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1 DIREITO DE FAMÍLIA Profª. Maria Luiza Póvoa Cruz DIREITO DE FAMÍLIA O Direito de Família é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento, união estável ou parentesco. São princípios que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, a união estável, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a relação entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos protetivos da tutela e curatela. A Constituição Federal, arts. 226 a 230, delineia programa de proteção à família, ao casamento, á união estável, á filiação, a criança, adolescente e idoso. Justifica-se a ingerência estatal para melhor prover a unidade familial, sem que reste descaracterizada a índole natural que a conota. Inegavelmente o modelo eleito de família é aquela formada por homem e mulher unidos pelos sagrados laços do matrimônio. Talvez daí a razão de não tratar o novo Código Civil das “famílias monoparentais”, já previstas constitucionalmente (art. 226, § 4º) e de separar dos Títulos I e II, que tratam de direitos pessoais e patrimonias da família, a entidade familiar formada com a convivência duradoura e pública entre homens e mulheres, a união estável, também prevista constitucionalmente (art. 226, § 3º). A omissão da família monoparental, e a reafirmação do vínculo biológico a definir relações de parentesco também evidenciam que a Lei 10.406/02 ainda não trata da família brasileira como a conhecemos hoje; principalmente se levarmos em consideração a tendência mundial da vinculação pela socioafetividade.

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DIREITO DE FAMÍLIA

Profª. Maria Luiza Póvoa Cruz

DIREITO DE FAMÍLIA

O Direito de Família é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre

pessoas ligadas pelo casamento, união estável ou parentesco. São princípios

que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele

resultam, a união estável, as relações pessoais e econômicas da sociedade

conjugal, a dissolução desta, a relação entre pais e filhos, o vínculo do

parentesco e os institutos protetivos da tutela e curatela.

A Constituição Federal, arts. 226 a 230, delineia programa de proteção à

família, ao casamento, á união estável, á filiação, a criança, adolescente e

idoso. Justifica-se a ingerência estatal para melhor prover a unidade

familial, sem que reste descaracterizada a índole natural que a conota.

Inegavelmente o modelo eleito de família é aquela formada por homem e

mulher unidos pelos sagrados laços do matrimônio. Talvez daí a razão de

não tratar o novo Código Civil das “famílias monoparentais”, já previstas

constitucionalmente (art. 226, § 4º) e de separar dos Títulos I e II, que

tratam de direitos pessoais e patrimonias da família, a entidade familiar

formada com a convivência duradoura e pública entre homens e mulheres,

a união estável, também prevista constitucionalmente (art. 226, § 3º).

A omissão da família monoparental, e a reafirmação do vínculo biológico a

definir relações de parentesco também evidenciam que a Lei 10.406/02

ainda não trata da família brasileira como a conhecemos hoje;

principalmente se levarmos em consideração a tendência mundial da

vinculação pela socioafetividade.

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EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO - REGIME DE BENS

Disposição dos bens: como regra geral depende de outorga uxória ou

marital. A falta de autorização de um dos cônjuges pode ser suprida

judicialmente – art. 1.648 CC.

Exceção quanto ao regime da separação absoluta de bens – art. 1.647, I, CC.

Deveres recíprocos de sustento dos filhos e eqüitativos relativamente à

prestação de alimentos – art. 226, § 5º, da CF/88 e 1.703 do CC 2002.

Não prevalência dos bens reservados à mulher estipulados no art. 246 do

CC 1916 após a CF/88 - ressalvado atualmente a ambos os cônjuges a

administração e disposição relativas à profissão, mesmo assim sob

resguardo de outorga nos imóveis – art. 1.642, I, CC.

PACTO ANTENUPCIAL

É um contrato solene e condicional, por meio do qual os nubentes, dispõem

sobre o regime de bens que vigorará entre ambos após o casamento.

O pacto antenupcial deve ser registrado em livro especial, no Registro de

Imóveis do domicílio dos cônjuges, para efeito de publicidade.

Também deverá ser arquivado e averbado, no Registro Público de

Empresas Mercantis, artigo 979, Código Civil.

Podem os nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular o regime que

lhes aprouver, embora existam casos em que a lei impõe o regime

obrigatório da separação de bens.

Art. 1.640, Código Civil, autoriza os cônjuges estipularem por escritura

pública, através do pacto antenupcial, qualquer dos regimes de bens.

Não havendo convenção, ou sendo ela ineficaz, vigorará, o regime da

comunhão parcial de bens.

Art. 1.655, considera nula cláusula ou convenção que possa prejudicar os

direitos conjugais ou paternos.

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REGIME DE BENS NO CASAMENTO

Ao constituir uma família, seja pelo casamento, seja pela união estável,

homem e mulher assumem um novo papel no contexto social. Os efeitos

jurídicos do ente familiar vão muito além dos interesses individuais.

