adicionar. Não se pode adicionar 3+0. Sendo assim, não há nenhum resultado."

Sensei perguntou: "Quer dizer com isto que a resposta é zero?"

— "Sim."

— "Quem concorda?" (oito) "Oh, alguém mudou de ideias!"

Sato San levantou-se. "Não se pode adicionar 3 com 0, por isso o resultado é três."

Sensei perguntou: "Não se pode adicionar ou não há nada a adicionar?"

— "Não há nada a adicionar", respondeu ela.

Sekine Kun concordou com Ichimura que o resultado seria zero.

Akutsu levantou-se e disse, "Uma vez que existem aqui três, mesmo não havendo nada aqui, há três".

1 Capítulo 8 do livro Perspectives on Mathematics Education, organizado por B. Christiansen, A. G. Howson e M. Otte e publicado pela editora D. Reidel, em 1986. A tradução é de José Manuel Varandas, Hélia Oliveira e João Pedro da Ponte.

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(De J. Easley e E. Easley, 'Math Can Be Natural: Kitamaeno Priorities Introduced to American Teachers', 1982, App. IIA, pp. 4-5; Research Report for the Bureau of Educational Recearch, University of Illinois at Urbana-Champaign. Reproduzido com permissão)

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1. INTRODUÇÃO — DESMISTIFICANDO

Este capítulo trata alguns aspectos da formação inicial de professores relacionados com o

funcionamento das actuais aulas de Matemática, e o episódio anterior ajuda a fazer o

enquadramento. É neste contexto que as ideias de Matemática, de educação, de socialização e de

psicologia aparecem juntas ao jovem professor2. É aqui que ele deve aprender a manobrar com

habilidade e atenção a dinâmica dentro de uma aula cheia de alunos muito vivos tentando dominar

esse complicado assunto que é a Matemática.

Contudo, apesar das fortes motivações que os jovens professores têm para aprender a

conduzir estas aulas com eficiência, quando vêem um professor experiente em acção, como

Watanabe Sensei, é difícil para eles perceberem como as coisas se passam. Os alunos parecem

saber o que se pretende que eles façam nos seus grupos, as discussões parecem acontecer quase

naturalmente e sem muito esforço óbvio do professor, e conceitos matemáticos abstractos são

debatidos sensatamente pelos alunos do primeiro ano de escolaridade.

Por isso, a tarefa do formador é essencialmente a de desmistificar o desempenho do perito

— de desfazer o mistério e mostrar as competências, as técnicas e os conhecimentos de ensino na

sala de aula de modo a tornarem-se acessíveis aos formandos(student teachers).

No entanto, como educadores matemáticos que somos, estamos bem cientes dos valores e

ideologias que estruturam o nosso trabalho e do tipo de questões que qualquer formador tem que

considerar ao planificar este aspecto da formação dos jovens professores. Que conhecimentos de

metodologia são indispensáveis/valiosos/necessários? Que competências são importantes?

Deveremos concentrar-nos em estratégias pormenorizadas? Isso depende muito da ideologia da

formação — estamos a tentar fazer professores "que se encaixem" nas práticas e situação existentes,

ou, em vez disso, estamos a tentar formar professores criativos e autónomos preparados para

experimentarem tudo? Quais devem ser as fontes a utilizar para os temas e métodos da nossa

formação? Que parte deve ser edificada na sabedoria comumente aceite dos professores

experientes? Que utilidade terá qualquer investigação no ensino?

Assim consideramos que o objectivo deste capítulo não é simplesmente dar resposta a essas

questões, porque cada formador de professores tem que procurar a sua própria resposta dentro de

cada contexto. Devemos sim, em vez disso, tentar sintetizar os conhecimentos existentes, os saberes

empíricos e os novos progressos para criar uma estrutura conceptual dentro da qual cada formador

de professores possa desenvolver respostas significativas, encontrar as ilustrações mais significativas

e seleccionar materiais úteis para os seus formandos(student teachers). Perguntas acerca de como

organizar a formação de professores e acerca da filosofia da aprendizagem e do ensino da

Matemática, não serão consideradas neste capítulo.

2 Traduzimos “student teacher” por “jovem professor”.

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2. MODELOS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

2.1. Modelo convencional

Apesar do que foi dito, ao criar uma estrutura conceptual apropriada para esta parte da

formação de professores tentámos consciente e deliberadamente redefinir o contexto. Estamos bem

conscientes da existência de um modelo particular que tem controlado e formado muitas

mentalidades ligadas à educação Matemática e, em consequência, influenciado a formação de

professores ao longo de várias décadas e sentimos que é necessário tornar bem explícito este

modelo para que se fique inteiramente consciente da sua força e das suas omissões.

Chamamos a este modelo a "aula de Matemática”. Claro que há diferentes tipos de aulas de

Matemática envolvendo diferentes épocas, diferentes tipos de actividades e com diferentes idades e

níveis de conhecimentos, mas o que é conhecido por "aula de Matemática" é um fenómeno familiar e

facilmente reconhecido por todos os professores e formadores, e pela maior parte das crianças e

adultos na maioria dos países. Nós caracterizamo-las como se segue:

São elaboradas como um "acontecimento" com um princípio explícito, um desenvolvimento e

um fim definido. Têm uma duração fixa. Tipicamente todas as crianças estarão ocupadas com as

actividades que foram planificadas, iniciadas e controladas pelo professor. As aulas são niveladas

para as crianças médias com adaptações adequadas aos "mais rápidos" e aos "mais lentos".

Normalmente, ordens, exposições, quadro e giz3, trabalhos no quadro, perguntas e respostas, são os

principais métodos de ensino utilizados, juntamente com trabalhos no lugar, prática e ajuda individual

às crianças que "precisam de ajuda". O professor deverá manter-se dentro de certos limites, não

pode ir demasiado depressa para permitir que todas as crianças sejam capazes de prestar atenção,

nem demasiado devagar de modo a que os sumários sejam cumpridos. O tempo é fundamental.

Independentemente das vantagens ou desvantagens das aulas de Matemática em geral, não há

dúvida da sua influência na maneira como encaramos a formação. A planificação de aulas ocupará

muito tempo, e normalmente será pedido ao jovem professor para planificar e executar várias aulas

com os seus colegas. Geralmente são apresentados planos de aulas nos quais elementos padrão têm

que ser preenchidos: motivação, acção, objectivos, actividades de aprendizagem, materiais ou mais

especificamente para Matemática: orientação, classificação, abstracção, interpretação, execução

(Dormolen, 1978).

Também será dada alguma prática de planificação de currículos, ou seja de como sequenciar

um conjunto de aulas cobrindo uma parte do currículo de Matemática. Em certos contextos este

trabalho já foi feito pelo autor do livro de texto; neste caso o formando precisa apenas de aprender a

implementar o ensino pelo livro no tempo disponível de cada aula.

3 “Chalk and talk” no original.

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Dentro da sala de aulas, serão valorizadas a competência de dominar a situação e disciplinar

os alunos assim como a clareza da exposição do formando. A sabedoria convencional ajuda a

classificar as aulas em "boas" e "más" e examinadores farão uma visita para julgar as "lições de

prova"4. As aulas em que falte "impacto" no início serão criticadas assim como as aulas que não

tenham um bom clímax ou um fim explícito.

Esperamos que esta caracterização soe a verdade para qualquer leitor que seja um formador

de professores, e também que isto é uma caracterização e não uma caricatura. Não procuramos

ridicularizar esse modelo, porque foi claramente considerado válido durante muitos anos e em muitos

contextos.

Além disso existe agora um considerável corpo de investigação em ensino que se dedica ao

modelo convencional ("lesson" frame) — por exemplo, a investigação em descoberta/exposição

(bem resumido por Anthony, 1973), em organizadores avançados (Ausubel, 1968), nos tão falados

métodos "piagetianos" (Case,1975), em corporizações5 (por exemplo, Fennema, 1972) e em

sistemas de ensino (por exemplo, Bennett, 1976). Na verdade, a maior parte das investigações

experimentais em métodos de ensino têm sido estruturadas, e consolidadas, a partir do modelo

convencional. Mais recentemente estudos naturalisticos sobre a eficácia do ensino , por exemplo a

investigação em causa-efeito (processo-produto) de Good e Grouws (1977), têm limitado muito a

procura da aula "ideal", o que na nossa opinião está condenado ao mesmo destino que as

investigações anteriores que tentavam identificar o "melhor" método de ensino ou o "melhor" método

de subtracção.

Contudo, vamos defender que nos últimos anos se desenvolveram três correntes que abalaram

os alicerces puseram em dúvida na formação de professores a noção tão limitada da aula de

Matemática.

Em primeiro lugar, não há dúvida que o crescimento geral da investigação nas salas de aula

significa que outras perspectivas de investigação e outros centros de interesse têm sido utilizados, o

que tem sensibilizado a comunidade da educação matemática muito mais amplamente que nunca.

Como exemplos podemos citar o trabalho de etnógrafos e sociólogos sobre as salas de aula, a

investigação na análise das interacções e na linguagem das salas de aula e trabalhos em decisões de

professores, e em percepções e expectativas de alunos e professores. Estamos agora muito mais

conscientes dos aspectos afectivos, tais como o stress dos professores, o medo que os alunos têm

da Matemática, dos efeitos da percepção dos professores no desempenho dos alunos e da

interacção entre os alunos, do poder da posição do professor na sala de aula e das estratégias dos

alunos para lidarem com os seus insucessos.

Em segundo lugar, o sentimento de descontentamento com o que se está a passar nas aulas de

Matemática tem vindo a crescer, alimentado por documentação na forma de relatórios de pesquisa,

creditado por professores, artigos de imprensa e relatórios do governo. Estudos de grande escala

tais como CSMS (1981), APU (1980a, 1980b), NAEP (1979), e o Second International Study 4 Este sistema desde há muitos anos (com a abolição do exame de estado) que deixou de existir em Portugal. 5 “Embodiments” no original.

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on Mathematical Attainment indicaram claramente a limitada qualidade da aprendizagem

Matemática atingida em muitas salas de aula.

Uma criança de 14 anos expressou do seguinte modo a sensação de frustração que isto

produz:

Álgebra: Sempre o mesmo, nunca fazemos coisas diferentes, e então nunca aprendemos nada porque há algumas crianças nas aulas que só fazem distúrbios. Assim, nesse dia não aprendemos nada, limitamo -nos a repetir o mesmo todos os dias, todas as semanas do ano. Não aprendemos nada, e então, no ano seguinte, porque não aprendemos nada, teremos que fazer o mesmo outra vez. (Hoyles, 1975)

Num relatório recente, um inspector na Inglaterra resumiu o problema nestes termos:

O trabalho era predominantemente controlado pelo professor: os professores explicavam, ilustravam, demonstravam e talvez dessem alguns apontamentos com regras e exemplos. Os alunos eram conduzidos dedutivamente através de pequenos passos e perguntas fechadas até ao princípio considerado. Um padrão muito comum, particularmente utilizado com alunos fracos, era mostrar alguns exemplos no quadro no início da aula e depois dar exercícios semelhantes para os alunos fazerem individualmente. Havia poucas perguntas que estimulassem a conjectura ou a iniciativa independente. Na melhor das hipóteses, e no caso de haver alunos suficientemente capazes, este estilo de ensino atingia aquilo para que tinha sido feito. Na pior das hipóteses, tornava-se num simples "dizer como" pelo professor, seguido da incompreensão por parte dos alunos. O que faltava neste método, mesmo no seu melhor, era a sensibilidade para uma pesquisa genuína , ou qualquer estímulo à curiosidade ou apelo à imaginação. Havia pouca noção de que alguém pudesse descobrir uma abordagem a novos problemas sem ter que se dar instruções detalhadas. (H.M.I., 1979, p. 136).

Em terceiro lugar, outra evidência da investigação tornou-nos cada vez mais conscientes das

actividades de aprendizagem dos alunos, particularmente da maneira muito pessoal que os alunos

têm de estruturar o seu significado matemático. É importante o facto de os erros passarem a ser

considerados indicadores do significado que os conceitos matemáticos têm para as crianças em vez

de se considerar os erros como noções incorrectas a serem corrigidas. Booth (1981) debate esta

ideia detalhadamente e mostra muitos exemplos do que chama "métodos da criança". Por exemplo,

foi posto o seguinte problema a uma criança de 12 anos de idade: "Um jardineiro tem 391 narcisos.

Estes devem ser plantados em 23 floreiras. Cada floreira tem que ter o mesmo número de narcisos.

Como é que fazes para saber quantos narcisos serão plantados em cada floreira?". As escolhas

foram do tipo: 391-23, 23-391, etc. Na entrevista, uma criança, "YG", explicou assim:

YG : ... Eu sei o que fazer mas não consigo dizer...

MB (entrevistador): Sim, então faz. Consegues fazê-lo?

YG: Aqueles são os narcisos e estes são as floreiras, espaçosas como vê... oh! para serem plantados em diferentes floreiras, teria que os pôr em grupos...

MB: Sim, quantos terias em cada grupo? O que farias com 23 e 391, se tivesses que descobrir?

YG: Se os tivesse, teria que os contar... digamos que tinha 20 de cada... poria 20 naquela...

MB: Supõe que sobravam alguns depois de teres esgotado as 23 floreiras, que farias?

YG: Plantava-os num vaso (!!) (Brown e Kuchemann, 1976)

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Booth comenta acerca deste exemplo: "Para o experimentador (e para o professor de

matemática) a pergunta realmente é: "aqui está um problema que pode ser exemplificado por um

algoritmo; qual é o algoritmo?" Contudo, para a criança, é um problema específico que trata de

plantar narcisos, e o "truque" do problema está provavelmente em decidir o que fazer com aqueles

que sobram" (p. 37) e ela recomenda: "Assim, deve-se encontrar formas de trabalhar a partir da

própria estratégia da criança, mas de modo a garantir a sua substituição pelas aproximações mais

matemáticas" (p. 39).

Propomos então que, no sentido de fazer justiça a estas ideias, particularmente no que respeita

à tarefa de preparar o jovem professor para o seu trabalho na sala de aula, é necessário alargar o

quadro da formação aula de Matemática". É o que vamos agora fazer.

2.2. A perspectiva da construção social

Para o jovem professor compreender a organização e dinâmica da sala aula é fundamental ter

consciência de que se está a lidar com pessoas. Pode parecer trivial dizer isto mas o facto pode

facilmente ser esquecido quando se discute detalhes de partes de aulas, por exemplo, ou as

capacidades dos alunos, motivação ou qualquer outra construção psicológica ou matemática. É com

certeza verdade, que a sala de aula, sendo parte de uma instituição, institucionaliza os participantes

— o professor experiente já aceitou este facto, e as crianças estão a aprender a tornarem-se

aprendizes/alunos/estudantes. Mas cada turma continua a ser uma combinação única de pessoas —

tem a sua própria identidade, a sua própria atmosfera, os seus próprios êxitos, as suas próprias

satisfações e as suas próprias crises. Como resultado, criou a sua própria história, compartilhada e

recordada pelas pessoas dentro do grupo.

