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1 DIREITO DE SUCESSÕES: CONFERÊNCIA DE BENS E COLAÇÃO Autora: CHRISTIANE MACARRON FRASCINO ([email protected]) A autora é mestranda em Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e advogada em São Paulo 1. Conceito. 1; 1. Aspectos históricos; 1.2. Finalidade e Fundamento; 1.3. Aplicação da lei vigente – Direito Intertemporal; 2. Natureza Jurídica; 3. Requisitos ou pressupostos; 4. Objeto; 4.1. Bens sujeitos à colação; 4.2. Bens que não estão sujeitos à colação; 5. Modalidades; 5.1. Valor - Enunciado 119 das Jornadas de Direito Civil; 6. Cálculo da legítima para fins de colação; 7. Sujeitos; 7.1. Legitimação; 7.2. Herdeiros obrigados a colacionar; 7.2.1. Cônjuge; 7.2.1.A. Projeto de Lei 6960/02 - Deputado Ricardo Fiúza; 7.2.1.B. Direito Comparado; 7.2.2. Netos; 7.2.3. Terceiros obrigados a colacionar; 8. Questões processuais; 8.1. Momento da colação; 8.2. Procedimento; 9. Distinção entre colação e redução de doações; 10. Distinções feitas entre colação e conferência; 11. Fraude; 11.1. Desconsideração da personalidade jurídica. 1. Conceito

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DIREITO DE SUCESSÕES:

CONFERÊNCIA DE BENS E COLAÇÃO

Autora: CHRISTIANE MACARRON FRASCINO ([email protected])

A autora é mestranda em Direito Civil na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo e advogada em São Paulo

1. Conceito. 1; 1. Aspectos históricos; 1.2. Finalidade e Fundamento; 1.3. Aplicação da lei vigente – Direito

Intertemporal; 2. Natureza Jurídica; 3. Requisitos ou pressupostos; 4. Objeto; 4.1. Bens sujeitos à colação; 4.2.

Bens que não estão sujeitos à colação; 5. Modalidades; 5.1. Valor - Enunciado 119 das Jornadas de Direito Civil;

6. Cálculo da legítima para fins de colação; 7. Sujeitos; 7.1. Legitimação; 7.2. Herdeiros obrigados a colacionar;

7.2.1. Cônjuge; 7.2.1.A. Projeto de Lei 6960/02 - Deputado Ricardo Fiúza; 7.2.1.B. Direito Comparado; 7.2.2.

Netos; 7.2.3. Terceiros obrigados a colacionar; 8. Questões processuais; 8.1. Momento da colação; 8.2.

Procedimento; 9. Distinção entre colação e redução de doações; 10. Distinções feitas entre colação e

conferência; 11. Fraude; 11.1. Desconsideração da personalidade jurídica.

1. Conceito

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Colação é o ato de reunir ao monte partível quaisquer

liberalidades, diretas ou indiretas, claras ou dissimuladas, recebida do inventariado,

por herdeiro descendente, antes da abertura da sucessão1.

Em outras palavras, o procedimento através do qual os

herdeiros necessários restituem à herança os bens que receberam em vida do de

cujus denomina-se colação.

Sua acepção jurídica é extraída do artigo 2.002 do Código Civil:

"Art. 2002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do

ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a

conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena

de sonegação.

Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos

será computado na parte indisponível dos bens, sem aumentar a

parte disponível".

A colação consiste em um aumento da massa sucessória

tornando comum a coisa conferida. O resultado da colação sempre importará em

aumento na parte correspondente à legítima, isto é, a conferência por parte dos

herdeiros necessários não importará aumento da herança e sim, apenas da legítima

dos herdeiros necessários.

1 Carlos Maximiliano. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. v. 1.

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Cabe, ainda, ser destacado o fato de que em não sendo

aumentada a parte disponível, não poderão os eventuais credores, seja do de cujus,

seja do espólio, exercer qualquer pretensão quanto ao referido bem colacionado. A

doação é negócio jurídico perfeito, de eficácia imediata. Logo, não pertence tal bem

ao acervo e não poderá nele ser computado. A doação deverá voltar aparentemente

apenas para a efetiva composição da legítima e permitir a sucessão igualitária entre

os herdeiros necessários.

