Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e...

275

Transcript of Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e...

Page 1: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que
Page 2: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2

Page 3: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3

Page 4: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4

Page 5: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à suaedição (impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ouperdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra.

Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibidaa reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico oumecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissãopor escrito do autor e do editor.

Impresso no Brasil – Printed in Brazil

Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright © 2015 byEDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalTravessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 3543-0770 – Fax: (21) [email protected] | www.grupogen.com.br

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizadapoderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação,sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).

Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra oufonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem,proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável como contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores oimportador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

Capa: Stephanie Rodrigues MatosProdução digital: Geethik

CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

M428d

Mazzuoli, Valerio de Oliveira

Direito internacional privado : curso elementar / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – Rio deJaneiro : Forense, 2015.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-6377-4

1. Direito internacional privado. I. Título.

5

Page 6: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

15-19889 CDU: 341

6

Page 7: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Aos meus estudantes, daqui e d’alhures.

À amiga Giselle de Melo Braga Tapai, pelo incentivo constante.

7

Page 8: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Duas Palavras

Em meados de 2014 recebi, com entusiasmo, honroso convite da Editora Forense paraescrever este livro. A vontade dessa casa editorial (e também minha) era conhecer umaobra que atendesse às necessidades fundamentais dos graduandos em Direito na disciplinaDireito Internacional Privado. Para a matéria normalmente ministrada, em muitasFaculdades de Direito, quando muito, em não mais que um semestre escolar, não há,seguramente, a possibilidade real dos docentes enfrentarem todos os pontos de sua parteespecial, senão apenas fazer compreender a parte geral da ciência do conflito de leis, comisso permitindo aos estudantes darem os primeiros passos no grande e complexo universode temas que orbitam o contemporâneo Direito Internacional Privado.

Com esse exato propósito veio à luz este livro, que visa abordar didaticamente a partegeral do Direito Internacional Privado em nível elementar. Trata-se de obra destinada aosestudantes do curso de graduação em Direito, elaborada com o fim de investigar ospilares fundadores e as regras gerais da disciplina, com especial enfoque à sua aplicaçãopelo juiz. Apesar, porém, de destinado prioritariamente aos estudantes, não se descartapossa o livro ser utilizado pelos profissionais do Direito (Advogados, Juízes, membrosdo Ministério Público etc.) interessados em esclarecer dúvidas correntes sobre questõesrelativas à parte geral da matéria.

Destaque-se que a presente obra versa a teoria geral do conflito de leis sem se deterna explicação de temas próprios do Direito Civil, como, v.g., atinentes ao direito dascoisas, das obrigações, ao direito de família e das sucessões, supondo-se que o estudante,neste momento investigativo, já percorreu os institutos elementares do Direito Civilaplicáveis, para o que interessa a este estudo, à ciência do conflito de leis. Da mesmaforma, os temas ligados ao processo civil internacional (tais a competência internacional,cooperação jurídica internacional, cartas rogatórias, homologação de sentençasestrangeiras etc.) não foram versados aqui, por se entender não fazerem parte do DireitoInternacional Privado stricto sensu. Também não se fez, neste livro, um inventário dasteorias antigas e modernas relativas à matéria, muito menos se pretendeu lecionar Históriado Direito (como fazem inúmeros manuais dessa disciplina) àqueles que nos honram coma sua leitura. Não se trata, portanto, de um livro de teorias, menos ainda de um livro dehistória. Não que as teorias e a história da disciplina não sejam importantes; apenas nãofoi a opção que se escolheu para levar a cabo esta obra. Portanto, o que se entrega aosestimados leitores é um livro que analisa a ordem do dia na regulamentação do Direito

8

Page 9: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Internacional Privado brasileiro, bem assim suas interconexões com o sistema jurídicointernacional (regulado pelo Direito Internacional Público) e com os instrumentos quedele vêm à luz.

Esclareça-se, por oportuno, que os temas relativos à nacionalidade e à condiçãojurídica do estrangeiro, presentes em muitas obras de Direito Internacional Privado, nãoforam versados neste livro, por terem sido já detalhadamente estudados no meu Curso deDireito Internacional Público, publicado pela Editora Revista dos Tribunais/ThomsonReuters (atualmente em 9ª edição). Tais disciplinas constituem – para falar como OscarTenório – “apenas pressupostos do direito internacional privado”,* contando comsoluções dadas, muitas vezes, pelo Direito Internacional Público, especialmente portratados internacionais, o que torna desnecessário (segundo penso) estudá-las em obradedicada ao Direito Internacional Privado. Quanto à nacionalidade, neste livro não se fezmais que inseri-la entre os elementos de conexão existentes; por sua vez, nada aqui seestudou sobre a condição jurídica do estrangeiro. Convido, portanto, os leitoresinteressados, a visitar o meu Curso de Direito Internacional Público, para que aliinvestiguem, em detalhes, esses dois importantes temas.

Para encerrar essa introdução, cabe uma reflexão final. Sabe-se que na Europa oDireito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente,por se tratar de um Continente em que milhares de pessoas mantêm relações familiares,contratuais, civis e comerciais de diversa índole, com conexão internacional. Tal fatopossibilita, sem sombra de dúvida, a criação de farta jurisprudência a respeito deinúmeras questões da matéria naquele Continente. No Brasil, no entanto, assim como nosdemais países do América Latina, têm sido raras as ações judiciais a envolver questõesatinentes ao Direito Internacional Privado, se comparadas às ações diuturnamentepropostas com base exclusivamente no Direito interno, o que é facilmente constatadoprocedendo-se a uma pesquisa no foro em geral; das milhares de ações judiciaisdecididas todos os dias em nosso país, apenas uma ou outra diz respeito a um casorelativo ao tema, o que impossibilita, na prática, a formação de uma sólida jurisprudênciasobre conflito de leis entre nós. O que nos resta? A priori, fica ao internacionalistabrasileiro a missão de propor, ao menos em nível doutrinário, soluções para os problemasde Direito Internacional Privado apresentados. É dizer, ainda que não se tenha materialjurisprudencial suficiente para compreender, na prática, cada ponto controverso dadisciplina, ao menos no plano doutrinário é possível buscar respostas aos problemas queo assunto apresenta. Esta obra, portanto, tem a finalidade de contribuir nesse sentido.

Espero que este livro possa ser bem recebido pelos estimados estudantes eprofessores, para que nele tenham um referencial didático de compreensão dos temas

9

Page 10: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

elementares da parte geral do Direito Internacional Privado no Brasil. Em especial, meussinceros agradecimentos ao Grupo GEN e à Editora Forense, seus Diretores eSuperintendentes, pela confiança depositada neste professor para que levasse a cabo estaobra.

Cuiabá, fevereiro de 2015.

O Autor

10

Page 11: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

*

__________TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1968, p. 14 [o grifo é do original].

11

Page 12: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.1.11.21.3

2.3.

3.13.23.3

4.

1.1.11.21.31.41.51.6

2.2.12.2

Sumário

Abreviaturas e Siglas Usadas

Capítulo IDIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO UNIFORME

Colocação do problemaAbertura legislativa e função do DIPrInteração legislativa globalDIPr e direitos humanos

DIPr e direito intertemporalDIPr e direito uniforme

Impossibilidade de uniformização totalUniformização regional e globalDiferenças de fundo

Perspectiva

Capítulo IINOÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Conceito de DIPrO “elemento estrangeiro”Conflitos interestaduaisDiscricionariedade estatalMissão principal do DIPrA questão da nomenclaturaNecessidade de divergência entre normas estrangeiras autônomas eindependentes

Objeto e finalidade do DIPrObjeto do DIPrFinalidade do DIPr

12

Page 13: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.3.13.2

4.5.

5.15.2

1.2.

2.12.22.3

3.3.13.23.3

4.4.14.2

1.1.11.21.31.4

2.2.1

Posição do DIPr nas ciências jurídicasO DIPr é direito interno ou internacional?O DIPr versa matéria afeta ao direito privado ou ao direito público?

Conflitos de leis estrangeiras no espaçoDIPr brasileiro

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDBEstatuto pessoal no DIPr brasileiro

Capítulo IIIFONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

IntroduçãoFontes internas

Constituição e leisCostume nacionalDoutrina e jurisprudência interna

Fontes internacionaisTratados internacionaisCostume internacionalJurisprudência internacional

Conflitos entre as fontesConflitos entre fontes de categorias distintasConflitos entre fontes de mesma categoria

Capítulo IVESTRUTURA DAS NORMAS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Normas indicativasNormas diretas e indiretasHipótese e disposiçãoLex fori e lex causaeCategorias de normas indicativas

Conflitos das normas de DIPr no espaçoConflito espacial positivo

13

Page 14: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.23.4.

4.14.24.34.4

5.

1.1.11.2

2.2.12.22.32.4

3.3.13.2

4.4.14.24.34.44.54.64.7

Conflito espacial negativo (teoria do reenvio)Conflitos das normas de DIPr no tempoAplicação substancial das normas de DIPr

Problema das qualificaçõesConflitos de qualificaçãoQuestão préviaAdaptação ou aproximação

Direitos adquiridos no DIPr

Capítulo VELEMENTOS DE CONEXÃO

Elemento e objeto de conexãoDiferenças de fundoProcedimento de localização

Espécies de elementos de conexãoConexões pessoaisConexões reais (territoriais)Conexões formaisConexões voluntárias

Qualificação dos elementos de conexãoQualificação pela lex causaeConflito positivo e negativo

Principais elementos de conexãoTerritórioNacionalidadeDomicílioVontade das partesLugar do contratoA lex foriReligião e costumes tribais

Capítulo VI

14

Page 15: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.1.11.2

2.2.12.22.32.42.5

3.3.13.2

4.4.14.24.34.44.54.64.7

5.

1.2.3.

3.13.23.33.4

APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO PELO JUIZ NACIONAL

Dever de aplicação do direito estrangeiro indicadoImposição legal no BrasilNorma estrangeira como direito (não como fato)

Aplicação direta da lei estrangeiraAplicação ex officioProva do direito estrangeiroLei estrangeira como paradigma para recursos excepcionaisAnálise e interpretação da lei estrangeiraAplicação errônea da lei estrangeira e recursos cabíveis

Impossibilidade de conhecimento da lei estrangeiraRejeição da demanda ou aplicação da lex fori?Solução do direito brasileiro

Limites à aplicação do direito estrangeiroDireitos fundamentais e humanosOrdem públicaNormas de aplicação imediata (lois de police)Fraude à leiLei mais favorável (prélèvement/favor negotii)ReciprocidadeInstituições desconhecidas

Conclusão

Capítulo VIIDIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PÓS-MODERNO

IntroduçãoDiálogo com Erik JaymeO novo DIPr e os valores pós-modernos

Pluralismo (diversidade cultural)ComunicaçãoNarraçãoRetorno dos sentimentos

15

Page 16: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

••••

Conclusão

Referências Bibliográficas

AnexosDecreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942Projeto de Lei do Senado nº 269, de 2004Convenção de Direito Internacional Privado (1928)Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado(1979)

Obras do Autor

16

Page 17: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Abreviaturas e Siglas Usadas

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

AgRg – Agravo Regimental

AREsp. – Agravo em Recurso Especial

art. – artigo

arts. – artigos

atual. – atualizada (edição)

Cap. – Capítulo

Cf. – Confronte/confrontar

CIJ – Corte Internacional de Justiça

cit. – já citado(a)

Coord. – coordenador/coordenadores

CPC – Código de Processo Civil

DIPr – Direito Internacional Privado

ed. – edição/editor

etc. – et cetera

EUA – Estados Unidos da América

IDI – Institut de Droit International (Instituto de Direito Internacional)

LICC – Lei de Introdução ao Código Civil

LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Min. – Ministro(a)

OEA – Organização dos Estados Americanos

Org. – organizador/organizadores

p. – página(s)

Rel. – Relator

REsp. – Recurso Especial

ss. – seguintes

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

t. – Tomo

Trad. – tradução

Uncitral –United Nations Commission for International Trade Law (Comissão das Nações Unidaspara o Direito do Comércio Internacional)

Unidroit –International Institute for the Unification of Private Law (Instituto Internacional para aUnificação do Direito Privado)

v. – vide/ver

17

Page 18: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

v.g. – verbi gratia/por exemplo

vol. – volume

18

Page 19: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

Capítulo I

Direito Internacional Privado, DireitoIntertemporal e Direito Uniforme

Colocação do problema

As relações humanas, já há muito tempo, têm ultrapassando todas as fronteirasterrestres, espraiando-se pelos quatro cantos do planeta. Tal é reflexo do carátercosmopolita do homem, que necessita incessantemente manter relações e intercâmbios aoredor do globo, seja no plano social (familiar, cultural, científico, artístico etc.) ou docomércio (de que é exemplo a sedimentação dos usos e costumes comerciaisinternacionais, que se convencionou chamar lex mercatoria).1 De fato, não passadesapercebido de qualquer observador a constância diária em que se realizam atos ounegócios jurídicos para fora de uma dada ordem doméstica, especialmente em razão dosavanços dos meios de transporte (com ênfase especial ao transporte aéreo) e dascomunicações em geral (v.g., do rádio, da televisão, do telefone e, principalmente, daInternet).2

Atualmente, pode-se mesmo dizer que as fronteiras e os limites de um dado Estadoexistem somente para si, não para as relações humanas, que diuturnamente experimentam amovimentação de milhares de pessoas ao redor da Terra. Contratos são concluídos, todosos dias, em várias partes do mundo, por pessoas de nacionalidades distintas;consumidores de um país, sem ultrapassar qualquer fronteira, adquirem produtos doexterior pelo comércio eletrônico; pessoas viajam constantemente a turismo e a negóciopara outros países; casamentos entre estrangeiros são realizados em terceiros Estados;sentenças proferidas num país são homologadas em outros; sucessões de bens deestrangeiros situados no país são diuturnamente abertas etc. Todos esses fatores somadosdemonstram claramente uma crescente “internacionalização” das relações humanas,especialmente no contexto atual de um mundo cada vez mais “circulante”.3

Dessas relações, porém, estabelecidas para fora de uma dada ordem jurídica –relações interconectadas, portanto, com leis estrangeiras autônomas e independentes –nascem sempre problemas que têm como destinatário final, como não poderia deixar de

19

Page 20: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.1

ser, o Poder Judiciário. Este é que deverá resolver a quaestio juris apresentada, dando acada um o que lhe é devido: suum cuique tribuere. Para chegar a esse desiderato, porém,deve o juiz do foro percorrer um caminho espinhoso, cheio de desafios e problemas dosmais diversos (relativos, v.g., à pesquisa do teor e vigência de certa norma estrangeira, àsua devida aplicação ao caso concreto etc.). Esse “caminho” que deve o Judiciáriopercorrer, quando presente uma questão jurídica interconectada com leis de distintospaíses, em nada se assemelha à via ordinariamente empregada para a resolução de umaquestão tipicamente interna, merecendo, só por isso, a devida atenção dos juristas.

