DIREITO CIVIL - FONTE DAS OBRIGAÇÕES (OU CONTRATOS) - PROF. RAFAEL DE MENEZES

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DIREITO CIVIL – FONTE DAS OBRIGAÇÕES (OU CONTRATOS) PROF. RAFAEL DE MENEZES DIREITO CIVIL FONTE DAS OBRIGAÇÕES (OU CONTRATOS) Este terceiro semestre do curso de Direito Civil é chamado por muitos de “Contratos”, mas na verdade seu nome correto é “Fontes das Obrigações”, porém como o contrato é a maior fonte de obrigação, fica a polêmica. No semestre passado foram estudadas as obrigações jurídicas decorrentes das relações dos homens com outros homens. Das relações dos homens com as coisas cuida o Direito Real, assunto de Civil 5. E o principal direito real é a propriedade . Propriedade e contrato são assim os pilares do Direito Civil e da vida de todos nós. Este é o sentido da vida: estudar e trabalhar para se relacionar com as pessoas, celebrando contratos , e se relacionar com as coisas, adquirindo propriedade , tudo para formar um patrimônio que será transferido após nossa morte a nossa família (Dir. de Família, Civil 6), de acordo com as regras do Direito das Sucessões (herança - Civil 7). Em Civil 4, no próximo semestre, o estudo dos contratos será aprofundado com a análise das diversas espécies de contratos, não de todos os contratos, mas apenas dos mais importantes (art. 425). E como se originam as obrigações? Quais as fontes das obrigações, como se criam as obrigações, assunto deste semestre? 1) 1

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DIREITO CIVIL

FONTE DAS OBRIGAÇÕES (OU CONTRATOS)

Este terceiro semestre do curso de Direito Civil é chamado por muitos de “Contratos”,

mas na verdade seu nome correto é “Fontes das Obrigações”, porém como o contrato é a

maior fonte de obrigação, fica a polêmica.

            No semestre passado foram estudadas as obrigações jurídicas decorrentes das

relações dos homens com outros homens. Das relações dos homens com as coisas cuida o

Direito Real, assunto de Civil 5. E o principal direito real é a propriedade. Propriedade e

contrato são assim os pilares do Direito Civil e da vida de todos nós. Este é o sentido da

vida: estudar e trabalhar para se relacionar com as pessoas, celebrando contratos, e se

relacionar com as coisas, adquirindo propriedade, tudo para formar um patrimônio que será

transferido após nossa morte a nossa família (Dir. de Família, Civil 6), de acordo com as

regras do Direito das Sucessões (herança - Civil 7).

            Em Civil 4, no próximo semestre, o estudo dos contratos será aprofundado com a

análise das diversas espécies de contratos, não de todos os contratos, mas apenas dos

mais importantes (art. 425).

            E como se originam as obrigações? Quais as fontes das obrigações, como se criam

as obrigações, assunto deste semestre? 1) a maior e mais importante fonte, já disse, é o

contrato. As outras fontes são 2) os atos unilaterais (ex: promessa de recompensa, 854), 3)

os atos ilícitos (assunto de Civil 1 e neste semestre em Responsabilidade Civil, 927) e 4) a

lei propriamente dita (ex: sustento, 1566, IV, alimentos, 1696, assuntos de Direito de

Família), ressaltando que na verdade a lei está também por trás das demais fontes.

            Não percamos tempo e vamos logo tratar dos:

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CONTRATOS

Etimologicamente deriva de contractus e de contrair.

Conceito: negócio jurídico resultante de um acordo de vontades que

produz efeitos obrigacionais. Este é o conceito da doutrina, até porque não é missão do

legislador fazer definições. Vamos comentar e destacar os aspectos principais deste

conceito:

            - Negócio Jurídico: contrato é negócio jurídico, ou seja, é uma declaração de

vontade para produzir efeito jurídico. O contrato é negócio, via de regra, informal, quer dizer,

existe uma grande liberdade das pessoas na celebração dos contratos, tanto que a maioria

dos contratos pode ser verbal até para facilitar a nossa vida e a circulação de bens (art.

107). Chama-se de autonomia privada este campo do Direito Civil justamente porque a

liberdade das pessoas no contratar e no dispor de seus bens é grande.       

As partes podem até criar/inventar contratos, igualmente celebrá-los verbalmente,

sem formalidades (425). Recomenda-se celebrar por escrito contratos de alto valor, mas não

por uma questão de validade e sim por uma questão de segurança, caso surja algum litígio

judicial (227). Os contratos verbais são provados em Juízo mediante testemunhas, que são

provas menos seguras do que os documentos. Exemplo de contrato solene/escrito é a

compra e vende de imóvel (108) e a doação (541). São contratos informais/verbais a compra

e venda de móveis, a locação e o empréstimo.

             - Acordo De Vontades: o contrato exige um consenso, um acordo de vontades. É

esse consenso que vai formar o contrato, principalmente se o contrato for verbal. O

consenso é entre pelo menos duas partes. Por isso todo contrato é no mínimo bilateral

quanto às partes, afinal ninguém pode ser credor e devedor de si mesmo (revisem confusão,

modo de extinção das obrigações visto em Civil 2).  O que se admite é o autocontrato, ou

contrato consigo mesmo, quando uma única pessoa vai agir por duas partes (ex: A vai viajar

e precisa vender sua casa, então passa uma procuração a seu amigo B autorizando-o a

vendê-la a quem se interessar, eis que o próprio B resolve comprar a casa, então B vai

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celebrar o contrato como vendedor, representando A, e como comprador, em seu próprio

nome). São duas vontades jurídicas distintas, embora expressas por uma só pessoa.

            - Efeitos Obrigacionais: as obrigações têm efeitos estudados em Civil 2, e dois

deles se aplicam diretamente aos contratos:

1) A Transitoriedade: os contratos, em geral, são transitórios/são

efêmeros/têm vida curta (ex: compra e venda de balcão); alguns contratos são

duradouros (ex: locação por doze meses), mas um contrato não deve ser

permanente. Permanência é característica dos Direitos Reais. A propriedade sim dura

anos, décadas, se transmite a nossos filhos, mas os contratos não.

2) O Valor Econômico: todo contrato, como toda obrigação, precisa ter um

valor econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial do inadimplente se o

contrato não for cumprido. Em outras palavras, se uma dívida não for paga no

vencimento ou se um contrato não for cumprido,  o credor mune-se de

uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Que

pretensão é esta de que se arma/de que se mune o credor? É a pretensão a executar

o devedor para atacar/tomar seus bens através do Juiz. E se o devedor/inadimplente

não tiver bens? Então não há nada a fazer, pois, como dito, a responsabilidade é

patrimonial e não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o chamado na brincadeira

jus sperniandi. Realmente já se foi o tempo em que o devedor poderia ser preso,

escravizado ou morto por dívidas. O único caso atual de prisão por dívida é na

pensão alimentícia, assunto de Direito de Família. Existe também uma prisão civil

contra o depositário (assunto do próximo semestre, 652, mas a jurisprudência tem

rejeitado essa prisão).

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ELEMENTOS, REQUISITOS E PRESSUPOSTOS CONTRATUAIS

Hoje vamos trabalhar em cima do art. 104 do CC, que vocês conhecem de Civil 1.

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

1) CAPACIDADE DAS PARTES

Este é o primeiro elemento (art. 104, I), pois o contrato celebrado pelo incapaz é nulo

(166, I) e pelo relativamente incapaz é anulável (171, I). A nulidade é assim mais grave do

que a anulabilidade. Imaginem uma doença: a nulidade é uma doença fatal, já a

anulabilidade é curável. Depois revisem este assunto de Civil 1. Mas o menor e o louco,

embora incapazes, podem adquirir direitos e celebrar contratos, desde que devidamente

representados. Então os pais representam os filhos, os tutores representam os órfãos e os

curadores representam os loucos (assunto de Direito de Família, Civil 6). Desta forma,

a capacidade de direito é inerente a todo  ser humano (art. 1º), a capacidade de fato é que

falta a algumas pessoas (ex: menores, loucos) e que por isso precisam ser representadas

para celebrar contratos (116).

2) OBJETO DO CONTRATO

É a operação, é a manobra que as partes visam realizar. O objeto corresponde a

uma prestação lícita, possível, determinada e de valoração econômica. Falaremos mais de

prestação abaixo. Então A não pode contratar B para matar C, nem A pode contratar B para

comprar contrabando ou drogas, pois o objeto seria ilícito.  Igualmente o filho não pode

comprar um carro com o dinheiro que vai herdar quando o pai morrer, pois a lei proíbe no

art. 426 (chama-se de pacta corvina, ou pacto de corvo este dispositivo já que é muito

mórbido desejar a morte do pai, e ninguém garante que o filho é que vai morrer depois).

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Quanto à possibilidade do objeto, seria impossível contratar um mudo para cantar, ou

vender passagens aéreas para o sol.

O objeto também precisa ser determinado ou determinável, conforme visto no

semestre passado quanto às obrigações de dar coisa certa ou incerta (243).

Finalmente, o contrato precisa ter valor econômico para se resolver em perdas e danos se

não for cumprido por ambas as partes, conforme explicado na aula passada (389). O valor

econômico do contrato viabiliza a responsabilidade patrimonial do inadimplente, já que não

se vai prender um artista que se recusa a fazer um show. O artista será sim executado

patrimonialmente para cobrir os prejuízos, tomando o Juiz seus bens para satisfazer a parte

inocente.

3) FORMA

A forma do contrato é livre, esta é a regra, lembrem-se sempre disso. Existem

exceções, mas esta é a regra geral: os contratos podem ser celebrados por qualquer forma,

inclusive verbalmente face à autonomia da vontade que prevalece no Direito Civil (107). O

formalismo está em desuso nos países modernos para estimular as transações civis e

comerciais, trazendo crescimento econômico com a circulação de bens e de riqueza. A

vontade inclusive prevalece sobre a forma, nos termos do art. 112 que será explicado nas

próximas aulas. Quando vocês forem redigir um contrato não há formalidades a obedecer,

basta colocar no papel aquilo que seja imprescindível ao acordo entre as partes, até porque,

como dito na aula passada, os contratos podem ser verbais, como na compra e venda,

locação e empréstimo. Vide art 104, III: assim salvo expressa previsão em lei, a forma do

contrato é livre.  Que contratos têm forma especial e precisam ser escritos? Veremos ao

longo do curso, mas já se podem adiantar dois: a doação de coisas valiosas (541 e P.Ú.) e a

compra e venda de imóvel (108). Percebam que os contratos escritos se dividem em

“instrumento particular” (feito por qualquer pessoa, qualquer advogado) e “escritura

pública” (feita por tabelião de Cartório de Notas, com as solenidades do art. 215).  

4) LEGITIMIDADE

Está próxima da capacidade, vista na aula passada. São irmãs, mas não se

confundem. A legitimidade é um limitador da capacidade em certos negócios jurídicos. A

legitimidade é o interesse ou autorização para agir em certos contratos previstos em lei. A

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pessoa pode ser capaz, mas pode não ter legitimidade para agir naquele caso específico.

Exs: o tutor não pode comprar bens do órfão (497, I), o cônjuge não pode vender uma casa

sem autorização do outro (1647, I), a amante do testador casado não pode ser sua herdeira

(1801, III), o pai não pode vender um terreno a um filho sem a autorização dos outros filhos

(496). Em todos estes exemplos falta legitimidade e não capacidade às partes. Realmente, o

marido não pode vender um imóvel sem a outorga uxória não porque o marido seja incapaz

(louco ou menor), mas porque lhe falta autorização para agir, prevista em lei, para proteger

a família (= legitimidade).  Igualmente o juiz não pode comprar o bem que ele penhorou do

devedor no processo de execução não porque o magistrado seja incapaz, mas porque lhe

falta legitimidade. Ora, com tanta coisa no comércio para ser adquirida, não é razoável o juiz

comprar para si um bem que ele mandou tomar, afinal não basta ser honesto, é preciso

parecer honesto. Para não esquecerem a legitimidade, que é tão importante, acrescentem a

lápis um inciso IV ao art. 104 do CC.

5) CAUSA

Qual o motivo do contrato? Qual a finalidade do contrato? Por que João quer

comprar? Por que Maria quer alugar? Isto não interessa, não há relevância jurídica para a

causa/motivo do contrato no direito brasileiro. O art. 166, III usa a expressão “motivo”,

todavia se refere ao objeto do contrato (104, II, ex: alugar uma casa para prostituição

infantil). Quando você vai comprar um carro, é juridicamente irrelevante se o carro é para

você passear, trabalhar, ou se você vai dar a seu filho, etc. Esse motivo é só do comprador,

e o vendedor em geral nem sabe quais os motivos da outra parte. Outro exemplo, você

compra anel de noivado, depois acaba o namoro, pode devolver o anel na loja e pedir o

dinheiro de volta? Não, justamente porque o motivo da compra não é relevante. Mas e se

você é salvo de um afogamento pelo bombeiro Jose, e como retribuição doa um carro ao

bombeiro João, Jose pode pedir a anulação do contrato? Sim, pois houve erro como defeito

do negócio jurídico, e o motivo da doação foi o salvamento, senão você jamais daria um

carro nem a Jose nem a João (140, 171, II). Bom, em termos econômicos, as pessoas

contratam para ganhar dinheiro, para ter conforto, para satisfazer suas necessidades. Nesse

sentido o art. 421. E quando o contrato cumpre sua “função social”? Quando viabiliza trocas

úteis e justas, afinal ninguém contrata para ter prejuízo. Falaremos mais da função social do

contrato nas próximas aulas, mas o motivo do pacto juridicamente deve ser desprezado.