A colação encontra-se disciplinada em capítulo próprio, no Livro

V do Código Civil - Direito das Sucessões, Título IV – Do inventário e da partilha, nos

artigos 2.002 a 2.012.

Os dispositivos legais sobre colação também decorrem de

outras normas do Código Civil, referentes ao direito obrigacional, especialmente, os

artigos 544 e 5492, que estabelecem limites às doações:

1.1. Aspectos históricos

O instituto da colação tem suas origens no direito romano, sendo

que desde aquela época, antes da partilha da herança entre vários herdeiros com

direito à parte ab intestato, havia de se considerar os bens patrimoniais por eles

adquiridos por doação do de cujus.

2 “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importaadiantamento do que lhes cabe na herança.”

“Art. 549. Nula é também a doação quando à parte que exceder à de que o doador, no momento daliberalidade, poderia dispor em testamento.”

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Assim, com tal escopo, surgiu o instituto da colação, cuja

finalidade, desde o início, consistia em assegurar a igualdade na divisão do

patrimônio familiar aos descendentes.

No direito romano, os filhos emancipados, em relação aos

demais levavam vantagem econômica, tendo em vista que, sujeitos ao poder do pai,

não adquiriam para si, mas para seu pai, o patrimônio. Assim, o patrimônio familiar,

objeto da herança comum, aumentava, ao passo que os filhos emancipados

adquiriam patrimônio próprio. Portanto, os bens adquiridos pelos filhos emancipados

deveriam ser trazidos à colação, antes da partilha, por determinação dos pretores,

sempre que adquiridos depois da emancipação.

A colação foi introduzida pelo pretor, quando permitiu aos filhos

emancipados participarem da sucessão de seus pais. Ora era injusto, por desigual,

permitir-se aos emancipados concorrerem em igualdade de condições, na herança

paterna, com seus outros irmãos; por essa razão, o pretor obrigou-os a conferir,

naquela sucessão, os bens que tinham adquirido por si próprios, após sua

emancipação, e que teriam se incorporado ao patrimônio paterno, se não fossem a

emancipados.

A collatio emancipati se estendeu à collatio dotis, consistente em

reunir o dote da filha casada quando concorria à sucessão do pater com seus

irmãos.

1.2. Finalidade e fundamento

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A finalidade da colação é obter e assegurar a igualdade das

legítimas, em face do sistema jurídico sucessório de proteção a essa parte da

herança que compete aos herdeiros necessários. Ou seja, tem como finalidade que

a partilha se realiza dentro da maior igualdade possível.

A colação tem por fundamento o tratamento igualitário dos

descendentes na percepção de suas quotas na herança do ascendente e na

vontade presumida3 do de cujus de não estabelecer uma desigualdade sucessória.

1.3. Aplicação da lei vigente – Direito Intertemporal

Aplicam-se aos casos pendentes, desde que a abertura da

sucessão tenha ocorrido após a vigência do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de

2003), as normas do atual Código Civil, uma vez que sua entrada em vigor se deu

nessa data.

Não importa que as doações tenham sido efetuadas

anteriormente, na vigência do Código Civil de 1916, até porque, na vigência deste

por força de seus artigos 1.785 a 1.795, subsistiam similares regras de obrigação de

colação dos bens pelos descendentes donatários.

Ademais, a eficácia da lei se verifica pela data da abertura da

sucessão, que corresponde à data do óbito do autor da herança. Daí é que nasce a

obrigação de conferência de todos os bens doados em vida pelo de cujus, a fim de

reunir o acervo hereditário que se haverá de partilhar de forma igualitária entre todos

os herdeiros da mesma classe.

3 Zeno Veloso.

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2. Natureza Jurídica

A natureza jurídica do instituto, desde a sua admissão legal,

após o período pós-clássico do direito romano, notadamente a partir do Imperador

Justiniano, é divergente.

