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1 DIREITO CIVIL – DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS DIREITO DAS COISAS INTRODUÇÃO O direito das coisas consiste no complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referente aos bens suscetíveis de apropriação pelo homem. Excluem-se do seu conceito as coisas que existem em abundância no mundo, sem valor econômico, como o ar atmosférico e a luz solar. O Código Civil só disciplina, no Livro do Direito das Coisas, os bens materiais ou corpóreos. Os bens imateriais, como os direitos autorais, fruto da inteligência do homem, são disciplinados em leis especiais. Para Maria Helena Diniz os direitos autorais são também regidos pelo direito das coisas, a ilustre jurista argumenta que se trata de uma modalidade especial de propriedade, isto é, propriedade imaterial. A maioria dos autores inclui os direitos autorais no estudo dos direitos da personalidade, o que realmente parece mais adequado, pois realça o aspecto moral da personalidade do autor. Mas não resta dúvida que se trata de um bem imaterial de caráter patrimonial. Na sistematização do direito das coisas, incluem-se apenas os direitos reais, excluindo-se os direitos pessoais, que são objeto de disciplina autônoma. CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS E PESSOAIS Os romanos não estabeleceram uma teoria diferenciadora entre os direitos reais e os pessoais, mas eles já percebiam essa distinção, tanto é que previam a actio in rem e a actio in personan. Foi no direito canônico, a partir do século XII, que começou o desenvolvimento das teorias distinguindo esses dois direitos. Todavia, posteriormente, surgiram teorias procurando unificar o direito real e o direito pessoal. Dentre as teorias destacam-se: → teoria clássica ou dualista ou tradicional ou realista; → teoria unitária personalista; → teoria de Demogue. → teoria unitária impersonalista ou unitária realista ou monista-objetivista; A teoria clássica ou dualista sustenta que o direito real é o poder da pessoa sobre uma coisa, sem intermediários. É, pois, o vínculo entre uma pessoa e uma coisa determinada, oponível contra todos. De acordo com essa teoria, o direito real tem três elementos: a) sujeito ativo da relação jurídica; b) coisa, que é o objeto do direito; c) inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa. Não há, portanto, um sujeito passivo, pois se trata de um vínculo entre a pessoa e a coisa. O sujeito passivo é, no entanto, determinado, isto é, identificado por ocasião da violação do direito real. A teoria unitária personalista, por sua vez, nega a existência de diferenças entre o direito real e o direito pessoal, preconizando que o direito real, como as demais obrigações, é de natureza pessoal, mas de conteúdo negativo, isto é, os demais indivíduos acham-se obrigados a respeitá-lo, abstendo-se da prática de qualquer ato tendente a lesá-lo. Para esta teoria, o direito real é uma obrigação passiva (de não fazer) universal, que tem três elementos: sujeito ativo (titular do direito real), objeto (a coisa vinculada) e sujeito passivo universal (todas as pessoas do mundo). Planiol, árduo defensor dessa doutrina, combatendo a teoria clássica, dizia que não há relação jurídica

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DIREITO CIVIL – DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

DIREITO DAS COISAS

INTRODUÇÃO

O direito das coisas consiste no complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referente aos bens suscetíveis de apropriação pelo homem.

Excluem-se do seu conceito as coisas que existem em abundância no mundo, sem valor econômico, como o ar atmosférico e a luz solar.

O Código Civil só disciplina, no Livro do Direito das Coisas, os bens materiais ou corpóreos. Os bens imateriais, como os direitos autorais, fruto da inteligência do homem, são disciplinados em leis especiais. Para Maria Helena Diniz os direitos autorais são também regidos pelo direito das coisas, a ilustre jurista argumenta que se trata de uma modalidade especial de propriedade, isto é, propriedade imaterial. A maioria dos autores inclui os direitos autorais no estudo dos direitos da personalidade, o que realmente parece mais adequado, pois realça o aspecto moral da personalidade do autor. Mas não resta dúvida que se trata de um bem imaterial de caráter patrimonial.

Na sistematização do direito das coisas, incluem-se apenas os direitos reais, excluindo-se os direitos pessoais, que são objeto de disciplina autônoma.

CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS E PESSOAIS

Os romanos não estabeleceram uma teoria diferenciadora entre os direitos reais e os pessoais, mas eles já percebiam essa distinção, tanto é que previam a actio in rem e a actio in personan.

Foi no direito canônico, a partir do século XII, que começou o desenvolvimento das teorias distinguindo esses dois direitos. Todavia, posteriormente, surgiram teorias procurando unificar o direito real e o direito pessoal.

Dentre as teorias destacam-se: → teoria clássica ou dualista ou tradicional ou realista; → teoria unitária personalista; → teoria de Demogue. → teoria unitária impersonalista ou unitária realista ou monista-objetivista;

A teoria clássica ou dualista sustenta que o direito real é o poder da pessoa sobre uma coisa,

sem intermediários. É, pois, o vínculo entre uma pessoa e uma coisa determinada, oponível contra todos. De acordo com essa teoria, o direito real tem três elementos: a) sujeito ativo da relação jurídica; b) coisa, que é o objeto do direito; c) inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa. Não há, portanto, um sujeito passivo, pois se trata de um vínculo entre a pessoa e a coisa. O sujeito passivo é, no entanto, determinado, isto é, identificado por ocasião da violação do direito real.

A teoria unitária personalista, por sua vez, nega a existência de diferenças entre o direito real e o direito pessoal, preconizando que o direito real, como as demais obrigações, é de natureza pessoal, mas de conteúdo negativo, isto é, os demais indivíduos acham-se obrigados a respeitá-lo, abstendo-se da prática de qualquer ato tendente a lesá-lo. Para esta teoria, o direito real é uma obrigação passiva (de não fazer) universal, que tem três elementos: sujeito ativo (titular do direito real), objeto (a coisa vinculada) e sujeito passivo universal (todas as pessoas do mundo). Planiol, árduo defensor dessa doutrina, combatendo a teoria clássica, dizia que não há relação jurídica

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entre pessoa e coisa, porquanto o direito é necessariamente uma relação de pessoas. Asseverava que enquanto no direito de crédito há dois sujeitos determinados (credor e devedor), no direito real existe um sujeito ativo, titular do direito, e uma relação jurídica que não se estabelece com a coisa, pois esta é objeto do direito, mas sim com a generalidade anônima das pessoas, havendo assim um sujeito passivo universal ou indeterminado, que abrange toda a coletividade. Dentre as críticas lançadas por essa doutrina à teoria clássica, costuma-se mencionar: a) a relação entre pessoa e coisa não passa de um fato, que é a posse; b) a oponibilidade do direito a terceiros não é exclusiva dos direitos reais, mas uma característica de todos os direitos absolutos; c) no direito real, às vezes, aparece também o sujeito passivo determinado, tal como nos direitos pessoais. De fato, alguns autores sustentam que nos direitos reais sobre coisas alheias existe um sujeito passivo determinado, citando, como exemplo, a servidão predial em que o poder do titular consiste em se pretender do proprietário ou possuidor do prédio serviente uma certa abstenção, havendo, destarte, uma pessoa especialmente obrigada, sendo que as demais são estranhas à relação jurídica.