Demais disso, o regime de bens no casamento traz conseqüências no plano

sucessório, dando ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrer na

herança com os descendentes do falecido, se o regime não era o da

comunhão universal, o da separação obrigatória, ou se no regime da

comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares

(art. 1.829).

Substanciais mudanças se observam na regulamentação trazida pelo NCC,

conforme se verifica de seus arts. 1.639 a 1.688.

Permanecem os três (03) regimes tradicionais:

- Comunhão universal, em que se comunicam todos os bens havidos antes

ou depois do casamento;

- Comunhão parcial, em que se comunicam os bens adquiridos

onerosamente durante o casamento, e:

- Separação de bens, convencional ou obrigatória em que os cônjuges

permanecem com a propriedade exclusiva dos bens adquiridos a qualquer

tempo.

Ao lado desses, surje o regime de participação final nos aqüestos. Trata-se

de uma forma híbrida de separação de bens, durante o casamento, e de

comunhão parcial, ao dissolver-se a sociedade conjugal.

O regime legal, ou usual, na falta de convenção em Cartório, e, quando não

haja motivo para o regime da separação obrigatória, continua sendo o da

comunhão parcial de bens. A opção por outro regime se faz antes do

casamento por escritura pública de pacto antenupcial.

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A alienação dos bens por um dos cônjuges demanda consentimento do

outro, ou suprimento judicial de outorga. Abre-se exceção para o regime

da separação absoluta. (arts. 1.647 e 1.687), e assim no regime da

participação final nos aqüestos, se houver previsão contratual (art. 1.656).

Na união estável o regramento é mais sucinto, com previsão de que os

companheiros sujeitam-se ao regime da comunhão parcial de bens, no que

couber salvo se preferirem outra forma de regulamentação de seu

patrimônio, mediante contrato escrito (art. 1.725).

DO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL Artigos 1.658 a 1.666 do

Código Civil

É o regime que prevalece, se os cônjuges não fizeram pacto antenupcial, ou

o fizeram, mas for nulo ou ineficaz.

São incomunicáveis os bens particulares que cada cônjuge possuía por

ocasião do casamento, como também as doações e sucessão hereditária;

como também os sub-rogados em seu lugar, ou seja adquiridos com o

produto da alienação dos recebidos a título gratuito.

É o regime oficial. Forma-se três massas: os bens do marido, os bens da

mulher e os bens comuns (aqüestos).

Com as núpcias, comunicam-se as massas dos bens comuns, delas ficando

excluídos, os bens ressalvados pelos artigos 1.659 e 1.661.

DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

Artigos 1.667 a 1.671 do Código Civil

É o regime que se comunicam todos os bens, atuais e futuros, dos cônjuges,

ainda que adquiridos em nome de um só deles, bem como as dívidas

posteriores ao casamento. Por tratar-se de regime convencional, deve ser

estipulado em pacto antenupcial.

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Bens Excluídos

Artigo 1.668 do Código Civil:

a) Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os

sub-rogados em seu lugar;

b) Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário

(fideicomisso é espécie de substituição testamentária. Pela vontade do

testador, os bens permanecem durante certo tempo, em poder do

fiduciário, passando depois ao fideicomissário);

c) As dividas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com

seus aprestos, ou reverterem em proveito comum.

d) Das doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a

cláusula de incomunicabilidade;

e) Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

f) Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Embora os bens sejam incomunicáveis, os seus rendimentos, frutos,

comunicam-se, durante o casamento, artigo 1.669 do Código Civil.

O privilégio que as mulheres tinham, “bens reservados”, adquiridos com os

seus próprios recursos financeiros (art. 263, XII do Código Civil de 1.916),

foi tacitamente revogado pelo artigo 226, § 5º da Constituição Federal.

DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQÜESTOS

Artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil

Cada cônjuge possui patrimônio próprio e à época da dissolução da

sociedade conjugal, direito à metade dos bens, adquiridos pelo casal, à

titulo oneroso.

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Toma espaço do regime dotal. Trata-se de um regime misto, pois no curso

do casamento aplicam-se, em síntese, as regras da separação, artigos 1.672

a 1.686.

DO REGIME DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS

Artigos 1.687 a 1.688 do Código Civil

Neste regime, cada cônjuge conserva a plena propriedade e a integral

administração de seus próprios bens, podendo aliená-los e gravá-los

livremente. Envolve todos os bens presentes e futuros e rendimentos.

DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

Artigo 1.641 do Código Civil

É o regime imposto por lei. Em alguns casos é aplicado por inobservância

das causas suspensivas da celebração do casamento (art. 1.523 do C.C.), em

outros, protegendo os menores de 16 anos e os maiores de 60 anos

(restrição de caráter protetivo, nesta última hipótese).

POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS

A modificação do regime de bens já fora prevista no anteprojeto do Código

Civil de Orlando Gomes.

O NCC permite a alteração do regime de bens no curso do casamento,

desde que autorizado judicialmente em pedido motivado de ambos os

cônjuges, comprovando-se as razões invocadas e ressalvados os direitos de

terceiros.

O NCC faculta a alteração, sem distinguir se atinge os casamentos

celebrados antes ou depois de sua vigência.

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A sentença que autoriza a mudança do regime de bens vale como

instrumento hábil à revogação do pacto antenupcial, passando a produzir

efeitos a partir de seu trânsito em julgado.

Desnecessária a lavratura de novo pacto: mais que a solenidade da

escritura, vale a decisão judicial. O mandado servirá para registro e

averbação no Registro de Imóveis (art. 167, I, item 12, II, 1, da Lei nº

6.015/73), para publicidade da sentença. Também deve-se proceder a

averbação no Registro Civil, junto à certidão do casamento.

O artigo 2.039 do Código Civil, disposição de direito intertemporal parece

conflitar com o artigo 1.639, § 2º.

A recusa de aplicação da norma do artigo 1.639, § 2º do Código Civil aos

casamentos celebrados na vigência do Código velho, quando presentes os

requisitos legais que informam a justa pretensão, seria, portanto, afrontosa

ao princípio da isonomia no tratamento jurídico dispensável a pessoas que

se encontrem em igual situação de casadas.

Deve-se, por isso, conceder plena eficácia à lei nova, quanto à modificação

do regime de bens, até porque a negação seria fruto de um formalismo

inútil, além de prejudicial às partes e à própria instituição familiar, levando

a recursos para burlar a lei, pois os cônjuges poderiam se divorciar e, em

ato seguinte, contrair novo casamento no regime que escolherem e, ainda,

tendo a possibilidade de alterar esse novo regime, pois agora recasados sob

a égide do Novo Código Civil.

Torna-se impositivo interpretar a referida norma legal dentro do princípio

igualitário, sem diferenciação de casamentos por sua data e tendo em vista

a ampla possibilidade de mudança do regime de bens na entidade familiar

formada pela união estável.

SEPARAÇÃO DE CORPOS

A separação de corpos é medida preliminar da ação que tem por fim a

dissolução da sociedade conjugal ou união estável, é uma providência que a

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razão aconselha, pelo inconveniente e até perigo dos cônjuges ou

companheiros continuarem sob o mesmo teto.

Para a concessão da medida, basta apenas que positive a existência de um

conflito grave entre o casal.

Concessão de liminar, “inaudita altera pars”, arts. 797, CPC.

Efeitos da concessão da cautelar:

- Cessação do dever de coabitação;

- Ausência da presunção de legitimidade do filho nascido no período em

que os cônjuges estiverem legalmente separados;

- Marca o termo inicial para o divórcio;

- Incomunicabilidade dos bens adquiridos durante o período da separação.

A medida cautelar poderá ser proposta por ambos os cônjuges, a par de

legalizar a separação de fato.

A separação de corpos é medida de natureza cautelar, cabível apenas com

caráter preparatório ou incidental.

DA UNIÃO ESTÁVEL

Arts. 1723 a 1727

A redemocratização do país produziu um documento-base que é a Carta

Política de 1988, que imprimiu uma nova ordem jurídica.

A evolução da jurisprudência revelou-se importante. Foram encontradas

formas tendentes a reparar a injustiça, que se apresentara, quando a

concubina era surpreendida pela morte do concubino ou pelo fim da união.

O Novo Código Civil, tratou em cinco (05) artigos os princípios básicos das

Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, cuidando dos aspectos pessoais e

patrimoniais, deixando para o direito das sucessões o efeito patrimonial

sucessório (CC. Artigo 1.790).

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Relação de parentesco por afinidade, estende aos companheiros e

familiares – artigo 1.595, Código Civil.

Alimentos – artigo 1.694, contempla também os companheiros.

O art. 1.724, Código Civil, estabelece as relações pessoais entre os

companheiros. Não tratou do dever de “fidelidade”, posto que não existe

adultério entre companheiros; todavia devem ser leais.

Como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o

casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que

vivem, nos meios sociais, como se casados fossem.

O Novo Código Civil não marca prazo para início da eficácia da união

estável, dizendo que essa união existe quando duradoura.

A união estável nasce com o afeto entre os companheiros, sem prazo para

existir ou para terminar.

Em cada caso concreto, deverá o Juiz perceber se houve, ou não, duração

suficiente para a existência da união estável.

A convivência tem de ser duradoura e contínua, vale dizer, não pode ser

circunstancial, breve ou momentânea.

O Código Civil permite a união estável entre pessoas solteiras, viúvas,

divorciadas, separadas judicialmente ou separadas de fato. A grande

novidade em relação à Lei nº 8.991/94 é a possibilidade de pessoas

separadas de fato constituírem união estável válida.

