DIREITO INDUSTRIAL

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INDUSTRIAL I. Importância e objecto do di- reito industrial. II. O seu desenvolvimento na edade contemporânea. III. A sua especialidade na ency- clopedia jurídica. IV. A propriedade industrial. V. Esboço histórico da proprie- dade industrial no Brazil. VI. Fontes do direito industrial brazileiro. I IMPORTÂNCIA E OBJECTO DO DIREITO INDUSTRIAL 1 —Ao direito industrial, importante ramificação do direito privado, destina-se na evolução jurídica fu- turo grandioso. Basta ponderar se que -o seu pro- gresso que tem tomado extraordinário incremento a contar da segunda metade do século passado, cami- nha parallelamente com o crescente desenvolvimento da industria. Dest arte, em breve trecho, especialidade tão fecunda ha de impor a sua inclusão no programma ofricial dos institutos de ensino jurídico do Brazil, como já vai acontecendo noutras nações cultas. DIREITO

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INDUSTRIAL

I. Importância e objecto do di­reito industrial.

II. O seu desenvolvimento na edade contemporânea.

III. A sua especialidade na ency-clopedia jurídica.

IV. A propriedade industrial. V. Esboço histórico da proprie­

dade industrial no Brazil. VI. Fontes do direito industrial

brazileiro.

I

IMPORTÂNCIA E OBJECTO D O DIREITO INDUSTRIAL

1 —Ao direito industrial, importante ramificação do direito privado, destina-se na evolução jurídica fu­turo grandioso. Basta ponderar se que -o seu pro­gresso que tem tomado extraordinário incremento a contar da segunda metade do século passado, cami­nha parallelamente com o crescente desenvolvimento da industria. Dest arte, em breve trecho, especialidade tão fecunda ha de impor a sua inclusão no programma ofricial dos institutos de ensino jurídico do Brazil, como já vai acontecendo noutras nações cultas.

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2.—Não acóde, pois, prematura a solicitude dos jurisconsultos em applicar detida attenção a este ramo de estudos, de modo a fazel-o progredir não menos acceleradamente do que o exige a maravilhosa ex­pansão da industria nos tempos que vão correndo.

3.—A importância do direito industrial eviden­cia-se do simples enunciado do seu objecto, a saber — o conjuncto de princípios e normas jurídicas que regulam a producção da riqueza pelo '"• trabalho e as relações sociaes oriundas desse facto. (i)

4.—Não cabe em nosso propósito indagarmos neste momento—se o direito industrial é um ramo do direito civil, ou mesmo do direito privado, ou se deve de preferencia ser considerado uma divisão do direito geral; por isso que participa ao mesmo tempo, quanto algumas das suas relações, da natureza do direito publico e da do direito privado, e também por não se caracterisar, como o direito civil, pelo cunho da influencia mesologica, approximando-se antes, neste particular, á feição quasi cosmopolita do direito mercantil.

Tal indagação, meramente especulativa, offerece margens para longas controvérsias, mas de puro in­teresse escolastico.

5.—Basta accentuarmos que, sem prejuízo da autonomia própria, o direito industrial, que mal acaba de conquistar a sua individualidade e tem apenas de-

(1) A definição que formulamos affigura-se-nos preferível, por mais comprehensiva, a esta de Kenouard, Droit Inãustr. Cap. I in fine: "Le droit industriei embrasse les rapports légaux et juridiques qui se créent entre les hommes par Ia production des choses et par 1'applica-tion des choses aux services humains".

Muito se approxima da nossa a definição adoptada por Humberto Pipia, nas suas Nozioni di Diritto Inãustr. Cap. I n. 4.*: '. .Diritto industriale deve ritenersiil complesso delle nornie che regolano i rapporti

% giuridice inerenti ella produzione econômica, e sorgenti a causa di essa tra le persone—e tra esse e le cose".

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lineado área territorial e fronteiras no mappa geral das disciplinas jurídicas, se entrelaça com as outras ramificações co-irmãs da mesma sciencia, dá-lhes e aufere dellas subsídios e tem com ellas caracteres communs e pontos differenciaes. Como, aliás, pode­ria a espécie isentar-se das analogias que constituem o gênero ?

» # 6.—Assim como o direito commercial tem por objecto as normas jurídicas regyladoras da circulação das riquezas e colhe, para a sua formação, pingues elementos da economia política, assim também o di­reito industrial haure subsídios de outro capitulo da mesma sciencia, o da producção das riquezas.

7 . — O trabalho é a fonte mais fecunda da pro­ducção e, por isso, o primeiro factor da riqueza social. Ora, que é a industria, considerada em sua substancia, a não ser o trabalho elevado á mais alta potência ? Ainda esse conceito* addiciona-se aos que ahi ficam, em affirmação da subida importância do direito in­dustrial.

II

Q DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INDUSTRIAL NA EDADE CONTEMPORÂNEA

8.—Único em sua essência, subjectivamente con­siderado, torna-se múltiplo o direito nas suas moda­lidades, e estas se desenvolvem na razão directa do progressivo incremento do objecto a que se applicam.

Nada mais comprehensivel que esse facto.

A evolução natural em cada ramo da actividade humana suscita novas situações jurídicas que, por sua

vez, reclamam normas reguladoras.

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9.—Ora, a ninguém é dado desconhecer a pro­digiosa expansão que tem tido a industria, a grande industria principalmente, desde meados do século XIX, e o seu incessante e maravilhoso progresso nesta quadra em que vivemos. Com a invenção de nume­rosos machinismos, com a substituição do braço hu­mano e da força animal pelo poder e a celeridade das applicações mechanicas, avultou assombrosamente a producção industrial e com ella concurrentemente a actividade intellectual* do trabalhador, a associação de capitães e a formação de agglomerações de operários. Todos estes factores congregados a produzirem in­cessantemente procuram com solicitude mercados con­sumidores para a collocação dos seus productos industriaes.

