Dinamica_da_Fé Paul Tillich

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I lU v v I m nossos dias? Mais que isso, nos diz , I I pr nt, e é necessária, em todos os per io- I ti t hum na: quer como força integradora, que une I irrn t dos os elementos intelectuais, emocionais e fi III j r pessoal perante o infinito e incondicional; 1" t rn di to r ç õe s , como idólatra, não voltada para o infi- 111 , m nlf stando-se então como força que desintegra e des- 11 I. I· como o autor chega a tais conclusões partindo de I tlnlçõ s positivas e negativas da fé; dos símbolos adequados pr tr tar da mesma; descrevendo vários tipos de fé, que por u vez geram vários tipos de ação, atitudes e comunhões de f; desenvolvendo a relação e tensão entre certeza e dúvida; ntre fé e razão, entre verdade de fé e verdades cientff ica, his- rica e f il os ófica; concluindo que uma ciência que permane- ce ciência não pode contradizer uma fé que permanece . Pois 8 fé se justifica a si mesma e pode ser atacada só em nome de outra fé. Este é o triunfo da dinâmica da fé: Que toda nega- ção de fé já é expressão de fé. Tal assunto é de extrema atua- lidade.

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I lU v v I m nossos dias? Mais que isso, nos diz

, II pr nt, e é necessária, em todos os per io-

I ti t hum na: quer como força integradora, que une

I irrn t dos os elementos intelectuais, emocionais e

fi III j r pessoal perante o infinito e incondicional;

1 " t rn di to rçõe s, como fé idólatra, não voltada para o infi-

1 1 1 , m nlf stando-se então como força que desintegra e des-

1 1 I. I· como o autor chega a tais conclusões partindo de

I t l n l ç õ s posit ivas e negativas da fé; dos símbolos adequados

p r tr tar da mesma; descrevendo vários tipos de fé, que por

u vez geram vários tipos de ação, atitudes e comunhões de

f ; desenvolvendo a relação e tensão entre certeza e dúvida;

ntre fé e razão, entre verdade de fé e verdades cientffica, his-

tórica e f ilosófica; concluindo que uma ciência que permane-

ce ciência não pode contradizer uma fé que permanece fé. Pois

8 fé se justifica a si mesma e pode ser atacada só em nome de

outra fé. Este é o triunfo da dinâmica da fé: Que toda nega-

ção de fé já é expressão de fé. Tal assunto é de extrema atua-

lidade.

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L I. ..J!)

•Pa ul Ti llich

DINÂMICA DA

Tradu ção de W al te r O . Schlup p

3a Edição

EDITORA SINODAL

1985

,FE

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Título do original inglês DYNAMICS OF FAITH., Harper & Row,

Publishers, Inc., New York. Traduzido com apoio na versão alemã

"Wesen und Wandel des Glaubens" (Evang. Verlagswerk, Stuttgart,

1970).

Copyright (c) 1957 by Paul Tillich, com permissão de Harper

& Row, Publishers, Inc., New York.

Um volume de "World Perspectives Series" - série planejada e

editada por Ruth Nanda Anshen.

Direitos da edição portuguesa reservados à EDITORA SINODAL

Rua Epifânio Fogaça, 467, 93000 SÃO LEOPOLDO, RS, Brasil

01 D O A D A PO R :

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Capa: Ary Schmachtenberg

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[)INÂMICA DA FÉ

Observações Introdu·tórias

Dificilmente haverá 31guma palavra na linguagem religiosa -seja ela erudita ou popular - que tenha sido mais incompreendida,distorcida e mal definida do que a palavra "fé". Ela é um dessestermos que primeiro precisam ser curados, antes de poderem curarpessoas. Hoje ~ palavra "fé" ~ ~ desorientação do ~ cura.Ela confunde as pessoas, levando a extremos como .f.eticismo ou fa-natismo, resist.êo.cia ~ razão ou s~ emocionaL rejeição de~ genuína ou aceitaçãõ-aÚTtlca==cresucedâneos. Às vezes atésurge a tentação de sugerir que se abandone completamente a palavra"fé". Mas por mais desejável que seja, isso dificilmente é possível.Uma poderosa tradição esté protegendo esta palavra. Além disso

não possuímos nenhum outro termo que faça jus à realidade ex-pressa por "fé". Assim não nos resta por enquanto nenhuma outrasaída senão tentar reinterpretar esta palavra e excluir suas cono-tações distorcidas e enganadoras, as quais se lhe associaram através

dos séculos. t a esperança do autor alcançar ao menos esse propósito ,mesmo se não lhe for dado chegar à meta rnuito mais ambiciosade convencer alguns leitores do poder oculto da fé que se encontraem seu íntimo, mostrando-Ihes a imensurável importância daquiloque é expresso na fé.

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I. O QUE É A FÉ

1. Fé como estar possuído por aquilo que nos toca inccndi-cionalmente

Fé é estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente.Como todos os outros seres vivos, o homem se preocupa com muitascoisas; sobretudo ele se preocupa com coisas tão necessárias comoalimento e moradia. Mas à diferença de outros seres vivos, o homemtambém tem preocupações espirituais, isto é, estéticas, sociais, po-líticas e cognitivas. Algumas dessas preocupações são urgentes,muitas vezes até extremamente urgentes, e cada uma delas,

. tanto quanto as exigência~ do sustento, pode ser' considera-

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IMPRESSÃO: GRÁFICA SINODAL

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I (1I1T10 Imprescindível para a vida de um indivíduo bem!l1I1I li lod uma comunidade. Quando isto acontece, a preocupação111 !II! 1 f Ige dedicação total por parte daquele que aceita essaI 1 1 1 I . Mas ao mesmo tempo ela promete realização perfeita,

1111 1110 ,I urres exigências passam para o segundo plano ou mesmo1 ' " (I Irr r rejeitadas. Quando um povo faz da vida e do cres-I 11 11 11 1 I d \ nação a sua E!..eocupação suprema;-é--e:>Zigido- qüe seli, H rl!1 [uern todas as outras coisas, como sejam bem-estar, saúde

vld I, r mílie, valores cognitivos e estéticos, justiça e humanidade.A Iorrn xtremas de nacionalismo como as conhecemos em nossaI rvem até de modelo para verificarmos os efeitos de uma"pr ocupação suprema" sobre todos os âmbitos da existência hu-1 11 n , até nas questões mais triviais da vida cotidiana. Tudo devervlr o deus único: a nação. Quando finalmente esse deus tambémvidencia como um demônio, ele demonstra claramente a exi-

n i Incondicional levantada por toda preocupação suprema".

Mas a reocu a ão .21 !.[ne a. de uma pessoa não se esgota. na1mpies exig&J}cia de sujeição incondicional; .e la contém igua lmente

rom~ de realização suprema. que é esperada num ato de fé.te promessa 'áe maneira alguma precisa ser determinada em dê:IIhes. Ela pode vir' à tona em símbolos indefinidos ou concretos,

p nas não !.e pode compreendê-Ios ao pé da letra. Isto acontecepor exemplo com a "grandeza" da própria nação, da qual, ao quedizem, se participa até depois de se morrer por ela; ou com aIvação da humanidade através de uma raça superior, ete. Em cada

um desses casos se promete uma "realização última", ameaçando-sexcluir dessa realização a todo aquele que foge à exigência in-condicional.

Um exemplo - e mais do que um exemplo - é a fé que semanifesta na religião do Antigo Testamento. Ela também tem oc ráter incondicional na exigência, arneeçe e promessa. Mas aquilo'lua in teressa incondicionalmente não é a nação, se bem que on cionalismo judeu ocasionalmente lhe tentou dar esta forma dis-torcida; o que, porém, preocupa incondicionalmerite é o Deus da[ustiçe, que é chamado de Deus Todo-Poderoso, o Deus de toda a-

rleç ão, porque' para todo homem e para cada povo ele encarnajustiça. ,êe é a preocupação incondicional de todo judeu devoto,por isso em seu nome é proclamado o mandamento de maior

minência: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, delod a tua alma, e de toda a tua força" (Dt 6, 5). Nisto está expresso'lu quer dizer preocupação última, estar possuído incondicional-

m nt , e é desse mandamento supremo que deriva o conceito da"pr ocupação última", ou do "que nos preocupa incondicionalmente".

Este mandamento proclama inequivocamente a natureza da fé ge-nuína e a exigência de dedicação total àquilo que perfaz a preo-.;uf2ação última. O Antigo Testamento está repleto de mandamentosque esclarecem a natureza desse dedicação, associando-os a umsem-número de promessas e ameaças. Aqui também as promessassão de uma indefinição simbólica, se bem que no centro se en-contre a realização da vida nacional e pessoal. Como ameaça , porém,

surge a exclusão dessa real ização; ela significa decadência do povoou extinção do indivíduo. Para o homem do Antigo Testamento afé é o estar possuído última e incondicionalmente por Javé e portudo aquilo que ele representa através de seus mandamentos, amea-ças e prornessas.,

. Outro exemplo, que é quase um contra-exemplo, se bem queIgualmente revelador, está na maneira em que sucesso na vida,"statu:" .social e ascensão econômica s~ transformam numa preo-cupaçao Incondicional. Este é o "deus" de muitas pessoas no mundoocidental, dominado pelo espírito de concorrência. Como todo in-teresse último, também ele reivindica obediência incondicional àssuas leis, mesmo que isso signifique que a pessoa te rá que sacrif ica rrelações humanas genuínas, convicções próprias e criatividade. Suaa..cneaça é _d~dência social e econômica; sua promessa - vaga

c~m? todas as promessas desse tipo -, ? realização da própria es-sencie. O colapso de semelhante fé é um traço característico da nossaliteratura contemporânea, a qual justamente por esta razão recebeum significado religioso. O que se· manifesta em novelas como Peintof no Return (1) de John P. Marquard não é um cálculo falso massim uma fé desenganada. No momento da realização a promessa seevidencia como nula.

Fé é 0_ estado em que se é possuído por algo que nos tocaincondidonalmente. Está certo que o conteúdo específico da fé éde máxima importância para o crente,' mas este conteúdo é irrele-vante para a definição de fé. Este é o primeiro aspecto que precisa-mos reconhecer, ~e quisermos c.Q!Ill2reender a dinâmica da fé.

2. Fé como ato da pessoa inteiraFé como estar possuído por aquilo que nos toes incondicional-

mente é um ato da pessoa como um todo. Ele se realiza no centroda vidá pessoal e todos os elementos desta dele participam. Fé é

o ato mais íntimo e global. do espírito humano. Ela não é um pro-.cesso que se dá numa seção parcial da pessoa nem uma funçãoespecial da vivência humana. Todas as funções do homem estão con-

(1) N. do T.: Em p ortuguês este título poder io ser: "Não há que voltar atrás".

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jugadas no ato de fé. A fé, no entanto, não é apenas a omdas funções individuais. Ela ult rapassa cada uma das áreas dvida humana ao mesmo tempo em que se faz sentir em cada umadelas.

Uma ve·z que a fé é um ato da pessoa toda, ela participa dadinâmica da vida pesSõãr1 ssa ainâmica T a roi descrita de muitasmaneiras, mas as publicações mais recentes no campo da sicolo ia

/analítica é que mais se aprofundaram aqui. Todas elas têm em comumo' pensamento em polaridades e a observação das tensões e conflitosdaí resultantes. Com isso a psicologia da pessoa se torna extrema-mente dinâmica, levando necessariamente a uma teoria dinâmica dafé, a qual, mais do que qualquer outra manifestação vital do homem;tem sua raiz no centro da pessoa. A polaridade primeira e decisivana psicologia analítica está entre o assim chamado inconsciente eo consciente. Fé como manifestação da essoa inEgral não pode serimag inada sem a atuação concomitante dos elementos inconscientesna esfrutura da pessoa. Eles sempre estão presentes e de-terminamem a to grau o conteúdo da fé. Por outro lado, porém, a fé é um atoconsciente, e com isso os elementos inconscientes só participam do;urgimento 'da fé quando são levados ao centro da pessoa e por elesão impregnados. Se isto não acontece, quando apenas as forças in-

consc ientes dete rminam a constituição interior da pessoa, então oue surge não é fé; mas atos obs ssivos de diversos tipos que tomamseu lugar . fíJíãS.f!.j. uma questão d lib rdade. liberdade por suave-z é nada mais do que a possibilid d d agir a partir do centroda pessoa. Esta maneira de ver pod 'ri s r muito útil em freqüentesdiscussões em que fé e liberdade são apr ·s ntadas como opostos. Aquiliberdade e fé são vistas como um s6 cois .

A outra polaridade, assinal da por Fr ud e sua escola como egoe super-ego, é de igual import nela p' ra a compreensão da fé. Oconce ito do super-ego é bastante em bíç uo . Por um lado ele é ofundamento de toda vida cultural na medida em que não permiteque se dê rédeas soltas à libido sempre insistente. Por outro ladoele castra a vitalidade da pessoa, gera o "mal-estar da cultura",levando sob certas circunstâncias à neurose. Sob esse ponto de vista

os símbolos da fé aparecem como expressão do super-ego ou, emtermos concretos, da "imagem do pai", que dá ao super-ego seuconteúdo propriamente dito. E devido a esta teoria inadequada dosuper-ego que, como o naturalismo, Freud rejeita normas e princí-pios. Quando o super-ego não se justifica por normas objetivas, elese transforma num tirano, Mas a fé real consegue vesti r-se da ima-gem pate rna, transformando-a mesmo assim num princípio de ver-dade e justiça, o qual, se for o caso, precisa ser defendido mesmo

{2} N, do T,: O termo original "Sclb sr" (in!]:,ss "sclf") sempre será reprocluzido por "eu",

contra o "pai". Em todos os casos, fé e cultura só podem ser man-tidos, se o super-ego encarna normas e princípios objetivos do ser(Sein).- Neste ponto surge a seguinte pergunta: Qual é a relação entrea fé como um ato pessoal centrado e a estrutura racional do homem,que se manifesta em sua linguagem lógica, sua capacidade de dis-tinguir o verdadeiro e de fazer o bem, assim como em seu sensoestético e de [ustiçe. t tudo isso, e não só a sua capacidade dedistinguir, calcular e fundamentar que- faz do homem um ente ra-cional. Mas apesar desse conceito mais global da razão, precisamosrejeitar a opinião de que se possa identificar a natureza própria dohomem com a estrurure racional de seu espírito. O homem tem apossibilidade de se decidir a favor ou contra a razão; ele tem acapacidade de ir além da raZGO em sua criatividade, bem como dedestruir, contrariando toda a razão. O que dá ao homem essa capa- .cidade é o poder do seu eu (2), em cujo cerne estão conjuqadostodos os elementos de seu ser. Fé não é, portanto, um ato de forçasirracionais quaisquer, assim como também não é um ato do incons-ciente'; ela é, isto sim, um ato em que se transcendem tanto os ele-mentos racionais como não.:racionais da vivência humana.

Sendo o ato global e mais íntimo da pessoa, a fé é "e xtática".

Ela é mais do que os impulsos do subconsciente irracional e tambémvai além das estruturas do consciente racional. Ela os transcende,mas não os destrói. O caráter exiá~ico da fó não exclui a razão, se'bem que não é idêntica a ele; além disso ele também englobaelementos não-racionais, sem que se resuma nesses. 1\)0 êxtase dafé há uma consciência da verdade e de valores éticos; amor e-~ódio, briga e conciliação, influências individuais e coletivas, como·foram experienciadas no decurso da vida, tudo isso está integrado nafé. "Êxtase" quer dizer "estar ~ora de si", sem deixar de ser a gentemesmo, sem sacrificar um só dos elementos reunidos no centroda pessoa,

Para compreender a fé ainda é necessário saber da tensão entrea função cognitiva de um lado, e sentimenio e vontade do outro.Num capítulo posterior tentarei provar que muitos mal-entendidos

acerca da fé têm sua raiz na tendência de relacionar a fé com umadessas funções. Quero afirrner aqui com toda ênfase que todo atode fé também contém um elemento cognitivo, mas não como resul-tado de um processo independente de pensamento, mas como umelemento indispensável de um ato global de receber e dedicar. Assimtambém é rejeiteda a opinião de que a fé é o resultado de umato independente da vontade. ~ claro que a vontade também par-

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ticipa quando aceitamos aquilo que nos toca incondicionalmente;mas a fé não é uma obra da vontade. No êxtase da fé a prontidãopara ace-itar e dedicar-se é apenas um elemento da fé, mas de modoalgum é a sua causa. Fé não brota de um turbilhão de sentimentos;não é isso que se quer dizer com êxtase. Não há dúvida de que osentimento está incluso na fé, como em toda manifestação de vidae-spiritual. Mas sentimento não produz fé. Esta contém conhecimento, .como também é urna decisão da vontade, isto é, ela é a unidade detodos esses elementos no e·u "centr ado". Naturalmente esta unidadenão exclui a possibilidade de que um ou outro elemento tenha pre-dominância em certas formas espe-ciais da fé; esse elemento determinaentão o caráter da fé, mas não a produz.

Com isso também respondemos à pergunta se é possível umapsicologia da fé. Tudo o que acontece na personalidade (personhaftesSein] do homem pode ser objeto da psicologia. Também é impor-tante que tanto o filósofo da religião como o cura d'almas se dêemconta de como o ato da fé está inserido na totalidade dos processospsicológicos. Esta forma legítima e até necessária de uma psicologiada fé se encontra, porém, em contraposição com uma outra queprocura derivar a fé de Igo que nada tem a ver com fé, e simcom medo, na maioria do, c sos. Tal procedimento se apóia na

suposição de que o medo ou qu Iquer outra coisa, da qual se derivaa fé, seja mais original e fund m nt I do que a própria fé. Mas estasuposição não pode ser provada. Muito pelo contrário, pode-se de-monstrar que em todo proc dim nto ci ntífico que leve a tais con-clusões, a fé sempre já está atu ndo. A f pr c de a todas as tenta-tivas de derivá-Ia de algum outr cois; pois ssas tentativas jápressupõem a fé.

3. A Fonte da Fé

Nós descrevemos a fé e su rei ção com a totalidade da pessoa.Neste sentido a fé é um ato integral procedente do centro do eupessoal, no qual pe-rcebemos o incondicional, o infinito, e por elesomos possuídos. Mas o que é fonte dessa preocupação que tudoengloba e tudo transcende? A expressão "preocupação incondicio-nal" indica dois lados de' um relucionamento: ela mostra paraaquele que por ela é possuído como para aquilo que o possui. Daíresulta que precisamos nos conscientizar da situação do homemcomo tal por um lado, e do homem em relação com o seu mundopor outro. a fato de- o homem ter uma preocupação última revelaalgo de sua natureza, isto é, que ele tem a capacidade de trans-cender o fluxo contínuo de experiências finitas e passageiras. Asexperiências, os sentimentos e pensamentos do homem são condi-

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cionados e- passageiros. Isto não só quer dizer que surgem e desa-perecem, mas também se refere ao seu conteúdo, a não ser quesejam elevados ao nível de validade incondicional. Isto, porém, pres-supõe uma faculdade especial e a presença do elemento do infinitono homem. a homem, num ato direto, pessoal e central, é capazde captar o sentido do que é último, incondicional, absoluto e infi-nito. Apenas isso faz da fé uma possibilidade do homem.

Possibilidades humanas são forças que urgem em se- realizar.a homem é impelido para a fé ao se conscientizar do infinito de quefaz parte, mas do qual ele não pode tomar posse como de umapropriedade. Com isso está prosaicamente formulado aquilo queocorre no curso da vida como "inquietude do coração".

Estar possuído incondicionalmente - ou seja: fé - é estar to-mado pelo incondicional. A paixão infinita, como também Ia sechamou a fé, é a paixão pelo infinito; ou, voltando à nossa formu-lação anterior, na "preocupação incondicional" se trata daquilo queo homem expe-rimentou como incond icional, de validade última.Com isso já nos voltamos do aspecto subjetivo da fé como um atocentral da pessoa para o seu significado objetivo, para a questãodo que é expe-rimentado no ato da fé. Nesta altura de nossa inves-tigação, de nada nos adiantaria chamar aquilo que é experimentadono ato da fé, de "Deus" ou "um deus". CI.ntes perguntamos aqui:Que é que fundamenta a divindade na idéia de De-us? A resposta é:Trata-se do elemento do incondicional, do que tem validade- última.Isto determina o caráter do divino. Uma vez ente-ndido isto, com-preende-se também por que quase tudo "no céu e na terra" já alcançouo caráter do incondicional no decurso da história da religião. Mas tam-bém podemos compreender que na consciência religiosa do homemsempre já esteve e ainda está agindo um princípio crítico, o qual pro-cura separar o que é realmente incondicional daquilo que reivindicapara si o caráter de incondicional, mas na realidade- é apenas pro-visório, passageiro e finito.

A expressão "preocupação incondicional" engloba os aspectossubje-tivo e objetivo (3) do ato de crer: a f ides qua credi tur, isto é,

a fé pela qual se crê, e a fides quae creditur, isto é, a fé que é crida.. A o . primeira fórmula é a expressão clássica para o ato subjetivo, pro-veniente do íntimo da pessoa, ou sua preocupação incondicional. Asegunda fórmula é a e-xpressão clássica para aquilo a que se dirigeo ato, para o incondicional como tal, expresso em símbolos do di-vino. Não há dúvida de que esta diferenciação é muito importante,

(3) N. do T.: Na r e al.dede, a expr e s s âo portuguesa para "unbedingtes Anliegen"

("preocupação incondicional") reflete apenas sutilmente o aspecto objetivo do

ato da fé.

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mas não absoluta, pois nenhum dos dois lados do ato de crerpode persistir por si mesmo. Não existe fé sem conteúdo que apreencha, pois a fé sempre se dirige a algo determinado. Por' outrolado é impossível assimilar o conteúdo da fé a não ser por um ato decrer. Não tem sentido falar de coisas divinas se não se está tomadoincondicionalmente por elas. Pois aquilo que está expresso no atode crer não pede ser alcançado senão pelo próprio ato de crer.

Em expressões como de validade ú lt i m a , incondicional, inf inito,

absoluto está superada a distinção entre subjetivo e objetivo, Oestar tom.ado incondicionalmente no ato da fé, e o incondicional, queé experimentado no eto dt! crer. são uma coisa só. Os místicos oexpressam simbolicamente ao dizerem que seu conheciment6 de Deusé oconhecirnento que Deus tem de si mesmo. Em I (o 13, 12 ~quer dizer basicamente mesma coisa: "então conhecerei como tam-bém sou conhecido", isso é, por Deus. Deus nunca pode ser objeto semser sujeito ao mesmo tempo. Sequndo Paulo; nem mesmo uma oraçãochega aos ouvidos de D us, S9' não for o Espírito de Deus que oradentro de nós (Rm 8). Pod -se formular abstratamente a mesmaexperiência como sendo c nul ção da contra posição sujeito-objetona experiência do incondicion I. No to de crer, a origem dessa féestá presente de um modo 'lu t r nsc nde a separação de sujeito

e objeto.Essa caracterização d nos d, um critério adi-

cional para a distinção de incondl i I . r 1 1 ti V rd doire. Ascoisas finitas, que ilusoriamenl r -lv lu II 11 111 lníinitucl p r si, comopor exemplo a "nação" ou "venc r 11 I vi 111" , n I I rn capacidadede superar a seperoção de sujeito Ili 10. I\qui' Ir. t sempre deum objeto, ao que] o crente se dirl J f IIlO um wi iro . Ele o podealcançar com os meios cognilivo OllllJll', t 0111 I lidar com osmétodos usuais. Naturalme·nle exi ,I 11 1 ,,,ulll dir renças de grau nocampo infinito de valores qu r 1 1 ', 11 111 111 1 I cl mam a categoria deincondicional. A nação, por cx mpl , ' .c proxima mais do incon-dicional do que o sucesso n vi 11. O li Ilrio nacionalista pode gerarum estado em que o sujeito ó qlJlI,t l,oCJd o pelo objeto. Mas algumtempo depois ele ressurge só brio, , i il ndo agora com ceticismo

e crítica descomedida as [u I, , , iv lnclicoções da nação. Quanto maisla fé se transforma em ido I 11, ill, m 'no ela consegue superar a se-paração de sujeito e ob ] 10 . 1 '0 1 ', :;1 é a diferença entre a fé ver-dadeira e a falsa. No f6 v<'rdllcJcirw u preocupação incondicional é

o estar tomado pelo 'lu Ó v rdadeiramenle incondicional; a féidólatr~ em contraste, I Vil oi tlS pessoqeires e finitas à categõriade incondicionais. E ItI dull rnção leva fatalmente à "fruslraçãoexistencial", que solape) us I ases do existência humana. A fé idólatra

é dialética no que ela é fé e como tal um ato central da pessoa; maso centro do qual ela parte se encontra mais na periferia, e comisso essa fé leva à perda do centro da essência e à destruição dapessoa. O caráter extático, que também é próprio de tal crença,só disf arça transitoriamente esta conseqüência.

4. A Fé e a Dinâmica elo Sagrado (4)

Quem penetra na esfera da fé, está pisando no Santíssimo davida. Onde há fé também se encont~ um conhecime·nto do que é sa-grado. Esta constateçêo não contradiz àquilo que foi dito' acimasobre a idolatria; mas ela contradiz ao conceito popular da palavra"santo". Algo que nos toca incondicionalmente se torna sagrado. AexperiênCia do sagrado é experiência do divino. Isto está expressode maneira magnífica no Anriqo Testamento,' desde' ás visões dospatriarcas e de Moisés até as impressionantes experiências dos gran-des profetas e salmistas. O sagrado permanece mistério, se bem queé revelado. Quem se lhe depara é por ele atraído e ao mesmo tempoestremece. Rudolf Oito, em sua obra clássica sobre "O Sagrado",chamou esses dois aspectos na essência do sagrado de fa5cinosum

e tremendum. Ambos os aspectos se enconlram em todas as religiões,pois em ambos o homem s d fronte com aquilo que o toca incon-

dicionalmente. O motivo par esse efeito duplo do sagrado ficaclaro quando entendemos relcção entre a experiência do sagradoe a experiência do infinito. O coração humano procura o infinito,pbrque o finito quer repousar no infinito. No infinito ele vê a suaprópria realização. Nisso é que se baseia a atração extática e afascinação de tudo que revela o infinilo. Por outro lado o homemexperimenta simultaneamente a distância infinita entre o finito e oinfinito, e com isso ele experimenta ao mesmo tempo o vereditonegativo sobre todas as tentativas do finito de alcançar o infinito.O sentimento de ser aniquilado pela presença do divino é o queexpressa mais profundamente a relação em que se encontra o homemdiante do sagrado. E esse sentimento perpassa todo ato de fé legí-timo e todo estar possuído em última instância.

Esse significado original e unicernente correto do sagrado pre-cisa ser colocado no lugar da disiorção corrente de seu sentido pró-pr io . "Santo" tomou o sentido de perfeição moral, principalmente emalguns grupos protestantes. As causas históricas dessa mudança desentido são importantes para uma nova' compreensão da naturezado santo. Originalmente santo significava algo que estava separado

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')(4) N. do T.: Os te-rnos fI~agruo01/ c "r e nro" :er(lo U':'3c!C:S aqui corno nlClho~ convier

para reproduzir o termo originol "heilig".