Não reconhece a Lei Civil, a união estável contraída com algum dos

impedimentos dirimentes públicos, especificamente, incesto, bigamia,

homicídio. Estes casos se denominam concubinato, não recebendo

proteção legal, a não ser quanto à pessoa de eventuais filhos

conseqüentemente, no caso de extensão do concubinato, aplicam-se as

normas da sociedade de fato.

Admite-se contrato escrito, ainda que por instrumento particular,

regulando essas relações patrimoniais.

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Não estendeu o novel legislador à união estável as causas suspensivas (art.

1.523, C. Civil).

Importante observar:

Quem está separado de fato ou judicialmente de seu cônjuge, é certo que

continua casado (a separação é uma modificação do estado de casado, para

um novo estado civil), mas sem qualquer compromisso de vida pessoal com

esse mesmo cônjuge, podendo desse modo viver em união estável. Não há

nesta hipótese quebra do dever de fidelidade, para falar em adultério.

Quando houver sociedade de fato, paralela ao casamento ou união estável,

deve ser aplicada as regras do Direito Obrigacional, Súmula 380 do S.T.F.,

para que não haja enriquecimento ilícito.

CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO

Artigo 1.726

Pelo novo Código Civil, esse requerimento será feito pelos companheiros,

perante o juiz, que decidirá sobre a conversão, examinando as

circunstâncias do caso concreto. Se houver deferimento judicial, será feito o

conseqüente assento no Registro Civil.

Nessa situação, a determinação da lavratura desse assentamento estará a

dispensar o processo de habilitação para o casamento. Isto, sem muita

facilitação, porque a matéria estará sob os cuidados do Poder Judiciário,

que tomará todas as cautelas para evitar eventuais simulações.

Os incômodos são tamanhos, seja com a tramitação do processo de

habilitação, seja com o aguardo da decisão judicial, mais fácil seria aos

companheiros submeter-se ao processo de habilitação, mas para casar-se

ocorre esse requerimento, o mesmo deverá ser feito no processo de

habilitação para o casamento, porque a união estável não possui regras

procedimentais para sua constituição. Caso contrário, restaria frustrada a

figura do casamento civil, com todos os seus rigores.

Atende a exigência constitucional, contida no art. 226, § 3º. Determina que

as partes requeiram ao juiz de direito e não mais ao Oficial do Registro

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Civil, art. 1.726 do Código Civil. O mais viável, que os companheiros se

casem diretamente.

A conversão automática é impossível. Ninguém pode ser obrigado a casar-

se, mormente por determinação legal ou judicial.

DOS ALIMENTOS

Arts. 1.694 a 1.710

A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A doutrina mais recente não tem encontrado dificuldade em identificar na

obrigação de alimentos uma forma com que manifesta um dos essenciais

direitos da personalidade, que é o direito à vida, especialmente protegido

pelo Estado.

A obrigação alimentícia não se funda exclusivamente sobre um interesse

egoístico-patrimonial próprio do alimentando, mas sobre um interesse de

natureza superior que se poderia qualificar como um interesse público

familiar.

Por essa razão, orienta-se a doutrina no sentido de reconhecer o caráter de

ordem pública das normas disciplinadoras da obrigação legal dos

alimentos.

QUEM TEM DIREITO AOS ALIMENTOS?

O direito a prestação de alimentos é recíproco entre os seguintes parentes:

- descendentes (filho, neto, etc);

- ascendentes;

- pelos irmãos;

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- cônjuge ou convivente.

Há, pois, 04 (quatro) classes. A enumeração é taxativa, não comportando a

inclusão de qualquer outra pessoa, não ultrapassando a linha colateral em

2º grau.

Excluídos estão os tios, sobrinhos, primos e os afins (sogro, genro, nora e

cunhados).

São chamados a prestar alimentos, em primeiro lugar, os parentes em linha

reta, recaindo a obrigação nos mais próximos em graus.

Artigo 1.698, in verbis:

“Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em

condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer

os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar

alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos,

e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a

integrar a lide”.

Autoriza pleitear alimentos complementares ao parente de outra classe se o

mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente o encargo.

Faz incursão indevida no direito processual, ao prever causa específica de

intervenção de terceiro no processo, contrariando a ação de alimentos que é

avessa a incidentes processuais.

ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES

São devidos inclusive na constância da sociedade conjugal, verificada ou

não a separação de fato, desde que se prove que o consorte não esteja

cumprindo com o dever de mútua assistência.

Alimentos ao cônjuge inocente – alimentos civis, artigo 1704.

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Alimentos ao cônjuge culpado – artigo 1704, parágrafo único, alimentos

estritamente necessários à sua sobrevivência.

Com o novo Código Civil, não cabem alimentos após o divórcio.