10.—D'ahi, necessariamente, o apparecimento de novas relações pessoaes e reaes reclamando a defini­ção de preceitos peculiares, reguladores e a formação e desenvolvimento de um novo código—o do direito industrial.

Surge assim e assim se manifesta no estudo da sciencia jurídica, uma especialidade moderna, cuja es­phera se amplia diariamente e cuja importância, já considerável, maior se annuncia para o futuro.

11.—E' digna de nota sobre a preponderância hodierna do direito industrial a seguinte bellissima pagina do eminente Pouillet: (2)

«Já se vão os tempos em que o advogado, se­qüestrado nas abstracções do direito vivia estreita­mente emparedado entre o Digesto, o Código Civil e a Jurisprudência, inclinado sobre Cujaccio, Bartholo ou Pothier. Presentemente, nas faculdades de direito

(2) R. LAFON, Pour devenir avocat, pag. 108. Este interessante opusculo faz parte, e com justiça, da preciosa collecção "Les livres d'or de Ia science"

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como em toda a parte algures, o ensino alargou-se, vivificou-se, rejuvenesceu. O estudo do direito romano ficou mais especialmente reservado para os que se destinam ao magistério. E m compensação, crearam-se novas cadeiras, por exemplo, para o ensino do direito internacional e do direito industrial. Esta nova disci­plina impunha-se e o numero, sempre crescente, das theses apresentadas todos os annos com a approvaçâo dos lentes sobre assumptos tirados deste ensino, mostra perfeitamente que está alli uma parte consi­derável do direito moderno.

E demais quem se enganaria ? A industria, filha da sciencia, tomou em todos os paizes nas preoccu-pações humanas lugar preponderante. Ella tem trans­figurado o mundo. Não é somente o vapor dominado, o gaz hydrogeneo escravisado; é a electricidade cir­culando mysteriosa ao redor de nós e levando á toda parte a luz, a energia e a vida. As forças da natu­reza, até hoje inutillisadas e improductivas, a electri-dade as transporta e applica-as á distancia. Basta um gesto para expellir a noite; toca a gente um botão e logo toda a casa, a cidade toda se illumina; um outro gesto, e a casa, a cidade voltam a remer-gulhar-se na obscuridade.

Admirávamos hontem a electricidade transmittindo de um extremo ao outro do mundo, num instante, com a celeridade do relâmpago o nosso pensamento, e permittindo-nos communicar, por um fio, até além dos mares. Era extraordinário; dá se hoje maravilha maior. U m a palavra proferida diante de uma caixinha de madeira é immediatamente repetida a cem léguas com a inflexão da voz que a pronunciou, e vai d'um lábio amigo a um ouvido amigo. As palavras mesmas com a sua entoação e o timbre da voz são fielmente registradas, depois reproduzidas á vontade com aquelle

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mesmo sotaque e aquella mesma entoação. Já não ha trevas ; já não ha distancia ; a própria morte está vencida; pois aquelle que já não existe e cuja bocca se enregelou, ainda nos falia ! O h maravilha !

E tudo isto, senhores, reflecti bem, é u m começo, é uma aurora ; o dia surge lentamente sobre u m hori­zonte que prenuncia deslumbramentos sem fim. »

III

A ESPECIALIDADE DO DIREITO INDUSTRIAL NA ENCYCLO-PEDIA JURÍDICA

12.—Os elementos básicos do direito industrial outros não são senão os próprios princípios funda-mentaes do direito commum. Nesse conceito geral assentam, portanto, as raízes da nova especialidade jurídica. Ainda mais. Grande copia das normas le-gaes reclamadas pelas relações sempre crescentes da expansão industrial acham-se já, em principio, consa­gradas no direito vigente, embora esparsas no vasto corpo da legislação. Impõe-se portanto ao juris-consulto colhel-as aqui e acolá, coordenal-as e con-solidal-as mediante systema scientifico, assim como ao legislador desenvolver esses princípios geraes em disposições especiaes, compJetal-os, preenchendo as lacunas que se verificarem e instituindo as innocações que o progresso tenha aconselhado.

13.—Este trabalho, parallelo com o fecundo subsidio da jurisprudência dos tribunaes e as luzes que irradiam da legislação dos outros povos cultos, tornará menos árdua ao legislador pátrio a codificação do direito industrial, não menos necessária, no estado

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actual da cultura jurídica, do que a do direito com­mercial, de cujos benefícios fruimos desde 1850.

*4.—Todos os ramos do direito publico e privado, e bem assim a sciencia econômica, hão de contribuir, em proporções diversas, com avultada ou diminuta copia de materiaes para esse edifício scientifico.

15.—Assim, o direito civil proporcionar-lhe-á, como proporciona presentemente ao estudo do direito industrial, os seus preceitos e dispositivos sobre a capacidade das pessoas, a garantia da propriedade e as suas transmissões, a theoria das obrigações, in­clusive a satisfacção devida ex-delicto ou quasi ex-delicto por violação de direitos industriaes e por accidentes de trabalho.

16.— A o direito commercial pedirá a nova es­pecialidade jurídica o fecundo subsidio, que ora lhe presta, na deficiência de preceitos privativos á industria, quanto á constituição de sociedades, locação de ser­viços e diversos outros contractos, e não menos sobre a propriedade por invenção, occupação ou transferencia, de nome commercial, firmas, razões de commercio, e o respectivo exercício, transmissão e perda ; e sobre a concurrencia desleal, as falsas indicações de prove-niencia, etc, etc.