Cumpre ainda registrar a teoria de Demogue, que, no fundo, tem também conotação unitarista personalista, deixando entrever que o direito real e o direito pessoal são da mesma natureza, ambos são direitos pessoais. Apregoa que o direito das obrigações é o centro do direito civil, abrangendo também os direitos reais, pois em todo direito o elemento pessoal encontra-se presente; todo direito é uma relação entre pessoas. Todavia, alguns direitos são mais fortes ou mais eficazes do que outros, embora sejam da mesma natureza. Assim, enquanto os direitos reais são oponíveis contra todos e o seu exercício independe da colaboração de outras pessoas, os direitos pessoais só podem ser opostos contra uma ou algumas pessoas determinadas, sendo que o seu exercício depende da colaboração de outras pessoas.

Por outro lado, a teoria unitária impersonalista ou unitária realista, proposta por Gaudemet, preconiza que todos os direitos são reais, não havendo distinção entre direitos reais e direitos pessoais. Aludida doutrina sustenta que os direitos pessoais não recaem sobre a pessoa do devedor, e sim sobre seu patrimônio, pois este responde por suas dívidas, sendo, portanto, uma espécie de direito real, com abstração da pessoa do devedor. Assim, o direito pessoal, segundo essa teoria, não é uma relação entre pessoas, mas entre patrimônios, tendo em vista que é o patrimônio do devedor que responde por suas dívidas. Dentre as críticas a essa doutrina, merecem destaques: a) o fato de analisar os direitos no momento do inadimplemento, que é uma situação anormal; b) o fato de despersonalizar o direito pessoal, desconsiderando a pessoa do devedor, deixando sem explicação as obrigações de fazer e não fazer personalistas; c) o fato de unificar situações distintas, porquanto os direitos reais recaem sobre coisa determinada, ao passo que o patrimônio é uma universalidade, isto é, um conjunto de bens, direitos e obrigações.

O Código Civil pátrio adotou a teoria clássica. Assim, os elementos dos direitos reais são: sujeito ativo, a coisa e a inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa; ao passo que o direito pessoal, sendo uma relação de pessoa a pessoa, apresenta os seguintes elementos: sujeito ativo, sujeito passivo determinado e prestação.

Com efeito, direito real “é a relação jurídica em virtude da qual o titular pode retirar da coisa de modo exclusivo e contra todos as utilidades que ela é capaz de produzir. O direito pessoal, por seu turno, conceitua-se como relação jurídica mercê da qual ao sujeito ativo assiste o poder de exigir do sujeito passivo determinada prestação, positiva ou negativa” (Washington de Barros Monteiro).

Dentre as diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais, enumeramos as seguintes:

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a) os direitos reais são absolutos, oponíveis erga omnes, sendo providos de ação real que possibilita a recuperação da coisa, esteja ela em poder de quem quer que seja, ao passo que os direitos pessoais são relativos, podendo a ação ser movida apenas em face da pessoa com quem se celebrou o negócio jurídico. Alguns civilistas criticam essa distinção entre direitos absolutos e relativos, salientando que nenhum direito é absoluto, pois todos sofrem limitações sociais que os conduzem à relatividade. Por outro lado, se se aceitar a existência de direitos absolutos, força convir a existência de outros direitos absolutos fora dos direitos reais, como o status das pessoas, seu nome, sua vida e integridade física (direitos da personalidade);

b) os direitos reais são regidos pelo princípio da taxatividade. O rol dos direitos reais é numerus clausus, não podendo ser ampliado pelas partes e nem pela analogia. Somente a lei pode criar novos direitos reais, além daqueles previstos no art. 1.225 do CC. Em contrapartida, os direitos pessoais são numerus apertus, pois a lei os elenca de maneira meramente exemplificativa, podendo outros ser criados livremente pelas partes, de modo que os direitos pessoais são ilimitados;

c) os direitos reais são regidos pelo princípio da legalidade ou tipicidade. É a chamada imposição de tipos. Somente a lei pode criar direito real. Não existe direito real criado pelas partes. No direito contratual existem os contratos típicos (criados pela lei) e os atípicos (criados pelas partes). Os direitos reais são sempre típicos (criados pela lei). Washington de Barros, porém, entende que o rol dos direitos reais não é taxativo, podendo as partes criar outros direitos reais, desde que não contrariem os princípios de ordem pública;

d) os direitos pessoais são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, podendo ser criados livremente pelas partes;

e) os direitos reais são regidos pelo princípio da publicidade, consistente no registro, quando se tratar de bens imóveis, e na posse em relação aos bens móveis. Antes da posse ou do registro não há direito real. Alguns direitos reais sobre bens móveis também exigem registro, como o penhor. Alguns direitos reais sobre imóveis dispensam o registro, como o direito real de habitação previsto em favor do cônjuge sobrevivente. Nos direitos pessoais, a publicidade é facultativa;

f) os direitos reais são regidos por normas de ordem pública; os direitos pessoais, em regra, por normas de ordem privada;

g) as ações reais sobre imóveis dependem da autorização do cônjuge do autor e da citação do cônjuge do réu e são movidas no local da situação do bem. As ações pessoais dispensam a participação dos respectivos cônjuges e são movidas no domicílio do réu. As ações reais podem ser movidas contra qualquer pessoa que viole o direito real, ao passo que as ações pessoais só são cabíveis contra quem figura como sujeito passivo na relação jurídica;

h) o titular do direito real tem a faculdade de abandoná-lo se não suportar mais seus encargos. No direito pessoal, não é possível o abandono, salvo na servidão em que o dono do prédio serviente tem a opção de abandonar o imóvel caso não queira realizar as obras de conservação a que estava obrigado por força do contrato (art. 1382 do CC);

i) admite-se usucapião de direito real, mas é controvertida a usucapião de direito pessoal; j) o direito real é dotado de seqüela, que é o direito de perseguir a coisa, reavendo-a, esteja

ela em poder de quem quer que seja. O direito pessoal só pode ser invocado em face do outro contratante;

k) os direitos reais podem ser perpétuos e temporários, ao passo que os direitos pessoais são sempre temporários, extinguindo-se instantaneamente com o cumprimento da prestação devida. Os direitos reais perpétuos são a propriedade, a enfiteuse e a servidão, pois os demais direitos reais são temporários. Registre-se, ainda, que os direitos pessoais são instantâneos, salvo a obrigação de não fazer, que se reveste da característica de permanência;

l) os direitos reais têm por objeto uma coisa corpórea, isto é, tangível, ao passo que os direitos

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pessoais têm por objeto uma prestação do devedor. Em algumas hipóteses é possível direito real incidir sobre direito pessoal, refiro-me ao usufruto e ao penhor, que podem recair sobre créditos e direitos;

m) nos direitos reais o titular não precisa da intervenção de outra pessoa para aproveitar todas as utilidades que a coisa pode produzir, porque a relação de proveito é estabelecida diretamente entre ele e a coisa, o que não ocorre nos direitos pessoais, porquanto é necessária a intervenção do devedor, ao dar cumprimento à obrigação, para que o credor possa aproveitar as vantagens do objeto da prestação;

n) os direitos reais não se extinguem pela inércia, à exceção da servidão, enquanto que os direitos pessoais extinguem-se pelo seu não exercício.