A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS AVÓS

A questão dos alimentos a serem alcançados pelos avós tem suscitado

grandes discussões nos meios jurídicos, tanto mais após a vigência do novo

Código Civil.

Se na vigência do CC-16 a interpretação da lei já se prestava a compelir os

avós a pagarem alimentos para os netos de uma forma imperativa e

indiscriminada, após o CC-2002 a leitura equivocada dos dispositivos em

vigor pode levar à prática de injustiças.

Quando a ação de alimentos tem como partes avós e netos, a

criança/adolescente tem seus direitos previstos na CF e Estatuto da Criança

e do Adolescente.

Por outro lado, os avós, geralmente idosos, por sua vez, também estão sob a

proteção do artigo 230, da C. Federal.

A obrigação relativa aos avós tem seu fundamento jurídico particularmente

nos arts. 1.694, 1.696 e 1.698 do Código Civil.

Está expresso na lei que a obrigação primordial é do parente mais próximo.

Dessa forma, não há sequer suporte legal para impingir primeiro a

obrigação alimentar aos avós, ascendentes de segundo grau,

desconsiderando a obrigação prevalente dos pais, detentores do poder-deve

parental relativamente aos filhos menores.

A obrigação avoenga possui caráter subsidiário e complementar. Pois

somente na ausência dos pais, ou na impossibilidade deles alcançarem a

verba dos filhos é que o pedido será dirigido aos avós. A obrigação de

prover o sustento da prole é, primordialmente, dos genitores. A obrigação

de prestar alimentos se dilui entre todos os avós, paternos e maternos,

associada à responsabilidade primária dos pais.

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Para concessão dos alimentos, necessário prova da união estável.

Ex.: fotografias que revelam convivência familiar, certidão de nascimento

ou batismo da prole, inscrição no imposto de renda ou previdência, conta

corrente conjunta, etc.

Em caso de dúvida quanto à existência da união estável, poderá o

magistrado postergar a decisão para a audiência preliminar de conciliação,

com preferência de pauta.

ALIMENTOS PROVISÓRIOS

Lei 5.478/68, artigo 4º: “ao despachar o pedido de alimentos, o Juiz fixará

desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o

credor expressamente declarar que deles não necessita”;

Acrescentando-se no artigo 13, § 1º: “os alimentos provisórios fixados na

inicial poderão ser revistos a qualquer tempo, se houver modificação na

situação financeira das partes, mas o pedido será sempre processado em

apartado”;

E no § 3º: “os alimentos provisórios serão devidos até decisão final,

inclusive o julgamento do recurso extraordinário”.

ALIMENTOS PROVISIONAIS

Artigo 852, Código de Processo Civil:

I – nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam

separados os cônjuges;

II – nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial;

III – nos demais casos expressos em lei”.

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Art. 854, parágrafo único: “O requerente poderá pedir que o Juiz, ao

despachar a petição inicial e sem audiência do requerido, lhe arbitre desde

logo uma mensalidade para mantença.”

* Redundância ou inutilidade de disposição, prodigalidade legislativa.

REVISÃO, EXONERAÇÃO E EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS

REVISIONAL DE ALIMENTOS

AÇÃO REVISIONAL

A ação revisional do encargo alimentar, apresenta-se de duas formas:

Quando a pretensão é meramente modificativa;

Quando a pretensão é totalmente exonerativa. Esta ação encontra suporte

no art. 471, I, do CPC.

Este dispositivo consagra a cláusula “rebus sic stantibus”e é aplicável às

decisões proferidas em processos alimentares, daí a possibilidade da

revisão do encargo tanto em uma pretensão modificativa para aumento ou

diminuição do encargo, quanto numa pretensão exonerativa de alimentos.

“Por isso, basta que se alterem as condições econômicas das partes,

conforme estatuído no artigo 1.699 do Código Civil”.

Assim, se há um empobrecimento do obrigado ou um enriquecimento do

alimentado, ocorre uma modificação de fortuna e, por conseguinte, as bases

anteriormente ajustadas merecem ser revistas, eis que fica a revisão

também dentro dos parâmetros necessidade de um, possibilidade de outro (

artigo 1.694).

São incontáveis as situações que justificam a pretensão revisional, a perda

de emprego por parte do obrigado, a diminuição de ganhos do alimentante,

o enriquecimento do alimentado, doença, maioridade dos filhos

beneficiados, enfim, uma gama de hipóteses. Porém, é necessário, para que

o pedido encontre eco, que as circunstâncias modificativas tenham ocorrido

posteriormente à fixação dos alimentos.

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A ação revisional que busca a simples modificação dos alimentos, quer para

aumentá-los, quer para reduzi-los, processar-se-á pelo rito estabelecido na

Lei 5.478/68, ao passo que a ação que busca a exoneração do encargo é

processável por via ordinária, consoante tem ensinado a doutrina.