Uma consequência que é significativa para o jovem professor é que cada indivíduo na turma

cria a sua própria interpretação do resto dos participantes, dos seus objectivos, das interacções

entre ele próprio e os outros e de todos os acontecimentos, tarefas, conteúdos matemáticos que

ocorrem na aula. "Objectos" como as capacidades das crianças, o sentido da Matemática, a

sabedoria dos professores, as regras de comportamento, não existem como factos objectivos mas

são o produto individual de cada estrutura pessoal.

O reconhecimento desta estrutura social leva-nos a propor uma orientação mais ampla para a

formação de professores do que o quadro da lição descrita anteriormente. Esta orientação vê o

ensino na aula de matemática como dominar a organização e dinâmica da sala de aula para

partilhar e desenvolver o sentido da matemática.

Esta orientação tem os seguintes aspectos:

(1) relaciona o professor com toda a turma;

(2) dá ênfase à dinâmica e à natureza interactiva do ensino;

(3) assume a natureza interpessoal do ensino, isto é, o professor está a trabalhar com

aprendizes e não meramente a encorajar a aprendizagem;

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(4) reconhece a ideia "comum" de saber e conhecimento, que exprime a importância tanto do

conteúdo como do contexto;

(5) tem em conta os conhecimentos que o aluno já tem, as capacidades e as opiniões, dá mais

ênfase ao desenvolvimento do que a uma aprendizagem teórica;

(6) dá ênfase ao desenvolvimento do sentido matemático como objectivo geral do ensino da

Matemática, incluindo os objectivos cognitivos e afectivos;

(7) reconhece a existência de muitos métodos e organizações de aulas, isto é, por definição

não exclui nenhuma metodologia já estabelecida;

(8) é uma concepção que permite a evolução do professor durante a formação inicial e a

contínua.

Uma questão central a esta corrente de ensino na aula é a ideia de sentido matemático — uma

noção que talvez deva ser clarificada neste ponto. Aquilo a que procuramos dar ênfase é à natureza

pessoal de qualquer novo conceito matemático. Um novo conceito é significativo na medida em que

faça a ligação com os conhecimentos individuais já adquiridos. Pode ter ligação com o conhecimento

individual sobre outros tópicos e conceitos matemáticos mas pode também estar associado ao

conhecimento de outros assuntos fora da matemática. Pode muito bem estar relacionado com o

imaginário, a analogia e a metáfora, mas estas conexões serão de um tipo diferente. O conceito pode

ser um exemplo de outro conceito matemático (porque isto é a natureza da matemática) e pode

gerar exemplos próprios. Finalmente, um argumento muito importante, pode estar relacionado com o

conhecimento individual das situações reais. É no entanto evidente que não há duas pessoas com as

mesmas conexões e ideias, e em particular professor e aluno terão muitas ideias diferentes

associadas à matemática. O professor "conhece" o conceito que está a ensinar no contexto do seu

conhecimento matemático. O aluno contudo é o "fazedor de significado"6 (Postman e Weingartner,

1971) na iniciativa educacional e deve estabelecer as ligações entre o novo conceito e o seu

conhecimento já existente, se o conceito é para ser significativamente aprendido. Como disse Thom

(1973) "O problema real que confronta o ensino de Matemática não é o do rigor, mas o problema

da evolução do significado, da existência dos objectos matemáticos". O objectivo educacional que

nos diz respeito aqui, é o de partilhar e desenvolver o significado o da matemática.

Na base desta orientação, propomos três conceitos chave que vamos usar para estruturar as

nossas ideias e métodos sobre formação de professores para as aulas de matemática. Eles são:

actividade — escolhido para dar ênfase ao envolvimento do aluno mais com trabalho

matemático do que com o conteúdo matemático apresentado pelo professor;

comunicação — escolhido porque é a razão fundamental de todo o ensino, é tanto o

objectivo como o método, e é essencialmente sobre a troca de conhecimentos;

negociação — escolhido para dar ênfase directamente ao processo através do qual,

professor e aluno, procuram atingir os respectivos objectivos.

6 “Meaning making” no original.

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Vamos agora desenvolver estes três conceitos, relacionando-os com conhecimentos anteriores

e recentes investigações. De certo modo esta abordagem representa o nosso ponto de vista sobre a

"essência" da formação de professores para as aulas de Matemática, enquanto que a secção 6 irá

resumir as implicações na prática da formação de professores, de estruturar o assunto desta maneira.

Contudo, antecipando isto, queremos assinalar aqui uma consequência imediata para a

educação matemática. Dar ênfase aos aspectos dinâmicos do ensino da matemática significa

abandonar o caminho seguro. Os conhecimentos que os alunos já têm, bons e maus pressentimentos,

atitudes e experiências irão desempenhar um papel importante no processo de ensino-aprendizagem.

O professor, ao dar a oportunidade de comunicar todos estes elementos, não poderá planificar e

prever com detalhe as aulas de matemática pretendidas. Os formadores de professores de

Matemática, pela parte que lhes toca, não podem ensinar todos os detalhes do conhecimento

didático subjacentes a este ensino, por várias razões, incluindo o facto que isto é indeterminado.

Além disso, dissertar sobre dinâmica sem dinâmica, não iria convencer os jovens professores da

necessidade de dar este difícil passo. Assim, os formadores de professores terão de actuar na sala

de aula como pretendem que os jovens professores actuem. Contudo, constatamos que, em primeiro

lugar, os formadores de professores não ensinam matemática; actualmente ensinam o ensino da

matemática. A sua área de trabalho não é a Matemática mas o ensino (e a aprendizagem) da

Matemática. Os jovens professores, pela parte que lhes toca, não estão essencialmente a aprender

Matemática mas o ensino da Matemática. Todas as espécies de conhecimento existentes, bons e

maus pressentimentos, atitudes e experiências sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática

devem estar presentes na sala de aula na formação de professores. No fim de contas, a história dos

grupos na sala de aula, nas instituições de formação de professores, tem as suas raízes na infância

assim como no seu passado mais recente. A necessidade está em actualizar e reflectir sobre

dinâmicas, de modo que os jovens professores tenham oportunidade de partilhar experiências

significativas no seu nível profissional.

ACTIVIDADE

3.1. Construções

Na nossa filosofia de educação Matemática o conceito de actividade tem um papel essencial e

configura a nossa teoria sobre o ensino e a aprendizagem. Observando na sala de aula os processos

de ensino-aprendizagem, individual ou em grupo, a actividade dá-nos critérios para avaliar quer os

processos quer os produtos. Além disso, ajuda-nos a ver mais claramente certas limitações e

constrangimentos. Conforme foi referido no capítulo 1, a avaliação exterior e as normas sociais, e

como foi considerado no capítulo 2, o horário e não só, são aspectos que os professores têm que

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considerar e não nos podemos recusar a estas pressões exteriores à sala de aula. Contudo, é um

dado adquirido para nós, ao considerar a formação do professor do ponto de vista da sala de aula,

que a actividade da aprendizagem é o ponto fulcral, onde o professor desempenha o papel de

criador, iniciador, estimulador, controlador e gestor da referida actividade. Obviamente, a idade dos

alunos, aspecto principal, e a organização da escola, influenciarão os métodos usados pelo professor

na sala de aula, mas como veremos, o interesse dos alunos será estimulado pelas actividades

escolhidas pelo professor, situações e contextos de aprendizagem e pela capacidade do professor

para desenvolver e conduzir as actividades com sucesso. Serão as tarefas e situações que dão

oportunidade aos alunos de se envolverem na criação da sua reflexão, da sua própria Matemática. O

exemplo seguinte acerca da complicada noção de fracção ilustra bem esta ideia (Bidwell, 1982):

A tarefa que se segue foi dada a trezentas crianças dos 10 aos 12 anos de idade, em quatro

escolas primárias na Escócia: "Corta estas barras de chocolate de modo a reparti-las em partes

iguais por 6 crianças"

Foram registados 28 cortes diferentes. Posteriormente estas "construções" imprevistas

poderam ser categorizadas. As três principais categorias são ilustradas pelas seguintes soluções.

Esta solução pareceu ser a mais usual. Muito embora não tenha sido pedida qualquer

interpretação numérica, os alunos descreveram esta solução da seguinte maneira: 16

+16

+16

+16

+16

.

O segundo tipo de solução revela um nível mais avançado de raciocínio com fracções:

6 6 6 6 6

1 2 3 4 5

Uma possível descrição desta solução em linguagem numérica seria: 16

+16

+16

+16

+16

=56

.

Ou 1 −16

=56

, ou 5 ×16

=56

.

Mais interessante era a terceira categoria. As soluções nesta categoria têm sido classificadas

como o método prático de recreio e são muito semelhantes aos métodos usados pelos Egípcios para

resolver problemas semelhantes há 4 mil anos (Chace, 1979).

— 11 —

12

+13

=56

Outras construções desta categoria podiam ser descritas por: 14

+14

+14

+1

12,

13

+13

+16

, 69

+16

Não é dificil imaginar os referidos cortes.

Uma posição semelhante tem sido defendida por Streefland (1982). Isso mostra-nos que os

alunos, mesmo em contextos matemáticos limitados, são capazes de construir matemática

significativa. Isso suporta a ideia de "fazer Matemática" na qual se refletem não só as actividades

físicas, mas especialmente as capacidades mentais. Aprender Matemática fazendo, significa não só

manipular objectos, mas também pensar acerca dessa manipulação e reflectir acerca do

procedimento e da execução. Nesta perspectiva, ensinar não pode ser apenas apresentar os

conteúdos matemáticos, e particularmente com o conceito de fracção os professores de todo o

mundo conhecem os problemas e as dificuldades ao tentar apresentar este conteúdo em diversos

meios e a diferentes níveis.

Contudo a escolha da actividade como a nossa primeira ideia chave, não significa que

desejamos desvalorizar o papel do professor, mas sim que procuramos adaptá-lo de acordo com as

necessidades gerais para a clarificação do que foi tratado no início. Pretendemos, em especial,

centrar a atenção do formador nas tarefas importantes que os professores devem apresentar,

relacionadas com as actividades através das quais os alunos adquirem conhecimentos matemáticos.

Mas, redefinindo o papel do professor, neste sentido, significa que têm de ser considerados novos

desafios ao profissionalismo do professor. O nosso exemplo da fracção, deliberadamente excluído

no contexto do ensino, esclarece alguns desses papeis quando realmente o inserimos no contexto da

aula. O que deverá fazer o professor com, por exemplo, as diferentes abordagens das crianças? Elas

não só manifestam capacidades diferentes mas também nos mostram que experiências anteriores

(como distribuir justamente os objectos, como construir partes iguais), linguagens aprendidas e

conhecimentos actuais, influenciam também a abordagem. O professor sabendo que várias soluções

podem ser imaginadas pelos seus alunos, cria largos espaços para a actividade. Mas mais do que

isso, é provável que ele queira estimular a discussão sobre as diferentes soluções, depertando os

alunos para diferentes possibilidades, fazendo-os reflectir sobre o seu próprio processo de

aprendizagem e sobre o dos outros a fim de partilhar o conceito de fracção.Talvez o professor

pretenda apenas salientar a interacção social, escutando-se os alunos uns aos outros, tentando

convencer os seus colegas com base nos seus argumentos ou encontrando uma solução comum

baseada em todas as descobertas anteriores.

Nesta aula são mais evidentes os desafios profissionais. São principalmente sobre

comunicação e interacção, quer do professor quer do aluno. Contudo antes de abordarmos esta

questão da comunicação, observaremos, primeiro, possíveis tarefas que estimulem as actividades

dos estudantes7. 7 No capítulo 7 deste livro foram explorados os conhecimentos epistemológicos das tarefas e actividades; neste capítulo focamos a sala de aula.

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3.2. Actividade através da realização de tarefas em contextos

Boris ao simplificar a fracção 12/16 obteve 6/8. O professor perguntou se tinha obtido o menor denominador possível. Propôs-lhe que deveria pensar nisso. Muitos alunos, colocando os dedos e os braços no ar mostravam-se ansiosos por corrigir a solução obtida. Boris estava com um ar infeliz e provavelmente bloqueado intelectualmente. O professor, serena e pacientemente, ignorou os sinais dos outros alunos e centrou-se em Boris. Perguntou-lhe: Não encontras um número maior que dois pelo qual possas dividir ambos os termos da fracção por ele? Após um ou dois minutos continuou a questionar Boris, mas este não respondeu nada. Voltou-se então para a classe e perguntou: Quem pode dizer ao Boris qual é o número pretendido? Praticamente todos os alunos queriam responder. O professor chamou Gretchen. Gretchen disse que quatro era o número pelo qual se podia dividir o numerador e o denominador. (Biermann, 1980)

Nesta tarefa (simplificação da fracção 12/16) toda a classe estava envolvida. Ao questionar

Boris, pelo menos para este, a situação mudou totalmente. A situação inicial, na qual ele era um dos

vários alunos, transformou-se numa situação ameaçadora. Como consequência disso, ele tornou-se

completamente passivo. A impaciência dos seus colegas em responder correctamente conduziu ao

seu isolamento e impedia-o de continuar a raciocionar.

A experiência frustante de Boris mostra-nos como uma turma inteira pode criar situações nas

quais os alunos deixam de participar individualmente. Os professores devem estar cientes disto e

podem tentar criar um ambiente descontraído que permita aos alunos exteriorizarem os seus

raciocínios, mesmo quando estes estão errados ou incorrectos.

No exemplo seguinte foi criado um tal ambiente: 3º ano de escolaridade, os alunos entram na

sala. No quadro estava desenhada uma grande mão. O professor inicia a seguinte história.

Era uma vez um gigante chamado Bert. Ele sentia-se muito só, porque já não existiam outros gigantes na terra. Ele não tinha ninguém com quem conversar. Um dia Bert questionou-se: ser-lhe-ia possível dialogar com seres humanos? Tristemente ele curvou a cabeça. Não, isso seria certamente impossível. As pessoas receariam morrer. Ele era tão grande e feio. Mas mesmo assim ele não conseguia deixar de pensar nisto, e tentou relacionar-se com as pessoas. Ele desejava ardentemente que os seres humanos não tivessem receio... Olha, aqui pode-se ver o que Bert mostrou às pessoas... (o professor indica o desenho no quadro).

P: Como é que sabe que esta é a mão de um gigante?

S: Certamente é. Eu nunca vi uma mão tão grande.

P: Pensa que o gigante é maior do que eu? (Ela fez esta pergunta para também dar oportunidade aos alunos mais fracos).

S: A mão de um gigante é muito maior do que a tua. Por isso o gigante é maior do que tu (o professor acentuou esta declaração pondo a sua mão no desenho).

P: Qual é o tamanho do gigante?

Várias crianças aderiram à discussão dando a sua opinião: "Do tamanho da sala de aula"..."do tamanho de uma árvore". (Mas a professora não fez estas perguntas).

P: Olhem para a minha mão e para a mão do gigante. Comparem ambas. (Ela colocou a sua mão ao lado da mão grande na mesma linha).

Contudo, as tarefas matemáticas para alunos do 3º ano de escolaridade, obviamente se

referiam a razão e proporção, mas o assunto da tarefa não era Matemática. Com certeza que esta

actividade com o gigante foi escolhida por razões de motivação, e os alunos, provavelmente,

— 13 —

pretendem explorar a situação, comentar as questões postas pelo professor. Ao discutir estas

questões têm a oportunidade de compartilhar conhecimentos matemáticos.