Do exposto, conclui-se que as principais características dos direitos reais são:

a) direito de sequela; b) direito de preferência: o direito real, em regra, prefere ao pessoal, salvo se houver lei em

contrário, v.g., na falência, o crédito trabalhista (direito pessoal) tem preferência sobre o contrato garantido por hipoteca (direito real);

c) aderência ou inerência: adere imediatamente à coisa, independentemente do seu titular, e se prendendo a ela não sofre mutação com a modificação da respectiva titularidade. É o caso da servidão ou usufruto que não se vê prejudicado com a alienação da propriedade, pois o adquirente deverá respeitar o direito real sobre coisa alheia constituído;

d) tipicidade; e) taxatividade; f) elasticidade: é característica dos direitos reais limitados. Corresponde ao movimento que o

direito real pode ter quando desmembrados os poderes sobre a propriedade. É o que ocorre no usufruto ou na servidão, quando parte dos poderes é transferida ao usufrutuário ou serviente e, com a extinção do usufruto ou servidão, voltam ao titular, consolidando a propriedade, em um movimento que é exclusivo dos direitos reais;

g) especialidade: os direitos reais só podem ser constituídos sobre coisa certa e determinada, individualizada de modo a não admitir confusão. Só pode ser objeto de direitos reais coisa corpórea, segundo o critério da tangibilidade, encontrado no direito romano e que tem fundamento na idéia de apropriação material da coisa;

h) exclusivo: não é possível instituir-se direito real de igual conteúdo onde outro já exista. É possível recaírem sobre a mesma coisa dois direitos reais de espécies diferentes, como, por exemplo, “no caso de usufruto ou de enfiteuse os direitos são de conteúdo variado, pois enquanto o usufrutuário tem direito aos frutos e o enfiteuta, às utilidades da coisa, o nu-proprietário e o titular do domínio direto só guardam o direito à substância da coisa” (Silvio Rodrigues). Também poderá o direito real ser dividido em partes ideais, como no condomínio, mas nesse caso cada um dos condôminos tem exclusividade sobre a sua parte;

i) absoluto.

CONTEÚDO

O direito das coisas abarca o estudo da posse, propriedade e direitos reais sobre coisas alheias.

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REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS REAIS

A norma constitucional estabeleceu princípios em matéria de direitos reais que compõem um verdadeiro regime constitucional aplicável à propriedade, que é a matriz dos direitos reais, da qual derivam todas as outras espécies limitadas.

Declara o caput do art. 5º da CF/1988 que é garantida aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à propriedade, que deverá atender a sua função social (incisos XXII e XXIII). Assim a Lei Maior define que a propriedade é um direito garantido no Brasil, mas somente legitimado quando atendida a sua função social. A propriedade que não cumpre a sua função social, portanto, não encontra proteção, porque não está legitimada constitucionalmente. Estes são os princípios constitucionais que deverão nortear todo o direito infraconstitucional.

POSSE CONCEITO

Na abordagem do conceito de posse, duas teorias ganharam destaque: a teoria subjetiva e a

teoria objetiva. Savigny, jurista genial, é o principal responsável pela formulação da teoria subjetiva. Define

posse como o poder físico sobre a coisa, com a intenção de tê-la para si. Exige, pois, dois requisitos para a caracterização da posse, a saber: o corpus e o animus. O corpus seria o contato físico com a coisa, isto é, a detenção, ao passo que o animus compreenderia a intenção de possuí-la como dono. Imprescindível, para Savigny, o animus rem sibi habendi ou animus domini, sendo, pois, vedada a posse corpore alieno. Assim, o locatário e o usufrutuário não seriam possuidores, pois detêm a coisa em nome alheio, sem o animus domini. Sobremais, aquele que agisse com animus domini, para ser possuidor, teria de ter o contato físico com a coisa; por consequência, um morador de São Paulo não poderia possuir em Bauru.

Ihering, jurisconsulto célebre, principal responsável pela idealização da teoria objetiva, teceu severas críticas a Savigny. Sustentou que a existência da posse dependeria exclusivamente do corpus, dispensando-se a presença do animus, o qual, segundo ele, estaria implícito no corpus. O aspecto subjetivo do animus fê-lo afirmar a desnecessidade de verificar a intenção do sujeito para saber se ele tinha ou não posse. Ihering empregou novo conceito de corpus, diverso do preconizado pelos subjetivistas. Corpus, para Ihering, é o comportamento de dono. Define posse como a exteriorização, visibilidade da propriedade. Possuidor é todo aquele que se comporta como real proprietário. Admite, portanto, a posse corpore alieno. Inquilino e usufrutuário, conquanto detenham a coisa em nome alheio, são considerados possuidores, pois agem como se fossem donos. Não é, pois, necessário o animus domini e nem o contato físico sobre a coisa. É possível morar em São Paulo e possuir em Bauru. Para ser possuidor basta comportar-se como dono. O caçador tem a posse do animal preso à armadilha, pois essa situação revela o comportamento de dono.

O Código Civil brasileiro de 1916 foi o primeiro a adotar a teoria de Ihering, muito embora, como observava Washington de Barros Monteiro, revelasse ainda persistência de certas idéias de Savigny, como ocorria no seu art. 493, ao prever a aquisição da posse pela apreensão da coisa, e no art. 520, ao especificar desnecessariamente as diversas causas de perda da posse. O Código Civil de 2002 procurou impor maior rigor ao tratamento da posse, de acordo com as idéias de Ihering, eliminando do seu texto aqueles dispositivos mencionados que eram influenciados pelo subjetivismo de Savigny, mas ainda há alguns resquícios dessa teoria nos artigos 1204 e 1223, que

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se referem à aquisição e perda da posse. Foi no art. 1.196 que o CC consagrou a teoria objetiva, ao definir possuidor como todo aquele

que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade.

Os poderes da propriedade são: usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa. Quem exerce um ou alguns desses poderes já é considerado possuidor.

AQUISIÇÃO DA POSSE

O Código Civil revogado fazia, no art. 493, uma disposição analítica dos meios de aquisição da

posse, enumerando-os. Afirmava que a posse era adquirida: I – pela apreensão da coisa, ou pelo exercício do direito; II – pelo fato de se dispor da coisa ou do direito; III – por qualquer dos modos de aquisição em geral.

Referido dispositivo, reminiscência das ideias savignyanas, era inútil e tecnicamente impreciso. Ademais, elenca a apreensão como um dos modos de aquisição da posse, quando, na verdade, nem toda apreensão constitui posse, assim como pode haver posse sem apreensão.

Como foi adotada a teoria objetiva de Ihering, bastaria o dispositivo enunciar que se adquire a posse pelo exercício de alguns dos poderes inerentes ao domínio, pois a aquisição da posse é ato jurídico de forma livre. Foi o que fez o Código Civil de 2002 ao dispor, no art. 1.204: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. Acrescente-se ainda que a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante, outrossim, por terceiro sem mandato, desde que seu ato seja ratificado pelo beneficiário (art. 1.205 do CC).

O Código Civil, ao contrário do anterior que proibia expressamente, é omisso sobre o fato do incapaz poder ou não adquirir posse, sem representação ou assistência do representante legal. Uma primeira corrente nega a possibilidade, invocando, para tanto, os arts. 166, I, e 171, I, do CC. Uma segunda corrente trata a posse como ato-fato jurídico, dispensando em relação a ela o requisito da capacidade, nos moldes do art. 185 do CC, admitindo-se, destarte, a aquisição pessoal da posse pelo incapaz. Filiamo-nos a essa última corrente, porque a posse é uma relação entre pessoa e coisa, isto é, analisada isoladamente, deve ser considerada como sendo um fato, desvinculando-se dos requisitos inerentes aos negócios jurídicos. Ademais, o Código Civil adotou a teoria objetiva, afastando-se de qualquer requisito subjetivo, isto é, relacionada à intenção do agente.