O estudo que ora se inicia tem por finalidade compreender esse “caminho” que há depercorrer o Poder Judiciário para resolver as questões sub judice interconectadas comleis estrangeiras autônomas e independentes, missão própria da disciplina versada nestelivro.

Abertura legislativa e função do DIPr

Toda vez que uma relação jurídica se perfaz entre ordens jurídicas distintas, podenascer (e, via de regra, nasce) o problema relativo aos conflitos de leis no espaço. Se osEstados, porém, não estivessem dispostos a “abrir” suas legislações à aceitação daeficácia de uma norma estrangeira em seu território, tais conflitos espaciais de leisestrangeiras não existiriam, eis que, nesse caso, apenas a lei do foro, a lex fori, seriaunilateralmente aplicada (sabendo-se já da insuficiência do critério unilateral pararesolver todas as questões jurídicas interconectadas que a pós-modernidade apresenta).Se assim procedessem os Estados, as soluções para os casos concretos sub jucide(presentes “elementos de estraneidade” em tais relações jurídicas) poderiam serextremamente injustas, dada a impossibilidade de se localizar o real “centro degravidade” (ou “ponto de atração”) da questão em causa,4 notadamente no mundo atualque visa cada vez mais garantir a diversidade cultural e os direitos das pessoas em geral.5

Ao tempo que os Estados consentiram em abrir suas legislações ao ingresso e eficáciade normas estrangeiras perante o foro interno, nasceu o problema em estabelecer qual amais apropriada ordem atrativa da relação sub judice, presente um elemento deestraneidade na relação jurídica. Em outras palavras, a multiplicidade de relaçõesjurídicas envolvendo ordens estatais diversas – que contam, sabe-se, com umapluralidade imensa de fontes normativas – fez nascer o problema decisivo das opções aserem tomadas para resolver a questão da aplicação de mais de uma lei a um mesmo casoconcreto. Daí terem a Ciências Jurídicas criado, para a sua resolução, um conjunto regras

20

Page 21: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.2

capazes de coordenar as relações estabelecidas entre essas ordens contradizentes noespaço, denominado Direito Internacional Privado.6

Interação legislativa global

O DIPr – cuja função precípua é determinar em que condições jurídicas pode serresolvido o problema antinômico entre ordenamentos diversos – é disciplina agregadoradas legislações dos distintos Estados, vez que permite aos juízes de todo o mundoconhecer e aplicar (sem qualquer necessidade de “incorporação” ou “transformação”)normas estrangeiras vigorantes em contextos dos mais variados, quer sob a ótica política,social, cultural ou econômica. Sem o DIPr, as legislações internas seriam (como são)incompletas para reger as situações jurídicas interconectadas no espaço, bem assim aosoperadores do direito não seria dada a oportunidade casual de conhecer a legislação(produto da cultura) de diversos países do mundo.

Essa característica do DIPr autoriza a existência de uma “interação legislativa” emnível global, hoje cada vez mais crescente, cuja consequência marcante é fazer conheceraos rincões mais distantes do planeta a cultura jurídica de um povo em dado momentohistórico. Como consequência, quanto mais “circulam” ao redor do mundo essaslegislações, também se propagam – como ensina Jacob Dolinger – a compreensão dadiversidade, o respeito pelo desconhecido e a tolerância para com o estranho,possibilitando uma maior aproximação entre os povos.7 Por outro lado, essa interaçãonormativa tem também permitido aos legisladores nacionais adaptarem seu direito internoem razão da uniformização extraconvencional do DIPr. De fato, à medida que se vãocomparando as legislações de todo o mundo, por meio da aplicação de normasestrangeiras em contextos extraestatais, os Estados também passam a incorporar, de certamaneira, o conhecimento do conteúdo da norma estranha (com o apoio decisivo dadoutrina, é certo) para, pouco a pouco, adaptar seu sistema jurídico ao da maioria, o quefaz nascer, de forma salutar, a uniformização extraconvencional das principais regras deDIPr.

Ademais, destaque-se ser o DIPr a única disciplina jurídica que permite ter umanorma interna expressão transfronteira, atribuindo ao direito estatal índole nitidamenteexterior. Em razão das normas do DIPr, a legislação de um dado Estado, que, a priori, épromulgada para ter efeitos eminentemente internos, tem a potencialidade de ultrapassaras fronteiras nacionais para ver-se aplicada em ordem jurídica em tudo distinta, graçasaos elementos de conexão existentes nesse ramo do Direito.

21

Page 22: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.3 DIPr e direitos humanos

O DIPr, para falar como Haroldo Valladão, é o “anjo da guarda” dos cidadãos aoredor do mundo, viajantes, estrangeiros, pessoas de origens e domicílio diversos.8 Esseseu mister já demonstra a nobreza da disciplina, que há de visar, sobretudo, à proteçãodas pessoas ao redor do mundo, não obstante aparentar ser método frio, até prepotente, delocalização da norma jurídica aplicável à relação sub judice. No fundo, porém, a técnicaque utiliza o DIPr para a localização da norma aplicável deve obediência a valores eprincípios maiores, ligados à proteção das partes (seres humanos) no processo,estabelecidos tanto pela Constituição quanto por instrumentos internacionais de direitoshumanos ratificados e em vigor no Estado.9

Tal não significa, contudo, ter o DIPr soluções perfeitas para os problemas que lhesão postos; trata-se, evidentemente, de ramo imperfeito do direito, exatamente por lidarcom a aplicação ou o reconhecimento de normas estranhas à lex fori.10 Mesmo assim,ainda que imperfeito, deve o DIPr, atualmente, se esforçar ao máximo em resolver osconflitos de leis estrangeiras no espaço com vistas sempre voltadas à consideração deque há pessoas por detrás das regras em conflito; há seres humanos que são dotados dedignidade e direitos e que merecem uma solução justa e harmônica para o seu problema.11

Não é difícil perceber, portanto, o notável valor que têm os direitos humanos para oDIPr na pós-modernidade, especialmente ao se reconhecer que, mesmo no caso derelações privadas que ultrapassam fronteiras, o valor da dignidade da pessoa humana háde ser sempre preservado.12 De fato, o valor dos direitos humanos, na pós-modernidade,se espraia por todos os ramos do Direito, não sendo diferente com o DIPr. À medida queas normas de DIPr da lex fori indicam uma ordem jurídica a ser aplicada à relação subjudice, subentende-se que essa ordem indicada deva regular a questão principal pautadanos valores constitucionais (direitos fundamentais) e internacionais (direitos humanos)relativos à proteção dos cidadãos, sem o que o DIPr contemporâneo não atenderia à suafunção precípua, que é resolver, com harmonia e justiça, o conflito sub judice de leis noespaço com conexão internacional.13 Como destaca Fernández Rozas, o DIPrcontemporâneo tem superado a sua concepção meramente localizadora (formalista) paraatingir uma dimensão de caráter material, voltada, sobretudo, à realização da justiça.14

Nesse sentido, têm merecido cada vez mais destaque no DIPr – servindo tanto a títuloordem pública (v. Cap. VI, item 4.2, infra) quanto a título de normas imperativas (v. Cap.VI, item 4.3, infra) – o papel das convenções internacionais de direitos humanos em vigorno Estado, as quais são capazes de balizar a aplicação do método tradicional, tornando-omais próximo do ideal de justiça no caso concreto, especialmente quando se leva em

22

Page 23: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.

conta que a principal fonte interna do DIPr – a lei – cede perante o comando dos tratadosinternacionais em vigor (v. Cap. III, item 3.1, infra).15 De fato, atualmente, como observaErik Jayme, já é possível constatar que as referências aos direitos humanos “figuram cadavez mais no grande número de argumentos utilizados para resolver os litígiosinternacionais”.16

Em suma, o DIPr contemporâneo não pode escapar ao respeito dos valores dosdireitos fundamentais (constitucionais) e dos direitos humanos (internacionais) queconferem suporte axiológico e permeiam todo o sistema de justiça estatal, ampliando asua missão tradicional de mera localização da lei aplicável às questões jurídicasinterconectadas, rumo a uma técnica mais elaborada (e, sobretudo, mais justa) de soluçãode conflitos normativos, na qual se respeitam a Constituição e as normas internacionais dedireitos humanos, humanizando a relação jurídica.

DIPr e direito intertemporal

Não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Intertemporal, que visaresolver conflitos de leis no tempo (retroatividade, irretroatividade e ultra-atividade dasleis),17 definindo a incidência de leis estáticas sobre uma realidade que persiste emmomentos que se sucedem,18 ou ainda regulando a relação de uma nova lei com fatos jáencerrados e com relações jurídicas contínuas, iniciadas antes de sua entrada em vigor.19

No caso do DIPr, ao contrário, a questão é espacial, não temporal, eis que o que se visaregular são os fatos em conexão espacial com normas estrangeiras divergentes.

Não há dúvidas que ambos esses direitos – o DIPr e o Direito Intertemporal – têmem comum o fato de resolverem problemas relativos à aplicação (aos “conflitos”) dasnormas jurídicas, ao que se pode dizer serem técnicas interligadas de resolução deantinomias. O DIPr, contudo, é mais amplo que o Direito Intertemporal, à medida queresolve conflitos normativos entre diversos sistemas jurídicos, enquanto aquele temaplicação apenas no que tange às divergências temporais ocasionadas num dado e únicosistema normativo.

O que se acabou de dizer não invalida a existência de conflitos entre as normas deDIPr no tempo. Perceba-se: o DIPr não regula questões intertemporais, matéria afeta aoDireito Intertemporal, senão apenas conflitos de leis estrangeiras no espaço; tal nãosignifica que entre as próprias normas do DIPr não possam surgir conflitos temporais,como se verá oportunamente (v. Cap. IV, item 3, infra).

23

Page 24: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

3.1

DIPr e direito uniforme

Também não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Uniforme. Esteúltimo – que é direito, diferentemente do DIPr, que é direito sobre direitos – é formadopor tratados internacionais que visam, como o seu próprio nome diz, uniformizar assoluções jurídicas relativamente a um determinado tema de direito (cambial, tributário,marítimo, de família etc.). Tal se dá pelo fato de os Estados reconhecerem que aaplicação única e exclusiva de suas leis domésticas de DIPr tem impedido, especialmenteno atual contexto, em que os contatos e as transações internacionais multiplicam-se a cadadia, a desejada uniformização das regras conflituais sobre determinados temas.