No exemplo seguinte, a situação da totalidade da turma reveste-se de diferentes aspectos. Os

alunos já estão inseridos no contexto matemático, trabalhando individualmente em tarefas práticas:

O professor escreve no quadro cerca de dez equações e diz aos alunos que comecem a resolvê-las. Permite-lhes usar notas da aula anterior. As equações são simples, como por exemplo 3x = 12, 6x = 48, etc. O professor circula pela sala, dando apoios individuais aos alunos ou referindo-se aos seus apontamentos da aula anterior. Quando toca a campainha, o professor diz-lhes para copiarem o resto das equações e continuarem o trabalho em casa. (Roberts, 1971, p. 227).

Nos dois exemplos foi o professor quem iniciou a actividade, mas analisando o processo de

ensino-aprendizagem como consequência destas actividades, observamos a enorme diferença entre

os dois exemplos. Ela pode ser descrita em termos de interacção, estreitamente relacionadas com as

tarefas, de situação e de formulação.

Outro tipo de interacção ocorrerá num pequeno grupo de trabalho. Neste cenário sem realçar

a possibilidade do trabalho em pequenos grupos — voltaremos a este ponto mais tarde —

mostraremos o que queremos dizer:

"Um pequeno grupo de alunos do 6º ano de escolaridade está a discutir no corredor. Um deles tem um cronómetro e outro desenrola uma fita métrica. A tarefa de investigação era qual a velocidade de um pião? " Andamos dez metros e medimos o tempo" era a sugestão. Começaram a fazer. "Mas tu estás a andar muito depressa!" "É como o meu pai anda sempre!" "Ele é um pião muito estupido"...Os alunos continuaram a ensaiar e mediram o tempo de um velho, um desportista, uma criança... O que fazer com estes números todos? O aluno encarregado de registar os dados parecia estar atrapalhado. Outro aluno aparentemente parecia saber como determinar a média: "Basta somá-los todos e dividir por cinco!" Ninguém levantou questões, e todos esperaram enquanto se faziam os cálculos: 7.27 segundos. O que fazer agora? "Vamos perguntar ao professor para ele nos dizer se a resposta está correcta!". Mas nem todos os alunos estavam de acordo. "Não podemos dizer que a velocidade de um pião é 7.27 segundos. Por acaso dizem " O nosso carro vai a tantos segundos?" "É Kilómetros por hora". "E nós calculamos 7.27 segundos por dez metros, temos que fazer mais cálculos!"... (Goffree, 1983)

Deixámos o grupo a trabalhar, pois ainda existem vários problemas para resolver. Analisando

o trabalho deste pequeno grupo, vemos perfeitamente diferentes actividades. A tarefa proposta

parece ser perfeitamente clara, no sentido em que os alunos conseguiram começar a fazer alguma

coisa. Eles conseguiram imaginar todos os tipos de piões, mas tiveram dificuldade com o conceito de

média. Obviamente, alguns alunos não sentiram necessidade de compreender o significado do

algoritmo, apenas se satisfizeram com a experiência de um aluno. Na ausência do professor eles não

aprofundaram, não houve reflexão sobre o significado matemático do resultado, 7.27 segundos,

fizeram os cálculos sem prestar atenção à questão central que tinha sido posta. Felizmente um aluno

pôde descrever uma experiência anterior que servia para o que os alunos estavam a viver.

Obviamente, os processos de aprendizagem semelhantes a este não são tão consistentes como

os referidos anteriormente. Posteriormente, o professor deve gastar algum tempo a ajudar os alunos

a reflectir nas actividades anteriores. O pequeno grupo de trabalho com estas características

necessita de reflexão, para se poder ter a certeza que as crianças aprenderam fazendo.

— 14 —

Uma situação totalmente diferente acontece quando o professor comunica com uma criança

individualmente. Também neste caso existem várias possibilidades diferentes, das quais o diagnóstico

e as entrevistas remediadoras têm sido frequentemente referidas. No capítulo 6 foi discutida uma

aproximação particular (tarefa apoiada em entrevista). O exemplo que se segue mostra-nos a

discussão entre o professor e alguns alunos. O objectivo era envolver os alunos em raciocínios

matemáticos. A tarefa era:

Nesta questão o número 1 foi escrito ... vezes. Primeiro todos os alunos querem escrever “1”. Eu (professor) pedi para lerem o resultado alto. Francis parece decidido a fazê-lo, mas depois diz:

F: Se se escrever o numeral 2, então não é duas vezes, mas agora é duas vezes.

I: Sim, neste caso temos duas vezes um.

Ellen: Se tu puzeres dois não há dois deles.

I: Poderás pôr 2?

Ellen: ...Não...um.

I: Está certo com um?

Ilona: Julgo que também não está certo.

F: Porque agora existem dois outra vez.

I: Sim

Ilona: Se escreveres 2 então é uma vez.

Após alguns comentários semelhantes, os alunos decidem escrever para além da questão:

“Se escreveres 1 significa duas vezes e se escreveres 2 significa uma vez”

Então eu volto a questionar simulando lentidão de compreensão.

I: Eu tenho que saber o que é,o um ou o dois.

Ellen: O um.

Ernestine: o dois.

Illona: Não sei.

E a discussão recomeça... (Goddijn, 1982)

Apesar do professor estar a trabalhar com um pequeno grupo de alunos, a sua abordagem é

semelhante a trabalhar individualmente. Na verdade, os alunos são desafiados a comentar

directamente a tarefa confusa e as propostas dos seus colegas. O professor não está a tentar

descobrir algo acerca do conhecimento ou deficiências, nem tão pouco ajudando os alunos. O que

ele fez foi apoiá-los enquanto pensavam, enfatisando o conflito, tentando manter o processo de

aprendizagem em movimento. Quando os alunos pensavam ter acabado a actividade, porque

escreveram a resposta no papel, ele tornava-os activos novamente duvidando da solução dada.

O facto de os alunos não defenderem a resposta dada, mostra que o seu processo de

aprendizagem ainda não está concluído. Neste momento uma vantagem deste modo de trabalhar

(discussão individual em pequeno grupo) fica clara. Quando a discussão aluno/professor acaba, os

alunos geralmente inferem que o problema foi resolvido, ou pelo menos o professor é responsável

pelo último toque.

— 15 —

Analisando a actividade dos alunos no exemplo anterior, na perspectiva do aluno, pode-se

observar muitas possibilidades relacionadas com as tarefas atribuídas. Comparando todos os

exemplos dados, torna-se claro que o método e o nível da actividade depende muitíssimo do

contexto na qual a tarefa se enquadra. Este contexto tem vários aspectos. No caso de Boris era o

clima pedagógico na sala de aula, no caso do gigante era tão emocional quanto matemático.

Os alunos têm de confrontar-se com todos os contextos. O contexto da escola/aprendizagem

é o predominante. Frequentemente, os alunos só sentem que estão a aprender quando executam

tarefas práticas, nas quais a intenção de aprender é muito clara (ver capítulo 7). As tarefas no

contexto da avaliação conduzem a actividades diferentes, por exemplo, das tarefas em contexto de

livre exploração, as quais diferem, outra vez, das tarefas produzidas numa atmosfera de competição.

Estamos aqui a pensar em quaisquer actividades dos livros, fichas de trabalho, investigação, trabalho

prático, tarefas para fazer no lugar, exercícios práticos, problemas tanto conduzidos pelo professor

como individuais, jogos e competições, mini-testes, discussões, debates matemáticos, tirar notas e

reflexões.

Ainda na perspectiva do aluno, não é dificil distinguir entre tarefas físicas e mentais, entre

tarefas imediatas e aquelas que têm de ser consideradas como parte de um longo processo, tarefas

incluídas num contexto matemático e tarefas formuladas num contexto "não matemático", tarefas

escritas e tarefas orais, tarefas de exploração e tarefas para praticar, tarefas heurísticas e tarefas

algorítmicas, tarefas individuais e partilhadas, etc.

A variedade de tarefas e actividades, para possível uso do professor de matemática, é desta

maneira extremamente lata, o que torna surpreendente que a aula de Matemática típica seja um local

tão rotineiro e ritualista como é frequentemente descrito. Segundo o que afirmámos anteriormente,

contudo essa semelhança era devida em grande parte à estrutura da lição, no que dirige muito do

pensamento do professor de matemática e que a alteração para a ideia de "actividade" poderá fazer

muito para quebrar esta monotonia.

Então, uma área importante da competência necessita de ser desenvolvida na área da selecção

de formandos, ou talvez na criação e iniciação de tarefas, contextos e actividades. Qualquer

professor tem de aprender a lidar com os vários constrangimentos, que reduzem as possibilidades

dentro da sala de aula, tais como o tempo, o espaço, o livro de texto, o programa, mas dentro

destes constrangimentos, o aspecto mais importante para o professor é conhecer bem os alunos,

para que seja capaz de imaginar e avaliar os potenciais valores de qualquer tarefa para eles. A

principal fonte de dificuldades para o formando é a que ele não pode conhecer os alunos do mesmo

modo que o professor regular, nem pode ser parte das experiências do grupo constituído pela turma

do mesmo modo que o pode ser o professor da turma. Contudo, no processo de desmistificação do

desempenho do professor-perito, o formador de professores deve desenvolver formas que permitam

ao jovem professor compartilhar esse tipo de conhecimentos e essa experiência, para que a selecção

de tarefas não se torne num mero exercício teórico e abstracto. Obviamente grande parte dessas

treino na selecção das tarefas necessita de ser feita num contexto real de sala de aula com alunos

reais, com constrangimentos também reais e sucessos e insucessos reais. Só através do

— 16 —

conhecimento prático dessa realidade é que o jovem professor pode começar a compreender a

complexidade e a subtileza da tarefa e selecção do contexto.

Agora, vamos para outro aspecto das tarefas e actividades na sala de aula, o de gerir e

organizar as actividades para que os alunos possam retirar o máximo proveito delas. Nós

consideramos sucessivamente as actividades de pequenos grupos e actividades individuais, porque

nelas as diferenças são as mais significativas da perspectiva da gestão.

3.3. Gestão de actividades colectivas da turma

Consideramos, em primeiro lugar, como os professores dirigem toda a turma, porque é uma

realidade da vida da sala de aula que sempre que o professor constitui pequenos grupos ou

actividades individuais, a direcção destas é adicional à gestão de toda a sala de aula.

Felizmente, há uma vasta literatura de investigação, que podemos usar aqui para as nossas

ideias em formação de professores e muitas revisões da literatura estão cheias de conselhos ao

professor. Por exemplo Brophy (1982) afirma:

Os gestores eficientes da sala de aula distinguem-se pelo seu sucesso em prever problemas em vez da capacidade especial de gerir os problemas quando eles ocorrem. É também claro que o seu sucesso não é obtido através de técnicas isoladas ou 'gimnicks', mas em vez disso é o resultado de uma aproximação sistemática da gestão da sala de aula que começa com uma preparação e planificação antes do início do ano escolar, e implementado inicialmente através de uma comunicação sistemática de expectativas e o estabelecimento de procedimentos e rotinas no início do ano, que é mantido durante o ano, não só pela consistência em seguir as expectativas, mas apresentando aos alunos uma corrente contínua de actividades bem escolhidas e preparadas que prendam a atenção deles nas aulas em grupo e prenda a sua concentração e esforço no tempo de trabalho independente (p. 16).

O trabalho de Kounin (1970) estimulou muito as pesquisas da direcção da sala de aula e as

suas ideias ainda sustentam repetições. Uma qualidade através da qual é possível distinguir os

gestores mais efectivos da sala de aula dos menos efectivos é a "withitness" — a qualidade de

conhecimento do que está a acontecer na sala de aula, para que os alunos também saibam que o

professor sabe como correm as coisas. Outra qualidade chave é a sobreposição, pela qual o

professor está apto a dar atenção a mais do que um fenómeno de imediato. Isto relata claramente o

que dissemos acima — mesmo se o professor está a trabalhar cuidadosamente como um indivíduo,

tem ainda a necessidade de gerir toda a classe e, se necessário, dar atenção aos assuntos

administrativos, disciplinares ou pedagógicos de toda a classe. Um terceiro aspecto é a capacidade

efectiva do professor para, em qualquer momento, conhecer como vai a actividade da classe.

Através de um contacto com o olhar, de uma boa técnica de perguntar, evitando longas pausas,

ignorando acontecimentos eventualmente propiciadores de distracção e evitando desvios laterais

desnecessários, as actividades podem avançar a bom ritmo.

Um trabalho posterior de Emmer, Eerston e Anderson (1980) não só reforçou estas

descobertas mas também estabeleceu a ideia de que a implementação dos procedimentos e "regras"

bem sucedida em toda a classe é mais uma questão ligada ao ensino do que de "controlo". Isto é, os

— 17 —

procedimentos na sala de aula foram planeados e especificamente ensinados às crianças da mesma

maneira que lhes foram ensinados os tópicos académicos. Contudo, não seria de esperar que alguém

necessitaria de continuar com isto — Se as actividades “procedimentais” são planeadas e ensinadas

mais cedo, então só seria necessário usar chamadas de atenção mais tarde e com pouca frequência.

O foco passaria a ser nas actividades académicas. A mensagem desta pesquisa é que, através do

ensino de procedimentos, como lhe chamámos, as crianças estão instruídas a tornar-se mais

independentes e aprendizes com consciência de grupo. Elas estão a ser treinadas para serem

capazes de aprender eficazmente no ambinte da sala de aula. Evidentemente, existem aqui lições

importantes para o jovem professor e através de técnicas de microensino e jogos de papeis, é

possível desenvolver a capacidade necessária para a gestão bem sucedida de toda a turma (ver

Allen e Ryan, 1969 e Brown, 1975).

Prestando atenção à direcção das actividades matemáticas com toda a classe, pode-se ver a

progressão da menor para a maior complexidade, dependendo do tipo de actividades. (Esta

progressão, também, pode ter consequências importantes tanto para o ensino como para o treino

específico de futuros professores de Matemática). No ponto menos complexo da escala está o

papel de supervisor do professor quando dirige actividades como testes, quando as normas de

trabalho individual, sem conversação e sem fraude são para ser seguidas. Tirar apontamentos é outra

actividade relativamente "formal", onde as notas são também ditadas pelo professor, copiadas do

quadro ou feitas individualmente pelos alunos. Normalmente tais actividades serão também

preliminarmente para/ou uma reflexão sobre, ou um resumo de outras actividades mais envolventes,

mas podem ocupar um papel mais central em certas sala de aula autoritárias e fortemente

controladas.

Com o uso de actividades como o trabalho no lugar e exercícios chegam as tarefas adicionais

de ajuda, de animação e de explicação do professor. É onde a sobreposição de Kounin pode

começar a ser vista de como o professor procura combinar os papeis de consultor e supervisor. É

quando a actividade toma a forma de discussão de toda a turma, ao falar de um problema posto

pelo professor e exposto no quadro, que as tarefas deste se tornam mais complexas. Não só temos

que supervisionar e ajudar, como também o professor precisa de sentir que todos os alunos estão

envolvidos e compreendem os vários tipos de comunicação envolvida.