São várias as teorias apresentadas e defendidas por correntes

diferentes entre os doutrinadores. Dentre elas, merecem maior destaque a que

entende que é um estado de sujeição do donatário, uma obrigação, ou ainda uma

situação jurídica.

Dentre essa, prevalece o entendimento de que a natureza

jurídica da colação é uma obrigação de restituir.

A colação é uma obrigação exigível legalmente entre os

herdeiros necessários, quer dizer daqueles que tenham uma porção hereditária

garantida pela lei e da qual o autor da herança não pode privá-los, senão através de

deserdação.

3. Requisitos ou Pressupostos

São requisitos da colação a doação feita pelo de cujus em favor

do descendentes; ostentar o descendente tal qualidade no momento da abertura da

sucessão; defender a liberalidade a igualdade das legítimas; concorrer à herança

pluralidade de descendentes do mesmo grau, e não ter dispensa pelo doador ou

testador.

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4. Objeto

É considerado o objeto da colação o valor das doações que os

herdeiros necessários tenham recebido, em vida, do autor da herança, conforme se

depreende da leitura do artigo 2.002 do Código Civil.

4.1. Bens sujeitos à colação

São colacionáveis as doações feitas pelos ascendentes aos

descendentes, as dívidas pagas pelo autor da herança, as doações indiretas ou

simuladas, os rendimentos de bens do pai desfrutados pelo filho; somas não

módicas, dadas de presente; perdas e danos pagos pelo pai como responsável

pelos atos do menor, ou quaisquer indenizações ou multas; dinheiro posto a juros

pelo pai em nome dos filhos; pagamento consciente de uma soma não devida ao

legitimário; pagamento de débitos ou fianças ou avais do filho; quitação ou entrega

de título de dívida contraída pelo filho para com o pai; remissão de dívida, dentre

outros.

Quanto ao valor adiantado para que o descendente adquira

coisas, apenas a soma recebida deverá ser colacionada e não os bens adquiridos,

O difícil é a prova por parte daquele herdeiro que pretenda exigir

a colação de tais doações "indiretas". Inúmeras vezes, na realidade, a legítima

parece ter alcançado a situação de igualdade, mas esta não traduz a realidade.

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4.2. Bens que não estão sujeitos à colação

Alguns bens não estão sujeitos à colação por determinação do

doador ou testador ou por determinação legal.

O bem que o testador determinar que saísse da metade

disponível de seu patrimônio não estará sujeito à colação, sem excedê-la, nos

termos do artigo 2.005 do Código Civil:

“Art. 2.005 CC 2002. São dispensadas da colação as doações que o

doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a

excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.”

A dispensa jamais poderá ser presumida, devendo estar

expressa através da escritura de doação ou por testamento, não servem outros

meios, como simples escritos particulares ou declarações verbais, nos termos do

artigo 2006 do Código Civil.

Se utilizado o próprio instrumento de doação para a dispensa do

dever de colacionar, torna-se o ato irrevogável, uma vez que se integra no conteúdo

do ato jurídico. Diversa será a conclusão no caso de dispensa por testamento, pela

sua característica de ato revogável.

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Existem, por outro lado, os casos de exclusão legal, em vista do

caráter assistencial ou de natureza remuneratória da doação. O artigo 2.010 do

Código Civil afasta a obrigatoriedade quanto aos gastos ordinários dos

descendentes com o ascendente, enquanto menor, na sua educação, estudos,

sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval e despesas de

casamento e livramento em processo-crime, de que tenha sido absolvido o menor.

Verbis:

“Art. 2.010. Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente

com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos,

sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim

como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua

defesa em processo-crime.”

Tais gastos devem ser entendidos como aqueles inerentes ao

pleno exercício do poder familiar, sendo insuscetíveis de serem considerados como

antecipação de herança.

O artigo 2.011 do Código Civil, afasta as doações

remuneratórias em troca de serviços prestados por não constituírem liberalidades:

“Art. 2.011. As doações remuneratórias de serviços feitos ao

ascendente também não estão sujeitas a colação.”