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6) PRESTAÇÃO

É uma conduta humana, é um ato ou omissão das partes, é um dar, é um fazer ou é

um não fazer. O contrato é uma fonte de obrigação, e toda obrigação tem por objeto uma

prestação que corresponde a um dar, fazer ou não fazer. Então se eu contrato um advogado

para me defender, o objeto deste contrato será o serviço jurídico que será feito pelo

bacharel (obrigação de fazer). Outro exemplo: vejam o conceito legal de compra e venda no

art. 481. Observem a expressão “se obriga”. Então o objeto da compra e venda não é a

coisa em si, mas a prestação de dar o dinheiro pelo comprador e de dar a coisa pelo

vendedor. O vendedor se obriga a dar a coisa, e se ele não der, o comprador não pode

tomar a coisa, mas sim exigir o dinheiro de volta mais eventuais perdas e danos (389).  O

art. 475 é uma exceção a este 389, veremos em breve quando formos tratar dos efeitos dos

contratos. Assim, admite-se excepcionalmente que, ao invés de apenas resolver a obrigação

em perdas e danos (art. 947), o credor possa exigir a prestação “in natura”, ou seja, a coisa

devida em si. Bom, aguardemos a aula sobre os efeitos dos contratos. Voltando a falar de

prestação, o objeto do contrato é uma prestação, essa prestação pode ser de dar, fazer ou

não fazer. O objeto da prestação de dar será uma coisa, o objeto da prestação de fazer será

um serviço e o objeto da prestação de não fazer será uma omissão, conforme visto em Civil

2.

7)   ELEMENTOS ACIDENTAIS

Estes não são obrigatórios, mas facultativos, ou seja, as partes inserem se quiserem

(ex: cláusula penal, 408; encargo na doação, 562, etc.).  

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FORMAÇÃO DO CONTRATO

Os contratos se formam pelo consenso, pelo acordo de vontades entre pelo menos

duas pessoas, sem maiores solenidades (107). A vontade é fundamental nos contratos,

por isso todo contrato é consensual.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,

senão quando a lei expressamente a exigir.

Para as pessoas se relacionarem é preciso que elas se comuniquem. A

comunicação da vontade pode ser expressa e pode ser tácita. A comunicação expressa é

a mais comum e mais clara, se fazendo de forma escrita ou verbal. Já a comunicação tácita

é aquela presumida por certas circunstâncias, como o silêncio da outra parte (111, ex.: em

geral as pessoas gostam de receber presentes, mas ninguém está obrigado a aceitá-los,

porém o silêncio do donatário é tido como aceitação, 539; outro ex: 659). Mas em Direito

nem sempre quem cala consente, como na assunção de dívida, onde o silêncio do credor

importa em recusa da troca do devedor (P.Ú. do art. 299).

As vontades que formam o contrato se chamam de oferta (ou proposta) de um lado, e

aceitação do outro lado. Quem emite a oferta é o proponente (ou policitante). Quem

emite a aceitação é o aceitante (ou oblato).

Nos contratos complexos e de alto valor existem os debates preliminares,

avançando as negociações até a maturidade e o fechamento do contrato com o acordo de

vontades. Na fase preliminar pode se escrever uma minuta ou rascunho do contrato. Mas

para comprar chiclete na barraca ninguém faz isso: as vontades se comunicam, o contrato

se forma, nasce e se extingue em segundos.

Exemplificando, no contrato de compra e venda quem emite a proposta é o vendedor

ao efetuar oferta a pessoa indeterminada (= oferta ao público; ex: sapatos expostos numa

sapataria). Esta oferta ao público tem caráter obrigatório pela seriedade e segurança das

relações jurídicas (art. 427). Além de obrigatória, a proposta deve ser completa a fim de

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facilitar a aceitação e o surgimento do contrato, nos termos do art. 31 do Código do

Consumidor: "a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar

informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e

origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e

segurança dos consumidores." Quanto mais completa for a oferta, facilita seu "casamento"

com a aceitação. Se a aceitação não se integrar com a oferta, teremos uma contraproposta

do 431.

Por outro lado, admite-se na compra e venda que o comprador faça a proposta,

por exemplo, se uma pessoa vê o relógio do colega e pergunta se quer vendê-lo? Neste

caso, o comprador estará estimulando o proprietário a colocar a coisa em leilão. 

Para nosso Código, presentes são as pessoas que contratam diretamente entre si, mesmo

em cidades diferentes usando telefone ou internet (parte final do inc. I do art. 428). Já

ausentes são aqueles que usam um intermediário ou mensageiro, mesmo que estejam os

contratantes na mesma cidade.

O contrato, uma vez concluído, faz lei entre as partes, e se uma delas

posteriormente desistir terá que indenizar a outra pelas perdas e danos causados

(430, 389). As referidas minutas não são contratos ainda, então pode se desistir sem

problemas. Mas para justificar uma indenização tem que ter havido dano concreto, material

ou moral, afinal já foi estudado em Civil 2 que não existe dano hipotético ou eventual (403). 

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CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

É importante conhecer esta classificação para fins de interpretação e aplicação dos

contratos.

1) UNILATERAL E BILATERAL

Todo contrato é sempre bilateral quanto às partes (no mínimo duas partes), mas

quanto aos efeitos pode ser unilateral ou bilateral. O contrato bilateral quanto aos efeitos

é também conhecido como sinalagmático, pois cria direitos e deveres equivalentes para

ambas as partes. Ex: compra e venda, pois o comprador tem o dever de dar o dinheiro e o

direito de exigir a coisa, enquanto o vendedor tem a obrigação de dar a coisa e o direito de

exigir o dinheiro; locação, pois o locador tem a obrigação de transferir a posse do imóvel e o

inquilino tem a obrigação de pagar o aluguel. Já o contrato de efeito unilateral só cria direito

para uma das partes e apenas obrigação para a outra, uma das partes será só credora e a

outra só devedora, ex: doação, pois só o doador tem a obrigação de dar e o donatário

apenas o direito de exigir a coisa, sem nenhuma prestação em troca. Empréstimo e fiança

também são exemplos de contratos unilaterais que estudaremos em breve. 

2) ONEROSOS E GRATUITOS

Nos contratos onerosos, ambas as partes têm vantagem e proveito econômico,

p.ex: os contratos bilaterais, onde ambas as partes ganham e perdem. Já os contratos

gratuitos só beneficiam uma das partes, então geralmente todo contrato unilateral é gratuito,

como na doação e no empréstimo. Porém pode haver contratos unilaterais e onerosos

quando existe uma pequena contraprestação da outra parte, como na doação modal,

aquela onde há um encargo por parte do donatário, ou seja, o doador exige um pequeno

serviço do donatário em troca da coisa (ex: A doa uma fazenda a B com o ônus de construir

uma escola para as crianças carentes da região; A dá um carro a seu filho com o ônus de

levar a mãe para passear todo sábado, art. 553). O encargo tem que ser pequeno, senão

descaracteriza a doação. Se o encargo for grande o contrato não será nulo, apenas não

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será doação, mas outro contrato qualquer. Ex: empresto um apartamento a João sob

pagamento mensal de mil reais, ora isto não é empréstimo, mas locação. Outro exemplo de

contrato unilateral e oneroso é o mútuo feneratício (= empréstimo de dinheiro a juros, art.

591). Empréstimo entre amigos em geral não tem juros (= mútuo simples), sendo unilateral e

gratuito, mas no empréstimo econômico os juros são naturalmente devidos, tratando-se de

contrato unilateral e oneroso.

3) COMUTATIVOS E ALEATÓRIOS

Esta classificação só interessa aos contratos onerosos . Só os contratos onerosos

se dividem em comutativos e aleatórios. São comutativos quando existe uma equivalência

entre a prestação (vantagem) e a contraprestação (sacrifício), ex: compra e venda, troca,

locação, etc. Diz-se inclusive que a compra e venda é a troca de coisa por dinheiro. Já nos

contratos aleatórios uma das partes vai ter mais vantagem do que a outra, a depender de

um fato futuro e imprevisível chamado alea = sorte, destino. Ex: contrato de seguro onde eu

pago mil reais para proteger meu carro que vale vinte mil; se o carro for roubado eu

receberei uma indenização muito superior ao desembolso efetuado, mas se durante o prazo

do contrato não houver sinistro, a vantagem será toda da seguradora. Jogo, aposta, compra

e venda de coisa futura, são outros exemplos de contratos aleatórios que veremos

oportunamente. 

4) PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS

Contrato principal é aquele que tem vida própria e existe por si só. A grande

maioria dos contratos é principal, independente e autônoma. Porém há contratos

acessórios cuja existência depende de outro contrato, como os contratos de garantia.

Ex: a fiança é um contrato acessório que geralmente garante uma locação principal; a

hipoteca é outro contrato acessório que geralmente garante um empréstimo principal. A

fiança e a hipoteca vão servir assim para satisfazer o credor caso haja inadimplemento dos

contratos principais, trazendo mais segurança ao credor. Veremos fiança no próximo

semestre e hipoteca em Civil 5. Tais contratos acessórios seguem os principais (art. 184).  

5) INSTANTÂNEOS E DE DURAÇÃO

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A regra é o contrato ser instantâneo, ter vida curta/efêmera (ex: compra e venda,

troca, doação, que duram segundos ou minutos; mesmo uma compra e venda a prazo é

instantânea, sua execução é que é diferida no tempo). Já outros contratos são duradouros e

se prolongam por dias, semanas e meses (ex: empréstimo, locação, seguro). Não é da

essência dos contratos durarem anos e décadas. Os direitos reais é que são permanentes,

como a propriedade, a superfície e o usufruto, valendo por toda uma vida.  Se você deseja

alugar um imóvel por muitos anos, é mais seguro instituir uma superfície, assunto de Civil 5.

E se superfície é melhor do que locação, por que a sociedade usa mais a locação? Porque

os contratos são mais simples, podem até ser verbais, enquanto os direitos reais exigem

solenidades e formalidades. Em suma: os contratos devem ser no máximo duradouros,

e não permanentes.

6) PESSOAIS E IMPESSOAIS

O contrato pessoal é celebrado com determinada pessoa em virtude de suas

qualidades pessoais, é chamado assim intuitu personae (em razão da pessoa). Ex:

contrato um ator famoso para gravar um filme, caso ele desista, não aceitarei o filho no lugar

dele. Quando a obrigação é de fazer um serviço, em geral o contrato é personalíssimo.

Já nas obrigações de dar uma coisa, o contrato é impessoal, então se A me deve cem reais,

não tem problema que B ou C me paguem tais cem reais.  Veremos em breve que, nos

contratos impessoais, se admite a execução forçada do contrato, prevista no art. 475 do CC

(sublinhem “exigir-lhe o cumprimento”). Falaremos mais em breve deste importante art. 475.

Já nos contratos personalíssimos, se o devedor não quiser cumprir sua obrigação, a única

saída são as perdas e danos do 389, afinal não se pode constranger uma pessoa a

trabalhar sob vara.

7) TÍPICOS E ATÍPICOS

Os contratos típicos têm previsão no tipo/na lei, e foram disciplinados pelo

legislador, pois são os contratos mais comuns e importantes com nomem juris (nome na lei).

Ex: os cerca de vinte contratos previstos no CC, no Título VI do Livro I, do art. 481 ao 853. 

Mas estes não são os únicos contratos permitidos, são apenas os mais importantes. Sim, já

que a criatividade e necessidade dos homens em se relacionar e fazer negócios pode criar

novos contratos não previstos em lei dentro da autonomia privada. Um exemplo de contrato

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atípico é o leasing, não previsto em lei, mas muito importante na aquisição de bens

duráveis, que será visto no próximo semestre (art. 425, obs.: a lei  Nº 11.649/2008 dispõe

sobre procedimento no leasing, não sobre o contrato em si). Quando o contrato é típico, a lei

serve para completar a vontade das partes, o que chamamos de norma supletiva (ex.: 490

este artigo não é imperativo/obrigatório, é apenas supletivo, já que as partes podem violá-lo

em contrato). Os contratos típicos podem ser verbais, pois existe a lei para suprir suas

lacunas. Já os contratos atípicos, como o leasing, devem ser escritos e minuciosos já que

não há lei para regulamentá-los. Falando de tipicidade, os Direitos Reais são típicos, não

podem ser criados pelas partes (art. 1225). Falando de normas imperativas, no Direito

Público a maioria das normas é imperativa, enquanto aqui na autonomia privada

encontramos muitas normas supletivas.  Gosto de dizer que, no Direito Civil, se faz tudo que

a lei não proíbe, a liberdade é grande, enquanto no Direito Público (Trabalhista,

Administrativo) só se faz o que a lei permite.

8) SOLENES E INFORMAIS

Como na autonomia privada a liberdade é grande, a maioria dos contratos são

informais e consensuais, bastando o acordo de vontades para sua formação (107, 104 III).

Já em alguns contratos, pelas suas características, a lei exige solenidades para sua

conclusão, como no caso da doação e fiança que devem ser por escrito (541 e 819). Já na

compra e venda de imóvel, pelo valor e importância dos imóveis, o contrato além de escrito

deve ser feito por tabelião, pelo que para adquirir uma casa só o acordo de vontades não

basta, é necessário também celebrar uma escritura pública (arts. 108 e 215).  Então os

contratos informais podem ser verbais, enquanto os contratos solenes devem ser por

escrito, seja particular (feito por qualquer pessoa/advogado, como na fiança e doação)

ou público (feito apenas em Cartório de Notas, qualquer deles).