Para que a uniformização abrangesse todo o planeta, contudo, necessário seria criarum poder central internacional capaz de solucionar as controvérsias existentes,independentemente de aceite dos Estados (o que até o presente momento não existe). Tal omotivo pelo qual o Direito Uniforme – talvez melhor nominado, como pretende JacobDolinger, Direito Uniformizado20 – verse apenas certos temas de interesse dos Estados.Estes, ainda, podem ou não ratificar os tratados respectivos, o que deixa espaço, como sevê, para que os demais conflitos normativos com conexão internacional continuem a serresolvidos pelas regras do DIPr de cada Estado.21

Impossibilidade de uniformização total

É verdade que se o Direito Uniforme conseguisse resolver os problemas jurídicos detodo o mundo, uniformizando todas as regras relativas às questões de direito internacionalprivado, tal faria desaparecer as normas domésticas sobre conflito de leis, e, assim, opróprio DIPr, já que não mais seria necessário indicar a lei aplicável nos casos deconflitos de normas estrangeiras interconectadas.22 Seria também possível que um dadoEstado se recusasse a editar normativa interna de DIPr, pelo fato de reconhecer que asregras que a sociedade internacional cria em conjunto (por meio de tratados) trazem maiscerteza e segurança relativamente à uniformização do direito aplicável em casos deconflitos de leis, quando então ter-se-ia um Estado sem qualquer regra doméstica aregular o DIPr, mas obrigado por normas internacionais de direito uniforme (ratificadas eem vigor) disciplinadoras de uma vontade comum. Assim, onde houvesse um DireitoUniforme convencionado não haveria a necessidade, sequer a possibilidade, de continuaroperando o DIPr.23

Dada, porém, a dificuldade (para não dizer da total impossibilidade prática) disso vir

24

Page 25: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

3.3

a ocorrer em âmbito universal,24 parece evidente que o DIPr continua a subsistir comoramo especializado das Ciências Jurídicas, o que não retira, porém, a importância dasnormas internacionais uniformizadoras, hoje em dia cada vez mais em voga.25

Uniformização regional e global

Sobre o Direito Uniforme relativo à matéria do direito internacional privadomerecem destaque, no contexto regional interamericano, as várias ConvençõesInteramericanas de Direito Internacional Privado, fruto das ConferênciasInteramericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs),26 que visam uniformizar temasimportantes e controvertidos do DIPr, tais como:

conflitos de leis em matéria de letras de câmbio, notas promissórias e faturas(CIDIP I, Panamá, 1975);

normas gerais de DIPr; eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitraisestrangeiros; prova e informação do direito estrangeiro; conflito de leis em matériade sociedades mercantis; conflito de leis em matéria de cheques; domicílio daspessoas físicas em DIPr; e cartas rogatórias (CIDIP II, Montevidéu, 1979);

competência na esfera internacional para eficácia extraterritorial das sentençasestrangeiras; personalidade e capacidade jurídicas de pessoas jurídicas no DIPr; econflito de leis em matéria de adoção de menores (CIDIP III, La Paz, 1984); e

direito aplicável aos contratos internacionais (CIDIP V, Cidade do México,1994).27

Por sua vez, no plano global, cabe destacar a atuação de vários organismosintergovernamentais, dos quais os mais importantes para o DIPr, atualmente, são: aUncitral (United Nations Commission for International Trade Law); o Unidroit(International Institute for the Unification of Private Law); e a Conferência da Haiasobre Direito Internacional Privado (que atua desde 1893). Esta última – cujo objetivo,nos termos do art. 1º do seu Estatuto, é “trabalhar para a unificação progressiva dasregras de direito internacional privado” – tornou-se o mais importante forointergovernamental global para a unificação do DIPr.28

Diferenças de fundo

25

Page 26: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

Parece correto dizer que só o DIPr é capaz de regular os conflitos de leis no espaçocom conexão internacional, eis que se o assunto for regulado por normas de DireitoUniforme, não se terá mais o “conflito” de leis, objeto de regulação do DIPr, pois ocumprimento do tratado ratificado – nos termos da Convenção de Viena sobre o Direitodos Tratados de 1969 – é uma obrigação dos Estados, que retira qualquer possibilidadede “escolha” da ordem jurídica (nacional ou estrangeira) aplicável ao caso concreto, para“impor” a solução encontrada no tratado respectivo. Tal não significa, contudo, que nãopossam existir normas de DIPr, alheias ao Direito Uniforme, expressamente previstas emtratados internacionais.

Como se percebe, não se confunde o DIPr com o Direito Uniforme, eis que aquelevisa resolver (indiretamente, indicando qual lei valerá em primeiro grau) os conflitos deleis no espaço com conexão internacional, enquanto este último pretende suprimir osconflitos existentes, por meio da criação de regras (decorrentes de tratados) uniformesentre os Estados; as regras do primeiro são indiretas, pois apenas “indicam” oordenamento jurídico (nacional ou estrangeiro) aplicável ao caso concreto, enquanto queas do segundo são diretas, disciplinando imediatamente a questão jurídica sub judice.29

O Direito Uniforme não pertence ao DIPr, não sendo a recíproca, porém, verdadeira.O DIPr é parte, pode-se dizer, do Direito Uniforme Geral, uma vez que este último tempor finalidade uniformizar as várias leis divergentes no mundo e, em última análise, asinúmeras leis internas de DIPr.30 Ademais, o DIPr pode sempre servir como alternativa àtentativa de unificação do direito substancial, pois, como explica Erik Jayme, suaaplicação pode permitir a integração de pessoas em um espaço econômico sem fronteiras,garantindo-se as mesmas condições de liberdade no exercício de suas atividadeseconômicas.31

Perspectiva

Dada a dificuldade prática (ou verdadeira impossibilidade) de estabelecimento de umDireito Uniforme para a resolução de todas as questões relativas aos conflitos de normasestrangeiras interconectadas, a solução até agora encontrada tem sido atribuir ao direitointerno dos Estados a competência primária para a edição de normas indicativas.

A técnica escolhida e ainda aplicada pelos Estados, enquanto não sobrevém melhorsolução, consiste em estabelecer, por meio do Direito interno, regras de solução deconflitos de leis no espaço com conexão internacional, que vêm a ser exatamente o focoprincipal do DIPr. Este, como se percebe, baseia-se na extraterritorialidade das leis

26

Page 27: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

(nacionais e estrangeiras) e na possibilidade de sua aplicação em ordens jurídicasdistintas (aplicação da lei nacional na ordem jurídica estrangeira, e da norma estrangeiraperante o direito interno). Não se poderia, de fato, pensar na sobrevivência do DIPr senão se estabelecesse, como premissa fundamental, a possibilidade de aplicarextraterritorialmente o nosso direito e, em consequência, o direito estrangeiro perante anossa ordem jurídica.32

Apesar das novas nuances pelas quais tem passado o DIPr na era atual, a perspectivaque se tem em relação à matéria é no sentido de continuarem as soberanias a estabelecersuas próprias regras de conflitos de leis, junto, é certo, à cada vez maior participação dosEstados em convenções internacionais uniformizadoras, as quais, havendo antinomias,prevalecem sobre aquelas.33

Pouca coisa, porém, na ordem internacional, tem feito mudar o estilo dos Estados nacondução de sua política interna relativa à edição de regras conflituais, ficando muitasdas respostas do DIPr a depender de soluções que ainda provém de um certoindividualismo estatal, sobretudo daquelas ordens que pouco (ou nada) têm buscadoparticipar de iniciativas de integração e uniformização da matéria.

Seja como for, não se pode descartar o trabalho cada vez mais constante do DireitoInternacional Público em uniformizar as normas de DIPr, a fim de trazer mais estabilidadee certeza para as relações, sobretudo privadas, que diuturnamente caem na teia delegislações estrangeiras em tudo interconectadas. Porém, não se pode desconhecer que asnormas internacionais relativas à unificação das normas indicativas são (ainda)numericamente muito poucas, assim como têm sido parcas as adesões de Estados a taisconvenções, o que leva a crer que a maioria dos Estados ainda considera o DIPr comoramo do seu direito público interno.34

27

Page 28: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

__________V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 25. Sobre alex mercatoria e sua influência no direito contemporâneo, v. GOLDMAN, Berthold. Frontières dudroit et lex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, nº 9 (Le droit subjectif en question).Paris: Sirey, 1964, p. 177-192; GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria: storia del dirittocommerciale. Bologna: Il Mulino, 1993; STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional elex mercatoria. São Paulo: LTr, 1996; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A nova lex mercatoria comofonte do direito do comércio internacional: um paralelo entre as concepções de Berthold Goldmane Paul Lagarde. In: FIORATI, Jete Jane & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Novasvertentes do direito do comércio internacional. Barueri: Manole, 2003, p. 185-223; eRECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 10. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72-83.Sobre os problemas colocados pela era da Internet relativamente ao DIPr, como, v.g., o lugar parademandar e a lei aplicável à relação jurídica, v. especialmente SVANTESSON, Dan Jerker B. Privateinternational law and the Internet. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law, 2007; e GILLIES, Lorna E.Eletronic commerce and international private law: a study of electronic consumer contracts.Hampshire: Ashgate, 2008.Para uma análise dos efeitos desse assim chamado “mundo circulante”, v. BAUMAN, Zygmunt.Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p.17-33.Sobre o tema, cf. especialmente LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droitinternational privé contemporain: cours général de droit international prive. Recueil des Cours, vol.196 (1986), p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in thefield of contracts and torts. Recueil des Cours, vol. 283 (2000), p. 187-512.Para um exemplo de injustiça na aplicação “fria” da lex fori, que não caberia reproduzir nestemomento, v. Cap. VII, item 2.1, infra.O termo foi utilizado, pela primeira vez, na obra de STORY, Joseph. Commentaries on the conflictof laws: foreign and domestic. Boston: Hilliard, Gray & Company, 1834, p. 9, no seguinte trecho:“This branch of public law may be fitly denominated private international law, since it is chieflyseen and felt in its application to the common business of private persons, and rarely rises to thedignity of national negotiations, or national controversies” [grifo nosso]. Na França, a expressão foipioneiramente empregada, nove anos depois, na obra de FOELIX, M. Traité du droit internationalprivé ou du conflit des lois de différentes nations en matière de droit privé. t. 1. Paris: Joubert,1843. Observe-se que Niboyet, equivocadamente, e parecendo desconhecer a obra anterior de Story,atribui a Foelix o uso inaugural da expressão Direito Internacional Privado, tanto na França comono resto do mundo (cf. Cours de droit international privé français. 2. ed. Paris: Sirey, 1949, p.54). Deve-se, porém, ao jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) a fundação domoderno DIPr, a partir da publicação do 8º volume do seu Tratado de Direito Romano, textoreconhecido como o marco na sistematização da disciplina, quando então se compreenderam o seuobjeto e finalidade (cf. Traité de droit romain, t. 8. Trad. Charles Guenoux. Paris: Firmin DidotFrères, 1851, 532p).DOLINGER, Jacob. Direito e amor. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 135-136.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: introdução e parte geral. 2. ed. rev. eatual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1970, p. 4.

28

Page 29: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

9

10

11

12

13

14

15

16

17

Sobre a proteção internacional (global e regional) dos direitos humanos, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Curso de direito internacional público. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2014,p. 881-1021. Cf. ainda, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dosdireitos humanos: uma análise comparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. SãoPaulo: Ed. RT, 2011, 183p; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. SãoPaulo: Método, 2014, p. 49-152. Para um estudo comparado entre os sistemas e modelos deproteção da Europa e da América Latina, v. CARDUCCI, Michele & MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Teoria tridimensional das integrações supranacionais: uma análise comparativa dossistemas e modelos de integração da Europa e América Latina. Rio de Janeiro: Forense, 2014,especialmente p. 43-132.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: FreitasBastos, 1968, p. 10.Daí a precisa observação de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 35:“Objetivando proteger o homem no plano coexistencial, respeitando sua condição de ser sociável elivre, empenha-se o direito internacional privado em converter-se num corpo de princípios jurídicosque possa reger as manifestações da atividade humana sobre o planeta. (…) Desenvolvendo-se noespaço e no tempo, impera sobre a universal unidade dos agrupamentos humanos e protege todas asmanifestações da personalidade individual, seguindo-a em sua peregrinação através das soberaniaspara reger em todas as partes e em todos os momentos a atividade civil do homem, em defesa desuas aspirações, de sua liberdade, de seu bem-estar. Tal é o escopo e essência do direitointernacional privado”.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne (coursgénéral de droit international privé). Recueil des Cours, vol. 251 (1995), p. 49-54; ARAUJO, Nadiade. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,p. 7-26; e MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado.In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto & PEREIRA,Antônio Celso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo:estudos em homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar,2008, p. 325. Para um estudo aprofundado do tema da dignidade da pessoa humana, v. SARLET, IngoWolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de1988. 9. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.V. também as observações levantadas no Cap. VII, infra.FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en el umbraldel siglo XXI. Revista Mexicana de Derecho Internacional Privado, nº 9 (2000), p. 7-8: “O DIPrsó pode ter uma função material, igual à de qualquer outro ramo do Direito, consistente em dar umaresposta materialmente justa aos conflitos de interesses suscitados nas relações jurídico-privadasque se diferenciam por apresentar um elemento de internacionalidade”.Sobre as relações do direito interno com os tratados de direitos humanos, v. MAZZUOLI, Valeriode Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico dasituação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002; eMAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno.São Paulo: Saraiva, 2010.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 54.Sobre o assunto, v. a obra clássica de FRANÇA, Rubens Limongi. Direito intertemporal brasileiro:

29

Page 30: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

18

19

20

21

22

23

24

25

26

27

doutrina da irretroatividade das leis e do direito adquirido. São Paulo: Ed. RT, 1968.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos. São Paulo: LTr, 1997, p.15.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 43.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 35.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28-29; e VILLELA, AnnaMaria. A unificação do direito na América Latina: direito uniforme e direito internacional privado.Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 83, Brasília, jul./set. 1984, p. 5-26. Sobre aaplicação dos tratados uniformizadores pelo juiz nacional, v. OVERBECK, Alfred E. von.L’application par le juge interne des conventions de droit international prive. Recueil des Cours, vol.132 (1971), p. 1-106.Daí a observação de Oscar Tenório: “Somente a existência e a permanência desses conflitosjustificam e explicam o direito internacional privado. (…) Necessário que evitemos as confusõesentre o direito internacional privado e o direito uniforme, pois aquele tem como fato irremovível adiversidade de legislações, e este, querendo acabar com a diversidade das leis, acabará com opróprio direito internacional privado” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 37 e 44-45).Nesse exato sentido, v. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado. São Paulo: LTr,2001, p. 61-62: “Ora, o ideal seria mesmo que se unificassem as normas substanciais de todos osdireitos privados do mundo. A esta altura, já não haveria a necessidade de se indicar a lei aplicáveldevido à unificação das próprias normas do direito privado. Entretanto, tal cenário não deverá seconcretizar em um futuro próximo. O que temos de mais concreto é o trabalho desenvolvido nasáreas econômicas e comerciais, onde encontram destaque os esforços empreendidos peloUNIDROIT”.V. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 5. ed. rev. e atual. por Osiris Rocha. Rio deJaneiro: Forense, 2001, p. 54.Como destaca Oscar Tenório: “A variedade das legislações torna muito difícil o estabelecimento deregras uniformes para todos os países. Surgem paliativos, pois os Estados não renunciam a algunsdos seus interesses em benefício da comunhão internacional. (…) As leis que se aplicam àsrelações extraterritoriais dos homens não são as mesmas nas diferentes nações, havendonecessidade da solução dos conflitos que nascem de sua dessemelhança” (Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 10). Mais enfaticamente, assim leciona Edgar Carlos de Amorim: “Como oDireito Uniforme deveria ser o direito comum a todos os povos, podemos dizer, até mesmo comcerta margem de certeza, que esse direito nunca será uma realidade e não passará de um sonho, deuma utopia. (…) O Direito Uniforme, ou melhor dizendo, a uniformização do direito, conformeacabamos de frisar, ainda não adquiriu sentido universal. É, portanto, parcial e incompleta” (Direitointernacional privado. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 10).Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 40-41.Para uma visão dos primeiros trabalhos codificadores na América Latina, cf. VILLELA, Anna Maria.A unificação do direito na América Latina…, cit., p. 15-22.Destaque-se que nem todas as CIDIPs uniformizam questões de DIPr propriamente, senão deverdadeiro Direito Internacional Público. Tais são, v.g., a Convenção Interamericana sobreArbitragem Comercial Internacional (CIDIP I); a Convenção Interamericana sobre Restituição

