Diogo de Figueiredo Moreira Neto- Uma nova administração pública

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7/23/2019 Diogo de Figueiredo Moreira Neto- Uma nova administração pública http://slidepdf.com/reader/full/diogo-de-figueiredo-moreira-neto-uma-nova-administracao-publica 1/4 UMA NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAI DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO 1. A temática geral escolhida para ser desenvolvida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional os Desafios do Direito Público para o Século XXI é das mais apropriadas instigantes e oportunas que se possa propor aos meios jurídicos brasileiros. As céleres e profundas modificações introduzidas no direito positivo brasileiro necessitam ser acompanhadas de reflexão teórica que as situem sistema tizem e expliquem até mesmo para que sejam bem compreendidas a partir dos princípios que as inspiram e possam ser bem aplicadas ou corrigidas se for o caso. 2. Por isso é que particularmente quanto ao sub-tema do Painel sobre a Admi- nistração Pública entre os numerosos desdobramentos expositivos que possibilita se recolhe para desenvolver aqui o da definição dos desafios específicos; um esforço de síntese que se justifica quando se trata de contribuir ainda que modestamente para o aperfeiçoamento do Direito Público brasileiro. 3. Assim é que o propósito desta intervenção embora minimizada ante as de tão doutos expositores que exornam este Painel consiste m buscar o fio de coerência doutrinária que vem inspirando e costurando todas essas mutações por que vem passando o Direito Administrativo e que nos tem alcançado no Brasil particular mente no correr do último lustro. Essas inúmeras alterações que acompanhamos no direito positivo desde o nível constitucional induzem um reposicionamento doutri nário a ser destacado e examinado como moldura das alterações pontuais tal como se sugere na proposta temática geral do Congresso ao mencionar uma nova admi- nistração pública. 4. Para essa tarefa parece adequado buscar esta coerência sistêmica a partir da constatação dos rumos que o Direito Administrativo vem tomando a partir do início da reversão da concentração de funções estatais fato que caracteriza o último quartel do século XX. 5. Neste sentido dentre os aportes mais ricos e atuais dos pensadores do Direito Administrativo que tratam de pesquisar essas linhas de coerência visando a uma 1 Congresso Brasileiro de Direito Constitucional São Paulo Auditório do Hotel Maksoud Plaza dias 24 25 e 26 de maio de 2000. R. Dir. AdID. Rio de Janeiro 220: 179-182 abr.ljun. 2000

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UMA NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAI

DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO

1.

A temática geral escolhida para ser desenvolvida no XXI Congresso Brasileiro

de Direito Constitucional os

Desafios do Direito Público para o Século XXI

é das

mais apropriadas instigantes e oportunas que se possa propor aos meios jurídicos

brasileiros. As céleres e profundas modificações introduzidas no direito positivo

brasileiro necessitam ser acompanhadas de reflexão teórica que as situem sistema

tizem e expliquem até mesmo para que sejam bem compreendidas a partir dos

princípios que as inspiram e possam ser bem aplicadas ou corrigidas se for o caso.

2.

Por isso é que particularmente quanto ao sub-tema do Painel sobre a

Admi-

nistração Pública

entre os numerosos desdobramentos expositivos que possibilita

se recolhe para desenvolver aqui o da

definição dos desafios específicos;

um

esforço

de síntese que se justifica quando se trata de contribuir ainda que modestamente

para o aperfeiçoamento do Direito Público brasileiro.

3. Assim é que o propósito desta intervenção embora minimizada ante as de

tão doutos expositores que exornam este Painel consiste

m

buscar o fio de coerência

doutrinária

que vem inspirando e costurando todas essas mutações

por

que vem

passando o Direito Administrativo e que nos tem alcançado no Brasil particular

mente no correr do último lustro. Essas inúmeras alterações que acompanhamos no

direito positivo desde o nível constitucional induzem um reposicionamento doutri

nário a ser destacado e examinado como moldura das alterações pontuais tal como

se sugere na proposta temática geral do Congresso ao mencionar uma

nova admi-

nistração pública.

4. Para essa tarefa parece adequado buscar esta coerência sistêmica a partir da

constatação dos rumos que o Direito Administrativo vem tomando a partir do início

da reversão da concentração de funções estatais fato que caracteriza o último quartel

do século XX.

5. Neste sentido dentre os aportes mais ricos e atuais dos pensadores do Direito

Administrativo que tratam de pesquisar essas linhas de coerência visando a uma

1 Congresso Brasileiro de Direito Constitucional São Paulo Auditório do Hotel Maksoud Plaza

dias 24 25 e 26 de maio de 2000.

R. Dir. AdID. Rio de Janeiro 220: 179-182

abr.ljun.