17 —A despeito da applicabilidade de alguns preceitos communs nas relações de direito commercial e nas de direito industrial, nem assim se confundem essas duas sub-divisões do direito privado. O direito commercial tem por objecto, na phrase de Pipia, a funcção da mediação, regulando as relações jurídicas derivadas da interferência especulativa entre a pro­ducção e o consumo, dirigida a effectuar ou facilitar a troca da riqueza ; o direito industrial ao contrario refere-se ao estado anterior a essa troca, a saber ao

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momento da sua producção, regulando as relações jurídicas que á mesma producção se referem ou nella se comprehendem (3).

1 8 . — C o m as instituições de direito penal rela­ciona-se a nova disciplina jurídica, já na parte em que aquelle direito commina disposições repressivas contra os violadores da propriedade industrial; já quando acautela a liberdade do trabalho, ampara os trabalhadores contra quem lhes queira impor o tra­balho ou tenha a pretenção de lh'os vedar ou cercear ; já/ finalmente, quando dispõe sobre abusos por oc-casião das greves e o exercício de certas profissões e industrias que interessam a vida, a segurança e a saúde publicas.

19.—Não são indifferentes á formação do direito industrial os princípios do direito publico, do direito administrativo e da sciencia da administração, relativos á liberdade de industria, á garantia da propriedade, ao direito de reunião e de associação, de locomoção e de transportes, á localisação dos estabelecimentos industriaes, ao regimen das terras, das minas e das águas, aproveitamento e exploração da força hydraulica, do vapor e da electricidade.

20. — A economia política e a legislação fiscal também interessam de perto á prosperidade e á vida das industrias, mormente no tocante ás tarifas aduanei­ras e ao systema tributário interno, cuja applicação aconselhem em vista das condições do paiz, ou ins­pirem ao legislador. Não podem, portanto, deixar de exercer influencia sobre a evolução das normas jurídicas referentes á industria.

2 1 . — O direito processual concorre com preciosa contribuição para a formação da nova individualidade que ora apparece entre as sciencias jurídicas.

(3) U. Pipia, Obr. cit, pag. 3.

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Ainda que sob as antigas roupagens das leis e praxes do processo, os interesses industriaes começam já a ser acautelados pelo legislador moderno com a protecção de algumas acções peculiares, crimes ou eiveis, e de diligencias, ora administrativas ora judiciaes, assecuratorias de direitos ou preliminares de acção.

22. — O direito internacional, finalmente, é mais que uma das fontes subsidiárias do direito industrial; é fonte essencial delle. Nem outro caracter se lhe pôde reconhecer, ao menos nos paizes que, como o Brazil, fazem parte da União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial (4).

Os direitos e obrigações resultantes das cláusulas de tratados e convenções diplomáticas livremente, cele­bradas e legalmente ratificadas e promulgadas, incor­poraram se na legislação pátria e fazem parte do nosso direito industrial.

23.—Derivado de todas estas fontes diversas, posto que não heterogêneas, nem assim o direito in­dustrial em seu conjuneto pode ser acoimado de amál­gama de elementos hybridos sem cohesão e sem sys­tema. Domina-o, ao contrario, a unidade de um pen­samento geral, coherente com a natureza do seu objecto e que se acha immanente em cada uma das suas instituições.

Este caracter substancial da nova individualidade scientifica, que ora reclama o direito de cidade no domínio dos estudos jurídicos, nasce-lhe do fito cons­tante de adoptar ou prescrever aquellas normas, con­formes á justiça e á equidade, reguladoras dos inte­resses da industria.

(4) A convenção assignada em Paris a 20 de Março de 1883, pela qual o Brazil e outros Estados se constituíram em "União para a Protecção da Propriedade Industrial", foi promulgada entre nós pelo Decreto n. 9.233 de 28 de Junho de 1884.

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IV

DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

24.—A locução—propriedade industrial, de mo­derna applicação, não adquirio ainda na technologia jurídica accepção certa e invariável.

2o.—Nenhum jurisconsulto ainda lhe deu nem procurou dar-lhe a noção exacta e verdadeira, observa Maillard de Marafy (5); e muitos são os que lhe ne­gam a idoneidade, contestando o caracter de proprie­dade a direitos que se não concretisam sobre cousas materiaes. (6)

A Convenção de Paris de 1883 não somente fugio da difficuldade, procedendo por enumeração, como ainda com essa mesma enumeração, desvirtuou manifes­tamente 6 conceito jurídico da propriedade industrial (7).

2(5.—Nota-se nesse texto visível confusão entre productos industriaes e propriedade industrial, e sor-prehende que tal reparo tenha escapado ao espirito agudo de Pipia e á criteriosa analyse de Maillard de Marafy, quando ao mesmo se referem.

Certo, os productos da agricultura, da pomicul-tura, pecuária, fontes mineraes, etc, podem ser equi­parados aos propriamente da industria restricto sensu\ mas nem estes nem aquelles, com o serem productos industriaes^ constituem objecto de propriedadeindustrial.

(5) MAILLAKD DE MARAFY, Grana Diction. de Ia Propr. Indust. v." "Propriété Industrielle."

(6) RENOTJARD, Droit Inãustr., pag. 366 e seguintes; B R A U N , Trait- ães marq. ãefabr. n. 10 ; MOÍÍSE A M A R , Dei nomi, ãei marchi, n. 20.

(7) O art. 1.' do Protocollo de encerramento dessa Convenção assim dispõe: "As palavras—proprieãaãe inãustrial—devem ser entendi­das em sua accepção mais lata, no sentido de se applicarem não só aos productos da industria propriamente dita, mas egualmente aos productos da agricultura (vinhos, cereaes, fructas, gado, etc.) e aos productos mi­neraes entregues ao commercio (águas mineraes, etc.)"

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A propriedade que sobre elles se exerce é a de di­reito commum ou, seja, de direito civil. Nada ella tem de peculiar que a submetta quanto á sua origem, exercício e disposição, aos preceitos especiaes do di­reito industrial.