30

Page 31: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

28

29

30

31

32

33

34

Internacional de Menores (CIDIP IV); a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçadode Pessoas; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra aMulher; e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (CIDIP V).O Estatuto da Conferência da Haia foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 41, de14.05.1998, ratificado em 23.02.2001 (passando a vigorar para o Brasil nessa data) e promulgadopelo Decreto nº 3.832, de 01.06.2001. Para a lista de todas as convenções aprovadas pelaConferência, consultar: <www.hcch.net>. Sobre o tema, v. OVERBECK, Alfred E. von. Lacontribution de la Conférence de La Haye au développement du droit international privé. Recueildes Cours, vol. 233 (1992-II), p. 9-98; RODAS, João Grandino & MÔNACO, Gustavo Ferraz deCampos. A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil.Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007; e FRANZINA, Pietro. Conferência da Haia deDireito Internacional Privado: algumas tendências recentes. In: BAPTISTA, Luiz Olavo, RAMINA,Larissa & FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.). Direito internacional contemporâneo. Curitiba:Juruá, 2014, p. 511-529.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 45; e VALLADÃO, Haroldo.Direito internacional privado…, cit., p. 25.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 57.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 448.V. art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (infra).Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 43-44.

31

Page 32: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

1.1

Capítulo II

Noções Preliminares ao Estudo do DireitoInternacional Privado

Conceito de DIPr

O DIPr é a disciplina jurídica – baseada num método e numa técnica de aplicação dodireito – que visa solucionar os conflitos de leis estrangeiras no espaço, ou seja, os fatosem conexão espacial com leis estrangeiras divergentes, autônomas e independentes,buscando seja aplicado o melhor direito ao caso concreto. Trata-se do conjunto deprincípios e regras de direito público destinados a reger os fatos que orbitam ao redor deleis estrangeiras contrárias, bem assim os efeitos jurídicos que uma norma interna podeter para além do domínio do Estado em que foi editada, quer as relações jurídicassubjacentes sejam de direito privado ou público.1 Como se vê, o DIPr é a expressãoexterior do direito interno estatal (civil, comercial, administrativo, tributário, trabalhistaetc.).

Por meio do DIPr, contudo, não se resolve propriamente a questão jurídica sub judice,eis que suas normas são apenas indicativas ou indiretas, ou seja, apenas indicam qualordem jurídica substancial (nacional ou estrangeira) deverá ser aplicada no caso concretopara o fim de resolver a questão principal; as normas do DIPr não irão dizer, v.g., se ocontrato é válido ou inválido, se a pessoa é capaz ou incapaz, se o indivíduo tem ou nãodireito à herança, senão apenas indicarão a ordem jurídica responsável por resolver taisquestões. Em outros termos, por não ser possível submeter a relação jurídica a doisordenamentos estatais distintos, o DIPr “escolhe” qual deles resolverá a questão principalsub judice. Daí se entender ser o DIPr um direito sobre direitos (jus supra jura),2 poisacima das normas jurídicas materiais destinadas à resolução dos conflitos de interessesencontram-se as regras sobre o campo de aplicação dessas normas, ou seja, o próprioDIPr.3

O “elemento estrangeiro”

32

Page 33: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.2

Para que o DIPr possa operar num processo judicial deve aparecer na relação jurídicaum determinado “elemento estrangeiro” (ou “elemento de estraneidade”) conectando aquestão sub judice a mais de uma ordem jurídica.

Não havendo o “elemento estrangeiro” na relação em causa não há que se falar naaplicação das normas do DIPr. Ou seja, não se fazendo presente a conexão espacial comleis estrangeiras contrárias, o problema colocado não pertence ao DIPr, eis que nãoultrapassa as fronteiras de um dado Estado. Deve, assim, o ato ou o fato jurídico estar emcontato com dois ou mais meios sociais onde vigoram normas jurídicas autônomas eindependentes, cada qual regulando à sua maneira o mesmo tema, para que possa operar oDIPr.4

Por exemplo, se dois brasileiros se casam no Brasil e aqui adquirem bens e,posteriormente, pretendem desfazer a sociedade conjugal, nada de estranho há nasituação, ou seja, nenhum “elemento estrangeiro” se apresenta, caso em que as normas deDIPr sequer serão suscitadas para resolver a questão, aplicando-se, para tanto,exclusivamente as leis nacionais.

Se, por outro lado, uma brasileira se casa com um italiano na França, vindo lá aresidir e a adquirir bens e, passados alguns anos, transferem-se para o Brasil, aquifixando domicílio, desejando depois, aqui também, desfazer a sociedade conjugal, umproblema de DIPr passa a se fazer presente, eis que a relação jurídica encontra-seinterconectada com vários “elementos estrangeiros” (nacionalidade dos nubentes;casamento realizado no exterior; aquisição de bens no exterior; primeiro domicílioconjugal no exterior etc.).

Conflitos interestaduais

Destaque-se que os conflitos de leis interestaduais no espaço – v.g., entre leis doEstado de São Paulo e de Mato Grosso – não contêm qualquer elemento estrangeiro ajustificar a aplicação das regras do DIPr, pois não são anormais os fatos suscetíveis deserem apreciados por jurisdições diversas de um mesmo país. Ainda que se tenha, nessecaso, que aplicar princípios semelhantes ao do DIPr para a resolução da questão jurídica,não é propriamente o DIPr que está operando na relação, inexistente o elemento deestraneidade necessário à sua utilização.

Ainda que no México, v.g., exista um Código Civil para cada Província e nos EstadosUnidos os Estados-federados tenham autonomia para legislar sobre vários ramos doDireito, tal como na Suíça relativamente à autonomia legislativa dos Cantões, mesmo

33

Page 34: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.3

assim, como se vê, os conflitos normativos porventura existentes não ultrapassam asfronteiras exteriores do respectivo Estado, razão pela qual tudo há de ser resolvido pelaaplicação interna do Direito interno, nada mais.5

A resolução dos conflitos interestaduais, em suma, não compõe o rol de competênciasdo DIPr, que terá lugar apenas quando presente um determinado elemento estrangeiro narelação jurídica.

Discricionariedade estatal

As regras de DIPr de um Estado são por ele próprio determinadas, salvo se houvertratado em vigor prevendo solução diferente (ainda aqui, porém, o tratado é ratificadopelo Estado segundo a sua própria vontade). Cada Estado, portanto, disciplina a matériacomo lhe aprouver, dependendo a validade interna das leis estrangeiras do seu livrearbítrio.6 Assim, como decorrência da discricionariedade estatal nas escolhas relativas ànorma aplicável, é possível que entenda o Estado não ser conveniente a aplicação da lexfori relativamente a determinado assunto, que deveria ser regido exclusivamente pelanorma estrangeira, ainda que com certas limitações. Veja-se, v.g., o que dispõe o art. 13da LINDB:

A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quantoao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a leibrasileira desconheça.

As opões sobre a norma aplicável a uma relação jurídica sub judice com conexãointernacional decorrem das tradições (costumes) e da vontade política do Estado, segundoos seus interesses particulares,7 muitos dos quais preveem certa superação das limitaçõesimpostas pela exclusiva aplicação da lex fori, a fim de garantir a estabilidade do sistemajurídico.8

Não há, a priori, como estancar a atividade do Estado no desiderato de escolha(segundo os seus costumes e tradições) da regência de determinado assunto pela lex foriou pela lex causae, estando tudo a depender de sua exclusiva discricionariedade. Tambéma ratificação de tratados de Direito Uniforme não escapa à discricionariedade do Estado,que é livre para se engajar ou não em determinado instrumento internacional, segundo asua vontade.9

34

Page 35: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.4

1.5

Missão principal do DIPr

O DIPr esgota a sua missão principal uma vez encontrada a norma substancial(nacional ou estrangeira) indicada a resolver a questão concreta sub judice. Para chegar aesse desiderato, porém, deve o juiz do foro qualificar o instituto jurídico em causa(enquadrando-o nunca categoria jurídica existente, v.g., de direito de família, dasobrigações, das sucessões etc.) e enfrentar eventual questão preliminar, localizando,depois, o elemento de conexão que levará à norma competente para resolver a questãoprincipal.

Não é missão do DIPr regular nem os temas afetos ao direito público material, como,v.g., o relativo à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro, nem os relativos aodireito processual, tais a competência internacional da justiça brasileira, homologação desentenças estrangeiras e concessão de exequatur a cartas rogatórias. Não entendemos(como faz a doutrina francesa) que esses assuntos compõem o universo do DIPr, senãoapenas a indicação da norma competente (nacional ou estrangeira) para resolver aquestão principal sub judice.

A questão da nomenclatura

Destaque-se que apesar de nominado “Direito Internacional Privado”, esse ramo doDireito, em primeiro lugar, não se limita a resolver conflitos propriamente“internacionais”, eis que as normas em conflito apresentadas são normas nacionais dedois ou mais Estados; esse direito é “internacional” apenas porque resolve conflitos denormas (nacionais) no espaço com conexão internacional (ou seja, resolve conflitos“internacionais” de leis internas). Ademais, o termo “internacional” pode sugerir queexistam, no âmbito do DIPr, relações entre Estados soberanos, o que não é verdade, umavez que o DIPr versa quase que exclusivamente interesses de pessoas privadas, sejamfísicas (particulares) ou jurídicas (empresas).10

Em segundo lugar, o assim chamado “Direito Internacional Privado” também nãoversa, atualmente, apenas questões de índole estritamente “privada”, regulandocorrentemente temas que escapam a essa alçada (v.g., assuntos criminais, fiscais,econômicos, tributários, administrativos, processuais etc.).11 Por tais motivos é que sehaveria de preferir a expressão utilizada nos países anglo-saxões: conflitos de leis.12

Assim, seria o DIPr melhor nominado Direito dos Conflitos de Leis no Espaço.13

Seja como for, o certo é que a expressão Direito Internacional Privado é ainda a

35

Page 36: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.6

2.

2.1

mais utilizada em várias partes do mundo, especialmente na Europa Continental e naAmérica Latina. Aqui, portanto, também a seguiremos.

Necessidade de divergência entre normas estrangeirasautônomas e independentes

Para que o problema relativo ao DIPr se coloque, já se fez entender, deve haverdivergência entre normas estrangeiras autônomas e independentes. Se houver paralelismo(conformidade) entre as respectivas normas estranhas o problema do DIPr não se põe,quando então a questão há de ser entendida como puramente nacional.14 Mesmo assim,para que o juiz do foro chegue à conclusão de que as normas nacional e estrangeira sãoparalelas, ou seja, disciplinam de forma idêntica o assunto em pauta, deve buscar, pelasregras do DIPr da lex fori, o conteúdo da norma estrangeira indicada, utilizando-se, comrigor, do método comparativo. Tal significa que mesmo no caso de existir paralelismo(conformidade) entre as normas em causa, é obrigação do juiz bem conhecer (e aplicar)as regras do DIPr da lex fori, especialmente porque a semelhança entre as diversaslegislações poder ser somente aparente. Seria de todo cômodo ao juiz entender, numaanálise rasa do conteúdo da norma estrangeira indicada, haver identificação (similitude)total entre as normas em causa, a fim de aplicar a lei que melhor conhece (a leidoméstica). Daí a cautela e o rigor que deve existir na comparação das normas (nacionale estrangeira) em jogo, para fins de entender uma questão (havendo identificaçãocompleta entre as normas) como puramente nacional.

