Direito das Obrigações - Resp. Civil

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Ana Margarida Alves Carvalho Paulo nº 21809 subturma 4 Casos Práticos de Direito das Obrigações I Responsabilidade Civil 1. A idade do menor (2 anos) coloca-o na situação de inimputabilidade prevista no artº 488º nº2. Como tal, estando os pais presentes no decorrer da acção danosa e sendo considerados por lei como responsáveis pela sua vigilância, pelo artº 491º serão responsáveis pelos danos causados ao terceiro com o perecimento do quadro. No entanto, esta presunção seria ilidível se demonstrassem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que, mesmo que o tivessem cumprido, o dano ocorreria da mesma forma. Não o tendo feito, a lei admite no artº 489º nº 1 a possibilidade de, por motivos de equidade, responsabilizar total ou parcialmente o inimputável pelos danos, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância, estabelecendo ainda que a fixação da indemnização não pode privar o inimputável dos alimentos necessários conforme ao seu estado e condição (489º nº2). Neste caso, tendo o menor muito mais posses que os pais, poderá vir a ter de indemnizar nos termos do artº489º nº 1, com os limites do nº2. 2. A responsabilidade de Xavier sobre Eduardo configura-se em tutela, prevista no artº 1935º, havendo um dever de vigilância contratualmente assumido. Neste caso houve omissão desse dever de vigilância, uma vez que sabendo que a criança era naturalmente propensa para a desobediência e mau comportamento, Xavier não deveria ter deixado Eduardo sozinho nem ter proporcionado, com o seu comportamento negligente, que Eduardo pudesse ter acesso ao veículo. Assim não se encontra ilidida a presunção de que o dano ocorreria da mesma forma se Xavier estivesse presente, pois se não tivesse deixado a chave na mota, provavelmente não teria ocorrido o dano. Eduardo, tendo mais de 7 anos, presume-se imputável, pelo que a sua acção configura-se em dolo eventual, já que Eduardo não quereria provocar o dano mas a sua conduta, embora não visando embater no carro como consequência directa nem necessária de ter saído com a mota, representa uma conformação tão grande com a possibilidade de o acidente ocorrer que não pode ser considerada mera negligência, ainda que fosse consciente. De acordo com alguma doutrina, ao dolo não é necessária a consciência da ilicitude, pelo que a falta dessa consciência não impede que o comportamento do agente seja qualificado como doloso, ocorrendo apenas a exclusão da culpa, caso essa falta de consciência da ilicitude seja não censurável. Cabe ainda referir que embora o acidente tenha sido causado por veículo, nos termos do artº 503º nº 2 os não imputáveis respondem nos termos do artº 489º. Sendo Eduardo imputável, aplica-se o nº 1 desse artigo, sendo o próprio a responder pelos danos causados. Uma vez que Xavier se encontrava obrigado à vigilância de Eduardo (artº 491º) e que Eduardo é imputável (embora não se possa averiguar se tinha ou não consciência da ilicitude do seu acto), embora seja naturalmente incapaz, ambos terão de responder solidariamente nos termos do artº 497º pelos danos causados.

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Ana Margarida Alves Carvalho Paulo nº 21809 subturma 4

Casos Práticos de Direito das Obrigações I

Responsabilidade Civil

1. A idade do menor (2 anos) coloca-o na situação de inimputabilidade prevista no artº 488º nº2. Como tal,

estando os pais presentes no decorrer da acção danosa e sendo considerados por lei como responsáveis pela sua

vigilância, pelo artº 491º serão responsáveis pelos danos causados ao terceiro com o perecimento do quadro. No

entanto, esta presunção seria ilidível se demonstrassem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que, mesmo que o

tivessem cumprido, o dano ocorreria da mesma forma. Não o tendo feito, a lei admite no artº 489º nº 1 a possibilidade

de, por motivos de equidade, responsabilizar total ou parcialmente o inimputável pelos danos, desde que não seja

possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância, estabelecendo ainda que a fixação da

indemnização não pode privar o inimputável dos alimentos necessários conforme ao seu estado e condição (489º nº2).

Neste caso, tendo o menor muito mais posses que os pais, poderá vir a ter de indemnizar nos termos do artº489º nº 1,

com os limites do nº2.

2. A responsabilidade de Xavier sobre Eduardo configura-se em tutela, prevista no artº 1935º, havendo um

dever de vigilância contratualmente assumido. Neste caso houve omissão desse dever de vigilância, uma vez que

sabendo que a criança era naturalmente propensa para a desobediência e mau comportamento, Xavier não deveria ter

deixado Eduardo sozinho nem ter proporcionado, com o seu comportamento negligente, que Eduardo pudesse ter

acesso ao veículo. Assim não se encontra ilidida a presunção de que o dano ocorreria da mesma forma se Xavier

estivesse presente, pois se não tivesse deixado a chave na mota, provavelmente não teria ocorrido o dano.