A propriedade industrial não tem por objecto productos materiaes da industria, mas direitos indus-triaes (8).

27 — Q u e m adquire por compra ou outro titulo egual producto industrial alheio, pode delle fazer o uso que lhe approuver, inclusive destruil-o. O direito de propriedade assim havido comprehende todos os elementos do dominio, synthetisado na formula da le­gislação romana—uti, /rui et abuti.

Se, porém, o objecto vem revestido de uma marca que lhe mencione a origem da producção, continua a adquirente a poder usar delle e do respectivo signal á sua vontade, inclusive vendel-o ou destruil-o; não pode, somente, reproduzir, para fim mercantil, o objecto cem a mesma marca que trazia, nem tão pouco exercer qualquer exploração lucrativa por meio do alludido signal, digamos marca; por exemplo, se a marca era apposta a um envolucro ou recipiente, não será licito utilisar-se de um ou de outro para envolver ou conter mercadoria análoga, mas de origem diversa.

28.—Outro exemplo. Se o adquirente houve a propriedade de um producto industrial de invenção alheia, está no direito de dar ao mesmo o destino que lhe parecer, inclusive o de lançal-o ao fogo. Parece que,

(8) A. OSTERTIETH, Lehrbuch des Gewebl. Bechtsschutzes, 1908, pg. 9, ibi: "Invenções e modelos (propriedade industrial) são creações que possuem existência real; bens com valor próprio e independente do ob­jecto a que se applicam. Estes bens foram creados pelo esforço intel-lectual do seu inventor.—São objectos do direito industrial — as inven­ções e modelos (marcas) como cousa incorpurea, bens immateriaes. 0 conteúdo representa o gozo econômico da cousa.

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com razão maior, ser-lhe-ia licito fazer com o próprio trabalho ou a expensas próprias outro objecto egual e lucrar com a venda delle. Isto, porém, lhe é vedado por attentatorio de direito alheio, por offender á pro­priedade Í7iduslrial do inventor; assim como, na hy-pothese precedente, o uso indevido da marca alheia também seria attentado á propriedade industrial do dono da marca.

29.—Que corollarios defluem dos exemplos que ahi ficam? Os seguintes.

i° A propriedade industrial não se identifica com a do producto da industia;

2.°\ A propriedade industrial não se objectiva numa cousa, num producto material; é, antes, um direito, uma propriedade immaterial;

3.0 A propriedade sobre os productos materiaes da industria é de direito civil; somente a marca res­pectiva, que é de uso exclusivo, constitue propriedade industrial; nas invenções que interessam á industria a propriedade industrial é u m direito de autor; con­siste no monopólio da reproducção.

30.—Dissemos a pouco, reproduzindo aliás auto-risado asserto, que nenhum escriptor conhecido havia, nem sequer, tentado definição scientifica de proprie­dade industrial. Não retiramos a expressão. Accres-centaremos, todavia, que encontramos, talvez com visos de definição, esta prolixa noção num autor italiano (9):

«A propriedade industrial1 serve para designar o direito exclusivo para o autor de uma descoberta ou de uma nova invenção de aproveitar-se delia, para u m fabricante ou commerciante de servir-se de uma

(9) ESPERSON, La propr. inãustr., etc. n. 1.

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marca, de um nome, de uma designação pessoal pró­pria para distinguir os seus productos dos de outros fabricantes ou commerciantes que exerçam a mesma industria ou o mesmo commercio, de valer-se de um desenho, de um modelo de sua invenção.»

«*'•—Fugindo dessa diffusa noção, destituída dos requesitos de um definição scientifica, o illustre juris-consulto, ao qual já nos temos referido, Pipia, incorre por demais conciso e transcendente, na pecha obscuro. Eis como elle se exprime : «Propriedade industrial, na sua verdadeira e natural comprehensão, é a extrinse-cação objectiva da actividade da empresa industrial. »(i o)

Comprehendeu bem o leitor ?—Nem nós tão pouco.

E m additamento explicativo (e com razão procura explicar-se), diz em seguida o mesmo jurisconsulto : «Ella (a propriedade industrial) abrange, por conse­guinte, tantc a cousa que é o producto immediato da industria, a mercadoria, como os direitos que lhe tutelam mediatamente a livre e pacifica producção e subsequente introducção na massa circulante dos bens ; como também os direitos inherentes á invenção ou nova forma dos productos, mediante os privilégios industriaes, e os desenhos e modelos de fabricas ; os direitos inherentes á garantia da origem dos productos mediante os nomes e as marcas de fabrica,• os direi­tos inherentes á liberdade da producção, mediante os syndicatos, e a repressão da concorrência desleal etc.»

32.—Não obstante o respeito devido ao illustre jurisconsulto industrialista, parece-nos inexacto na pri­meira parte e obscuro na segunda o seu conceito de propriedade industrial.

Basta ponderar, para que justificada fique a nossa repulsa, que a noção de Pipia inclúe na categoria de

(10) PIPIA, obr. cit., pag. 6"

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propriedade industrial não somente os productos da industria (que são propriedade de direito commum), mas também—os direitos inherentes á liberdade de producção.

Longe do nosso espirito a idéa de contestar a legitimidade desses direitos á liberdade de producção, amparados mediante syndicatos e pela repressão da concorrência desleal. O que, sim, não comprehende-mos é que elles constituam propriedade.

Não duvidamos que o pensamento de Pipia con­tenha um fundo de verdade, mas força é convir que está revestido de defeituosa roupagem.