 

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J IJtiveira-fors~O(Jerio e l7

1 . larBiblioteca partlCU

. uQ _ •••J_J-

d Li'ltOd' -d idi des iexoer iênci d I'Tl'lun O O coti iano e as experrencies comuns as pessoas. Eeestá separado do âmbito do finito. Por isso todos os cultos religiososmantinham seus lugare·s santos e atos sagrados isolados de todosos outros lugares e atividades. Entrar no Santíssimo significa en-~ntro com o sagrado. Aqui o infinitamente distante se mostra próximoe presente, sem perder sua majestade. Por e·sse motivo o sagradotambém foi chamado de "completamente outro", a saber, aquilo queé diferente- do curso ordinário das coisas, ou, para retomar uma for-

mulação anterior, ele é diferente do mundo, o qual se caracteriza pelaseparação em sujeito e objeto. O sagrado ultrapassa esse âmbito, esteé o seu mistério e seu caráter inacessível. Não há possibilidade dealcançar o incondicional a partir do conc!i.çiooal, assim como não sepode conseguir o infinito por um me-io finito.

O sagrado é ess nci Imente "mistério", e por isso ele se en-contra com o homem do du s maneiras. O sagrado pode aparecercomo força criadora bem corno destruidora. Seu elemento fascinadorpode ter conseqüência cri ido res e destruidoras - lembremo-nosapenas da fascinação qu man va da idolatria do nacionalismo;mas também o tremendum d ',d r do tem um lado criador e outrodestruidor - é só pens r rHI rI lur z dupla das divindades hindusChiva ou Cáli. Essa natur / clur I r qual ainda há vestígios no

Antigo Testamento, se r ri t 11 0, tos rituais ou quase-rituais dasreligiões ou quase-religiõ , I r XI mplo no s criffcio de outrossere-s ou do próprio eu cor ó« li I ir ilu I, um ritual altamenteambíguo. Pode-se cerecteri/nr ( ,ti ,u 1 1 1 i üi lei d divino-demo-níaca, sendo que o aspecto dlvln rll uuf t I rI vit6ri das possi-bilidades criadoras sobre Ir· lrul I ,,1 ', I r o, ao passo queinversame·nte o demoníaco r I rt Ir 1 11 I I I cto d struidor do sa-grado. Esta natureza polariz I' I Ir t l I I v u percepção maisprofunda na religião prof tie I I\nll I I tamento. Mas este co-nhecimento foi afastado p 10 I o I r , I r mb te ao elemento demo-níaco-destruidor do sagrado. . rll I grado se transforma emjustiça e verdade; ele não rn II f ',lruicJor mas apenas criador. Osacrifício verdadeiro consist dr (I di ncia perante a lei. Esta é'uma linha de- pensamento qu Ir v I icJ ntificação de santidade com

perfeição moral. Mas com i rede perde seu caráter de se-parado, transcendente, fascinnn] r tll morizador, o completamente ,--outro. Tudo isso se volatllizcu snnto ficou sendo o que é moral-mente bom e racionalmenl . v rdud ira, isto é, deixou de ser sagradono sentido original da p lavru. R ..umindo, pode-se dizer o seguintesobre toda essa evolução: nlo ou sagrado em princípio nadatem a ver com a alternativa cJ om c mau: ele é tanto divino comodemoníaco. Com a repres I J do elemento demoníaco, o seu signi-

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ficado se transforma: ele é racionalmente identificado com o verda-deiro e o bom. Tudo isso significa que seu sentido original primeiroprecisa ser redescoberto.

Aquilo que foi dito anteriormente a respeito da dinâmica dafé é agora confirmado pela dinâmica do sagrado. Nós estabelecemosa diferença entre fé verdadeira e fé idólatra. O sagrado, na medidaem que atua demoníece e por isso destrutivamente em última ins-

tância, é idêntico com o objeto da fé idólatra. Mesmo assim tambéma fé idólatra ainda é fé. O sagrado permanece sagrado, também emsua forma demoníaca. Aqui se manifeste nitidamente o caráter am-bíguo da religião e com isso também o perigo da fé. O perigo dafé é a idoletrie, e a ambigüidade do sagrado resulta de sua possi-bilidade demoníaca. Nossa preocupaçã-o última - aquilo que nostoca incondicionalmente - pode nos destruir assim como também I

nos pode curar. Mas sem uma preocupação última não podemosviver. .- J

5. Fé e Dúvida

Chegamos agora a uma descrição mais global da fé como atocentral da pessoa como um todo. Um ato de fé é realizado por um'ser finito, que está tomado pelo infinito e para este ce volta. Trata-se

de um ato no âmbito do finito, com toda a limitação que como tallhe é própria; mas também é um .eto do qual participa o infinitotranscendendo os limites do finito. Fé é certeza na medida em queela se baseia na experiêncie do sagrado. Mas ao mesmo tempo afé é cheia de incerteza, uma vez que o infinito,' para o qual elaestá orientada, é exper~mentado por um ser finito. Esse elemento deinsegutança na fé não 'pode ser anulado; nós precisamos aceitá-IojE esta aceitação é um ato de coragem. A fé engloba a ambos: co-nhecimento direto, do qual provém a certeza, e incerteza. Aceitaros dois é ter cora em. É suportando cor'ajosamente a incerteza quea fé demonstra o mais fortemente o seu caráter dinâmico.

Nós só podemos compreender a relação entre fé e coragem setomarmos o termo corrente de coragem numa acepção mais ampla (5).Coragem como elemento da fé é arriscar a afirmar-se- a si mesmo

diante dos poderes do "não-ser", pelos quais todo ser finito estáameaçado. Mas onde há risco e coragem também existe a possibi-lidade do fracasso, e essa possibilidade se encontra em todo atode crer. É um risco que' precisa ser levado em troca. Quem faz deseu povo aquilo .que lhe toca em última e incondicional instância,necessita de coragem pare se manter fiel a essa decisão. Certa é

(5) Cf. a obra do autor "A Coragem de Ser", Paz e Terra (Ed.), Série Ecumenismo eHumanismo, Vol. 6, 1967, pp. 1 ss.

 

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apenes a incondicional idade como tal, a pznxao infinita como peixaoinfinita. Esta é uma realidade que é intrínseca à natureza do eu. Elaé tão imediata e fora de dúvida como o eu está fora de dúvida parao próprio eu. Sim, ela é o eu, na medida em que este se transcendea si mesmo. Mas acerca do conteúdo de nossa preocupação última,seja ela a nação, o sucesso na vida, um deus ou o Deus da Bíblia,não há certeza desse tipo. Todos eles são coisas que não apresentamcerteza imediata. J..ceitá-Ias como objeto de nossa preocupeção úl-

tima, incondicional, é um risco e como tal um ato de coragem. Orisco consiste em que o objeto de nossa preocupação última podeevidenciar-se como algo de importância provisória e passageira, porexemplo, a nação. O risco da fé como dedicar-se a algo que me tocaincondicionalmente é de fato o maior risco que uma pessoa podetornar sobre si. Pois se a fé de urna pessoa se evidencia como ilusória,isso pode levar a que essa pessoa perca o sentido de sua vida. Elavê que se entregou a si m sma, a verdade e a justiça a algo que.não merecia esta dedicação. T I pessoa desistiu do que lhe é maisintimamente próprio, sem 1 r qualquer esperança de recuperá-Io.O desespero causado por x mplo pelo desmoronamento de espe-ranças e pretensões nacionai prov irrefutevelmente o caráter idó-latra de seu patriotismo. Em úlllm n lise, toda preocupação su-prema cujo sQjeto não é v rd d ir m nt incondicional leva aodesespero. Mas essa possibilid d f ~ sompr precisa levar emtroca. Ela nunca pode se·r xclufd, lU ndo um ser finito procuraa realização do seu eu. Ur na pr oCUI çso upr m xige risco su-premo e máxima coragem. Is o n O r sult d d dicação ao incon-dicional como tal, e sim da ac il ç o digo determinado que teriaincondicional idade. Toda fé ont m um I mento concreto; ela seorienta para um objeto ou um o . M s pode se tornar evidenteque esse objeto ou essa posso n t nh m dentro de si que possuavalidade última. Neste caso, no u diz respeito ao seu conteúdoconcreto, a {é terá sido um ilu o, se bem que a experiência doincondicional, a qual também t presente nesse tipo de fé, nadatem de ilusória. Um deus pod C evidenciar como nulo, mas odivino permanece. A fé toma sobr si o risco de o deus concreto em

que foi colocada a fé ser uma im gem falsa. E então pode acontecerque o crente seja arrasado por ssa decepção e não tenha forçaspara encontrar um novo cont údo para a sua ânsia pelo eterno ecom isso viver novamente a partir do centro de seu ser. O risco doato de crer, porém, não pode ser eliminado. Existe uma só atitudeque não encerre risco e contenha certeza imediata: a de o homemficar entre sua própria f initude e a possibilidade de alcançar o in fi-nito. Nisto se resumem a grandeza c a dor da existência humana.

Isso se expressa bem claramente na relação entre fé e dúvida.Se a fé é entendida como acreditar em alguma coisa, então dúvidae fé são irreconciliáve·is. Compreendendo-se a fé como estar tomadopor aquilo que nos toca incondicionalmente, a dúvida se torna umelemento necessário da fé. A dúvida se encontra encerrada no risco ..•da fé.

A dúvida que faz parte inseparável da fé não é uma dúvida'

em torno de fatos ou certas conseqüências lógicas. Não é a dúvidaque dá impulso a toda pesquisa científica. Pois nem um teólogotradicional haveria de negar o direito da dúvida metódica na pes-.quisa empírica ou na aplicação do método dedutivo. Um cientistaque afirmasse estar uma determinada teoria científica acima de qual-quer dúvida, se desacreditaria como cientista. Apesar de sua dúvida,porém, ele pode confiar em que na prática a sua teoria se mostredigna de confiança, senão a sua aplicação técnica seria de todo im-possível. Por isso se pode atribuir a esse tipo de confiança uma certacerteza pragmática, que é plenamente suficiente para a' prática. Adúvida remanescente nesses casos se refere à teoria subjacente.

Existe, porém, ainda outra espécie de dúvida, a qual queremosdenominar de cética, à diferença da dúvida científica, que é maisde natureza metódica. A. dúvida cética é uma certa atitude diante

de tudo que o homem c~sidera verdadeiro, desde as percepçõesdos sentidos até as convicções religiosas. Ela é mais uma maneira depensar do que uma afirmativa; pois, como afirmativa, essa dúvida.cética entraria em contradição consigo mesma. A própria afirmativade que para o homem não existe verdade de valia universal seriadeclarada insustentáve·1 perante o juízo do princípio cético. A dúv idacética genuína não se manifesta na forma de afirmativa. Ela é umaorientação que nega toda certeza. Por isso não se pode refutá-I acom meios lógicos. Isto porque ela não se coloca na categoria deuma tese que se pudesse averiguar. A dúvida cética leva necessa-.riamente ao desespero ou ao cinismo ou a ambos alternadamente.E quando esta alternativa se torna insuportável, aparece freqüente-'mente a indiferença e uma atitude que quer se manter livre dequalquer compromisso. Mas uma vez que o homem é o ente cujanatureza é a de se preocupar essencialme·nte com o seu próprioser ("Sein"; Heideggerl, .esse fuga no fim das contas fracassará. Esteé o poder da dúvida cética . Mesmo que ela tenha um efeito desacudir e libertar, ela também pode impedir o desenvolvimento emdireção a uma personalidade centrada. Pois o homem como pessoanão é possível sem fé. O desespero do cético d,iante da irnpossibili-dade da verdade mostra que a verdade ainda assim é a sua paixãoinfinita. O sentimento cínico de superioridade sobre toda verdade

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I r ninada demonstra que o cético ainda leva a sério a verdadeI disposto a perguntar pelo que é incondicionalmente válido.Ico que é realmente cético não vive sem fé, mesmo-que essa fé

1 nha conteúdo concreto.A dúvida que está contida em toclo ato de fé não é nem a

dúvicJa metódica nern a cética. Ela é a dúvida que acompanha todorisco. Não se trata aqui nem da permanente dúvida do cientista nem

da dwvida volátil do cético; é, isto sim, a dúvida de uma pessoa queestá se'rissimamente possuíde por algo concreto, Em contraste comas forma's acima descritas, poder-se-ia denominar esse tipo de dúvidade dúvida ~JmclPl. Ela não pergunta se uma determinada tese é fal-sa ou verdadeira, nem rejeita toda verdade concreta, mas ela conhece' oelemento de incerteza próprio a toda ve·rdade existencial. A dúvidainerente à fé sabe dessa incerteza e a toma sobre si num ato decoragem. Fé e·ncerra coragem, Por isso a fé consegue resistir à pró-pria dúvida de s} r;'e'sma, Naturalmente fé e coragem não :ão a ~mesr(la coisa, A. fe ainda ncerra outros elementos alem da coragem,e a coragem ainda tem outra" funções que não a de apoiar a fé.Ainda faz parte da fé a cor 9 m que esté pronta a tomar um risco

sobre si.

Es te conceito dinâmico d í dar lugar àquela con-f iança crente e ao sentimento d que encontramos nosdocumentos de todas as grand s naturalmente tambémno cristianismo. Mas este não o caso. Pois a acepção dinâmica dafé resulta de uma análise terminol6gica do aspecto subjetivo comotambém objetivo da fé. Nela não se descreveu um estado de es-pírito constante. Uma análise estrutural não é a descrição de umcerto es tado. A confus50 de análise e descrição é uma fonte denumerosos mal-entendidos e enganos em todos os campos da vida.Um exemplo típico para tal confusão se aprese·nta na presente discus-são em torno da natureza do medo, A definição do medo como oconscientizar-se da própria finitude é ocasionalmente rejeitada con-siderando-se o estado de espírito médio das pessoas. Medo, assimse afirma, aparece sob certas condições, mas não é um sintoma

concomitante da finitude do homem. É claro que o medo apareceem sua forma mais aflitiva sob circunstâncias determinadas. Masé a sua estrutura subjacente da vida finita que é a condição universalque possibilita o surgimento do medo sob determinadas condições.Da mesma maneira a dúvida não se impõe em todo ato de fé; masela sempre está presente como um traço fundamental na estruturada fé. Esta é a diferença entre' fé e certeza imediata, seja ela sen-sível ou lógica. Não existe fé sem um "mesmo assim" que delafaça parte e sem a corajosa afirmação 'do próprio eu na situação

de estar possuído incondicionalmente'. A dúvida como elementoessencial da fé surge dentro de certas circunstâncias individuais esociais. Quando a dúvida se faz presente, não se deveria entendê-Iacomo rejeição da fé; pois ela é um elemento sem o qual nenhumato de. fé é concebív~1. ~úvida existencial e fé são os pólos quedeterminam o estado interior da pessoa possuída pelo incondicional.

O conhecimento desta relação de fé e dúvida é da maior im-

po~t~~cia prática '. Muitos cristãos bem como muitos adeptos de outrasr~llgloes, acometidos de medo, culpa e desespero, ficam perplexos~Iante do ~ue c~amam de "perda da fé". A dúvida séria, porém,e uma confirrneção da fé. Ela prova a seriedade e a incondicionali-dade da sua perplexidade. Isso também diz respeito aos cura d'almasou clérigos principiantes, que não são apenas acossados pela dúvidaci.entífica acerca da fidedignidade de certas doutrinas - essa d ú-Vida é tão. necessá;ia e ina,movível quanto a própria teologia -,mas os quars tambem expenmentam a dúvida existencial em tornoda mensagem de sua igreja, por exemplo a dúvida se Jesus pode~er chamado. de o Cristo. O critério segundo o qual eles deveriam[ulqar-se a SI mesmos é a seriedade' e a incondicional idade do seuserem atingidos por aquilo em que ele's crêem e de que ao mesmotempo duvidam.

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6. Fé e Comunhão

A exposição que' acabamos de fazer em torno da fé e dúvidan_o que tangem as confissões religiosas nos levaram àquelas ques-toes que ge;alme~te e:t~o em p~imeiro plano na discussão de pro-blemas de fe ..A'2.ul a fe e entendida como opinião quanto à doutrinao,u .co~o c~nflss~o de um certo dogma. Seu pano de fundo socio-log~co e ~a,ls salientado do que o ato pessoal em que se baseia seuca~ater oriqinal. Os motivos históricos para essa maneira de ver sãoevidentes, Os .t~mpos em que a liberdade de pensamento no campocul!u.ral e. reliqioso era reprimida em nome de um certo dogmareliqioso :lCaram gravados na memória das gerações posteriores. Aluta de vld_a e ~orte' entr~ uma autonomia insurgente e os poderesde r~pr,~ssao r~llglosa deixou profundas cicatrizes no "inconsciente

coletiVO, . Isso ainda vale até para a nossa época, que já deixou bempara tras essa repressão dominante nos fins da Idade Média e du-rante as guerras religiosas. Por isso não parece desapropriado de-fender a concepção dinâmica da fé contra a acusação de que elalevaria ,a n~vas formas de ortodoxia e' de repressão religiosa. Masur;na coisa e, certa~ qua.ndo a dúvida é considerada como parte in-tnnseca da fe, entao a liberdade do espírito criador do homem não éde modo algum restringida. Mas provavelmente surgirá a pergunta,

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se eSS3 acepção de fé pode ser coadunada com a "comunhão defé", que é uma realidade decisiva em todas as religiões. Não éassim que a concepção dinâmica da fé manifesta um individualismoprotestante impregnado de autonomia humanística? Será que umacomunhão de fé, isto é, portanto, uma igreja, poderia aceitar umafé que encerra a dúvida como parte essencial e até considera .aseriedade da dúvida uma expressão de fé? E mesmo se a Igrelase conformasse com tal maneira de pensar entre os ·Ieigos de suas

comunidades, seria isto também possível para seus teólogos e seu:

órgãos diretores?Exis tem muitas respostas - algumas das quais bem sinuosas -

para estas pergunlas, muitas vezes õrdenteme~te lançadas: Aquiprecisamos fazer a constatação evidente, ~las muito slg,nlflcatlva, deque o ato de crer necessita, como todo fenomeno do espinto humano,da linguagem e com isso também da comunhão. Pois a linguagems ó está viva em meio a uma comunhão de seres dotados de espírito.Sem linguagem não existe fó nem experiência religiosa. Isso' valepara a linguagem em geral bem como para todas a,s linguagensespeciais exigidas nos diversos c mpos da vida do espirito humano.A linguagem religiosa, ou seja, o linguag m do símbolo e do mito,forma-se na comunhão dos crentes não é bem compreensível fora

dessa comunhão. Mas dentro d rcfc-ld comunhão ela faz comque a fé em comum possa rec ber um çorueúdo concreto. A fé exigea sua própria linguagem, como também acontece com toda mani-fes tação da vida personal (6). S m linguagem, fé seria cega, semconteúdo nem clareza sobre si mesma. Aqui se encontra a importân-cia primordial de urna comunhão de fé. t só como membro de umacomunhão que o homem pode obter um conteúdo para a sua pre-ocupação incondicional. Isso também ainda vale para aquele queestá separado ou expulso de um grupo.

Agora, porém, se· lançará novamente a pergunta já tratada, daseguinte forma: Se não há fé sem comunhão de fé, não será entãonecessário fixar o conteúdo da fé na forma de confissão de fé, exi-gindo que essa confissão seja reconhecida por todo membro daconfissão de fé? É ve·rdade que todas as confissões de fé surgiram

dessa maneira; daí elas receberam o seu cunho dogmático e obri-gatório. Mas isso ainda não explica o enorme poder que tais con-fissões fixadas exercem sobre grupos inteiros e sobre indivíduos,de geração em geração. Isso também não explica o fanatismo_ corr;que foram reprimidas dúvidas e opiniões divergen!es, e isso nao ~opor meio de violência física, mas em grau muito maior atraves

de pressão interna. Esses mecanismos eram gravados sempre denovo nas mentes dos crentes individuais e se evidenciaram comoextremamente eficientes, mesmo' sem pressão externa. Para compre-ender essa situação, prec isamos levar em conta que a fé, sendo oestar possuído incond icionalmente, significa a' entrega total ao objetodo estar possuído, e isso como resultado da decisão da pessoa integral..Isso quer dizer, portanto, que está em jogo o ser ou não-ser dapessoa como tal. A idolatria pode destruir o centro da pessoa. Se

agora, como foi o caso na igreja cristã, o conteúdo da fé em comumprecisou ser defendido através de séculos contra a idolatria intrusa,compreende-se perfeitamente que todo desvio da confissão de fé

era considerado perigoso para a bem-aventurança. Todo desvio daconfissão era atribuído a influências demoníacas. Sob essa luz, oscastigos impostos pela igreja aparecem como tentativas de salvaro atingido da autodestruição demoníaca. Todas essas medidas reve-lam um sério cu idado em torno da substância da fé, do qual depen-diam vida ou condenação eternas.

Mas não é apenas para o indivíduo que a aceitação da con-fissáo de fé fixa tem importância decisiva. A pr6pria comunhão defé precisa ser protegida contra influências perniciosas. Por isso aigreja exclui de sua comunhão tocos aqueles que parecem negar o

fundamento da igreja. Isso é que está no fundo do termo "heresia"em seu sentido original. O hereje não é alguém que tenha um credoerrado - esse é um significado possível de heresia, mas não a suaessência =, mas uma pessoa que deixou a fé verdadeira para seentregar a uma fé falsa e idólatra. t possível que ele influencieoutros da mesma maneira, corrompendo-os interiormente e pondo acomunhão em perigo. Agora, se as autoridades secu lares considerama igreja como fundamento necessário para um pensamento em co-mum e para a unidade da vida cultural, sem a qual nenhuma socie-dade pode persistir, elas perseguem os herejes como um criminosocomum e apelam para a doutrinação e também para a violência afim de assegurar a unidade da sociedade no âmbito religioso e polí-tico. Contra isso as pessoas começam a reagir em nome da autonomiado espírito. E quando o espírito autônomo se impõe, ele não só

elimina a coação política que quer apoiar um certo sistema religioso,mas além disso ele ainda se volta contra o próprio sistema religiosoe muitas vezes até contra a fé como tal. Isso, entretanto, se evidenciacomo impossível. Uma rejeição da fé só pode ser realizada na medidaem que uma outra fé assuma o lugar da fé rejeitada. Na história domundo, em todas as lutas entre a igreja e seus críticos liberais, umafé está se defrontando com a outra. Mesmo a fé dos liberai s preci sade expressão e de certas forrnuleções em comum, pois ela precisa6) N. do T.: "perscnhafl", C., como poscce. na qualidade de pCSSOil.

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ser defendida contra os ataques autoritários. No liberalismo, aquiloque toca incondicionalmente precisa se cristalizar em conteúdos con-cretos. E o liberalismo não pode ir mais longe do que isso, semdeterminadas instituições cunhadas pela história. Ele também desen-volveu uma linguagem própria e utiliza símbolos próprios. Sua fénão consiste de' uma afirmação abs1rata da liberdade, mas é umafé na liberdade como elemento inserido numa determinada situaçãohistórica. Se, em nome da liberdade, ele nega esse relacionamento

com o concreto, ele· cria um vácuo em que as forças antiliberais pene-tram sem qualque·r esforço. Apenas a fé criativa consegue resistirà fé destruidora. Somente o estar possuído por aquilo que é real-mente incondicional pode opor-se à fé endemoninhada.

Tudo isso leva à pergunta: Como é possível uma comunhão defé sem reprimir a autonomia do espírito humano? A primeira res-posta que deve ser dada aqui procede da relação entre o est~do ea comunhão de fé. Ela diz o seguinte: Mesmo que uma determinadasociedade' seja praticamente idêntica com uma comunhão de' fé, esua vida seja cunhada essencialmente pela substância espiritual deuma igreja, as autoridades seculares não deveriam se imiscuir nasquestões de fé, aceitando a possibilidade de formação de novasformas de fé. Pois se o seu mpenho em forçar a unidade em ques-

tões de fé for bem sucedido, xcluem-se com isso o risco e a cora-gem que fazem parte de toda fé real. Elas fizeram da fé umesquema de comportamento que' não permite a decisão livre e quejamais terá o caráter de validade última, mesmo se todos os deveresreligiosos forem cumpridos com toda a seriedade·. Tal situação di-ficilmente ainda existirá hoje. Na maioria dos países o estado temdiante de si diversas comunhões de fé e nem terá a capacidade deimpor uma certa confissão a um povo inteiro. A união do espíritode tal sociedade é então garantida por aquilo que as diversas con-fissões têm em comum e por tradições e instituições reconhecidaspor todos os cidadãos. Esses bens comuns podem ter caráter maissecular ou mais religioso. Mas em todos os casos eles são frutode uma fé. Isso vale por exemplo para a constituição norte-americana,que para alguns tem o caráter de preocupação incondicional. Mas

eles são exceções; a maioria vê nela algo condicionado e provisório,se bem que de enorme importância. Por isso as autoridades estataisnunca deveriam tentar reprimir manifestações de dúvida acerca dasleis básicas do estado, se bem que precisam, por outro lado, insistirna observância das leis vigentes.

O segundo passo na solução de nosso problema se refere afé e dúvida dentro da própria comunhão de fé. A questão aqui ése a concepção dinâmica da fé pode de alguma maneira ser coadu-

nada com a essência da comunhão, a qu I pr clconteúdo concreto de sua preocupação suprem comde confissão. Das análises precedentes resulta que n oção para esse problema, se uma confissão de fé excluirdade de dúvida. O conceito de "infabilidade", esteja ele oci doà decisão de um concílio, de um bispo ou de um livro, não p rmitdúvida em questões de fé para aqueles que se sujeitaram a essaautoridades. Eles podem estar expostos a conflitos interiores por

causa dessa sujeição, mas uma vez decididos, eles reprimem todadúvida acerca da infabilidade das autoridades. Com isso a fé setorna estática.

Ela se transforma numa entreqa cega, e não só ao incondicionalque é aceito no ato de crer, mas também às formas concretas defé fixadas pelas autoridades eclesiásticas. Com isso se outorga aalgo provisório e condicionado, isto é, à interpretação humana deconteúdos de fé - a começar pelos autores da Bíblia até o presente -o caráter de fncondicionalidade, tirando toda possib ilidade de dúvida.A luta contra os elementos idólatras que se fizeram presentes emconseqüência dessa fé estética, foi encetada pelo protestantismo e,quando este perdeu a flexibilidade, ela foi continuada pelo lIumi-nismo. Me~mo que esse protesto tenha sido insuficiente em sua

essência e em seu efeito, seu alvo original era uma fé dinâmica, enão a negação da fé nem a rejeição de certas doutrinas. Assim nosencontramos mais uma vez diante da pergunta: Como se pode coa-dunar a fé que reconhece a dúvida como parte intrínseca sua, coma confissão de uma comunhão de fé? Para isso só existe uma res-posta: Toda expressão de fé quEr manifesta aquilo que toca umacomunhão de fé última e incondicionalmente, precisa incluir a c ríticaa si mesma. Em todas as afirmativas confessionais, sejam elas denatureza litúrgica, teológica ou ética, é necessário que esteja bemmanifesto que elas não tenham validade última nem incondicional.A sua função é, isto sim, indicar o valor último e o incondicional quea todas transcende. Isso é o que eu chamo de "princípio protestante",o elemento crítico nas formas confessionais da comunhão de fé e comisso o elemento de dúvida no ato de crer. Nem a dúvida nem a

crítica estão sempre em ação, mas como possibilidades elas sempreestão presentes no ato de crer. Partindo do ponto de vista cristão,isso significa que a igreja, com seus mestres, suas instituições eautoridades, se encontra sob o juízo profético, e não acima desse.Crítica e dúvida indicam que a comunhão de fé "está sob a cruz",isso se a cruz é entendida como o juízo divino sobre a vida rel igiosada humanidade, sim até sobre o' cristianismo, na me-dida em queesse se colocou sob o sinal da cruz.

 

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Com isso a dinâmica da fé, a qual discutimos primeiramente noque diz respeito ao indivíduo, também foi colocada em relação à

vida de toda uma comunhão de fé. Não há dúvida que a vidade uma comunhão de fé é um risco constante, se a própria fé écompreendida como risco. Mas essa é a natureza de uma fé vivae a conseqúência do princípio protestante.