Objeto e finalidade do DIPr

A doutrina em geral se controverte sobre o que vêm a ser objeto e a finalidade doDIPr. Na nossa visão, o objeto e a finalidade do DIPr encontram-se atualmente bemdelineados, não sendo necessário embrenhar-se em discussões estéreis e de cunho apenashistórico para compreendê-los.15

Objeto do DIPr

O DIPr tem por objeto a resolução de todos os conflitos de leis no espaço (sejam leisprivadas ou públicas) quando presente uma conexão internacional, isto é, uma relação que

36

Page 37: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

coloca em confronto duas ou mais normas jurídicas estrangeiras (civis, penais, fiscais,tributárias, administrativas, trabalhistas, empresariais, processuais etc.) autônomas edivergentes.16 Seu objeto cinge-se, assim, a tais conflitos espaciais de leis.17 Trata-se,portanto, do método ou técnica que visa encontrar a ordem jurídica adequada àapreciação de fatos internacionalmente interconectados, ou seja, em conexão com duas oumais ordens jurídicas, quer relativos ao foro ou ocorridos no estrangeiro.18 Sua razão deser está em encontrar soluções justas entre a diversidade de leis existentes quandopresente um elemento de estraneidade.19

Razão assiste a Amilcar de Castro, para quem o “objeto único do direito internacionalprivado é, pois, esta função auxiliar que desempenha no forum: como o fato anormal podeser apreciado à moda nacional ou à moda estrangeira, indicar in abstractu o direitoaconselhável; ou, por outras palavras: como a ordem jurídica indígena não éespecialmente destinada à apreciação de fatos anormais, pela regra de direitointernacional privado manda observar-se o direito comum, ou direito especial, organizadopor imitação de uso jurídico estranho, visando-se sempre à solução justa e útil aosinteressados”.20 Correta também a opinião de Irineu Strenger, para quem,“verdadeiramente, o objeto do direito internacional privado é o conflito de leis noespaço, excluindo-se todos os demais objetos que as várias doutrinas costumamacrescentar ao primeiro e também todo e qualquer objeto concernente seja à uniformidadelegislativa, à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, bem como a discussão deque o reconhecimento dos direitos adquiridos é o problema das leis no espaço encaradosob outro ponto de vista”.21

Repita-se que atualmente não faz sentido dizer que o DIPr resolve apenas conflitos deleis privadas no espaço, eis que a grande gama de normas estrangeiras hoje conflitantespertence ao direito público.22 Assim, o DIPr é a disciplina que auxiliará o juiz da causa asaber qual norma jurídica (a indigenum ou a extraneum) deve ser efetivamente aplicadano caso sub judice tendente à solução justa e útil, independentemente da natureza (privadaou pública) da norma em questão.

Destaque-se que quando se fala em “conflitos” de leis no espaço, na realidade o quese pretende dizer é que duas normas distintas (uma nacional e outra estrangeira) estão adisciplinar diferentemente uma mesma questão jurídica, não significando que existapropriamente um “conflito” (colisão, choque) entre ambas. Não há conflitoverdadeiramente, senão uma aparência de conflito, eis que cada ordenamento legislaexclusivamente para si; há uma concorrência (concurso) de leis diferentes sobre a mesmaquestão jurídica.23 A expressão “conflitos de leis no espaço”, contudo, tem sido utilizadaindistintamente pela doutrina em todo o mundo, razão pela qual também aqui a

37

Page 38: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.2

mantivemos.

Por derradeiro, cabe dizer que não integram o objeto do DIPr, a nosso sentir, temascomo a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro, os quais, para falar comoOscar Tenório, constituem “apenas pressupostos do direito internacional privado”.24

Independe ser alguém nacional de um Estado ou estrangeiro dentro de um Estado paraque operem as normas do DIPr; pode ter relevância para o deslinde do caso concreto acondição de nacional ou de estrangeiro da pessoa, mas tal condição não compõe o objetomesmo do DIPr, que opera independentemente dela. Ademais, o DIPr não regula (nempoderia) as condições de nacional e de estrangeiro, matérias afetas ao Direito públicointerno e ao Direito Internacional Público. O mesmo se dá com os “conflitos dejurisdição”, colocados por muitos na órbita do objeto do DIPr, e que, para nós, éimanente aos conflitos de leis no espaço.25 Por derradeiro, ficam também excluídos doobjeto do DIPr assuntos como a execução de sentenças estrangeiras e a competênciageral, temas que apenas complementam o estudo do DIPr.26

Finalidade do DIPr

O DIPr tem por finalidade, em princípio, indicar ao juiz nacional a norma substancial(nacional ou estrangeira) a ser aplicada ao caso concreto, porém, sem resolver a questãojurídica posta perante a Justiça do foro. Quando se vai a um aeroporto ou a uma estaçãoferroviária vê-se um painel que indica os voos ou os trens que partem ao destinodesejado; a indicação é o que realiza, em suma, o DIPr, e o destino é a lei (nacional ouestrangeira) que resolverá a questão sub judice com conexão internacional. Por tal motivoé que as normas do DIPr são chamadas de indicativas ou indiretas (v. Cap. IV, item 1,infra). Assim, a norma do DIPr não dirá se a criança residente no exterior tem ou nãodireito a alimentos, se a obrigação contraída em país estrangeiro segue ou não válida,quais bens localizados em Estado terceiro ficarão para cada herdeiro etc. A norma doDIPr apenas indicará a norma substancial (nacional ou estrangeira) competente pararesolver todos esses problemas.

Destaque-se que a indicação da norma competente e a possibilidade de aplicação dodireito estrangeiro perante a ordem jurídica do foro – sem que contra essa aplicaçãoargumentos de índole prepotente, como o da soberania exclusiva da lex fori, tenhamrepercussão – vem demonstrar a nobreza da dimensão atual do DIPr, que se preocupamais com a aplicação do direito que maior contato ou ligação tem com a questão subjudice, que propriamente em encontrar soluções fundamentadas exclusivamente na ordem

38

Page 39: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

doméstica. Como leciona Jacob Dolinger, a compreensão “de que em determinadascircunstâncias faz-se mister aplicar lei emanada de outra soberania, porque assim sepoderá fazer melhor justiça, e o reconhecimento de que em nada ofendemos nossasoberania, nosso sistema jurídico, pela aplicação de norma legal de outro sistema, estatolerância, esta largueza de visão jurídica, dos objetivos da lei – em sentido lato –refletem a grandeza de nossa disciplina, a importância de sua mensagem filosófica”.27

Uma finalidade contemporânea do DIPr, porém, vai mais além que a mera indicaçãoda norma nacional ou estrangeira aplicável a um caso sub judice, visando, sobretudo,proteger a pessoa humana. Daí a intrínseca relação do DIPr com as normas (nacionais einternacionais) de proteção dos direitos fundamentais e humanos (v. Cap. I, item 1.3,supra). Ainda que o DIPr continue a ter por objeto a resolução dos conflitos de normasestrangeiras no espaço, o certo é que a sua finalidade contemporânea encontra-seampliada, a fim de também proteger a pessoa humana, dando-lhe uma resposta justa eharmônica no que tange à questão concreta sub judice. Tal se deve ao fato de ter oindivíduo, a seu favor, uma enorme gama de tratados internacionais protetivos, tanto noplano global como em contextos regionais.28 Essa finalidade contemporânea do DIPrflexibiliza a rigidez do método clássico conflitual, para o fim de encontrar soluçõessempre mais justas e em prol dos direitos das pessoas (v. Cap. VII, item 2, infra). E,havendo colisão dos valores protegidos pelos tratados de direitos humanos ou pelasnormas de Direito Uniforme com a solução obtida pela aplicação da norma conflitual dalex fori, aqueles deverão prevalecer sobre esta.29 Tal demonstra nitidamente que afinalidade do DIPr na pós-modernidade retira o seu fundamento de validade não dasregras conflituais da lex fori, mas do Direito Internacional Público.

Destaque-se, por fim, que quando se fala em “leis estrangeiras”, ou “normasestrangeiras” ou “direito estrangeiro”, se está querendo dizer – para os efeitos deste livro– a mesma coisa: tudo quanto consta da coleção de normas e regras estrangeiras, quersejam normas constitucionais, leis (em suas diferentes espécies), decretos,regulamentos, costume interno etc. Assim, as expressões “leis estrangeira”, “normasestrangeiras” e “direito estrangeiro” devem ser entendidas em sentido amplo, abrangendotodas essas espécies de normas jurídicas que se acaba de citar. Não se incluem, porém, naexpressão, as próprias normas de DIPr estrangeiras, conforme estabelece o art. 16 daLINDB: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a leiestrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissãopor ela feita a outra lei”. Nos países que adotam, como direito aplicável, para além dodireito substantivo ou material, também as normas de DIPr estrangeira, nasce o problemado reenvio (v. Cap. IV, item 2.2, infra).

39

Page 40: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

3.1

Posição do DIPr nas ciências jurídicas

Questão controvertida e sempre debatida na doutrina diz respeito à exata posição doDIPr nas ciências jurídicas. Discute-se se o DIPr tem natureza interna ou internacional, ese o seu conteúdo versa matéria afeta ao direito privado ou ao direito público.30

Necessário, portanto, responder a tais indagações e compreender em que âmbito seencontra o DIPr no universo jurídico.

O DIPr é direito interno ou internacional?

Pergunta correntemente realizada diz respeito a ser o DIPr direito interno ou direitointernacional. Já se disse que apesar de nominado “Direito Internacional Privado”, esseramo do Direito não resolve conflitos propriamente “internacionais”, eis que as normasem conflito apresentadas são normas nacionais de dois ou mais Estados. Tal não significaque a sua regência não possa dar-se por normas de índole internacional, das quais éexemplo a Convenção de Direito Internacional Privado, conhecida como “CódigoBustamante”, adotada pela Sexta Conferência Internacional Americana, reunida emHavana, e assinada em 20 de fevereiro de 1928.31

Não obstante a maioria dos autores entender ser o DIPr um ramo especializado dodireito interno (do direito público interno) destinado a reger os conflitos de leis noespaço com conexão internacional, com base no fato de que seriam as normas domésticasdos Estados as responsáveis por solucionar tais conflitos normativos,32 estamos, porém,de acordo com Haroldo Valladão, que entende não ter significado indagar se o DIPr éinternacional ou interno, eis que regido por normas internacionais e internas, e, em casode conflito, as primeiras prevalecendo sobre as segundas.33

De fato, hoje em dia, o direito internacional e o direito interno têm estabelecidoprofícuo diálogo para a resolução de problemas que envolvem os diversos ramos dasCiências Jurídicas, não sendo diferente com o DIPr, para o qual convergem várias normas(internas ou internacionais) tendentes à resolução de seus problemas. No Brasil, desde adécada de trinta se tem verificado essa interpenetração entre as fontes internas einternacionais para a regência do DIPr, notadamente a partir do momento em que o país,então único a adotar a nacionalidade como regra de conexão para a determinação da leiaplicável ao estatuto pessoal, ratificou o Código Bustamante, que estabelecia para tanto ocritério do domicílio, dando causa à posterior alteração da legislação brasileira sobre otema, que passou a adotar também esse último critério.34

40

Page 41: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

4.

Interessante notar que mesmo os autores que defendem ser o DIPr um direito interno,concordam em ser os tratados internacionais fonte dessa disciplina jurídica. Ainda que separta da premissa que o tratado ratificado integra a ordem jurídica nacional, podendo,portanto, fundamentá-la, restaria, porém, a questão de explicar como o costumeinternacional (que não se “internaliza” como os tratados) vale também fonte formal deum direito “interno” como o DIPr.

O DIPr versa matéria afeta ao direito privado ou ao direitopúblico?

Ainda segundo Valladão, não faz sentido indagar se o DIPr pertence ao direitoprivado ou ao direito público, eis que em todos os ramos das ciências jurídicasencontram-se normas de uma ou outra espécie; as imperativas em quantidade superior nosantigos setores do direito público, as supletivas em maior número nos clássicos ramos dedireito privado, havendo, pois, um DIPr de natureza pública, de normas cogentes, e umDIPr de caráter privado, de normas supletivas, omissivas, dependentes de autonomiaindividual.35 Também Niboyet compartilha do entendimento de que todos os conflitos deDIPr têm por objeto tanto direitos de caráter privado como público, não se limitando àsrelações estritamente privadas, compreendendo, assim, também os conflitos de normasadministrativas, penais, fiscais etc.36

Como se nota, o DIPr não se enquadra rigidamente em nenhuma das categorias acimareferidas; não é totalmente interno ou internacional, privado ou público. À questão sobreem que posição se encontra o DIPr nas Ciências Jurídicas, se é interno ou internacional,privado ou público, a melhor resposta, com base na lição de Haroldo Valladão, é nosentido de ser o DIPr regido por normas internas (v.g., o art. 165 da Constituição de1946, art. 150, § 33, da Constituição de 1967, art. 5º, XXXI, da Constituição de 1988; ostextos da LINDB) e internacionais (v.g., o Código Bustamante de 1928); de naturezapública (v.g., o art. 7º, caput, da LINDB) e de caráter privado (v.g., o art. 13, caput, daIntrodução ao Código Civil de 1916).37 Trata-se de direito híbrido e sui generis pornatureza.

Conflitos de leis estrangeiras no espaço

A multiplicação das relações humanas ao redor do planeta, decorrente das facilidadesdos transportes e das comunicações, em especial, atualmente, dos transportes terrestre,

41

Page 42: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

marítimo e aéreo, bem assim das comunicações em meio digital e do comércio eletrônico,tem feito com que pessoas de origens, nacionalidades e culturas em tudo distintasconstantemente realizem atos ou negócios jurídicos para os quais há duas ou mais ordensjurídicas potencialmente aplicáveis, fazendo surgir o problema dos conflitos de leisestrangeiras no espaço. É certo que os conflitos normativos também podem surgir dentrode uma mesma ordem jurídica, como, v.g., entre duas leis de regiões ou províncias de ummesmo Estado. Tal problema, contudo, foge ao objeto de estudo do DIPr, que se destina aresolver os conflitos de leis estrangeiras no espaço (v. item 1.2, supra).

Os deslocamentos humanos pelo mundo, as viagens, os intercâmbios, as migrações e ocomércio têm sido fatores constantes desses conflitos de leis autônomas e independentesde Estados distintos, para cuja resolução atribuiu-se, como já se disse, competência aoDIPr.38 Tais leis em conflito, também já se falou, não são apenas, atualmente, aquelas dedireito privado, senão também as de direito público, tais as normas fiscais, tributárias,administrativas e processuais.