A discussão efectiva, entre um grupo de qualquer tamanho, requer um comportamento

disciplinar dos participantes para que, por exemplo, eles não falem todos ao mesmo tempo, mas a

discussão na aula envolvendo 20 ou 30 crianças requer uma grande capacidade do professor para

que não degenere numa confusão ou num monólogo do professor.

O essencial é a natureza pública e partilhada da actividade e o professor deve constantemente

gerir a aula para observar possíveis sinais de não compreensão e não envolvimento. A disposição

dos lugares é também importante, visto que a melhor disposição para um teste (lugares separados

em fila) não é a melhor para uma discussão em classe. Sem professor ou líder a disposição mais

apropriada para a discussão seria o círculo, mas numa discussão orientada pelo professor fica

melhor em ferradura, onde o professor e o quadro podem ser vistos por todos e onde o professor

— 18 —

pode ver todos os alunos facilmente. O quadro serve como espaço público em discussões como

estas e em aulas de resolução de problemas onde os alunos precisam tanto de ter acesso ao quadro

como o professor.

Outra parte da tarefa do professor é ser sensível à atenção que acompanha estas discussões

"públicas". Muitas crianças sentir-se-ão inibidas pelo tamanho do grupo e hesitarão em dar qualquer

contributo. Igualmente a avaliação de uma ideia entre 20 possíveis pode ser assustador para muitas

crianças, particularmente nas aulas de matemática onde critérios de certo/errado parecem ser

relativamente fáceis de aplicar. Já falamos deste aspecto em termos de um contexto e aprendizagem.

Por esta razão a gestão com sensibilidade de contribuições, tentativas, especulativas ou incorrectas

dos alunos é uma aptidão necessária, mas súbtil a desenvolver no professor, se se quiser que as

discussões de toda a turma sejam efectivas e genuínas. Igualmente, haverá algumas crianças que

gostam de representar perante a "audiência" e o seu nível de contribuição necessita também de ser

cuidadosamente controlado. De todas estas actividades esta é, provavelmente, a mais complexa do

ponto de vista do professor e não deverá ser levada a cabo por um jovem professor sem uma

grande preparação e exercícios preliminares. Contudo, o episódio de Easley and Easley (1982)

mostrado no início do capítulo e o do gigante em 3.2, dão-nos algumas indicações sobre o que pode

ser conseguido por um professor perito com uma discussão com toda a turma.

3.4. Orientando actividades em pequenos grupos

Na secção anterior os padrões de comunicação, em que o professor dominava, constituiram a

norma. Com o desenvolvimento de actividades em pequenos grupos, outros padrões entram em

jogo. Assim, apesar de o professor ainda dever continuar a ter o papel de supervisor e de,

ocasionalmente, poder juntar novamente todo o grupo, grande parte da aprendizagem terá lugar sem

a sua orientação directa e, consequentemente, estará sobre a influência predominante dos colegas de

grupo. Este tipo de actividade não surge com frequência entre os professores de Matemática, ou

pelo menos eles não aparentam usá-la, deliberadamente, com frequência. Contudo, na maioria das

salas de aula, exercícios no lugar e outras actividades supostamente individuais serão muitas vezes

levadas a cabo pelas crianças, cooperativamente. Permitindo a opção, o que aparentemente muitos

professores fazem, os alunos tenderão a escolher um modo de trabalho cooperativo em detrimento

de um modo totalmente independente. Possivelmente, os professores de matemática deveriam

considerar mais deliberadamente o uso e a exploração de actividades em pequenos grupos, O

episódio de Easley e Easley (1982) mostra a promoção intencional trabalho em grupo ou ´han` e que

as possibilidades para o trabalho de grupo são muitas e variadas.

Num relato de uma "experiência única e recompensadora que eles partilharam em fazer

pesquisa matemática original", Borenson (1981) refere-se a Torrance (1963) que fornece uma lista

de indicadores de trabalho de grupo criativo:

— 19 —

Os que se seguem foram considerados sinais de interacções positivas e produtivas: cooperar, auxiliar,trabalhar em conjunto, organizar, envolvimento na tarefa, elogiarem-se mutuamente, respeitar as ideias dos outros, ouvir, considerar as ideias dos outros, tentar as ideias dos outros, consultarem-se, agradável, interessado, inquiridor, curioso.

Quais são, então, para o professor, as implicações das vantagens e desvantagens das

actividades de grupo? Considerando as vantagens, é como se os alunos individualmente fossem

estimulados por outros trabalhando na mesma tarefa - existe um factor ´contagioso` quanto ao

comportamento e, além disso, muitas vezes, um factor competitivo. Também com problemas

complexos é benéfico haver mais do que uma pessoa a gerar possilidades, hipóteses ou construções

alternativas. Freudenthal (1978) argumenta fortemente a favor do "trabalho de grupo heterogéneo" o

qual "abrange alunos de diferentes níveis colaborando numa tarefa, cada um ao seu nível (p. 61). A

noção de ´nível`, fundamental para o seu caso, é ilustrada pela ideia de "matemática praticada num

nível inferior torna-se matemática observada num nível superior". O poder dos grupos

heterogéneos, argumenta Freudenthal, é que "é mais fácil observar processos de aprendizagem com

outros do que consigo próprio" e "entende-se como o outro aprende, imagina como o geriria,

objectifica este nível mais baixo de actividade de forma a repeti-la conscientemente mesmo se

entretanto já a mecanizou ou algoritmizou" (p. 61). Em geral, a discussão num grupo ajuda a articular

estratégias para a solução e a expor erros de compreensão. Contrastar as suas ideias com as dos

colegas é, sem dúvida, uma parte crítica do desenvolvimento intelectual. Eis um excerto duma

discussão entre três rapazes sobre o problema " o que é nada?" (i.e., um zero):

Robin 76. Mas é dez porque podes chamar-lhe dez

Nicky 77. Sim

David 78. É simplesmente um número/tal como o meu nome David

Nicky 79. É?

David 80. Tal como o meu nome é David o número é chamado dez/tens que ter um nome

Christopher 81. Sim porque o teu nome não pode ser chamado dez

Nicky 82. O meu nome é Nicky/suponho que é o mesmo

Christopher 83. O teu nome podia ser dez (risos)

Nicky 84. Ou onze ou doze

Estas vantagens podem ser interpretadas como razões pelas quais as crianças preferem

trabalhar cooperativamente do que independentemente. É claro também que muitas actividades

matemáticas poderiam ser levadas a cabo em pequenos grupos, particularmente as de resolução de

problemas ou que exigem investigações. Não é por acidente que estas envolvem actividades de nível

mental mais elevado, apesar de este não constituir um pré-requisito para a actividade cooperativa. A

prática de competências básicas, por exemplo, podem florescer, frequentemente, na atmosfera

´competitiva` de um grupo, enquanto actividades matemáticas ´práticas` tais como levantamentos e

— 20 —

medições, jogos matemáticos ou recolher dados estatísticos exigem competências de natureza mais

colaborativa e social.

Um conjunto de tarefas do professor, relaciona-se, então, com a maximização dos benefícios

de actividades de grupo — ajudar e encorajar a colaboração e cooperação, estimular a comparação

e a oposição de ideias e arbitrando as ´competições`.

Um outro conjunto de tarefas diz respeito à minimização das desvantagens do trabalho de

grupo. É muito provável que surjam problemas se um membro do grupo tenta dominar os outros —

a liderança é correcta, e talvez até deva ser encorajada, mas, para que todos os membros do grupo

tirem o máximo benefício da actividade em grupo, é necessário desencorajar o domínio contínuo por

uma só pessoa. Isto pode ser feito pelo professor quer formalmente, por usar o princípio do ´líder

rotativo`, quer através de estratégias mais informais e pessoais, tais como colocar todos esses líderes

dominantes num único grupo ou por consciencializar o ´líder` do seu comportamento e encorajá-lo a

modificá-lo.

O aspecto matemático da actividade acrescenta a isto uma outra dimensão. A vantagem, para

a criança mais lenta, de aprender do colega mais lesto pode não corresponder a uma vantagem

semelhante para este último. De facto, o aluno mais lento pode não beneficiar, também, se o aluno

mais lesto domina e aumenta os sentimentos de incompetência matemática nos outros. Pode então

simplesmente desistir de contribuir e limitar-se a copiar. O professor precisa, sem dúvida, ser

sensível a estas possibilidades e tomar uma acção preventiva e ´curativa`.

Ao orientar o trabalho em pequenos grupos, o professor precisa, portanto, mudar da

monitorização da criança individualmente no contexto da turma, tal como na secção anterior, para a

monitorização do indivíduo em relação com o grupo. Além disso, tal como existe a necessidade de

ensinar à turma as competências e ´regras` da actividade do grupo-turma, igualmente é necessário

que o professor ensine competências de aprendizagem em pequeno grupo. Variações no tipo de

actividade de grupo parecem, assim, importantes, bem como alterações na constituição dos grupos.

O conhecimento da criança individualmente irá provavelmente influenciar a composição dos grupos;

por exemplo, a proximidade de níveis de desempenho pode ser um critério para a composição do

grupo no caso de uma actividade de prática de competências ´competitivas` enquanto que outras

qualidades podem determinar a composição do grupo para actividades envolvendo instrumentos ou

jogos.

Finalmente, o professor precisa ajuizar quando os benefícios da actividade de grupo são

sobrepujados pela necessidade de mudar para uma actividade com a turma toda (talvez de forma a

exercer um controlo mais apertado da turma) ou para encorajar mais actividade individual (talvez

porque os grupos tenham atingido a fase de escrever as soluções ou dar conta do seu trabalho

prático). Transições suaves entre actividades parecem ser a marca do contraste dos professores

mais eficientes.

3.5. Orientando actividades individuais

— 21 —

Os valores específicos da actividade individual na sala de aula são associados primeiramente

com a natureza independente deste trabalho e secundariamente com o tipo ´personalizado` de ensino

que o professor desenvolve. Enquanto as actividades de grupo enfatizam e promovem a

interdependência, a actividade individual requere trabalho independente. Através do uso de muitos

tipos de trabalho no lugar como exercícios, exemplos, problemas, investigações e relatórios práticos,

o indivíduo é encorajado a desenvolver hábitos independentes e auto-confiantes de pensar e de

comportamento, exigidos, em parte, pela natureza individual da maioria dos exames em matemática.

A tarefa do professor precisa, portanto, ser vista a essa luz. É relativamente fácil, mas não tão

válido que o professor diga, por exemplo, à criança o que ela fez de errado e o que deve fazer para

corrigir o erro. É muito mais difícil mas também muito mais importante, ser capaz de ajudar o aluno a

localizar a origem do erro e a utilizar procedimentos auto-correctivos. O professor pode conhecer os

critérios pelos quais pode avaliar se a resposta, ou a estratégia para a solução é certa ou errada, mas

o papel do professor é, em última instância, ensinar esses critérios ao aluno. Similarmente as tarefas

de comunicação que serão descritas na secção seguinte, e as quais são relevantes aqui, tais como a

interpretação, translação, atribuir significado e conexões, devem ser realizadas de uma forma que

possibilitem ao aluno aprender como as pode desenvolver por si próprio.

Do ponto de vista afectivo, o professor precisa encorajar o envolvimento do aluno com as

tarefas, por recompensar o comportamento focalizado na tarefa, dando feed-back e elogios a

propósito do desempenho, e por tornar, em geral, o aluno consciente do seu desenvolvimento e do

crescimento independente. O professor deve igualmente ser explícito quanto a se a tarefa é para ser

feita individualmente ou em grupos informais, porque como vimos estes dois tipos de actividades têm

objectivos diferentes e exigem do professor atitudes diversas.

Isto pode ser facilmente observado se considerarmos a natureza pessoal do ensino que a

actividade individual possibilita. Aqui a palavra ´pessoal` reflecte o facto de que o professor pode

individualizar a sua ajuda ou explanação de uma forma que é impossível na actividade de grupo.

Além disso, algo que os professores em início de carreira têm dificuldade em perceber é que é

possível num momento surgir como rígido, exigente e controlador com toda a classe, e, no momento

seguinte, ser afável e paciente com um aluno individualmente que precisa de ajuda — as crianças não

veêm qualquer inconsistência nestes dois tipos de comportamentos porque sabem, mesmo que o

jovem professor o tenha esquecido, que eles se ligam a dois conjuntos de circunstâncias muito

diferentes, e a dois conjuntos de objectivos bem diversos.

Portanto, o papel do professor consiste, essencialmente, em conhecer o aluno e ser capaz de

explorar esse conhecimento maximamente. De particular importância é o conhecimento sobre as

diferenças de experiências de vida, quando se está a tentar atribuir, a cada aluno, significado para as

ideias matemáticas, ou sugestões sobre as suas aplicações ou a sua relevância. Um passatempo, ou

interesse, ou um trabalho fora da escola que se conheça, pode oferecer um contexto mais

significativo para uma ideia matemática do que algumas experiências escolares.

Em resumo, as actividades individuais permitem ao professor desempenhar, com o aluno, um

papel tutorial, mas 20-30 alunos numa sala de aula forçam-no a adoptar outros papéis também.

— 22 —

Contudo, o modo de grupo é um contexto de aprendizagem tão importante como o modo de

actividade individual — simplesmente, outros objectivos de natureza participada e social são nutridos

por esses meios. Deste modo, parte do papel do professor consiste em combinar as diferentes

actividades de um modo que os objectivos mutuamente incompatíveis, interdependência e

independência, possam ser atingidos, na extensão possível, naquele contexto cultural e educacional

particular.

4. COMUNICAÇÃO

O que significa partilhar significado através da comunicação? Como afirmámos anteriormente,

os alunos criam os seus próprios significados graças ao, e às vezes apesar do, ensino da matemática.

Eles entendem a matemática de uma forma muito pessoal — não somente os conteúdos

matemáticos específicos, mas também a matemática como uma disciplina. No entanto, esta

compreensão é frequentemente mantida escondida do professor, a menos que o professor faça uma

tentativa específica para a descobrir. Este é particularmente o caso quando falar sobre matemática

não ocorre na aula, e argumentaremos que apenas através do encorajamento do professor para a

comunicação entre todos os participantes da aula é possível uma genuína partilha de significados

matemáticos.

No exemplo seguinte o significado do aluno é descoberto por um professor sensível

permitindo uma comunicação fácil entre ele próprio e os alunos. Note-se também que neste

intercâmbio as questões colocadas pelo professor, uma vez que ele quer, verdadeiramente, saber.

Frequentemente, as questões que os professores colocam são artificiais, no sentido em que eles já

sabem antecipadamente a resposta! A1. 15 é ímpar e 1/2 é par.

P. 15 é ímpar e 1/2 é par? É mesmo?

A1. Sim.

P. Por que é 1/2 par?

A1. Porque erm, 1/4 é ímpar e 1/2 tem que ser par.

P. Por que é 1/4 ímpar?

A1. Porque é só 3.

P. O que é só 3?

A1. Um 1/4.

P. Um 1/4 é só 3?

A1. Foi o que eu fiz na minha divisão.