11. O QUE A FÉ NÃO ~

a situação política evolua nessa ou naquela direção. Em todos essescasos a suposição se baseia em dados que garantem uma probabili-dade suficien te. As vezes "crê-se" 'algo que é menos provável oupropriamente improvável, se bem que não impossível Os motivospara esse tipo de "crer" no campo teórico ou prático são bem diversos.Há coisas que "cremos", porque temos bons motivos para isso, se bemque não suficientes. Ainda mais freqüentemente nós "cremos", porqueas respectivas afirmativas foram feitas por pessoas que nos parecem

dignas de confiança. Isto sempre acontece, por exemplo, quandoconfiamos em dados e informações que outros consideram seguros,apesar de não os podermos verificar pessoalmente; esse é o casono que diz respeito a todos os acontecimentos do passado. Aquientra em jogo um novo elemento: a confiança numa autoridade, cujaafirmação nos parece digna de "fé" (8). Sem essa confiança nadapodemos "crer" que não experimentamos pessoalmente. Nesse casoo mundo se nos tornaria muito mais restrito do que ele de fatoé. Por isso é sensato confiarmos em autoridades que nos alarguemos horizontes, sem nos deixarmos tomar a liberdade do próprio pen-samento. Se usarmos a palavra "fé" para esse tipo de confiança,pode-se dizer com razão que quase todo o nosso conhecimento sebaseia em "fé". Mas o uso das palavras "fé" e "crer" (9) nesses casoscr ia confusão. Nós "acreditamos" no que nos dizem autoridades num

certo campo, nós confiamos no seu perecer, se bem que não cegamen-te; mas nós não cremos neles. Fé é mais do que confiança em autori-dades, apesar de a confiança sempre ser um elemento da fé. Essadistinção é importante, porque antigamente houve· teólogos quetentaram corroborar a autoridade incondicional da Bíblia salientandoa fidedignidade de seus autores. O cristão pode acreditar no queeles relatam, mas ele não o deveria fazer sem reservas. Ele não crênos autore·s dos livros bíblicos, sim, ele nem deveria crer na Bíblia.Isso porque fé é mais do que confiança, mais do que confiança emautoridades rei igiosas. Fé é participação no que toca incondicional-mente - participação com todo o ser. Por isso a palavra "fé" nãodeveria ser usada quando se trata de conhecimento teórico, tanto fazse é um conhecimento que se baseia numa certeza pré-científica oucientífica, ou numa confiança em autoridades.

Com esse exame terminológico nós chegamos ao próprio tema.A fé não confirma nem nega nada que faça parte do conhecimentopré-científico ou científico do nosso mundo, seja e·le baseado emexperiência própria ou de outros. O conhecimento do nosso mundo(inclusive de nós mesmos, que somos parte desse mundo) nos é

1. A Distorção da Fé como Ato do Conhecimento

Nossa descrição positiva da fé, acima apresentada, contém aomesmo tempo uma reieição de todas aquelas concepções que dis-torcem perigosamente o sentido da fé. Mas as distorções nessecampo exercem uma influência extraordinária sobre o pensamentopopular; e em nossa época cunhada pela ciência elas contrib~í~~mprincipalmente com que muitas pessoas se afastassem da reliqião:por esses dois motivos precisamos tratá-Ias mais detalhadame~te.Mas não foi somente o pensamento popular que deturpou o sentidoda fé; em última análise ' concepções filosóficas e teológicas é quesão responsáveis por isso, as quais mesmo em nível mais elevado,igualmen te mal-entenderam a natureza da fé.

As diversas interpretações errôneas da fé podem ser atribuídasa uma só raiz. Fé, como estar fomado por aquilo que nos toca incon-dicionalmente, é um afo central da pessoa inteira. Se acontecer queapenas uma das funções que constituem a pessoa é idenfi ficada coma fé, desfigura-se o sentido da fé, Essa compreensão não está com-pletamente errada, porque cada função do espírito humano participado ato de crer. Mas cada verdade parcial será parfe de um erroglobal.

A distorção mais freqüenfe da fé consiste em considerá-Ia comoum conhecimenfo que apresenfa menor grau de certeza do que oconhecimento científico. Conforme' essa concepção o ato de fé con-siste de uma suposição de probabilidade maior ou menor, a qualem si não pode ser demonstrada. Tal fé naturalmente não pode

ser nada mais do que um "dar crédito" (7). "Crê-se" que certas infor-mações sejam exatas; "crê-se" que documentos históricos sejam úteispara a compreensão de acontecimentos passados; "crê-se" que umateoria c ientíf ica esclareça a relação entre determinados fatos; "crê-se"que uma pessoa se comportará de uma determinada maneira ou que

(7) N. do T. "Fuer·wahr·hatten" (literalmente "ter por verdadeiro") também pode ser

reproduzido por "acreditar " e "achar"; esse também é O sentido de "crer" nas

frases seguintes.

(8) Aspas do tradutor.

(9) N. do T.: Os dois termos estão para o substantivo alemão "Gleube",

 

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dado pela nossa própria investigação ou pelas fontes em que con-fiamos. Ele não é uma questão de fé. A dimensão da fé não é umadimensão da ciência. A aceitação de uma hipótese cierrtif ice quepossui alto grau de probabilidade não é fé, mas um crédito provi-sório que precisa SE-r comprovado cientificamente e levar em contanovos dados. Quase todos os confrontos entre fé e saber têm suaraiz na f~lsa concepção de fé como uma forma de saber que temum baixo grau de certeza, mas é garantido pela autoridade. Mas

não foi somente essa confusão dos dois campos que originou ashistóricas lutas entre fé e saber, mas também o fato de que fre-qüentemente interesses da fé se ocultam por detrás de uma afir-mação que se diz puramente científica. Onde esse for o caso, en-contra-se fé contra fé, e não fé contra o saber.

A diferença entre fé e conhecimento se mostra no tipo decerteza que os dois suscitam. Há dois tipos de ,conhecimE'n~o ca:ac-terizados pelo mais alto grau de certeza. Uma e a certeza Imedlat~dada pela percepção dos sentidos. Quem percebe uma cor verde,. veo verde e está certo disso. Mas ele não pode ter certza, se o objetoque lhe depara como verde re Imente tem essa cor. Ele pode seenganar; mas ele não pode duvidar de que ele vê algo verde. Cert~zasuprerne também é dada por leis lógicas m temáticas, que tambem

são perssupostas como ír refutév eis, quando ilparecer:n er:n form~la-cões diferentes ou até contraditóri s, Não se pode discutir questoesde lógica sem pressupor estruturas lógic s básicas; sem essas umadiscussão não teria sentido. Aqui temos certeze absoluta; mas comisso nós percebemos tão pouco da realidade como pela percepção dossentidos. Nem por isso elas são fundamentais para o nosso conhe-cimento. Isso porque nenhuma verdade 6 possível sem o material qu~nos é fornecido pela percepção dos sentidos e sem a forma que .edada a esse material pelas leis lógicas e matemáticas, sobre as quaisSE' baseia a estrutura do pensamento. Um dos piores erros que ateologia e a concepção corrente de religião pode cometer, consist~em externar propositada ou involuntariamente idéias que contradi-zem a própria estrutura do pensamento. Tais afirmações e a a!itudeque Ihes dá origem não são fé; elas provêm de uma confusao de

crer e acreditar.O conhecimento da realidade concreta nunca tem o caráter de

certeza abso luta. O processo de conhecimento nunca chega ao fim_ a não ser num conhecimento de "tudo em tudo". Mas tal conhe-cimento excede infinitamente a todo espírito finito e somente podeser atribuído a Deus. Todo conhecimento humano da realidade apenastem o caráter de maior ou menor probabilidade. A certeza referentea uma lei física, uma fato histórico eu uma constatação psicológica pode

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ser tamanha, que ela na prática é plenamente suficiente. Mas teori-camente tal cer teza sempre tem algo de imperfeito, pois a qualquermomento ela pode ser questionada pela crítica e por novos conhe-cimentos. Bem diferenfe é a certeza da fé. Ela t ambém não se baseiaem formas da intuição e do pensamento. A certeza da fé é "exis-tencial", e isso significa que toda a existência do homem delaparticipa. Corno já constatamos, a certeza da fé tem duas compo-nentes. Uma se dirige a algo de validede última e incondicional. Aqui

há certeza absoluta, fé sem risco. A outra componente encerra umrisco e engloba dúvida e coragem, porque aqui se trata da afirma-ção de algo não-último, de algo que se torna destrutivo se for tomadoincondicionalmente. Na certeza da fé não existe o problema teóricode certeza maior ou menor, do provável ou improvável. A fé giraem torno de um problema existencial: em torno da questão de serou não-ser. Ela se encontra numa outra dimensão que todo parecerteórico. Fé não é dar crédito, nem um conhecimento de menor pro-babilidade. Certeza da fé não é a certeza condicionada de um juizoteórico.

2. A Distorção da Fé como Ato da Vontade

Existe um tipo católico e um evangélico da distorção voluntarís-

tica da fé. O tipo católico tem uma venerável tradição na igrejaromana. Ele tem a sua origem em Tomás de Aquino, que afirmavaque a impossibilidade de demonstração inerente à fé precisa sercompensada por um ato da vontade. Essa tese se baseia na pres-suposição de que a fé é um ato de conhecimento de baixo grau decerteza. somente quando isso é pressuposto, a falta de certeza podeser contrapesada por um ato da vontade. Como vimos, essa con-cepção de fé não faz jus ao seu caráter existencial. Nossa crítica à

distorção intelectual da fé refuta ao mesmo tempo a distorção volun-tarística, porque essa deriva daquele. Sem um conteúdo teoricamentefixado da fé, a "vontade para crer" não far ia sentido. Esse conteúdoé dado pela razão à vontade. Consideremos uma vez o fato de alguémduvidar da lmorteiidede da alma. Ele sabe que a afirmação dea alma continuar a viver após a morte do corpo não pode ser nem

provada nem assegurada por autoridade de confiança. Nós nos en-contramos, portento. diante de uma afirmação teórica insegura. Masexistem outros motivos que levam as pessoas a essa suposição. Elasse decidem para a fé e preenchem com a vontade a lacuna dademonstrabilidade. Na teologia católico-romana clássica a "vontadepara crer" não é uma decisão que surge do esforço do homem, masela lhe é concedida pela g raça. Deus leva a vontade a aceitar a ver-dade da doutrina da igreja. Mas também conforme essa concepção não

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é o intelecto que é levado por Deus à fé, mas a vontade movidapor Deus completa aquilo que o intele·cto não consegue realizar so-zinho. Tal interpretação cor responde à orientação autoritária da igrejaromana. Isso porque afinal de contas é a autoridade da igreja quefixa os conteúdos da fé, a cuja ace itação o intelecto é incitado pelavontade. Excluindo-se agora a idéia de que Deus move a vontade,o ato volitivo se transforma, como no pragmatismo, num ato arbi-trário. Ele se torna uma decisão que sem dúvida é amparada por

alguns fundamentos - se, bem que insuficientes -, a qual, porém,poderia com a mesma justificativa ter sido bem outra. Tal ato de"dar crédito" com base num ato da vontade não é fé.

A forma protestante da "vontade para crer" resulta da concep-ção básica da religião como moral. Exige-se aqui "obediência de fé",em alusão a uma palavra de Paulo. Essa expressão pode significarduas coisas. Ela pode sublinhar uma vez o elemento de entrega quesempre está presente no estado de ser possuído incondicionalmente.Julga-se então, com razão, que nesse estar possuído incondicional-mente colaboram todas as funções do espírito humano. Ou então aexpressão "obediência da fé" significa sujeição à ordem de crer,como ela é pregada pelos profetas e apóstolos. Naturalmente, quandouma palavra profética é reconhecida como "profética", isto é, comopalavra proveniente de Deus, então obediência da fé nada significasenão reconhecer uma mensagem como provinda de Deus. Mas sehouver dúvida se uma palavra é "profética" ou não, a expressão"obediência da fé" perde seu sentido. Ela se transforma então numaarbitrária "disposição (vontade) para crer". Essa situação ainda podeser melhor esclarecida, se chamamos atenção para o fato de quejreqüenternente estarnos possuídos por alguma coisa (por exemplopor passagem bíblicas), as quais nos parecem ser expressão objetivade a lgo incondicional e último, mas nós hesitamos e usamos subter-fúgios para não fazer dela também subjetivamente um objeto denossa própria preocupação última. Nesses casos se julga que oapelo à vontade é justificado e não parece por isso ser uma incitaçãoa um ato arbitrário. Não há dúvida de que isso está certo. Mas talato da vontade não produz fé, pois fé como preocupação incondicio-

nal já estava presente antes do ato da vontade. A exigência deobedecer não é então nada mais do que a exigência de ser aquiloque já se é, isto é, uma pessoa que na realidade já se entregou aoincondicional, mesmo se ela lhe quer escapar. Apenas nessa situaçãopode-se exigir "obediência da fé"; mas ela pressupõe que a fépreceda à obediência e não seja a sua conseqüência. Nem a ordemde crer nem a "vontade para crer" conseguem produzir fé.

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Esse fato é importante para toda educação religiosa, cura d'almase pregação. Nunca se deveria dar a impressão de que a fé seria umaexigência, cuja rejeição revelaria má vontade. O homem finito nãopode criar voluntariamente o estar possuído pelo infinito. Nossa vonta-de inconstante não consegue gerar a certeza que está presente na fé.Isso corresponde em todos os sentidos àquilo que já foi dito acercada impossibilidade de chegar à fé através de provas ou de confiançaem autoridades. Nem a razão, nem a vontade, nem autoridades con-

seguem criar fé.

3. A distorção da fé como sentimento

As dificuldades que surgem quando se entende a fé comouma questão da razão ou da vontade ou da cooperação de ambaslevaram a que se a concebesse como sentimento. Essa concepção foi'sustentada em parte até hoje tanto do lado religioso como do secular.Para os defensores da religião esta foi uma retirada para uma po-sição aparentemente segura, depois que fracassou a tentativa dejustificar a fé como uma questão do conhecimento ou da vontade.O pai da teologia protestante moderna, Schleiermacher, descreveu areligião como "sentimento de dependência incondicional" (10). t claroque sentimento não é usado por Schleiermacher no mesmo sentido

que na psicologia corrente. Ele não é vago e oscilante, mas tem umconteúdo determinado, ou seja, "dependência incondicional", umaexpressão análoga ao que chamamos de '''preocupação incondicional".r-Mesmo assim a pala~ra ".sentimento" levou muitas ve:zes à falsa :u-posição de que a fe serre Simplesmente uma questao de emoçoessem nenhuma relação com algum conteúdo que se' pudesse reco-nhecer e sem exigência a que cabe obediência.'

Essa interpretação de fé foi prontamente aceita por cientistase políticos. Eles viram aqui a melhor oportunidade de· eliminar todae qualquer interferência da religião na pesquisa científica e no âm-bito político. Se a religião não é nada mais do que sentimento, elaé inofensiva. Chegaram então ao fim os antigos confli tos entre cul-tura e religiãol~ cultura, djrigida .!:elo conhecime~to científico, .podese de'senvolverlnvremente. A reliqião. no entanto, e assunto particulardo indivíduo e nada mais é do que um reflexo de sua vida emocio-nal: Ela não tem acesso à verdade, e naturalmente não pode haver,por isso, conflitos entre a religião e ciência natural, história, psicolo-gi e política':Depois que a rel.igião foi ~ssim declar_ada um senti-mento subjetdo e tirada do meio do caminho. ela nao mais repr e-senta perigo para a vida cultural do homem. ')

(10) N. do T.: "schlcchthinnig", inglês "unconditional".

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Mas nenhum dos dois lados, nem religião nem cultura, conse-guiu ater-se fielmente a essa separação das duas áreas. A fé como..~r possuído por aquilo que toca _incondici.Q.lliilme.Q.l.e-!:e.clama apessoa inteira e não s~ deixa restringir à subjetivida o_simples~enrjjTlent0..."....l e reivindica verdade para si e exige entrega àquiloque toca incondicione lrnente , Ela não pode se contentar em ser iso-lada num canto como sentimento sem compromisso. Quando a pes-soa inteira está possuída, todas as suas forças estão tomadas. Se

é negada essa reivindicação da religião, nega-se a própria rel igião.Mas não apenas para a religião foi inaceitável a limitação da fé

à esfera do sentimento. Os próprios cientistas, artistas e políticosmostraram freqüentemente contra a sua vontade que eles tinhamuma preocupação incondicional, se bem que eles manisfestavam umvivo interesse em afastar a religião para o campo do simples senti-mento. E isso se expressava visivelmente mesmo naquelas obras emque eles se voltavam mais durame·nte contra a religião. Uma análiseexata da maioria dos sistemas filosóficos, científicos e éticos' mostraquanta "preocupação incondicional" eles contêm, mesmo quandodesempenham um papel importante na luta contra aquilo que elese·ntendem sob religião.

Essa exposição mostra a d e ficiê ncia de uma concepção que en-

tende a fé apenas como sentimento. Não há dúvida de que na fé comoato da pessoa inteira o elemento do sentimento está fortementerepresentado. Um sentimento muito vivo sempre demonstra que apessoa inteira está participando de um experiência ou de uma in-tuição do espírito. Mas o sentimento não é a ~onte da fé. A fétem uma orientação bem determinada e um conteúdo concreto. Porisso ela reclama verdade· e entrega. F' está orientada para o incon-diclonal, o qual surge numa situação concreta que exige e justificaessa entrega.

111 . SfM BO lO S DA FÉ

1. O Conceito dI? Símbolo

Aquilo que teca o homem incondicionalmente precisa ser ex-presso por meio de sím bolos. porque apenas a linguagem sim bó lica

consegue expressar o incondicional. Essa tese precisa ser expl icada.Apesar dos múltiplos esforços da filosofia ccnlemporSnea em obterclereza acerce da natureza e da função do símbolo, as opiniõesquanto a esse ponto ainda são muito diver qentes. Quem, portanto,uliliza o termo "símbolo", precisa explicar o que ele quer dizer comisso.

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Símbolos e sinais têm uma característicaeles indicam algo que se encontra fora d I s.cruzamento indica a prescrição segundo a qu Iparar por um determinado período. A luz v rmcarros em si nada têm a ver um com o outro; mas on-venção ambos estão relacionados, e isso dura tanto con-venção estiver de pé. A mesma coisa vale para letras núm ros, mparte até para palavras. Esses também indicam para ai m de si,

isto é, para sons e significados. Eles receberam a sua função spe-cífica por um acordo entre o povo ou por convenções internacionais,por exemplo os sinais matemáticos. Às vezes esses sinais são chama-dos de símbolos. Isso entretanto é lamentável, porque· dificulta adiferenciação entre sinal e símbolo. De importância capital nessesentido é o fato de que os sinais não participam da realidade daquiloque eles indicam; quanto aos símbolos, no entanto, esse é o caso.Por isso os sinais podem ser substituídos em livre acordo por questõesde conveniência; com os símbolos não é assim.

Isso nos leva a mais uma característica do símbolo: ele faz partedaquilo que ele indica. A bandeira faz parte do poder e do prestígioda nação pela qual ela flutua. Por isso ela não pode ser substituída,a não ser após uma derrocada histórica que modificou a realidade

do povo representado pela bandeira. O desrespeito à bandeira éconsiderado ofensa à dignidade do povo que a constituíu comosímbolo. Tal ato é visto até como sacrilégio.

A terceira característica do símbolo consiste em que ele nosleva a níveis da realidade que, não fosse ele, nos permaneceriaminacessíveis. Teda arte cria símbolos para uma dimensão da reali-dade que não nos é acessível de outro modo. Um quadro ou umapoesia, por exemplo, revelam traços da realidade que não podemse·r captados cientificamente.

·A quarta característica do símbolo está em que ele abre di-mensões e estruturas da nossa alma que correspondem às dimensõese estruturas da reel.dade. Um grande· drama não nos dá apenas umanova intuição no mundo dos homens, mas também revela profun-

dezas ocultas do nosso próprio ser. Com isso nos tornamos capa-citados a entender aquilo que. a peça propriamente quer dizer.Existem aspectos dentro de nós mesmos, dos quais apenas nos po-demos conscientizar através de símbolos. Assim também melodias eritmos na música podem se transformar em símbolos.

Em quinto lugar, símbolos não podem ser inventados arbitraria-mente. Eles provêm do inconsciente individual ou coletivo e só tornamvida ao se radicarem no inconsciente do nosso próprio ser.

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o últ imo distintivo do símbolo é uma consequencia do fato desímbolos não poderem ser inventados. Eles surgem é desaparecemcomo seres vivos. Eles surgem quando a época estiver madurapara eles, e desaparecem quando o tempo os tiver ultrapassado. Osímbolo de "rei", por exemplo, apareceu numa determinada épocada história e se apagou nos tempos atuais em quase todo o mundo ..Símbolos não morrem através da crítica, seja ela científica ou de

que tipo for. Eles desaparecem quando não encontram mais reper-cussão na comunhão a que uma vez serviram de expressão.

Símbolos genuínos existem nas diversas áreas da vida cultural.Nós já mencionamos a política e a arte. Também precisamos citar ahistória, mas nosso tema específico são os símbolos religiosos.

religiosos, isso quer dizer: Deus transcende o seu próprio nome. Étambém por esse motivo que seu nome é tão abusado e profanado.Seja lá como designamos nossa preocupação suprema, se a chamamosde Deus ou não, as nossas afirmações sempre têm significado sim-bólico; e os símbolos então usados mostram para além de si mesmose têm participação naquilo que eles designam. Não há outra maneiraadequada de a fé se expressar adequadamente. A linguagem dafé é a linguagem dos símbolos. Isso já não poderíamos dizer, se afé fosse apenas um acreditar, apenas vontade ou sentimento. Masa fé como estar possuído por aquilo que toca incondicionalmente nãoconhece outra linguagem senão a dos símbolos. Diante de ~I::m·=-

Ihante constatação eu sempre aguardo a pergunta: Apenas um sím-bolo? Quem indaga assim, no entanto, demonstra que lhe é estranhaa diferença entre sinal e símbolo. Ele nada sabe do poder da lin-guagem simbólica, a qual suplanta em profundidade e força aspossibilidades de toda linguagem não-simbólica. Nunca se deveriadizer "apenas um símbolo", mas sim: "nada menos que um símbolo".É isso que se deve manter em mente na exposição que faremos emseguida acerca dos diversos tipos de símbolos da fé.

O símbolo fundamental para aquilo' que nos toca incondicional-mente é Deus. Esse símbolo está presente em todo ato de crer, mesmo

quando esse ato de crer inclui a negação de Deus. Onc.e realmenteexiste o estar possuído pelo incondicional, Deus só pode ser negadoem nome de Deus. Um deus pode negar o outro deus, mas o estarpossuído incondicionalmente não pode negar o seu próprio caráter- o de incondicional. Nesse fato é que se encontra a confirmaçãodaquilo que se quer dizer com a palavra "Deus". Ateísmo, portanto,só pode ser compreendido como tentativa de rejeitar toda preocu-pação incondicional, o que significa, por conseçuinte, rejeição dapergunta pelo sentido da vida. A indiferença diante dessa perguntade enorme pertinência é a única forma concebível de ateísmo. Seé poss ível semelhante ateísmo, não queremos discutir aqui. Emtodos os casos permanece de pé que aquele que nega a Deus compaixão incondicional, afirma a Deus, porque ele manifesta algo in-condicional. Deus é o símbolo fundamental daquilo que preocupa

incondicionalmente. Mais uma vez, seria totalmente errado perguntar:Quer dizer que Deus é apenas um símbolo? Isso porque a perguntaguinte teria que ser: Um símbolo de que? E a isso só se poderia

responder: De Deus. "Deus" é símbolo para Deus. Isso significa queprecisamos distinguir dois elementos em nossa concepção de Deus:uma vez o elemento incondicional, que se nos manifesta na experiên-cia imediata e em si nê o-é simbólico, e por outro lado o elementoconcreto, que é obtido de nossa experiência normal e é simbolica-

2. Os Símbolos Religiosos

Até aqui discutimos os símbolos de um modo geral, mas issojá em consideração ao fato de que aquilo que ioca o homem incon-dicionalmente só pode ser expresso simbolicame;1te. Poder-se-ia per-guntar agora, por que é que aquilo que é captado pelos símbolosreligiosos não pode ser expresso adequadamente em termos diretos.Quando, por exemplo, dinheiro, sucesso ou nação são a preocupaçãomáxima de uma pessoa, porque não se pode dizer isso diretamente,sem utilizar a linguagem dos símbolos? A isso deve-se dizer: Detudo que o toca incondicionalmente o homem faz um "deus". Quandoa nação é a preocupação incondicional de uma pessoa, e·ntão o nomedessa nação se torna para ela um nome santo e à nação são dadas

• qualidades divinas -que em muito excedem a natureza e propósitode uma nação. Essa toma então o lugar do verdadeiro incondicional,tornando-se assim um ídolo. O sucesso como preocupação últimanão é um desejo natural de realização de possibilidades humanasde maior alcance, e sim muito mais a disposição de sacrificar todosos outros valores da vida ao poder e ao prestígio social. O medo denão obter sucesso satisfatório é uma forma distorcida do medo ante ojuízo de. Deus: sucesso é graça; fracasso é rejeicão por parte de Deus.Dessa maneira, conceitos que refletem uma realidade por demaisterrena, como sucesso e dinheiro, se transformam em símbolos idó-

letr es daquilo que realmente' tem validade última.O fato de ta is conceitos da vida cotidiana poderem ser elevados

a símbolos tem sua raiz na própria IlJtureza do incondicional e dafé. O realmente incondicional deixa infinitamente atrás de si todoo âmbito do condicionado. Por isso ele não pode ser expresso diretae i3dequi3di3mente por nenhuma rei3lidade Hnito Falando em termos

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mente relacionado com Deus. A pessoa, cuja preocupação incondi-cional se exprime numa árvore santa, está tanto tomada por umapreocupação incondicional como pela concreticidade da árvore, quesimboliza' a sua dedicação ao incondicional. A pessoa que adora aApoio, está possuída pelo incondicional, e isso de modo concreto,pois para ela o incondicional está representado na imagem divinade Apoio. A pessoa que venera a Javé, o Deus do Antigo Testa-

mento, não tem apenas uma preocupação incondicional, mas tambémuma imagem concreta daquilo que o toca incondicionalmente. Esseé o sentido da constatação aparentemente tão paradoxa de que"Deus" é o símbolo para Deus. Nesse sentido Deus é o conteúdo

próprio e universalmente válido da fé.Está claro que semelhante concepção da natureza de Deus torna

sem sentido a pergunta acerca da existência ou não-existência deDeus. Não tem sentido perguntar pela incondicional idade do incon-dicional. Esse elemento na idéia de Deus é certo em si mesmo. Poroutro lado, a expressão simbólica do incondicional se' transformaincessantemente no decorrer da história da humanidade. Aqui tam-bém não te·ria sentido perguntar se essa ou aquela imagem emque o incondicional se manifesta simbolicamente de fato existe. Sese entende por "existência" algo que possa ser encontrado em algum

lugar no todo da re·alidade, então não existe nenhum ente divino.Portanto nem pode ser fe'ita a pergunta pela existência de Deus. Apergunta que precisa ser feita é: Quaj dentre os inúmeros símboloscorresponde mais profundamente ao se·ntido da fé? Em outras pa-lavras: Que símbolo do incondicional expressa o absoluto sem estarimbuído de elementos idólatras? Esse é propriamente o problema, enão a assim chamada pergunta pela "existência de Deus" uma locu-ção que apresenta uma comb:nação impossível de palavras. Deuscomo o incondicional no estar possuído incondicional do homem émais certo do que toda outra certeza, mesmo aquela acerca dopróprio eu. Mas reconhecer Deus no símbolo de uma imagem divinaé uma questão de fé, coragem e risco.