9) REAIS E CONSENSUAIS

Já dissemos que todo contrato é consensual, quer dizer, exige acordo de vontades.

Mas em alguns contratos, só o consenso é insuficiente, então além do acordo de

vontades, a lei vai exigir a entrega da coisa (= tradição), por isso se dizem contratos

reais.  Podem  até ser verbais/informais, mas não nascem antes da entrega da coisa. Ex:

doação de bens móveis (P.Ú. do 541), comodato (579), mútuo, depósito (627). Porém na

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compra e venda, troca, locação, etc., já vai existir contrato após o acordo de vontades e

mesmo antes da entrega da coisa, de modo que uma eventual desistência pode ensejar

perdas e danos ou até a execução compulsória do 475. Então se A promete emprestar sua

casa de praia para B passar o verão (= comodato), só haverá contrato após a ocupação

efetiva da casa por B. Já se A se obriga a alugar sua casa de praia a B durante o verão (=

locação), o contrato surgirá do acordo de vontades, e eventual desistência de A, mesmo

antes da entrega das chaves, ensejará indenização por perdas e danos (389). A tradição

não é requisito de validade, mas de existência dos contratos reais.

10) CIVIS E MERCANTIS

Os contratos civis visam satisfazer uma necessidade particular, sem visar

diretamente ao lucro (53); já os contratos mercantis serão estudados em Direito

Empresarial e têm fins econômicos (981). É fundamental preservar a informalidade dos

contratos mercantis para estimular sempre o comércio entre as empresas, com a geração de

emprego e renda. Afinal quem produz riqueza é o particular, e não o Estado.

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CONTRATO DE ADESÃO

Concluída a classificação dos contratos, vamos explicar este importante e moderno

mecanismo negocial chamado contrato de adesão. Com o desenvolvimento da sociedade e

a oferta de serviços ao grande público, se fez necessário criar um contrato previamente

pronto por uma das partes, cabendo à outra parte aceitar/aderir ou não. Exemplos:

contrato de transporte, luz, telefone, seguro, espetáculo público, contrato bancário, etc.

Nestes casos, a parte que adere é o consumidor que não pode discutir as cláusulas, pode

apenas aceitá-las integralmente ou não. Imagine que José deseja viajar de Recife para

Porto Alegre em vôo direto, mas só existem vôos com escalas e conexões. É evidente que

José não poderá exigir que o avião parta direto, terá o consumidor que se sujeitar ao

itinerário ou então trocar de companhia ou ainda fretar um avião só para si. Outro ex: o jogo

de futebol está marcado para 16 h, mas José quer que o jogo comece às 21 h, é evidente

que o jogo é para o público em geral, e não apenas para José. Os contratos de adesão são

assim contratos numerosos para negociação em massa nas relações de consumo,

tornando-as mais rápidas e baratas. É contrato muito popular e a parte deve ler com cuidado

o que está assinando para depois não se arrepender, embora o Código do Consumidor

proíba cláusulas abusivas nos contratos de adesão, justamente porque não foi objeto de

discussão (art. 51 da lei 8.078/90).

O consentimento neste contrato surge com a adesão. Para alguns doutrinadores

o contrato de adesão não seria contrato porque as cláusulas são predispostas e faltaria o

consenso, mas eu discordo, e afirmo que o contrato de adesão é importante na vida

moderna e o consenso surge com a adesão, existindo o Código do Consumidor justamente

para coibir abusos e monopólios. Em suma, o contrato de adesão não é nulo, ao contrário, é

válido e importante, recomendando a vocês que cursem oportunamente a disciplina Direito

do Consumidor. 

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PRINCÍPIOS DOS CONTRATOS

1) AUTONOMIA DA VONTADE

No direito contratual as partes têm liberdade para contratar ou não, adquirindo

direitos e contraindo obrigações, relacionando-se com quem quiser, dispondo de seus bens

como entender e até inventando contratos (425). Ao contrário do Direito Administrativo, onde

existe muito limite na atuação do gestor. Então se qualquer um de nós ou um empresário

pode contratar como quiser, por sua vez, o Prefeito/Governador/Presidente fica sujeito às

diretrizes e orçamentos previstos na Constituição e aprovados pelo Poder Legislativo. E

deve ser assim, afinal, o governante lida com a coisa pública e não com a coisa própria.

Este princípio contratual da autonomia da vontade é um poder criador, sendo amplo,

mas não absoluto, encontrando limites na ordem pública e nos bons costumes :

- Ordem Pública: são as leis imperativas/obrigatórias presentes no direito

privado e que interessam à sociedade e ao Estado. Ex: 426 (pacta corvina), 421, P.Ú.

do 2.035). Em que consiste esta função social do contrato? Em trocas úteis e justas,

afinal ninguém contrata para ter prejuízo. A propriedade, outro pilar do Direito Civil,

também deve ser exercida respeitando sua função social (§ 1º do art. 1228).  

- Bons Costumes: são as maneiras de ser e de agir, correspondendo à

influência da moral no Direito. A moral varia de acordo com o tempo e o lugar, de

modo que um desfile de moda-praia num shopping center é permitido, mas não na

frente do Palácio do Bispo, por violar a moral da maioria da sociedade.  Igualmente

nossa moral não aceita o nudismo, todos nós usamos roupas, mas em algumas

praias o nudismo já é permitido.

A exigência de que tanto o contrato, como a propriedade, cumpram uma função

social, é novidade do Código de 2002 por conseqüência da publicização do Direito. O que é

isto? É a intervenção, cada vez maior, do Estado na atividade particular das pessoas e na

autonomia privada. Chama-se de dirigismo contratual esta iniciativa do Estado de elaborar

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leis para dar superioridade jurídica a certas categorias economicamente mais fracas, como

os trabalhadores, os inquilinos, os consumidores e os devedores. Leiam um artigo meu

sobre este assunto  no nosso site com o título “A importância do Direito Privado apesar da

publicização do Direito”, e as criticas que faço ao dirigismo excessivo que atrofia a

economia, faz subir os juros, diminuiu a oferta de imóveis para aluguel e mantém milhões de

trabalhadores na informalidade.

2) PRINCÍPIO DO CONSENTIMENTO OU CONSENSUALISMO

Todo contrato exige acordo de vontades. No contrato de adesão o consentimento

surge com o aceite do consumidor. Nos contratos solenes e reais, o acordo de vontades

antecede a assinatura da escritura ou a entrega da coisa.

A vontade é tão importante que ela pode predominar sobre a palavra escrita (art. 112,

sublinhem intenção, que é a vontade real, e sentido literal, que é a vontade declarada).

Assim, aquilo que as partes queriam dizer é mais importante do que aquilo que as partes

disseram, escreveram e assinaram. Não se trata aqui de rasgar o “preto no branco”, mas

sim de respeitar a vontade das partes.  Exemplos:

a) art. 1899, embora testamento não seja contrato, mas este artigo revela a

importância da vontade nos negócios jurídicos.

b) agora um exemplo contratual: José aluga a João por cem reais um quartinho

nos fundos de sua casa, mas no contrato, ao invés de escrever “aluga-se um quarto”,

se escreveu “aluga-se uma casa”, vai prevalecer a intenção que era de alugar o

quarto, João  não vai poder exigir a casa pois sabia que, por aquele preço e naquelas

circunstâncias, a locação era só de um aposento.

c) outro exemplo contratual: José morreu e deixou uma casa para seu filho

João, só que João precisa viajar e não pode esperar a conclusão do inventário, então

João vende a Maria os seus direitos hereditários por cem mil reais (ressalto que não

se trata aqui do pacta corvina do 426, e sim da cessão do 1793 pois José já morreu);

eis que depois se descobre que José era muito rico e, além da casa, tinha ações,

outros imóveis, carros, jóias, aplicações financeiras, etc., neste caso Maria não será

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dona de tudo pois só o que ela adquiriu, naquelas circunstâncias, foi uma casa, e não

tantos bens, embora no contrato constasse que João lhe cedia todos os seus direitos

hereditários.

Nestes exemplos, prevalecerá a vontade sobre aquilo que foi escrito.

3)   PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA

Contrato faz lei entre as partes, deve ser cumprido por uma questão de

segurança jurídica e paz social. País nenhum se desenvolveu sem respeitar a propriedade

privada e os contratos. Diziam os romanos pacta sunt servanda (= contrato deve ser

cumprido), princípio que prevalece até hoje. Celebrado o contrato, ele se torna intangível,

não podendo ser modificado unilateralmente, por apenas uma das partes. Se uma das

partes não cumprir o contrato, a parte prejudicada exigirá o cumprimento forçado, através do

Juiz, ou uma indenização por perdas e danos (art. 475). Todavia, face ao dirigismo

contratual comentado na aula passada, a lei permite, excepcionalmente, que o Juiz, nos

contratos comutativos de longa execução, diante de um fato novo,  modifique o contrato

para manter a igualdade entre as prestações, afinal ninguém contrata para ter prejuízo (art.

478). Neste artigo encontramos a chamada Teoria da Imprevisão (ou cláusula rebus sic

stantibus = revogável se insustentável), mas repito, a intervenção do Estado-Juiz nos

contratos deve ser a exceção, por uma questão de segurança jurídica. Além disso, só se

admite a teoria da imprevisão em contratos longos e diante de um fato novo (ex: compro um

carro para pagar em três anos com prestações atreladas ao dólar, eis que por causa de uma

guerra no Oriente Médio, o dólar triplica de preço e as prestações se tornam muito

vantajosas para o vendedor, devendo então o Juiz modificar o contrato para restaurar o

equilíbrio entre as partes; outro exemplo no art. 620 do CC; ainda outro exemplo: alugo um

apartamento a beira mar, eis que o mar começa a avançar, fico sem praia, desvalorizando o

imóvel, justificando uma redução do aluguel). No Direito de Família, fora da autonomia

privada, temos outro exemplo da teoria da imprevisão no art. 1699: então se o pai presta

alimentos ao filho, e depois o pai perde o emprego ou o filho se torna um craque do futebol,

a pensão será certamente reduzida ou extinta. Em suma, a Teoria da Imprevisão permite ao

Juiz modificar o contrato a fim de restabelecer o equilíbrio entre as partes em face de um

caso fortuito que tornou a prestação excessivamente onerosa para uma das partes.  Caso

fortuito é aquele do P.Ú. do art. 393, estudado no semestre passado. A Teoria da

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Imprevisão é assim conseqüência da função social do contrato, que exige trocas úteis e

justas, conforme art. 421 e  P.Ú. do art. 2035 do CC.  Não discuto a importância e a

modernidade da Teoria da Imprevisão, mas ela deve ser aplicada com cautela por uma

questão de segurança jurídica e para não proteger o mau pagador. Não é bom para a

atividade econômica e para a geração de empregos um Estado interferindo nos contratos.

Na dúvida, aplica-se o pacta sunt servanda e não a Teoria da Imprevisão. .

4) PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

Este princípio obriga as partes a agirem num clima de honestidade e de

colaboração recíproca para que ambas alcancem o objetivo daquele contrato. A boa fé

deve estar na mente de todo contratante. Felizmente esse princípio é naturalmente seguido

pela população, tanto que a imensa maioria dos contratos nasce, produz seus efeitos e se

extingue sem problemas, só um pequeno percentual é que vai trazer controvérsias e

terminar sobrecarregando o Judiciário (113, 422). Todo contrato exige boa-fé, mas em um

contrato a boa-fé é exigida com mais rigor: o contrato de seguro (765 – estrita boa-fé e

veracidade), então não minta e nem omita circunstâncias importantes sobre o objeto

segurado ou sobre sua saúde, para não perder a indenização caso ocorra um acidente ou

uma doença. Falaremos mais de seguro no próximo semestre.

  5) PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE

Por este princípio, o contrato é relativo às partes celebrantes, ou seja, não interessa a

terceiros/não é absoluto/não é erga omnes (= contra todos). Diziam os romanos: res inter

alios acta, aliis neque nocet neque prodest (a coisa contratada entre uns, nem prejudica e

nem beneficia terceiros). Este princípio tem exceções, de modo que terceiros não

celebrantes podem participar dos contratos, vejamos:

A) Os Herdeiros: nas obrigações de fazer personalíssimas, o contrato não se

transfere aos herdeiros, mas nas obrigações de dar sim. Então se A toma cem reais

emprestado com B e vem a falecer, os herdeiros de A terão que pagar a dívida a B, dentro

dos limites da herança recebida de A. Se A não deixar herança, os filhos não terão

obrigação de pagar a dívida (arts. 1792 e 1997).

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B) Na estipulação em favor de terceiro, quando se pode beneficiar um terceiro

com um contrato (ex: alugo minha casa e determino que o aluguel seja pago a meu irmão

desempregado; outro ex: faço um seguro de vida para beneficiar meu filho). Tanto o

contratante como o beneficiário poderão exigir a prestação se a outra parte atrasar (436). Na

estipulação, a qualquer momento o beneficiário pode ser substituído, bastando comunicar

ao outro contratante (438).