O constituto possessório ou cláusula constituti é o ato pelo qual, segundo a clássica lição de Clóvis, aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome alheio. Por exemplo, o proprietário aliena a casa, mas nela permanece como inquilino. Note-se que antes o proprietário tinha a posse como dono, agora tem a posse como locatário. Verifica-se, no constituto possessório, o fenômeno da bifurcação da posse em direta e indireta. O constituto não se presume, deve constar expressamente do ato de alienação, sendo um modo de aquisição da posse. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 1.267 do CC: “Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório”. Conquanto o Código Civil preveja o constituto possessório apenas para os bens móveis, a doutrina também o admite para os imóveis, aplicando por analogia o artigo 1267 do CC. O enunciado 77 do CJF dispõe: “a posse das coisas móveis e imóveis também podem ser transmitida pelo constituto possessório”.

Por outro lado, dispõe o art. 1.209 do CC que a posse do imóvel faz presumir, até prova em contrário, a das coisas móveis que nele estiverem. Trata-se de mera aplicação da regra antiga no sentido de que o acessório segue o principal. A presunção, porém, é relativa, juris tantum, cedendo diante de prova em contrário.

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DA PERDA DA POSSE

O art. 520 do CC/1916, reminiscência das idéias savignyanas, elencava as hipóteses de perda da posse. Tratava-se de dispositivo inócuo, pois, na verdade, ocorrerá a perda da posse toda vez que o possuidor deixar de se comportar como dono. É o que dispõe agora o art. 1.223 do CC: “Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196”.

O antigo dispositivo do Código Civil de 1916 (art. 520) estabelecia que “perde-se a posse das coisas: I – pelo abandono; II – pela tradição; III – pela perda ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio; IV – pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em tempo competente; V – pelo constituto possessório”.

Estabelecia também o Código Civil de 1916 que a posse para o ausente só se considerava perdida quando, tendo notícia da ocupação, ele se abstivesse de retomar a coisa ou, tentando recuperá-la, fosse violentamente repelido (art. 522). Esse dispositivo era criticado porque protegia imerecidamente o ausente, pessoa que deixou o seu domicílio e seus bens sem nomear representante ou pessoa para cuidar de seus interesses, porque o ausente é, nesse caso, negligente com a posse e propriedade de seus bens.

Modificou o Código Civil de 2002 a redação do dispositivo referido para determinar, no seu art. 1.224, que “só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”.

Como esclarece Carlos Alberto Garbi, não emprega o novo Código Civil o termo “ausente”, mas ampliou indevidamente a proteção, agora dirigida a todos aqueles que não presenciaram o esbulho. Como consequência, uma interpretação literal do dispositivo pode levar ao entendimento de que não pode ser considerada perdida a posse para a pessoa até que ela tenha notícia do esbulho e a respeito dele permaneça inerte. Logo, igualmente não se pode considerar adquirida a posse para quem praticou o esbulho. A posse do esbulhador não terá qualquer efeito, como a proteção pelos interditos ou pela usucapião, até que, noticiada a violação ao possuidor, ele se abstenha de retomar a coisa.

Escreve Silvio Rodrigues a respeito que “a solução da lei era e continua má, por se inspirar na preocupação excessivamente individualista de proteger o possuidor em viagem, ou fora do lugar onde se encontra a coisa possuída. O artigo em tese deve ser suprimido, pois cria uma discriminação em favor daquele possuidor negligente, em detrimento do interesse social, que é no sentido de conferir proteção a quem quer que, mansa e pacificamente, exerça posse pública por mais de ano e dia”.

Uma interpretação conciliadora entende que a posse só pode ser considerada perdida para quem não presenciou o esbulho quando sabia dele “ou devia saber” e se abstém de retomar a coisa, porque o possuidor esbulhado, zeloso e diligente, deve manter permanente vigilância sobre a coisa, de modo que a lei não pode favorecer aquele que é negligente com a posse de seus bens e por esta razão só veio a ter conhecimento do esbulho muito tempo depois do evento.

DETENÇÃO OU MERA CUSTÓDIA

Posse é a exteriorização do domínio. Nem sempre, porém, a aparência de dono revela a existência de posse. É o que acontece com o detentor, também denominado fâmulo ou servidor da posse, que, malgrado a aparência de proprietário, a lei civil não considera possuidor.

Detentor é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas, bem como aquele que

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pratica os atos por mera permissão ou tolerância. O detentor tem o contato físico com a coisa em situação de dependência para com outrem,

ou por mera permissão ou tolerância (arts. 1.198 e 1.208 do CC). Aquele que começou a comportar-se como detentor, isto é, em situação de dependência ou por mera permissão ou tolerância, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário, consoante determina o parágrafo único do art. 1.198 do CC.

Situações de dependência como a do caseiro encarregado de zelar pela chácara do patrão e do soldado, em relação às armas do quartel, caracterizam mera detenção.

Atos de permissão ou tolerância também não induzem posse. Trata-se da detenção física momentânea do bem que o possuidor entrega a terceiro, mas mantém sobre a coisa o controle e a vigilância.

Permissão é a concessão expressa, como por exemplo a visita de um amigo na casa; tolerância, a concessão tácita, é a omissão a certos fatos sem que isso implique em cessão de direitos, como na hipótese de se tolerar que o vizinho passe por um atalho ou jardim.

A pessoa que tolerou ou consentiu, a qualquer tempo, pode revogar unilateralmente a ordem, pois se trata de mero favor. Por exemplo, tolero por gentileza a passagem do vizinho pelo meu quintal.

Posse é assim, a exteriorização do domínio, excepcionando-se, porém, a hipótese de detenção.

Só a posse produz efeitos jurídicos, sendo os principais o direito à proteção possessória e à usucapião.

A proteção possessória, como veremos, compreende a defesa direta da posse e a possibilidade de ajuizar os interditos possessórios.

A detenção não gera efeitos jurídicos. O detentor jamais poderá ser autor ou réu de uma ação possessória. Jamais obterá a usucapião. Falta-lhe a posse. Se, por engano, alguém propor ação possessória contra o detentor, este poderá nomear à autoria o proprietário ou possuidor, propiciando o fenômeno da extromissão processual, consistente na saída do processo do réu nomeante (detentor) para a entrada do réu nomeado (proprietário ou possuidor). Observe-se que, conquanto ilegítima a parte (detentor), o processo não é extinto sem resolução do mérito, em virtude da nomeação à autoria.

O único efeito jurídico atribuído ao detentor é a possibilidade de fazer uso da defesa direta para proteger a posse. Assim, por exemplo, o caseiro tem o direito de expulsar com as próprias mãos os intrusos que pretendem invadir o imóvel do seu patrão.

NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

Na explicação da sua natureza jurídica, instalou-se, também, outra controvérsia: a posse é fato ou direito?

Ihering dizia que a posse é um direito, isto é, um interesse juridicamente protegido. Van Wetter entendia a posse como um fato, pois sua existência independe do direito. Savigny, tomando posição conciliadora, adotava a ideia de que a posse é ao mesmo tempo

fato e direito. Considerada em si mesma é um fato, pois existe independentemente das regras de direito. Considerada em relação aos efeitos que produz é um direito, na medida em que gera conseqüências jurídicas, tais como os interditos possessórios e a usucapião.