Deus é o símbolo fundamental da fé, mas não é o único. Todasas qualidades que lhe atribuímos, como poder, amor, justiça, pro-vêm do âmbito de nossas experiências finitas e são projetadas sobreaquilo que se' encontra além de finitude e infinitude. Quando a féchama Deus de "onipotente", ela utiliza a experiência humana dopoder para designar simbolicamente o objeto de seu estar possuídoincondicionalmente; mas com isso ela não caracteriza um ente su-premo que pode fazer o que lhe aprazo O mesmo se dá com todasas outras qualidades de Deus e com todas as ações no passado,presente e. futuro que o homem lhe atribui. Tudo isso são sfmbolos

retirados de nossa experiência cotidiana, e não afirmações sobreÁu~,De~s t:em t:mpos antiquíssimos ou fará em futuro distante

O

, ~ Inao ar c~edlto a semelhantes relatos, e sim aceitação d~sim o os que exprimem através da ima em d - diestar possuído incondicional. g a açao rvina o nosso

. Outro grupo de símbolos são manifestações do di .~~~:asc: eventos, em indivíduos ou grupos, palavras ou escr;:~~o To~:

M br:npo de objetc:.s sa~rados é um tesouro repleto de. sí~bolosas o [etos santos nao sao em si santos, mas mostram além de :~~~n:l:onte de toda santidade, para aquilo que é o próprio inco~~

3. Símbolo e Mito

?s símbolos da fé não ocorrem individualmente Eles estãassociados a "histórias dos deuses" .,. . o. I r pOIS e ISSOmesmo que signifcnçine mente a palavra grega "mito" N d rc a. esses, os euses se apresen am como personagens individuais e se parecem com -humanos. Como esses, eles se diferenciam pelo sexo têm ant seressados e descendentes e estão cheios de amor e ó di d epas-com o outro O d h _. 10 e um parabé d mun o e os omens sao Criados por eles que tam

em atuam entro do espaço e d t EIr -

deza e d .,. d h o empo. es participam da gran-. a rruserra _ o~ omens, da sua atividade criativa bem comodestrutiva. Eles dao a humanidade cultur I' .-ritos sagrados. Eles ajudam e amea am o a A e re Iglao e protegemmente certas estirpes tribos e povos N' genero humano, especial-f . r • os os encontramos em ..amas e enca mações. eles fundam lu a.' epr-Instituem sacerdotes e criam cultos M g Ies e ritos consagrados,sob o domínio e ameaça do desti~o a: e es me~mo~ ~e encontrame.xiste. Tudo isso é mitologia, a qual' sur qi~e desta sujeito .tu~o quesionante na antiga Grécia. Mas muitos d

ge modo. mais impres-

se encontram em qualquer mitologia C os traços aqu enumeradosnão são equiparados Há uma h' . ~mumen~e os deuses do mitosupremo, como na Grécia, ou ~~~ar~~laa ~~~~a~~ada por um de.usou por ur:na divindade polar-dualista, como na Pérs'ia c~~o ~a lndie,

que mediam entre os deuses supremos e h . a re entores,d sua imortalidade intrínseca sofrem os omens, e q~e, apesaro mundo do mito d , morrem e ressuscitam. Esse

, um mun o vasto e estranhof r~ação, mas fundamentalmente sempre o me;ms~.mpre em tr.ans-t o da suprema preocupação do êner h . uma rnenifes-irnbolicamente em personagens e t g d'? um~no, ~epre'sentado1m 0105 da fé associados a lenda~ o~s ~~~~ss.f~ltos ~ao, portanto,dos d uses entre si e dos deuses com I a am os encontrosos rornens.

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Mitos estão presentes em todo ato de crer, porque o símboloé a linguagem da fé. Mas em todas as grandes religiões da humani-dade eles são criticados e transcendidos. O motivo para isso está naprópria nature·za do mito, que obtém seu material da nossa expe-riência cotidiana e coloca os atos e experiências dos deuses dentrodo tempo e do espaço. Mas uma característica vital do incondicionalé exatamente que ele está além do espaço e tempo. Sobretudo,porém, o mito cinde o divino em uma série de personagens, sub-traindo-Ihes assim a incondicional idade, sem eliminar as suas rei-

vindicações de incondicional idade. Isso forçosamente leva a conflitosentre essas diferentes reivindicações, que podem ser tão veementes aponto de pôr em perigo a existência do indivíduo bem como degrupos inteiros.

A crítica ao mito se dirige em primeira linha contra a cisão dodivino, superando-a com o conceito de um Deus único, se bem queesse conceito pode apresentar traços bem diferentes nas diversasreligiões. Isso porque mesmo o Deus único permanece objeto delinguagem mítica, e quando se fala dele, ele é necessariamente colo-cado dentro de espaço e tempo. Sim, perde-se até a sua incondicio_nalidade ao ser ele feito conteúdo concreto de uma determinada fé.Sucede daí que a crítica ao mito não se esgota com a rejeição de umamitologia politeísta.

Também o monoteísmo está sujeito à crítica ao mito e precisa,como hoje se diz, da "demitização". Esse conceito foi cunhado nocontexto da descoberta dos elementos mfticos nas narrações e nossímbolos da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento.Trata-se aqui de relatos Como o do Paraíso, da queda de Adão, dodilúvio, da saída do' Egito, do nascimento virginal do Messias, seusmúltiplos milagres, sua ressurreição e ascensão bem como de suaeSl?erada volta como juiz do cosmo. Em suma, todas as narrativasem que se descreve atuação divina entre os homens são entendidascomo mitológicas em sua essência e com isso sujeitas ao processode demitização. Que se deve dizer agora desse termo negativo eartificialmente criado? Ele deve ser aceito, caso ele for usado parasalientar a necessidade de se compreender um símbolo como sím-

bolo, e um mito como mito. O conceito da demitização, no entanto,precisa ser rejeitado, se ele significa o expurgo dos símbolos e mitoscomo tais. Semelhante empreendimento nunca será bem sucedido,porque símbolo e mito revelam formas de pensamento e de intuiçãoque estão inseparavelmente ligados à estrutura da consciência hu-mana. Pode-se substituir um determinado mito por outro, mas nãose pode desligar o pensamento mítico da vida do espírito humano.

d ímb los que exprimem o que50 porque o mito é a associação e sim onos toca incondicionalmente. . it d

' did como mito sem ser reje: a o ouUm mito que e enten di °d "mito q~ebrado". Em conformi-

b it íd ode ser chama o e d itsu sf UI o, P A • tianismo precisa rejeitar to o miodade com a sua .es:encla, ? ~~I:eado no primeiro mandamento, nonão-quebrado; pOIS ISSOesta D na rejeição de todo tipo de

h· t de Deus como eus e íblirecon ecrrnen o 't I' . os presentes na BI Ia, na

idolatria. Todos os e leme~tos rru o ogl~hecidos como tais. Mas elesdoutrina e na liturgia precisam sfer reco. bólica e não ser substituí-ntidos em sua arma Sim, b I

deveriam ser ma . ,. Poi _ há substitutos para sím o os edos por fórmulas científices. OIS ~aomitos eles são a linguagem da fe.

, . ., uma reação ao fato de que a cons-A críti.ca ra~lc~l. ao ml:o e bstinadamente a toda tentativa de

ciência mítlca. primitiva r~slst~Iao teme todo ato de demitologização{)() entender o mito como ml~o. do" de a sua verdade e a sua capa-.. : r e acha que um "~ito que ra.o ~:rm mundo mítico inabalado, sen-( M cidade de persuas~o. Quem vlveo õe fanaticamente a toda tentativaU g fi te-se seguro e abrigado. Ele se p h a atenção para o caráterlU •• b dito" porque essa c ama A • ,

••• 8! 11)de "que ra o. m, d . egurança. Essa resistêncie eS 1 & simbólico e cria um elemen.tc: . e sejam eles do tipo religioso ou

~ - I- id istemas autor itár ios. s. . • . = V I favoreci a por s . balar em segurança as pessoas•••fill: político. Pois está em seu Inter~sse .em _ dando assim aos domina-• que se encontram sob a sua 0rr:I~aç~o'demitizacão se mostra num

C'l dores o poder incon,telste. AOoP~sI1a~0: e mitos ;ão entendidos lite-rígido agarramento a. etra. s sim d natureza e da história, éralmente. Seu material, emp~~:ta:~eri~1 mente A essência de 5:':1-interpretado pelo ~ue apr~se I que se encontra fora dele, nãobolo, que indica alem de SI pa~a a gO'a ão como um ato mágico noé reconhecido. Entende-se entao ad cr~ ç Adão é localizada no espaço"Era uma vez ... li da fábula;da tque .a deo' o nascimento virginal do

ib íd um homem e ermllla , _e etri UI a a . _ bi lógica. ressurreição e ascensaoMessias recebe uma IIlterpre;?~ao 10o reto~no de Cristo é entendidose apresentam ;omo eventos . ISI~O,S, Terra ou o cosmo. A condiçãocomo uma catastrofe que atlll?~a a, . _ d ue Deus tem

para semelhante crença literalístice e a ~~~~~~~~ oec:7rso das coisas

uma localização no ten:Pfol e n? despaço ~ todo outro ente no mundo.b é por ele 111uencla o com . di .em como _. I d Bíblia despoja Deus de sua incon rciona-Essa compreensao litera a I" os também de sua majestade.lid d falando em termos re Iglos t • _

I a e e, . 'I do finito e condicionado. Em tudo ISSO naoEla o rebaixa ao ruve lti acional mas sim intra-religiosa. Umaestamos diante de um~ C~I;c: ;iteralm~nte é idolatria. Ela chama defé que enten~e s.eus sim, o o e incondicional. A fé, entretanto,incondicional àquilo que e menos qu

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que está consciente do caráter simbólico de seus símbolos dá a Deusa honra que lhe cabe.

Temos de distinguir agora duas faces na distorção . l iteral dacompreensão dos símbolos: a original e a defensiva. Na fase originalo. mítico e. o, I~teral não são diferenciados um do outro. Nos prirnór-dios da história nem as pessoas nem os grupos conseguem distin-guir as criações imaginativas de símbolos, de fatos que podem serdemonstrados pela observação e a experiência. Essa fase tem asua razão de ser até o instante em que o espírito investigador dohomem supera o crédito literal aos mitos. Quando chega esse mo-mento, abrem-se duas possibilidades. Uma consiste em substituir omito incólume pelo mito quebrado. Esse é o caminho objetivamentecorreto, se bem que ele não é viável para muitos, porque eles pre-ferem reprimir seu questionamento do que tomar sobre si a incer-teza que surge da quebra do mito. Assim eles são arrastados àsegunda fase da compreensão literal dos mitos. Intimamente eles~abem da razão do questionamento, mas o reprimem por medo daInsegurança. Geralmente essa repressão se dá com auxílio de umaautoridade sagrada, como por exemplo a igreja ou a Bíblia, às quaisse deve obediência incondicional. Também essa fase é justificável,quando a consciêncie crítica é pouco desenvolvida e pode ser facil-mente tranqüilizada. No entanto é imperdoável, quando nesse es-tág~~ um espirito, ~aduro é ~a.rtido em seu âmago por métodospolíticos e psicolóqicos e precipitado numa profunda cisão consigoI~esm~. O, inimigo da teologia crítica não é, por isso, a compreensãoliteral inqenua dos símbolos, mas sim aquela que é feita consciente-mente, com uma agressiva supressão do pensamento independente.

Os símbolos da fé não podem ser substituídos por outros sím-bc:los, artísticos por exemplo, e eles também não podem ser anuladospela crítica científica. Como a ciência e a arte, eles estão firmementeenraizados na essência do espírito humano. Em seu caráter simbólicoé que está a sua verdade e o seu poder. Nada que seja inferior asímbolos e mitos pode expressar aquilo que nos toca incondicional-mente.

Por último precisa-se perguntar se mitos são capazes de repre-

se.nt~r to_do tipo de preocupação incondicional. Alguns teólogoscnstaos sao da opinião de que a palavra "mito" somente deveria serusada com relação à natureza. isto é, quando se trata da descriçãode processos da natureza que se repetem ritmicamente (por exem-plo, as estações do ano) e são interpretados em sentido religioso. Osmesmos teólogos não aceitam que se chame de mito a evolução do~u~d:" a qual a fé cristã bem como a judaica vê como um processohistórico que tem um começo, um centro e um fim. Semelhante con-

cepção limitar ia consideravelmente a utilizaç~o do termo mito. _0mito não poderia mais então ser compre·endldo como a expressaolingüística da nossa preocupa,ção incondicion~I" r:'as apenas comoum idioma antiquado dessa lín qu a. Mas a história demonstra quenão existem apenas mitos da natureza , mas também mitos históricos.Se na Pérsia antiga o mundo é visto como ~ campo .de batal.ha, ?edois poderes divinos, nós temos diante de nos um mlt~ da hl~to;I~.Quando o Deus da criação elege um povo e o leva atraves da hlstórie

em direção a Um alvo que transcende a toda a história, entã~ ~ssoé um mito da história. Quando o Cristo, um ser transcendente, divino,aparece na plenitude do t~r:'Po, viv:,. m?rre e, ressu:~ita, isso é no-vamente um mito da história. O Cristianismo e a critica a todas asreligiões que estão presas a mitos da natureza. Mas _como .to?aoutra religião, o cristianismo fala a língua do mi.to, se~a.o o cristia-nismo não seria expressão daquilo que nos toca incondicionalmente.

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IV, TIPOS DE FÉ

1, Os Elementos da Fé e sua Dinâmica

Fé como estar possuído por aquilo que nos toca incondicional-mente existe sob muitas formas, e isso vale tanto para o ato de

crer como para o conteúdo da fé. Todo grupo religioso e cultural eaté certo ponto todo indivíduo tem uma experiência de fé especialcom conteúdo de fé próprio. O estado subjetivo do crente se trans-forma e provoca transformações dos símbolos da fé e vice-versa.Para se poder compreender as múltiplas formas de expressão da fé,deveremos distinguir em seguida alguns tipos básicos e descrever asua mútua relação dinâmica. Tipos religiosos em si são estáticos.Mas isso não é a última coisa que se pode afirmar acerca dos tiposde fé, uma vez que eles contém um elemento dinâmico na medidaem que eles reivindicam validade incondicional para o aspecto es-pecial da fé que eles represe·ntam. Daí resultam tensões e_ luta~,tanto entre os difer-;ntes tipos de fé dentro de uma comunhao reli-giosa bem como entre as grandes religiões.

Não se deve esquecer que tipos sempre são construções dopensamento e como tais nunca se encontram em estado puro narealidade. Em nenhum âmbito da vida existem tipos puros. Todosos objetos reais pertencem a vários tipos. Existem porém !r.a~os pre-dominantes que' determinam uma coisa e a permitem classlflc~-I~ s:,bum' certo tipo. Esses traços precisam ser destacados, se a dinârnicada vida deve ser explicada. Isso também vale para as formas da

fé e seus símbolos.

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Fundamental para a distinção dos tipos de fé são os dois ele-mentos que estão presentes na experiência do sagrado. Um elementoé a presença do sagrado aqui e agora. Ela santifica o lugar em queaparece e a realidade em que ela se manifesta. Essa experiênciatoma posse do espírito humano com uma violência estremecedora efascinante. Ela irrompe na realidade costumeira e a impele extatica-mente para além de si mesma. Ela fundamenta regras, pelas quaisse pode compreender o sagrado. O sagrado precisa estar presente

e precisa ser experimentado como estando presente, se é que eledeve ser experimentado.

Ao mesmo tempo o sagrado é o juízo sobre tudo que é. Ele exigesantidade, no sentido de justiça e amor, tanto para o indivíduo comopara um grupo. Ele representa aquilo que somos de acordo como que pela própria essência somos e por isso também deveríamosser. Como lei do nosso próprio ser, e·le está contra nós e a favor denós. Onde quer que o sagrado seja experimentado, também se ex-perimenta o seu poder de exigir aquilo que deveríamos ser.

Nós queremos chamar o primeiro elemento na experiência dosagrado de "santidade do ser", o segundo, de "santidade do dever".Poder-se-ia chamar a primeira forma de fé, em termos breves, detipo ontológico, a segunda de tipo ético. Em toda religião a dinâ-

mica da fé está consideravelmente defjnida por esses dois tipos epor sua interdependência e seu antagonismo. Ambos os tipos defé influenciam tanto a mais fntima vid do fé pessoal como tambémas grandes religiões históricas. Elos estão pr sentes em todo ato decrer. Mas um dos dois sempre pr valec , pois o homem é finito enunca capaz de possuir todos os elementos da verdade. Por outrolado o homem não pode descansar no reconhecimento de sua finitude,porque a fé gira em torno do incondicional e de suas formas deexpressão adequadas. Toda express-o inadequada da fé pode levara que o homem não atinja o incondicional e seja então determinadoe m toda a sua existência por algo que permanece aquém do incon-dicional. Por isso o homem sempre precisa tentar romper os limitesde sua finitude e alcançar aquilo que nunca pode ser alcançado:o próprio incondicional. Dessa tensão surge o problema da relação

entre fé e tolerância. Uma tolerância que nada mais é do que rela-tivismo, uma atitude em que nada de incondicional se exige, énegativa e sem peso; ela não escapa à sina de se transformar emseu oposto, um despotismo intole·rante. A fé, no entanto, precisaconjugar ambas as coisas: a tolerância consciente da condicionalidadede toda fé determinada, e a certeza fundamentada no incondicional.Em todos os tipos de fé, porém especialmente no protestantismo,esse problema é significativo. A grandeza e o perigo da fé protes-

tante está na autocrítica e na coragem d 'i!1I 1 1 pllll',11 1I Idade. Daí a dinâmica da fé se manifestar moi Iort ITli" 1111I Itantismo do que em qualquer outro lugar: o in nul ávo l 1111,11,1a incondicionalidade da exigência da fé e a ondi I 11 Il e I 11 1

vida concreta de fé.

2. Os Tipos Ontológicos de Fé

O sagrado é experimentado como estando presenl . IIaqui e agora, isto é, ele se nos depara num objeto, num II

num acontecimento. A fé vê numa porção concret 1(1 Ir 1

lidade O fundamento último de toda a realidade. N ,,11111111parte da realidade está excluída da possibilid~de de s.e tom I f i 1 I

tadora do sagrado, e de fato quase tudo que e real fOI no CUI '. Ihistória das religiões chamado uma vez, em atos de fé, I

grado, seja por grupos ou por indivíduos. Tal porção da re lique é experimentada num ato de crer como portadora do sagrado, I

como diz o termo tradicional, caráter "sacrament'al". Este cálice , 11pão, esta árvore, este gesto da mão, este ajoelhar-se, _este edifr i I

este rio, esta cor, esta palavra, este livro, esta pessoa sao portador 'do sagrado. Através deles a pessoa crente exp~rimenta. aqu.ilo qUI

a toca incondiiconalmente. Eles não são e'~,colhldos arbltreriernent

como portadores do sagrado, e sim pela intuição visionária de indi-víduos. Eles são aceitos pelo consenso comum de todo um grupotransmitidos de geração a geração; eles são modificados, reduzidoe ampliados. Diante deles as pessoas são tomadas de reverência,fascinação, veneração, idolatria e crítica e finalmente os substituempor outros portadores do sagrado. Esse tipo sacram~n~~1 de fé seencontra em todo o mundo e aparece em todas as rellgloes. Ele é o"pão diário" da fé, sem o qual uma fé se tornaria vazia e abstrata,perdendo seu significado para a vida do indivíduo e do grupo.

Fé no tipo sacramental de religião não quer dizer que certascoisas são sagradas e outras não. Fé é o estar possuído, que é trans-mitido por um determinado meio. A afirmação de que algo seja"sagrado" só tem sentido para aquela fé que o testemu~ha. ~om~

[uízc teórico, que reivindica validade geral, essa afirmação euma combinação absurda de palavras; apenas no interrelacionamentoentre sujeito e objeto da fé ela é verdadeira e faz sentido., O obser-vador que está à distância somente pode constatar que ha .uma re-lação de fé. Mas ele nunca poderá depor algo acerca da genuinidad:de semelhante relação. Quando, por exemplo, um protestante veum católico orar diante' de uma imagem da Virgem Maria, elepermanece um observador isolado e não é capaz de participar do

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que está acontecendo ali em termos de fé . A coisa é outra se forum católico que estiver observando. Ele poderá acompanhar aqueleque ele observa em seu ato de fé. Um critério pelo qual se pudessejulgar a fé não existe, quando o que julga se encontra fora da fé.Por outro lado o crente pode perguntar a si mesmo ou ser perguntadopor outrem se o meio através do qual ele experimenta o incondi-cional exprime o que é verdadeiramente incondicional. Essa per-gunta é a força dinâmica na história da religião, ela se volta decidi-

damente contra o tipo sacramental da fé e rompe suas limitaçõesem muitos sentidos. A justificativa dessa pergunta está em que of inito - também o finito mais sagrado - pode somente indicar aquiloque toca o homem incondicionalmente. O homem, porém, esqueceesse limite e identifica o objeto sagrado com o próprio sagrado. Oobjeto sacramental é visto como sagrado em si mesmo. Desapareceo seu caráter de indicar, como portador do sagrado, para além de si.O ato de crer não se dirige mais para o incondicional como tal, maspar a o representante do incondicional: a árvore, o livro, o .edifício,a pessoa. Perde"se a transparência do ato de fé. O ponto de vistaprotestante vê na doutrina católica da substanciação, segundo aqual pão e vinho são transformados em corpo e sangue do Cristo,essa perda da transparência do divino, uma vez que o divino éigualado a uma porção limitada da realidade. É verdade que a fé

experimenta a presença do sagrado que se apresenta na imagemdo Cristo, no pão e vinho do sacramento. Uma distorção dogmática,no entanto, é tratar o próprio pão e vinho como objetos santos, quecomo tai s são efetivos e podem ser guardados num relicário. Nadaexiste de sagrado fora da fé viva. Até os santos somente são santosporque a fonte do sagrado por e·les transparece.

Os limites e' perigos do tipo sacramental de fé levaram osrnlsticos em todas as épocas da história ao passo radical de trans-cender a realidade, seja em uma de suas partes, seja em seu todo.Eles identificaram o incondicional com a base ou a substância detodo o ser e o chamaram de o "Uno", o "Inefável", o "Ser acima doser". O místico não está interessado em rejeitar as formas sacra-mentais concretas da fé, mas em ultrapassá-Ias. A experiência mística

se encontra ao termo de um longo caminho, que leva das formas maisconcretas da fé a um ponto em que todo determinado desapareceno abismo da divindade pura. A mística não é irracional. Algunsdos maiores místicos da Europa e da Ásia eram ao mesmo tempograndes filósofos, que se sobressaíam na clareza e conseqüência doseu pensamento. Eles reconheceram que aquilo que nos toca incon-dicionalmente, o objeto de nossa fé, não pode ser igualado auma parte da realidade, como o tenta a fé sacramental, nem

ser comprimido num sistema racional. 6 . ( P 'ri 11 I I xt Iisso somente se pode falar do incondicioru I nun 11 11 l U

está consciente de que em si não se pode f I r I-I

Essa é a ún ica maneira em que a experiênci mr tise expressar. Pode-se, porém, pergu~tar: Exist,e e~t~o li, Ique possa ser expressa, já que.:' objeto d~ fe ml.stlca ultr p. . to IIpossibilidade de expressão? Nao se baseia a fe na expen nCI dosagrado como estando esse presente? Como é possível semelh nt

experiência, se o incondicional é aquilo que tr.anscende toda exp -riência? A isso os místicos respondem que ha um lugar em queo incondicional está presente no mundo finito: nas profund~z.as daalma humana. Essas profundezas são o lugar em q~e o flnl!O setoca com o infinito. A fim de lá chegar, o homem precisa despojar-sede todos os conteúdos finitos. Ele precisa renunciar a todas as preo-cupações provisórias em prol da preocupação última .. Ele tambémprecisa transcender todas as coisas reai:, em que a fe sacr.a~entalexperimenta o incondicional. Ele precisa transcender. a_ ciseo daexistência, mesmo a mais profunda e geral de todas a; cisoes. aq.u:laentre sujeito e objeto. O incondicional se encontra alem ~e_ssa ciseo,e o homem que o quer alcançar precisa superar essa ciseo dentr?de si através da meditação, contemplação e êxtase. Nesse rnovi-mento da alma, a fé se acha num estado de oscilação entre ter enão ter aquilo que a toca incondicionalmente. A fé está num movi-mento de aproximação gradativa, de recaídas e de realização repen-tina. A fé mística não despreza nem rejeita a fé sacramental, masela a transcende' em direção àquilo que está presente em todo atosacramental, mas permanece oculto sob os objetos concretos em quese encarna. Por algum tempo os teólogos contrastaram fé ~ ~xp~-riência mística. Eles achavam que a fé permaneceria numa distanciaintransponível do incondicional, enquanto que a mística procur~riaa fusão do espírito humano com o fundamento do ser e do sentld~.Semelhante contraposição de fé e mística, porém, somente tem vali-dade condicional. O próprio místico sabe da infinita distância entreo infinito e o finito e se conforma com uma vida em que a uniãoextática com o infinito é apenas raramente ou mesmo jamais alcan-

çada. E o crente só pode ter fé na medida em qU,e ele ~ possuídopor aquilo que o toca incon,dicion~lmente. t;. mlstlca. e, como osacramentalismo, um tipo de fe, e nao o contrario de fe; e em todotipo de fé há um elemento místico bem como um sacramental.

A mesma coisa vale para a forma humanística da fé ontológica,cuja consideração é especialmente importante" por~ue' freqüente,-mente humanismo é identificado com falta de fe e e contraposto afé. Isso, porém, só é possível se fé é definida como acreditar na

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existência de seres divinos. Se, no entanto, fé é entendida comoestar possuído por aquilo que nos toca incondic iona lmente entãotambém o humanismo encerra um elemento de fé. Sob hurnanismr,nós entendemos aqui a orientação que faz do que é verdadeiramentehumano o critério e alvo da vida do espírito, isso na arte e filosofia,ria ciência e política, nas relações sociais e na ética pessoal.Conforme a concepção humanística, o divino se revela como humanoe vice-versa. Aquilo que toca o homem incondicionalmente é o

homem. Com isso se quer dizer o homem em sua essência, o homemverdadeiro, o homem como "idéia", não o homem real na aliena-ção de sua natureza verdadeira. Quando, sob essa pressuposição,a fé humanística diz que o objeto de sua preocupação suprema é ohomem, então ela vê o infinito e incondicional em algo finito, enisso ela não se diferencia da fé sacramental, que quer abarcar oinfinito numa porção de finitude, ou da fé mística, que encontra nasprofundezas da pessoa o lugar do infinito. Persiste, porém, umadiferença. Os tipos sacramental e místico rompem os limites do hu-mano: o sacramental em direção ao universo e todos os seus conteú-

dos, o místico em direção àquilo que transcende o homem e seumundo. O hurnanista, em contraste, permanece dentro do âmbitodo humano. Por esse motivo a fé humanística é chamada de "pro-fana", enquanto qve se designa os outros dois de "religiosos". "Pro-fano" significa nesse contexto permanecer dentro do quadro docurso costumeiro das coisas, sem ultrapassá-Io em direção a um âm-bit~ sagrado. No .Iatim ~ nas línguas dele derivadas fala-se de pro-fanidede no sentido onginal da palavra, isto é: "estar diante dasportas do templo". Muitas pessoas dizem de si mesmas que elas"vivem diante dos portões do templo" e que não têm fé. No entanto,~e são. r:erguntadas se podem viver sem que alguma coisa as toqueincondicionalmente, sem que levem algo incondicionalme'nte a sériodas decididamente o negariam. Com isso elas testemunham que

estão no estado de fé. Elas representam o tipo humanístico de fé,que pode ter cunhos diversos. O fato de alguém dizer de si mesmoque ele está completamente na profanidade não o exclui da comu-nhão dos crentes. Seria uma tarefa interminável, se quiséssemosdescrever as múltiplas formas em que se exprime a fé humanística.