C) Nas Convenções Coletivas: no Direito do Trabalho e no Direito do Consumidor

se permitem que sindicatos e associações negociem relações de trabalho e de consumo

com os patrões e os fornecedores. Tais convenções irão obrigar todos os trabalhadores

filiados àquele sindicato e todos os consumidores filiados àquelas entidades, e não apenas

os dirigentes signatários da convenção. Depois leiam o art. 611 da Consolidação das Leis

do Trabalho – CLT, e o art. 107 do Código do Consumidor.          

D) Nas Obrigações Reais, quando muda o devedor porque mudou o proprietário

da coisa (ex: 1345); depois revisem obrigações reais, assunto de Civil 2.

E) No Contrato Com Pessoa A Declarar: neste o contrato se forma e fica acertado

que um dos contratantes irá futuramente indicar a pessoa que adquirirá os direitos, vindo a

ocupar o lugar de sujeito da relação jurídica, art. 467 (ex: compro um apartamento para

pagar em quinze anos e celebro um contrato preliminar com a construtora - 462, pois o

contrato definitivo só virá ao término do pagamento integral; então, após os quinze anos,

posso pedir à construtora-vendedora que coloque o imóvel logo no nome dos meus filhos).

Se essa pessoa futura não aceitar o contrato, continuará válido entre os contratantes

originários (470, I).

F) Na Promessa De Fato De Terceiro: é a possibilidade de um contratante obrigar-

se perante outro a obter de terceiro determinada obrigação, sob pena de responder por

perdas e danos. Ex: um promotor de eventos promete ao dono de uma casa de shows trazer

um artista para cantar na cidade. Se o artista não vier, o promotor será responsabilizado

(439). Diferente da estipulação em favor de terceiro, vista acima, o promotor não vai

beneficiar o artista, vai sim se responsabilizar pela sua apresentação. O artista não integra o

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contrato inicial entre o promotor e o dono da casa de shows, mas sim participará de um

segundo contrato com o promotor do evento.

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HERMENÊUTICA CONTRATUAL

É o estudo da interpretação dos contratos, para revelar o espírito, o sentido, o

alcance, a intenção do contrato.  O contrato nasce do acordo de vontades, expresso por

palavras verbais ou escritas. Mas na pressa de celebrar um contrato, diante do dinamismo

do mundo moderno, bem como por  inexperiência, podem as partes usar palavras que

gerem dúvidas. Surgindo assim controvérsia na execução do contrato, caso as partes não

consigam resolver o litígio entre si, dialogando, deverão pedir ajuda a um intérprete

particular ou púbico. O intérprete particular é o árbitro (revisem arbitragem, Civil 2) e o

público é o Juiz.

            O hermeneuta, na interpretação, deve seguir a lei, a jurisprudência e sua

consciência. Só com o tempo, muito estudo e experiência, o Juiz se torna um bom

intérprete. Não pode o juiz deixar de interpretar um contrato alegando que suas cláusulas

são ininteligíveis, como também não pode deixar de julgar um caso alegando omissão da lei

(art. 4º da LICC). Mas se o contrato estiver muito mal redigido, realmente incompreensível,

pode o juiz declará-lo nulo. E se o contrato for verbal? Então a tarefa de provar a existência

do contrato se confunde com a tarefa de interpretá-lo. Equívoco na interpretação do contrato

conduz a uma execução distanciada da intenção das partes. A busca dessa intenção, a

investigação dessa vontade dos indivíduos é o objetivo da interpretação dos contratos.

            Vejamos algumas regras que podem ajudar o trabalho do hermeneuta:

1) Busca Da Vontade Real: qual o espírito, qual a alma, qual a vontade

desejada pelo contrato? Esta primeira regra é a mais importante, pois na alma do

contrato está o consensualismo (= acordo de vontades). A vontade real é a

desejada pelas partes, que pode ser diferente da manifestada (= vontade declarada).

Deve o Juiz tentar reconstruir o ato de vontade em que se exteriorizou o contrato para

buscar a vontade real. Nos contratos deve-se ater mais à vontade dos contraentes do

que às palavras. Isto já foi explicado na aula 6 (princípio do consensualismo, art.

112).

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2) Senso Médio: o intérprete deve se colocar no lugar das partes e raciocinar

como faria o homem médio, ou seja, a generalidade da população, sem extremos,

sem radicalismos, de acordo com os costumes (113). Uma cláusula ambígua

interpreta-se conforme o costume do lugar. O senso médio é a sensatez, equilíbrio,

razoabilidade, que só vem com estudo e com o tempo. Depois leiam o artigo sobre “O

Juiz e a razoabilidade na aplicação da lei” no nosso site. A boa-fé significa que uma

das partes se entrega à conduta leal da outra, confiando que não será enganada (ex:

comprar carro usado, 422). Uma expressão sem sentido deve ser rejeitada como se

não constasse  no texto.

3) Fim Econômico: todo contrato tem um objetivo econômico, pois ninguém

contrata para ter prejuízo e sim para satisfazer sua necessidade e ter um ganho

patrimonial. Assim, nos contratos comutativos e onerosos deve-se buscar

a equivalência entre as prestações. É a chamada função social do contrato que prevê

trocas úteis e justas (421).

4) Uma Cláusula Em Destaque Prevalece Sobre As Outras: num contrato

uma cláusula em negrito, com destaque, prevalece sobre as outras, justamente

porque se presume que aquela cláusula chamou mais a atenção das partes. Assim

num contrato datilografado ou digitado, uma cláusula escrita a mão terá prevalência

sobre as  outras, caso  haja divergência entre elas.

5) Dirigismo Contratual: é uma política do Estado para dar superioridade

jurídica a classes economicamente fracas como o consumidor, o devedor, o

trabalhador e o inquilino (art. 423 do CC; art. 47 da lei 8.078/90 e art. 620 do CPC).

Entende parte da doutrina, especialmente no Direito do Trabalho, que in dubio pro

misero, ou seja, na dúvida deve-se favorecer a parte mais pobre. Discordo desta

política conforme explicado na aula 6, ao tratar do princípio da autonomia da vontade.

O Juiz não pode julgar em favor do mais pobre pois não se pode fazer caridade com

o dinheiro dos outros. O Juiz não pode se transformar num Robin Hood estatal. O

jurista alemão do séc. XIX Rudolf Von Ihering já alertava na sua obra A Luta pelo

Direito, p 85, nota 18, São Paulo, ed. Martins Claret, ano 2000:  “Não existe maneira

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mais cômoda de render o devido tributo ao espírito humanitário que praticá-lo às

custas de outrem”. Nem julgar a favor do rico, para adular, e nem julgar a favor do

pobre, por piedade, e sim julgar a favor do justo.

6) Contratos Benéficos: são aqueles unilaterais e gratuitos (ex: doação,

empréstimo, fiança). Na sua interpretação deve-se proteger a parte que fez o

benefício, que fez a liberalidade (ex: doador, comodante, mutuante e fiador). Art. 114.

Então se A empresta dinheiro a B, deve-se interpretar em favor do devedor/mutuário,

conforme o dirigismo contratual (art. 620 do CPC), ou do mutuante/credor conforme

art. 114 do CC? Reflitam!

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EFEITOS DOS CONTRATOS

1) OBRIGATORIEDADE

O contrato cria um vínculo jurídico entre as partes dotado de obrigatoriedade. Diz-se

que o contrato faz lei entre as partes. Os celebrantes devem honrar a palavra empenhada

e cumprir o contrato sob pena de responsabilidade patrimonial (389) ou de,

excepcionalmente, cumprimento forçado do contrato, através do Juiz, nos termos do art 475,

que será explicado abaixo.

2) IRRETRATABILIDADE

Uma vez perfeito e acabado, o pacto só pode ser desfeito por outro contrato

chamado distrato (472), e não por imposição de uma das partes. Na autonomia privada,

tudo, ou quase tudo, pode ser combinado e desfeito, mas sempre por consenso.

3) INTANGIBILIDADE

Além de não poder ser desfeito, o contrato não pode ser alterado por apenas um

dos celebrantes, sempre vai exigir novo acordo. Excepcionalmente admite-se modificação

feita pelo Juiz,  mas deve ser evitado ao máximo para que o Estado não interfira na

autonomia privada, trazendo insegurança às relações jurídicas, conforme já explicado na

Teoria da Imprevisão do art. 478 (vide aula 7). De regra o contrato é assim irrevogável (=

irretratável) e intangível (= inalterável).

4) EFEITO PESSOAL

Em relação ao objeto, o contrato cria obrigações de natureza pessoal. O credor

exige do devedor o cumprimento da prestação sob pena de perdas e danos. Esta é a regra:

descumprido o contrato, resolve-se em perdas e danos do 389 como tenho dito a vocês.

Todavia, o Código Civil de 2002 admite expressamente que, em alguns caos, a parte

inocente exija o cumprimento forçado do contrato, ao invés da simples perdas e danos

contra o inadimplente (475 – sublinhem “se não preferir exigir-lhe o cumprimento”). Então se

José vende um carro a João, recebe o preço, mas depois se arrepende e se recusa a

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entregar o veículo, a regra geral é João pedir uma indenização por perdas e danos (402).

Porém, admite a lei a execução in natura do contrato, de modo que o comprador, através do

Juiz, pode tomar o carro de José. Esta possibilidade corresponde a um efeito real nos

contratos, que geralmente só tem efeitos pessoais, afinal estamos dentro do Direito das

Obrigações. Contudo, como o Direito Obrigacional (= Pessoal, Civil 2, 3 e 4) e o Direito das

Coisas (= Real, Civil 5) integram o Direito Civil-Patrimonial, admite-se que, em alguns

momentos, eles se interpenetrem. É possível assim atribuir efeito real a certos contratos

para que o pacto seja efetivamente cumprido. Mas nem todo contrato admite execução in

natura. Tradicionalmente deve-se partir para as perdas e danos quando a execução

forçada for inviável ou causar constrangimento físico ao devedor (ex: se o referido veículo já

tivesse sido vendido por José a Maria, João não poderia tomar o carro de Maria, por uma

questão de segurança jurídica, pois Maria nada tem a ver com o problema de José com

João; outro exemplo, numa obrigação de fazer, quando um artista desiste de um show, não

se pode chamar a polícia e constrangê-lo a se apresentar sob vara, resolvendo-se assim em

perdas e danos, art. 947). Em suma, a regra é o 389, a execução in natura do 475 só se

admite nas obrigações de dar, e se a coisa ainda estiver no patrimônio do inadimplente.

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CONTRATO PRELIMINAR

          

Quando duas pessoas querem contratar elas conversam, dialogam, ajustam seus

interesses e celebram o contrato. Porém, por dificuldades financeiras, as partes podem

celebrar um contrato preparatório com vistas a um outro contrato principal definitivo. Esse

contrato preparatório é o contrato preliminar, onde as partes ajustam um compromisso de

celebrar futuramente o contrato principal. Enquanto no contrato principal o objeto é uma

prestação substancial, no contrato preliminar o objeto é fazer oportunamente o contrato

principal.

O contrato preliminar não é uma minuta ou rascunho, é contrato mesmo que visa

concretizar um contrato futuro e definitivo (462). É muito usado na aquisição de imóveis a

prazo, afinal, poucas pessoas podem comprar imóveis a vista e muita gente precisa de

habitação.  Se o contrato preliminar for descumprido, ou o contrato definitivo não for

celebrado oportunamente, caberá indenização por perdas e danos (465) ou mesmo a

execução forçada (463). Na execução forçada o juiz celebra o contrato no lugar da parte que

não está cumprindo sua obrigação (464). Então, por exemplo, desejando alguém adquirir um

imóvel para pronta moradia, celebra um contrato preliminar de promessa de compra e venda

com uma construtora, recebe as chaves e vai pagando as prestações ao longo dos anos. Ao

término do pagamento de todas as prestações celebra outro contrato com a construtora,

desta vez um contrato definitivo que será levado a registro no Cartório de Imóveis. O

contrato preliminar pode ser feito mediante instrumento particular, mas o definitivo vai exigir

escritura pública em qualquer Cartório de Notas (108). Se o adquirente tem o dinheiro todo

para comprar o imóvel, celebra logo o contrato definitivo. Este assunto será ampliado em

Civil 5, no estudo do Direito Real do Promitente Comprador do art. 1417

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INSTITUTOS RELATIVOS AOS CONTRATOS BILATERAIS

 Vamos conhecer agora institutos que só se aplicam aos contratos bilaterais, ou seja,

àqueles onde ambas as partes têm deveres e direitos recíprocos, são simultaneamente

credoras e devedoras.

1) EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO OU   EXCEPTIO NON ADIMPLETI

CONTRACTUS

A palavra exceção aqui tem significado de defesa, então este instituto é uma manobra

defensiva usada por uma das partes para fazer a outra cumprir com sua obrigação. Consiste

no seguinte: A e B celebram um contrato e A exige que B cumpra sua obrigação; B então se

defende com base no art. 476: se A quer que B cumpra sua obrigação, A deve primeiro

cumprir a dele.  Na compra e venda, só posso exigir a coisa depois de pagar o preço. Na

prestação de serviço, só posso exigir o diagnóstico do médico depois de pagar a consulta.

No seguro, só posso exigir a indenização depois de ter pago o prêmio. A essência dos

contratos bilaterais é o sinalagma e a dependência recíproca das obrigações. Este instituto

corresponde à boa-fé e confiança que prevalecem nas relações jurídicas. Se as partes

combinarem quem vai cumprir a prestação primeiro, não será possível exercer a presente

defesa. Quando as prestações são simultâneas não há problemas (ex: compra e venda de

balcão). Ressalto que o mau cumprimento corresponde ao não-cumprimento, assim para

exigir a coisa na compra e venda, é preciso pagar o preço total e não apenas parcial.