Não obstante o caráter de liberalidade, tais doações assumem

um correlato perfil da contraprestação inerente à paga de serviços, como

recompensa ao descendente pela prática de certos atos, ainda que o pagamento

não seja legalmente exigível.

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Ressalve-se, porém, que a doação remuneratória há de ser

quantificada na direta proporção dos serviços em causa, para que não representem

excesso incompatível com aquele objetivo da recompensa ao prestador de serviços.

Eventual excesso no ato de liberalidade será, então, sujeito às normas referentes à

colação de bens.

As benfeitorias e acessões restam excluídas da necessidade de

conferência, sendo imputadas, ao donatário, igualmente, as perdas e danos que os

bens sofrerem.

Os frutos também não poderão ser objeto da colação sob pena

de enriquecimento por parte daqueles que não contribuíram para que tais frutos

fossem gerados. As liberalidades já feitas em vida constituem negócios jurídicos

perfeitos e que já produziram seus efeitos legais. Por conseguinte, os frutos dos

bens doados não são objeto de colação, pertencem ao donatário" que, por certeza,

não deverá restituir tais valores ao monte.

Não se pode deixar de referir que pecúlios ou seguros de vida

não poderão ser incluídos no objeto da colação, pois não se trata de herança e,

portanto, não são regulados pelas normas de direito sucessório.

Se houver o perecimento do bem, logicamente sem culpa do

donatário, caso em que a conferência ainda se faria obrigatória, é certo que a

obrigação não persiste porque para o dono também a coisa pereceu.

Cumpre aqui, lembrarmos da hipótese específica de doação

permitida por lei como forma de distribuição antecipada da herança, a chamada

partilha em vida, prevista no artigo 2.018 do Código Civil. Não haverá neste caso

colação de bens por parte dos donatários, mas apenas, quando couber, em redução

das doações quando excedentes da parte disponível, considerando-se aquilo de que

o doador poderia dispor no momento da outorga.

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5. Modalidades

A colação dos bens doados pode ser realiza in natura ou

substância, hipótese em que ocorre a reposição ao monte partível do bem doado, ou

por imputação, que corresponde a estimação do valor.

O Código civil de 2002 determinou que a colação deve ser feita

pelo valor das doações, adotando a teoria da estimação, que corresponde ao valor

constante do instrumento ou que se atribua na ocasião do ato de liberalidade. O

Código de 1916 estabelecia no artigo 1.786 que a conferência se realizaria pela

teoria da substância, ou seja o próprio bem doado, sujeito a ser conferido em

espécie.

5.1. Valor – Enunciado 119 das Jornadas de Direito Civil

O Código Civil de 1916 em seu artigo 1792 previa que a

avaliação devia remontar à época da data da doação. Já o parágrafo único do artigo

1014 do Código de Processo Civil determina que o cálculo se faça pelo valor que

tiverem os bens ao tempo da abertura da sucessão.

A questão foi pacificada pelo E. Supremo Tribunal Federal ao

analisar a matéria, que entendeu que a avaliação deve ser àquela ao tempo da

abertura da sucessão devendo os valores serem corrigidos desde então.

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O Novo Código Civil retornou a antiga polêmica ao dispor nos

artigos 2003 e 2004 que o valor será o da época da liberalidade, como no Código

anterior:

“Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida

neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge

sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do

falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em

adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes

para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens

assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não

disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.

Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou

estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 1º Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver

estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha

pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade.

§ 2º Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das

benfeitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário,

correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim

como os danos e perdas que eles sofrerem.”

Entretanto, o Enunciado 119 aprovado na I Jornada de Direito

Civil, promovida pelo centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal

sob os auspícios do STJ, dispõe que:

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"Para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada

com base no valor da época da doação, nos termos do caput do

2004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais

pertença ao patrimônio do donatário. Se ao contrário, o bem ainda

integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem

na época da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1014, de

modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legitima

quando esta se constitui, ou seja, na datas do óbito (Resultado da

interpretação sistemática do CC 2003 e §§, juntamente com o CC

1832 e 844)".