Não resta dúvida de que, quanto aos efeitos, a posse é realmente um direito. Mas seria direito real ou pessoal? Eis outra questão polêmica.

Para Savigny, posse seria direito pessoal e para Ihering direito real. Clóvis não poupou críticas

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a essas posições. Dizia que o rol dos direitos reais previsto no art. 674 do CC/1916 (art. 1.225 do CC/2002) é numerus clausus, taxativo, sendo, pois, vedada a sua ampliação para incluir a posse. Asseverava que o direito pessoal é a relação entre credor e devedor, tendo por objeto uma prestação de dar, de fazer ou não fazer, ao passo que a posse é a relação entre pessoa e coisa com sujeito passivo indeterminado.

Clóvis adotava a idéia de que posse seria um direito especial, sui generis. Malgrado a genialidade do ilustre civilista, os direitos são reais ou pessoais, inexistindo na sistemática jurídica pátria a figura desse tal direito especial.

A jurisprudência majoritária considera a posse direito real. Posse é a manifestação da propriedade, logo não poderia a propriedade (direito real por excelência) manifestar-se como direito pessoal, e muito menos como direito especial. Ademais, pode se aplicar o princípio da gravitação jurídica, considerando a propriedade como principal e a posse como acessório, sendo que o acessório segue o principal e por isso a posse deve ser tida como direito real. A posse tem as características do direito real: a) é exercida de forma direta sobre a coisa, sem a necessidade de intermediários; b) é oponível erga omnes; c) incide sobre coisa determinada. A posse é também denominada de direito real provisório, enquanto a propriedade é o direito real definitivo.

Na verdade, o Código de Processo Civil esforçou-se para colocar a posse entre os direitos reais, ao dispor no art. 95 do CPC que “nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obras novas”.

Referido dispositivo, específico às ações reais imobiliárias, incluiu a posse em seu texto. Mas a Lei 8.952/1994, alterando o Código de Processo Civil, no art. 10, que disciplina

especialmente as ações sobre direitos reais imobiliários, incluiu os §§ 1º e 2º. Dispõe o § 1º que “ambos os cônjuges serão citados para as ações: I – que versem sobre direitos reais imobiliários”. E reza o § 2º: “Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável no caso de composse ou de ato praticado por ambos”.

Assim, conquanto se caracterize como direito real, na ação possessória não há necessidade da autorização do cônjuge do autor ou do réu, salvo no caso de composse ou de ato por ambos praticados.

OBJETO DA POSSE

É pacífica a incidência da posse sobre coisas corpóreas e direitos reais. De fato, a posse dos direitos reais (bens incorpóreos), também denominada quase-posse, manifesta-se abertamente na servidão, usufruto, penhor etc. Assim, admissível, por exemplo, ação de reintegração de posse no caso de esbulho do direito de servidão.

Os bens corpóreos com cláusula de inalienabilidade podem ser objeto de posse, desde que esta seja transmitida pelo próprio proprietário, como na hipótese de locação e comodato. Os bens acessórios também podem ser possuídos de forma separada dos bens principais, desde que a separação seja possível sem alterar-lhe a substância.

É também possível a posse de coisa coletiva, mas ela recairá sobre cada um dos objetos que compõe a universalidade.

Quanto à posse dos bens públicos, torna-se perfeitamente admissível, sendo proibida apenas a usucapião. Os bens públicos do patrimônio indisponível, que são os de uso comum do povo e os de uso especial, só podem ser possuídos mediante autorização do Poder Público, que é revogável a qualquer tempo. Sem a dita autorização, não se terá posse, mas mera detenção. Entretanto, os

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bens públicos dominiais, que integram o patrimônio disponível, são suscetíveis de posse, ainda que não haja autorização, convalidando-se a posse pelo decurso do prazo de ano e dia, sendo, porém, vedada a usucapião, conforme salientado anteriormente.

Tema controvertido é o que diz respeito à posse dos direitos pessoais. Rui Barbosa sustentava a presença da posse sobre os direitos pessoais, escrevendo inclusive o

livro Posse dos direitos pessoais. Os defensores desse ponto de vista apegam-se ao vocábulo “propriedade”, constante da redação do art. 1.196 do CC, que considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. A expressão “domínio”, que constava da redação do art. 485 do CC/1916, e agora eliminada, é restrita às coisas corpóreas e o termo “propriedade” abrange os bens incorpóreos, isto é, os direitos. Argumentava-se, ainda, que a redação dos arts. 488, 490 e 493, I, todos do CC/1916, fazia referência expressa à posse dos direitos, sem distinguir entre reais e pessoais, não podendo o intérprete fazer distinções onde a lei não o fez. É certo que foi modificada a redação destes dispositivos, excluindo-se a referência que eles faziam à posse de direitos, mas permanecem as disposições dos arts. 1.547 (posse do estado de casado) e 1.791, parágrafo único (posse da herança), do CC, que admitem expressamente a posse dos direitos pessoais. Acrescente-se ainda que o art. 1197 do CC ao tratar da posse direta refere-se como sendo a derivada tanto do direito real quanto a do direito pessoal.

Clóvis, porém, não admite a posse dos direitos pessoais. Suas idéias são muito bem sintetizadas por Washington de Barros Monteiro, que, na vigência do Código Civil de 1916, afirmava:

“a) o vocábulo propriedade figurou também no projeto primitivo de sua autoria e nem por isso teve ele intenção de filiá-lo ao sistema dos que ampliam a posse aos direitos pessoais;

b) nenhum dispositivo se depara no Código, pelo qual se infira que a posse se estenda àqueles direitos. Os arts. 488, 490 e 493, n. I, referem-se apenas a direitos reais;

c) a propriedade e seus desmembramentos são direitos reais. Os direitos pessoais jamais foram desmembramentos do domínio. Aliás, tais direitos não podem ser objeto de turbação material, só compreensível no tocante aos direitos reais. Não pode haver posse de coisas incorpóreas quae tangi non possunt”.

A posse está ligada ao direito de propriedade. Surgiu, aliás, para conferir maior proteção à propriedade. Desse modo, adotando posição intermediária, admitimos a posse sobre os direitos pessoais patrimoniais, cujo exercício esteja vinculado à detenção de uma coisa corpórea. Assim, por exemplo, o comodatário e o depositário, titulares de direitos pessoais, desfrutam de posse, podendo invocar os interditos para proteção de seus direitos.

Entretanto, os direitos pessoais, cujo exercício não esteja condicionado ao uso de uma coisa corpórea, são insuscetíveis de posse. Assim, os direitos pessoais de conteúdo não patrimonial, como, por exemplo, o direito ao nome e ao exercício de função pública, por não serem passíveis de transformação em pecúnia, não podem ser objeto de propriedade e nem de posse.

Sobre o assunto, o STJ editou a Súmula 228: “É inadmissível interdito proibitório para a proteção do direito autoral”. Esse posicionamento nega a posse sobre direitos autorais, que é um direito pessoal.

Finalmente, a discussão sobre a posse dos direitos pessoais perdeu um pouco a importância com o advento do mandado de segurança, na Constituição de 1934 , permitindo a concessão de liminar. Com o artigo 273 do CPC, que implantou a tutela antecipada, através da Lei 8.952/94, em praticamente todas as ações, a discussão esvaziou ainda mais. Antes dessas possibilidades de liminar, as ações possessórias eram praticamente as únicas que geravam esse benefício e por isso era grande o interesse em considerar a posse direito pessoal.