2000

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compreensão sistemática do que vem ocorrendo, para o delineamento de um novo

Direito Administrativo, escolheu-se,

como

base de discussão neste Conclave, a

sintética apreciação que oferece

SABINO

CASESE.

6. A síntese que ele nos proporciona servirá de guia nesta apresentação, não só

considerando a autoridade

do

Mestre

da

Universidade romana de a

Sapienza

e as

muitas qualidades científicas do

insight

que

nos oferece, como, particularmente, em

razão da sua extraordinária atualidade, publicada que foi há pouco mais de um mês,

na

Apresentação

da sexta edição de sua obra,

clássica: s

Bases do Direito

Administrativo

2

7. CASESE, após mencionar que a Administração Pública, enquanto poder ou

conjunto de funções,

como

se a prefira, depois de um crescimento contínuo nos

séculos dezenove e vinte, passou a

experimentar

rápidas e intensas mudanças,

põe

em

evidência e alinha essas tendências em poucas e brilhantes pinceladas.

8. Primeiramente, constata a multiplicação dos corpos administrativos como

fenômeno que ocorre

em

nível nacional, internacional e, no caso europeu, suprana

cional.

9. Segue, daí, observando que essas multiplicação, de corpos incumbidos de

promover administração pública, pouco importa se dentro ou fora do Estado vem

reduzindo a tradicional conexão entre o fenômeno administrativo, enquanto cura do

interesse público, e o próprio Estado.

10. Isso significa que o Direito Administrativo se vai ampliando além desta

conexão, sobre o espaço do público não estatal adquirindo, assim, um novo e até

há pouco tempo imprevisível aspecto, à medida que se vai expandindo para o âmbito

da

sociedade civil organizada e vai

também

ingressando no cenário global, nos quais

atuam os novos prestadores de administração pública não-estatal.

11. O segundo câmbio aponta direção oposta:

como

se sabe, as conhecidas

dificuldades das finanças públicas e a necessidade de concentração dos recursos do

Estado

em

atividades essenciais,

que

lhe são próprias, levaram à

privatização

de

inúmeras atividades que desempenhava, notadamente no campo econômico, onde,

em

geral, é baixo o seu

poder

competitivo,

uma

vez que o aparelho estatal não é

instituído para competir, mas para impor.

12. O terceiro câmbio destaca a formação de uma dispersa constelação admi-

nistrativa

de entidades de toda natureza, indistintamente estatais, paraestatais ou de

colaboração, reclamando, um novo, desdobrado e mais eficiente sistema de

controles

administrativos não apenas estatais como sociais uma nova e desafiadora missão

para o novo Direito Administrativo.

13. Como decorrência, toma-se necessário e por isso se desenvolvem, a proces-

sualização

e a

processualidade

da atividade administrativa, intensificando-se a

par-

ticipação dos administrados interessados nas decisões que lhe digam respeito e,

ainda, as aberturas consensuais de negociabilidade, tema que até há pouco tempo

era considerado sob o estritíssimo tabu jurídico da onímoda indisponibilidade dos

interesses públicos.

Hoje

se entende

que

quaisquer interesses, ainda que assim o

2 SABINO CASESE,

e

Basi Del Diritto Amministrativo Milão, Garzanti, março de 2000.

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pareçam, não são absolutos, nem mesmo os públicos, admitindo-se juízos de pon-

deração, como tão bem demonstra recente obra de JOSÉ MARÍA RODRÍGUEZ DE

SANTIAGO, publicada m março deste ano,

a

Ponderación de Bienes e Intereses

em el Derecho Administrativo

3

14. Por fim, na mesma linha, o avanço da consensualidade e dos conseqüentes

mecanismos de coordenação - a

cooperação

e a

colaboração

-

leva

à

valorização

dos

resultados

da ação administrativa, ou seja, passa-se a considerar que tão impor

tante quanto a administração submissa à legalidade a busca da eficácia , deve ser

a boa administração, fiel à legitimidade a busca da eficiência , em que definem

ambas, tanto a eficácia como a eficiência distintos e covalentes direitos subjetivos

públicos do administrado.

15

Ora, essa referida

multiplicação dos entes administrativos

toma-se patente

não apenas nas descentralizações estatais orgânicas, como ocorre com a criação das

novas agências reguladoras e das agências executivas especializadas, fracionando a

unidade dos corpos estatais, como também se faz presente em todas as novas e

renovadas nas inúmeras formas de descentralização extra-estatal, que se realizam

através de parcerias de vários tipos e de ação coordenada de entidades associadas

de colaboração, tais como, por exemplo, as recém instituídas organizações sociais e

as organizações da sociedade civil de interesse público.