2) ARRAS

Esta palavra deriva do latim arrha e significa garantia. As arras são um sinal de

pagamento para a firmeza do contrato, inibindo o arrependimento das partes.

Corresponde a uma quantia dada por um dos contratantes ao outro como sinal/garantia da

confirmação de um contrato bilateral. As arras em geral são em dinheiro, mas podem ser em

coisas (ex: um carro como sinal na compra de um apartamento). Quanto o contrato é

fechado, as arras são devolvidas ou abatidas do preço (417). Se o contrato não for

concluído por culpa/desistência da parte que deu as arras, elas serão perdidas em favor da

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parte inocente. Se quem desistir for a parte que recebeu as arras, terá que devolvê-las em

dobro, devidamente corrigida (418). As arras se assemelham à cláusula penal, assunto do

semestre passado. Só que as arras são logo entregues, enquanto a cláusula penal só terá

aplicação se o contrato for futuramente desfeito.

3) VÍCIOS REDIBITÓRIOS

São os defeitos contemporâneos ocultos e graves que desvalorizam ou tornam

imprestável a coisa objeto de contrato bilateral e oneroso (441). Tais defeitos vão redibir

o contrato, tornando-o sem efeito.  Aplica-se aos contratos de compra e venda, troca,

locação, doação onerosa (P.Ú. do 441) e na dação em pagamento (revisem o 356).

Exemplos: comprar um cavalo manco ou estéril; alugar uma casa que tem muitas goteiras;

receber em pagamento um carro que aquece o motor nas subidas, etc. Em todos esses

exemplos poderemos aplicar a teoria dos vícios redibitórios para duas

conseqüências, a critério do adquirente:

A) desfazer o negócio, rejeitar a coisa e receber o dinheiro de volta;

B) ficar com a coisa defeituosa e pedir um abatimento no preço (442).  

Justifica-se  a teoria dos VR pois toda obrigação não só deve ser cumprida, como

deve ser bem cumprida. Uma obrigação não cumprida gera inadimplemento, uma obrigação

mal cumprida gera vício redibitório. Para caracterizar um vício redibitório o defeito precisa

ser contemporâneo, ou seja, existir na época da aquisição (444), pois se o defeito surge

depois o ônus será do atual proprietário, afinal res perit domino ( = a coisa perece para o

dono, ou o prejuízo pela perda espontânea da coisa deve ser suportado pelo dono). Além de

contemporâneo o defeito deve ser oculto, ou seja, não estar visível, pois se estiver nítido e

mesmo assim o adquirente aceitar, é porque conhecia as condições da coisa (ex: carro

arranhado, cavalo com uma perna menor do que a outra, casa com as telhas quebradas,

etc.).  Se o vício é oculto, porém do conhecimento do alienante que agiu de má-fé, este

responderá também por perdas e danos (422, 443). Além de contemporâneo e oculto, o

defeito precisa ser grave, e só a riqueza do caso concreto e a razoabilidade do Juiz é que

saberão definir o que é grave ou não. Existe um prazo decadencial na lei para o adquirente

reclamar o vício, prazo que se inicia com o surgimento do defeito (ex: o adquirente só vai

sabe se uma casa tem goteira quando chover, 445 e §§ 1º e 2º).

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4) EVICÇÃO

A evicção garante o comprador contra os defeitos jurídicos da coisa, enquanto

os vícios redibitórios garantem o adquirente contra os defeitos materiais. Evicção vem do

verbo evincere, que significa “ser vencido”. Aplica-se à compra e venda e troca (bilateral),

mas nas doações não (unilaterais).

Conceito: é a perda da coisa em virtude de sentença que reconhece a outrem direito

anterior sobre ela. Ex: A é filho único e com a morte de seu pai herda todos os bens,

inclusive uma casa na praia; A então vende esta casa a B, eis que aparece um testamento

do falecido pai determinando que aquela casa pertenceria a C; verificada pelo Juiz a

veracidade do testamento, desfaz-se então a venda, entrega-se a casa a C e A devolve o

dinheiro a B.  Chamamos de evicto o adquirente, no exemplo é B, é a pessoa que comprou

a casa e que vai perdê-la, recebendo porém o dinheiro de volta e os direitos decorrentes da

evicção previstos no art. 450. Evicta é a coisa, é a casa da praia. Evictor é o terceiro

reivindicante, é C, que vence. Alienante é A, é aquele que vendeu a coisa que não era sua,

e mesmo sem saber disso, mesmo de boa-fé, assume os riscos da evicção (447).  O

contrato pode excluir a cláusula da evicção, ou até reforçá-la (ex: se ocorrer a evicção, o

alienante se compromete a devolver ao evicto o dobro do preço pago, 448).   Se a evicção

ocorrer numa doação, o evicto não perde nada, pois não pagou pela coisa, apenas vai

deixar de ganhar.  Fundamento da evicção: justifica-se na obrigação do alienante de garantir

ao comprador a propriedade da coisa transmitida, e que ninguém vai interferir no uso dessa

coisa

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CONTRATOS ALEATÓRIOS

Já sabemos que contrato aleatório é aquele que, a depender da alea (= sorte,

destino), uma das partes terá mais vantagem econômica do que a outra, como no seguro,

jogo, loteria e aposta. O contrato aleatório se opõe ao contrato comutativo (revisem

classificação dos contratos).  Nosso código, nos arts. 458 a 461, tem uma seção sobre os

contratos aleatórios, só que na verdade são compra e venda aleatórias. A c&v é contrato de

regra comutativo pois ao preço pago corresponde o valor da coisa. Porém admite-se compra

e venda aleatória, conforme referidos artigos, que deveriam estar adiante no código na parte

especial dos contratos, junto com compra e venda. Mas já que estão aqui, na parte geral

dos contratos, vamos logo conhecer tais espécies de compra e venda aleatórias:

         

A) EMPTIO SPEI

É a compra de uma esperança, quando o comprador assume o risco

da existência da coisa (ex: pago cem reais a um pescador pelo que ele trouxer no

barco ao final do dia; a depender da quantidade de peixe capturado, o comprador ou

o pescador sairá ganhando, mas mesmo que não venha nada, o preço continua

devido, 458; outros exs.: colheita de uma fazenda, tesouros de um navio afundado,

ninhada de uma cadela, etc.). Lembro que o adquirente não deve o preço se o

resultado fraco decorre de culpa da outra parte que não se esforçou, afinal a alea não

autoriza a má-fé.

            B) EMPTIO REI SPERATAE

Aqui o risco é na quantidade, então se não vier nada, ou se nada for produzido,

o preço não será devido, depende do que for combinado entre as partes (459 e P.Ú.).

            C) RISCO NA DESTRUIÇÃO

No art. 460 a alea decorre não de coisas futuras, mas de coisas existentes,

contudo expostas a risco (ex: compra em região sob guerra ou terremoto, maremoto,

como comprar um navio que está viajando para o Brasil com defeito no motor e

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vazamento no casco, e o adquirente assume o risco do naufrágio). Por causa desse

risco, o comprador irá obter um preço menor, mas se a coisa perecer antes da

entrega, o preço assim mesmo será devido.

            Percebam que em todo contrato existe um risco, e nos contratos aleatórios o risco é

da essência do negócio, fazendo parte do contrato aleatório, sujeitando-se as partes a pagar

sem nada receber, ou a receber sem nada pagar. Como se vê, é um jogo, porém por

motivos mais sérios.

            Na compra e venda aleatória não cabe alegar o defeito contratual da lesão (art. 157)

e nem a teoria dos vícios redibitórios (441, sublinhem comutativo).

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EXTINÇAO DOS CONTRATOS

 

            Se o contrato nasce do acordo de vontades, ele geralmente cessa com o

cumprimento da prestação, sendo executado pelas partes, até que os resultados finais

previstos sejam alcançados, liberando o devedor e satisfazendo o credor. De regra o

contrato nasce para cumprir sua função social e ser extinto pelo adimplemento da

obrigação. Todavia encontramos na vida prática a extinção do contrato antes do seu fim

natural que é a prestação e o pagamento (revisem pagamento no semestre passado). A

classificação doutrinária vacila ao tratar desse tema, pois mistura as expressões extinção,

resolução, resilição, rescisão, revogação e desfazimento do contrato. Vamos conhecer uma

classificação:

1) RESILIÇÃO BILATERAL OU DISTRATO

É o contrato feito para extinguir outro contrato (472), quando as partes acordam

em extinguir o contrato pela mesma forma exigida para celebrá-lo (ex: se uma compra e

venda de bem móvel foi feita por escritura pública, seu distrato pode ser feito por

instrumento particular ou até verbalmente; outro ex: inquilino que combina com o locador

desocupar o imóvel antes do prazo: locação escrita e distrato verbal). O distrato é um acordo

liberatório, desatando o laço que prendia as partes pela vontade comum delas.

2) RESILIÇÃO UNILATERAL

Se o contrato e o distrato nascem do acordo, a resilição unilateral tem caráter de

exceção, pois rompe o vínculo sem a anuência do outro contratante (473). Empréstimo,

mandato e depósito são contratos que, pela sua natureza de exigirem confiança, admitem

resilição unilateral (ex: empresto minha casa de campo para meu irmão desempregado

morar, posso pedir de volta a qualquer momento, 582; outro bom exemplo, mesmo fora do

Direito Civil, é o contrato de trabalho, pois o patrão pode demitir o empregado mesmo contra

a vontade dele).

3) RESOLUÇÃO

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Enquanto na resilição o contrato é extinto pela vontade das partes, na resolução o

contrato se extingue pelo inadimplemento. Na resolução cessa o contrato por ter o

devedor faltado ao cumprimento de sua obrigação, cabendo ao prejudicado exigir perdas e

danos ou a execução forçada do já explicado art. 475 (vide aula 9). Tacitamente todo

contrato sinalagmático tem essa cláusula resolutiva de exigir perdas e danos em caso de

inadimplemento, mas se a parte preferir pode inseri-la expressamente (474). Dá-se também

a resolução por onerosidade excessiva conforme já vimos na Teoria da Imprevisão (art.

478). Todavia se o inadimplemento decorre de caso fortuito, ou seja, se a inexecução for

involuntária, o devedor não pode ser responsabilizado (393, ex: cantor fica gripado e não

pode fazer o show contratado).

4) ARREPENDIMENTO

Não é comum na lei, então as partes devem prever no contrato o exercício do

direito de arrependimento para desfazer o contrato (420). O Código do Consumidor

admite o arrependimento no art. 49 quando a compra é feita por telefone.

5) VIOLAÇÃO DO ART. 104, CC

Além dessas hipóteses, lembro que o contrato se extingue também se violar o art.

104, cc (ex: compra e venda de cigarro, eis que o Estado criminaliza o fumo, extinguindo-se

o contrato, 104, II);

6) MORTE

A morte também extingue os contratos personalíssimos, mas as obrigações de dar

transmitem-se aos parentes do morto dentro dos limites da herança (1.792).

Fim da parte geral dos contratos.

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ATOS UNILATERAIS

Caros alunos, como dito na aula 1, neste semestre estamos estudando as fontes das

obrigações, quais sejam: os contratos, os atos unilaterais e os atos ilícitos (=

responsabilidade civil, 927).

          Terminamos na aula 11 o estudo dos contratos, sua parte geral, pois a parte especial

será vista em Civil 4 (a partir do art. 481). Já a responsabilidade civil será abordada no final

deste semestre.

          Vamos agora começar a falar dos atos unilaterais que são quatro segundo nosso CC:

a promessa de recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido e o

enriquecimento sem causa. Não há outros atos unilaterais além desses quatro previstos em

lei, diferentemente dos contratos que podem ser atípicos (425). A PR e a GN são atos

unilaterais autênticos, enquanto o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa estão

mais perto da disciplina da responsabilidade civil.

 

1) PROMESSA DE RECOMPENSA

Toda pessoa que publicamente se comprometer a gratificar quem desempenhar certo

serviço, contrai obrigação de fazer o prometido (854, ex: recompensa para quem encontrar

um cachorro perdido, para quem denunciar um criminoso, para quem descobrir a cura do

câncer, etc.).

          O promitente tem que ter capacidade e a tarefa tem que ser lícita conforme art. 104. A

promessa exige publicidade (ex: imprensa, carro de som, panfletos, cartazes). A promessa é

feita a qualquer pessoa, ou a determinando grupo social (ex: qualquer aluno da Católica),

pois se feita a pessoa certa não é ato unilateral, mas contrato de prestação de serviço (ex:

pago cem a João para procurar meu cachorro perdido, neste caso não é ato unilateral mas

bilateral/consensual). A lei, tendo em vista uma justa expectativa da sociedade, obriga o

autor da promessa a cumprir o prometido, independente de qualquer aceitação,

independente de qualquer anuência de terceiro.

Fundamento: o fundamento da promessa é ético: o respeito à palavra dada. A

obrigação tanto é unilateral que mesmo que a pessoa que preste o serviço não tenha

conhecimento da recompensa, fará jus à gratificação (855). Mas é óbvio que a recompensa

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pode ser rejeitada, afinal ninguém pode ser credor contra sua vontade. Quando a promessa

é divulgada o credor é potencial e indeterminado.  Só ao satisfazer o requisito exigido é que

se define o titular do direito cuja obrigação nasceu da publicação da promessa.