Ela está difundida em vastas áreas do mundo ocidental bem comoem culturas asiáticas. A distinção entre tipos ontológicos e mo-rais de fé, que aplicamos nos tipos religiosos, também podemos. fazer na orientação humanística de fé. - O tipo ontológico tem a suaexpressão mais forte na forma romântico-conservadora do humanis-mo; o tipo moral da fé, na progressista-utópica. A palavra "român-tico" indica nesse contexto a experiência do infinito no finito, como

ele pode ser contemplado na natureza C n hi 1 6r .sagrado numa flor, em como ela se descnvolv , nele se move,' no homem, como ele apresent umsingular, ou num determinado povo, nu.~a. cultur p I I, nums is tema social específico, esse tem expenencies que d mp •nl~ mum importante papel no tipo romântico-conservador. Par o rorndntlcaquilo que já está dado é sagrado e ,é conteú~o de sua preocup ç. oúltima. A analogia dessa forma de fe com a fe sacramental é óbvi .

A for-ma romântico-conservadora da fé humanística é fé sacrament.alsecularizada: o sagrado está presente aqui e agora. O cons.ervadons-mo cultural e político se deriva em última análise desse tipo de fésecularizada. Ela é fé real, mas encobre o incondicional que ela pre.s-supõe. Sua fraqueza e perigo consiste ~m perder sua substênciareligiosa original. A história demonstrou ISSO em t~das as cul!u~aspuramente seculares, as quais sempre de. novo recal~m nos ~staglosanter iores de sua religiosidade, dos quais elas havla rn partido.

3 .. Os Tipos Morais de Fé

A característica comum dos tipos morais de fé é a idéia da lei.Deus é sobretudo aquele que deu a lei - como dádiva e exigência.Somente aquele que segue· a lei pode chegar a ~eus. É :,erdad~que também a fé mística e sacramental ~onhec.e. leis. tambem aq~1ninguém consegue alcançar o último e incondicional, sem cum~nressas leis. Existe, porém, uma diferença i~po!tante ~~a~to ao tipoJas leis. No caso do tipo cntológico, a lei rrnpoe a sujerçao a orden~rituais ou a exercícios ascéticos. No caso do tipo moral, uma leimoral demanda obediência moral. Está certo que a diferença nãoé absoluta, pois a lei ritual tam,b~m contém exigên.~ias n:ora.i~, ; a I~iética encerra elementos ontolóqicos. Mas essa diferença Ia e sufi-ciente para tornar compreensível o s·urgimen.to da; .diversas grandesreligiões. Elas sequem a um QU ao outro tipo básico.

No âmbito do tipo moral de fé podemos distinguir a forma ju~í-dica a convencional e a ética. A primeira recebeu sua expressaomai; forte no judaísmo talmúdico e no islamismo: o melhor e~e~plopara a forma convencional se encontra na Ch~na d~ C?nfuclo; ~

forma ética, no entanto, é encarnada pelos protetas [udaicos, A fedo muçulmano é fé na revelação através de Maomé, : essa. revela-ção é aquilo que o toca incondicionalmente. A rev~l.açao tra~ld~ p~rMaomé consiste principalmente de leis rituais e sociais. As lei s ntuai slembram a fase sacramental, da qual provêm todas as religiões eculturas. As leis sociais vão mais longe do que o elemento ritual esantif icam "aqui lo que deveria ser". Leis desse tipo. permeiam a vidainteira (por exemplo, no judaísmo ortodoxo). A lei sempre se apre-

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(", I( mo dádiva e exiçêncí». Apenas sob a proteção da lei é que•.•vid» possíve·1 e digna de se viver. O mesmo vale para o adeptorn di no do is lamismo bem como para todos os que desenvolveramn ssa mesma base um humanismo secular, em grande parte influen-ciado pelo pensamento da Antiga Grécia. Se alguém diz da orientaçãoreligiosa dos povos islâmicos qUE' sua fé é fé em Maomé, e porisso está em conflito com a fé em Cristo, então deve-se retrucar:Decisiv'1 no Islamismo não é a fé em A\aomé Como profeta, masa fé numa ordem que está consagrada e que determina a vida da

maioria das pessoas. A questão da fé não é Moisés ou Jesus ouMaomé; a questão é muito antes: Qual deles exprime aquilo quenos toca incondicionalmente? Assim, nos confrontos entre as reli-giões não se trata dos conteúdos de fé como tais, mas da questão:De que forma a pr€"Ocupação incondicional é mais exatamente expri-mida? Decisões de fé são decisões existenciais, e não teóricas.

O que acabou de ser dito tômbém vale para o sistema deregras convencionais que foi Em perte coligido, em parte eiaboradopor ConfÚcio. Freqüentemente se o considerou arreligioso, afir-mando-se da concepção chinesa de vida que nela não haveria fé,ao menos na medida em que ela é determinada por Confúcio. Mastambém no Confucionismo existe fé, e isso não somente no que diz

respelto à veneração <os antepassados, que representa um ele-

mento sacramental, mas também quanto à incondicionalidade dosmandamentos morais, cujo pano de fundo é uma certa concepção daestrutura metafísica do universo. A. lei do estado e da sociedade éapenas uma forma especial em qUE' se manifesta essa estrutura. Masapesar desses elementos religiosos, o ceréter fundamental do Con-fucionismo é secular, um fato que possibilitou dois eventos deenorme envergadura histórica: em primeiro lugar a influência dasre,ligiões sacramentais e místicas do Budismo e Taoismo tanto emsua forma popular como em sua forma refinade. Além disso, afácil vitória alcançada neste país pela fé secular do comunismo, oqual igualmente pertence ao tipo moral da fé humanística.

Como a mais influente de todas as variações do tipo moralde fé evidenciou-se a terceira forma: a religião do Antigo T€'stamento.Como toda forma de fé, também ela tem uma ampla base sacra-

mental: a idéia do povo eleito, do pacto entre Deus e o povo, e a féritual em toda a sua riqueza, No entanto, a experiência da santidadedo ser nunca afastou a santidade do dever. Para os profetas e seussucessores - sacerdotes, rabinos, teólogos - o caminho para Deusse encontra apenas na obediência à lei da justiça. A lei divina é apreocupação suprema e incondicional, e isso tenro no Antigo Testa-menro como no judaísmo moderno. Ela é o conteúdo decisivo da

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fé e fornecea~ regras parar~d:a ~:~~~;t~~~~s~Slnt;/~;r ~ ~11 /

na vida cotidiana. O sag, m na mais insignificanl eco d, vi t

deve ser lembrado tambe . ó tem valor se est ossociadodiária, E inversamente, .todo ~glr f . da justiça.' A qrandcz do pro-obediência diante da lei ,mora / ~ ern ue ele sempre' conden O

fetismo vétero-testamel~~arl°s es~aan~o e~s negligenciam o elementopovo bem como seus I ere

d, q em favor do elemento sacra-

d I· '10 que eve ser - .moral a, el -, a~ul . ,. ndial da fé judaica, sacudir a segu-mental. E a rrus sao histór ico -m o _, ,. judaísmo masrança sacramental acrítica, e iss? ,~ao so no proprro ,também em todas as outras reliqiões. " ,

. . d ' não se faz sentir apenas no crrsne-A influência do [u arsrno bé forma progressista-utópica. 'I . mo mas tam em na .

nrsrno e no ISarmsmo, d cid t I O humanismo antigo' . todo o mun o 0.1 en a ,da fé hurnanisfica em '. I qia grega como a tragédia. I' d de er Tanto a Iff llO o ,conhecia a el o v. direito romano e o hurnanisrnofil f ega bem como o I ,grega, a I oso I?, gr • I am aquilo que deve ser. Maspolítico dos es tó ic os roma,nos acendu inou em toda a Antiguidade,

,. ntolóçico pre orru ,assim mesmo o IpO o I d ela vitória do misticismo na filo-Isso está demonstrado de um a lado pela importância das religiõessofia grega tardia :. de outro b 01"10 pela ausência do pensa-de mistério no lmpér io ,R~mano em c mundo antigo.

mento progressista e UtOplCOem todo o , I XVIII se' d ialmente desde o secu o ,O hurnanisrno mo erno, espec 't- e coloca o peso

. d m 'undamento crrs aodesen.volve :e~a~~ se~ti~o d~s profetas judaicos. Já e~ seus pri-

~~rIJilo~oel~e mostra :ortes elemt,entosfePu~oarecs~:~ta:e~s u;~~~cao~'€;I~~I' d' 'uma critica ao SISema

pre u 10 e. "i a rimeiramente para os camponeses,sacramentais. Ele E'~lg; I~st ç , ~ e finalmente para as massas pro-depois para a socie a e urgueds

o' Iluminismo desde o século XVIII

I c s A fé dos precursores I libererres. , h ' ti O iluministas lutaram pe a I er-. ral da fe urnarus ice. SI. ,e o tipo mo . _ L consa rada pela religião, e pela [ust iça

tação da servidão reudald· id gl Sua fé era fé hurnanlstice , suast d ser humano rn IVI ua. , , M

para o o _ mais seculares do que religiosas. asformas de ex~ressao_ e~m intuicão científica, se bem que elE's acre-

tratava-se de fe, e nao e d J azão conjuqada com justiça e ver-di poder superior a re , f ditavarn no. " de sua fé humanística transformou a ace a

dade. A din âm ica d id t I do mundo depois no Oriente,,. meta e OCI en a ,terra, pnmel;o. nad 'h 'I emprestou aos movimentos revo-,6 ., fé hum an ís tica e cun o m~ra séculos XIX e XX a sua

lucionários das ,m~ssas. ~rol~~,~a~ ~i~~ve l, Como em toda fé, tam-paixão. Sua dlna,mlca ~m f~ hu~anística gira em torno daquilo quebérn a forma ut ópice a É dai e ela recebe sua força incrível,nos toca incondicionalmente. ai qu

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tant~ no ~em como no mal. D;ante dessa análise b;olns,deraçoes precedentes, carece de todo e qualque~~ c~mo dasu~:r-;~ de um desaparecimento da fé no mundo oCidentalunEs:~n~:~

e de_ cunho secular, e essa fé forçou o religião tradic·ional~m~, pO~lçao de defesa. 'VIas essa fé secula rizada é fé e n- fa~;:e e. E a sedPreocupa com algo incondicional e com a 'entregaOa

a esse mcon icional. total

4. A Unidade dos Tipos de FéNa e .,. destão por x~:;~~:~a un~d~:g~~~, n~s v~~:m~ntos, ontológico e moralFreqüentemente levam a c~nfli e_ fe e,les se separam e

:e~;i~adc:n~~i~in:.lle~ã~nra~d~ s:~s~~S~I~i~~I~:~;~:~~.e-~~~d~ma~~~:

dominado pela lei ritual Eleo o.u ro. . tlPe:. sacramental de fé é

leis litúrgicas e desemp~nh ~Xt.1gePpurlf,caçao, preparo, sujeição aI o e ICO. or outro lado vi

e ementos rituais existem nas 1 " - I mos, quantosmoral de fé. Semelhante é o craes'9ldoesfeghalistas, ou seja, no tipo

o a e umanística e Imentos progressisl'as e UtÓp'IC r m que e e-dos aparecem no tipo ' tiva or, enquanto que o tipo .,. roman ICo-conser-

çõe s já dadas, a partir das q:a~~g::s::ii~~~u~~~~c~r;e baseia em tra~i-presente. A interpenetraçlo dos ti os d f' nscende a srtu eção

tentes de fé globais dlnêrn: p e e torna as formas exis-. ,mlcas e autotranscendentes.A história da fé, que é muito mais . I d .

religião, é uma contínua oscila ão d. ernp a ,o ~ue a ~Istória dados mais diferentes tipos d fé Ç , Iconvergencla e divergência

. sso Vil e lanto para a f d f écomo para o conteúdo da fé A f orma a edicional pode se exprimir não s _ ormas em qu: preocupação incon-ilimitadas. Elas são manifestacoesaod uma confu.sao de possibilidades

d I s e certas orientações básicse esenvo veram aos poucos na história da fé _ as quementadas na natureza da f p. d e que esta o funda-

. or ISSOpo e-se com d dcrever como elas se distanciam uma da outra e s pre:n er e es-mente, mostrando talvez um onto e aproxlm~~ ~utua-em princípio alcançada A afirm~ão de em ~ue sua reconcdlaçao foi

forma concreta de fé depende do pont;~: I:~~t:c~;t;:e~ em al~~ma

Se ele for, por exemplo um te' I . _ o que l U ga.rã I . t o ogo crr stéo de cunho protestanteen ao e e ve-rá no cristianismo, e especialmente . tiani 'testante o alvo di - no crrs renrsrno pro-- der: e n : rreçeo ao qual evolui a dinâmica da fé Isso

nao po erra ser diferente. Assim mesmo t d . .seme-Ihante veredito recise a ": o o .aque/e que emitedecisão "Objetivo" .p 'f~ presentar razoes obietivas para a suaque fu~damenta to~~gsnIO~cati~~:s~;a;~.: deduzido da natureza da fé,

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O catolicismo caracterizou a si m smo,sistema que engloba elementos culturais r 1 1 ' )1

entre si. Suas fontes são: o Antigo Testamento, lUo tipo sacramental e o moral, as religiõe·s hclênicmística, o humanismo clássico grego e o modo d p 11 1 1 Ida Antiguidade tardia. Sobretudo, porém, o catolic ism ono Novo Testamento, o qual em si já engloba uma s6rl 1 1

repre-senta uma conjugação de elementos éticos e místico I.

pio mais siqnificativo para isso é a doutrina de Paulo Il dllEspírito Santo. Espírito nesse sentido é a presença do espfrito I Vlllllno espírito humano, e Espírito Santo é o espírito do amor, d lu 1 1

e da verdade. Eu não hesitaria em enxergar nessa concepç I Iespírito a resposta à pergunta pelo sentido da dinâmica e d / 1 1 tria da fé. Mas semelhante resposta não é um ponto em qupode ficar parado. Ela sempre precisa ser dada de uma nov m 1

neira, a partir de novas experiências e sob condições mut nlApenas se isso acontece, ela permanece sendo uma resposta r lie inclui a possibilidade de realização. Nem o catolicismo nemfundamentalismo reconhecem essa exigência. Ambos perderam 0 1

mentos que fazem parte- do conceito original de fé, por causa dpredominância de um ou de outro lado. Esse é o ponto em que entrou

o protesto protestante na época da Reforma. E é o ponto em qu .o protesto protestante precisa se-r levantado em todos os temposem nome da incondicional idade do incondicional.

A crítica básica de todos os grupos protestantes ao catolicismose volta contra o fato de que o sistema autoritário excluiu a auto-crítica da igreja e que os eleme-ntos sacramentais da fé sufocaramos elementos proféticos. Uma vez que o sistema autoritário tornouimpossível uma reforma de base, restou apenas uma cisão total.Essa, porém, também trouxe consigo a perda daqueles elementoscontra os quais se dirigira o protesto protestante: o sacramentalismoe a autoridade da igreja nele baseados. Em conseqüência dessa perda,o protestantismo se tornou cada vez mais um representante unilateraldo tipo moral de fé. Não se perdeu apenas a riqueza dos ritos trans-mitidos pela tradição, mas também a compreensão do fato de queo sagrado está presente em expe-riências sacramentais e místicas.A importância do conceito paulino de espírito, em que estão reuni-dos o tipo sacramental e o ético, não foi reconhecido nem pelocatolicismo nem pelo protestantismo. A. presente exposição tentaindicar, na linguagem do nosso tempo, aquela realidade que Paulodesignou com a palavra "espírito" como sendo a unidade do extá-tico com o personal, do sacramental com o moral, do místico com o1 acional . Apenas quando o cristianismo for capaz. de reconquistar,

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como experiência vivida, essa unidade· dos diferentes r d f'd ' I IpOS e e,po era e e manter de pé a sua reivindicação de responder àsgrandes questões resultantes da dinâmica da fé.

1 8 atua na procura pela verdade, na experiência da arte n rou-lização da le·i de conduta; ela faz possível uma vida como p (1

participação na comunhão. Se a fé estivesse em contradiçrazão, ela teria que levar à desumanização do homem. Esse p ride fato existe - tanto na esfera teórica como no campo prático -em todos os sistemas autoritários, e isso tanto na área da religiãocomo na política. Uma fé que se encontra em contraposição à razão,

não se destrói apenas a si mesma, mas também aquilo que é pro-priamente humano no homem. Isso porque somente um ser dotadode razão pode ser possuído por algo incondicional e distingu ir preo-cupações últimas das provisórias; ele pode assimilar a exigênciada lei de conduta e perceber a presença do sagrado. Tudo isso,aliás, só confere', quando não se pressupõe a primeira significaçãodo conceito de razão, razão no sentido da razão técnica, e sim asegunda s igni ficação, de razão como estrutura do espírito e darealidade, dotada de sentido.

~

Razão é uma condição necessária para a fé, e fé é o ato em]que a razão irrompe extaticamente para além de si. Essa é a uni-dade e a diferença entre as duas. A razão humana é finita. PorISSO, todas as criações da cultura possuem esse caráter finito, tanto .aquelas em que o homem conhece seu mundo, como aquelas em

que ele transforma seu mundo. Daí elas não pertencerem àquiloque toca o homem incondicionalmente. Mas a razão não está presaà sua própria finitude; ela a reconhece, e através dessa mesma in-tuição ela se eleva acima de sua finitude. O homem faz a experiênciade que ele faz parte do infinito, o qual por sua vez não é umaparte do homem, nem se encontra em seu poder. O infinito precisatomar posse dele como aquilo que o toca incondicionalmente. Quandoa razão é possuída pelo incondicional, ela é elevada acima de simesma; mas com isso ela não deixa de ser razão, razão finita. Aexperiência e·xtát ica de uma preocupação última não destrói a estru-tura da razão. txtase é ratão realizada ..a_não razão quebrada. Razãosó chega a ser realizada quando ela é levada para alem dos 'limitesde sua finitude e experimenta a presença do sagrado. Sem essaexperiência ela se perde a si mesma. Ela é finalmente preenchida deconteúdos irr acionais - miticamente falando: demoníacos - e poreles destruíde. O caminho seguido é o da razão plena de fé atravésda razão sem fé.· para a razão demoniacamente dividida. A segundafase é apenas uma transição; pois nem na vida do espírito nem nanatureza existe vácuo. Razão é a pressuposição da fé, e fé preenJche a razão. Fé como estar possuído em última instância é razãoextática. Entre a natureza verdadeir a da fé e a natureza verdadeirada razão não há contradição.

V. A VERDADE DA FÉ

1. Fé e Ra zão

Nos capítulos precedentes nós mostramos a diversidade dossí~~ol~s e_tipos de fé. Isso poderia ser interpretado como desistir dareivindic aç âo da verd,ad~ ,por parte da rei igião. Por isso precisamosperguntar agora, se e vlavel falar-se de uma reivindicacão de ver-dade por parte da fé, e em que sentido. -

Até agora era costume colocar fé e razão uma ao lado da outrae perg.untar se elas se excluem mutuamente, ou se elas poderiamser ~nldas numa espécie de fé racional. Se a segunda hipótese forpossivel. como se relacionariam a razão e a fé nessa fé racional?Se o sentido da fé for mal entendido nos modos acima expostos

en,tão .elas s~ .excluem. mutuamente. Se, no entanto, fé é estar pos-suído Incondicionalmente, então fé e razão não são necessariamenteopostos.

Ma~ ess,a resposta. não é suficiente , uma vez que a vida espiritualdo homem e uma unidade que não permite um lado-a-Iado isolado?O~ diversos ~Iementos. Todas as funções do espírito humano estãointimamente ligadas, apesar do seu caráter diverso. Isso tambémvale para a relação entre fé e razão. Por isso não é suficiente aresposta de que estar possuído por algo que nos toca incondicional-ment~ . não contr~diz a estrutura racional do espírito. t necessárioespecificar a. relaçao entre a fé e a razão do espírito humano. Inicial-~en~e,,, precisa-se pe,rguntar em que' sentido é usada a palavrarazao r .qua,n.do ela e contraposta à fé. Será no sentido do procedi-n;en.to clentlflco: do pensamento rigidamente lógico e do cálculotécnico? Ou ser.a ela entendida, como em quase todas as épocas denossa ~ult~ra o.cl~ental, como a fonte do sentido, normas e princípios?Na pn,m.elra hlpot.ese a razão é o instrumento para o conhecimento

e. domin~o da re~lldade, ao passo que a fé indica o alvo, a cujo ser-VIÇ~esta tO?O calculo e domínio da realidade. O primeiro 'tipo derazao poderia ser. chamado de razão técnica, uma vez que- ela seocupa com os meros, e não com o fim. Razão nesse sentido abarcaa vida diária de cada um e domina a civilização técnica do nossotempo. A segunda significação de razão está relacionada com aquiloque, faz do homem um homem e o diferencia de todo outro ser.Ela e a base de sua língua, sua liberdade e sua capacidade criadora.

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racional pela revelação daquilo que o toca inr.onc.li iorialrn .nt . Emesmo assim: revelação é revelação ao homem qu s .ncontre noestado de alienação. Através da revelação é qucbr do o poder dalienação, mas ele não é anulado. A alienação penetra na nova xpc-riência de reve·lação assim como ela havia entrado na anlitl . [Iafaz da fé uma idolatria e confunde os portadores do incondicionalcom o próprio incondicional. Ela rouba o razão de seu poder extático,de sua tendência de se transcender a si mesma e de se voltar

para o incondicional. Devido a essa dupla distorção, ela falsificatambém a relação entre fé e razão, transformando a fé numa preo-cupação provisória, que se intromete nas preocupações provisóriasda razão e eleva a razêo, apesar de sua finitude natural, à validadeincondicional. Daí surgem novos conflitos entre fé e razão, os quaisexigem uma revelacão nova e superior. A história da fé é uma lutaconstante com a distorção da fé, e o conflito entre razão e fé é umdos mais nítidos sintomas desse dlstorcêo. As batalhas decisivas nessaluta são os grandes eventos de revelação, e a batalha realmente vi-toriosa seria uma revelação de validade última, em que a distorçãoentre fé e razão está em princípio superada. O cristia~ismo clamade si estar fundamentado em semelhante revelação. E essa umareivindicação que precisa ser comprovada sempre de novo no curso

da história.

Nesse ponto a teologia fará algumas perguntas. Ela indagará,se a natureza da fé não está distorcida sob as condições da existênciahumana. Além disso ela perguntará, se não se perde também averdadeira natureza da razão na situação de alienação do homemde si mesmo. Finalmente ela perguntará se a unidade de fé e razãoe a natureza verdadeira de ambas não precisa ser restebelecideatravés da "revelação", como o diz a religião. E se esse for o caso,a razão, em seu estado obscurecido, não terá que se sujeitar à

revelação? E não será essa sujeição sob os conteúdos da revelaçãoo sentido próprio do termo "fé"? A resposta a essas perguntas seriamatéria para toda uma teologia. Aqui só podemos tratar desseassunto em poucos traços fundsrnentais. Inicialmente precisa-se dizerque o homem é homem também no estado de alienação. Razão e fénão se perderam completamente, rolas elas não puderam manter asua natureza original, sendo inevitáveis os conflitos entre uma ra-zão usada erroneamente e uma fé di storcida no sentido da supersti-ção. A verdadeira natureza da fé e a verdadeira natureza da razãotransparecem apenas vagamente na vida real da fé e na utilizaçãoprática da razão sob as condições da alienação.

Devido a isso, alguma coisa precisa econtecer. que superetanto a distorção da fé como a da razão e restabeleça J r=laçá.) V8t"-

dedeira entre ambas. A experiência em que isso se dá é chamadade "revelação". O conceito de revelação já foi tão abusado, queapenas se pode usá-Io com hesitação, sendo que algo semelhante sedá com o conceito de razão. Na linguage~ popular, revelação signi-fica uma comunicação sobrenatural sobre Deus e sua atuação. Taiscomunicações foram transmitidas, conforme essa concepção, aos pro-fetas e apóstolos e aos autores da Bíblia, do Alcorão e de outrosescritos sagrados, no que o próprio Espírito Santo conduzia a pena.A aceitação solícita dessas doutr inações sobrenaturais, por maisabsurdas que sejam, é então chamada de fé. Cada palavra da pre-sente exposição contradiz a essa distorção do conceito de revelação.Revelação é a experiência em que uma preocupação última moveo espírito da pessoa, criando assim uma comunhão em que essapreocupação se expressa em símbolos de ação e de pensamento.

Onde isso acontece. fé e razão são renovades. Seus conflitos inte-riores e tensões recíprocas são superados, e reconciliação toma olugar da alienação. Esse é o sentido próprio de revelação; em todosos casos, é isso que ela deveria significar. Ela é um evento em queaquilo que nos toca incondicionalme·nte se manifesta, nisso fazendoestremecer e transformando a situação dada na religião e cultura.Nessa experiência não há conflito entre fé e razão. Isso porque ohomem é tomado e transformado em toda a sua estrutura de ser

2, A Verdade da Fé e a Verdade Científica

Entre a natureza da fé e a natureza da razão não existe con-flito. Isso inclui a afirmativa de que não há um conflito entre fée conhecimento no que diz respeito à sua essência. Mesmo assimsempre já se considerou o conhecimento aquela função da, razãohumana que com maior facilidade entra em conflito com a fe. Issoacontecia especialmente quando se via a fé como uma espécie in-ferior de saber, cuja verdade é, porém, assegurada pela autoridadedivina. Nós rejeitemos esse conceito falso de fé e com ele elimi-namos uma das mais freqüentes causas para os conflitos entre fée saber. Precisamos, porém, ir mais longe, mostrando a relação con-creta da fé com as diversas formas da razão cognitiva, ou seja, com

a forma das ciências naturais, da história e da filosofia. Aquilo quea fé denomina de verdade é diferente daquilo que é visto como ver-dade pelas citadas formas da razão. Ainda assim todas elas tentamalcancar a verdade, isto é, verdade no sentido do verdadeiramentereal, corno esse pode ser assimilado pelo espírito humano. Erros sur-gem quando o homem, em sua prccura pelo conheclmenlo, nãopercebe o que é verdadeiramente reJI e considera real aquilo queapenas parece ser real, ou quando ele vê o que é verdadeiramente

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real, mas o exprime de forma inadequada. Muitas vezes é difícilverificar se não foi percebido o verdadeir emente real ou se aquiloque foi reconhecido como vero apenas foi mal exprimido, pois ambosos tipos de erro se condicionam mutuamente. Em todos os casos,ern cada ato congnitivo e·stá presente verdade ou erro, ou umadas múltiplas transições entre verdade e erro. Também na fé estáatuante a capacidade cognitiva do homem. Por isso precisamos per-

guntar: Que significa "verdade" em relação à fé, quais são seuscritérios, e que relação existe entre a verdade da fé e as outrasformas da verdade com seus critérios tão diferentes?