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ESPÉCIES DE POSSE

A posse pode ser:

direta e indireta; justa e injusta; de boa-fé e de má-fé; jurídica e natural; nova e velha.

POSSE DIRETA E INDIRETA

É a denominada bifurcação ou bipartição ou concorrência ou sobreposição de posses. Ocorre quando duas pessoas têm posse sobre a mesma coisa, mas em graus diferentes,

ficando um dos possuidores privado do uso imediato da coisa. Possuidor direto é o que detém materialmente a coisa, ao passo que possuidor indireto é o

proprietário que concedeu àquele outro o direito de possuir. A posse direta deriva da posse indireta. Há um desdobramento da posse. Baseia-se essa

classificação no desmembramento do direito de propriedade. A principal característica da posse direta é a temporariedade. Findo o prazo estipulado para

sua duração, deverá o possuidor direto restituir a coisa ao possuidor indireto, sob pena de sua posse tornar-se precária.

O assunto é disciplinado no art. 1.197 do CC, ao dispor que a posse direta, exercida temporariamente, não exclui a posse indireta do proprietário ou de quem eles a houveram.

A enumeração que o art. 486 do CC/1916 fazia, referindo-se ao usufrutuário, locatário e credor pignoratício, era meramente exemplificativa, razão pela qual foi excluída da redação nova encontrada no art. 1.197 do novo CC. É admissível a posse direta em outros casos, como, por exemplo, do arrendatário, comodatário, depositário e mandatário.

Meditemos no exemplo do usufruto, em que a propriedade se desmembra para conferir a posse ao nu-proprietário e usufrutuário. Este recebe daquele o uso e o gozo da coisa frutuária, adquirindo a posse direta. O nu-proprietário conserva para si a posse indireta.

Ambos os possuidores, o direto e o indireto, têm o direito de invocar os interditos, se molestados por terceiros.

Aliás, o possuidor direto pode intentar ação possessória contra o possuidor indireto, se este praticar algum ato de turbação ou esbulho. Se, por exemplo, o locador invade o imóvel locado, o inquilino expulso pode ajuizar a ação de reintegração de posse.

O possuidor indireto também pode intentar ação possessória contra o possuidor direto. Se, por exemplo, findo o prazo contratual, o comodatário relutar em devolver o bem, o comodante (possuidor indireto) pode ajuizar ação de reintegração de posse para recuperar a coisa emprestada. Observe-se, porém, que no comodato por tempo indeterminado, antes de usar dos interditos, o comodante precisa notificar o comodatário a entregar voluntariamente o bem.

Por outro lado, o locador não poderá ajuizar ação possessória contra o inquilino, pois, tratando-se de relação ex locato, a medida judicial cabível é a ação de despejo. Mas, contra terceiros, o locador pode intentar a ação possessória competente para sanar o esbulho ou turbação. O inquilino também pode mover ações possessórias contra terceiros e em face do próprio locador.

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POSSE JUSTA E INJUSTA

As purezas e vícios da posse deram origem a presente classificação. Dispõe o art. 1.200 do CC: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. A

contrario sensu, posse injusta é a que apresenta um desses vícios. São três os vícios da posse: violência, clandestinidade e precariedade. Posse violenta (vis): é a adquirida mediante esforço físico ou grave ameaça. É o inverso da

posse mansa e pacífica. Nem toda posse violenta, como veremos, é adquirida de má-fé. Posse clandestina (clam): é a adquirida às ocultas do proprietário ou possuidor. É o inverso

da posse pública, manifestada na presença de todos. Posse precária: é aquela em que o possuidor direto, vencido o prazo de duração da relação

jurídica (ex.: contrato de locação), se recusa a restituir a coisa ao possuidor indireto. Está relacionada com a bifurcação da posse em direta e indireta. O possuidor direto é o que recebe a coisa para restituí-la no momento devido. Não a restituindo, a sua posse que era justa passa a ser injusta (precária).

Enquanto os vícios da violência e clandestinidade se manifestam no momento da aquisição da posse, o vício da precariedade surge no final da posse.

Os vícios da violência e clandestinidade desaparecem com a cessação da violência e clandestinidade (art. 1.208 do CC), ao passo que o vício da precariedade nunca se convalesce. Modernamente, porém, tem-se sustentado a possibilidade de se convalescer o vício da precariedade, desde que o possuidor direto, por meio de atos exteriores, altere o animus da posse. Assim, por exemplo, o comodatário que se recusa a devolver o bem não poderá, futuramente, argüir usucapião, diante da precariedade da sua posse, salvo se esta for alterada por atos visíveis, como na hipótese de demolição do imóvel nele se construindo um estabelecimento comercial.

Cessa o vício da violência com o decurso do prazo de ano e dia, a contar do término da violência. A partir de então, a posse passa a ser justa.

Cessa o vício da clandestinidade com o decurso do prazo de ano e dia, a contar da publicidade da posse pelo proprietário ou possuidor. Anote-se, porém, que, conquanto conhecida pelos vizinhos, persiste o vício da clandestinidade enquanto o proprietário ou possuidor não tomar conhecimento da posse.

O prazo para a usucapião extraordinária na posse violenta ou clandestina é de quinze anos e um dia, pois é preciso transcorrer ano e dia da cessação da vis ou clam para que a posse se torne justa.

Anote-se, contudo, que essa questão do decurso do prazo de ano e dia para a posse injusta transmudar-se em justa não é pacífica. Diversos autores dispensam esse lapso temporal, considerando a posse justa desde o momento de sua aquisição. Discordamos dessa exegese, porquanto não se pode atribuir efeitos imediatos a uma posse conquistada à base da violência, clandestinidade ou precariedade. Sobremais, o disposto no art. 924 do CPC preceitua que o possuidor só tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho, se a turbação ou esbulho for inferior a ano e dia. Antes deste prazo, portanto, a posse ainda se revela injusta, tanto é que o novo possuidor a perderá liminarmente.

Para ter direito à usucapião e às ações possessórias, basta que a posse seja justa; não se exige a boa-fé, salvo na usucapião ordinária.

A posse precária será sempre injusta, pois este vício é insanável. Jamais, portanto, o possuidor precário, v.g., arrendatário que se recusa a devolver o imóvel, obterá a usucapião.

Não se pode perder de vista que a noção de posse justa e injusta é relativa. A justiça ou injustiça é aferida em função do adversário. Para ter direito às ações possessórias basta que a posse seja justa em relação ao adversário. Costuma-se dizer que até mesmo o ladrão da coisa tem direito

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de intentar os interditos contra terceiro que pretende apoderar-se da res furtiva, desde, evidentemente, que não se apresente em juízo como ladrão.

Verifica-se, pois, que o possuidor injusto não tem ação possessória contra aquele de quem a coisa foi tirada pela violência, clandestinidade ou precariedade. Mas, em relação a terceiros molestadores ou esbulhadores, a sua posse é justa, ou melhor, podendo, assim, intentar a ação possessória competente.

POSSE DE BOA-FÉ E DE MÁ-FÉ

Preceitua o Código, no art. 1.201, que a posse é de boa-fé se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa.

A posse de boa-fé é a que o possuidor, mediante erro escusável, ignora o vício ou obstáculo que impedia a sua aquisição.

A posse de má-fé, inversamente, surge quando o possuidor tem ciência do vício ou, então, possibilidade de conhecê-lo empregando a diligência ordinária.