          Oferta ao público: não se confunde com a promessa de recompensa. Esta é também

feita ao público, mas a oferta é, por exemplo, o sapato exposto a venda na vitrine de uma

loja, ou seja, é uma proposta para realizar um contrato de compra e venda, sem gerar

obrigação imediata para a loja.

          Elementos da PR: anúncio público; indicação dos destinatários (toda a sociedade ou

certo grupo); tarefa a ser cumprida; recompensa prometida.

Qual o valor da recompensa? Depende do promitente, mas um valor ínfimo pode

ser aumentado pelo Juiz (ex: a recompensa é um diploma, hipótese em que o credor deve

reclamar, afinal toda obrigação pressupõe teor patrimonial). A recompensa pode ser

dinheiro, coleção de livros, passagem de avião, hospedagem em hotel, etc. E se mais de

uma pessoa fizer o serviço, quem fica com a recompensa? A lei responde nos arts. 857 e

858.

Revogação: a promessa pode ser revogada? Sim, com a mesma publicidade da

divulgação, mas só se não havia prazo para executar o serviço (856).   Pú do art. 856:

dispositivo perigoso, pois como a oferta é feita ao público, muita gente pode exigir esse

reembolso. A morte do promitente não revoga a promessa, respondendo os bens do falecido

pela recompensa.

            Concurso: é semelhante aos concursos de direito administrativo para ingressar no

serviço público.  O concurso civil é uma espécie de promessa de recompensa onde várias

pessoas se dispõem a realizar uma tarefa em busca de uma gratificação que será oferecida

ao melhor (ex: melhor desenho, melhor redação, melhor frase, melhor fotografia, melhor

fantasia de carnaval, melhor livro, melhor música, melhor nome para animal do zoológico,

etc.). O concurso não pode ser revogado, pois o prazo é obrigatório, garantindo o trabalho

de quem estiver desenvolvendo uma idéia (859). O concurso é aleatório para o concorrente

que pode não ganhar nada, a depender da decisão do árbitro do certame, cuja decisão

subjetiva não pode ser questionada (§§ 1º e 2º do art. 859). Todavia se houve corrupção do

árbitro ou plágio do ganhador do concurso, admite-se anulação da decisão.  As

obras/tarefas apresentadas podem passar a pertencer ao organizador do concurso (860).  

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2) GESTÃO DE NEGÓCIOS

 

Conceito: é a atuação de uma pessoa que, espontaneamente e sem mandato (=

procuração), administra negócio alheio em situações emergenciais, presumindo o interesse

do próximo (861, ex.: é gestor de negócio alheio o morador de um edifício que arromba a

porta do vizinho para fechar torneira que ficou aberta enquanto o vizinho saiu em viagem;

então o gestor fecha a torneira, enxuga o apartamento, manda  secar os tapetes, troca a

fechadura arrombada, e depois manda a conta pro dono do apartamento, que terá que

indenizar o gestor pelas despesas, 869).

O gestor geralmente é um vizinho, amigo ou parente que vai administrar os negócios alheios

sem procuração. Embora a lei use a expressão “negócio”, na verdade a gestão é de

“interesse” alheio.

A GN estimula a solidariedade entre as pessoas. O gestor não tem autorização e nem

obrigação de agir, mas deve fazê-lo por altruísmo, garantindo a lei o reembolso das

despesas feitas. O gestor age de improviso numa emergência (866), sendo equiparado a um

mandatário sem procuração. Se o dono do negocio autoriza o gestor a agir teremos contrato

de mandato e não mais GN (ex: no caso da torneira aberta, localiza-se o vizinho por telefone

que autoriza o arrombamento, 873, 656).  Há também semelhanças da gestão de negócios

com a estipulação em favor de terceiros (vide aula 7).

Trata-se de conduta unilateral do gestor com reflexos no patrimônio do próximo,

chamado juridicamente de “dono do negócio”. Digo unilateral pois o gestor age sem

combinar com o interessado, não havendo o acordo de vontades (consenso) que caracteriza

os contratos. O gestor e o dono do negocio não precisam sequer se conhecer.

Elementos da GN: administração de negocio alheio, atuação de terceiro e falta de

autorização do dono do negocio.

Pressupostos:

A) Ausência de qualquer contrato ou obrigação legal entre as partes a respeito

do negócio gerido, pois a gestão é voluntária/espontânea;

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B) Inexistência de proibição pelo dono do negócio, pois o gestor deve agir

conforme vontade presumível daquele;

C) Interesse do gestor de cuidar do negócio alheio, não sendo pura

liberalidade, afinal vai querer ser ressarcido das despesas efetuadas;

D) O gestor deve agir com intenção de ser útil ao dono do negócio, agindo

como ele faria se não estivesse ausente;

E) Fungibilidade do objeto do negócio, ou seja, o negócio pode ser realizado

por terceiro, pois se for ato personalíssimo só o dono pode praticar (ex: não pode um

amigo fazer prova no lugar de alguém que está doente e vai perder o concurso);

F) Ação do gestor limitada a atos de natureza patrimonial.

A gestão é gratuita (= altruísmo), mas o gestor pode ser processado caso não

exerça bem sua tarefa (862, 863). Então o gestor pode ser responsabilizado se, mesmo de

boa-fé, agir com precipitação e interpretar equivocadamente um fato, causando prejuízo ao

dono do negocio. O gestor precisa agir com bom senso, respeitando a lei. Se a GN de um

lado estimula a solidariedade entre estranhos, também protege o dono do negocio contra

atos de intromissão indevida na sua esfera jurídica (868).

Cumprindo bem sua missão, o gestor será indenizado pelo interessado (869, e § 1º).

Se a gestão resultar proveito para o dono do negócio, a gestão independe de aprovação,

medindo-se a indenização devida ao gestor pela importância das vantagens obtidas.

Obrigações do gestor: comunicar a gestão ao dono do negocio (864); agir com

prudência e probidade em favor do interessado; não fazer operações arriscadas; prestar

contas de sua gestão. Obrigações do interessado: ratificar ou desaprovar a gestão após

tomar conhecimento dela; indenizar o gestor das despesas feitas; cumprir as obrigações

contraídas em seu nome.

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Outros exemplos: providenciar um guincho para remover o carro de alguém

estacionado na frente de uma casa em chamas; um advogado paga com seu dinheiro um

imposto devido pelo cliente; levar uma vitima de atropelamento ao hospital e pagar as

despesas médicas; pagar alimentos quando o devedor da pensão está ausente (871: então

quem sustenta filhos dos outros pode exigir indenização dos pais); também é gestão de

negócios pagar as despesas do funeral de alguém (872); último exemplo: num condomínio,

o condômino que age em proveito da comunhão é gestor do negócio de todos, podendo

exigir compensação financeira dos demais beneficiários (1.318).

3 e 4) PAGAMENTO INDEVIDO E ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente sem motivo justo, sem trabalhar,

sem herdar, sem doação e em detrimento de outrem. Enriquecer é muito importante, nossa

sociedade exalta o estudo, o trabalho, o lucro e a produção, afinal essa riqueza individual vai

gerar empregos, tributos e renda para todos. Mas é preciso enriquecer dentro da legalidade.

Outro modo de enriquecimento lícito, porém usado em simulações é através das loterias

oficiais, o que exige cuidado da Justiça. Maus políticos enriquecem à custa da corrupção e

alegam que ganharam na loteria... Igualmente em ações de dano moral o Juiz deve ter

cautela para não estipular indenizações altíssimas e provocar enriquecimento injusto (ex:

Juiz manda pagar um milhão a quem perdeu um dedo num acidente).

Enfim, enriquecer não é pecado, não é crime, mas tal enriquecimento exige causa

justa. Uma das hipóteses de enriquecimento sem causa, ou com causa ilegal, é através do

pagamento indevido, por isso estes dois assuntos devem ser estudados em conjunto. PI

enseja sempre ESC. Mas nem todo ESC é decorrente de PI. PI é espécie, ESC é gênero.

Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a alguém que não é o credor, ou

seja, o recebedor (= accipiens) não é o credor, e o devedor (= solvens = pagador) agiu por

engano. Quem recebe pagamento indevido enriquece sem causa (ex: João deve a José da

Silva, mas paga a outro José da Silva, homônimo do verdadeiro credor; João efetuou

pagamento indevido e vai ter que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem paga mal

paga duas vezes;  João obviamente vai exigir o dinheiro de volta do outro José da Silva que

enriqueceu sem causa, mas o verdadeiro credor não precisa esperar, ele não tem nada a

ver com isso). Em suma: o PI é típico caso de obrigação de restituir, face ao enriquecimento

sem causa, afinal é preciso dar a cada um o que é seu.

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Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém aufere um aumento patrimonial,

em prejuízo de outrem, sem justa causa. Outro conceito: dá-se enriquecimento sem causa

quando o patrimônio de certa pessoa se valoriza a custa de outra pessoa, sem causa

justificada.

Como ESC é gênero e PI é espécie, há outros casos de enriquecimento sem causa além

das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578, 1255, pú do 1817, etc. Estudaremos esses

exemplos oportunamente, ao longo do extenso curso de Direito Civil.

Elementos do ESC: enriquecimento de um, empobrecimento de outrem, nexo entre

esse ganho e essa perda, e finalmente falta de causa justa. Lembro que o proibido não é

enriquecer à custa de outrem, mas enriquecer injustamente (ex: nosso conhecido contrato

aleatório).

Relação do ESC com a Responsabilidade Civil: nesta o direito de indenizar existe

face ao prejuízo sofrido, mesmo que ninguém tenha se locupletado (ex: acidente de

trânsito), já no ESC há sempre um patrimônio beneficiado. De qualquer modo, em ambos

será necessária a reparação ao prejudicado, e o retorno das coisas ao estado anterior.

Pagamento indevido e cobrança indevida não se confundem, pois no PI paga-se quando

não se devia pagar; na CI  cobra-se dívida já paga, então o autor da cobrança deve devolver

o dobro ao requerido (940).

Dois efeitos do pagamento indevido:

1) Aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a devolver o indevidamente

auferido, não só por uma questão  moral (= direito natural), mas também por uma

questão de ordem civil(876, 884) e tributária, afinal como explicar à Receita Federal

um súbito aumento de patrimônio? O objetivo dessa devolução é reequilibrar os

patrimônios do devedor e do falso credor, alterados sem fundamento jurídico, sem

causa justa.

            2) Se o falso credor não quiser voluntariamente devolver o pagamento, surge o

segundo efeito que é o direito do solvens de propor ação de repetição do indébito (repetitio

indebiti) contra tal accipiens.  Esta ação tem este nome pois, em linguagem jurídica, “repetir”

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significa “devolver” e “indébito” é aquilo que não é devido. Então a ação é para o falso

credor devolver aquilo que não lhe era devido.  Tal ação prescreve em três anos (206, § 3º,

IV).

            Também se aplicam as regras do pagamento indevido quando se paga mais do que

se deve. Porém não cabe a repetição quando o solvens agiu por liberalidade (ex: doação,

877) ou em cumprimento de obrigação natural (ex: gorjeta, dívida de jogo, dívida prescrita,

882, 814) ou quando o solvens deu alguma coisa para obter fim ilícito, afinal ninguém pode

se beneficiar da própria torpeza (ex: pagou ao pistoleiro errado para cometer um homicídio,

não cabe devolução, 883).

            E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido alienado pelo falso credor a um

terceiro? Bem, se tal objeto era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão de

segurança das relações jurídicas e porque em geral os móveis são menos valiosos do que

os imóveis. De qualquer modo o falso credor vai responder pelo equivalente em dinheiro.

            Mas se o objeto do pagamento indevido for um imóvel que o falso credor já tenha

alienado a um terceiro, tal alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim, doação

não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário o solvens poderá perseguir o imóvel e

recuperá-lo do terceiro (879).

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RESPONSABILIDADE CIVIL E ATO ILÍCITO

Meus pupilos, chegamos hoje ao último tema do semestre, a última grande fonte de

obrigação: o ato ilícito, visto por vocês em Civil 1 (art. 186), que enseja a responsabilidade

civil (927). Exemplo muito comum na nossa vida: acidente de trânsito, pois motorista

imprudente que bate no carro de alguém comete ato ilícito e fica obrigado a reparar o dano.

Parece exagero, mas podemos afirmar que no nosso cotidiano inevitavelmente vamos sofrer

e causar danos a terceiros.

A RC é tema moderno pois as questões práticas se multiplicam no dia a dia, face ao

dinamismo das relações sociais, e ao urbanismo das grandes cidades. Assim quanto maior

a diversidade dos riscos para a humanidade, e as seqüelas que brotam dos acidentes, maior

o campo de aplicação da teoria da RC. Toda atividade humana pode acarretar a

responsabilidade de indenizar se causar prejuízo a alguém. A teoria da RC visa restaurar

um equilíbrio patrimonial ou moral violado. Quanto mais se estuda, mais interessante se

torna essa matéria. Para proteção das pessoas, face a evolução da RC, é fundamental a

celebração cada vez maior de contratos de seguro, inclusive para garantir a indenização da

vítima (ex: hospitais devem ter seguro caso seus médicos errem e prejudiquem os

pacientes).