Neste momento outra criança junta-se para explicar ao professor:

A2. Sim, há três partes num quarto como num relógio. Vai 5, 10, 15.

P. Oh, estou a ver.

— 23 —

A2. Há só três nele.

P. Ah, então tens três partes com 5 minutos o que faz um quarto de hora.

A1. Sim. Não. Sim, sim, sim. (Harvey et al., 1982, p.28)

Teria sido mais fácil ter interrompido o aluno depois da primeira linha e “corrigido” a

afirmação de que “1/2 é ímpar” por dizer que a distinção par/ímpar só se aplica a números inteiros.

Por ter perguntado e estar preparado para ouvir, o professor é ajudado a partilhar do significado

dos alunos. Mas existe mais neste exemplo. Tendo perguntado “Por que é 1/2 par?”, o professor

poderia ter esperado uma resposta ligada com 1/2, 1/4, 1/6, 1/8, ... serem pares, isto é, fracções

cujo denominador é par. Porém esta era a hipótese errada como foi mostrado pela resposta da

criança “Porque 1/4 é ímpar”. Então mais uma vez o professor procurou obter o significado e

finalmente a sua paciência foi recompensada. Além disso, se o professor (um perito matemático

quando comparado com o aluno) tem que fazer um esforço árduo e paciente para entender o aluno,

considere o quanto tem o aluno que se esforçar para entender o professor — uma lição salutar para

os futuros professores!

Somente quando a comunicação ocorre entre intervenientes que desejam ouvir e identificar-se

com o(s) outro(s), podem estes significados ocultos serem tornados explícitos. A comunicação

entendida desta forma tem muitas facetas — brainstorming uma ideia, participar numa discussão,

desempenhar papeis na resolução de problemas, explicar a um colega, defender o seu argumento,

convencer outros de uma afirmação, rejeitar proposições falsas, entrevistar um especialista, colocar

questões, apresentar relatórios, distribuir tarefas, etc.

Assim, para além de tudo mais que o ensinar envolve, deve, claramente, incluir a comunicação,

porque sem ela não pode haver aprendizagem alguma e sem aprendizagem não há ensino.

No entanto, é necessário que os formadores de professores desmistifiquem o processo de

comunicação por focalizar a atenção do jovem professor nas tarefas que têm que ser desenvolvidas

pelo professor na sala de aula. Para que isto aconteça sentimos que é de grande valor considerar

dois tipos diferentes de comunicação que têm significância especial nas aulas de matemática: explicar

e interpretar, as quais desenvolveremos em seguida.

4.1. Explicar

Para a maioria dos futuros professores ela poderá surgir como sendo a chave da tarefa de

ensinar. Como um especialista de matemática, eles dizem, que têm conhecimento “perito” do

conteúdo, o mais importante a aprender é como ser capaz de explicar o conteúdo, de forma clara,

ao aluno.

Mas, o que significa explicar? É, obviamente, mais do que descrever, definir, dizer, afirmar.

Pode-se definir um triângulo como uma figura plana com três lados mas como se explica um

triângulo? Ter-se-á que descrevê-lo ou defini-lo e depois explicar os termos da descrição ou da

definição. Para fazê-lo de modo mais “apropriado” talvez se devesse também explicar o que se

— 24 —

entende por definição matemática. Mas então, e quanto aos termos na explicação dos termos na

definição? Manifestamente, explicar é um processo sem fim de representar as conexões, as relações

entre a ideia que se está a explicar e outras ideias.

Está-se a expor as conexões, e a exposição por parte do professor é uma forma comum de

explicar. Porém, é uma forma ilusoriamente difícil porque a exposição, no sentido usual, não inclui

contribuições algumas dos alunos. Assemelha-se mais a uma prelecção, na qual o orador deve fazer

muitas suposições sobre o que os ouvintes sabem, quais as conexões e significados que já existem

para eles, de forma que possa ligar as suas explicações com o conhecimento que possuem. Se as

explicações não estabelecem nenhuma ligação com o conhecimento do ouvinte, então falham.

É esse o motivo porque os oradores conscienciosos tentam descobrir o que os ouvintes já

estudaram na área, e utilizam instrumentos tais como previews, visões gerais, revisões, sumários. Os

organizadores prévios de Ausubel (1968) são, igualmente, pensados para funcionar como

instrumentos que permitirão que a exposição seja mais bem recebida e compreendida. Geralmente

também, serão permitidas questões no fim da palestra, e, muitas vezes, é nesse momento que o

orador se apercebe de que sobre ou subestimou a extensão de conhecimento dos ouvintes.

Obviamente, um orador, sem oportunidade de feedback da parte dos ouvintes, tem uma tarefa

difícil.

O mesmo problema existe para os autores de livros de texto e pode-se ocasionalmente

encontrar organizadores prévios como os seguintes, usados para estabelecer conexões com o aluno:

Provámos em primeiro lugar que

limθ→0

senθθ

= 1

Ao calcular o limite usamos um argumento geométrico no qual θ é interpretado como a medida, em radianos, do ângulo. Uma vez que nos ocupamos de θ tendendo para zero, podemos supor que θ é um número pequeno positivo ou negativo e que, em particular, -1/2π<θ<1/2π. O limite pretendido é calculado enquadrando senθ/θ entre fronteiras que manifestamente conduzem a limites definidos à medida que θ se aproxima de zero. (SMG, 1975, p. 227)

O argumento em pormenor é então desenvolvido. Dum modo semelhante, mas num nível

matemático mais elementar:

Quando queremos comparar a área de duas figuras, escolhemos a unidade de área mais conveniente. Mas, com frequência, necessitamos de medir e descrever a área de uma figura. Para fazer isto, comparamo -la com uma unidade de área padrão que seja familiar para todos (tal como fizemos para os comprimentos). A forma da unidade de área padrão pode ainda ser escolhida de acordo com a nossa conveniência. Quando afirmamos que uma certa área é 37 unidades, não damos indicação sobre a forma da região. (SMP, 1969, p. 41)

Portanto, os professores e os autores de livros de texto partilham o problema da falta de

feedback da sua “audiência” ou da informação sobre ela. Felizmente, os professores estão numa

posição melhor, no sentido de que têm muitas oportunidades para conhecerem o estado de

conhecimento dos seus alunos, e assim, eles estão, potencialmente, mais aptos para explicar de

— 25 —

forma significativa. Contudo, se o professor decide ignorar essas oportunidades e baseia-se

fortemente na exposição então corre o risco de criar, para os seus alunos, situações relativamente

sem significado. Um famoso episódio de Wertheimer (1959) ilustra bem o perigo da exposição pelo

professor, e a falta de oportunidades para explicar:

Estou a visitar uma sala de aula. O professor: ”No decorrer da última aula aprendemos como determinar a área de um rectângulo. Todos sabem?” A turma: “Sim”. Um aluno diz: “A área de um rectângulo é igual ao produto dos dois lados”. O professor aprova, fornece em seguida um certo número de problemas com rectângulos de vários tamanhos, que são resolvidos rapidamente.

“Agora,” diz o professor, “Continuemos”. Desenha um paralelogramo no quadro. “Isto chama-se um paralelogramo. Um paralelogramo é um quadrilátero em que os lados opostos são iguais e paralelos.”

Nesse momento um aluno levanta a sua mão: “Por favor, professor, quanto medem os lados?”

“Oh, os lados podem ser de variadíssimos comprimentos”, diz o professor. “No nosso caso, um segmento mede 11 polegadas, o outro 5 polegadas.” “Então a área é 5x11 polegadas.” “Não”, responde o professor, “está errado; vais aprender agora como se encontra a área de um paralelogramo”. Ele designa os vértices por a, b, c, e d.

“Traço uma perpendicular a partir do vértice superior esquerdo e uma outra perpendicular a partir do vértice superior direito.”

“Estendo o segmento da base para a direita, designo os dois novos pontos e e f .”

a b

cd

e f

(mais tarde)

“Encontrarão o que vos mostrei no vosso livro de texto, na página 62. Estudem a lição em casa, repitam-na cuidadosamente para a saberem bem.”

Wertheimer assistiu, também, ao encontro seguinte. O professor está muito satisfeito, os alunos

fizeram bem o trabalho de casa. Wertheimer escreveu: “Mas observando a turma sinto-me

apreensivo, estou preocupado. `O que é que eles aprenderam?´ pergunto-me. `Fizeram, de facto,

alguma coisa? Compreenderam, realmente o assunto? Talvez tudo o que tenham feito é pouco mais

do que repetição cega´...”

O resto da história confirma que Wertheimer estava certo. Simplesmente desenhar esta figura

perturbou tanto os alunos como o professor.

— 26 —

Mesmo que o professor estivesse certo ao assumir que os alunos tinham, realmente,

compreendido a área dos rectângulos, estava errado ao avaliar a resposta do aluno “5 x 11”

dizendo somente “Não, está errado; vais aprender agora (a forma correcta — por implicação)”.

Não são apresentadas aos alunos as razões porque o seu método é errado e o do professor

correcto, não existe possibilidade de verificarem de alguma forma a sua resposta (talvez contando

quadrados ou medindo), não são estimulados pelo professor para se focalizarem na área do

paralelogramo mas somente no modo de calcular a área. O professor teve uma boa oportunidade

para expor as conexões para os alunos - eles ofereceram-lhe a contribuição “5x11”, mas ele optou

por ignorá-la. A possibilidade de explicar foi perdida, o professor regressou à exposição e os alunos

foram deixados a enfrentar o melhor que podiam uma situação literalmente sem significado.

Explicar, para ter algum valor, deve ser, então, mais do que exposição. Explicar relaciona-se

intimamente com compreender, e ao se desenvolver uma explanação bem sucedida estende-se a

compreensão do outro. O aluno R no exemplo “1/2 é par” alargou com êxito a compreensão do

professor ao passo que o aluno D tinha falhado. a afirmação do aluno R “Sim, há três partes num

quarto como num relógio. Vai 5, 10, 15” torna explícita a conexão que o professor (e suspeitamos,

também o leitor) não fez por ele próprio.

Uma rapariga de catorze anos tinha dificuldade em entender que o círculo tinha área até que

lhe foi mostrado o este diagrama:

O seu problema tinha sido que a área para ela era algo rectangular, e o diagrama estabeleceu a

conexão necessária entre o círculo e o rectângulo.

Esta confusão entre explicar e expor é ilustrada novamente pelo facto de que o equívoco mais

comum (e bastante revelador) entre os student teachers é o associar pelo professor do “explicar”

com o “dizer”. Na realidade, muito do explicar com sucesso nas aulas origina-se da questionação

levada a cabo pelo professor. Por exemplo, se considerarmos a situação do “triângulo” dada

anteriormente, um professor que diga meramente à turma uma definição tipo de triângulo não terá

igual probabilidade de fomentar a compreensão do aluno como um professor que comece por

colocar questões como:

Como descreverias um triângulo a alguém de outro planeta?

O que há de errado com esta definição de triângulo — “três linhas ligadas”?

Qual destas três definições é a melhor? (São mostrados três exemplos.)

Tais questões não só exigem que os alunos reflitam sobre o seu próprio conceito de

´triângulo`, mas também, se acompanhados habilmente pelo professor, tornam-nos despertos para o

— 27 —

processo de descrição, de comparação de descrições e, portanto, dos objectivos de, e dos critérios

para, avaliar descrições. Através de tais procedimentos o significado matemático é, efectivamente,

comunicado.

Esta utilização do questionar, pelo professor, mostra-nos que o que é importante no explicar é,

tal como mencionámos anteriormente, que as conexões sejam expostas — não necessariamente que

seja o professor a expor, pela “exposição”. O aluno não é um aprendente passivo que absorve

exposições, antes é um participante activo no processo de partilha — e por isso questões subtis do

professor podem focar esta actividade em conexões e no processo de conectar.

No entanto, para além do questionamento, outras oportunidades para explicar podem ser

criadas pelo professor, encorajando a reflexão a seguir a uma actividade. É provável em qualquer

caso que o envolvimento numa actividade matemática estimulará conexões com outras ideias, apesar

de algumas actividades o fazerem melhor do que outras. Vimos, também, na secção anterior algo

sobre as tarefas do professor ligadas à criação de actividades significativas para o aluno.

A fase reflexiva de uma actividade é, porém, a ocasião mais apropriada para ajudar a que

sejam expostas conexões e significados. Por exemplo, com a mão do gigante, um bom momento de

reflexão pode permitir aos alunos ligar ideias sobre volume, área, comprimento, com medição,

proporções, razões, fracções, não num sentido exaustivo ou ´final` mas como um bom exemplo de

como as ideias matemáticas são intimamente interligadas.

Mesmo uma actividade pouco prometedora como executar subtracções pode ser

significativamente explorada por um simples acto de pedir a três alunos para mostrarem os seus

diferentes trabalhos no quadro e comparar os seus métodos. A reflexão está num nível cognitivo

mais elevado do que o algoritmo e a técnica da ´comparação` estimula o pensamento num nível

superior, o que proporciona a discussão de significados.

Mais tarde no desenvolvimento matemático do aluno, à medida que os problemas se tornam

mais complexos, a comparação de, a reflexão sobre, vários métodos de solução ou de ´ataque`

podem tornar-se extremamente produtivos. Por exemplo, ao se compararem várias provas de que 2

x 2 = 4 podem-se revelar muitas ideias sobre o processo de provar e os critérios a seguir; e

investigar diferentes abordagens para uma conjectura como “O produto de números de qualquer

triplo Pitagórico é sempre um múltiplo de 60” faz mais do que apenas expandir as ideias do aluno

sobre um teorema bem conhecido. Afinal de contas, de que se trata prova, racionalização e

argumentação se não de estabelecer e expor conexões entre ideias matemáticas?

Em resumo, podemos observar que é necessário para que a noção simplista, possuída pelo

jovem professor, de explicar como sendo ´dizer`, seja desenvolvida e expandida para uma

concepção mais rica e mais geral de expor as conexões entre as ideias matemáticas. Este

desenvolvimento centra a atenção nas diferentes tarefas do professor que podem facilitar a

´exposição`, particularmente:

(a) no uso de overviews, visões gerais, organizadores prévios, revisões e sumários;

(b) nos diferentes tipos de questões que podem encorajar contribuições dos alunos sob a

forma de ´exposições`;

— 28 —

(c) na criação e escolha de actividades que permitam que as conexões sejam reveladas; e por

(d) reflectir nestas actividades.

É assaz infeliz que a palavra ´exposição` tenha adquirido o sentido de um acto de ensinar

muito particular, porque o que a análise nesta secção manifesta é que a exposição na sala de aula é

um processo interactivo.

4.2 Interpretar

Na secção anterior detivemo-nos no papel do professor ao expor a relação entre as ideias

matemáticas. Agora voltaremos a nossa atenção para as várias tarefas do professor associadas com

diferentes representações de ideias matemáticas. Da perspectiva da comunicação de significado

matemático, as formas e as representações particulares usadas são manifestamente de interesse, mas

não é nossa intenção aqui desenvolver uma análise exaustiva destas representações. Igualmente não

nos ocuparemos dos assuntos complexos de ´forma` vs. ´conteúdo`, ou da natureza e existência de

´objectos` matemáticos, apesar destes assuntos estarem subjacentes em toda esta secção.