O juiz nacional, portanto, diante de um caso concreto com conexão internacional,necessita saber qual norma – se a nacional ou a estrangeira – deve ser aplicada ao casoconcreto sub judice. Como a uniformização de toda a legislação do mundo, de todos ospaíses, seja talvez impossível de se concretizar na prática, restou para o DIPr disciplinaras relações normativas no espaço com conexão internacional, permitindo ao julgadoraplicar corretamente a norma competente para a resolução da questão principal.

Uma vez conhecida, pelas regras do DIPr, qual das normas há de ser aplicada ao casosub judice, se a nacional ou a estrangeira, será em uma destas que o tema de méritoencontrará solução. Em outras palavras, o DIPr não busca resolver a questão jurídicaprincipal posta em discussão no Poder Judiciário, se não apenas indicar a normasubstancial (nacional ou estrangeira) em que a solução para o problema concreto seencontra. Daí as normas do DIPr serem indicativas ou indiretas, eis que apenas“localizam” espacialmente qual das normas, se a nacional ou a estrangeira, há de seraplicada no caso concreto para resolver a questão jurídica posta perante o juiz (v. Cap.IV, item 1, infra).

Como explica Haroldo Valladão, o DIPr leva em conta “as várias leis que incidiramna relação interespacial e, coordenando-as, harmonizando-as, procura escolher, comjustiça e equidade, qual delas deverá regular, no todo ou em parte, os fatos, atos e efeitos,iniciados, em curso, findos, ou a praticar, na circulação humana através dos vários gruposjurídicos do mundo”.39 Assim, sua missão consiste em localizar perante qual norma(nacional ou estrangeira) a questão sub judice encontra o seu verdadeiro “centro degravidade” ou “ponto de atração”, para, somente assim, resolver com harmonia e justiça o

42

Page 43: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

5.

5.1

caso concreto.40

DIPr brasileiro

Não sendo o DIPr direito verdadeiramente “internacional”, eis que o conflito denormas existente dá-se entre normas nacionais de dois ou mais Estados, incumbe a cadaordenamento interno regular, à sua maneira, como tais conflitos hão de ser resolvidos.Assim, cada jurisdição estrangeira organiza como lhe aprouver o seu próprio sistema deDIPr, para auxiliar o juiz nacional a resolver os conflitos de leis no espaço com conexãointernacional. Dessa maneira, os Estados estrangeiros, da mesma forma que estabelecemsuas regras destinadas a reger os fatos exclusivamente internos, também soberanamenteestabelecem aquelas responsáveis por deslindar as questões internacionalmenteinterconectadas que se apresentam perante a sua jurisdição.41 Para tanto, os Estadospodem criar leis ou ratificar tratados de DIPr, os quais passarão a compor o acervo denormas aplicáveis no Estado.

Assim, o conjunto de regras em vigor no Brasil voltadas à resolução dos conflitos deleis no espaço com conexão internacional forma o que se nomina Direito InternacionalPrivado Brasileiro.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB

A maioria das normas (não todas) do DIPr brasileiro encontra-se na Lei de Introduçãoàs Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de1942, com redação dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010). A LINDB temaplicação, como o próprio nome indica, a todas as normas do direito brasileiro,orientação seguida mesmo à égide da denominação anterior (LICC – Lei de Introdução doCódigo Civil). É nela que se encontra o núcleo básico do sistema brasileiro de aplicaçãodas leis estrangeiras (arts. 7º a 19).

Por meio das normas elencadas na LINDB será possível a aplicação do direitoestrangeiro (quando esse for o indicado) perante a Justiça brasileira. Tal excepciona aregra de que apenas as leis nacionais devem ser aplicadas no Brasil, pois, como se vê,poderá uma norma estrangeira ser aqui igualmente aplicada e surtir todos os seus efeitos,salvo se violar a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. Nos países,porém, que adotam a territorialidade estrita, o problema do DIPr não surge (esse não é ocaso do Brasil, como se viu). De fato, se um determinado país não autoriza, por qualquer

43

Page 44: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

5.2

modo, a aplicação de uma lei estrangeira perante o seu foro, os problemas de DIPr nãoaparecerão, e, surgindo um conflito, será a lex fori a única responsável para a suaresolução.42

A LINDB tem sofrido a crítica de não resolver todos os problemas de DIPr que ostempos atuais propõem, o que requer do jurista a pesquisa cada vez mais constante desuas fontes convencionais, costumeiras e jurisprudenciais (as quais também integram, porassim dizer, o DIPr brasileiro). Também se tem observado que a LINDB não acompanhoua evolução legislativa de outros países em matéria de DIPr, bem como as tendências derenovação da matéria impulsionadas, no plano exterior, por trabalhos como os daConferência da Haia sobre Direito Internacional Privado, da Uncitral, do Unidroit, daComissão Jurídica Interamericana e da OEA.43

Destaque-se que para o fim de substituir a atual LINDB foi elaborado o Projeto de Leinº 269 do Senado,44 apresentado em 2004 pelo Senador Pedro Simon, que aguarda (até opresente momento) aprovação pelo Congresso Nacional. O Projeto visa criar uma maismoderna legislação sobre DIPr no país, sob o título “Lei Geral de Aplicação das NormasJurídicas”, conciliando as normas de DIPr brasileiras às conquistas da jurisprudência eda doutrina contemporâneas, bem assim das convenções internacionais uniformizadoras,tal como se verifica da justificativa apresentada pela comissão de redação:“Relativamente às regras do direito internacional privado contidas na LICC [LINDB], oprojeto somente as altera quando necessário para atender às conquistas da jurisprudênciae da doutrina, bem como para conciliar o direito internacional privado brasileiro com odireito internacional privado uniformizado, criado por tratados e convenções”.45 Dada asua importância, remissões comparativas serão feitas a esse Projeto no decorrer dopresente livro.

Estatuto pessoal no DIPr brasileiro

Denomina-se estatuto pessoal a garantia dada aos estrangeiros de que as leis do seupaís de origem serão aplicadas perante a ordem jurídica de outro relativamente ao estadoda pessoa e sua capacidade; de que as leis do seu país o acompanham para regê-lo em talâmbito no território de outro.46 Ele abrange, como explica Jacob Dolinger, todos osacontecimentos juridicamente relevantes que marcam a vida de uma pessoa, começandopelo nascimento e aquisição da personalidade, questões atinentes à filiação, ao nome, aorelacionamento com os pais, ao pátrio poder, ao casamento, aos deveres conjugais, àseparação, ao divórcio e à morte.47

44

Page 45: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

O estatuto pessoal, na legislação dos diversos países, tem se baseado ou na lei denacionalidade da pessoa (critério político) ou na de seu domicílio (critério político-geográfico).48 Essa escolha, evidentemente, varia conforme as opções político-legislativas tomadas por cada Estado. Assim, enquanto os principais países europeus(v.g., Alemanha, Áustria, Bélgica, França e Itália) têm optado pelo critério danacionalidade como determinador do estatuto pessoal, os países da common law (v.g.,Austrália, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra) e os latinos (v.g., Argentina e Brasil) têmadotado para tal o critério do domicílio.49

No DIPr brasileiro atual é o critério do domicílio que determina a lei que deve regero estatuto pessoal, tendo sido abandonado o critério da nacionalidade antes utilizado,notadamente por ser este último tido “como prejudicial ao próprio interessado, pois que,ante o desconhecimento de sua lei pelas autoridades judiciais do país onde vive, acabarásendo atendido pelos tribunais de forma mais lenta, em um processo mais custoso, sendo-lhe estendida menos justiça do que se a causa fosse julgada pela lei do local onde vive”.50

A norma brasileira atual sobre a lei aplicável ao estatuto pessoal vem expressa no art.7º, caput, da LINDB, nos seguintes termos:

A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Também o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, seguiu essa linha no seu art. 8º.Diferentemente da LINDB, porém, o Projeto esclarece, no art. 8º, in fine, que “ante ainexistência de domicílio ou na impossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão,sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual”. Assim, ficouclaro que os critérios da residência habitual e da residência atual podem sersubsidiariamente utilizados para reger o estatuto pessoal na falta de domicílio ou naimpossibilidade de sua localização. O parágrafo único do mesmo art. 8º, por sua vez,disciplinou o estatuto pessoal das crianças, adolescentes e incapazes, dispondo que oestatuto pessoal destes será regido “pela lei do domicílio de seus pais ou responsáveis”,acrescentando que “tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei queresulte no melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz”. Consagrou-se,nessa parte final, como se nota, o princípio já estabelecido a partir da Convenção dasNações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989,51 e aceito pela generalidade dadoutrina contemporânea, relativo ao “melhor interesse da criança” (best interests of thechild).52

45

Page 46: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

__________Cf. FOELIX, M. Traité du droit international privé ou du conflit des lois de différentes nationsen matière de droit privé, t. 1, cit., p. 1-3; SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t.8, cit., p. 5-8; FIORE, Pasquale. Diritto internazionale privato. Firenze: Le Monnier, 1869, p. 1-7;TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 11; e VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado…, cit., p. 4; e STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 71.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 51; ARAUJO, Nadia de. Direitointernacional privado…, cit., p. 31; DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20; e TELLES JUNIOR,Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 239.Entende Jacob Dolinger que “a melhor proposta é a de Arminjon que sugeriu ‘DireitoIntersistemático’, pois abrange todos os tipos de situações conflitantes: conflitos interespaciais,tanto os internacionais como os internos, e conflitos interpessoais, inclusive os problemas denatureza jurisdicional, eis que cobre todas as situações em que se defrontam dois sistemas jurídicoscom referência a uma relação de direito” (Direito internacional privado…, cit., p. 8).V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 25.Cf. COACCIOLI, Antonio. Manuale di diritto internazionale privato e processuale, vol. 1 (partegenerale). Milano: Giuffrè, 2011, p. 2; e VALLADÃO, Haroldo. Definição, objeto e denominaçãodo direito internacional privado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira(Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 151-153(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Cf. FIORE, Pasquale. Diritto internazionale privato, cit., p. 6-7; CASTRO, Amilcar de. Direitointernacional privado, cit., p. 36-45; COLLIER, J. G. Conflict of laws. 3. ed. Cambridge:Cambridge University Press, 2001, p. 3; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacionalprivado…, cit., p. 10; e MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direitointernacional privado, cit., p. 331. Em sentido contrário, v. STRENGER, Irineu. Direitointernacional privado, cit., p. 55 (“…nenhum argumento profundo pode levar à convicção de queconflitos de leis de direito privado interno e internacional se diferenciam. Então, ambos pertencemao direito internacional privado”); e BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2011, p. 11 (“Os problemas de direito internacional privado sãooriginados da ‘diversidade territorial dos sistemas jurídicos’. Onde quer que exista essa diversidade,os casos contendo elemento estrangeiro podem ser verificados, independentemente das possíveisorganizações federativas dos Estados. Assim, haverá questões envolvendo ‘conflito de leis noespaço’ ou de direito internacional privado entre ordenamentos estatais, estaduais, cantonais,provinciais e locais”).Cf. PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação de seusprincípios com referência às leis particulares do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de J.Villeneuve, 1863, p. 17-18; e MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé.Recueil des Cours, vol. 105 (1962), p. 383-384.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 336; e BATALHA, Wilsonde Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacionalprivado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 38.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 58-59.Sobre a discricionariedade na ratificação de tratados, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito

46

Page 47: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 151-153.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 7.Cf. DOLINGER, Jacob. Idem, p. 3; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado,cit., p. 19. Para severas críticas aos que consideram o DIPr como apenas regulador das relaçõesprivadas, v. ainda CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 87-89.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 9.Nesse sentido, v. ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitos interespaciais.Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 14: “Usamos indistintamente as expressões direito internacionalprivado e direito dos conflitos interespaciais, não obstante esta última se nos afigure a maisajustada à disciplina jurídica que objetiva fixar a norma aplicativa a uma relação jurídica quandoentrar em divergência sistemas jurídicos coetâneos de dois ou mais Estados, razão pela qualintitulamos o presente trabalho de direito dos conflitos interespaciais”. Ainda para críticas àexpressão “direito internacional privado”, v. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado,cit., p. 100-103.Assim, VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 21: “Se a lei estranha,autônoma, for acorde, no assunto, com a lei própria do observador, do foro, a quesão de DIPr não selevanta, o problema é puramente nacional, estadual, regional etc.”.Para um inventário da posição da doutrina brasileira relativa ao tema, v. MARQUES, Claudia Lima.Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado, cit., p. 339-343.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 13-14; e VALLADÃO, Haroldo.Direito internacional privado…, cit., p. 42.V. PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação de seus princípioscom referência às leis particulares do Brasil, cit., p. 12; e PARRA-ARANGUREN, Gonzalo.General course of private international law: selected problems. Recueil des Cours, vol. 210 (1988-III), p. 36. Assim também, BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, SílviaMarina L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 16, acrescentando, porém, o conflito de jurisdições: “Entretanto, rigorosamente o DireitoInternacional Privado cinge-se ao tema do conflito de leis de Direito privado, das leis processuais,tributárias, penais, bem como ao conflito de jurisdições (…)”.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 1; CASTRO, Amilcar de.Direito internacional privado, cit., p. 49-50; e FOCARELLI, Carlo. Lezioni di dirittointernazionale privato. Perugia: Morlacchi, 2006, p. 2. Sobre a característica de método outécnica do DIPr, assim leciona Maristela Basso: “Parece que modernamente o direito internacionalprivado tenha alcançado o status de técnica. (…) As normas jusprivatistas internacionais conduzemo jurista à técnica de determinação da aplicação da lei nacional ou estrangeira aos casos comelementos estrangeiros, a partir de um método (ou técnica) especial destinado a satisfazer umconceito de justiça própria e concreta” (Curso de direito internacional privado, cit., p. 13-14).Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 39.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 75.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 51.V. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 9; e TENÓRIO, Oscar. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 13, assim: “A própria denominação da disciplina assinala osseus limites. Entretanto, os novos rumos do direito e as questões a respeito da divisão do direito empúblico e privado, repercutem no exame do objeto do direito internacional privado, a ponto de