6. Cálculo da legítima para fins de colação

As primeiras considerações e esclarecimentos sobre o cálculo

da legítima nos remetem aos artigos 1.847 e 2.002, parágrafo único, do Código Civil.

Verbis:

“Art. 1.847 do CC 2002. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens

existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as

despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens

sujeitos a colação.”

“Art. 2002 do CC de 2002. Os descendentes que concorrerem à

sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as

legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam,

sob pena de sonegação.

Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos

será computado na parte indisponível dos bens, sem aumentar a

parte disponível.”

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Quando aberta a sucessão pela morte do autor da herança,

torna-se muito importante a consideração da legítima, em face dos direitos dos

herdeiros necessários, uma vez que a lei determina aos descendentes, que tenham

recebido bens por doação, a obrigação de trazer à colação os respectivos valores,

exatamente para respeitar a legítima dos demais herdeiros concorrentes.

O artigo 1.847 do Código Civil determina que se considere o

valor dos bens existentes na abertura da sucessão (data do óbito), abatendo-se as

dívidas e as despesas de funeral e adicionando-se o valor dos bens sujeitos a

colação. Em complemento dispõe o parágrafo único do artigo 2.002, que o valor dos

bens conferidos para cálculo da legítima será computado na parte indisponível, sem

aumentar a disponível. O seja, a legítima se apura pelo valor dos bens da herança

existentes na abertura da sucessão (data do óbito do autor da herança), abatidas as

dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens

sujeitos a colação, excluída a meação atribuída ao cônjuge sobrevivente.

Depois de abatidas as dívidas da herança, o monte líquido é

dividido em duas partes iguais: uma é a porção disponível e outra a indisponível, por

corresponder a legítima dos herdeiros necessários. Sobre essa parte indisponível é

que se adicionam os bens sujeitos a colação, obtendo-se, com a soma, a legítima

partilhável aos descendentes, em quotas iguais.

Não se objetiva aumentar a parte disponível, mas tão somente

igualar as legítimas dos herdeiros, isto é, trazer para o acervo da herança os valores

recebidos pelos herdeiros, como doação, para subseqüente partilha em igualdade

de condições, a todos os interessados.

Em se cuidando de doação feita por ambos os cônjuges, a

colação dos bens se fará por metade, no inventário de cada um, com distinta

apuração das legítimas, nos termos do artigo 2012 do Código Civil:

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“Art. 2.012. Sendo feita a doação por ambos os cônjuges, no

inventário de cada um se conferirá por metade.”

7. Sujeitos

7.1. Legitimação

São legitimados para exigir a colação aqueles que dela se

beneficiarem, isto é, aqueles que possam sofrer um decréscimo na sua cota parte

correspondente a legitima em face de outro herdeiro concorrente seu ter recebido

doação do autor da herança.

7.2. Herdeiros obrigados a colacionar

Sujeitam-se à colação os descendentes que concorrem à

sucessão do ascendente comum, quando hajam dele recebido doações em vida.

Classificam-se como tais os filhos, netos e outros de mais distante parentesco.

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Note-se que o Código, no artigo 2.002, determinou que só os

descendentes devem colacionar, excluindo os outros herdeiros.

7.2.1. Cônjuge

Entretanto, o artigo 2.0034 parece ampliar o rol, ao afirmar que a

colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida no Código, as legítimas dos

descendentes e do cônjuge sobrevivente.

Outro artigo que também contrária o rol do artigo 2002 é o artigo

5445 do Código Civil, sobre doação de ascendentes a descendentes ou de um

cônjuge a outro, considerando esse ato de liberalidade como adiantamento do que

lhes cabe por herança.

Assim, nas hipóteses em que concorram à sucessão

descendentes e cônjuge, haveria necessidade de serem colacionados bens havidos

tanto pelos descendentes quanto pelo cônjuge, para que se cumpra a disposição

normativa de igualdade entre as legítimas dos herdeiros necessários,

expressamente prevista nos artigos 2003 e 544.

4 “Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dosdescendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo dofalecimento do doador, já não possuírem os bens doados.”