Ficaremos, ao invés, no nível da sala de aula, e com o papel do professor em facilitar a

interpretação de muitas representações comumente utilizadas. Comecemos por considerar dois

problemas típicos. No primeiro o professor e o aluno estão a trabalhar com varas coloridas:

P: Porquê chamar dez, a esta vara laranja?

C: Porque é laranja.

P: Por que não chamar dez, à vara azul?

C: Porque não é laranja.

P: Por que é a laranja a dez, então?

C: Porque é o número maior.

P: O que queres dizer por ´é o número maior`?

C: Não sei o que queria dizer. (De ATM, 1977, p. 216)

No segundo, lida-se com simbolismo algébrico: Para a Julie, de 13 anos, a equação 7 - x = 9 era "absolutamente estúpida". "Alguma vez" quis ela saber, "pode-se tirar alguma coisa a sete e ter uma resposta maior do que quando se começou?" (Kent, 1979, p. 29)

No primeiro, o problema diz respeito à relação entre números e objectos, no segundo à

relação entre palavras e o simbolismo matemático. Em ambos os casos foi estabelecida uma relação

pelo aluno — dito de outra forma, já tinha sido feita uma conexão. Em ambos os casos existe um

sentimento de insatisfação sobre a congruência dessa relação, sugerida pelo professor ao fazer uma

pergunta, no primeiro caso, ou ao colocar um problema, no segundo. Tanto num como no outro

— 29 —

existe um sentimento, evidente, de incompreensão e de frustação expresso pelo aluno. O cenário

está montado para possibilitar uma forte negociação!

Como trataremos da negociação somente na próxima secção, vamos, então, permanecer por

agora com os aspectos da comunicação em problemas como estes, os quais dizem respeito às

relações entre representações. Tal como na secção anterior, o objectivo é, essencialmente que o

professor encorage o surgimento de conexões, de forma a que os alunos possam partilhar

conhecimento.

Eis aqui um bom exemplo do que queremos dizer. O problema tem a ver com o significado de

um dividido por um quarto:

P: Um dividido por um quarto ... O que significa isso?

Alguém expressa isto na linguagem comum.

A: Um quarto de um.

P: É um quarto de um? O que é um quarto de um?

A: Um quarto.

P: Um quarto. Não será mais do que isso?

O que será então? Sim, Fairley?

A: Sir, é um mais um quarto.

P: É o quê?

A. Um mais um quarto.

P: Aquele é um mais um quarto, é? (escrevendo no quadro) Pensei que aquele era um mais um quarto. E aquele?

A: Sir.

P: O que é este?... O que significa? Sim ...?

A: Um dividido por um quarto.

P: É um dividido por um quarto. O que significa um dividido por um quarto? Sim...?

A: Quantos quartos existem em um.

P: Quantos quartos existem em um. Bem, se pensas dessa forma, ´Quantos quartos existem em um?` Sim, Brooke?

A: Quatro, sir.

P: Sim, existem quatro. (Barnes, 1969, p. 40-41) A linguagem resultante pode não ser, verdadeiramente, comum, mas o sentido da

interpretação ´andar para a frente e para trás` é claro. O professor ao dizer ‘comum’ está a

desformalizar a representação — tentando tornar a ideia acessível aos alunos por relançá-la numa

linguagem mais familiar, ou poderiamos dizer "em linguagem mais significativa".

Note-se, porém, que o professor não o está a impor. Ele encoraja os alunos a tentarem as

suas diferentes representações ´familiares` e ajuda-os a avaliá-las. Poder-se-ia, de facto, argumentar

que em última instância, o significado ´correcto` é imposto, mas nesse sentido toda a educação é

imposta. Por exemplo, se contrastarmos este episódio com o seguinte, podemos reconhecer,

claramente, a genuína tentativa do primeiro professor em tornar a representação significativa:

— 30 —

A professora na lição J estava solicitando os seus alunos a operarem com os conceitos de fracções dividindo rectângulos em partes. Ela preparou um grande diagrama para ilustrar 3/6 = 1/2:

12

16

16

16

Ela mostrou-o — apesar de muitos alunos não poderem, aparentemente, ver o diagrama — e diz à turma para dividir a metade em sextos. Após uma pausa ela pegou no trabalho de um aluno:

16

16

16

P: Porque é que eu não estou muito satisfeita com esse?... Não posso riscar e dizer que está errado mas não estou satisfeita... (pausa) Vamos lá... pensem no que eu vos pedi para fazerem... Linda?

A1: Pediu-nos não para sublinhar a segunda mas para pôr o número de sextos.

P: Oh, nada disso... Tinham que sublinhar do mesmo modo como a metade... Bem, ele sublinhou na mesma área?

Alunos: (respondem inaudivelmente)

P: Qual é a sua forma... qual é a sua forma?... Como é ela ?

A2: Ele colocou dois no cimo e um em baixo.

P: Certo... bem, é como um L gordo ou algo que tenha desenhado... Está certo, não está Shaw?

A3: Sim.

P: Não, não ilustra a nossa ideia. (Barnes, 1969, p. 36)

Num certo sentido, podemos ver que aquilo que o professor estava a tentar fazer era positivo,

mas parece que se perdeu uma boa oportunidade para clarificar a relação entre representações. No

exemplo anterior, o professor estava a encorajar os alunos positivamente para gerarem formulações

em ´linguagem comum`, enquanto que aqui o aluno é repreendido por o equivalente com a

representação gráfica de uma fracção. Claramente, quanto mais o último acontecer mais sem

significado serão as actividades.

Uma outra fonte de dificuldades para o aluno é o facto de que algumas vezes não é muito claro

qual é a finalidade da interpretação. Consideremos este diálogo:

P: Agora, o que significa, de facto, quando dizemos "três vezes seis"? Sim, Jamieson?

A: Três multiplicado por seis.

Pode ajudar ao fazer a transição para a multiplicação de fracções ou decimais onde a ideia

associada de "tantos vezes tantos" já não é válida. Menos tolerante pode, simplesmente, ser um

estratagema de controlo pelo professor, significando "use a palavra certa, por favor". É, desse

modo, um meio do professor se assegurar que o conhecimento é definido nos seus própios termos.

Por outro lado se se está genuinamente a tentar partilhar significado, então o que há a fazer é

clarificar por que é necessária a interpretação e por que é útil uma representação diferente.

— 31 —

A razão pode ser evidente se o aluno sente dificuldade em entender uma palavra. Por

exemplo, Jones (1981) aponta para diferentes significados de 'mais' nas seguintes questões:

O que é mais, 10 ou 13?

Qual é o número que é 1 mais do que 5?

O número 8 é 2 mais que número?

e se a criança tem problemas em distinguir e entender estes, pode ser necessário interpreta-los com

outras palavras, com contas e pedrinhas ou com representações gráficas tais como a recta numérica.

No exemplo seguinte podemos observar como a palavra 'mais' pode ser difícil. Este provém de uma

entrevista CSMS (1981) a uma criança, sendo um dos autores o entrevistador: Questão: 10 rebuçados são partilhados entre 2 rapazes de forma a que um tenha mais quatro do que o outro. Quantos recebe cada um?

ME: Quantos deveriam obter?

I: Sim, se um rapaz tem mais 4 quatro que o outro.

ME: Um tem 9 e o outro tem 1.

I: Um teria mais 4 do que o outro?

ME: Sim porque se dividires 10 por 2 rapazes, então um teria 9 e o outro teria que ter 1.

I: Estou a ver. Então qual dos rapazes tem mais 4 do que o outro?

ME: (Aponta para o de '9')

I: Ele tem mais 4 do que o outro?

ME: Sim.

I: Como sabes que ele tem mais 4?

ME: Porque ele tem 9 e o outro tem 1.

I: Isso faz com que ele tenha mais 4 do que o outro?

ME: Sim.

I: Como?

ME: Porque eu pensei assim. Se há 10, e dividindo por 2, então há 5, e se aquele tem mais 4, ele tem 9, então o outro tem 1.

I: Porquê '1'?

ME: Porque só sobra um.

I: E agora esse rapaz tem agora mais 4 do que o outro?

ME: Sim.

I: Aquele que tem 9 tem mais 4 do que o rapaz com 1?

ME: Sim.

Relacionada com a interpretação de problemas escritos, a investigação escrita mais relevante

em termos das intenções dos professores é, provavelmente, a que se baseia no trabalho de Newman

(1977) em análise de erros. Clements (1980) tem discutido muitos aspectos deste trabalho e oferece

conselhos úteis para o ensino. Os erros cometidos pelas crianças num conjunto de problemas

verbais foram classificados como, Leitura, Compreensão, Transformação, Capacidades de

processo, Codificação ou Negligência, e foi mostrado que muitos erros eram cometidos nas

— 32 —

primeiras três categorias. Em particular para um vasto grupo de alunos com baixo rendimento, mais

de 50% dos erros foram cometidos nessas categorias, isto é, antes de a criança ter sequer

começado a usar quaisquer capacidades de processo aritméticas.

Clement argumenta:

Frequentemente quando um professor se senta para ajudar um aluno com um problema matemático ele é tentado "a mostrar ao aluno como fazer". Em vez disso é recomendado, especialmente com alunos do ensino básico, que o professor comece por pedir ao aluno que leia a questão em voz alta. Então o professor pode perguntar "O que está a questão a pedir que faças?" e "Como vais fazê-lo?" e assim por diante (p. 19-20)

seguindo a orientação de análise de erros.

Noutro contexto, Kalmykova (1975) relata sobre a professora Petrova que "ensina os seus

alunos a ler problemas". Por exemplo: Uma aluna lê um problema: "Dez toros de... faia foram colocados num fogão e —". Ela introduziu uma pausa a qual estragou a lógica, e a profª, imediatamente, chamou a sua atenção para isso: "Onde está a vírgula?" perguntou ela. "A seguir à palavra 'fogão' " respondeu a rapariga. "Então deveria estar ali uma pausa na leitura também", lembrou-lhe a professora e pediu uma nova leitura com a entoação correcta. A rapariga leu: "Dez toros de faia foram postos num fogão, e foram também postos menos seis toros de bétula do que de faia. Quantos toros ao todo foram postos no fogão?"

Outros erros foram também corrigidos e, posteriormente, a professora pediu aos alunos para "enumerar cada um dos dados e, em particular, identificar a incógnita". Eis como foi feita a desmontagem do problema por uma aluna, Katya S.:

"É sabido", diz ela " que puseram 10 toros no fogão. É igualmente sabido que também foram postos menos seis toros de bétula do que o número de toros de faia, mas não é conhecido quantos toros foram, no total, postos no fogão."

Uma análise adicional foi então procurada: "Quantos toros de faia foram postos?"

"Dez"

"Lê novamente o que diz sobre os toros de bétula."

"Foram também postos seis toros a menos de bétula do que de faia"

"Menos do que o quê?"

"Do que toros de faia."

Kalmykova continua a dar conta dos efeitos positivos, para os alunos, deste tipo de análise

detalhada de problemas. Nitidamente, encorajar o aluno "a usar as suas próprias palavras" é uma

técnica didáctica poderosa. É valioso para o aluno usar a sua própria linguagem para "falar para a

sua própria compreensão” como Barnes (1969) o descreveria.

Claro que a interpretação não está somente confinada a palavras ou a problemas com

palavras, apesar de muita investigação ter abordado esta forma de particular de representação. Já

observámos um exemplo de uma representação gráfica e eis outro, que está a trazer problemas ao

aluno: A placa mostra que são 29 milhas oeste de Grange e 58 milhas este de Barton. Como calcular quantas milhas são de Grange a Barton?

— 33 —

29 Grange Barton 58

29 - 58 58 : 29

58 - 29 29x2

29 : 58 58 + 29

58 x 29 87 - 29

(CSMS, 1981) "O problema da placa é colocado a Miranda: (12 anos)

Ela hesita por um momento. Então lê o problema novamente e escreve: 29-58. P: Porquê esses números? Bem, é 29 oeste e 58 este. A professora desenha um esquema como este:

29 58

Poste

Este não se revela muito proveitoso. Então a professora sugere um passeio com Miranda. Onde gostarias de começar? Por um momento a placa está (psicologicamente) a bloquea-la. Mas, se Miranda faz a sua escolha de começar em Barton, então o problema deixa de existir: 58+29!"

Miranda interpretou a situação, apoiada pela professora, do seu próprio modo. Realmente, o

que a professora fez foi muito interessante e mostra-nos tal como na secção anterior sobre 'explicar',

que não é necessário o professor afirmar e demonstrar as conexões entre representações. Pelo facto

do professor colocar uma questão apropriada, o aluno é estimulado a reajustar a sua percepção de

representação. Além disso, espera-se que não exista unicamente um benefício a curto prazo para o

aluno (isto é, que o problema imediato foi resolvido) mas também que com o estímulo apropriado

do professor, uma reflexão sobre o episódio traga, para Miranda, um efeito a longo prazo.

Representações gráficas abundam nas aulas de matemática e existe um 'vocabulário' visual

complexo que necessita ser aprendido pelos alunos (ver Bishop, 1974). Considere as diferenças

significativas entre as seguintes representações gráficas:

— 34 —

0 3 6 9 12 15 21

Diagramas e figuras não são 'óbvias' nem são claras as suas relações com outras

representações. O professor principiante, para o qual estas coisas podem não ser bem perceptíveis,

pode não se aperceber que longe de clarificar a situação problemática ao aluno, o seu uso pode

simplesmente aumentar a confusão. Considere as dificuldades causadas ao aluno pelas diferentes

representações usadas aqui (Clements, 1980, p. 17):

Após uma discussão preliminar sobre o significado de 'um terço' e 'um quinto', escrevi o numeral 2/7 pedindo-lhe para o ler. Ele leu: 'dois -sete'. Disse-lhe que deveria ter lido 'dois sétimos' e que 1/4 era normalmente lido: 'um quarto'. Pouco depois, ele estava habilitado a ler numerais tais como 2/5, 4/7, 3/8 correctamente. Pedi-lhe então 'para encontrar o número no quadrado' se

3/8 de 16 = [] Ele disse que não o poderia fazer porque não sabia o que significava 3/8. Desenhei um rectângulo e pedi-lhe para sombrear um oitavo dele. Ele fê-lo correctamente. Desenhei um outro rectângulo, e pedi-lhe para sombrear um oitavo dele. Ele não tinha ideia de como o poderia fazer. Expliquei-lhe que 3/8 é 'três porções de 1/8' e mostrei-lhe como sombrear três oitavos de um rectângulo. Ele pareceu contente com a explicação, mas quando lhe foi pedido para sombrear cinco sextos de um outro rectângulo não o conseguiu fazer. Ele não conseguia sombrear um oitavo de um círculo. Quando se mostrou 16 berlindes ele conseguia separar um oitavo, mas não sabia quantos berlindes teria se tivesse três oitavos de 16 berlindes.

Obviamente, esta criança tem problemas com a ideia e o significado global de fracção como

3/8, apesar de a raiz do problema não ter sido ainda revelada.