Histórico: a teoria da RC decorre do instinto humano de sempre querer reparação

pelo mal que outro lhe causara; é a natureza humana que exige responsabilizar as pessoas

por seus atos danosos. No Velho Testamento a lei de talião já autorizava “olho por olho,

dente por dente” para reparar um dano; um prejuízo não reparado é fator de inquietação

social; assim a vingança privada, a justiça com as próprias mãos, o mal pela violência, é o

berço da RC. Com a evolução da sociedade, a vingança passou a ser praticada pela

autoridade, e não mais pela própria vítima. O passo seguinte foi a substituição dessa

vingança por uma coisa ou quantia paga pelo ofensor ao ofendido. Nos dias de hoje

permanece essa obrigação do ofensor de indenizar a vitima pelo dano causado, mesmo que

em alguns casos não tenha ensejado o acidente por culpa. Como se vê, a doutrina chega ao

3º milênio ciente de que o fundamento da RC não é a culpa, mas o dano, de modo que em

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alguns casos pode haver obrigação de indenizar independente de culpa, mas não se falará

em RC se não houver prejuízo à vítima (pú do 927).

Exemplo: terremoto que provoca vazamento em posto de gasolina, poluindo o rio e

deixando a cidade sem água, teremos dano sem culpa e obrigação de indenizar pois

comercializar combustível é atividade de risco; outro ex: João atira em Maria, mas ela não

escuta o disparo, sequer tomando conhecimento do risco que correu, teremos culpa,

teremos até crime de tentativa de homicídio do Código Penal, mas não vai se falar em

indenização pois não houve qualquer dano, nem material e nem moral; mais exemplos de

ato ilícito com culpa mas sem dano, e que por isso não ensejam RC: pisar um pouco na

grama do jardim; entrar, dar uma olhada e sair da casa de uma pessoa sem quebrar nada

ou furtar nada.

E que casos são estes que geram a RC? São os fatos jurídicos, ou seja, todo aquele

acontecimento, natural ou humano, voluntário ou não, relevante para o direito em virtude

dos quais nascem, subsistem e se extinguem as relações jurídicas. (ex: um raio que cai no

mar não tem relevância jurídica, mas um raio que cai numa casa implica em morte,

sucessão, dano, indenização decorrente de seguro, etc.; um raio quem cai numa fabrica de

pólvora e provoca incêndio no bairro enseja RC face a atividade de risco).  

O fato é um acontecimento e o ato é um fato humano, ou seja, ato = fato + vontade. O

ato jurídico está conforme o direito, é ato de vontade. Já o ato ilícito é injurídico e impõe ao

seu responsável o dever de indenizar contra sua vontade. Além da responsabilidade civil,

esse ato ilícito pode ensejar também delito criminal, interessando ao Dir Penal e levando à

prisão do infrator. 

Lembro que a lei é hipotética, e é do fato que nasce o direito/o direito se origina do

fato, de modo que quando esse acontecimento causa dano a outrem, o responsável por

esse ato ilícito deve indenizar a vitima.

Neste séc. XXI a RC é uma grande vedete do Direito Civil, tema muito bom para a

pesquisa do estudante e o trabalho do advogado, em busca do restabelecimento do

equilíbrio violado pelo dano.

Função da RC:

A) Garantir o direito da vítima ao ressarcimento do dano sofrido;

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B) Servir como pena civil ao infrator, desestimulando-o a praticar novos atos

lesivos.

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ATO ILÍCITO

Ato ilícito já foi estudado em Civil 1, mas vamos revisar. O ato ilícito é a terceira

grande fonte das obrigações, junto com os contratos e os atos unilaterais de vontade. Os

atos ilícitos são  praticados pelos homens mas produzem efeitos jurídicos contrários à lei;

seu autor será punido financeiramente se provocou um dano, patrimonial ou moral, a

alguém (186).

Quem comete ato ilícito fica obrigado a reparar o dano causado a outrem, (art. 927)

indenizando a vítima, seja esse dano material, seja esse dano moral, conforme explicaremos

abaixo.

ELEMENTOS

1) Ação ou Omissão de alguém, mesmo que incapaz (art. 928);

2 ) Culpa Lato Sensu: trata-se da inobservância de um dever que o agente devia

conhecer e observar. A culpa em sentido amplo abrange o dolo e a culpa stricto sensu. No

dolo o agente procura intencionalmente o resultado. A culpa restrita é a negligência,

imprudência e imperícia:

- Na negligência o agente deixa de fazer o certo, ou seja, o infrator não age

com atenção devida, omitindo certo cuidado que teria evitado o dano (ex: cirurgião

que não chama um anestesista para acompanhar a operação; proprietário que não

troca as pastilhas de freio na revisão do seu veículo).

- Na imprudência o agente faz o errado, ou seja, age com açodamento e

precipitação (ex: motorista que ultrapassa em curva).

- Na imperícia o agente demonstra inabilidade para seu ofício (ex: advogado

que não sabe português, lê pouco e redige mal; motorista de caminhão que pensa

que sabe dirigir trator).

O grau maior ou menor de culpa influencia no valor da indenização (P.Ú.

do 944). A culpa pode ser contratual – 389, ou extracontratual – 927. A culpa

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contratual gera as conseqüências da mora e do inadimplemento estudado em Civil 2.

A culpa do AI é a culpa extracontratual, também chamada “aquiliana”, em

homenagem ao jurista romano Aquiles que desenvolveu essa teoria. Na

responsabilidade objetiva o elemento culpa é dispensado (P.Ú. do 927). 

3) Violação De Direito Privado: o AI viola direito privado, mas se violar também

direito público, pode configurar crime e ensejar duas sanções (948); a sanção privada fica a

cargo da vítima com seu advogado que pede ao Juiz para atacar o bolso do infrator; a

sanção pública fica a cargo do Delegado e do Promotor, que pede ao Juiz para atacar a

liberdade do infrator. 

4) Dano (patrimonial ou moral; o dano é mais importante do que a culpa, pois

eventualmente existe responsabilidade sem culpa - objetiva, p.ú. 927). O dano é o prejuízo

sofrido pela vítima na sua alma (dano moral) ou nos seus bens (dano material).

- Dano material: são as perdas e danos (944, 402), é o prejuízo concreto e

efetivo. O dano precisa ser atual e certo, não se indenizando dano hipotético (ex:

ônibus quebra, estudante se atrasa e perde o vestibular, cabe indenização contra a

empresa? Mas será que ele iria passar? art. 403).  O dano patrimonial é suscetível de

avaliação pecuniária e visa reparar o prejuízo (revisem dano emergente e lucro

cessante de Civil II). Ato ilícito sem dano existe, mas não enseja reparação civil (ex:

pisar na grama é proibido, mas pisar um pouquinho não vai estragar o jardim; outro

ex: atirar em alguém e errar, não tomando a vítima conhecimento da tentativa de

homicídio).

- Dano moral é o abalo psicológico, é o sofrimento que tira o sono da vítima

(186). O dano moral tem caráter também pedagógico e preventivo, visando educar o

ofensor, intimidando-o e desestimulando-o para não mais praticar ilícitos (art. 5º, X,

CF). O dano moral afeta o equilíbrio psicológico, moral e intelectual da média das

pessoas, não se confundindo com aborrecimentos do cotidiano (ex: fila pra entrar no

elevador, engarrafamento de trânsito, ficar preso na porta giratória do banco, etc.).

Confiram a aula 18 de Obrigações no nosso site. O juiz tem toda independência para

decidir de acordo com seu sentimento, inclusive “sentença” vem de “sentir”. A vítima

basta provar que sofreu o dano, pois o valor do prejuízo, especialmente no dano

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moral, depende do juiz, o que não é fácil,  mas enfim, é o papel que cabe ao

magistrado na sociedade.

O dano material e o dano moral podem ser cumulados (ex: mulher perde

marido assassinado, cabendo o dano moral pelo sofrimento, além do dano material

do 948).

5) Nexo Causal: é a relação/liame entre a ação do agente e o dano. Podemos até

desprezar a culpa na responsabilidade objetiva, mas é preciso ligar a conduta do agente ao

dano sofrido pela vítima.

Algumas situações excluem a responsabilidade civil por interromper o nexo

causal, vejamos:

- Culpa exclusiva da vítima: se a culpa é concorrente, aplica-se o 945, mas

se a culpa for exclusiva da vítima não há dever de indenizar (ex: cozinheiro que não

usa a luva fornecida pelo restaurante e corta o dedo; passageiro que viaja com o

braço pra fora do ônibus e se machuca).

- Caso fortuito e força maior:  são expressões sinônimas definidas no pú do

art. 393 do CC. Não há RC por ausência de nexo causal se veículo é invadido por

enxame de abelhas e o motorista perde o controle, atropelando alguém. Também não

há dever de indenizar nos assaltos a ônibus (734).

- Legítima defesa: tem o mesmo conceito do Dir Penal, então se você mata

alguém para se defender, não terá que indenizar a família do morto nos termos do art.

948 do CC.

- Estado de necessidade (188, II, ex: carro que sobe a calçada e atropela

pedestre para evitar choque com caminhão que vinha na contramão). O indivíduo na

iminência de ver atingido direito seu, agride direito do próximo. Não haverá crime pelo

atropelamento, e o dono do caminhão terá que reparar os prejuízos (930).

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- Estrito cumprimento do dever legal: um ilícito perde esse caráter quando

praticado em obediência a um dever legal (ex: carcereiro que prende um ladrão,

privando-o da sua liberdade; carrasco que executa uma pena de morte; radiopatrulha

em alta velocidade no cerco a bandidos, o motorista é exonerado de

responsabilidade, porém se alguém vier a ser atropelado pode agir contra o Estado,

art. 37 § 6º da CF).

- Exercício regular de um direito (veremos na aula 19). 

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RESPONSABILIDADE CIVIL

Conceito de Responsabilidade Civil: obrigação que pode incumbir um agente de

reparar o dano causado a outrem, por fato do próprio agente ou por fato de pessoas ou

coisas que dependam do agente. A palavra responsabilidade vem de responder = assumir

pagamento. Assim se diz que o pai responde pelo filho menor e o diretor responde pela

empresa.

         Aspectos principais do conceito:

A) Dano

Não há RC sem dano, pode até haver RC sem culpa (vide item 2.b

abaixo), mas o dano, material ou moral, é elemento mais importante do que a

culpa. Em alguns casos especiais o dano pode ser lícito, ou seja,

permitido/tolerado pela lei, mas obriga o beneficiário a indenizar como uma

compensação a vítima (ex: art. 1.285, art. 1.313, § 3º, do CC e CF, art. 5º,

XXV). No dano lícito a lei autoriza a violação do interesse privado mas atribui

ao prejudicado o poder de exigir indenização. Não se trata de uma sanção ao

infrator, mas mera compensação à vítima.

B) Fato próprio

Em geral quem causa o dano é o agente, e deve indenizar a vítima com

seus bens (391, 942, 943); se não tem bens, ao credor só resta lamentar, é o

chamado na brincadeira “jus sperniandi (direito de ter raiva)”.

C) Fato de pessoas ou coisas

É a responsabilidade civil transubjetiva: o dano pode ser causado por

pessoas ou coisas que dependam do agente, e o agente vai ser civilmente

responsabilizado embora não tenha pessoalmente praticado o ato ilícito. Isto

visa ampliar as possibilidades de reparação dos prejuízos sofridos pela vítima.

Mas deve a vítima provar a culpa do agente causador (ex: ônibus atropela

ciclista que pode processar a empresa, desde que o motorista tenha agido

culposamente, e não o próprio ciclista tenha se atravessado na frente do

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veículo; art. 933 – exige culpa do causador do dano, e não do pai/patrão). Esta

RC transubjetiva se aproxima da teoria do risco, podendo a vítima escolher

quem deseja processar, ou então os dois solidariamente (P.Ú. do 942).

Espécies:

C.1) Culpa In Vigilando

Atribuída ao pai que não observa (vigia) o filho, e deixa

adolescente pegar as chaves do carro e provocar um acidente (932, I e

II).

 C.2) Culpa In Eligendo

Oriunda da má escolha, atribuída aos patrões que não

selecionam bem seus funcionários (932, III, ex: empregada doméstica

que ao limpar a janela do apartamento derruba a vassoura e danifica um

carro, o responsável será a dona do apartamento). Vide súmula 341 do

STF: presume-se a culpa do empregador pelo ato culposo do

empregado. Caberá ao patrão tentar provar que o fato se deu fora do

expediente para escapar da responsabilidade. De qualquer modo cabe

ação regressiva, até com desconto de parte do salário (934).

C.3) Responsabilidade dos donos de hotéis (932, IV)

O hotel responde pelos furtos praticados por seus funcionários

contra seus hóspedes. Se a hospedagem for gratuita não haverá tal

responsabilização. Igualmente as escolas respondem pela incolumidade

física do aluno.

C.4) Responsabilidade pelo proveito do crime (932, V)

É aplicação do princípio do enriquecimento injusto (ex: a família

do ladrão é responsável civilmente pelo produto do crime que a

beneficiou). 

C.5) Culpa in custodiendo

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Culpa no custodiar, no cuidar das suas coisas e animais (ex:

carga mal amarrada num caminhão que cai na rodovia e provoca

acidente; objeto que numa ventania cai da janela do apartamento na

cabeça de alguém, 938; leão que comeu uma criança no circo em

Jaboatão; animal solto na rua; art. 936). Parece mentira, mas eu já vi um

cavalo ser atropelado em via urbana e um popular anotar a placa do

carro, como se o errado fosse o motorista, e não o dono do animal...