5 “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importaadiantamento do que lhes cabe por herança.”

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Nota-se que o artigo 544 considera como antecipação da

legítima e adiantamento de herança, além das doações de ascendentes para

descendentes, as doações de um cônjuge ao outro. No direito anterior, o

adiantamento da legitima restringia-se somente as doações de pais para filhos.

Pelo que se pode extrai da leitura dos artigos 544 e 2003, o

cônjuge também tem a obrigação de conferir os bens recebidos por adiantamento de

herança.

Assim, não se pode aceitar a interpretação realizada no sentido

de que em não havendo determinação expressa de que o cônjuge deva colacionar

esteja o mesmo dispensado de fazê-lo, isto porque o instituto exige a dispensa

expressa. Ademais, se o cônjuge é herdeiro necessário e se recebeu doação em

vida, concorrendo com outros herdeiros necessários deverá, obrigatoriamente,

colacionar sob pena de não o fazendo, ferir o princípio da maior igualdade da

legítima dos herdeiros necessários, fundamento do instituto da colação.

7.2.1.A. Projeto de Lei 6960/02 - Deputado Ricardo Fiúza

O Projeto de Lei nº 6960/2002, apresentado pelo Deputado

Ricardo Fiuzza prevê, expressamente, a obrigação de colacionar os bens recebidos

em doação de seu consorte, na proposta de alteração do artigo 2.002 do Código

Civil:

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“Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do

ascendente comum, e o cônjuge sobrevivente, quando concorrer com

os descendentes, são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir

o valor das doações que em vida receberam do falecido, sob pena de

sonegação.......................................”.(NR)”

Nesse sentido, vale transcrever a justificativa do relator do

Projeto:

“O artigo 2.002 se omitiu quanto à necessidade de o cônjuge

colacionar, embora o art. 544 enuncie que a doação de um cônjuge a

outro importa adiantamento de legítima. Esta questão, no entanto,

necessita ficar bem clara e explícita. Como sabemos, o cônjuge foi

muito beneficiado no direito sucessório, e aparece, neste Código,

numa posição realmente privilegiada. Não é razoável e justo que ele

não fique obrigado a trazer à colação os valores de bens que recebeu

em doação do de cujus, enquanto os descendentes têm este dever.

Se forem chamados os descendentes e o cônjuge sobrevivente à

herança do falecido, os descendentes precisam restituir o que

receberam antes, como adiantamento de legítima, enquanto que as

liberalidades feitas em vida pelo falecido ao cônjuge não estão

sujeitas à colação. Ademais, se o doador quiser imputar na sua

metade disponível a doação que fizer ao cônjuge, basta que

mencione isto, expressamente, no ato de liberalidade ou em

testamento (arts. 2.005 e 2.006).Assim, entendo que deve ser

prevista a obrigação de o cônjuge sobrevivo conferir as doações

recebidas do outro cônjuge, quando for chamado à herança,

conjuntamente com os descendentes. Se concorrer com os

ascendentes, não seria o caso, pois estes não estão sujeitos à

colação.”

7.2.1.B. Direito Comparado

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Zeno Veloso, citando José de Oliveira Ascensão, com

propriedade destaca o fato de se apresentar nossa legislação em idêntica situação

ao Código Civil Português, que pela reforma de 1977 transformou o cônjuge em

herdeiro necessário e concorrer com ascendentes e descendentes. Como aqui, em

princípio, o cônjuge não era obrigado a colacionar, apenas os descendentes.

Após longa discussão a respeito o Código português foi alterado

e o cônjuge foi incluído no rol dos herdeiros obrigados a colacionar.

O mesmo aconteceu no direito Italiano, primeiro o cônjuge foi

inserido no rol dos herdeiros necessários e depois de discussões, também foi

inserido no rol dos herdeiros obrigados a colacionar.

7.2.2. Netos

Quanto a obrigação de colacionar do neto, devemos primeiro

analisar se ele no momento da liberalidade já seria chamado a sucessão. Ele só irá

colacionar se recebida à liberalidade quando já seria chamado a sucessão na

qualidade de herdeiro necessário, visto que em outra hipótese não caracteriza

adiantamento de herança.