Para que a posse seja de boa-fé não basta a ignorância do vício que a macula; mister que o erro quanto a este fato seja escusável. Tratando-se de erro inescusável, vencível pelo critério do homem médio, dotado da prudência ordinária, conquanto ignorado o vício pelo agente, a posse será de má-fé.

Aquele que adquirir um bem de menor púbere, sem que este esteja devidamente assistido pelo representante legal, incidindo em erro escusável quanto à idade, será possuidor de boa fé. Se, porém, a aparência infantil do menor for facilmente perceptível ao homem médio, a posse será de má-fé.

No parágrafo único do art. 1.201 do CC está contida a presunção de boa fé em favor de quem tenha justo título, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admitir essa presunção.

Justo título é o formalmente apto a transferir o domínio, mas que só não o transmite porque contém um defeito intrínseco. Por exemplo, escritura pública de compra e venda outorgada por quem não é o verdadeiro proprietário.

A presunção é relativa, juris tantum, admitindo prova em contrário. Se o possuidor tem justo título presume-se a sua boa-fé, competindo à parte adversária o

ônus da prova da má-fé. A boa-fé, porém, não perdura o tempo todo. Cessa a partir da citação. Se, contudo, o

possuidor de boa-fé for o autor da ação possessória, cessa a sua boa-fé a partir da contestação, pois neste momento toma conhecimento do vício da posse. Independentemente do ajuizamento da ação possessória, cessa também a boa-fé quando surgirem circunstâncias indicativas de que o possuidor sabia que possuía indevidamente.

Importante salientar que para intentar ação possessória basta a posse justa. É desnecessária a boa-fé. Esta é importante para o fim de direito de retenção, indenização pelos frutos, benfeitorias e perda ou deterioração da coisa.

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CARÁTER DA POSSE Estabelece o art. 1.203 do CC que “salvo disposição em contrário, entende-se manter a posse

o mesmo caráter com que foi adquirida”. É o princípio geral sobre a continuidade do caráter da posse, que, salvo prova em contrário, mantém as mesmas características com que foi adquirida. Provada a cessação da violência ou clandestinidade há mais de ano e dia a posse injusta transforma-se em justa, de modo que admite-se a modificação do caráter da posse através de atos

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exteriores, salvo quanto à posse precária, pois esta não se convalida. É também perfeitamente admissível a posse de boa-fé injusta. O adquirente daquele que a

obteve pela violência, clandestinidade ou precariedade, ignorando, porém, esses vícios, terá uma posse injusta e de boa-fé. Igualmente, admissível a posse justa de má-fé, como, por exemplo, a daquele que adquire o bem de menor púbere desassistido do representante legal, com conhecimento da idade do alienante. Note-se que, nesse último caso, a posse é justa, pois não contém os vícios da violência, clandestinidade ou precariedade, porém, de má-fé, pois o adquirente conhecia o obstáculo impeditivo da aquisição.

POSSE JURÍDICA E NATURAL

Posse natural é a mera detenção. Na verdade, o detentor não é possuidor (art. 1.198 do CC). Posse jurídica ou civil é a posse no sentido legal, isto é, a exteriorização da propriedade.

POSSE NOVA E VELHA

Posse nova é a de menos de ano e dia. Posse velha é a de mais de ano e dia. A classificação da posse em nova ou velha é baseada no tempo de posse, ao passo que a

caracterização de ação de força nova ou velha é determinada pelo tempo de turbação ou esbulho. Portanto, cumpre não fazer confusão entre posse nova e velha com ação de força nova e velha.

O Código Civil de 2002 não repetiu as disposições dos arts. 507 e 508 que faziam expressa referência à posse nova e à posse velha, preferindo deixar para o direito processual a disciplina dos efeitos decorrentes do tempo da posse sobre a sua proteção judicial. Assim, é no Código de Processo Civil (art. 924) que encontraremos a previsão de medida liminar em ação de força nova (contra posse nova) e a negativa de liminar em ação de força velha (contra posse velha). Para alguns, não se afasta, contudo, a possibilidade da antecipação da tutela nas ações possessórias de força velha, nos termos do art. 273 do CPC, mas a corrente dominante nega a tutela antecipada, pois o artigo 927 do CPC é norma especial em relação ao artigo 273 e ele só prevê a liminar para as possessórias de força nova, trata-se assim de um requisito específico da concessão da liminar.

POSSE AD INTERDICTA E AD USUCAPIONEM

Posse ad interdicta é a que pode ser defendida pelas ações (interditos) possessórias. Basta que seja justa, não se exigindo, como já dito, a boa-fé. Pode ser com animus domini ou nomine alieno.

Posse ad usucapionem é a exercida com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e justa, durante o lapso de tempo necessário à aquisição da propriedade. É a que possibilita a aquisição da propriedade pela usucapião, sendo, por isso, exigível o animus domini.

POSSE PRO DIVISO E PRO INDIVISO

O assunto está intimamente relacionado à composse. Composse é a posse em comum e do mesmo grau entre duas ou mais pessoas. Por exemplo:

os cônjuges no regime da comunhão universal e os herdeiros antes da partilha do acervo. Distingue-se a composse da posse direta e indireta. Na composse pro indiviso os

compossuidores têm posse no mesmo grau, podendo, todos, simultaneamente, possuir

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integralmente a mesma coisa, ao passo que na posse direta e indireta um dos possuidores (o indireto) fica privado do uso imediato da coisa.

Dispõe o art. 1.199 do Código que “se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”.

Posse pro indiviso é a composse de direito e de fato. A coisa ainda não foi partilhada, por acordo ou acomodação natural, entre os compossuidores. Cada compossuidor tem o direito de exercer a posse sobre o todo, mas um não pode excluir a posse do outro. Se o excluir admite-se a ação possessória movida pelo compossuidor esbulhado ou turbado contra o compossuidor esbulhador ou turbador. Se o esbulho ou turbação é praticado por terceiro, qualquer compossuidor pode se valer dos interditos possessórios para reapoderar-se da coisa.

Posse pro diviso é a composse de direito, mas não de fato. Cada compossuidor, por acordo ou acomodação natural, já se apossou, com exclusividade, de uma parte determinada do imóvel. Um compossuidor não tem o direito de possuir a parte da área reservada ao outro. Este pode impedir o acesso daquele à sua área. Qualquer dos compossuidores, porém, pode mover ação possessória contra terceiros para afastar o esbulho ou turbação, pois juridicamente ainda existe a composse, que só deixará de existir com a sentença judicial prolatada na ação de divisão.

POSSE TRABALHO E POSSE IMPRODUTIVA A posse trabalho ou pró-labore é aquela que há moradia ou investimentos econômicos no

imóvel. É pois a posse que cumpre a função social da propriedade. A posse improdutiva é a que torna o imóvel inútil, sem servir de moradia ou explorá-lo

economicamente. COMPOSSE SIMPLES E DE MÃO COMUM

Composse simples ou romana é aquela em que cada um dos compossuidores pode exercer

sozinho o poder de fato sobre a coisa. Pode ser: direta (ex.: vários inquilinos) e indireta (ex.: vários locadores).

Composse de mão comum é aquela em que o poder de fato sobre a coisa só pode ser exercido em conjunto por todos os compossuidores. Exemplo: posse de um armário que só abre com duas chaves, sendo que cada uma se encontra em poder de um possuidor.