33.—Ainda por via de enumeração, aliás incom­pleta, dão-nos Goujet et Merger a seguinte noção de ptopriedade industrial: «Direito exclusivo para um fabricante de se, utilisar de uma marca, de um nome, de uma designação especial que distingam os seus productos dos de outros fabricantes que exerçam a mesma industria; de explorar um desenho, um mo­delo, um processo cujo seja inventor ou cujo inventor lh o tenha cedido» (11)

34—Para nós, consiste a propriedade industrial no—direito exclusivo de reproduzir com fito de lucro ou de explorar uma producção immaterial ou uma creação da actividade mental, de immediato interesse para a industria.

3o — C o m este nosso conceito não está em deshar-monia o recentissimo trabalho dado á publicidade pelo professor Ramella e no qual se lê :

(11) G O U J E T E T M E R G E R , Dictionn. de Droit Comm. et Inãustr. edição de R U D E N D E COURDER, vol. "Propriété industrielle." A mesma noção, qnasi textualmente reproduzida, encontra-se em M I C H E L PELLETIER Manuel Pratique de Droit Comm. Inãustr. et artistique, vol. II, vol. "Propriété Industrielle."

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«A propriedade industrial constitue uma das ca­tegorias de productos intellectuaes de trabalho prote­gido pela lei, e está ao lado da propriedade littera-ria assegurada ás obras do engenho. São duas for­mas de propriedade denominadas ambas direitos de autor, que é o complexo dos direitos garantidos pela moderna legislação aos autores de producções littera-rias e artísticas, assim como industriaes, especialmente na parte em que se referem á utilidade material que de taes trabalhos espera o autor auferir.» (12)

36.—Enumeram-se entre os elementos da pro­

priedade industrial:

a)

b) c) d) e)

mercio,

/)

z\

As As O 1 Os As

As As

industriaes.

patentes ou privilégios de invenção,

marcas de industria e de commercio,

íome commercial ou industrial,

desenhos e modelos de fabrica,

insígnias, taboletas e razões de com-

indicações de proveniencia e

medalhas, diplomas e outras recompensas

V

ESBOÇO HISTÓRICO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

N O BRAZIL

37- — A noção da propriedade industrial, abstrac-ção feita dos seus caracteres communs com a pro­priedade civil, assignala certamente progresso notável na evolução do direito. Embora se encontrem na jurisprudência antiga germens embryonarios dessa instituição, não ha duvidar que somente nas legisla-

(12) A. RAMELLA, Tratt. delia Propr. Inãustr., 1909, vol. I n. 2,

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ções modernas ella apparece consagrada com a sanc-ção tutelar do direito positivo.

Isto não significa que não fosse reconhecida pelo direito antigo, mesmo em data anterior ás compila­ções justineanas, a faculdade aos fabricantes de assi-gnalar com o próprio nome, assignaturas ou qual­quer signal distinctivo as obras de sua producção. Era, porém, antes a marca da propriedade que a propriedade da marca.

38.—Com o desenvolvimento da industria, con­seqüente da sua liberdade proclamada pela Revolução Franceza, tomou incremento o direito, para cada fa­bricante, de objectivar nos seus productos, fructos do seu trabalho, da sua intelligencia e do seu capital, o cunho da respectiva procedência. Nada mais justo e mais honesto. O meio adoptado consistio na appo-sição de um signal característico, de uma marca, Esta, portanto, deveria revestir-se do caracter de uma propriedade e, pelos seus effeitos, propriedade de subido valor.

Tal foi a origem histórica da propriedade indus­trial consistente nas marcas de fabrica.

39.—Não é nosso propósito desenvolver nestas paginas, nem mesmo expor em ligeiro esboço, o his­tórico dessa instituição no vasto scenario do orbe ci-vilisado. Vamos apenas delinear em rápidos traços as phases principaes que ella tem tido no nosso di­reito pátrio.

40.—Podem estas classificar-se em quatro pe­ríodos, a saber :

i° A época anterior á decretação da lei n. 2.682 de 23 de Outubro 1875 ;

2.0 Dessa data até á da decretação da lei n. 3.346 de 14 Outubro de 1887;

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3-° De então até á data da decretação da lei n. 1.236 de 2$ de Setembro de 1904;

4-° Dessa data em diante.

**•—O primeiro destes períodos assignalase pela omissão, judicialmente .comprovada, <wde disposições re­pressivas das violações attentatorias* cfa propriedade industrial ou, mais exactamente, dessa, propriedade consistente em marcas de industria e de commercio e nome commercial.

Era, entretanto, tão intensa a necessidade da protecção desses direitos, abertamente conspurcados pela contrafacção e imitação illicita, que surgio á idéa de applicaremse a taes attentados as disposições dos arts. 167, 257, 264 e 306 do Código Criminal de 1830, então vigente, relativos ás figuras jurídicas do estellionato, do furto e da violação da propriedade litteraria e artística.

Como era curial, não prevaleceo tal alvitre. Lu­minoso aresto judiciário (13) poz patente a inopia do direito então em vigor e a impotência dos juizes e tribunaes para a protecção dos sagrados direitos da industria.

42.—Decahidos da acção, os industriaes de que se trata endereçaram ao poder legislativo uma repre­sentação na qual, fazendo sensível a lacuna existente no direito pátrio, reclamavam a decretação de uma lei que a preenchesse.

* A Commissão de Justiça Criminal da Câmara dos Deputados (14) acolheo favoravelmente a petição, julgou* procedente o seu objecto e na sessão de 20 •

(13) Accordam da Relação da Bahia, de 28 de Julho de 1874. Vid. DIREITO vol. 5.°, pag. 649.

(14) A Commissão era composta dos deputados Gomes de Castro, Heraclito Graça e Henrique Rabello, sendo relator o primeiro.

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de Março de 1875 apresentou sobre elle desenvolvido e luminoso parecer, concluído com um* projecto de lei.