De outro lado, questão que tem merecido atenção da doutrina e da

jurisprudência diz respeito à competência de juízo para conhecimento da

ação revisional. Existem aqueles que sustentem ser a ação revisional uma

ação rescisória e que só existiria em razão da demanda alimentar originária,

e, como conseqüência deste fato, geraria necessariamente juízo prevento.

Todavia, corrente respaldada por Yussef Cahali, sustenta que inocorre

prevenção do juízo, devendo, portanto, prevalecer nas ações revisionais a

regra constante do art. 100, II, do CPC.

Razão assiste a Yussef, pois efetivamente a ação revisional é uma nova ação,

muito embora decorrente da demanda alimentar originária. Com efeito

contempla nova causa de pedir, com outro pedido. Esta nova ação não é

conexa à outra, pois somente serão conexas as ações quando lhes for

comum o objeto ou a causa de pedir (art. 103 do CPC).

Diante deste quando não há razão para se falar em prevenção de juízo e, por

conseqüência, entendemos também que a regra aplicável é a constante do

art. 100, II, do CPC, ou, em outras palavras, o foro competente para a

propositura da ação revisória é o do domicílio do alimentado.

COISA JULGADA

Em matéria alimentar o estudo da coisa julgada, enfrenta dificuldade de

interpretação. Muitas vezes as obras que versam sobre matéria processual

alimentar afirmam que a decisão proferida em processo de alimentos não

transita em julgado.

Esta orientação, radica no teor do artigo 15 da Lei de Alimentos, que reza:

“A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a

qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira

dos interessados.”

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Todavia, a sentença proferida em ação de alimentos, no que tange ao

mérito, transita em julgado e atinge o estado de coisa julgada material. E,

quando se diz que “inexiste”coisa julgada material nas ações de alimentos,

faz-se referência apenas ao “quantum”fixado na decisão, pois, se, se resultar

alterada faticamente a situação das partes, poder-se-á alterar os valores da

obrigação alimentar.

Na verdade, aqueles que sustentam que as sentenças proferidas em ação de

alimentos não transitam em julgado confundem a “inexistência” de coisa

julgada com a existência implícita da cláusula “rebus sic stantibus” (art.

471, CPC) nas sentenças alimentares, pois representando estas dívidas de

valor, sujeitam-se à correção, daí a pertinência dos limites temporais da

coisa julgada, vez que a decisão é eficaz e possui autoridade apenas e

enquanto não se alterarem as circunstâncias fáticas que a ditaram.

Assim, é certo que, modificando-se os valores por decisão judicial, a “nova

sentença” não desconhece nem contraria a anterior.

DOS EFEITOS DA APELAÇÃO NOS ALIMENTOS

Prescreve o art. 14 da Lei de Alimentos, que da sentença de alimentos cabe

apelação no efeito devolutivo, como de igual estatui o art. 520, inciso II, do

CPC. De acordo com Yussef Said: “quando a ação de alimentos é julgada

improcedente, a sentença não é condenatória de prestação alimentícia, e

neste caso a apelação interposta será recebida em ambos os efeitos,

segundo regra geral do artigo 520, caput, do CPC”.

A PREVISÃO DA MULTA – “ASTREINTES”

Chamada de tutela inibitória, pois esse é o sentido da imposição da multa

diária, a “astreinte” como instrumento legítimo de pressão psicológica deve

ser fixada em valor significativo para o demandado, a fim de que o preceito

seja cumprido.

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A “astreintes” do direito francês é castigo imposto ao devedor, e não meio

de reparar o prejuízo, art. 461, § 2º, do CPC.

Especialmente no campo da execução alimentar movida contra devedor

autônomo, profissional liberal ou titular de empresa, é visto na experiência

processual e com incômoda freqüência, que bens, ou quaisquer garantias

executórias, e a própria titularidade empresarial, representada por quotas

sociais ou ações, é transferida para terceiros, através de interpostas pessoas

que se colocam na condição de proprietárias ou de titulares dos negócios

comerciais, outrora encabeçados pelo devedor dos alimentos.

A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

Fruto de criação pretoriana e da doutrina, a exceção de pré-executividade

surgiu como um meio de defesa do devedor no processo de execução,

independentemente da oposição de embargos.

A exceção de pré-executividade, pode ser apresentada a qualquer tempo,

sem estar seguro o juízo. Merecendo procedência a exceção a execução é

extinta.

Manifestas ilegalidades processuais autorizam a impetração do “habeas

corpus”, e igual motivação autoriza a defesa do executado pela curta via da

exceção de pré-executividade, sempre que se apresentar nulo o título da

execução alimentar por coação pessoal.