Eduardo, tendo mais de 7 anos, presume-se imputável, pelo que a sua acção configura-se em dolo eventual, já que

Eduardo não quereria provocar o dano mas a sua conduta, embora não visando embater no carro como consequência

directa nem necessária de ter saído com a mota, representa uma conformação tão grande com a possibilidade de o

acidente ocorrer que não pode ser considerada mera negligência, ainda que fosse consciente.

De acordo com alguma doutrina, ao dolo não é necessária a consciência da ilicitude, pelo que a falta dessa

consciência não impede que o comportamento do agente seja qualificado como doloso, ocorrendo apenas a exclusão

da culpa, caso essa falta de consciência da ilicitude seja não censurável.

Cabe ainda referir que embora o acidente tenha sido causado por veículo, nos termos do artº 503º nº 2 os não

imputáveis respondem nos termos do artº 489º. Sendo Eduardo imputável, aplica-se o nº 1 desse artigo, sendo o

próprio a responder pelos danos causados.

Uma vez que Xavier se encontrava obrigado à vigilância de Eduardo (artº 491º) e que Eduardo é imputável (embora

não se possa averiguar se tinha ou não consciência da ilicitude do seu acto), embora seja naturalmente incapaz, ambos

terão de responder solidariamente nos termos do artº 497º pelos danos causados.

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Xavier só responderia sozinho pelos danos (artº 491º) caso Eduardo fosse considerado inimputável nos termos do

artº 488º nº2.

Xavier é, no entanto, responsável perante Eduardo pelos danos não patrimoniais (saúde de Eduardo) por ele

sofridos na sequência do acidente, uma vez que era seu tutor (1935º nº1 e nº2) – culpa in vigilando.

3. O dever de vigilância de Manuela para com Guilherme não foi cumprido, e este dever resultava do artº

491º, uma vez que por negócio jurídico se encontrava obrigada a zelar pela criança. No entanto, a situação em que se

encontrava, uma vez que a criança brincava com outras no jardim e que foi por acto próprio que entrou no estaleiro,

seria passível de ser considerada como demonstração de Madalena ter cumprido o seu dever.

a) Pelo artº 492º nº1, cabe ao proprietário ou possuidor de edifício ou obra que ruir, no todo ou em parte

(neste caso foi uma tábua), responder pelos danos causados a Guilherme. O facto de a obra não se encontrar

devidamente vedada configura-se assim em responsabilidade civil por facto ilícito, sendo responsabilidade subjectiva

fundada na violação dos deveres a observar na construção e conservação de edifícios ou obras, a qual é agravada

através de uma presunção de culpa. Responderá nos termos do artº 483º, sendo responsabilidade delitual.

A circunstância de Guilherme ter agredido Filipe deve ser analisada de acordo com o artº 488º nº2, presumindo-se a

falta de imputabilidade de Guilherme, pelo que pelo artº 491º, a responsabilidade poderá vir a ser imputada a

Madalena, caso se demonstre que agiu com culpa in vigilando.

b) A situação referida configura uma causa virtual, sendo um problema que se coloca sempre que o dano

resultante da causa real se tivesse igualmente verificado na ausência desta, por via de outra causa – a virtual. Assim,

neste caso, Madalena pretendia demonstrar que Filipe morreria independentemente de Guilherme o ter atingido ou não

com o tijolo, já que Carlos iria atingi-lo de igual forma, provocando a sua morte. Caso se considere relevância positiva

da causa virtual, Carlos e Guilherme seriam ambos responsabilizados na mesma medida, o que não parece aceitável

uma vez que Carlos será responsabilizado por um acto que não cometeu.

Caso se considere a relevância da causa negativa, o autor da causa virtual – Carlos – não seria responsabilizado mas

a existência dessa causa virtual serviria para afastar a responsabilidade de Guilherme, o que é mais discutível ainda, na

medida em que é expressamente admitida por lei só nalgumas situações (artº 491º, 492º, 493º, etc) se o agente

conseguir demonstrar que o dano teria realmente ocorrido se não tivesse por si sido provocado.

Uma terceira teoria será a da irrelevância da causa virtual, segundo a qual a responsabilidade de Guilherme não

será minimamente afectada pela existência de causa virtual.

A lei não prevê que a responsabilidade do agente seja perturbada pela existência de causa virtual, como tal a

responsabilidade poderá ser atribuída nos termos da alínea anterior, seguindo-se a posição da relevância negativa da

causa virtual.