A RC admite sancionar alguém que não cometeu o ato, circunstância inadmissível no

Direito Penal, que só pune o próprio causador do dano e se agiu com culpabilidade (art. 5º,

XLV, CF; não há responsabilidade objetiva e nem transubjetiva no Direito Penal, ex: se um

adolescente mata alguém, não se pode prender o pai dele).

Lembro que se o incapaz que cometeu o ato tiver mais bens do que seu responsável,

o patrimônio desse incapaz deve satisfazer a vítima, não pode é o dano ficar sem reparação

(928). Esse é um dispositivo novo, não previsto no CC do século XX, que não diferencia o

absolutamente incapaz do relativamente incapaz, sendo aplicável, por exemplo, nos casos

de tutela, em que o menor órfão herda patrimônio dos pais, ficando sob a responsabilidade

de um parente.

ESPÉCIES DE RC

1.A) NEGOCIAL OU CONTRATUAL

O dano decorre do descumprimento de um contrato ou ato unilateral entre as partes

(884). Essa responsabilidade do inadimplemento contratual foi vista em Civil 2 (389, 402).

1.B) EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA

O dano decorre de um ato ilícito, ou seja, não existe vínculo obrigacional anterior

entre agente e vítima (ex: acidente de trânsito, homicídio, lesão corporal, calúnia). Esse

nome deriva da Lex Aquillia em homenagem ao jurista Aquiles do Direito Romano.

2.A) SUBJETIVA

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É a regra geral pela qual o agente só é responsável pelo dano se agiu com culpa lato

sensu (= dolo + culpa stricto sensu, art. 186); pode a culpa ser concorrente, quando ambas

as partes têm culpa pelo acidente, assim se ambas as partes agiram culposamente, ocorre a

compensação (ex: carro que bate num trem por não respeitar a preferência do trem no

cruzamento, porém o maquinista não apitou como deveria, devendo cada um indenizar a

metade dos danos ocasionados ao outro; 945.) No Dir. Penal não existe compensação de

culpa, cada criminoso respondendo por sua participação.

2.B) OBJETIVA

É a exceção pela qual, em alguns casos previstos em lei, o agente responde mesmo

sem ter havido culpa sua para o dano (parte inicial do P.Ú. do 927); por isso, como dito

acima, na teoria da RC o dano é mais importante do que a culpa. Ex: 931 – provedor de

internet, 933, 938 (ex: vento derruba sapato que você deixou para secar na janela e

machuca uma criança na calçada), acidente de avião (Dec. Lei 483/38, arts. 97 e 98),

acidente ferroviário (Decreto 2681/12, art.26). No Dir. Público o Estado também tem

responsabilidade objetiva nos casos da CF, art. 21, XXIII, “d” e 37, § 6º que vocês irão

estudar em Dir. Adminstrativo.

Estas espécies se combinam entre si, de modo que num contrato a responsabilidade

pode ser subjetiva (mais comum) ou objetiva (exceção do 393, in fine). Igualmente a

responsabilidade aquiliana pode ser subjetiva (acidente de transito) ou objetiva (acidente de

avião).

TEORIA DO RISCO

É uma teoria nova, consagrada pelo CC na parte final do pú do art. 927, pela qual o

agente deve indenizar dano decorrente de atividade por ele desenvolvida que implique risco

para outrem, mesmo que não tenha agido com culpa para o acidente (exemplos de

atividades perigosas: curso de mergulho submarino, empresa que trabalha com produtos

químicos, empresa que organiza shows, jogos de futebol com muita gente, loja que vende

fogos de artifício, empresa que transporta dinheiro, usina de energia nuclear, transmissão de

energia elétrica, etc.). Assim se ocorre um vazamento num posto de gasolina por causa de

uma cheia, não cabe a excludente do caso fortuito do 393, pois vender combustível é

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atividade de risco. Mas a lei exige que essa atividade desenvolvida pelo agente seja

habitual, e não esporádica (sublinhem “normalmente” no referido P.Ú.). Tudo isso decorre

do dever genérico de não prejudicar outrem. Lembro que muitas atividades de risco já são

reguladas no nosso ordenamento pela responsabilidade objetiva vista na aula passada (1ª

parte do P.Ú. do 927).  Lembro ainda que a responsabilidade objetiva e a teoria do risco são

exceções, a regra é a responsabilidade por culpa.

         Relação entre a Justiça Civil e Penal: o ato ilícito pode interessar ao direito civil (atinge

o bolso do agente) e ao direito penal (atinge a liberdade do agente), ex: o homicídio (art. 121

do CP e art. 948 do CC); quem move a ação civil na Justiça é a vítima (ou seus herdeiros),

quem move a ação penal na Justiça é o Promotor do Ministério Público. Os atos ilícitos

decorrentes dos fatos humanos são muito mais numerosos do que os crimes tipificados no

Código Penal, assim há muito mais ilícito civil do que penal, pois a tipificação criminal é

restrita (art. 1º do CP, ex: acidente de trânsito sem vítima só interessa ao cível). Cabe ao

legislador reconhecer ou não um ilícito civil como crime, de modo que os ilícitos menos

graves se resolvem na esfera privada, patrimonialmente, sem necessidade de polícia,

promotor e prisão. Quando o ilícito é mais grave se faz necessário a punição pessoal ao

infrator, com a tipificação criminosa e sua privação de liberdade. Seria um absurdo alguém

matar outrem, pagar a indenização do art. 948, e escapar da prisão, por isso se impõe a

punição da pessoa do homicida com sua reclusão. As normas penais interessam ao direito

público e a sociedade, já o ilícito civil visa reparar o dano financeiramente em prol da vítima. 

De regra a ação civil independe da penal, já que a responsabilidade civil e a criminal

são independentes (935, parte inicial), mas essa independência não é absoluta, e sim

relativa, pois em alguns casos a justiça penal pode influenciar na civil (a decisão civil nunca

influencia na penal).

Qual o motivo disso? É porque a responsabilidade civil atinge o bolso  e não a

liberdade, e a liberdade é mais importante (será?), então para se punir no crime é preciso

mais critérios, mais segurança, do que para se punir no cível. Desde que haja culpa, ainda

que levíssima, deve o agente indenizar a vítima, mas a culpa levíssima não autoriza

condenação criminal.

A culpa tem três graus: grave, leve e levíssima. A culpa grave se aproxima do dolo. A

culpa leve se caracteriza pela infração do homem médio, ou seja, é uma situação onde a

média da população, o bom pai de família, não cometeria o ilícito. A culpa levíssima é a falta

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de atenção extraordinária, que somente uma pessoa especial poderia ter (ex: atropelamento

que só um piloto profissional evitaria o acidente de trânsito). Essa culpa levíssima enseja

reparação civil mas não condenação criminal. Nosso CC não é expresso sobre essa

gradação da culpa, mas o P.U. do art. 944 admite essa divisão.

Que casos de influência da Justiça Penal na Cível são esses? Existência do fato e

negativa de autoria (935, parte final). Então se o Juiz Criminal julgar que não houve o fato

(ex: uma pessoa se auto mutila para acusar alguém) ou que o acusado não foi o seu autor

(ex: acusa-se João e o Juiz Penal diz que não foi João, mas José) tais decisões fazem coisa

julgada no cível. Lembro que a jurisdição como poder do Estado é una, então o sistema

deve buscar soluções coerentes e não contraditórias, tomando o Juiz Cível emprestadas as

provas produzidas pelo Juiz Criminal e vice-versa. Nesse sentido o art. 74 e pú da lei

9.099/95 que impede a ação penal nos delitos menos graves se o criminoso pagar o

prejuízo sofrido pela vítima.

Ainda nos casos do art. 188 a decisão penal influencia na civil.

Ressalto que  a prescrição civil não corre antes do trânsito em julgado penal (200),

mas a vítima não deve esperar pela polícia e pelo promotor, e sim ir logo com seu advogado

processando o agente. Ressalto ainda que a função do Dir Penal é punir o infrator (função

repressiva), enquanto a função do Dir Civil é compensar o dano sofrido pela vítima (função

reparatória).

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EXECÍCIO REGULAR E ABUSO DE DIREITO

Mesmo que cause lesão a alguém, o exercício regular de um direito exclui a ilicitude

conforme art. 188, I do CC. Exemplos: credor que pede ao Juiz para tomar bens do devedor

(153), pessoa que constrói na sua casa um 1º andar e tira a ventilação do vizinho, caco de

vidro colocado sobre o muro, cerca elétrica com placa avisando do risco, então caso alguém

se machuque não haverá ato ilícito. Chamam-se de ofendículas esses dispositivos

destinados a proteger a propriedade, conforme será tratado na aula 14 de Dir. Reais.

Ora, quem exerce seus direitos não responde por eventuais prejuízos causados a

terceiros. Porém o exercício irregular de um direito, ou o uso abusivo de um direito deve ser

condenado. O ERD é um sexto caso de interrupção do nexo causal (vide aula 16).

Abuso de Direito: é o ato praticado no exercício irregular de um direito, sem vantagem

para o praticante e com intenção de lesar outrem (ex: advogado que alterando os fatos e

com excesso de linguagem faz queixa de juiz na Corregedoria; revistas constrangedoras

feitas a clientes na saída das lojas, cerca elétrica sem sinalização; enviar “spam” pela

internet; greve de funcionário público; uma mãe proibir a sogra de visitar o neto; plantar

coqueiros para prejudicar vizinho que tem ultra-leve, etc.); o juiz deve analisar a

irregularidade, fixar uma indenização e desfazer o ato abusivo; trata-se de regra de

harmonia social, pela qual o direito de um termina onde começa o do outro (art. 187)

Mais exemplos de abuso de direito (413, 939, 940, 1.277, 1.289, 1.312).

 

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DANO ESTÉTICO

           

Verifica-se quando a vitima sofre lesões que deixam cicatrizes e aleijões que

prejudicam a sua aparência e auto-estima.  Trata-se de uma terceira espécie de dano, além

do material e do moral. Para alguns, o dano estético se assemelha ao dano moral, sendo

assim incabível uma repetição de indenização para o mesmo dano. Entretanto a

jurisprudência  vem, cada vez mais, permitindo a acumulação dos danos material, estético e

moral, ainda que decorrentes de um mesmo acidente, quando for possível distinguir com

precisão as condições que justifiquem cada um deles. Vide Sumula 387 do STJ: é possível a

acumulação das indenizações de dano estético e moral.

Classificado como um dano autônomo, o dano estético é passível de indenização

quando comprovada a sua ocorrência. É o dano verificado na aparência da pessoa,

manifestado em qualquer alteração que diminua a beleza que esta possuía. Pode ser em

virtude de alguma deformidade, cicatriz, perda de membros ou outra causa qualquer. (ex:

perder a orelha/braço num acidente, uma cicatriz no rosto, uma queimadura no corpo, cabe

dano material pelos dias que ficar sem trabalhar e despesas médicas, cabe ainda dano

moral pelo sofrimento e finalmente existe dano estético).

Nesses exemplos temos assim três formas diversas de dano – o material, o moral e o

estético. O dano material é o art. 402. O dano moral  corresponde à violação do direito à

dignidade e à imagem da vítima, assim como ao sofrimento, à aflição e à angústia a que foi

submetida. Finalmente o dano estético decorre da modificação da estrutura corporal do

lesado, enfim, da deformidade a ele causada.

O dano estético não tem previsão expressa na lei, só na jurisprudência, embora o art.

949, in fine, possa ser um indício do dano estético no CC.

Questões práticas:

Exemplos:

         Se o infrator morre não haverá responsabilidade penal, pois a morte extingue a

punibilidade, mas vai haver responsabilidade civil (943).

         Um acidente de trânsito sem vítima só vai interessar ao Cível, pois o crime de dano do

Código Penal só se pune a título de dolo.

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         Um policial que se defende de um bandido e atinge um inocente, não vai haver

responsabilidade penal pois agiu em legítima defesa, mas vai haver responsabilidade civil

pois a responsabilidade do Estado é objetiva (37 § 6o da CF)

         Uma pessoa que se defende de um bandido e atinge um inocente, não vai haver

responsabilidade penal e nem civil (188, I, CC) = dano sem indenização.

            Acabar noivado enseja RC? Sim, pois causa sofrimento. Além disso o noivo dava

muitos presentes, jóias, que terminavam fazendo parte do orçamento da noiva. Mas eram

presentes, era liberalidade, e não obrigação. E onde está a liberdade de contrair

matrimônio? Reflitam!

            Art. 938 - Não se sabendo de que apartamento caiu o objeto, pode-se

responsabilizar o condomínio todo? Sim para que o dano não fique sem reparação, e de

qualquer modo o prejuízo será pulverizado entre vários moradores

            Tremor de terra que provoca rompimento de esgoto, responsabilidade ambiental da

companhia de saneamento, afinal o dano ambiental é muito relevante na atualidade com

toda essa preocupação de poluição e efeito estufa. (ex: derrubada de árvores; poluição das

águas e produção intensa de ruídos; barulho também é poluição). O dano ambiental pode

resultar em tríplice responsabilidade: civil, penal e administrativa (225, § 3º, CF).

            João é atropelado, sofre um ferimento leve, mas toma um remédio que faz muito mal

a ele e termina morrendo por causa dessa medicação, o atropelador responde por

homicídio? Não, pois o ferimento foi leve. Mas se João é atropelado, sofre um ferimento

grave, e morre na cirurgia decorrente da anestesia, o motorista vai responder por homicídio

pois o atropelamento grave, por si só, é fato capaz de produzir o óbito.  

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