E, importa ressaltar que o “habeas corpus” não se presta para o

reconhecimento da nulidade da execução, cujo decreto só poderá ser

alcançado pela exceção, pois a impetração não encerra a execução.

EXECUÇÃO POR ACORDO ALIMENTAR CONDICIONAL

Pensão alimentícia acordada judicialmente, na modalidade condicional, na

ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos.

Nada impede entabulem preliminar acordo judicial, condicionando ao

resultado pericial afirmativo. Contudo, valendo-se deste acordo, o

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investigante promove a execução dos alimentos, que foram condicionados

ao exame pericial, ainda em andamento, e não se dando conta da

irregularidade, o juiz ordena a citação do executado para pagar a dívida.

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS FORMULADOS EM ACORDO

EXTRAJUDICIAL

O art. 92 do CPC confere competência exclusiva ao Juiz de Direito para

processar e julgar as ações concernentes ao estado das pessoas. E, por sua

vez, execuções de alimentos para serem manejadas pelos arts. 732 ou 733

do CPC reclamam a preexistência de sentença ou de decisão judicial.

Considere-se à vista disso, a execução de um mero contrato particular de

alimentos, ou de um acordo de alimentos perfectibilizado apenas pela

outorga de uma escritura pública firmada entre alimentante e alimentado.

Trata-se de um título nulo, carente de comando executivo.

Tome-se noutro exemplo, um acordo de alimentos homologado pelos

Juizados Especiais, seja pelos Juízes de Direito, ou pelos conciliadores,

poderá ser considerado nulo, sem eficácia executória, posto que a Lei

9.099/95, exclui as causas de natureza alimentar da competência dos

Juizados Especiais.

Deste modo, sem eficácia executória alguma o título apresentado, demanda

a extinção de plano, pela via da exceção de pré-executividade, dispensando

longas dissensões doutrinárias em sede de dispendiosos embargos.

EXONERAÇÃO DOS ALIMENTOS

A ação de exoneração somente é cabível contra cônjuge, convivente e filho,

maior de idade, capaz.

Ex.: maioridade do alimentado, morte do alimentado, abandono voluntário

da casa paterna, união estável ou casamento do ex-cônjuge, reversão de

guarda.

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EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS

- Execução dos alimentos definitivos – dentro dos próprios autos em que

foram fixados ou acordados, afastando-se a idéia de processo autônomo,

em homenagem ao princípio da economia processual.

- Alimentos provisórios ou provisionais – devem ser executados em ação

autônoma, evitando-se tumulto processual.

FORMA DE EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS

1) Por desconto em folha de pagamento, art. 16, Lei nº 5.478/68;

2) Por desconto de aluguéis ou de quaisquer outros rendimentos do

devedor, art. 17 da Lei 5.478/68;

3) Pela citação do devedor para pagar ou se justificar em três (03) dias,

sob pena de prisão civil, art. 733 do Código de Processo Civil;

4) Execução de quantia certa, com expropriação de bens (artigo 732 do

Código de Processo Civil).

Exclusão dos honorários advocatícios e custas processuais na dívida

alimentar.

PRISÃO CIVIL NO DESCUMPRIMENTO DOS ALIMENTOS

Constituição Federal artigo 5º, LXVII.

Entendimento Jurisprudencial: prisão civil do alimentante que não paga as

três (03) prestações anteriores à citação, e as que vencerem no decorrer do

processo, inclusive com possibilidade de nova prisão, Súmula 309, STJ, DJ.

04/05/2005.

Porém:

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- A Jurisprudência que restringe a prisão ao pagamento das três (03)

últimas prestações, não constitui regra absoluta;

- O decurso do tempo não retira o caráter alimentar da prestação

alimentícia;

- O decurso do tempo não altera a causa da qual provém a obrigação;

- O decreto da prisão civil do alimentante é medida constritiva, legalmente

previsto na Constituição Federal;

- Inexiste na legislação constitucional ou infraconstitucional dispositivo que

delimite em três meses o débito, para classificá-lo como pretérito.

DA FILIAÇÃO

Desde as alterações trazidas pela CF-88, o tema da filiação vem se

apresentando, como o mais complexo e polêmico do Direito de Família.

Isto implica considerações sobre dois dos mais importantes artigos

referentes à filiação: arts. 1.601 e 1.614 do Código Civil.

O Professor Edson Fachin, pioneiro em preconizar maior valorização da

sociafetividade, distingue três critérios do direito ocidental para

estabelecimento da paternidade (maternidade) ou filiação:

1 – critério da verdade legal;

2 – critério da verdade biológica; e

3 – critério da verdade socioafetiva.

Até a CF de 1988, prevalecia o critério da “verdade legal”. Depois, a

predominância foi para a “verdade biológica”. Nos últimos anos, cresce o

movimento para se emprestar maior importância ao critério “socioafetivo”.

Caso exemplar de predominância do critério da verdade legal residia no art.