O que é revelado por este exemplo é o facto de existirem quatro tipos principais de

representações que são utilizadas nas aulas de matemática - símbolos matemáticos, linguagem,

figuras e objectos. Cada um destes tipos tem o seu próprio vocabulário ou código que necessita de

ser aprendido de forma a compreender as ideias matemáticas expressas. Com o simbolismo,

expressões tais como ð r2 e

x =

— 35 —

evidentemente usam um código que precisa ser aprendido. Menos obviamente, a linguagem

matemática é diferente da linguagem vulgar em muitos sentidos (ver, por exemplo, Austin and

Howson, 1979). As figuras representam ideias matemáticas em termos espaciais, e os objectos

podem ser deliberadamente criados para representar relações matemáticas particulares, tal como os

blocos multibase de Dienes ou outros materiais manipulativos, ou têm as ideias matemáticas

implícitas neles, tal como tortas (para cortar em porções fraccionadas) ou rodas dentadas (razões).

Portanto, teoricamente, estão envolvidas capacidades de interpretação em, pelo menos, 16

diferentes pares-transformação:

De Para

Simbolismo

Linguagem

Figuras

Objectos

Simbolismo

Linguagem

Figuras

Objectos

Contudo, dadas as variedades de simbolismo, linguagens etc. que são usadas em matemática, muito

mais do que 16 pares-transformação pareceriam ser possíveis: De qualquer modo muitos deles são,

obviamente, parte do currículo da matemática, por exemplo:

marcar números na recta numérica,

representar equações graficamente,

derivar fórmulas a partir de problemas com palavras,

resolver problemas de partilha envolvendo objectos,

definir e classificar conjuntos de formas,

construir diagramas a partir de uma série de lançamentos de dados.

Sob a perspectiva da comunicação, o perigo consiste em que estas sejam ensinadas e aprendidas

como competências de rotina, quase como algoritmos. Por exemplo, representar graficamente uma

equação tal como y = 2x-3 pode ser transformado em rotina, desenhando e preenchendo uma

tabela como esta:

x -3 -2 -1 0 1 2 3

2x

2x -3

Esta rotina pode ser praticada e dominada.

— 36 —

O que pode ser despercebido pelo aluno é que um bom diagrama, tal como um gráfico,

evidencia tanto aspectos particulares como padrões gerais; que como uma representação tem

virtudes diferentes da equação; que para alguns fins um gráfico é preferível a uma equação, enquanto

que para outros se verifica o inverso; e que estabelecer esta conexão entre o simbolismo algébrico e

o gráfico enriquece consideravelmente o significado matemático de uma equação.

Sem este contexto de comunicação, o procedimento de representar graficamente uma

equação pode ser visto pelo aluno como uma actividade irrelevante e sem significado, aprendido

somente com o objectivo de ser capaz de desenhar o gráfico dada uma equação tipo. Um

microcomputador pode ser programado para o fazer de modo preciso e rapidamente, então porque

deveriam os alunos ser programados similarmente? De facto, seria bem mais instrutivo para os

alunos escrever tais programas, uma vez que focaria a sua atenção nas duas formas de

representação, nos limites do tipo de equação a serem representadas, e nas limitações dos próprios

gráficos. Contudo, o contexto de comunicação referido acima ainda teria de ser estabelecido pelo

professor.

Então o que aprendemos desta análise da interpretação da representação de ideias

matemáticas? É evidentemente uma área complexa e para a qual o jovem professor precisa ser

sensibilizado. É provável que muitas capacidades de transformação tenham sido já dominadas pelo

jovem professor e estas precisam de reflexão na perspectiva da comunicação. Qualquer tipo de

representação precisa de uso e familiarização para se tornar compreendida e aceite pelo aluno. O

traduzir e interpretar tem de ser desenvolvido largamente, de uma forma activa e para diante e para

trás, tal como os exemplos de ‘um dividido por um quarto’? E a lição de Petrova nos mostram. As

conexões entre representações necessitam de ser continuamente evidenciadas.

Talvez as tarefas possam ser melhor resumidas sob três títulos principais:

(a) dando oportunidade aos alunos de usar uma variedade de tipos de representação e

ganhando familiaridade com estas representações;

(b) tornando conscientes os processos de transformação de um tipo de representação noutra,

por encorajar a realização de actividades e a sua discussão;

(c) tornando os alunos conscientes da natureza e do valor da 'representação' em matemática,

em conjunto com as ideias de critérios e de escolha de representação.

5. NEGOCIAÇÃO

Esta é a nossa terceira e mais difícil componente para descrever a interacção e a dinâmica da

sala de aula, no sentido em que pretende desenvolver algumas ideias novas em formação de

professores. A negociação é, em geral, pensada como uma 'interacção dirigida para um certo

objectivo' e a nossa principal preocupação nesta secção é a negociação do significado matemático

na sala de aula. O nosso intuito será caracterizar o papel do professor nesta interacção e nas tarefas

— 37 —

particulares associadas com o estabelecimento da possibilidade de negociação e participação na

própria negociação.

Este aspecto da interacção na sala de aula não foi ainda completamente elaborado no contexto

da formação de professores, apesar de se encontrar documentado na literatura educacional. Em

particular alguns investigadores de situações de sala de aula, têm discutido várias estratégias de

alunos — por exemplo, Delamont (1976) observa:

A primeira estratégia dos alunos é descobrir o que o professor quer e corresponder-lhe na suposição de que conseguem reconhecer a recompensa, em termos de notas, eventuais trabalhos ou sossego. Quando não existe nenhum benefício discernível de dar ao professor o que ele quer, é quase certo que o 'comportamento disruptivo' se tornará a estratégia dominante (p. 99).

e seguidamente, clarificando esta ideia, afirma, "Assim, a primeira estratégia do aluno é fornecer

respostas 'correctas' - isto é, aceitáveis para o professor. Para o fazerem devem concentrar-se o

suficiente no professor para descobrir quais são as respostas certas ou as que parecem ser" (p.19).

Similarmente, Holt (1964) no seu livro clássico How children fail, dedica um capítulo inteiro à

'estratégia' e fornece muitos exemplos e reflexões sobre os usos de diferentes estratégias pelos

alunos para sobreviver e ter sucesso na escola. Emily, por exemplo,

sabe que num período de exposição a atenção do professor está distribuida por 20 alunos. Conhece também a estratégia do professor de fazer perguntas aos alunos que parecem confundidos ou que não prestam atenção. Então sente-se segura levantando a mão, como se estivesse a 'rebentar' para dar a resposta , quer saiba a resposta quer não. Este é o seu modo seguro de me dizer que, pelo menos, sabe tudo o que se está a passar na aula (p. 27).

Emily está a negociar a sua própria sobrevivência num ambiente de aula competitivo e hostil.

Indo além da mera sobrevivência, Holt mostra outro exemplo no qual Ruth está a negociar com

a sua professora o nível de trabalho matemático que desenvolve: Ela tem estado a fazer Matemática e eu estava satisfeita comigo própria porque em vez de lhe dizer as respostas e mostrar-lhe como resolver os problemas, estava a 'fazê-la pensar' fazendo-lhe perguntas. Era um trabalho lento. Questão após questão encontrava apenas silêncio. Ela não dizia nada, não fazia nada, apenas se sentava e olhava-me através daqueles óculos, e esperava. De cada vez tinha que pensar numa pergunta mais fácil e mais directa do a que a anterior, até que, finalmente, encontrava uma tão fácil que ela se sentiria segura ao respondê-la. Assim avançávamos a custo até que, de repente, ao olhar para ela enquanto esperava pela sua resposta a uma questão, apercebi-me de repente que ela não estava confundida pela pergunta que lhe tinha colocado. De facto ela nem sequer estava a pensar nela. Estava friamente a avaliar-me, pesando a minha paciência, esperando pela próxima questão, segura de que iria ser mais fácil. Pensei, ´fui apanhada!' A rapariga tinha conseguido aprender como fazer para que todos os seus professores anteriores procedessem do mesmo modo. Se não lhe desse as respostas, muito bem, ela deixar-me-ía questioná-la até chegar a elas (p. 38). Estes exemplos mostram-nos claramente que as crianças desenvolvem estratégias sofisticadas

para actuarem na sala de aula. Estas estratégias são além do mais, interpessoais, porque se

desenvolvem em contextos interpessoais e sociais onde as 'deixas', sinais, necessidades e o

feedback são dados e recebidos pessoalmente. É, então, claro, no âmbito desta secção, que os

alunos podem negociar na aula, fazendo-o mesmo. Eles estão certamente desejosos e habilitados

para entrar numa interacção interpessoal dirigida para um certo objectivo que constitui a

— 38 —

aprendizagem da sala de aula. Eles não parecem, naturalmente, querer ser apáticos, nem são 'barris'

vazios à espera de serem enchidos com conhecimento. Essencialmente, os seus objectivos são os da

sobrevivência e da coexistência com as pressões e o stress da sala de aula, mas outros objectivos

como o controlar do nível de trabalho matemático que desenvolvem. Menos negativos são, talvez,

os objectivos de sucesso matemático e de compreensão das ideias matemáticas que o professor lhes

está a introduzir.

Além disso, torna-se claro a partir da evidência de Holt e de outros, que o professor joga um

papel poderoso na formação das estratégias dos alunos porque estas se formam em resposta às

estratégias do professor. O mecanismo tem a ver com o uso da professora do seu controlo e

poder. À medida que o poder do professor cresce os alunos sentem cada vez maior dificuldade em

entrar em qualquer negociação, por exemplo, num exame, onde as regras são impostas e seguidas,

tudo o que a criança discordante pode fazer é recusar-se a participar, rasgar o papel, etc. Mas com

a redução do poder e do controlo que acompanha o crescimento da função de ensino, as

possibilidades para a negociação pelos alunos e o desenvolvimento de estratégias crescem. O

professor ainda tem controlo e poder, evidentemente, mas agora é mais uma questão de como o

dirigir. Como Yates (1987) conclui do seu estudo em profundidade de quatro salas de aula de

Matemática: “A capacidade de transformar está alinhada de perto com o poder e controlo: isto

pode restringir e deformar o desenvolvimento ou pode permitir exploração; na verdade, esta

exploração pode ser mesmo encorajada” (p. 129).

Então, o controlo do professor pode ser usado para manter ou impedir negociação.

Claramente, isto relaciona-se tanto com a área do significado matemático como com aspectos da

disciplina e gestão da aula. Tal como o professor e os alunos negoceiam um modus vivendi que diz

respeito ao modo como a aula funciona, como local de trabalho, também podem negociar um

modus sciendi, um conjunto partilhado de significados. Afirmamos que isto é possível e que isto

acontece mas também afirmamos que isto não acontece tanto quanto devia. A evidência da

compreensão limitada das crianças e das suas dificuldades em fazer algo mais do que executar

algoritmos limitados, em conjunto com o bem documentado medo das aula de Matemática, sugere

que o controlo do professor está a ser principalmente usado para impor Matemática nas crianças do

mesmo modo que impomos e fazemos respeitar um conjunto de regras de conduta na sala de aula.

Investigador após investigador (Holt, 1964; Yates, 1978; Barnes, 1976; Kemme, 1981)

documentaram o controlo do professor do conhecimento da aula e a sua imposição nas crianças

(relativamente) indefesas (powerless) que desenvolvem então complicadas estratégias de

sobrevivência. Bauersfeld (1980), discutindo este ponto, descreve a investigação de Erlwanger

(1975) nestes termos: “A sua documentação das incompreensões e deficiências matemáticas

demonstra como a aprendizagem da Matemática pode ser prejudicada por uma comunicação

professor-aluno restrita — restrição que leva à quase total ausência de comunicação sobre

significados” (p. 25).

Isto não implica, evidentemente, que estamos a “acusar” (blaming) os professores em

qualquer sentido. Pelo contrário, parece que há uma consciência insuficiente na comunidade de

— 39 —

educação matemática do facto que as ideias matemáticas, significados, técnicas, e critérios se

desenvolvem todos através de trocas interpessoais, e estão eles próprios sujeitos a influências

sociais. Afirmamos além disso que o quadro da lição, que discutimos anteriormente, contribui

fortemente para a ideia de um corpo de conhecimento objectivo, possuído pelo professor e que

deve ser imposto nos alunos. Isso é outra razão porque estamos propondo em vez disso propondo

para a formação de professores uma ênfase nos processos de negociação na sala de aula. Vamos

por isso considerar as tarefas do professor na negociação dos significados matemáticos com as

crianças.

5.1. Desenvolver significado matemático

Como foi descrito anteriormente, o significado matemático é obtido através do estabelecimento

de conexões entre a ideia matemática particular em discussão e os outros conhecimentos pessoais

do indivíduo. Uma nova ideia é significativa na medida em que cada indivíduo é capaz de a ligar com

os conhecimentos que já tem. As ideias matemáticas formarão conexões de alguma maneira não só

com outras ideias matemáticas mas também com outros aspectos do conhecimento pessoal. Em

particular, cada professor possuirá um conjunto de significados e correcções, enquanto que os

alunos terão as deles — de novo únicas para cada indivíduo.

Assim, como poderá o significado matemático ser partilhado e em que sentido podem duas ou

mais pessoas partilhar significados matemáticos?

Evidentemente é necessário que tornam os seus próprios significados públicos, ou visíveis —

os outros precisam de certa maneira saber alguma coisa sobre os significados que os primeiros lhes

atribuem. Conversa e discussão jogam uma parte importante assim com a participação em qualquer

actividade que faça os participantes revelar os seus pensamentos — um jogo, por exemplo, ou a

resolução de problemas com algum equipamento experimental. Questionar e responder a questões

ajudará, uma vez que tornará necessário fazer mais explicações e clarificação de conceitos.

Exemplos e contra exemplos podem ser trocados, de modo que cada um possa ir além das palavras

do outro e possa aproximar-se dos referentes. As analogias e metáforas usadas por cada um podem

ser examinadas e comparadas, e as diferenças expostas para que as suas fontes possam ser

detectadas. Através dessas trocas cada um aprende mais acerca dos referentes dos outros,

exemplos, analogias e conexões com o conhecimento existente. Quando duas pessoas concordam

com a validade dos referentes, exemplos, analogias e conexões podemos dizer que partilham o

significado desse conhecimento.

No entanto, a seguinte interacção descrita por Mellin-Olsen (1976) mostra-nos ainda outro

aspecto da negociação das ideias matemáticas entre o professor e o aluno:

Professor: Quanto mede A?

Aluno: 60º!

Professor: Sim! Porquê?

— 40 —

Aluno: Eu consigo ver isso!

Professor: Tens de explicar!

Aluno: Posso medi-lo.

Professor: Não, não, na Matemática nós não medimos.

Aluno: ???

Professor: Temos aqui uma correspondência de ângulos entre paralelas. Não te lembras?

Aqui podemos ver o desequilíbrio no relacionamento professor/aluno requerido pelo papel

do professor no desenvolvimento do significado matemático do aluno. É aqui que o poder,

autoridade e controlo investido no professor pela instituição, pode ser usado positivamente

permitindo a negociação, interpretação e desenvolvimento de significados, ou negativamente

impondo um conhecimento sem qualquer significado. Assim, como pode este poder ser usado

positivamente? Consideramos primeiro um exemplo negativo, dado por Kerslake (in Harvey et al.,

1982):

Professor: Hoje temos 38 crianças na aula e disseram-me que 31 ficaram para almoçar. Quem me consegue dizer quantas crianças vão almoçar a casa?