Este foi approvado sem debate em i a discussão na sessão de 20 de Abril e com pequenas modifica ções, em 2.a discussão, a 28 do mesmo mez e por fim approvadfif" em 3.* discussão *na sessão de 5 de Junho. Sofifreu apenas a impugnação do deputado Alencar AraYipe, que o considerava desnecessário, por não trazer innovação alguma ao direito vigente. A constituição do Império garantia a propriedade em toda a sua plenitude, portanto também a propriedãQe industrial. E não era essa uma garantia meramente theprica, pois para o offendido, além da protecção da lei penal, havia o direito de pedir indemnisação pelo damno causado. Quanto ao direito de marcar os productos para lhes assignalar a procedência, quem o contestava aos industriaes ? Não se fazia neces­sário para tal fim uma lei permissiva!

A estas objecções respondeu o relactor, cujo dis­curso, porém, não figura nos Annaes do Parlamento', nem tão pouco os proferido sobre o mesmo assumpto pelo deputado fluminense Duque Estrada Teixeira.

43.—No Senado passou o projecto por luminoso debate nas cessões de 2 e 4 de Setembro, enun­ciando sobre a. propriedade industrial, idéas muito acertadas o grande jurisconsulto conselheiro Nabuco, que lhe poz varias emendas.

Adoptadas estas pelais -câmara vitalícia, volveo o projecto á outra câmara, onde fora iniciado. Nella tiveram approvação todas as emendas do Senado. Subio o projecto á sancção imperial e foi publjcado como lei com a data de 23 de Outubro de 1875. ,

44.—Embora eivada de imperfeições resultantes, em parte, do assodamento da sua elaboração parla­mentar—-(pois era grande o empenho de legislar acce-«

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leradamente sobre o assumpto), esta lei veio marcar assignalado progresso na elevação da propriedade industrial no Brazil.

Dacta deste ponto a segunda phase histórica á qual acima nos referimos.

Os defeitos dessa reforma são circumstanciada-mente expostos na Consulta do Conselho de Estado, das secções reunidas do Império e Justiça, de 30 de Novembro de 1884, relator o conselheiro Affonso Celso.

As suas vantagens consistiram em collocar a le­gislação brazileira no nivel dos progressos conquis­tados sobre aquella especialidade jurídica pelo direito das nações mais adiantadas.

45.—Aconteceo, porém, que, sendo, sobre tal objecto, em intensa evolução, muito céleres as trans­formações do direito, mal havia decorrido um lustro após aquella reforma e já estava ella a pedir com­plementos e modificações.

A co-participação do Brazil na Convenção de Paris de 20 de Março de 1883, impondo-lhe as obri­gações solidariamente contrahidas pelos Estados si­gnatários daquella convenção diplomática, exigia prom-pta reforma no seu direito interno, omisso em vários pontos sobre os quaes versavam as referidas obrigações.

46.—Nessa conjectura, preferio o poder execu­tivo, que tinha deixado até então de regulamentar a lei n. 2.682 de 1875, promover a reforma delia por acto legislativo a dar-lhe regulamento para que fosse melhor executada.

Aliás estava ella desde muito em execução e mesmo dessa pratica haviam resultado a comprovação e os inconvenientes de varias lacunas já indicadas na consulta do Conselho de Estado, e de outras que então somente se relevaram.

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Essa lei foi commentada numa interessante mo-

nographia pelo Dr. Didimo Veiga Júnior.

47-—Por Aviso de 6 de Fevereiro de 1884, foram encarregadas as secções reunidas dos Negócios do Império e da Justiça do Conselho do Estado de ela­borar um projecto de lei que harmonisasse a legis­lação pátria com os deveres decorrentes para o Brazil da sua adhesão .á Convenção de Paris, promulgada pelo Decreto n. 9.233 de 28 de Julho de 1884.

Desta incumbência desempenharam-se as secções reunidas, elaborando um trabalho que o governo ac-ceitou e foi pelos senadores Affonso Celso e Leão Velloso offerecido á consideração do Senado na sessão de 27 de Maio de 1885.

48.—O projecto entrou em i.a discussão na câmara vitalícia na sessão de 27 de Julho de 1885, na qual sobre elle occupuram a tribuna os senadores Corrêa e Affonso Celso. Na sessão de 28 proseguio o debate, voltando á tribuna o senador Corrêa, que suscitou algumas objecções ao projecto, as quaes foram com vantagem refutadas pelo senador Affonso Celso. Também propuzeram varias duvidas os conselheiros Paranaguá e Junqueira, ás quaes respondec com se­gurança e brilhantismo o conselheiro Affonso Celso, revelando profundo conhecimento do assumpto.

Abstemono-nos, por agora, de analysar o objecto das controvérsias suscitadas, por que dellas teremos apportunamente de nos occupar, por mais de uma vez, nas paginas deste livro.

49.—Adoptado, finalmente, pelo Senado, com algumas emendas, foi o projecto enviado em 4 de Setembro de 1885 á Câmara dos Deputados, onde por quasi dois annos dormio esquecido na pasta da Commissão de Obras Publicas, Commercio e Industria.

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Veio a debate na sessão de 18 de Julho de 1887, amparado por parecer daquella commissão, que lhe propoz duas emendas, uma das quaes reprimindo penalmente o uso de marcas com indicação de falsa proveniencia.

Approvado nas duas discussões regimentaes com as emendas mencionadas, voltou o projecto ao Senado, que o acceitou naquelles termos, em sessão de 12 de Outubro de 1887. Nesse mesmo dia subio á sancção imperial.

Foi sanccionado, promulgado e publicado como lei, pelo Decreto n- 3.346 de 14 de Outubro de 1887

O seu regulamento não se fez esperar; pois foi approvado por Decreto n. 9.828 de 31 de Dezembro de 1887.