47

Page 48: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

23

24

25

26

27

28

29

30

perder tal direito sua pureza privatística. As leis penais, o direito administrativo, a legislação dotrabalho, o direito judiciário civil, as leis fiscais e do ensino, ramos da frondosa árvore do direitopúblico, comportam conflitos entre leis e países diferentes e, assim, reclamam soluções adequadasque se inspiram na teoria do direito internacional privado”.Cf. LEVONTIN, Avigdor. Choice of law and conflict of laws. Leiden: Sijthoff, 1976, p. 2;DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 5; BASSO, Maristela. Curso dedireito internacional privado, cit., p. 16-18; e DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direitointernacional privado. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 2-3.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 14. Também no sentido de nãopertencerem a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro ao objeto do DIPr, v. CASTRO,Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 59-66; BATALHA, Wilson de Souza Campos &RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado naOrganização dos Estados Americanos, cit., p. 16; RECHSTEINER, Beat Walter. Direitointernacional privado…, cit., p. 27 e 34; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…,cit., p. 30; e STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 43-45. Esse últimointernacionalista, a propósito, assim leciona: “Parece-nos que a razão está com Amilcar de Castro,quando acentua que ‘a nacionalidade e o domicílio são relevantes circunstâncias de conexão tomadasem consideração pelo direito internacional privado, mas decididamente não fazem parte do objetodesta disciplina, que não regula nem a aquisição, nem a perda, nem a mudança de uma ou outra’. (…)A condição jurídica do estrangeiro entra nas cogitações do direito internacional privado, mas nãoconstitui seu objeto. A condição jurídica do estrangeiro visa à solução de um problema, e o direitointernacional privado, de outro” (Op. cit., p. 43-44). Em sentido contrário, alocando a nacionalidadee a condição jurídica do estrangeiro no âmbito do objeto do DIPr, v. a doutrina francesa deNIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 11.Nesse exato sentido, v. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 6: “Aesse objeto, ou seja, conflitos de leis no espaço, Bartin, famoso internacionalista francês,acrescentou o conflito de jurisdição. Contudo, essa sua tese não logrou o menor êxito, posto que ascontrovérsias sobre jurisdição já fazem parte dos mesmos conflitos, pois uma coisa envolve outra”.V. ainda, a precisa lição de Amilcar de Castro: “Vários autores, inadvertidamente, atribuem aodireito internacional privado a função de resolver conflitos de jurisdição, totalmente deslembradosde que, na hora atual, não podem haver conflitos de jurisdição na ordem internacional. É certo que, arespeito de competência geral, o direito processual internacional de um Estado pode dispor de ummodo, enquanto o de outro disponha em sentido contrário, mas nem essas divergências importamconflito de jurisdição, nem é função do direito internacional privado remediar os inconvenientesdelas resultantes” (Direito internacional privado, cit., p. 57).Nesse exato sentido, v. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 50.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 269.A propósito, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p.881-1021; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos, cit., p. 49-152.V. assim, ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 40.V. VALLADÃO, Haroldo. Posição do direito internacional privado frente às divisões: internacional-interno e público-privado (primado da ordem jurídica superior). In: BAPTISTA, Luiz Olavo &MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo:Ed. RT, 2012, p. 133-146 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

48

Page 49: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

31

32

33

34

35

36

37

38

39

40

41

42

43

44

Ratificada pelo Brasil em 03.08.1929, e promulgada pelo Decreto nº 18.871, de 13.08.1929.Assim, v. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 81 (“…e se o efeitointernacional da apreciação depende do direito do forum, e não dos direitos das jurisdiçõesestranhas, mais uma vez fica evidente que o direito internacional privado é parte integrante da ordemjurídica nacional”); ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitos interespaciais,cit., p. 8 (“…conjunto de regras de direito interno que objetiva solucionar os conflitos de leisordinárias de Estados diversos…”); ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 29(“Não é internacional, nem privado, pois é ramo do direito público interno”); STRENGER, Irineu.Direito internacional privado, cit., p. 98 (“Já demonstramos que, no estado atual da ciênciajurídica, o direito internacional privado é direito interno, é direito nacional de cada país”);MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado, cit., p. 319(“…ramo especializado do direito interno, existente hoje no ordenamento jurídico dos países domundo…”); e DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 2(“…visualizamos o Direito Internacional Privado como o conjunto de normas de direito públicointerno que busca, por meio dos elementos de conexão, encontrar o direito aplicável…”).VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 57. No mesmo sentido está a liçãode Oscar Tenório, que, com cautela, diz: “O direito internacional privado é, em grande parte, ramodo direito interno” [grifo nosso]; assim, reconhece haver normas internas e internacionais a reger adisciplina (cf. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 19-20).Cf. FIORATI, Jete Jane. Inovações no direito internacional privado brasileiro presentes no Projetode Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 244(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 58. Nesse sentido, v. tambémARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitos interespaciais, cit., p. 13: “Oschoques de leis de que trata o direito internacional privado, a despeito de desacordos doutrinários,abarcam todas as relações jurídicas – publicas e privadas – dado que todas alcançam os indivíduosque residem e exercitam suas atividades fora de seus respectivos Estados…”).NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 61.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 59.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 1-9.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 24. Cf. ainda, WASSMUNDT,Fritz. Divergências de leis e sua harmonização: solução proposta a alguns problemas jurídicospresos ao direito internacional privado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 63-85(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Cf. LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privé contemporain…, cit.,p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in the field ofcontracts and torts, cit., p. 187-512.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 78.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 51.Para tais críticas, v. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 45-46.O Projeto é de autoria dos professores João Grandino Rodas, Jacob Dolinger, Rubens LimongiFrança e Inocêncio Mártires Coelho.

49

Page 50: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

45

46

47

48

49

50

51

52

O texto integral do Projeto (e sua justificativa) encontra-se anexado ao final deste volume.Cf. FOELIX, M. Traité du droit international privé ou du conflit des lois de différentes nationsen matière de droit privé, t. 1, cit., p. 29-30; e PIMENTA BUENO, José Antônio. Direitointernacional privado e aplicação de seus princípios com referência às leis particulares doBrasil, cit., p. 13-14.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 294.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 476-477; DINIZ, Maria Helena. Leide Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 213; e VALLADÃO, Haroldo. Leinacional e lei do domicílio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.).Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 123-132 (ColeçãoDoutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Sobre o critério do domicílio nos países da common law, v. STORY, Joseph. Commentaries on theconflict of laws…, cit., p. 39-49. Para as razões que têm levado os Estados a optar por um ou outrocritério, v. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 150-151; e DOLINGER,Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 296-298. A França, v.g., que no seu direito anterioradotava o critério do domicílio, passou posteriormente a adotar o da nacionalidade para a regênciado estatuto pessoal: cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 429-430.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 299.Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14.09.1980, ratificada em 24.09.1980, epromulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21.11.1990, tendo entrado em vigor internacional em02.09.1990 (e, para o Brasil, em 23.10.1009, na forma do seu art. 49, § 2º).V. art. 3º, § 1º, da Convenção, verbis: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito porinstituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ouórgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.

50

Page 51: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

Capítulo III

Fontes do Direito Internacional Privado

Introdução

As fontes de um determinado ramo jurídico podem ser materiais ou formais. Aquelassão fontes de produção (elaboração) de certa norma jurídica, decorrendo, v.g., denecessidades sociais, econômicas, políticas, morais, culturais ou religiosas; as segundassão os métodos ou processos de criação de uma norma jurídica, ou seja, as diversastécnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao universo jurídico.

Interessa a este livro o estudo das fontes formais do DIPr, em especial do DIPrbrasileiro, as quais não se distinguem, em geral, daquelas conhecidas nos diversos outrosramos do direito (civil, penal, empresarial, administrativo, trabalhista, processual etc.).

Podem as fontes do DIPr ser internas (nacionais, brasileiras) ou internacionais,variando, em maior ou menor medida, em relação ao assunto de que se trata; tanto asfontes internas como as internacionais podem, por sua vez, ser escritas (leis, tratadosetc.) ou não escritas (como os costumes). Alguns temas de DIPr são mais incisivamenteversados por fontes internas (leis, decretos, regulamentos, costumes internos etc.); outros,mais por fontes internacionais (tratados, costumes internacionais etc.); alguns deles sãoversados, indistintamente, tanto por fontes internas como internacionais.

Como se nota, o sistema das fontes contemporâneas do DIPr é um sistema misto, eisque os Estados têm suas leis internas, seus regulamentos e seus costumes domésticos,mas também são partes em grande número de tratados internacionais, tanto multilateraiscomo bilaterais, relativos à matéria (para além de se subordinarem aos costumesinternacionais sobre DIPr).1 Tal está a demonstrar que o DIPr contemporâneo é umdireito verdadeiramente plúrimo (ou plurifontes) em termos de fundamentação, não seencontrando regido, rigidamente, quer por uma ou por outra categoria de fontes, senão portodas elas simultaneamente. Os benefícios advindos dessa constatação são nítidos para aspartes em uma questão de DIPr sub judice, notadamente em razão das múltiplasalternativas e possibilidades que passa a ter o Poder Judiciário para resolver as questõesjurídicas apresentadas.2

51

Page 52: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.

2.1

Fontes internas

São fontes internas do DIPr aquelas provindas de uma dada ordem estatal. Taisfontes, historicamente, têm sido as mais importantes dessa disciplina na maioria dospaíses. Tanto a Constituição, como as leis e os costumes nacionais estabelecem, cada qualao seu modo, regras aplicáveis aos conflitos de leis no espaço com conexão internacional,merecendo devida análise.

Pelo fato de as normas internas regularem, com maior ênfase, os conflitos de leis noespaço com conexão internacional, é que a generalidade da doutrina atribui ao DIPr acaracterística de ramo do direito público interno do Estado.3

Constituição e leis

As normas escritas de Direito interno – especialmente a Constituição e as leis – sãoas fontes mais importantes do DIPr em vários países. No Brasil, a quase totalidade dasnormas conflituais de DIPr encontra-se na lei; no texto constitucional encontram-sepouquíssimas regras sobre conflitos de leis. Apesar, porém, da escassez das normas deDIPr na Constituição Federal, pode ser citada a regra prevista no art. 5º, XXXI, que,acolhendo o prélèvement,4 dispôs que “a sucessão de bens de estrangeiros situados noPaís será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros,sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus”.

A lei é, sem dúvida, a fonte mais constante do DIPr em todos os países. É por meiodela – da lex fori – que prioritariamente se estabelecem as regras conflituais a seremseguidas pelo juiz do foro quando presente um conflito de leis no espaço com conexãointernacional. A Constituição Federal americana, no Artigo IV, Seção 1, dispõeexpressamente que “toda a fé e crédito devem ser dados, em cada Estado, aos atos,arquivos e peças judiciárias públicas de todos os outros Estados”, complementando que“o Congresso pode, por leis gerais, prescrever a maneira pela qual tais atos, arquivos epeças devem ser estabelecidos, assim como os seus efeitos decorrentes”. Ainda que adisposição tenha relevo para os conflitos interestaduais no âmbito da federaçãoestadunidense, o que dali sempre se extraiu é a importância das leis como fonte do DIPrnaquele país, mesmo que, na prática, a maioria dos conflitos interespaciais norte-americanos encontre solução na Federal Common Law.

Ainda que existam tratados internacionais a regular os conflitos de leis no espaço,bem assim costumes (internos e internacionais) a tratar da mesma matéria, o certo é que

52

Page 53: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

as leis internas continuam disciplinando com maior abrangência essa temática em váriospaíses. De fato, é facilmente perceptível que as normas internacionais e costumeiras queregulam o DIPr são em número bastante reduzido, quando comparadas com as leisinternas que tratam do mesmo assunto. Daí a importância que têm as normas internas parao DIPr, especialmente a Constituição e as leis.

A fonte interna mais importante para o DIPr brasileiro é a Lei de Introdução àsNormas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942,com redação dada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010), que disciplina oassunto nos arts. 7º a 19. A LINDB, porém, como já se disse, tem sido criticada por nãoter acompanhado a evolução do DIPr no mundo contemporâneo, razão pela qual deixa deregular inúmeras questões que a atualidade coloca.5 Há, porém, inúmeras outras normasde DIPr esparsas na legislação brasileira. Assim, v.g., no Código de Processo Civilencontram-se normas relativas à competência internacional, à prova do direito estrangeiroe à homologação de sentenças estrangeiras.