Aluno: 4

Aluno: Não, 5.

Aluno: Não, é 4.

Aluno: Sim, 4

Uma "enérgica" criança parece ter conseguido persuadir uma série de crianças de que 38 - 31 é 4, assim o professor decidiu tentar outra aproximação.

Professor: Vamos pensar. Se 31 ficam para jantar, e 4 vão para casa... 31 e 4 são...?

Aluno: 35.

Professor: Então...?

Aluno: 35.

O professor tenta convencer as crianças de que a resposta não pode ser 4 tornando a questão numa adição — onde presumivelmente pensa as crianças estarem mais seguras, mas elas não parecem ver a conexão, e ficam satisfeitas com o 35. A professora continua:

Professor: Então, isto faz sentido, Christopher?

Ch: Não.

Professor: Quantos é que pensas que vão para casa jantar?

Ch: 7

Professor: O Christopher pensa 7, então 31 e 7 são...?

Aluno: 38.

Professor: Boa.

A esta altura o professor desviou a atenção da resposta errada, apelando para o Christopher, que sabe sempre a resposta correcta, e assim consegue levar a discussão para um terreno fácil, seguro para dirigir. Note-se que a professora não resolve o problema das crianças com a resposta errada, e elas podem sentir-se desencorajadas e enganadas (pp. 75-76)

— 41 —

Esta é uma técnica onde apenas parece permitir a negociação. Na realidade o professor

está meramente a usar o poder da sua posição para utilizar a criança "convencida" para convencer

as outras. Ele podia ter pedido às 7 crianças que se levantassem e fossem contadas, escrevessem os

seus nomes no quadro, ou representadas por desenhos, mas em vez disto preferiu apenas ter a

resposta correcta apresentada e reforçada — de facto impondo um significado. Tais escolhas são

críticas.

Um aspecto do problema é o facto de, muitas vezes, as respostas dos alunos às questões do

professor serem julgadas por este último apenas em termos de certo/errado. Mas qual é o

conhecimento dos critérios que o professor tem e que lhes permite fazer esse julgamento? Como

pode um professor negociador ensinar tal conhecimento? Possivelmente tratando uma resposta

como uma hipótese, a ser testada publicamente e discutida abertamente. Possivelmente procurando

outras respostas ou métodos e contrastando-as no quadro, tornando explícitos os critérios?

Possivelmente procurando promover a explicação e clarificação do respondente?

No extracto seguinte, Kerslake mostra-nos como o professor encoraja a discussão entre as

crianças permitindo que expliquem o que compreenderam (note cuidadosamente o que professor

diz):

P: Quanto é 4,38 x 100?

A1: Penso que é 4,3800

P: O que é que o resto da turma pensa?

A2: Sim, penso ser — 4,3800.

A3: Não, não é. É 438.

P: O que pensas, agora, A1?

A1: É 4,3800. Temos apenas de acrescentar dois zeros.

P: O que têm estes zeros no fim?

A3: Eles não fazem nenhuma diferença.

A1: Está bem. Então eles não fazem diferença.

A3: Porque estão aqui, então?

A1: Porque tens de acrescentar dois zeros.

A3: Mas não fazem nenhuma diferença aqui.

A1: Pode ter 4,3800 ou 4,38.

P: Então pensas que a resposta pode ser tanto 4,38 como 4,3800

A1: Haaa é o mesmo. Não faz diferença (pp. 80- 81)

Esta discussão aluno-aluno é rara acontecer (em público) numa sala de aula e mostra o uso

positivo do poder do professor. É claro que o professor deve continuar a responder aquela

incompreensão, e a cena está montada para o uso de uma técnica que é pôr os alunos numa

situação de conflito cognitivo contrastando as suas contribuições.

— 42 —

No exemplo seguinte, de Fielker (1977), ele cria tais conflitos cognitivos entre as

contribuições das crianças de 6 anos e o seu uso das suas palavras. Levanto no ar 5 cubos Unifix.

"Quantos tenho?" "cinco", disseram e quase no mesmo instante, "se quebrares 2 tens 3" Eu parei e delicadamente voltei para trás. Então, parto 2 e seguro 2 numa mão e 3 na outra.

"Quantos tenho", perguntei

"3"

"Mas continuo a ter 5", disse com um ar confuso.

"E se partir outro, apenas têm 2" eles continuaram, ignorando-me.

Tirei 1 e mostrei o resultado.

"Ainda tenho 5", disse eu. Voltei a junta-los

"Se tirarem 2, quantos é que terão?

"3"

"Tirem dois, então". Uma criança fá-lo. "Quantos têm agora?"

"3"

"Mas eu tenho 3. Quantos é que têm?"

E assim a negociação acerca do significado continua. O professor precisa de encorajar as

crianças a exteriorizar os seus conhecimentos, a usar as suas próprias palavras se forem válidas e a

dar forma à sua linguagem matemática quando ela não é adequada para a tarefa em questão. Como

já vimos, a linguagem faz parte de um papel importante na comunicação dos significados

matemáticos, e se esse significado é para ser partilhado então a linguagem precisa de ser acordada.

Uma tarefa muito importante para o professor negociador é modificar e dar forma à linguagem dos

alunos de modo a que se torne matematicamente adequada.

Aqui está um exemplo típico desta moldagem da linguagem onde o professor pergunta ao

aluno para explicar melhor (de Wain e Woodrow, 1980). Note que o estímulo para esta moldagem

é uma questão proveniente do aluno:

A: Um ponto onde 2 pontos se encontram chama-se vértice. O que quer isso dizer?

— 43 —

P: Um ponto onde...?

A: 2 pontos se encontram

P: Lê isso outra vez com cuidado (note a estratégia de Clements)

A: Um ponto, onde 2 lados se encontram...

P: Então, onde é que esses lados se encontram? Mostra-me 2 lados seguidos.

A: B e A

P: B e A são o quê?

A: Vértices

P: Sim.

A: Como?

P: BA é um lado

A: Oh, sim.

P: e AE é um lado.

A: BC, CD, DE

P: São todos lados, não são?

A: Então são todos vértices?

P: Não, bem, o que queres dizer com — são todos vértices?

A: DB é vértice, CD é vértice....

P: Quantos lados tem essa figura?

A: 5

P: Agora aponta para um dos cinco lados ... como se chama?

A: AB

P: Diz-me os nomes dos lados ao lado desse.

A: CB

P: Sim, CB. Agora, onde é que CB e AB se encontram?

A: Ali (aponta para o diagrama)

P: Onde?

A: B

P: Então B é o ponto onde os lados AB e BC se encontram. Então como chamamos a B?

A: Um vértice... Então são todos vértices, A é um vértice, B, C,...Oh, o que eles fazem!

A: É um vértice o B, C, ... Há!

P: Então, quantos vértices tem uma figura com 5 lados?

A: Cinco

A intervenção significativa por parte do professor é "o que é que queres dizer com — são

todos vértices?"

Além de darem importantes informações ao professor, tais questões mostram ao aluno que

as suas ideias e construções são levadas a sério pelo professor — um aspecto crucial no processo

de negociação. O professor negociador terá de deixar claro que o desenvolvimento matemático dos

— 44 —

alunos deve ter em conta o conhecimento que o aluno já possui, senão o aluno não será capaz de

participar na negociação.

Passando das incompreensões e da moldagem da linguagem para nível mais elevado e

complexo, o professor negociador procurará sempre encorajar os alunos a fazerem "atalhos" no seu

pensamento ou a condensar (curtail) o seu raciocínio como indica Krutetskii (1976). Outra

concepção de valor aqui é o "processo de algoritmização" ilustrada por Streefland (1982) o qual

envolve não apenas atalhos mas também progressão na esquematização. Encorajar a generalização

é outra tarefa para o professor procurar desenvolver nos alunos a compreensão matemática e o

extracto seguinte é um bom exemplo disto (de Servais e Varga, 1971):

P: Vamos formular o nosso problema: supondo que um navio consome uma certa quantidade q de óleo por milha à velocidade, digamos, 20 nós, e os tanques têm a capacidade de T toneladas de óleo, quantas milhas pode o navio viajar sem se reabastecer?

A: O que é que q e T significam?

P: Porquê? q significa a quantidade de óleo consumido por milha e T a capacidade do tanque em toneladas.

A: Porque é que tu não nos dá os números? Podíamos fazer um problema.

P: Porque não resolvê-lo sem números?

A: Eu podia resolvê-lo se tivesse números?

P: Diz-me como.

A: Dividia o número de toneladas no tanque pelo consumo por milha.

P: Porque é que não indicas a divisão?

A: Eu podia, mas não sei o que dividir pelo quê.

P: Mas tu sabes, tens tudo o que precisas. Tenta fazê-lo. Usa as letras. T para o número de toneladas e q para a quantidade de óleo consumido por milha. O que é que vais escrever para a incógnita?

A: Vamos chamar-lhe A.

P: Está bem, então A vai ser igual a quê?

A: A é igual a T a dividir por q

Mais uma vez uma "intervenção" particular da professora "Diz-me como" usar positivamente

o poder, convidando o aluno a explicar e a clarificar publicamente os seus pensamentos e

conhecimentos. Isto facilita à professora desenvolver o significado matemático dos alunos com

sucesso. Tais momentos são críticos; o acontecimento (e a intervenção) parece relativamente

insignificante, no entanto quando se acumulam produzem um ambiente de aprendizagem totalmente

diferente para os alunos daquele criado pelo professor que "impõe". Além disso, à medida que os

alunos ficam mais velhos, aprendem mais acerca dos significados matemáticos e ganham confiança

no uso das técnicas de negociação podem entrar conjuntamente no processo de aprendizagem,

muitas vezes tomando mais do poder e controlo do professor. No próximo exemplo, T é um jovem

professor e P é um jovem de 17 anos que fala com facilidade. Como se pode observar, o jovem

professor sente-se um pouco "ameaçado" e faz um erro mas tem "coração" suficiente para o admitir.

O resultado é um processo de partilha genuíno onde ambas as partes desenvolvem os seus

significados:

— 45 —

P: Jovem professor A: Aluno

1- Como é que x é para ser derivado?... 2- Hum (Pausa)

3- Quando estes... 4 - Espere um minuto, deixe -me só pensar (sic!)

5- O que vai ser o n aqui? 6 - É ... x para o primeiro, então será 1 vezes x para o zero que é 1.

7 - Então é só 1 8 - Sim.

9 - O.K... Hum. 10 - Então é um número?

11 - Então e o 0..? 12 - Um número? vai ser zero? um número? Nada, é exactamente o que pensei

13 - Oh, um número. Vai para nada porque então n é nada.

14 - Isso é muito forte.

15 - Sim

16 - Uma constante vai para nada. Quase que vale a pena recordar, aquela parte, até que estejas habituado a usá-la (as fórmulas).

17 - Quando se pensa nisso, uma constante deveria ir para nada porque o que faz um constante numa curva) Nada.

18 - Sim, concordo, muito bem teres notado isso. Agora... É que (a fórmula) é muito poderosa mas não é válida para n = - 1.

19 - Sim.

20 - É verdade para tudo menos para n = -1 21 - Mas funciona para -2, -3 e isso assim?

22 - Sim ,um minuto, não, desculpa. Estou a ficar um bocado baralhado. De facto funciona para todo o n. Sim, funciona. Sim, desculpa, saltei um bocado em frente.

23 - Podemos fazer uma com um número negativo?

24 - Sim, vamos fazer uma deste modo — tiramos o limite?

25 - Sim.

25 Certo, y é igual a 1 sobre x ao cubo. Continua então.

Lakatos (1976) mostra-nos também que as negociações podem acontecer ao nível do

ensino universitário (mesmo quando são fictícias)

Professor: Esta decomposição da conjectura sugerida pela prova abre novas perspectivas para testar. A decomposição desdobra a conjectura numa área mais ampla, de forma que a nossa crítica tem mais "alvos". Temos agora pelo menos três oportunidades para contra exemplos em vez de um!

Gamma: Eu já expressei o meu desagrado do seu terceiro lema (que dizia que removendo triângulos duma rede que resulta de deformação e subsequente triangulação, só temos duas possibilidades: ou remover um vértice, ou remover duas arestas e um vértice). Suspeitei que outros modelos podem surgir da remoção do triângulo.

Professor: Suspeita não é critica.

Gamma: Então um contra exemplo é critica?

Professor: Claro. As conjecturas não têm em conta desagrados e suspeitas, mas não podem ignorar contra exemplos.

Theta: À parte) As conjecturas são obviamente diferentes de quem as representa.

Claramente o relacionamento que se desenvolveu aqui é um bastante diferente daquele que

foi visto nas escolas mas o "sentimento" da negociação educacional é similar, qualquer que seja o

nível.

— 46 —

O que podemos nós dizer em geral acerca da negociação que os professores têm a seu

cargo? Em primeiro lugar, se a negociação é para se conseguir então é da responsabilidade do

professor estabelecer, na sala de aula as condições necessárias, do mesmo modo que é necessário

que o professor ensine regras e procedimentos associados a uma suave direcção da aula. De certo

modo, as “regras” para a negociação são meramente extensões, para as salas de aula, do debate

casual ou das regras de discussão e incluem:

- Falar e contribuir com frequência

- Dar aos outros a possibilidade de contribuírem.

- Tratar as outras contribuições com respeito

- Perguntar quando não entende o contributo dos outros

- Objectar, se sente que uma contribuição é de algum modo inválida.

- Apresentar razões para as tuas afirmações

- Tentar separar a ideia da pessoa que a dá.

Naturalmente estas devem ser as regras de comportamento tanto para o professor como

para os alunos e a aderência do professor a elas será fundamental para criar a atmosfera própria e o

respeito mútuo tão necessário para que a negociação ocorra com sucesso. O poder e a autoridade

do professor devem ser vistos, pelos alunos, como algo a ser utilizado positivamente.

Em segundo lugar, por cima e para além destas regras básicas para a aula está a

preocupação do professor em desenvolver a partilha de significados. Geralmente, vimos nos

exemplos anteriores, o professor que deseja promover a negociação como o modo

predominantemente na sua sala de aula precisa de

questionar e responder a questões

dar razões e pedir por razões

clarificar e pedir clarificação

dar analogias e pedir analogias

descrever e pedir por descrições

explicar e pedir explicações

dar e receber exemplos.

A simetria é óbvia e, podíamos argumentar, necessária, se queremos que ocorra uma

genuína negociação de significados.

E terceiro lugar, a meta para o professor de Matemática é o desenvolvimento de significados

matemáticas partilhados e isto incluiu a clarificação de incompreensões matemáticas, a moldagem de

linguagem matemática, encorajar a procura de atalhos e esquematização progressiva, e estimular a

generalização e racionalização.

— 47 —

6. A PREPARAÇÃO DOS JOVENS PROFESSORES

6.1 Actividade

6.2 Comunicação

6.3. Negociação

BIBLIOGRAFIA