50.—Um mez depois, o sr. conselheiro Affonso Celso, o autor mental da reforma, dava á publicidade excellente livro em que expuha, o pensamento do legislador, e estudava em face do direito novo, elucidado pelas licções dos jurisconsultos estrangeiros, pela le­gislação parallela dos outros povos e pela doutrina dos tribunaes (15).

Por muito tempo, esse trabalho jurídico tornou-se em nosso fôro precioso guia nas acções referentes a marcas industriaes e nome commercial, e ainda hoje não é de somenos a sua utilidade. Claro, methodico, obedecendo em todos os conceitos ao mais judicioso critério, essa importante monographia tem poderosa­mente contribuído em nosso meio para o progresso das idéas sobre a propriedade industrial.

51.—Com a decretação da reforma de 1887, abre-se o terceiro período na evolução do direito in­dustrial pátrio.

(15) AFFONSO CELSO (mais tarde, Visconde de Ouro Preto) Mar­cas Industriaes e Nome Commercial, 1888, Rio de Janeiro.

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A transformação política pela qual passou o Brazil em 1889 e a conseqüente instituição do regimen federativo influenciaram poderosamente, sobretudo quanto ao direito formal, na nova especialidade jurídica.

Varias questões surgiram, suscitaram-se diversas duvidas quanto á competência do foro para a pro-positura das acções sobre marcas de fabrica.

5 2 . — A Constituição da Republica havia assentado entre os seus princípios fundamentaes a instituição da justiça federal organisada pela União, ao passo que deixava aos Estados federados o direito de constituirem e organisarem a justiça local.

Estabelecida esta dupla jurisdicção, qual o foro competente para conhecer e julgar as questões refe­rentes ás marcas industriaes?

53.—Este ponto, que opportunamente havemos de estudar, suscitou sérias divergências até, ou prin­cipalmente, no próprio recinto do Supremo Tribunal Federal.

Longe de solvel-o, a legislação secundaria não veio senão complical-o ainda mais, porque se lhe oppunha com razão que a matéria é de natureza cons­titucional e não pôde ser modificada pelo legislador ordinário.

54.—Esta questão e bem assim a inefficacia da penalidade comminada pela lei de 1887 e transplan­tada para o Código Penal de 1890 reclamavam novos dispositivos na legislação industrial.

Os direitos da industria legitima não se conside­ravam sufficientemente garantidos em seus fundamentos pois grande numero de processos por ella movidos contra os contrafactores das suas marcas eram annul-lados na instância superior.

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55 — E assim tripudiava vencedora a fraude, mo-tejando das comminações legaes. Procurava mesmo inverter no espirito publico as posições jurídicas, apresentando-se os contrafactores como legítimos re­presentantes da industria nacional perseguidos pela chantage de fabricantes extrangeiros, ávidos de exclu­írem a concorrência do seu trabalho e ciosos do seu progresso, etc, etc.

56. — Acompanhando corrente opposta a essa desordem moral, talentoso representante da nação, em sessão da Câmara dos Deputados de 23 de Novem­bro de 1903, apresentou um projecto de reformada lei de 14 de Outubro de 1887 (16), abrindo, assim a quarta phase progressiva da propriedade industrial no direito brazileiro.

Em eloqüente e bem ponderada oração, conseguio o autor do projecto, ao passo que revelava pleno conhecimento da matéria, demonstrar a deficiência do direito pátrio em vigor e fundamentar as modificações e innovações que propunha.

57 — A s idéas capátaes da reforma que aliás foram acceitas pelo Congresso, são as seguintes :

i.a A declaração de que as marcas podem ser usadas tanto no producto industrial como no respec­tivo envolucro, recipiente, etc.

2.a O restabelecimento da pena de prisão, além da de multa, contra os violadores da propriedade indus­

trial (17).

(16) Dr. Germano Hasslocher, deputado ao Congresso Nacional pelo Estado do Rio Grande do Sul.

(17) Essa penalidade, comminada pelas leis n. 2.682 db 1875 e 3.346 de 1887, havia sido supprimida no Código Penal de 1890. E m boa hora a restabeleceo o legislador pátrio de 1904.

Estão a clamar por análoga reforma as disposições do Código sobre patentes de invenção e propriedade litteraria e artistica.

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3-a Mais clara e completa enumeração dos casos puniveis de violação das marcas de fabrica e nomes commerciaes ;

4.a Maior efficacia no exercício das deligencias de busca e apprehensão, ampliando-as, facilitando-as e tornando-as menos precária, mais céleres e menos onerosas;

5-a Determinando que a apprehensão de pro­ductos revestidos de marcas contrafeitas ou illicita-mente imitadas deve ser feita ex-officio nas alfândegas no acto de conferência dos productos, e pelos fiscaes do imposto de consumo ;

6.a A prisão do falsificador no acto da appre­hensão, a qual abrangerá tudo quanto seja destinado directa ou indirectamente a auxiliar a contrafacção ;

7-a A responsabilidade dos donos das officinas onde se preparar o gênero falsificado ; da pessoa que o tiver sob sua guarda; do vendedor e do dono da casa onde estiver collocados os productos ;

8.a A determinação, coherente com as normas constitucionaes, da competência da justiça federal ou da do Districto federal e dos Estados, conforme a natureza da acção, a nacionalidade das marcas e as partes interessadas no processo ;

9.a A condemnação do réu á satisfação do damno causado, na mesma sentença condemnatoria, em acção criminal (18).

(18) Sem prejuizo, naturalmente, do direito para o offendido de intentar, independente de processo criminal, acção eivei de indenanisação. Esta parte do projecto não foi acceita pelo Senado, e assim ficou preva­lecendo no art. 20 da Lei coherentemente com a doutrina do art. 70 do Código Penal, o preceito já antes consagrado no art. 19 da lei n. 3.346 de 1887 cuja matéria, aliás, é de direito civil e nada tem de peculiar ao

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5o. — O projecto foi approvado sem debate na Câmara dos Deputados.