344 do Código Civil de 1916, quando impunha curtíssimos prazos

decadenciais para afastar a ação negatória de paternidade. Já a

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imprescritibilidade prevista no art. 1.601, do novo Código Civil, prestigiou o

critério da verdade biológica. É sabido que a nova legislação Civil não foi

feliz ao deixar de reger explicitamente (implicitamente, art. 1.593, parte

final), o critério socioafetivo.

As restrições à verdade biológica, postas pelo Código Civil de 1916, em seus

arts. 339, 340, 344, tinham a ver com a paz doméstica, no entender do

Professor Silvio Rodrigues.

O CRITÉRIO DA VERDADE SOCIOAFETIVA

O filho é mais que um descendente genético e se revela numa relação

construída no afeto cotidiano. Em determinados casos, a verdade biológica

cede espaço à “verdade do coração”.

Zeno Veloso, analisando reformas legislativas feitas no estrangeiro, mostra

que a presunção de paternidade matrimonial foi mantida em todos

sistemas, embora tenham sido criados mecanismos para o seu afastamento

e previstas as hipóteses em que a mesma cessa. Foi suprimido o monopólio

do marido impugnar a paternidade presumida. A velha regra “pater is est”,

não foi abolida, mas recebeu atenuações, foi relativizada. Priorizando-se os

interesses da criança, o biologismo é contido quando se constata a posse do

estado de filho diante do marido da mãe. A busca da verdade biológica, tem

de ter alguns limites, inclusive para garantir o que seja mais útil para a

criança, para o seu equilíbrio psicológico.

Paulo Luiz Netto Lobo ressalta que : “A igualdade entre filhos biológicos e

adotivos implodiu o fundamento da filiação na origem genética”. Afirma o

mesmo autor, “que a consolidação da maternidade ou paternidade

socioafetiva não pode impedir que o filho busque conhecer, inclusive, sua

genealogia, suas origens.

Além do direito de personalidade envolvido, manifesto o interesse jurídico

em tal descoberta, em face dos impedimentos matrimoniais, do sofrimento

psicológico e emocional decorrente do desconhecimento das origens, das

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compatibilidades em doações de órgãos, da análise de doenças

geneticamente transmissíveis”.

O artigo 1.601 do Código Civil

Regra geral, nas ações de estado das pessoas, é a “imprescritibilidade”.

Prescrição ou decadência somente se admite quando há texto legal

expresso.

Importantíssimo é o art. 27 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto

da Criança e do Adolescente): “O reconhecimento do estado de filiação é

direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser

exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição,

observado o segredo de Justiça”.

Os Tribunais, por várias vezes, já proclamara a queda dos prazos

decadenciais do art. 344 do CC-16; com maior razão agora, quando existe

regra expressa pela imprescritibilidade no art. 1.601. “A imprescritibilidade

não conflita com o interesse dos filhos menores e nem com a

socioafetividade”. Se demonstrada a socioafetividade, a ação do pai será

repelida, mesmo sendo imprescritível. São planos totalmente distintos do

mérito da causa. Melhor para os filhos que assim seja, pois não se

chancelará uma situação falsa e hipócrita de paternidade pela singela

passagem de curto lapso de tempo, como ocorria com o art. 344 do antigo

Código Civil.

Importante ressaltar, que não se pode simplesmente presumir a

socioafetividade pela passagem do tempo (equívoco que às vezes tem sido

feito em algumas decisões judiciais), senão que deve ensejar prova plena da

existência ou não da relação socioafetiva. O filho matrimonial pode ser

registrado em nome de um pai que sequer o viu após o nascimento. Onde

estaria aí a socioafetividade? É do interesse do filho que um tal pai, ausente

permaneça nesta condição? Alguns argumentariam com os alimentos; ora,

o filho irá solicitá-los do verdadeiro pai biológico.

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O artigo 1.614 em sua segunda parte

A primeira parte do artigo 1.614 não oferece a menor dificuldade, ou seja,

de que o filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento.

O grande problema está na segunda parte: “e o menor pode impugnar o

reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à

emancipação”.

Trata-se de hipótese de ineficácia por não-aceitação do reconhecido. Este

ângulo do tema é muito importante: o reconhecido pode rejeitar o pai

registral, nos quatro anos, sem apresentar alegações de inexistência,

nulidade, anulabilidade ou falsidade registral: basta que não concorde com

a paternidade que lhe foi “imposta”. Constitui, pois, direito do filho maior

ou emancipado rejeitar imotivadamente o pai, no contexto dos arts. 362 e

1.614.

Porém, a imprescritibilidade para as ações de estado deve continuar sendo

a regra, com mais razão diante das bases do novo Direito de Família,

considerando que prazos prescricionais e decadenciais prejudicam a

apuração do verdadeiro estado de filiação biológico.