Tal conclusão se depreende do disposto no parágrafo único do

artigo 2005 do Código civil, abaixo transcrito, que determina que é imputada na parte

disponível a doação feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à

sucessão na qualidade de herdeiro necessário.

"Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador

determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam,

computado o seu valor ao tempo da doação".

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Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a

liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria

chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário".

Importante observar que se o neto participar da sucessão do

avô, em representação ao pai, necessariamente deverão colacionar, mesmo que

sequer tenham conhecimento sobre a doação que seu pai tenha recebido, para que

não se veja ferido o princípio de que os representantes nunca podem receber a mais

do que receberia o representado. Ou seja, o Neto deve colacionar o que seu pai

recebeu, como determina expressamente o artigo abaixo:

“Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais,

sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que

não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir.”

Cumpre notarmos que neste caso a lei só faz referência a netos,

esquecendo a possibilidade de haver representação por outros herdeiros

descendentes, como bisnetos e trinetos.

7.2.3. Terceiros obrigados a colacionar

Carlos Maximiliano inclui no rol daqueles que devem colacionar,

também, os cessionários e qualquer adquirente da herança havida por

descendentes, pois ficam sub-rogados nos direitos e sujeitos às obrigações deste;

são compelidos à colação e podem reclamá-la dos sucessores legítimos do defunto.

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Deverão igualmente conferir tanto o renunciante quanto o

excluído da sucessão na parte que exceder aquela que efetivamente poderiam

receber6.

8. Questões processuais

8.1. Momento da colação

A obrigação de colacionar é analisada no momento da abertura

da sucessão, quando os direitos sucessórios dos descendentes forem postos em

confronto pelos bens recebido anteriormente por doação feita a um ou alguns

desses herdeiros.

Sendo a colação uma obrigação legal do herdeiro donatários,

deverá fazê-lo, espontaneamente, sob pena de ser compelido através da

competente ação de sonegados, prevista no artigo 19927 do Código Civil.

6 “Art. 2.008. Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir asdoações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível.”

7 “Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quandoestejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, aque os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.”

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Isto deverá ocorrer na manifestação do herdeiro sobre as

primeiras ou últimas declarações, nos termos do artigo 1000 e 10148 do Código de

Processo Civil. Silenciando o donatário, qualquer herdeiro necessário concorrente

poderá interpelá-lo a fazer.

8.2. Procedimento

Em princípio a colação pode ser processada no bojo do

inventário, como simples incidente. Entretanto, conforme jurisprudência dominante

se a matéria for de alta indagação, sendo necessária a dilação probatória, as partes

devem ser remetidas as vias ordinárias. 9

8 “Art. 1.000 - Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de10 (dez) dias, para dizerem sobre as primeiras declarações. Cabe à parte:

I - argüir erros e omissões; II - reclamar contra a nomeação do inventariante; III - contestar aqualidade de quem foi incluído no título de herdeiro.

Parágrafo único - Julgando procedente a impugnação referida no nº I, o juiz mandará retificar asprimeiras declarações. Se acolher o pedido, de que trata o nº II, nomeará outro inventariante,observada a preferência legal. Verificando que a disputa sobre a qualidade de herdeiro, a que alude onº III, constitui matéria de alta indagação, remeterá a parte para os meios ordinários e sobrestará,até o julgamento da ação, na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.”

“Art. 1.014 - No prazo estabelecido no Art. 1.000, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termonos autos os bens que recebeu ou, se já os não possuir, trar-lhes-á o valor.

Parágrafo único - Os bens que devem ser conferidos na partilha, assim como as acessões ebenfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura dasucessão.”

9 Orlando Gomes. Sucessões.

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A colação dos bens faz-se no processo de inventário, conforme

determina a lei civil, principiando por estipular que os descendentes que

concorrerem à sucessão do ascendente comum obrigam-se a conferir o valor das

doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Sobre o procedimento da colação de bens, verifiquem-se as

normas constantes dos artigos 1.014 a 1.016 do Código de Processo Civil.

