Dinossauros: Velhos Mitos (2)

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tnossauros: os i tos ( 2 ) Luís Azevedo Rodrigues* • A primeira vez que um dinos- satn'O fez a sua estreia no mundo do cinema ocorreu muito antes de Spielberg ter estreado Parque Jurássico, em 199 3- Um dos pri- meiros filmes de animação tinha como principal intérprete um dinossauro, de cauda e pescoço compridos, que se chamava Ger- tie. Este dinossauro saurópode desfilou nos ecrãs a preto-e- branco pela mão de Winsor McCay, em 1914 , sendo esta a estreia dos dinossauros no mun- do do cinema. ''The Valley of Gwangi" ( 1969 ) ou ' When Dino- satn'S Ruled the Farth' ' ( 1970 } são dois exemplos em que se pode verificar tanto a sincronia exis- tencial de homens e dinossatn'Os, como, sobretudo, a ruptura da estabilidade social que o dinos- satn'O vem trazer. Se na cinema- tografia ocidental o dinossauro é representado de forma fiel, a cul- Enter an age of unknown terror s, pagan worship and virgin sacrifice ••• htll lk CI"QCD'301 ·011! M ill)• c_·. tlllil.)$(tlpJU _ .. Wrtt!O!M lnlll'l$ A llnn'!' l(n " WHEN D I NOSAU RS RU t EO THE EART H" - ... V I CTORIA VETRI ROBIN H AWDOII · PA T RICK AllEN ·I MOG EN HASSAI.l H•• c-t Wt'!l!.tllll'l!rh!o W F-..ll!<lf'll> • -1 ' l' hJI'ttf'WI'i! a) Q:u1az do f ilme de an imação " Ge rtie, the Dinosaur " (191 4), de Wi n so r M cO:!y. Font e: http: //bitly /7Z u sdN b) O:lrtaz do fil me " When Dinosa u rs Rul ed the E art h" (1 970), de V ai G uest. Fo n te: http://Jjt.ly /g2785g tura cinematográfica oriental, nomeadamente a j aponesa, altera a anatmnia do dinossauro, trans- formando-o numa entidade dife- rente. Ummonstropós-nuclearé criado e vem destruir cidades e culturas. Vários autores apon- tam que o monstro, Godzilla, não é mais do que um fenómeno catártico colectivo da sociedade japonesa às explosões de Hiros- hima e Nagasaki. A morfologia do dinossauro é alterada, quase como um efeito de mutação de origem nuclear. O dinossauro desempenha assim, pelo menos no ocidente, um p:tpelqueera tradicionalmen- te representado pelo dragão, monstro que encarnava todo o tipo de mal nas cuhuras judaico- cristãs. A <dualização iconográfi- ca, com a substituição do dragão pelo dinossauro, não é consensual para a maioria dos investi§ldores, emborasejasemdúvilaa}rlrtiva, encontrando-se facilmente inú- meros exemplos deste fenómeno. A influência dos dinossauros na literatura surgiu pela mão de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. A descober- . ta de uma pegada de Iguanodon :5 fossilizada, em 1909 , impressio- nou de tal forma Conan Doyle que o inspirou na criação de um mundo fantástico, cheio de cria- turas extintas e gigantescas, na América do SuL no seu livro de 1912 " O Mundo Perdidd'. "O político X é um dinossau- rd', já todos lemos por mais do que uma vez. Este baptismo pejorativo, na maioria dos casos, pretende sublinhar o carácter ultrapassado e decadente do nomeado. Há, assim, a associa- ção do termo dinossauro a todo o tipo de pessoas e realidades que muito deveriam estar refor- madas ou apenas desaparecidas. I ncorpora-se a realidade da extinção bio gica na dimensão humana, conotando-se o dinos- sauro com o arcaico e ultrapas- sado humano. Os dinossauros diversificaram-se e sobrevive- ram durante quase 200 milhões de anos, mas a sobranceria de um grupo de mamíferos que escreve poucos Inilhares de anos, para além de biologica- mente embaraçosa, é injusta. O ser humano apenas caminha sobre a Terra uma pequena fracção do tempo em que os dinossauros percorreram todos os ambientes terrestres. * Paleontólog:>(PhD)"Ciênci.ana Imprensa regional-Ciência Viva "

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Artigo no Diário de Coimbra, 20 de Setembro de 2011.