16. Todas as figuras de descentralização extra-estatais, por outro lado, põem

em evidência que, no Brasil, não obstante com baixa percepção, o Direito Adminis-

trativo

se vai, efetivamente ampliando, passando a reger não apenas o espaço do

interesse público a cargo do Estado Administrador, como o novo espaço

do público

não estatal,

um fenômeno sincrético que o vai reaproximando, no processo, tanto

do Direito Privado, como das tendências da vertente jurídica anglo-saxônica; um

novo aspecto que evidencia uma convergência de sistemas jurídicos, que já tem sido

constatada desde há alguma décadas.

17. Não por outras razões, o movimento de privatização, embora se realize pela

devolução da execução daquelas atividades que dispensam o emprego do poder

coercitivo estatal à órbita privada, termina por ser uma publicização, se considerada

por outro lado, em termos de controle.

18

E aqui se deve incluir a dilatação do conceito clássico de

serviços públicos,

a justificar amplamente a adoção do instituo das

agências reguladoras,

como vem

ocorrendo no exterior e no Brasil, não só no campo dos serviços públicos tradicionais,

de natureza econômica, como, mais além, no campo m expansão tal como hoje

preferentemente considerado pelo direito comunitário, que é o dos chamados serviços

de interesse econômico geral.

19. Por outro lado, a consensualidade, embora não tenha ainda avançado no

Brasil tanto quanto o fez na Alemanha, na Itália e na Espanha, para ficar com

exemplos mais eloqüentes, nos quais já apresenta excelentes resultados práticos, em

termos de agilização administrativa, na forma dos chamados

acordos substitutivos,

3 JOSÉ MARÍA RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, a

Ponderación de Bienes e lntereses em el

Derecho Administrativo. Madri, Ed. Marcial Pons, março de 2000.

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em que a negociação disciplinada entre Administração e administrados institui uma

função substitutiva dos atos unilaterais de exercício do poder estatal ainda assim

entre nós

á

transparece nas modalidades intra e extra-estatais de

contratos de gestão

que na realidade nada mais são também que modalidades de

acordo

4

20. Por derradeiro a intensa participação dos administrados na coisa pública

deixando assim de ser

súditos

de um Estado-tutor para se transformarem

em

cidadãos de um Estado-instrumento supõe que essa nova consciência cidadã em

pleno florescimento venha a exigir sempre

melhores resultados

na administração

dos interesses públicos independentemente de quem os promova

um

fato que revela

a nova dimensão de eficiência como um passo além da eficácia

e

quiçá

á

em

direção à efetividade.

21. A eficiência hoje guindada a matriz constitucional assomou com tal im

portância que o próprio Texto Magno previu casuisticamente a jurisdicização do

seu método de aferição através de

metas de desempenho

o que pressupõe a difusão

do emprego de

técnicas de indicadores.

22. Nada mais necessário e apropriado que esse desenvolvimento das técnicas

de indicadores jurídicos quantitativos e qualitativos como parâmetros para que se

ministre uma efetiva e não uma presumida proteção dos interesses do cidadão seja

como usuário dos serviços públicos como em tantas outras situações em que neces

site proteção: como consumidor como contribuinte como investidor como contra

tante de consórcios e planos de saúde etc.

23. Não basta portanto à Administração Pública não importa quem a promova

ou venha a ser por ela responsável ser eficaz. Vale dizer: não basta que os entes

dessa constelação que atuam em seus caleidoscópicos aspectos nacionais ou extra

nacionais estatais ou extra-estatais sejam apenas

eficazes:

é preciso que sejam

também

eficientes.

24. Apenas este aspecto

á

marcaria uma diferença abissal entre a administração

pública antiga e a nova e a seu favor. Eis porque não só se deve estudá-la bem

como contribuir para pô-la em prática. Assim para o profissional de Direito en

quanto tal não cabe nem fechar os olhos às novas instituições porque não lhe

agradem nem muito menos contra elas vociferar mas desenvolver uma atitude

positiva em que a crítica científica necessária e desejada guarde um sentido cons

trutivo

e

se possível criativo.

25. Em suma retomando e para encerrar ao tema central proposto pelo Con

gresso que são os desafios lançados ao Direito Público tudo indica que esse novo

Direito Administrativo que surge enriquecido e expandido não é mais o do Estado

de Direito em que lhe bastava a legalidade e a eficácia e reinava soberano o

princípio da supremacia do interesse público. Esse é o Direito Administrativo do

Estado Democrático de Direito

em que além da legalidade se demanda

legitimi-

dade

além da eficácia se exige

eficiência

e nele se afirma indisputável sobre

quaisquer outras prelazias o princípio da supremacia da ordem jurídica.

4

Aqui tomados como atos-união ou

atos administrativos complexos

pactos de integração de

interesses compartilhados distintos portando dos

contratos

como categorias específica de pactos

harmonização de interesses antagônicos.

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