As ciências naturais descrevem estruturas e relações do uni-verso físico, na medida em que elas podem ser verificadas experi-mentalmente e formuladas matematicamente. A verdade de uma afir-mação científica depende de quão adequadamente as leis estruturaissão descritas e confirmadas através de repetidas experiências. Todaverdade científica é provisória e sujeita a constante verificação, tantono que diz respeito à sua compreensão da realidade como no quetange a sua formulação científica. Esse elemento de insegurança nãoreduz o grau de veracidade de uma afirmação científica experimen-talmente examinada e provada. Mas ele impede todo dogmatismocientífico. Por isso é um proceüimento questionável, quando teólo-

gos, no intento de defender a verdade da fé contra a verdade daciência, chamam a atenção para o caráter provisório de toda afirma-ção científica e alegam com isso ter provido um refúgio seguro paraa verdade da fé. Isso porque, se amanhã o progresso científico res-tringir. ainda mais a área de conhecimento científico inseguro, a féterá que se recolher ainda mais. Esse é um procedimento indignoe infrutífero, pois a verdade científica e a verdade da fé fazem partedê dimensões diferente·s. Nem a ciência tem o direito ou a capaci-dade de se intrometer nos interesses da fé, nem a fé tem o direitoou a capacidade de interferir na ciência.

Uma ve·z compreendido isso, vêem-se numa luz bem diferenteos conflitos acima tratados entre fé e ciência. Na ve·rdade não setrata de um conflito entre fé e ciência, mas sim entre uma fé euma ciência que esqueceram ambas, e que dimensão pertencem.Quando os defensores da fé procuraram impedir o surgimento daastronomia moderna, eles não levaram em conta que os símboloscristãos, apesar de re·fletirem a concepção da astronomia aristotélico-ptolomaica acerca do mundo, dela não dependem. Apenas quandosímbolos como "Deus no céu", "o homem sobre a terr-i" e "demôniosdebaixo da terra" são vistos como descrição de lugares povoadoscom deuses, homens e demônios, aí a astronomia moderna precisaentrar em conflito com a fé cristã. Quando, por outro lado, repre-

sentantes da física moderna querem atribuir o r alid II, omovimento mecânico de minúsculas moléculas, n 9 n orealidade própria da vida, então e-les manifestam ü ~

subjetiva como objetivamente. Subjetivamente a clônc ipara eles aquilo que os toca incondic~onalm~nte e pelo I~,~I le',estão dispostos a sacrificar tudo, tambem a v~da, se necess I.I~ f r.Objetivamente eles criam um símbolo de,monlaco do. Ir:::on~IIl:loJ~tll,a saber, um universo em que tudo, lambem a sua parxao científic ,é devorado por um mecanismo sem sentido. t com razão que fécristã rejeita esse símbolo de fé.

A ciência só pode entrar em conflito com a ciência, e a fé apenascom a fé. Uma ciência que permanece ciência não pode contradizera uma fé que permanece fé. Isso também confere no. que. tangeoutros campos de pesquisa científica, por exemplo, a _biologia e apsicologia. A conhecida disputa entre teoria da evoluçao e te~lo~la.ião era uma disputa entre ciência e fé, mas sim entre uma ciencra,cuja fé não-exprimida rouba o homem de sua humanldade~ e. umafé, cuja expressão teológica é cunhada por uma compreensao. literalda Bíblia e portanto é distorcida. t inegável que .u~a teologia queinterprete a história bíblica da criação como deswç?o fiei ao~ fatosde um evento uma vez sucedido, forçosemente tera de colidir com

a pesquisa científica sistemática. E uma teoria da. evolução que ~x-

plica a descendência do homem de formas mais antigas da Vidade tal maneira que é anulada a diferença central entre homem eanimal, é fé, e não ciência.

Sob o mesmo ponto de vista precisamos considerar os conflitospresentes e futuros entre fé e psicologia contemporânea. A psicolo-gia moderna evita, por exemplo, o conceito de alma, porque eleparece fundamentar uma realidade que não pode :,er investigada ~ommétodos científicos. Esse receio tem a sua razao de ser, pOIS apsicologia não se deveria servir de qualquer termo que não sejaelaborado pela sua própria pesquisa científica. Ela ten: a tarefa dedescrever os processos psíquicos do homem da maneira mais ade-quada possível, e ela precisa estar sempre pronta a substituir uma

suposição por outra. Isso vale para os termos: Ego, super-ego, eu(Selbst), personalidade, inconsciente, consciente, bem como pa.ra ostermos tradicionais: alma, espírito, vontade, etc. A psicoloqia depesquisa metódica está tão sujeita à confirmaç~o científica como todaoutra ciência. E todos os seus termos e definiçôe s. mesmo os melhorfundamentados, são provisórios.

Quando, porém, a fé fala da dimensão do incondicional, naqual o homem vive e em que ele pode ganhar sua alma ou botá-Ia a

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perder, ou quando a fé fala do sentido último da existência, entãoela de modo algum contradiz a rejeição científica do conceito dealma. Nem uma psicologia que rejeite o conceito de alma pode negaressa dimensão, nem urna psicologia que conhece o conceito de almapode confirmá-Ia. A verdade sobre o destino eterno do homem seencontra numa outra dimensão que a verdade de conceitos psico-lógicos.

A psicologia profunda contemporânea em muitos casos entrouem contradição com afirmações pré-teológicas e teológicas da fé.No entanto não é difícil distinguir, nas constataçõe·s da psicologia pro-funda, entre aquilo que é observação cientificamente fundamentadaou hipótese científica, e aquilo que são manifestações de fé do psicó-logo, por exemplo a sua visão do homem, de sua natureza e destinação.Os elementos naturalistas trazidos por Freud do século XIX para o sé-culo XX, seu puritanismo convicto no campo do amor, seu pessimis-mo quanto à cultura e sua atribuição da religião a desejos racionali-zados ideologicamente são afirmações de fé, e não resultados depesquisa científica. Não se pode negar a um cientista que fala danatureza do homem e das condições de sua existência, o direitode pensar a partir de uma fé. Se, porém, acontecer que ele, comoFreud e alguns de seus discípulos, ataca as convicções de fé de

outros em nome da psicologia científica, então ele está misturandoas dimensões. Nesse caso os representantes de uma fé diferente têmrazão em se opor a esses ataques. Nem sempre é fácil, numa expo-sição psicológica, distinguir entre elementos de fé e elementos cien-tíficos, mas isso sempre é possível e necessário.

A dist inção entre verdade de fé e verdade científica deveriaalerter os teólogos contra a utilização de descobertas científicas re-centes no intuito de confirmar com seu auxílio a verdade da fé.A física sub-etôrnice. através da temia dos quantas e da relação deindeterminação colocou em questão hipóteses anteriores sobre aestrita causalidade dos processos físicos. Diante disso autores reli-giosos quiseram aproveitar esses novos conhecimentos para confir-mar suas idéias acerca de liberdade humana, capacidade divina decriação e milagres. Esse procedimento não pode ser justificado nempelo ponto de vista da física nem da religião. As teorias físicas nãotêm nenhuma relação dire·ta com o fenômeno da liberdade humanae a emissão de energia nos quantas não tem relação direta com osentido religioso da palavra milagre. Quando a teologia utiliza teo-rias físicas dessa maneira, ela está confundindo as dimensões dosaber com a dimensão da fé. A verdade da fé não pode ser nemconfirmada nem negada pelas mais recentes descobertas no campoda física, biologia ou. psicologia.

3. A Verdade da Fé e a Verdade Históric

Verdade histórica e verdade científica por n tur lcontram em níveis diferentes. A história relata eventos único,processos que se repetem, os quais podem ser verific doquer momento através de experiências. A única analogi ntrpesquisa histórica e uma experiência no campo da física é o c~ me a comparação cuidadosa de documentos. Quan?o do.cumentos .lnd -

pendentes um do outro estão concordes entre SI, enta~ ~ma afirme-cão histórica é considerada demonstrada dentro dos limites do mé-todo his tórico. Mas a pesquisa histórica não apenas relata uma sériede fatos. Ela também procura compreender esses fatos no que dizrespeito a suas origens, suas relações entre si e seu significado. P:,s-quisa histórica descreve, explica e· compreende. E compreensaopressupõe "participação". Nisso se encontra a ~if~n~nça entre =

dade histórica e verdade científica. Na verdade histórica o respectivopesquisador está participando existencialme~te, mas não na ver.dadecientífica. Já que também a verdade da fe toca o homem existen-cialmente, tentou-se fazer da verdade histórica o fundamento daverdade da fé. E inversamente chegou-se a afirmar que a fé poderiagarantir a v_erdade de afirmações históricas inseguras. Ambas asafirrnaçõ es são errôneas. O trabalho histórico genuíno exige um

método objetivo e exato, precisamente como a observação de pro-cessos físicos e biológicos. Verdade histórica é primeiramente umaverdade baseada em fatos. Nisso e·la se diferencia da verdade deum poema épico e da verdade mítica da lenda. E essa diferença édecisiva para a relação entre a verdade da fé e a verdade da histó-ria. A fé não pode confirmar ou rejeitar uma verdade que estáapoiada em fatos seguros, mas ela muito bem pode e precisa in-terpretar os fatos à luz de sua própria experiência. Com isso elatraz o aspecto histórico para dentro da dimensão da fé. Mas elanão prescreve ao historiador aquilo que ele deve achar, nem sebaseia ela em algum resultado de pesquisa histórica.

Desde que a pesquisa histórica descobriu o caráter literáriodos escritos bíblicos, esse problema se tornou cada vez mais cons-ciente no pensamento popular e teológico. Mostrou-se que o Antigo€; o Novo Testamento em seus trechos narrativos ligam elementoshistóricos, lendários e mitológicos, e que em grande parte é impos-sível separar esses elementos com segurança suficiente. A pesquisahistórica evidenciou que os relatos bíblicos acerca do Jesus históricotêm em parte um baixo grau de probabilidade. Investigações seme-lhantes sobre a fidelidade histórica dos escritos e tradições religiosasde religiões não-cristãs alcançaram o mesmo resultado. A verdadeda fé não pode ser feita dependente da verdade histórica dos re-

 

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latos e das lendas em que essa f~ se exprime'. Trata-se de umafatídica má-compreensão do sentido de fé, quando ela é igualadaa um acredifar das histórias bíblicas. Mas isso acontece em todos osníveis da exposição cienfífica e popular. Muitas pessoas dizem desi e de outros que elas não têm fé cristã porque elas não acreditamque as histórias de milagres do Novo Testamento estejam fidedig-namente documentadas. Certamente elas não o estão, e é necessárioaplicar todos os meios de um método de pesquisa filológico e his-

tórico exato para deferminar o grau de probabilidade ou impro-babilidade de uma história bíblica. Também a decisão, se a edicãoatualmente em uso do Alcorão coincide com o texto original, nã~ éuma questão de fé, se bem que todo maometano crente inabalavel-mente a ela se apega. A decisão, se grande parte do Pentateucocontém sabedoria sacerdotal da época após o exílio babilônico ouse o livro de Gênesis encerra mais mitos e lendas do que história,não é uma questão de fé. A declsão em torno da questão, se aexpectativa da catástrofe cósmica final como ela é vista nos últimos

livros do Antigo Testamento e no Novo Testamento, tem sua origemna religião persa, não é um assunto da fé. A decisão em torno dequanto material lendário e quanto de histórico está contido nas nar-rações do nascimento e ressurreição do Cristo, não é uma questãode fé, A decisão em torno de que versão dos relatos sobre os pri-

rnórdios da igreja tem o maior grau de probabilidade não e umponto de fé. Todas essas perguntas têm que ser decididas pelapesquisa histórica, cujas afirmações sempre só podem ter um graumaior ou menor de probabilidade'. Essas são perguntas em torno daverdade histórica, e não questões de fé. A fé pode dizer que a leivétero-testamentária tem validade incondicional para todos aquelesque por ela forem possuídos, independentemente de quantasdessas leis poderiam ser atribuídas a um personagem histórico,ou seja, Moisés. A fé pode dizer que a realidade apresentadana imagem neotestamentária de Jesus como o Cristo encerra força1 edentora para todos os que por ela são possuídos, independente-mente de quanto se possa afirmar com segurança acerca da pessoahistórica de Jesus de Neza ré. A fé pode garantir o seu própriofundamento: Moisés como o Legislador, Jesus como o Cristo, Maomécomo o Profeta e Buda como o Iluminado. Mas a fé não pode afirmarnada acerca das circunstâncias históricas que fizeram possível comque esses homens se tornassem portadores do divino para grandesporções da humanidade. A fé encerra a certeza sobre o seu próprio'fundamento, por exemplo, acerca de um evento na história quetransformou a história bem como o próprio crente. Mas a fé nãopode dizer nada acerca da maneira em que se deu esse evento. A

fé, por isso, não pode ser abalada pela pesquisa científica, mesmose os resultados 'da pesquisa põem em dúvida a tradição trensmi-tida em torno do evento. Essa independência da verdade históricé uma das conseqüências mais importantes da nossa compreensãode fé como estar possuído por aquilo que nos toca incondicional-mente. Isso liberta os crentes de' um peso que eles não podem maissuportar depois que a sua consciência foi alertada pela exigênciade honestidade intele-ctua 1. Se essa honestidade estivesse em con-flito irremediável com a assim chamada "obediência de fé", entãoDeus teria que ser visto como dividido em si mesmo. Ele teria cerec-terísticas demoníacas. A fé então' não seria um estar possuído emúltima instância, e sim um conflito de preocupações finitas.

4. A Verdade da Fé e a Verdade Filosófica

Nós vimos que nem a verdade científica nem a verdade histó-rica podem confirmar ou contraprovar a verdade da fé. O mesmotambém se dá inversamente: a verdade da fé não pode nem con-firmar nem negar a verdade científica ou a histónca. Levanta-seagora a questão, se também a verdade filosófica tem semelhante- relação com a verdade da fé ou se aqui a situação é mais cornpli-cada. Esse realmente é o caso, e essa dificuldade da relação entrea verdade da filosofia e a da fé também complica a relação da ver-dade científica e histórica com a verdade da fé em grau mais alto doque parecia na exposição precedente. Essa. é a motivação para asinúmeras dissertações sobre a relação entre fé e filosofia e para aopinião corrente de que a filosofia seria o inimigo e destruidor dafé. Teólogos já foram muitas vezes acusados de haver traído a fépor se terem servido de conceitos filosóficos a fim de explicar a fépara uma comunidade religiosa.

A dificuldade de toda discussão em torno da natureza da filo-sofia está em que a definição de filosofia depende da filosofiadaquele que está definindo, Isso é inevitável. Mas mesmo assim existeno campo pré-filosófico uma ampla concordância a respeito da na-tureza da filosofia, e numa exposição como a presente nada nosresta senão utilizarmos a concepção pré-filosófica. Pode-se entãoentender sob filosofia a tentativa de responder às perguntas maisgerais acerca da natureza das coisas e sobre a existência hurnana.As perguntas mais gerais são aquelas que não se relacionam comum determinado campo da realidade, como natureza ou história, mascom o ser como tal, como ele serve de base para todas as áreasdaquilo que é. A filosofia procura categorias gerais, dentro dasquais se encontra e se experimenta. aquilo que é.

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Se é pressuposta essa concepção acerca da natureza da filoso-fia, podemos definir da seguinte maneira a relação entre verdadefilosófica e· verdade de fé: Verdade filosófica é verdade no quetange o ser e suas estruturas; verdade de fé é verdade no que dizrespeito àquilo que nos toca incondicionalmente. Até aqui o rela-cionamento se assemelha com aquele entre verdade de fé e· ver-dade científica. Uma diferença digna de nota consiste, porém, deque no incondicional procurado pela filosofia e na preocupação

incondicional em torno da qual gira a religião existe um ponto emque ambos se tocam. Na filosofia e na religião se procura e se tes-temunha a verdade última; na filosofia isso se dá em termos con-ceituais, na religião em termos simbólicos. Verdade filosófica sebaseia em conceitos verdadeiros, que dizem respeito à realidadeúltima, a verdade da fé consiste da verdade dos símbolos para aquiloque nos toca incondicionalmente. A relação entre conceito e sím-bolo é o problema com que nos temos de ocupar.

Nesse contexto talvez se fará a pergunta: Por que é que a filo-sofia usa conceitos e a fé usa símbolos, se ambos exprimem o mesmoincondicional? A resposta só pode soar: Isso é necessariamente assim,porque nos dois casos a relação com o incondicional não é a mesma.Em princípio, a filosofia procura uma descrição objetiva das es trutu-

rasbés ic es

em que se apresenta o incondicional. A relação da fécom o incondicional é, em princípio, uma asserção existencial sobreaquilo que toca o crente incondicionalmente. A diferença é óbviae fundamental. Mas, como o diz a expressão "em princípio", trata-sede uma diferença que não é mantida na praxis, seja da filosofia ouda fé. Isso também seria impossfvel, porque o filósofo é um serhumano para o qual existe alguma coisa que ele consciente ou in-conscientemente leva a sério incondicionalmente. E o crente é umser humano que tem a capacidade bem como a necessidade de en-tender em termos conceituais. Isso envolve em profundas conse-qüências para a vida da filosofia no filósofo e para a vida da fé nocrente.

Uma análise de sistemas filosóficos e de obras filosóficas detodo tipo mostra que a direção em que o filósofo pergunta e as

respostas que ele prefere não dependem apenas de reflexões lógicas,mas também daquilo que o toca incondicionalmente. Os grandesfilósofos não possuíam apenas grande capacidade de reflexão, mastambém a maior paixão na apresentação daquilo que' os possuía in-condicionalmente. Isso vale para os antigos filósofos hindus e gregosbem como para os modernos, de leibniz e Spinoza até Kant eHegel. Também a linha positivista de locke e Hume até o positi-vismo lógico de hoje em si não constitui exceção a essa regra.

O campo a que se restringem esses filósofo, tt' r 1 1 1

mento e análise da linqueqern filosófico-cicntlflc,i, nuosentido tradicional, mas é também para eles uma 'lu ItI

seriedade e paixão filosófica.

A filosofia conjuga a paixão pelo conhecimento om I t I ! ", t I

vação estritamente objetiva das formas em que o ser s n VI 1 0 1

nos processos do universo. A experiência do incondicional n prfundidade da investigação filosófica é a fonte da verdade de f 'lunela está abrigada. A visão filosófica da natureza e da situ ç O

humana é uma junção de fé e pensamento. A filosofia não é apenaso colo materno de onde partiram as ciências naturais e a pesquisahistórica, ela permaneceu inseper evelmente ligada com toda ciênciaaté o dia de hoje. O sistema de referências em que todos os grandesfísicos enquadraram o todo de SUilS investigações é filosófico, mesmose a sua verdade s6 é demonstrada com métodos científicos. Emcaso algum esse quadro sistemático é resultado de sua pesquisa,uma descoberta cicntlfice , por assim dizer. Sempre' é uma visãoda totalidade do ser, que determina consciente ou inconscientementeo esquema de seu pe·nsamento. Uma vez que isso é assim, pode-sedizer que também a visão científica do mundo encerra um elementoda fé. t com razão que os cientistas se opõem a que fé e pressupo-

sições filosóficas influenciem as suas investigações. Em grande parteeles o conseguem fazer. Mas mesmo uma experiência empreendidacom todas as precauções nesse sentido não é livre de elementossubjetivos. O observador pode ser tão pouco excluído como a in-

fluência exercida pela maneira de ele perguntar a naturez e sobre opróprio resultado da pesquisa. Ni.E·smo em seu trabalho, o cientistapermanece um ser humano que está possuído por algo último eincondicional E' que pergunta pelo segredo do ser; e justamente essaé a pergunta filosófica.

Da mesma maneira também o historiador é, consciente ou in-conscientemente, um filósofo. Seu trabalho, na medida em que eleultrapasse a simples pesquisa de fatos, se baseia na avaliação defatores históricos como a natureza do homem, sua liberdade, seu

condicionamento e seu desenvolvimento no decorrer do tempo. Emesmo na localização de fatos históricos estão presentes pressuposiçõesfilosóficas. Isso vale em primeiro lugar para a questão de quais fatos,dentre o número infinito de eventos, podem ser considerados comohistoricamente importantes. Além disso, o historiador se vê forçadoa se manifestar acerca do valor e da fidedignidade de suas fontes -um empreendimento que não é independente da rnterpretação danatureza humana. As pressuposições filosóficas estão patentes ali

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onde uma obra histórica dá seus vereditos acerca da importânciade acontecimentos históricos para a existência humana. Mas ondehouver filosofia atuando, ali se encontra um elemento de fé, pormais que esse se oculte por detrás da paixão do historiador pelosfatos reais.

Essas considerações mostram que apesar de suas diferençassignificativas, a verdade filosófica e a verdade da fé estão conju-gadas em toda filosofia e que essa conjunção tem conseqüências

tanto para o trabalho do cientista como para o trabalho do histo-riador. Essa conjunção foi denominada de "fé filosófica" (Jaspers).Esse termo é enganoso, porque aparenta misturar a verdade filosó-fica com a verdade da fé. Além disso ele parece dar a entender quesomente existe uma fé filosófica, uma "philosophia perennis", comofoi denominada. Mas a palavra "perennis" só vale para as perguntasfilosóficas, e não para as respostas filosóficas. Existe apenas umprocesso constante' de interpretação mútua entre elementos filosó-ficos e elementos da fé, mas não há algo como uma fé filosófica.

A verdade filosófica encerra verdade de fé, e na verdade de féestá contida verdade filosófica. Para se compreender isso, é neces-sário comparar a expressão conceitual da verdade filosófica com aexpressão simbólica da verdade da fé. Pode-se dizer que a maioria

dos conceitos filosóficos tem raízes mitológicas, e que a maior partedos símbolos mitológicos contém elementos conceituais. Esses sãoelaborados assim que a consciência filosófica é despertada. A idéiade Deus encerra os conceitos do ser, da vida, do espírito, da unidadee diversidade. No símbolo da criação estão contidos os conceitos definitude, medo, liberdade e tempo. O símbolo da "queda de Adão"abarca a idéia da natureza essencial do homem, de sua contradiçãoconsigo mesmo e de sua alienação de si mesmo. Somente porquetodo símbolo mitológico tem em si a possibilidade de formação determos filosóficos é que é possível a "teo-loqia", e em cada umdesses símbolos está a semente de toda uma filosofia. No entanto,a fé não determina o movimento do pensamento filosófico, tampoucocomo a filosofia determina aquilo que toca o homem incondicional-mente. Símbolos de fé podem abrir os olhos do filósofo para di-mensões da realidade, as quais ele· nunca teria divisado sem essessímbolos. Mas a fé não exige uma determinada' filosofia, se bemque igrejas e teologias tenham feito essa reivindicação em todas asépocas, e usaram Platão, Aristóteles, Kant ou Hume para seus fins.As sementes filosóficas nos símbolos da fé podem ser desenvolvidasde muitas maneiras, mas a verdade da fé e a verdade da filosofianão dependem uma da outra.

5. A Verdade da Fé e seus Critérios

Em que sentido pode-se falar gorl' dd v rdade da fé, já queela não pode ser julgada por nenhum outro tipo d verdade - nempela cientlfice. nem pela histórica, nem fi I·) f .losóftce ? A respostaprocede da própria natureza da fé: ela o sier pos uído por aquiloque nos toca incondicionalmente. Como acont c com o conceito de"aquilo que nos toca incondicionalmente", tem m resposta temum lado subjetivo e· um lado objetivo, e v rd d d f tem que

ser compreendida sob ambos os aspectos. A p rtir do lado subjetivodeve-se dizer o seguinte: Fé é "verdadeira" qu f do I exprimeadequadamente uma preocupação incondicion I. Vi t do lado obje-tivo, fé é "verdadeira" quando seu conteúdo é r 1m nt o incondi-cional. A primeira resposta reconhece que verd d d f está con-tida em todos os símbolos e tipos genuínos d . f . Com isso sãojustificadas ao mesmo tempo todas as religiões hi t ó r i c s. e suahistória se torna compreensível como a história d quilo que toca.0 homem em última e incondicional instância, como história desua resposta a manifestações do sagrado em muitos lug res e sobmuitas formas. A segunda resposta indica um critério incondicional,pelo qual as religiões históricas são julgadas, não no sentido denegação, mas no sen-tido de um "sim e não".

Fé tem verdade na medida em que ela exprime adequadamenteuma preocupação .ncondicional. Esse é o caso quando o poder doincondicional nela surge de tal maneira que provoca no homem umaresposta, ação e comunhão. Símbolos capazes de causar semelhantesefeitos estão vivos. Mas a vida dos símbolos é limitada; a relaçãodo homem com o incondicional está sujeita a transformações. Con-teúdos ~e preocupação última desaparecem ou são substituídos poroutros. As vezes acontece que a encarnação do divino num deter-minado personagem a uma certa altura da história não despertamais aquele eco no homem; ela não é mais um símbolo de validadeuniversal e perde o poder de conclamar à ação. Há símbolos queexprimem a verdade da fé por algum tempo num determinado lugarpara uma certa comunhão e que hoje apenas ainda lembram a féde uma época passada. Eles perderam a sua verdade, e é questioná-

vel se símbolos mortos podem ser reanimados. Provavelmente issoé impossível. Se olhamos desse ponto de vista a história da fé atéo dia de hoje, evidencia-se que· os critérios para a verdade da féconsistem de sua vitalidade. Esse critério certamente não é exatono sentido científico, mas ele é uma escala prcítica para se julgarcom acerto o passado com sua profusão de símbolos evidentementeextintos. Para o presente, no entanto, esse critério é difícil de aplicar,porque não se pode dizer com certeza que um símbolo está defi-

 

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rurivarnente morto enquanto ele ainda é aceito por alguém emalgum lugar. Poderia ser que ele, por assim dizer, apenas estejaadormecido, e então não se pode excluir a possibilidade de umreavivamento.

O outro critério que decide sobre a verdade de um símbolode fé é a sua capacidade de expressar em toda a sua plenitude aincondicionalidede do incondicional, excluindo assim tudo dentro desi que é menos do que incondicional. O símbolo não pode se tornar

um ídolo. Pois esse é o perigo de todo símbolo da fé. Calvino des-creveu o espírito humano como uma fábrica em que constantementeestão sendo produzidos ídolos. Nenhum tipo de fé se eleva acimadesse pe·rigo, e mesmo o protestantismo, que está muito conscientedele, não lhe escapa. Também ele é passível de distorções demo-níacas e precisa medir-se a si mesmo com o mesmo critério com queele mede outras religiões. Todo tipo de fé tem a tendência deelevar seus símbolos concretos à validade absoluta. Por isso o critériopara a verdade da fé está em que ele contenha em si um elementode auto-crítica. O símbolo de fé que mais se aproxima da verdadeé aquele que exprime não apenas o incondicional, mas ao mesmotempo a sua própria falta de incondicionalidade. O cristianismo possuiesse símbolo de rnaneirz, perfeita na cruz do Cristo. Jesus nãopoderia ter-se tornedo o Cristo, se ele como Jesus não se tivesse

sacrificado a si mesmo como o Cristo. Toda aceitação de Jesus comoo Cristo que não inclu o mesmo tempo a aceitação do Jesus cruci-ficado/ é uma form d ido I tria. A preocupação última do cris tãonão é Jesus, e sim O Cristo no Jesus crucificado. O evento que criouesse símbolo é ;:;0 mesmo tempo o critério a parlir do qual a ver-dade do cristianismo e a verdad d todas as outras religiões pre-cisa ser julgada. A única verdade incondicional da fé, aquela ver-dade na qual o incondicional se revela a si mesmo como incondicio-nal, é o fato de que toda afirmação da fé se encontra sob um "sime não".