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• tnossauros: os i tos (2)

Luís Azevedo Rodrigues*

• A primeira vez que um dinos­satn'O fez a sua estreia no mundo do cinema ocorreu muito antes de Spielberg ter estreado Parque Jurássico, em 1993- Um dos pri­meiros filmes de animação tinha como principal intérprete um dinossauro, de cauda e pescoço compridos, que se chamava Ger­tie. Este dinossauro saurópode desfilou nos ecrãs a preto-e­branco pela mão de Winsor McCay, em 1914, sendo esta a estreia dos dinossauros no mun­do do cinema. ''The Valley of Gwangi" (1969) ou 'When Dino­satn'S Ruled the Farth'' (1970} são dois exemplos em que se pode verificar tanto a sincronia exis­tencial de homens e dinossatn'Os, como, sobretudo, a ruptura da estabilidade social que o dinos­satn'O vem trazer. Se na cinema­tografia ocidental o dinossauro é representado de forma fiel, a cul-

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"WHEN DINOSAURS RUtEO THE EARTH" -... VICTORIA VETRI ROBIN HAWDOII · PATRICK AllEN ·IMOGEN HASSAI.l H•• c-t Wt'!l!.tllll'l!rh!o • fl'lft1~tl! ~~ W F-..ll!<lf'll> • -1 ~ ' l' hJI'ttf'WI'i! ~ltl\

a) Q:u1az do filme de animação "Gertie, the Dinosaur" (1914), de Winsor McO:!y. Fonte: http://bitly/7ZusdN b) O:lrtaz do filme "When Dinosaurs Ruled the Earth" (1970), de Vai Guest. Fonte: http://Jjt.ly/g2785g

tura cinematográfica oriental, nomeadamente a japonesa, altera a anatmnia do dinossauro, trans-

formando-o numa entidade dife­rente. Ummonstropós-nuclearé criado e vem destruir cidades e

culturas. Vários autores apon­tam que o monstro, Godzilla, não é mais do que um fenómeno

catártico colectivo da sociedade japonesa às explosões de Hiros­hima e Nagasaki. A morfologia do dinossauro é alterada, quase como um efeito de mutação de origem nuclear.

O dinossauro desempenha assim, pelo menos no ocidente, um p:tpelqueera tradicionalmen­te representado pelo dragão, monstro que encarnava todo o tipo de mal nas cuhuras judaico­cristãs. A <dualização iconográfi­ca, com a substituição do dragão pelo dinossauro, não é consensual para a maioria dos investi§ldores, emborasejasemdúvilaa}rlrtiva, encontrando-se facilmente inú­meros exemplos deste fenómeno.

A influência dos dinossauros na literatura surgiu pela mão de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. A descober-

. ta de uma pegada de Iguanodon :5 fossilizada, em 1909, impressio­

nou de tal forma Conan Doyle que o inspirou na criação de um mundo fantástico, cheio de cria­turas extintas e gigantescas, na América do SuL no seu livro de 1912" O Mundo Perdidd'.

"O político X é um dinossau­rd', já todos lemos por mais do que uma vez. Este baptismo pejorativo, na maioria dos casos, pretende sublinhar o carácter ultrapassado e decadente do nomeado. Há, assim, a associa­ção do termo dinossauro a todo o tipo de pessoas e realidades que há muito deveriam estar refor­madas ou apenas desaparecidas. Incorpora-se a realidade da extinção biológica na dimensão humana, conotando-se o dinos­sauro com o arcaico e ultrapas­sado humano. Os dinossauros diversificaram-se e sobrevive­ram durante quase 200 milhões de anos, mas a sobranceria de um grupo de mamíferos que escreve há poucos Inilhares de anos, para além de biologica­mente embaraçosa, é injusta. O ser humano apenas caminha sobre a Terra há uma pequena fracção do tempo em que os dinossauros percorreram todos os ambientes terrestres.

*Paleontólog:>(PhD)"Ciênci.ana Imprensa regional-Ciência Viva"