9. Distinção entre colação e redução de doações

A colação não se confunde com a redução de doações. Essa se

refere ao excesso de quanto o doador poderia dispor no momento da liberalidade,

fazendo-se a sua restituição em espécie ou em dinheiro, conforme dispõe o artigo

2.007 do Código Civil:

“Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar

excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da

liberalidade.

§ 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados

tinham, no momento da liberalidade.

§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do

excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não

mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o

seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que

forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das

disposições testamentárias.

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§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a

parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima

e mais a quota disponível.

§ 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em

diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a

eliminação do excesso.”

Atende-se, com esse preceito, à conseqüência da nulidade das

doações inoficiosas, excedentes ao valor das legítimas dos herdeiros necessários,

conforme previsto no artigo 549 do mesmo Código:

“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de

que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em

testamento.”

Trata-se de hipótese legal assemelhada à redução das

disposições testamentárias que excederem a parte disponível do testador,

consoante disposto no artigo 1.967 do Código Civil.

Embora sem previsão específica no capítulo sobre colações, no

Código Civil de 1916, sempre foram observados os princípios básicos da redução

das doações, em face das disposições relativas ao resguardo da legítima e pela

invalidade das doações quanto à parte excedente à de que o doador, no momento

da liberalidade, poderia dispor em testamento.

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Em suma, a colação tem lugar apenas e quando haja disputa da

herança entre certa categoria de herdeiros necessários, que são os descendentes e

o cônjuge sobrevivente, obrigando à conferência dos valores das doações para que

componham os quinhões hereditários e permitam a igualdade dos direitos

sucessórios, referente à legítima. Diversamente, a redução das doações efetua-se

apenas sobre a parte excedente daquilo que o doador poderia dispor, aplicando-se

não só aos descendentes e ao cônjuge sobrevivente, mesmo que tenha havido

dispensa da colação, como também a outros donatários, sejam herdeiros ou

estranhos à sucessão, para que se resguarde a legítima dos herdeiros necessários,

que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivo.

10. Distinções feitas entre colação e conferência

O termo colação deriva do latim collatio, oriundo do supino

collatum, do verbo conferre que significa em português conferir.

Sendo as expressões conferir e trazer a colação sinônimas

conforme diversos autores, dentre eles Carlos Maximiliano, Silvio Rodrigues,

Euclides de Oliveira e Itabaiana de Oliveira.

Carlos Maximiliano cita expressamente que: “Conferir e trazer a

colação são equivalentes”.

Euclides de Oliveira afirma: “colação é o mesmo que conferência

de bens no processo de inventário.”

Compartilhamos da mesma opinião quanto à acepção das duas

expressões.

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Entretanto, há uma significativa diferença jurídica entre elas.

Mesmo que o testador dispense a o bem doado da colação,

ainda assim haverá o dever do herdeiro conferir aquele bem para demonstrar que a

doação respeito os limites legais. Ou seja, a conferência correspondente à

verificação dos bens recebidos, nos autos do inventário, para verificar a real

dispensa de colação e se a doação respeitou os limites legais.

A obrigação de conferência dos bens por parte do herdeiro é

necessária para o fim de repor o que exceder o disponível e manter o equilíbrio entre

a parte disponível e a legítima dos herdeiros necessários.

11. Fraude

A doação disfarçada de bens, desde que se comprove o intuito

fraudulento ou abusivo, se sujeita igualmente à colação.

11.1. Desconsideração da personalidade jurídica

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Situação peculiar de fraude à legítima é a atribuição a herdeiro

de bens sob a forma societária. A hipótese enseja desconsideração da

personalidade jurídica da empresa, para que se evite a confusão patrimonial em

prejuízo aos demais herdeiros, aplicando-se os princípios da disregard, que vieram a

ser acolhidos no artigo 50 do Código Civil. Por certo que constitui expediente

ardiloso a formação de uma sociedade com atribuição de quotas ou ações em favor

de herdeiro sem o efetivo ingresso de capital por parte deles.10

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