Remettido ao Senado, ahi foi ligeiramente emen­dado no sentido de

a) melhor assentarem-se os princípios regula­dores da competência judiciaria e

b) supprimir-se a disposição relativa á. condem-nação pelo juiz criminal á satisfação do damno cau­sado pela violação da marca.

Approvado nestes termos, o proiecto voltou á Câmara dos Deputados, que o acceitou com as emen­das e fel-o subir a sancçâo do presidente da Republica.

Este decreto legislativo converteo-se na Lei n. 1.236 de 24 de Setembro de 1904.

O seu regulamento, que algo se fez esperar, foi approvado pelo Decreto n. 5-424, de 10 de Janeiro de 1905.

59.—Como se vê, a reforma foi decretada acce-leradamente e quasi sem discussão, não ousamos dizer que sem estudo, em ambas as casas do Con­gresso Nacional.

Deste facto ella não pouco se resente. A sua redacção muita deixa a desejar, e mesmo o dispositivo contém defeitos e lacunas que, com mais detido exame poderiam delles ser escoimados.

Conviria, por exemplo, que se simplificassem as complicadas operações do registro nacional das marcas alvo de justificada critica de notável industrialista (19). Também provoca reparo que a nova lei não contenha uma só disposição sobre o registro internacional. E

(19) MAILLARD DE MARAFI, Grand Diction- ãe Ia Propr. Inãust. vol. «Depôt de Ia marque».

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tão grave foi essa omissão, que o poder executivo procurou, incompetentemente corrigil-a no regulamento.

60. — Acerca desta ultima phase do direito pátrio sobre marcas de industria e de commercio foram dados á publicidade dois livros, sendo um, de pequeno fôlego, pelo Dr. Gouvêa Natividade, e outro bastante desenvolvido, pelo Dr. Bento de Faria, a quem as nossas lettras jurídicas são já devedoras de muitos e importantes trabalhos (20).

Estas monographias e bem assim vários traba­lhos jurídicos, de caracter propriamente forense, pu­blicados em desempenho do serviço profissional por illustres advogados brazileiros teem offerecido regular contribuição para o estudo desta matéria.

Dentre as publicações a quem acabamos de alludir é de justiça destacarmos as dos nossos distinctos colle­gas, do foro fluminense, Drs. Tarquinio de Souza Filho, Inglez de Souza, Francisco de Castro Júnior, Heitor Diniz Cordeiro, Sá Vianna e Sancho de Barros Pimentel; e do foro paulistano,—Pedro de Toledo, Augusto Leite, Gomes Ribeiro, Adolfo Gordo, Paulo Dias e Estevam de Oliveira.

Pedimos venia para nesta lista accrescentar, em ultimo lugar, o mome de um dos autores deste livro que desde muito se dedica a estes estudos e tem já editado em opusculos nada menos de dez memoriaes ou razões de advogado, e bem assim em revistas ju­rídicas, bom numero de artigos de doutrina e outros sobre questões de processo referentes á propriedade industrial.

(20) FRANCISCO MARCONDES DE G. NATITIDADE, Marca de fabrica e de Commercio, —1906. S. Paulo.—DR. ANTÔNIO BENTO DE FARIA, Das Marcas de fabrias e de commercio e do JSome commercial, 1906.—Eio de Janeiro.

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V I

FONTES DO DIREITO INDUSTRIAI, BRAZILEIRO

61.—As fontes do direito industrial pátrio podem classificar-se em fontes com força extrínseca, com autoridade de lei; e fontes com força intrínseca, sem autoridade de lei.

O direito emanado daquellas fontes é obrigatório quand même, superior ao critério do juiz que o tem de applicar ; os preceitos decorrentes destas ultimas são sujeitos á apreciação judicial, e a sua applicabi-lidade resulta antes dos seus fundamentos doutrinários e da analogia dos casos, do que propriamente da sua origem.

6 2 . — T a m b é m se denominam as primeiras—fontes directas, essenciaes ou elementares, estas ultimas — fontes indiretas ou subsidiárias.

Estas denominações, porém,' em nosso conceito, não se adaptam á mesma classificação,, sendo diffe-rente o principio discriminado?;, seria necessário esta­belecerem-se sub-divisões.

N a verdade, fontes directas e essenciaes do di­reito industrial — seriam somente as leis patriaes e convenções diplomáticas particularmente destinadas a compor essa especialidade jurídica , todas as outras assumiriam»o caracter de fontes indirectas e subsidiárias.

63.—Ijíntre as fontes com autoridade obrigatória e força de lei ê*humeram-se.

r

a) 'A legislação industrial brazileira ;

b) Os tratados e convenções internaci®naes sobre objecto de direito industrial, in«orf>orados por decreto

á legislação ftraJíleiga ;

c)* O código e mais legislação commercial;

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d) O direito civil pátrio ;

e) O direito publico constitucional;

f) O código penal;

g) O direito judiciário e processual da União e dos Estados.

64.—As fontes subsidiárias, com força meramente intrínseca, sem caracter obrigatório, do direito indus­trial pátrio são :

d) A legislação industrial extrangeira, inclusive o respectivo direito costumeiro;

b) O direito romano ;

c) A jurisprudência dos tribunaes a) pátrios e b) extrangeiros ;

d) Os documentos da elaboração legislativa, a saber—pareceres das commissões parlamentares, con­sultas do conselho de Estado, discussões na Câmara dos Deputados e no Senado ;

e) A doutrina dos jurisconsultos à) pátrios e b) extrangeiros, colhida em obras didacticas, respostas a consultas e trabalhos* forenses.

J. Iv. D E ALMEIDA NOGUEIRA.