Orie·ntado por esse critério, o protestantismo se voltou contraa igreja romana. Não foram tanto as doutrinas que cindiram asigrejas na época da Reforma, mas sim a redescoberta do princípio

básico de que nenhuma igreja tem o direito de se colocar no lugardo incondicional. Toda verdade de uma igreja é julgada a partirdo incondicional, e aquilo que· vale para a igreja .também vale paraa Bíblia. A pesquisa protestante mostrou que existem muitos es tratosdentro dos escritos bíblicos, e que por isso é impossível identificara Bíblia como um todo com a verdade da fé. Também sobre ahistória da religião e cultura restante· está o "sim e não". Trata-sede um "sim", porque é aceita toda verdade da fé, seja em que

forma ela apareça na história da religião; e é um "não", porquenenhuma verdade de f reconhecid como incondicional, a nãoser aquela que diz que n nhuma pessoa a pode possuir. O fato deque esse critério coincid com o princfpio protestante e se tornourealidade na cruz do Cri to p rfaz grandeza do cristian ismo pro-testante.

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VI. A VIDA DA F~

1_ Fé e Coragem

Tudo que foi dito t lui c rc da fé foi tomado da expe-riência real da fé, ou/ findo fi ur demente, da vida da fé. Essaexperiência deverá ser o unto do último capítulo dessa expo-sição. A "dinâmica da f " n o mostra apenas nas tensões e nosconflitos do conteúdo de f / m t mbém na própria vida da fé.

Onde houver fé, el viv r n tensão entre a participação noincondicional e o estar S p Ir o d 10. Nós usamos a imagem do"estar possuído" a fim de d cr -v r a relação com o incondicional.Dada a natureza do estar po ul 0/ quele que está possuído e aquilode que ele é possuído tem, por ssim dizer, um lugar em comum.Sem participação no objeto d ue se está possuído não é possívelverdedeirc estar possuído. N s ntido todo ato de crer pressupõe

participação naquilo para qu stá dirigido.· Sem uma experiênciaanterior do incondicional n O pode have·r fé no incondicional. Otipo místico de fé salientou com a maior ênfase essa relação; nissose encontra a sua verdade, u não pode ser destruída por nenhumateologia de "mera fé". Som r ·velação de Deus no homem não épossível a pergunta por D us pela fé em Deus. Não existe fé semparticipação no objeto d f.

Mas a fé deixaria de s r fé sem o elemento oposto da separação.Quem crê também está sep r do do objeto .de sua fé; de outro modoele o possuiria. Então h v ri certeza direta, e não fé. O elementodo "assim mesmo" faltari fé. A situação do homem, sua finitudee alienação impedem a p rticipação direta no incondicional. Aquidespontam os limites d mlstica. Não há fé sem o elemento daseparação do que é crido.

Do elemento de p rticipação advém a certeza da fé; do ele-mento da separação resulta a dúvida dentro da fé. Ambas são parteda natureza da fé. As vezes a cer teza vence sobre a dúvida, semjamais conseguir anulá-Ia completamente, às vezes a dúvida vencesobre a fé, encerrando, porém, em si elementos da fé, senão elaredundaria em indiferença total. Nem a fé pode desaparecer nadúvida, nem a dúvida na fé, se bem que cada uma das duas se

 

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pode perder quase que completamente na vida da fé. Mas uma vezque nenhum ser humano é capaz de viver sem uma preocupaçãoúltima, tanto fé como dúvida sempre estão por natureza presentesno homem.

Fé e dúvida têm sido colocados como opostos, exaltando-se a'certeza da fé como o fim de toda dúvida. E verdade que existesemelhante serenidade muito além das agitadas lutas entre fé edúvida; e alcançar esse estado é um desejo natural e justo. Masmesmo quando ele é atingido - como, por exemplo, por santos oupor pessoas que estão firmes em sua fé -, nunca está ausente oelemento da dúvida. Nos santos a dúvida aparece, como o mostramas lendas em torno dos santos, sob a forma de tentação, a qualaumenta na medida em que cresce a santidade. Nas pessoas queclamam ter uma fé inabalada, o farisaísmo e o fanatismo são fre-qüentemente a prova infalível de que a dúvida provavelmente foireprimida ou de fato ainda está atuando secretamente. A dúvida r.ãoé superada pela repressão, e sim pela coragem. A coragem não negaque a dúvida está aí; mas ela aceita a dúvida como expressão dafinitude humana e se confessa, apesar da dúvida, àquilo que tocaincondicionalmente. A coragem não precisa da segurança de umaconvicção inquestionável. Ela engloba o risco, sem o qual não épossível qualquer vida criativa. Quando, por exemplo, a ?reocupaçãoincondicional de uma pessoa é a convicção de que Jesus é o Cristo,então semelhante fé não é um questão de certeza isenta de dúvida,e sim de coragem que se arrisca, que encerre o perigo do fracasso.Mesmo quando a confissão "Jesus 6 o Cristo" é exprimida com aconvicção mais profunda, ela contém risco e coragem. A própria"confissão" indica isso (11).

Tudo isso é válido para a fé viva, para a fé como uma preo-cupação viva, e não como atitude meramente tradicional, uma ati-tude sem tensões, sem dúvidas e sem coragem. Semelhante fé tra-dicional, isto é, a forma de fé de muitos cristãos de igreja de hojee da sociedade toda, carece do caráter dinâmico que é próprio à féviva. Poder-se-ia dizer que essa fé convencional é um resquíciomorto de antigas experiências vivas do incondicional. Ela es tá morta;

mas ela pode ser ressuscitada, pois também a fé petrificada viveem símbolos. Nesses símbolos ainda está contido o poder da fé ori-ginal; por isso não se deveria subestimar a importância de uma ati-tude tradicional de fé. Ela não é fé viva; mas ela é fé "adormecida",

que pode ser despertada novamente para a fé viva. Esse fato éespecialmente importante para a educação. Não é insensato familia-rizar crianças e jovens com os símbolos da fé, já que neles' seexpressa a fé viva de gerações anteriores. Mesmo assim isso é simul-taneamente perigoso, um vez que a fé destarte transmitida podeficar presa à tradição, sem nunc tingir a fé como tal. O reconheci-mento desse perigo levou qu alguns educadores hesitassem emtransmitir a jovens quaisqu r ímbolos tradicionais que fossem, de

modo a preferirem esperar at qu surjam por si perguntas pelosentido da vida. Semelhant orl nt ç o pode levar a uma pujantevida de fé; mas ela também pode f zer com que surjam o vazio eo cinismo, sendo que, em r ç o, o v zio surgido é depois preen-chido por símbolos concretos, m d monlecos.

Fé viva contém a dúvid r pito de si mesma, a coragem eo risco de suportar essa dúvld . A m smo tempo há em toda féum elemento de certeza im di t, u não está sujeita à dúvida,à coragem e ao risco - a cert 1 d pr Sprlo incondicional. A pessoaexperimenta o incondicional em p Ix o, medo, desespero e êxtase;mas ele nunca o experimenta d modo direto, mas sempre no en-contro com um conteúdo concr I.O Incondicional é experimentadono, com e através do conteúdo con r 10, e apenas o espírito que

investiga analiticamente o pod compr ndor teoricamente. (TaJ con-sideração teórica é em si o obj tlvo d s livro.) Por esse caminhochegamos a definir a fé como o t r po surdo por aquilo que nostoca incondicionalmente. Mas vld d f é está além de semelhanteanálise. Esta, porém, revela qu dúvid ante o conteúdo concretode uma preocupação incondiclon I dirige contra a fé em suatotalidade. E diante disso a fé como to d pessoa inteira precisa seconfirmar na coragem.

O uso da palavra "cor 9 m" n se contexto (12) necessita deuma explicação, especialmente no que tange a sua relação com afé. Em termos bem breves se pod ri dizer: A coragem é o elementoda fé que incorre no risco da fó. NSo se pode substituir a fé pelacoragem; mas também não se pode separar a fé da coragem. Nasobras dos místicos a "visão do ser" é descrita como um ser em que

é transcendido o estado de crer. Isso se dá ou após o decurso davida terrena ou em raros momentos já aqui na terra. Na união per-feita com a base divina do ser é anulada a separação, e com essase elimina incerteza, dúvida, coragem e risco. O finito é englobadono infinito; ele não é extinto, mas também não está mais separadodo infinito. Esse não é, porém, o estado cotidiano da pessoa, na

11) N. do T,: Essa afirmação vale para o termo alemão "Bekenntnis". O autor não afaz na versão anterior, inglesa, com referência ao termo inglês "confession", queestá próximo ao português; mas, no que tange o termo português "conf issão", elatem a mesma validade. (12) Cf. a exposição detalhada no meu livro nA Coragem de Ser", loc. cito pp. 1ss.

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qual antes prevale'Cem finitude e separação, e com essas a fé ea coragem de se arriscar. O risco diz respeito ao conteúdo concretode uma preocupação incondicional. Nisso pode acontecer que nãoé o ve·rdadeiramente incondicional que está contido na fé, e simalgo condicionado, do qual foi feito um ídolo. Dessa maneira ospróprios desejos podem determinar o conteúdo da fé; mas tambémpode acontecer que os interesses do grupo social a que pertencemosnos prendam a tradições mortas, levando a uma espécie de idolatria.

Ou também pode acontecer que uma porção limitada da realidade étransformada num ídolo como no politeísmo antigo e novo, ou setenta abusar do incondicional para os fins arbitrários do crente, como,por exemplo nas práticas mágicas de todas as religiões. Sobretudo,porém, o portedor, o invólucro do sagrado, é confundido com o pró-prio sagrado. Também isso se dá em todos os tipos de· fé, consistin-do esse desde o início um perigo especial para o cristianismo. Umprotesto contra semelhante confusão encontramos na exclamação deJesus no evangelho de João: "Quem crê em mim, crê, não em mim,mas naquele que me enviou." Mas dogma, liturgia e devoção popu-lar não permaneceram isentos dessa confusão. O cristão sabe dapossibilidade e quase inevitabilidade da distorção idólatra. Mas eletambém sabe que na imagem do próprio Cristo está dado o juízosobre tudo que é id61atra - na cruz. Da cruz também provém a

mensagem dirigida ao homem, a qual perfaz o âmago do cristianis-mo e antes de tudo possibilita a coragem de crer no Cristo: a men-sagem de que a sop eraç êo ntre Deus e homem foi superada pelopróprio Deus a despeito de todos os poderes separadores da des-truição. Semelhante poder da separ ção é a dúvida, a qual procuraimpedir a coragem de aceitar a fé. Mas mesmo então a fé pode serarriscada, uma vez que permanece a certeza de que até uma féque fracassa não pode separar o homem do incondicional. Essa é aúnica certeza absoluta da fé, a qual corresponde ao único conteúdoabsoluto da fé: em nossa relação com o incondicional nós sempresó podemos receber, e nunca dar. Nós nunca seremos capazes detranspor a distância infinita entre o infinito e o finito a partir denós mesmos, a partir do finito. A risco do fracasso, do erro e daidolatrização, porém, pode ser suportado, porque também o fracasso

não nos pode separar daquilo que nos toca incondicionalmente.

empresta a todos os outros interesses a sua profundidade, direção eunidade, fundamentado assim o homem como pessoa. Uma vida decaráter realmente personal é integral e unida em si; o poder quecria essa integridade da pessoa é a fé. Semelhante afirmação seriaabsurda, se fé fosse o dar crédito a coisas que não se podem demons-trar. Mas essa afirmação não é absurda, e sim evidentemente ver-dadeira, se fé é o ser atingido por aquilo que nos toca incondicio-r.alrnente.

Uma preocupação incondicional se man ifesta em todas as áreasda realidade e em todas as xpressões de vida da pessoa. Isso porqueo incondicional não é um objeto entre outros, e sim a base e origemde todo ser, e como tal, o centro unificador da vida como pessoa.Estar sem uma preocupação incondicional significa estar sem umcentro. Desse estado o homem só pode se aproximar, mas nuncalhe estará completamente ntr que. pois um ser humano sem centroalgum deixaria de ser hum no. Por esse motivo não se pode con-ceber que haja alguém s m uma preocupação incondicional e por-tanto sem fé.

O centro da pessoa une todos os elementos da vida da per-sonalidade: as forças corporais, inconscientes, conscientes e intelec-tuais. Do ato . de fé particip todo nervo do corpo humano, toda·

aspiração da alma, todo impulso do espírito humano. Mas corpo,alma e espírito não são três partes isoladas do homem. Elas sãodimensões do ser pessoa e sempre estão entrelaçadas; pois o homemé uma unidade, e não um composto de diversas partes. Fé, por isso,não tange somente o espírito ou apenas a alma ou exclusivamentea vitalidade, e sim ela é a orientação da pessoa inteira em direçãoao incondicional.

Fé é um ato de paixão infinita, e paixão não é possível semligação ao corpo, mesmo se se trata de paixão intelectual. Tambémo corpo participa de todo ato de fé genuína. Isso pode acontecerde múltiplas formas, tanto em êxtase vital, como pela ascese queleva à êxtase espiritual. Mas seja em realização de vitalidade ou naautonegação, o corpo sempre faz parte da vida da fé. O mesmovale para as aspirações inconscientes da alma. Elas é que determi-nam a escolha dos símbolos religiosos e dos tipos de fé. Por issotoda comunhão de fé procura influenciar o inconsciente de seuscrentes , especialmente entre a geração jovem.

Quando a fé de uma pessoa se exprime em símbolos que cor-respondem a seus impulsos inconscientes, esses impulsos deixamde ser caóticos. Eles não precisam mais ser reprimidos, uma vezque eles experimentaram uma "sublimação" legítima e estão unidos

2. A Fé e a Integração da Pessoa

O que acabamos de dizer explica a importância da fé para odesenvolvimento da pessoa humana. Uma vez que fé é estar pos-suído por aquilo que nos toca incondicionalmente, a ela se subordi-nam todas as preocupações provisórias. A preocupação incondicional

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o gir consciente da pe-ssoa. A fé também dirige a vida conscientedo homem na medida em que ela lhe dá a preocupação mais íntimano âmago do seu ser. Um dos grandes problemas de toda vida dopersonalidade é a divergência dos conteúdos do consciente. Quandofalta um ce·ntro unificador, a multiformidade infinita do mundo aoredor e dos processos espirituais interiores pode levar à cisão oumesmo desintegração total da personalidade. Nada há que possaproteger contra essa constante ameaça senão a força unificante do

estar possuído incondicional. Isso pode acontecer de diversas ma-neiras. Uma possibilidade é a disciplina com que uma pessoa dispõea sua vida de modo ordenado; outra é a meditação. Também abusca de um alvo determinado e a dedicação a uma outra pessoasão caminhos pelos quais se pode realizar o estar possuído incondi-cionalmente. Todos esses caminhos pressupõem fé; nenhum delespode levar à meta sem fé. A vida intelectual do homem, as obrasde um artista, a pesquisa científica, a atuação ética ou política sãoexpressões conscientes ou inconscientes de uma preocupação última.Somente assim elas são pree·nchidas de paixão e de eros criativos,com isso recebendo unidade e profundidade.

Nós mostramos como a fé dá forma e une a todos os elementosintelectuais, emocionais e corporais da pessoa e como ela representaa força integradora como tal. Essa imagem do poder da fé contém,porém, apenas as cores alegres e não os aspectos sombrios da desa-gregação e do mórbido, que podem impedir a fé de criar uma vidaintegral da personalidade, mesmo naquelas pessoas em que a forçade fé se manifesta de modo mais visível: nos santos, místicos e pro-fetas. O homem nunca vive e·xclusivamente a partir de um centro davida. Em todos os âmbitos de seu ser atuam forças corruptoras.Pode-se dizer que a força unificadora da fé possui efeito terapêutica.Essa constatação necessita, porém, de um esclarecimento, isso porcausa dos múltiplos mal-ente-ndidos sobre a relação entre fé e cura.Tanto no uso dos te rmos como também na compreensão do assuntoé necessário distinguir a força integradora da fé daquilo que sedenominou de "cura pela fé". "Cura pela fé" no sentido em que éusada essa expressão, é a tentativa de- ajudar a outros ou a si mesmo

através da concentração psicológica sobre as forças terapêuticas nosoutros ou em si mesmo. Semelhantes forças terapêuticas existem nanatureza e no homem e podem ser reforçadas através do esforçopsicológico. Sem qualquer depreciação se poderia falar aqui daaplicação de práticas "mágicas"; e não há dúvida de que existemagia terapêutica tanto nas relações entre as pessoas como tambémna autosugestão do homem. Essa é uma experiência cotidiana, e énotável às vezes a intensidade e o sucesso dessas forças. Mas aqui

não se deveria utilizar a palavra "fé", e esses processos não deve-riam ser tomados como uma prova para a capacidade terapêuticade um estar possuído incondicional.

A força integradora da fé numa situação concreta depende dascondições subjetivas e ob] tivas. Quanto ao aspecto subjetivo tudodepende do grau de abertur de uma pessoa para o poder da fée da força e paixão de sua pr ocupação suprema. Essa abertura éuma dádiva e não pode ser provocada intencionalmente, ela é o

que a religião chama de graç . O I do objetivo é o grau em quea fé superou em si o perigo d idol tria e está dirigida para 0 queé verdadeiramente incondicional. A ido I tria não tem continuidade.Ela pode estar carregada de p ix o xcrcer poder integrador. Elapode curar e levar a personalid d unidade. Os deuses do poli-teísmo possuíam poderes de cur , n o apenas no sentido mágico,mas também como transmissores d r novação genuína. Também osobjetos da idolatria secularizad mod rn , como a "nação" ou "ven-cer na vida" tem capacidade ter p ulic , n ê o apenas pela fascinaçãomágica de um "lider". de um 10 n u de uma promessa, mastambém pelo fato de criarem lar f um vida provida de sentidopara impulsos que de outro modo n o od riam realizar-se. Mas abase dessa integração é muito cstr it . f\ f idólatra desmorona maiscedo ou mais tarde, e a ·niséria s 10m pior do que antes. Aquela

área limitada da realidade que s I v r categoria de incondicio-nal é atacada em nome de outras pr ocu: IÇO s finitas. A consciênciase fende no momento exato em qu d um alto valor a cada umadas preocupações em conflito. A r li7aç~0 dos impulsos inconscien-tes não dura; eles são reprimidos ou irrompcm desenfreadamente.Desaparece o poder orientador do p/rito porque o objeto a queele se dirigia perdeu seu poder d conv nccr. A atividade espiritualcriadora se torna cada vez mais sup rficial; ela fica vazia, já quenão há nenhum sentido infinito qu lho empreste profundidade. Apaixão da fé se transforma num suport r de dúvidas não superadase em desespero, sendo que em muitos casos o último recurso é afuga para a neurose ou a psicose. A f idólatra desintegra e destróimais do que a indiferença, exatament porque ela é fé e pode pro-vocar uma integração passageira.

A fé é dotada de poder de cura; por isso precisamos perguntaragora em que relação ela se encontra com outras forças terapêuticas.A possibilidade de influência de pessoa para pessoa nós já men-cionamos, mas ainda não tratamos da arte médica e- de sua aplicaçãobem como de suas pressuposiçõe·s científicas e técnicas. Existe umgrande número de métodos de cura, dos quais nenhum pode rei-vindicar ser o único válido. Mas é possível fixar metodicamente cada

 

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um deles a uma determinada tarefa. Talvez se poderia dizer que acapacidade curadora da fé se estende à pessoa inteira, indepen-dentemente de quaisquer distúrbios específicos do corpo ou doespírito, e que ela atua em cada momento de nossa vida, seja emsentido positivo ou negativo. Ela precede todas as outras possibili-dades de cura, as acompanha, transcende e Ihes segue. Mas elasozinha não é suficiente para o desenvolvimento do homem como"pessoa"; isso porque o homem, em conseqüência de sua finitude e

alienação, não é um todo, e sim está fendido em diversos campos.Cada um desses campos pode decair independentemente dos outros.6rgãos isolados do corpo podem adoecer sem que surja algumadoença mental; e doenças mentais são poss íveis sem que hajaproblemas visíveis no corpo. Em algumas formas de enfe·rmidadepsíquica, especialmente na neurose, e em quase todas as doençasdo corpo, a vida intelectual pode permanecer completamente sadiae até ganhar força e intensidade. A arte médica precisa intervirsempre que um aspecto parcial de toda a personalidade adoece pormotivos externos ou internos. Isso vale tanto para a psicoterapiacomo par a medicina em geral. Não existem conflitos entre seusmétodos e cura que pode ser alcançada pela fé; tàmbém está claroque nenhuma intervc·nção médica - também não a psicoterapia -pode levar à inlegração da pessoa como um todo. Isso só a fé con-

segue fazer. As tcn sõ s entre as duas formas de terapia desapare-ceriam se elas r conh c ssem suas tarefas específicas e seus limitesdeterminados. Elas nt ão t mbém não mais se deixariam perturbarpelo terceiro m étod o d cur, ou seja, a concentração mágica. Elasaceitariam sua ajud ,s b m qu centuando as possibilidades limi-tadas de·sta.

Existem tantos tipos de personalidedes integradas como hátipos de fé. Além disso, porém, há ainda um tipo que reúne em simuitos traços dos outros tipos de integração pessoal. Trata-se dotipo de pe·rsonalidade criada pelo cristianismo primitivo que semprede novo surgiu e se perdeu no curso da história da igreja. Suanatureza não pode ser descrita apenas a partir da fé; isso porque elaainda reúne dentro de si outras características. Para compreendê-Ia,

é necessário responder primeiro a questão do relacionamento entre

fé e amor e da relação entre' fé e ação.

3. Fé, Amor e Ação

A questão sobre a relação da fé com o amor e a ação semprefoi colocada desde que o apóstolo Paulo passou pela experiênciade que é a fé no perdão divino e não a ação do homem que o fazaceitável perante Deus. As respostas são diversas, dependendo de

se a fé é entendida como um acreditar ou como o estar possuído poraquilo que nos toca incondicionalme·nte. No primeiro caso é contes-tado que amor e oção dependam diretamente da fé; no segundocaso amor e ação estão contidos na fé c dei não podem ser separados.Apesar de todos os enganos mal- ·nlendidos na interpretação dafé, a última é a doutrina clássic d igreja, a qual muitas vezes foibastante mal expressa.

Só se é possuído incondicion Imente por aquilo a que se per-

tence pela própria essência, m -srno qu ndo se está dele separadoexistencialmente. Como vimos, f n-o é a mesma coisa que a visãoperfeita de Deus. Essa não conl c dentro do tempo. Mas existeuma aspiração infinita de ale nç r s m Ih nte visão, em que é con-seguida a re-união do que Si 5 P r do. E o impulso para a re-união do separado é o amor. 1\ pr ocup ção da fé coincide com oalvo do .ernor. ambos procuram r conciliação com aquilo a quese pertence e de que se est li n do. No "grande mandamento"do Antigo Testamento, o qu I foi confirmado por Jesus, Deus éambas as coisas: o objeto daquilo qu nos toca incondicionalmentee o objeto de amor irrestrito. D 5 mor se deduz o amor que sedirige àquilo que é "de Deus", isto é: o próximo e a própria pessoa.Por isso o "ternor a Deus" e o " mor de Cristo" é que determinam ocomportamento em relação s outras pessoas em toda a literatura

bíblica. No hinduísmo e no budismo é a fé no "Uno", do qual pro-vém tudo que é e ao qual volt tudo que é, que determina a par-ticipação no próximo. O conh cimento da iden1idade última no"Uno" torna possível e necessária a união com tudo que é. Masisso não é a mesma coisa que o conceito bíblico do amor. Amorparticipe, mas não se funde com o objeto do amor. Ambas asconcepções de fé têm em comum que elas não apresentam amor eação como algo que se encontrasse fora da fé (o que acontece emtoda fé que é menos do que o estar possuído incondicional), massim amor e ação são elementos da própria fé. A separação de fée amor sempre é conseqüência de uma degeneração da religião.Quando a fé judaica se tornou um sistema de prescrições rituais,quando as religiões dos hindus se degeneraram num sacramentalismomágico, e quando o cristianismo incorreu em ambos os enganos eIhes acrescentou ainda uma rígida dogmática, a relação entre fé eamor se tornou um sério problema para numerosas pessoas dentroe fora de cada uma dessas religiões, motivando que muitos se vol-tassem para uma ética não-religiosa.

Elas tentaram escapar aos descaminhos da fé deixando de ladoa própria fé. Mas a questão é: Existe algo como amor sem fé? Certa-mente que há amor sem a aceitação de certas doutrines. Sim, a h i s t ó -

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ria demonstra que os mais te rr íveis crimes contra o amor foram co-metidos em nome de dogmas fanaticamente defendidos. Fé comouma série de doutrinas apaixohadamente defendidas não gera amor.Mas fé como aquilo que nos toca incondicionalmente inclui o amor,isto é, o desejo e a aspiração pela re-união do separado, seja entreDeus e Homem, seja entre duas pessoas.

Mas a pergunta persiste: É possível o amor sem fé? Urna pessoaque não tenha fé é capaz de amar? Essa é propriamente a forma

adequada para a pergunta, e a resposta é: Não há ser humano semuma preocupação incondicional e portanto sem fé e sem amor. Oamor está atuando em todo ser humano, mesmo que profundamenteoculto, pois todo ser humano aspira a união com o fundamentoúltimo do ser.

Nós discutimos as inte rpre·tações errôneas cio sentido de "fé".Igualmente necessário seria agora - o que não é possível nestepresente contexto - mostrar as más interpretações sofridas pelosentido do amor. Mas uma das maneiras mais fre·qüentes de se en-tender mal o amor ainda precisa ser mencionada. Trata-se dalimitação do amor ao sentimento. Assim como a fé encerra o senti-mento, assim também o amor; mas dessa maneira o amor como talainda não se torna sentimento. Amor é o poder no fundame·ntoúltimo de todo o ser, o poder que impulsiona o e.ite para além de

si em direção à re-união com a outra pessoa e, em última análise,com o próprio fundamento do ser, do qual se encontra separado.

Costuma-se distinguir diversos tipos de amor, contrapondo o erosgrego à ágape cristã. Definiu-se ercs como a aspiração pela auto-realização através de outros seres, e ágape como a disposição ase entregar ao outro em prol do outro como tal. Mas essa alternativanão existe. Esses assim chamados "tipos de amor" são na realidade"qualidades do amor", características que aparecem reunidas e sóentram em conflito em sua forma degene·rada. Nenhum amor é real-mente amor sem a unidade de eros e ágape. Ágape sem eros ésujeição a uma lei moral; ela é destituída de calor, de aspiração e dereconciliação. Eros sem ágape é desejo desenfreado, que não respeitao direito do outro de ser reconhecido como alguém que ama e vale

a pena ser amado. Amor como unidade de eros e ágape é umtraço característico da fé. Quanto mais amor houver na fé, tantomais estarão superadas as suas possibilidades demoníaco-idólatras.Uma fé, em que uma preocupação provisória alcança validade últ ima,está em conflito e em contradição com todas as outras preocupaçõesprovisórias; isso destrói a possibilidade do amor entre os portador.esde semelhantes formas de fé. O fanático não pode amar aquilocontr a que se dirige seu fanatismo; e fé idólatra é necessariamente

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fanática. Isso porque ela precisa reprimir dentro de si todvidas que se le·vantam secretamente contra a elevação devisório à categoria de incondicional.