JUS POSSIDENDI E JUS POSSESSIONIS

Jus possidendi é o direito à posse, derivado do direito de propriedade. Jus possessionis é a posse adquirida sem título de propriedade. O proprietário, titular do jus possidendi, pode ingressar com ação possessória. Improcedente

esta ação, resta-lhe ainda a ação reivindicatória, cuja tutela é definitiva. O simples possuidor, titular do jus possessionis, só tem direito à ação possessória, cuja

proteção é provisória. Vencendo a ação, mesmo assim poderá vir a perder a posse, caso o proprietário ajuíze ação reivindicatória.

O proprietário tem mera faculdade de intentar ação possessória, podendo, se quiser, ajuizar diretamente a ação reivindicatória.

Cumpre, porém, observar, desde já, que na ação possessória é vedada qualquer discussão acerca da propriedade. Só se discute posse.

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OBSTÁCULOS PARA AQUISIÇÃO DA POSSE

Atos de mera permissão ou tolerância, ainda que prolongados, não induzem posse (art. 1.208 do CC). Trata-se, como já visto, de mera detenção.

Atos violentos, clandestinos e precários também não induzem posse. Entretanto, cessada a violência ou clandestinidade, convalida-se o vício que impedia a aquisição da posse.

ACESSÃO DA POSSE

É a soma do tempo de posse do atual possuidor com o de seus antecessores. É, pois, o direito de somar as posses.

São duas as espécies de acessão: acessão por sucessão; acessão por união.

A acessão por sucessão ocorre na sucessão a título universal. Nesse caso, opera-se obrigatoriamente a soma das posses, isto é, o sucessor universal continua a posse de seu antecessor; se esta era injusta, a dele também será, não havendo como se desvincular do vício que a inquina. É o que dispõe o art. 1.207, 1.ª parte, do CC: “o sucessor universal continua de direito a posse de seu antecessor”.

Sucessor a título universal, ensina Washington de Barros Monteiro, “é aquele que substitui o titular primitivo na totalidade dos bens, ou numa quota ideal deles, como no caso do herdeiro”.

A acessão por união ocorre na sucessão a título singular. Nesse caso, a soma do tempo de posse é facultativa. É o que dispõe a segunda parte do art. 1.207 do CC: “ao sucessor singular é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”.

Sucessor a título singular é o que adquire direitos ou coisas determinadas, como o comprador, o donatário e o legatário. Evidentemente, só irá somar a sua posse à do antecessor se lhe convier. Se fizer a soma, permanecerá a sua posse com as mesmas características da do possuidor antecessor. Se, por exemplo, esta era injusta e de má-fé, continuará a posse com essas mesmas vicissitudes. Se optar em não somar a sua posse à precedente, desligar-se-á desta, purgando o vício, iniciando, pois, nova contagem do tempo de posse.

Existe divergência doutrinária acerca da posse adquirida pelo legatário. Alguns, com base no art. 1.207, 1.ª parte, do CC, entendem que se trata de acessão por sucessão, enquanto outros, com fulcro no art. 1.207, 2.ª parte, a enquadram na acessão por união. É que o legado é uma forma de aquisição que se dá a título singular e não a título universal. Mas o Código Civil tratou, para efeito da aquisição da posse, de forma igual a aquisição pelos herdeiros e legatários, como se vê do art. 1.206, visto que entende haver para o legatário também a continuidade da posse do antecessor.

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DIREITO CIVIL – DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

PERGUNTAS:

1. O que é o direito das coisas? 2. Quais as coisas excluídas do conceito de direito das coisas? 3. Quais os elementos do direito real, segundo a teoria clássica ou realista? 4. O que é a teoria unitária personalista? 5. O que é a teoria unitária realista? 6. Qual é a teoria adotada pelo Código Civil? 7. Por que os direitos reais têm caráter absoluto? 8. O que é o princípio da taxatividade? 9. O que é o princípio da tipicidade? 10. O que é o princípio da publicidade? 11. O que é direito de seqüela? 12. Os direitos reais são sempre perpétuos? 13. Os direitos reais são preferenciais? 14. O que é o princípio da aderência? 15. O que é o princípio da elasticidade? 16. O que é o princípio da especialidade? 17. É possível instituir direito real sobre uma coisa onde já existe direito real? 18. É possível abandonar o direito real? 19. Quais os elementos do direito pessoal? 20. Aponte treze diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais? 21. Qual a distinção entre as teorias subjetiva e objetiva da posse? 22. Quais juristas desenvolveram essas teorias? 23. Qual a teoria adotada pelo Código Civil? 24. Como se adquire a posse? 25. O incapaz pode adquirir posse? 26. O que é constituto possessório ou cláusula constituti? 27. Quem não presencia o esbulho perde a posse? 28. O que é detenção? Qual é a diferença entre ato de permissão e ato de tolerância? 29. A detenção gera efeito jurídico? 30. O que é extromissão processual? 31. A posse é fato ou direito? 32. Qual a competência para as ações possessórias sobre imóveis? 33. Em ação possessória, é necessária do cônjuge do autor ou do cônjuge do réu? 34. Qual é o objeto da posse? 35. É possível posse de bens acessórios? 36. É possível posse de bens públicos? 37. O que é quase posse? 38. É possível posse de direitos pessoais? Quais os argumentos favoráveis e contrários? Qual é a

posição da jurisprudência do STJ? 39. O que é bifurcação da posse? 40. Quem transfere posse perde a posse? 41. O possuidor direto pode mover ação possessória em faze do possuidor indireto e vice-versa? 42. Na relação ex locato é cabível ação possessória? 43. Quais são os vícios da posse? 44. Qual a diferença entre posse justa e injusta?

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45. O que é posse violenta? 46. O que é posse clandestina? 47. O que é posse precária? 48. Os vícios se manifestam no inicio ou no final da posse? 49. É possível a convalidação dos vícios da posse? 50. É exigível o prazo de ano e dia para a posse injusta trasmudar-se em posse justa? 51. O ladrão pode ter posse justa? 52. A noção de posse justa e injusta é absoluta ou relativa? Justifique? 53. Qual a distinção entre posse de má e de boa fé? 54. O que é justo título? 55. Qual o efeito do justo título? 56. Quando cessa a boa fé? 57. A boa fé é necessária para quais efeitos? 58. Qual a distinção entre posse jurídica e posse natural? 59. Qual a distinção entre posse nova e posse velha? 60. Qual a distinção de ação de força nova e ação de força velha? 61. O que é posse ad interdicta? 62. O que é posse ad usucapionem? 63. O que posse pro diviso e pro indiviso? 64. Qual é a diferença entre composse e bifurcação da posse? 65. O compossuidor, pro diviso ou pro indiviso, pode mover ação em face do outro compossuidor

ou em face de terceiros? 66. Qual a diferença entre composse romana e composse de mão comum? 67. Qual a distinção entre jus possidende e jus possessiones? 68. Qual a importância prática da distinção acima? 69. Como se adquire posse? 70. O incapaz pode adquirir posse? 71. É possível posse de bem público? 72. O que é constituto possessório? É presumido? 73. A posse de bens imóveis faz presumir a posse dos bens móveis? 74. Quais os obstáculos para a aquisição da posse? 75. O que é acessão da posse? 76. Qual a distinção entre acessão por sucessão e acessão por união? 77. A posse adquirida pelo legatário é acessão por união ou acessão por sucessão?