A expressão direta do amor é a ação. Teólogos já discutiram I

questão de como a fé pode resultar em agir. Isso é possível porquté encerra amor e porque amor se manifeste em ação. O elo doligação entre fé e ação é o amor. Quando os Reformadores achavamque a salvação só é alcançada pela fé e quando eles rejeitaram

a doutrina católico-romana de que também as obras são necessáriaspara a salvação, então eles tinham razão em negar que nenhumaação do homem pode provocar a união com Deus. Somente Deuspode reconciliar o alienado consigo mesmo. Mas nisso os Re·forma-dores não se deram conta de algo que também na doutrina católicsó está expresso de maneira muito vaga: o fato de que amorum elemento da própria fé, quando fé é entendida como aquiloque nos toca incondicionalmente. Fé inclui amor, amor vive nação: nesse sentido a fé se realiza em "obras". Onde houver pr ·0'

cupação incondicional, ali também existe o desejo ardente de rlizar essa preocupação. Preocupação - na significação origin I dpalavra - inclui o desejo de agir; mas o tipo de ação depend dtipo de fé. Na fé de tipo ontológico é almejada a volta do qu tseparado para a união. A fé do tipo ético aspira a transform ç

da realidade alienada.

Em ambos os casos o amor está operando. Na fé de tiplógico o eros predomina no amor e leva à união do que m COI1\

o amado naquilo que os transcende a ambos: o fund m ntoser. Na fé do tipo ético a ágape leva à afirmação do rn doprocura a sua transformação naquilo que ele é por su "ncie por isso deveria ser. No tipo místico o amor une atr vgação do eu; no tipo ético o amor transforma através d illrm ç odo eu. Uma ação baseada no amor do tipo místico tem c r t r pre-dominantemente ascético; uma ação que emana do mor I tipoético tem a tendência de amoldar i'l realidade. Em l mbo os c 50S

a fé determina o tipo de amor e o tipo de ação.

Esses são e·xemplos para polaridades fundam nt is no caráterda fé; mas ainda há muitos outros. O princípio lut r no do perdãoindividual, por exemplo, está menos orientado p r etu ção socialdo que a fé calvinista, que tem em vista a honra de Deus. A féhumanística na natureza racional do homem tem fitos mais posi-tivos para a educação e para uma ordem social d Iiocr é tica do quea fé cristã tradicional, que acentua o pcccdo oriqinel e o caráterdemoníaco da realidade terrena. A fé protestant num encontro direto

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do homem com Deus gera mais personalidades independentes doque a fé católica, que ensina u função mediadora da igreja entreDeus e homem. Por mais diversos, porém, que sejam os tipos defé, fé como estar possuído por aquilo qUE' nos toca incondicional-mente inclui o amor e determina a ação. Fé é o poder que baseiatanto o amor como a ação.

4. A Comunhão de Fé e suas Formas de Expressão

seja vida na comunhão; isso também vale para o 1 01 monto e 501i-tude do místico enquanto ele ainda {ala a linguagcl d comunhãode fé. E mais: não existe simplesmente comunhão loum que nãofosse comunhão de fé. Naturalmente existem grupos qu unemdevido a interesses em comum e que permanecem m unlão en-quanto dure o interesse. E há grupos que como famfli I t muma origem natural e desaparecem algum dia por morl n tur Iquando se extinguem as suas condições de vida. N nhum I

dois tipos de associação é como tal uma comunhão de f . 1ll11

se um grupo surge de maneira natural ou se ele 50 o Icausa de um interesse': ele não deixa de ser uma ligação pA ligação se interrompe quando desaparecem as bases m t ri Ias condições biológicas de sua existência. Para uma cornunhfé essas condições não são decisivas; exclusivamente a forçde sua fé é o fundamento e critério para sua duração. Aqullse baseia numa preocupação incondicional não está ameaçnenhuma destruição através de preocupações provisórias OufalIa de sucesso. A prova mais admiráve·1 para essa af irmhistória dos judeus. Eles são na história da humanidadepara o caráter último e incondicional da fé.

Nem um culto nem as expressões míticas da fé fazem s ntld ,

se não Ihes é reconhecido o seu caráter simbólico. Nós t 111 moanteriormente apontar as conseqüências destrutivas da compr 11 o!iteral de símbolos. Contra essa se levanta freqüentem nl umcrítica religiosa e filosófica. O mito é substituído por filo ofl dreligião, e no lugar do culto se coloca uma série de prescriçõ 5 mor I .Semelhante situação pode persistir por algum tempo por u foriginal ainda está atuando nela. Uma rejeição das form O

pressão da fé não precisa estar necessariamente dirigid contrfé em si. Mas isso tem validade limitada. Sem símbolo d umpreocupação incondicional, sistemas de pura moral d g n r mnuma ética de ajuste e convenções sociais, sejam el s ju tific -das em última análise ou não. A paixão infinita que ce rsctertz todafé genuína vai desaparecendo aos poucos e é substitufd pelo cal-culismo inteligente, que nunca será capaz de resistir s investidas

veementes de uma fé idólatra. Semelhante processo se desenrolouno âmbito da cultura ocidental; ele permaneceu oculto por tantotempo apenas porque e'11 muitos representantes da fé humanistaa capacidade ética era maior do que em muitos membros de algumascomunidades religiosas. Nessas pessoas ainda estava viva a fé, elaslevavam incondicionalmente a sério a dignidade humana e a res-ponsabilidade pessoal; nelas ainda estava viva a substância religiosa,e essa tem que desaparecer se a fé não for renovada. Isso, porém,

Nossa exposição sobre a natureza da fé mostrou que fé so ereal e· viva numa comunhão de fé, e isso, mais exatamente, apenasquando ela cria uma linguagem comum da fé. A discussão da rela-ção entre amor e fé levou ao mesmo resultado: amor como elementoda fé e como aspiração pela re-união do que está separado criacomunhão. E uma vez que te leva necessariamente à ação e açãopressupõe comunhão, o estar possuído incondicionalmente somenteé legítimo quando ele se realiza numa comunidade de ação.

A comunidade de fé e de ação se baseia em símbolos rituais emanifesta sua natur-eza em símbolos míticos. Ambos se condicionamreciprocamente; aquilo que vem a ser expresso no culto se encontrafiguradamente· no mito, e vice-versa. Não há fé sem essas duas

formas de autorepresentação. Mesmo quando a "nação" ou o "su-cesso" são objetos da fé, eles estão associados a ritos e mitos.É sabido que sistemas totalitários possuem uma estrutura muito bemelaboradu de atos rituais e que além disso têm uma quantidade desímbolos figurados, os quais - por mais absurdos que sejam -exprimem a fé que fundam nta todo o sistema. A sociedade tota-litária vive em atos rituais c símbolos intuitivos que apresentamalguma similitude com os atos e símbolos em que vive uma comu-nidade religiosa presa à autoridade. Mas em todas as comunidadesreligiosas genuínas acha-se um veemente protesto contra os ele-mentos idólatras, os quais são sem mais admitidos no totalitarismopolítico.

A vida da fé é vida na comunhão da fé; isso não vale apenas

para as atividades e instituições comunitárias, mas também para avida interior de seus membros. Quando uma pessoa se isola tran-sitoriamente do agir comunitário, por exemplo da vida cultual dacomunidade de fé, então isso não significa necessariamente umaseparação da comunidade como tal. Isso a lé pede levar a que a vidaespiritual da comunidade seja forlulecida. Isso porque freqüenlementetal pessoa, após um isolamento voluntário, retorna como um renovadorda comunidade e de seus símbolos. Nào existe vida de fé que não

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s6 pode acontecer numa comunhão de fé sob a constante inf luênciade seus símbolos míticos e cúlticos.

5. O Encontro entre Comunhões de Fé

Um dos motivos por que a ética autônoma se voltou contra suaorigem rel igiosa é a distorção de sentido sofrida pelos símbolos emitos no curso da história da religião, também nas igrejas cristãs.Os s ímbolos rituais de fé foram pervertidos como objetos dotadosde poder mágico, aos quais se atribuiu a mesma eficácia de forçasnaturai s. Via -se neles forças sacramentais que sempre atuam, con-tanto que o homem não lhes oponha obstáculos. Essa interpretaçãosupersticiosa da ação sacramental despertou o protesto dos huma-nistas e os levou ao ideal da moral sem religião. A deposição dasuperstição sacramental foi uma das preocupações principais do pro-testantismo. Mas com seu protesto o protestantismo não só eliminoua superstição cultual como também o sentido legítimo da própriaação ritual e do simbolismo sacramental. Com isso o protestantismocontribuiu contra sua vontade com uma ética autônoma. Mas a fénão pode ficar viva sem formas visíveis e sem participação pessoaldos crentes nessas formas. Esse reconhecimento levou o protestan-tismo moderno a uma nova valorização de culto e sacramento. Semsímbolos em que o sagrado é experimentado como estando presente,desaparece por completo a experiência do sagrado.

A mesma coisa vale para as formas mitológicas de expressãodo incondicional. Quando o mito é tomado literalmente, a filosofiatem que rejeitá-Io como absurdo. Ela precisa "demitizar" as históriassagradas.

O que acontece então é que o mito se transforma em filosofiada religião, tornando-se finalmente filosofia sem religião. Mas omito em seu sentido verdadeiro é o fundamento criador de todacomunhão religiosa; ele não pode ser substituído nem pela filosofianem por uma coletânea de prescrições morais.

Culto e mito mantêm viva a fé. Ninguém se desligou completa-mente deles, pois ninguém está inteiramente destituído de umapreocupação incondicional. Não há dúvida de que são poucos os

que compreendem o significado e o poder de culto e mito, se bemque a vida da fé de·les depende. Eles emprestam expressão visívelà fé de uma comunhão e provocam fé pessoal nos membros deuma comunidade. E sem uma comunhão em que mito e culto sãocridos e pra ticados, a fé desvaneceria, e tudo que há de religiosomergulharia ao nível do inconsciente. No consciente a experiênciado sagrado ainda teria uma influência passageira sobre a ética,mas a fé estaria eliminada como poder vivo.

Muitas comunhões de fé existem, não apenas na religião,como também no campo culturel. Presentemente a sua maioria seencontra em contato recíproco e de um modo geral é tolerante emsuas relações entre si. Mas h exceções importantes, e pode muitobem ser que o número de exceções esteja crescendo sob as difi-culdades políticas e sociais de nossa época. Exceções constituem

sobretudo os tipos políticos e pscudoreliqiosos de fé. Incluem-se aínão apenas as formas totalitári s, mas - em defesa de sua própriaexistência - também as form democráticas de fé política. Noâmbito puramente religioso, por6m, existem também exceções, porexemplo a doutrina oficial d igreja católico-romana de que elasozinha esteja de posse' da v rd de, Outra exceção é a ortodoxiaprotestante, que rejeita todas as outras formas de cristianismo e dareligião. É facilmente compr nsfv I que semelhante intolerânciapossa se instalar no campo da I ó , Se fé é o estar possuído incon-dicionalmente que precisa se xpr S5 r de uma determinadá forma,então o símbolo concreto particip do incondicional, se bem queele mesmo não seja incondicion I. Aqui se acham as raízes da intole-rância. Uma expressão do incondicional exclui todas as outras e assume

traços demoníacos. Isso acontec u rn todas as religiões, também nocristianismo, apesar de ser a cruz o sin I da resistência contra todereligião concreta que se elev a si m smo à categoria de incondicio-nal. A verdade do misticismo consisr rn que ele não atribui im-portância última a nenhuma reliqiêo isol da, conseguindo ultrapassarassim o sistema de símbolos em qu vive qualquer religião. A indi-ferença diante de toda expressão concreta do incondicional torna omisticismo tolerante; mas falta-Ih a força de superar a alienaçãoda existência humana, No judaísmo e no cristianismo a realidade étransformada pelo Deus que é o Senhor da história. O monoteí smoexclusivo dos profetas, sua luta contra as divindades do paganismo,a mensagem de justiça universal no Antigo Testamento e de graçauniversal no Novo Testamento - tudo isso tornou o judaísmo, o

Islã e o cristianismo intolerantes perante toda outra religião. As reli-giões da justiça, da história e da expectativa final (13) não podiamaceitar a tolerância mística, por exemplo, das religiões hindus. Elas sãointolerantes e podem intensificar essa atitude até ao fanatismo. Issodistingue o monoteísmo dos profetas com sua reivindicação abertade exclusividade da forma aberta do monoteísmo místico.

(13) N, do T,: "Ender we rf unq". que espero a rcalização plena no fim dos tempos.

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Surge ~gora a pergunta: O encontro entre duas formas de féprecisa lever necessariamente ou à tolerância acrítica ou à intole-rância sem autocrítica? Se fé é compreendida como estar possuídoincondicionalmente, essa alternativa estará superada. O critério detoda fé é sua capacidade de expressar a incondicional idade do in-condicional. A autocrítica de toda forma de fé é uma conseqüênciado reconhecimento da validade limitada dos símbolos concretos emque transparece essa fé.

Daí se compreende o sentido de "conversão". A palavra "con-versão" tem conotações que dificultam o seu uso. Ela pode dar aentender o despertar de um estado em que o aspecto religiosoestava oculto, e o abrir-se para o sagrado de que se toma consciência.Se "conversão" é compreendida dessa maneira, então toda expe-riência religiosa original tem o caráter de conversão. Mas conversãotambém pode significar a mudança de uma confissão de fé paraoutra. Conversão nesse sentido é questionável. Ela só é significativase na nova fé a incondicional idade do incondicional é melhor guar-dada do que· na fé antiga.

aspiração e esperança da humanidade em todos os ternoos e emtodos os lugares. Existe, porém, somente uma possibilidade de atin-gir essa unidade: a fé precisa ser diferenciada das formas de expres-são em que ela aparece. O caminho para uma única fé que englobetoda a terra é o caminho dos profetas, que rejeitaram a idolatria eproclamaram o Deus que é realmente Deus. Pode ser que nenhumafé conseguirá se expressar em um símbolo universalmente válido -se bem que também seja a esperança de toda grande religião criar

esse símbolo global, em que se pode expressar a fé da humanidade.Mas essa esperança só é justificada se uma religião está cônscia docaráter condicionado de seus próprios símbolos. Na "cruz do Cristo"o cristianismo tem um símbolo que expressa o estar consciente desua própria condicionalidade e qu permanece válido mesmo se asigrejas cristãs esquecerem o sentido desse símbolo e atribuírem in-condicional idade a formas específlces de fé. Dado à sua autocríticaradical o cristianismo, dentre tod s as religiões, é a que apresentamaior vocação para a universalidade - isso e-nquanto ele permitirque essa autocrítica prossiga atuando em sua própria vida.

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No mundo ocidental é especialmente importante o encontro docr istie.nismo com as formas de fé secularizada. Também a fé profanaé fé e nunca é destituída de uma preocupação incondicional; porisso o encontro com el é um encontro entre formas de fé diferentes.Num encontro entre fé religiosa e secular é necessário distinguirdois elementos: a fé como tal a forma em que ela se expressa.No que tange a fé como tal, nad se pode conseguir com argumentosracionais que queiram julgar à distância a sua verdade ou falsidadeSó se pode tentar levar a uma nova experiência de fé. Mas no quetoca exclusivamente às formas de expressão da fé, sejam elas ideo-lógicas ou práticas, é possível refletir sobre elas num confronto.Mas é uma ilusão tentar transformar a fé como tal com argumentosracionais. A fé é exclusivamente uma questão de estar possuído ede entrega pessoal. Muitas vezes não é fácil estabelecer a linhadivisória entre uma fé e sua expressão, mas isso precisa ser tentadosempre de novo no encontro entre as formas de fé. Só então pode-seevitar o fanatismo ao mesmo tempo em que é mantida a certezainterior da fé.

CONCLusAo

A Possibilidade da Fé e seu Significado no Presente

Através de conversão o trabalho rrussronano das grandes reli-giões procura alcançar a unidade de todas as formas de fé. Ninguémpode estar certo de que tal unidade será conseguida no curso dahistória da humanidade; mas ninguém pode negar que ela é a

, Fé é uma realidade em cada período da história da humanidade.Esse fato não prova que ela esteja inseparavelmente ligada com anatureza mais íntima do homem; uma determinada fé poderia ser- como a fé supersticiosa - uma distorção da verdadeira essênciado homem; isso também acham muitos que rejeitam a fé. Nesselivro nós perguntamos se semelhante opinião se baseia em intuiçãoreal ou num mal-entendido, e nós respondemos que a rejeição dafé provém de um desconhecimento da natureza da fé. Nós discutimosvárias formas desse mal-entendido e muitas distorções do conceitode fé. Fé é difícil de se definir. Quase cada palavra com que se

descreveu a fé - e isso também vale da nossa exposição - encerrapossibilidades de novos mal-entendidos. Isso não poderia ser dife-rente, uma vez que a fé não é um fenômeno entre outros, mas sima mais íntima preocupação na vida do homem como pessoa, sendopor isso manifesto e oculto ao mesmo tempo. Ela é religião e simul-taneamente mais do que religião; ela é onipresente e concreta, elaé mutável e mesmo assim permanece sempre a mesma. Fé está inse-

 

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paravelmente ligada com a netureze do homem, sendo por issonecessária e· universal. Ela é o estar possuído incondicionalmente,e por isso ela não pode ser refutada nem pela ciência nem pela filo-sofia. Ela é possível, sim, a té necessária em nosso tempo. Ela tambémnão pode ser desvalorizada pela dístorção supersticiosa ou autoritáriade seu sentido dentro ou fora das igrejas, das seitas ou de movi-mentos ideológicos. A fé se justifica a si mesma e defende seu di-reito contra todos que a atacarem, porque ela só pode ser atacada

em nome de uma outra fé. Este é o triunfo da dinâmica da fé: quetoda negação da fé já é expressão de fé.

EPILOGO*

o Que é a Série "Perspectivas elo Mundo"

por Ruth Nanda Anshen

Esta é uma reimpressão do Volume X da Série Perspectivas doMundo, a qual a signatária plane·jou e editou em colaboração comuma Comissão de Editores composta por Niels Bohr , Richard Courant,H u Shih, Ernest Jackh, Robert M. Maciver, Jacques Maritain, J. RobertOppenheimer, I. I. Rabi, Sarvepalli Radhakrishnan, Alexander Sachs.

Es te volume faz parte de um plano de apresentar pequenoslivros em lima variedade de campos, escritos por pensadores contem-porâneos da maior responsabilidade. O objetivo é revelar novastendências básicas na civilização moderna, interpretando as forçascriativas que estão em ação tanto no Oriente como no Ocidente, e

chamar a atenção para a nova consciência que pode contribuir parauma compreensão mais profunda da interrelação entre homem e uni-verso, indivíduo e sociedade, e dos valores compartilhados por todosos povos. Perspectivas do Mundo representa a comunidade mundialde idéias em um universo em discurso, enfatizando o princípio deunidade em uma humanidade de continuidade dentro da transfor-mação.

Recentes evoluções em muitos campos do pensamento abriramhorizontes insuspeitados para uma compreensão mais profunda dasituação do homem e para a apreciação adequada de valores huma-nos e aspirações humanas. Esses horizontes, mesmo sendo resultadode estudos altamente e·specializados em campos limitados, requerempara sua análise e síntese uma nova estrutura e um novo quadro

de referências em que eles possam ser explorados, enriquecidos efomentados em todos os seus aspectos, para o bem do homem e dasociedade. O intento de Perspectivas do Mundo é definir semelhanteestrutura e quadro de referências, levando, assim esperamos, a umadoutrina acerca do homem.

(') N. do T.: Este epílogo foi traduzido de "Dvnarnics of Faith", versão inglcsD dopresente livro.

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Outro objetivo dessa Série é tentar superar uma das principaisdoenças da humanidade, ou seja, os efeitos da atomização do conhe-cimento produzida pelo esmagador acréscimo de fatos originadospela ciência; esclarecer e sintetizar idéias através da fertilização emprofundidade das mentes; mostrar a partir de diversos e importantespontos de vista a correlação de idéias, fatos e valores que estãoem constante interação; demonstrar o caráter, afinidade, lógica eoperação de todo o organismo da realidade, mostrando ao mesmotempo o interrelacionamento dos processos da mente humana e nosinterstícios do conhecimento; revelar a síntese interior e a unidadeorgânica da própria vida,

É a tese de' Perspectivas do Mundo que, apesar da diferença ediversidade das disciplinas representadas, existI" uma forte concor-dância entre os autores no que diz respeito à urgente necessidadede contrabalançar a profusão de constrangedoras atividades cientí-ficas e investigações de fenômenos objetivos, desde a física até ametafísica, história e biologia, relacionando-as à experiência exis-tencial. A fim de alcançar esse equilíbrio é necessário estimular umaconsciência do fato fundamental de que em última análise a perso-nalidade humana irrdividuel precisa ligar todas as ponta!" soltas numtodo orgânico, relacionando-se consigo mesmo, com a humanidadee com a sociedade, aprofundando e promovendo ao mesmo temposua comunhão com o universo, Ancorar esse espírito e imprimi-Io à

vida intelectual c' espiritual da humanidade, tanto sobre os quepensam como sobre os que agem, é realmente um enorme desafioque não pode ser relegado inteiramente à ciência natural por umlado nem à religião organizada por outro, Isso porque estamos con-frontados com a imperativa n cessidade de descobrir um princípiode diferenciação mas que se] ao mesmo tempo relação suficiente-mente lúcida para justificar e purificar o conhecimento científico,filosófico e de que tipo for, aceitando simultaneamente sua interde-pendência mútua, Essa é a crise na consciência, articulada através dacrise no campo da ciência. Esse é um novo despertar.

Perspectivas do Mundo se dedica f i tarefa de mostrar que oconhecimento teórico básico está relacionado com o conteúdo dinâ-mico da totalidade da vida. Essa série procura uma nova síntese,tanto cognitiva como intuitiva. Ela se preocupa com a unidade e'continuidade do conhecimento em relação com a natureza do homeme sua compreensão, uma tarefa para a imaginação sintetizadora eSU<lS visões unificantes. A situacão do homem é nova e sua respostatem que ser nova. Isso porque a natureza do homem pode serconhecida de muitas maneiras, e todos esses caminhos do conheci-

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mento podem ser postos m conexão - alguns já estão em conexão, -como uma grande red ,um grande rede de pessoas, ligando idéiase sistemas de conhecim rito, uma espécie de estrutura racionalizada,que é a cultura hum n ociedade humana.

Conhecimento, como " mostredo nesses volumes, não consistemais de uma manipul ç I 10 homem e da natureza como, forçasopostas, nem de uma r duç J d d dos a uma ordem estatística, massignifica um meio d lib -r t Ir humanidade do poder destruidor

do medo, mostrando O camlnho m direção ao alvo da reabilitaçãoda vontade humana 'o , n im nto da fé e da confiança napessoa humana, As obra I ul licnd s também procuram revelar queo clamor por esquemas, ,i' I rn I~ autoridades está se tornandomenos insistente à medid lU cr sce o desejo tanto no Orientecomo no Ocidente pel r u] '0 1 o de uma dignidade, integridadee autorealização que são di, , 1 1 " in lienáveis do homem, que nãoé uma mera tabula rasa sob, IUt [ualquer coisa possa ser impri-mida arbitrariamente por ircun I nelas externas, mas que possuí apotencial idade única da liv: ri lívl I de. O homem se diferencia deoutras formas de vida no lU ,I pode dirigir a mudança atravésde um objetivo consciente, IUdl xperiência racional.

Perspectivas do Mundo no signi-

ficado do homem que não só 'I Itll .rrnlnado pela his tória mas que+ambém determina a histório. Ili t Ii deve ser compreendida nãoapenas como relacionada com 0 1 VI II cio homem sobre este planeta,mas incluindo também infloên id, smic s que interpenetram nossomundo humano. Esta geração sl,í d icobrindo que a história nãose sujeita ao otimismo social d Ivrlil o moderna e que a orga-nização de comunidade hum na I belecimento de liberdade,justiça e paz não são apenas COJKlui t intelectuais mas tambémespirituais e morais, exigindo U111 v lorizeção da personalidadehumana como um todo, a "int grid d ' n o-mediada de sentimento epensamento", e constituindo um t rno desafio para o homem,de ernerqir do abismo da falt d ntido do sofrimento para serrenovado e restabelecido no lodo de u vida.

Perspectivas do Mundo esté ngfoj do com o reconhecimento deque todas as grandes mudanç s s o pr C didas por uma vigorosareavaliação e reorganização inte,1 ctu I. Nossos autores estão cônsciosde que o pecado da hybris pod r viíudo o se mostrar que opróprio processo criativo não lima atividade livre, se entendemoslivre como sendo arbitrário e não relscion do com a lei cósmica. Issoporque o processo criativo na mente hurns nu, o processo evolutivona natureza orgânica e as leis básicas do âmbito inorgânico podem

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ser simplesmente expressões variadas de um processo formativouniversal. Destarte Perspectivas do Mundo espera mostrar que, apesardas tensões excepcionais do presente período apocal íptico, tambémestá em ação um movimento excepcional em direção a uma unidadecompensadora que não pode obliterar a força moral última quepervade o universo, aquela força rnesrna de que todo esforço hu-mano finalmente depende, Dessa maneira nós podemos vir a compre-ender que existe uma independência do crescimento espiritual emental que, mesmo condicionado por circunstâncias, nunca é deter-minado pelas circunstâncias, Assim a grande pletora de conhecimen-to humano pode ser correlacionada com uma intuição na naturezada natureza humana, ao ser sintonizada com a ampla e profundagama do pensamento humano e da experiência humana, Porque oque falta não é o conhecimento da estrutura do universo, mas umaconsciência da qualitativa singularidade da vida humana,

E finalmente, é a tese desta Série, que o homem se encontranum processo de desenvolvimento de uma nova consciência, a qual,õpesar de seu aparente cativeiro espiritual e moral, pode eventual-mente elevar a raça humana acima e além do medo, da ignor ância,brutalidade e isolamento que a acossam atualmente. É a essa cons-ciência n sc nt r a esse conceito de homem proveniente de umavisão fresc da r alid d que Perspectivas do Mundo é dedicado.

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INDICE

Observações ln t r c dllflllltl' •• "., .. , .•...............

I. O Que é a F

1. Fé como ' .1 1 1 I fi \lIdo IH r I [ullo que nos tocaincondicion 1 r '1 ' 11 1 ,

2. 'Fé como 1 o ti I' 1 11 1 1 1 1 1 1 ir 1 • •• • • • • • • • ••• •

3. A fonte d r ,4. Fé e dinâmi 1 I"5. Fé e dúvid

6. Fé e comunh H •••••••• • • • • ••...••.• .••..

11 . O Que a Fé não

1 . A distorção d I2. A distorção d3, A distorção d

1 11 . Os Símbolos da F

1. O conceito de2. Os símbolos r li I Il •

3. Símbolo e mito .,., •................••• I I "" ••• " ••••••••

IV.Tipos de Fé ,.... .. . .1. Os elementos da f , 1/ I d , " 11111 I •• ..• •• • •.

2. Os tipos ontológico I, I, .

3. Os tipos morais d f • • • • • , • • • . . .. . . . . . .

4. A unidade dos tipo 11 . , , • • , • • • • . ..• • •

V. A Verdade da Fé "." ., .

1. Fé e razão " , .2. A verdade da fé VI Id H I , 1 .• ...•.

3. A verdade da fé VI r e i I, .4. A verdade da fé I VI r t l d, 1 1 1 0 I •• ...• •

5. A verdade da fé u r ll , r i •• .. ... ...

VI. A Vida da Fé ,., .. " ,., .

I. Fé e coragem "... , , .. , .2. A fé e a lnteqreção 10 111 .(1

3. Fé, amor e ação ... ,.""4. A comunhão de fé ,I', f 1111\1 I r I plt '. O .

5. O encontro entre cornunh , 1 1 rt 1 , ••••• , •.•

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Conclusão•••••• '" ••••••• " ••••••••••••• t ••••••

A possibilidade da fé e seu signl(l do no I r (!lI

Epílogo , , .