Destaque-se, porém, que as leis que disciplinam o DIPr nacional, por serem leis,estão subordinadas, como não poderia deixar de ser, às normas (regras ou princípios deproteção) da Constituição Federal e de seu bloco de constitucionalidade em geral (bemassim dos tratados internacionais em vigor no Estado – v. item 3.1, infra).6 As leis deDIPr são leis ordinárias como quaisquer outras, devendo respeito ao Texto Maior, sobpena de não recepção (se anteriores à Constituição) ou de inconstitucionalidade (seposteriores à Constituição). O controle de constitucionalidade se exerce, portanto,também sobre as leis nacionais de DIPr. Assim, os direitos fundamentais previstos notexto constitucional impedem a aplicação das normas infraconstitucionais de DIPr quecontra eles se insurjam.7 Ou seja, todas as normas conflituais do DIPr da lex fori estãovinculadas aos valores constitucionais (e internacionais) vigorantes na ordem jurídica doEstado. Assim, à evidência, prevalece o texto constitucional brasileiro sobre eventualnorma estrangeira indicada que preveja, v.g., desigualdade entre homens e mulheres oudiscriminação em razão de raça, sexo, língua ou religião. Deve o juiz do foro, em suma,estar atento para se a indicação feita pela lex fori não está a violar normasconstitucionais, especialmente as de direitos fundamentais, caso em que deverá rechaçar aaplicação da norma indicada em desacordo com o comando constitucional.

Exemplo concreto do que se acabou de dizer ocorreu na Alemanha, decidido peloTribunal Constitucional daquele país em 1971.8 Tratava-se de um espanhol, solteiro, quepretendera casar-se na Alemanha com uma cidadã alemã, divorciada. Pela norma deconflito alemã a capacidade para casar haveria de reger-se pela lei nacional de cada um,caso em que se fazia necessário comprovar, no momento da habilitação do matrimônio, a

53

Page 54: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.2

capacidade de cada qual nos termos da lei do país de origem. O cidadão espanhol nãologrou o certificado, tendo em vista que uma das partes (a alemã) era impedida de secasar na Espanha, por não ser ali autorizado o divórcio. Após negado o casamento pelasinstâncias judiciárias alemãs, recorreu o casal ao Tribunal Constitucional, alegandoviolação de uma norma constitucional alemã, qual seja, a relativa à liberdade decasamento. Em sua decisão, o Tribunal Constitucional reconheceu a violação daConstituição (bem assim, diga-se, da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950)e autorizou o casamento, esclarecendo que a aplicação do direito estrangeiro designadopela regra de conflito alemã sujeitava-se, também, aos imperativos da Constituição.Houve, como se vê, interferência direta do texto constitucional, especialmente dosdireitos constitucionalmente assegurados, no momento da aplicação da regra conflitual deDIPr alemão, consagrando-se, naquele caso, o efeito horizontal dos direitos fundamentais(Drittwirkung).9

É evidente que a supremacia constitucional (e internacional) que se acabou de referirterá lugar apenas quando mais benéfica à proteção apresentada. Para chegar a essaconstatação e compreender corretamente o fenômeno, deve o juiz do foro, sobretudo,aplicar “diálogo das fontes” para a solução adequada da questão sub judice, como severá adiante (v. item 4.1, infra).

Costume nacional

Também não se descarta o costume nacional como fonte interna do DIPr, utilizado, emsistemas como o nosso, especialmente quando o juiz do foro não encontra norma escrita aresolver a questão entre normas interconectadas. De fato, em muitos países, além dasnormas escritas, há também costumes nacionais a reger as relações jurídicas de DIPr. Oprincípio locus regit actum é, v.g., de caráter costumeiro em vários países.10 No Brasil,em razão do disposto no art. 4º da LINDB, os costumes apenas serão utilizados em casode omissão legislativa: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com aanalogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Nos países que fazem parte da common law há regras de DIPr que provêm dosprecedentes jurisprudenciais, que também formam certo tipo de costume.11 Também naFrança, que, apesar de ter uma grande codificação civil, dispõe de pouquíssimas regrasde DIPr, estas têm sido ditadas constantemente pela Corte de Cassação, formando umsólido costume interno relativo à matéria.12

Uma disposição como a do art. 17 da LINDB, que retira a eficácia interna das leis,

54

Page 55: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.3

atos e sentenças de outro país que violem, v.g., a ordem pública brasileira, há de sercompreendida também à luz do que os costumes nacionais entendem por “ordem pública”.Quanto à referência que o mesmo art. 17 da LINDB faz aos “bons costumes”, sequer pairadúvidas da importância de conhecer os costumes locais para fins de aplicação dequaisquer leis, atos ou sentenças de outros Estados. Ainda que essa concepção decostume (como fonte geral do Direito interno) seja um pouco diferente daquela em que ocostume nacional é fonte direta do DIPr, o certo é que se trata de compreensõesinterligadas, em que uma praticamente depende da outra (especialmente no que tange àsnormas de DIPr provindas do direito interno, não de tratados ou costumes internacionaisetc.). Stricto sensu, porém, o que se está aqui a demonstrar é que o costume nacionaltambém é fonte formal do DIPr, capaz de estabelecer, v.g., um elemento de conexão válidopara a interconexão entre duas legislações estrangeiras, como o citado princípio locusregit actum.

Outro exemplo concreto de elemento de conexão costumeiro no DIPr é a autonomiada vontade, por meio da qual faculta-se às partes derrogar (expressa ou tacitamente) asnormas de conflito e definir, elas próprias, o direito aplicável em certos casos, quandonão houver violação à soberania ou à ordem pública do país. No Brasil, cuja legislaçãonão prevê expressamente a autonomia da vontade como elemento de conexão posto, amesma fica autorizada, por se tratar de costume nacional sedimentado (v. Cap. V, item 4.4,infra).

O juiz nacional deve pesquisar o costume nacional estrangeiro e aplicá-lo quandoesse for indicado pela norma de DIPr da lex fori. Deve o magistrado nacional “pesquisaresse costume em cada caso, ouvindo testemunhas, colhendo indícios, fazendo examecomparativo entre os usos internos e externos e o grau de aceitação no âmbitointernacional”.13 Após investigar a vigência e validade do costume nacional estrangeiro,deverá o juiz nacional aplicá-lo internamente, tal como aplica qualquer norma escrita,nacional ou estrangeira.

Não parece existir no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países,sobretudo nos europeus, nítidos costumes nacionais relativos ao DIPr.

Doutrina e jurisprudência interna

Destaque-se o papel preponderante da doutrina e da jurisprudência interna noauxílio e determinação do direito aplicável quando presente determinado conflito de leisno espaço com conexão internacional. Tanto uma como outra, porém, não são fontes

55

Page 56: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

propriamente ditas do DIPr em nosso sistema jurídico.14 É dizer, da doutrina e dajurisprudência dos tribunais pátrios não nascem normas conflituais, senão apenas certoauxílio para que o juiz encontre a correta ordem jurídica aplicável ao caso concreto. Talnão lhes retira, contudo, o inegável papel que têm para a resolução de vários conflitos deleis no espaço atualmente existentes. Na Europa, v.g., onde há milhares de relaçõesjurídicas entre pessoas de diversos países e sobre todos os campos do direito, ajurisprudência se desenvolveu de tal maneira que foi capaz (sobretudo na França) deestabelecer princípios norteadores das atividades dos juízes relativamente à aplicaçãodas normas de DIPr. Daí a afirmação de Niboyet de que, no contexto francês, ajurisprudência “tem necessariamente um papel maior no direito internacional privado queem relação a outros ramos do direito”.15

Em outros sistemas jurídicos, como o dos países da common law, é também altamenterelevante o papel da jurisprudência interna, pois essa é que determina, de maneira quaseabsoluta, as regras nacionais aplicáveis aos conflitos de leis estrangeiras interconectadas.Aqui, diferentemente do nosso sistema, em que predominam as normas escritas sobre osconflitos de leis, parece coerente afirmar ser a jurisprudência verdadeira fonte formal doDIPr.16 Tal não significa, porém, que o papel da jurisprudência interna dos países da civillaw reste ou continue diminuído. No Brasil, especificamente, porém, não se pode dizerexistir verdadeira “jurisprudência” de DIPr, pois as soluções judiciárias (especialmentedos tribunais superiores, como o STJ e o STF) em matéria de conflitos de leisestrangeiras no espaço têm sido raras, não obstante o expressivo aumento das ondasmigratórias em nosso país e da intensificação das relações comerciais internacionais.17

Relativamente aos países da civil law, o argumento de que a jurisprudência seria fonteinterna do DIPr pelo fato de se manifestar sobre todas as questões submetidas à suaapreciação não convence, pois os tribunais locais decidem também todas as questões dedireito interno (civil, penal, processual, constitucional, administrativo, comercial,trabalhista, tributário etc.) que lhes são submetidas, o que não transforma o seu decisum(ainda que reiterado e uniforme) em fonte do direito interno no que tange a todos osconhecidos ramos do Direito. Ora, se a jurisprudência existe é porque, para a suaformação, as decisões judiciárias que para tal contribuíram basearam-se em direitos jáantes conhecidos; em direitos que já existiam ao tempo de sua formação e que sesagraram fundamentais para que um entendimento uniforme sobre eles se fixasse. Não há,portanto, jurisprudência fundada no vazio, no vácuo, no nada, que não levou em conta,para a sua formação, certos direitos anteriormente em vigor. Se a jurisprudência é auniformização das decisões judiciárias após manifestações reiteradas sobre umdeterminado tema, é porque, evidentemente, um dado direito (não o vazio) já existia e

56

Page 57: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

3.1

vigorava ao tempo da implementação da uniformização jurisprudencial.18

Também a doutrina não é propriamente fonte do DIPr (direitos não nascem dos livros,senão a sua interpretação e compreensão, bem assim as propostas de implementação dedireito novo).19 Isso não lhe retira, contudo, o seu respeito e importância. Nesse sentido,têm grande valor doutrinário para o DIPr os textos e documentos provindos das entidadescientíficas internacionais, a exemplo da International Law Association, da Conferênciada Haia de Direito Internacional Privado, do UNIDROIT, da Câmara de ComércioInternacional, do Comitê Jurídico Interamericano e da Conferência EspecializadaInteramericana sobre Direito Internacional Privado.20

Fontes internacionais

São fontes internacionais do DIPr aquelas provindas diretamente da ordeminternacional, tais os tratados e os costumes internacionais. Atualmente, tais fontesavultam de importância nessa disciplina, por regularem aspectos específicos do DIPr, àsvezes não disciplinados pelas fontes de índole interna. Outras vezes, porém, não obstanteexistir fontes internas a disciplinar certo problema de DIPr, os tratados ou os costumesinternacionais complementam a legislação doméstica dos Estados, auxiliando o juiz naresolução do conflito sub judice. Nesse papel, portanto, também merecem destaque asfontes internacionais do DIPr, especialmente pelo fato de, atualmente, se buscar (já sedisse e se vai complementar à frente) cada vez mais um “diálogo das fontes” na resoluçãodos conflitos de leis no espaço com conexão internacional (v. item 4.1, infra).21

Tratados internacionais

Ante a impossibilidade de existência de um Direito Uniforme para todo o planeta, osEstados têm procurado regular os conflitos de leis estrangeiras no espaço pela conclusãode tratados internacionais específicos. De fato, tais instrumentos têm experimentadoenorme proliferação nos últimos tempos, versando temas e assuntos dos mais variadosrelativos ao DIPr. Sejam bilaterais ou multilaterais, o certo é que os tratados constituem afonte internacional mais importante do contemporâneo DIPr.22

A afirmação que se acaba de fazer é curiosa, especialmente pelo fato de atestar que afonte internacional mais importante do DIPr provém do Direito Internacional Público, oque demonstra a primazia deste, enquanto disciplina jurídica, sobre a ciência do conflitode leis.23 Nesse sentido está a opinião de Pontes de Miranda, que sustenta que a primazia

57

Page 58: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

exercida pelo Direito Internacional Público sobre o Direito interno se estende às normasde DIPr, que igualmente são normas internas.24 De fato, sendo o DIPr regido, a priori,pelo Direito interno do Estado, iguala-se a qualquer outra norma interna,25 que sesubordina ao Direito Internacional Público, nos termos do art. 27, primeira parte, daConvenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969: “Uma parte não pode invocardisposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Daíconstatação de que cada Estado “pode ditar a extensão espacial das normas do Direitointerno de outros Estados, salvo existindo tratados ou convenções internacionais”.26

Uma fonte convencional importante para o DIPr brasileiro é a Convenção de DireitoInternacional Privado (Código Bustamante) de 20 de fevereiro de 1928,27 elaborada pelojurista cubano Antonio Sánchez de Bustamante y Sirvén. Trata-se de um instrumento com437 artigos, que versa praticamente todas as questões de DIPr e de direito processualcivil internacional, sendo, por isso, considerado a codificação convencional maiscompleta existente sobre o DIPr. Sua aplicação prática, porém, tem encontrado certadificuldade entre nós, ainda mais quando se constata que muitas de suas disposiçõescaíram em verdadeiro desuso. Ademais, sua aplicação (segundo o entendimentomajoritário) está restrita às relações que envolvem nacionais ou domiciliados em seusquinze Estados-partes, não às ligadas a nacionais ou domiciliados em terceiros Estados(v.g., em países europeus). Tal, contudo, não retira a possibilidade de se invocar oCódigo a título de doutrina, isto é, como meio doutrinário de auxílio à atividade práticado juiz para casos envolvendo cidadãos de Estados não partes.28

Ainda no que tange ao Brasil, merece destaque a Convenção Interamericana sobreNormas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979, em vigor entre nós desde 27 dedezembro de 1995.29 Tal Convenção estabelece, no art. 1º, que “a determinação da normajurídica aplicável para reger situações vinculadas com o direito estrangeiro ficará sujeitaao disposto nesta Convenção e nas demais convenções internacionais assinadas, ou quevenham a ser assinadas no futuro, em caráter bilateral ou multilateral, pelos EstadosPartes”, complementando que apenas “na falta de norma internacional, os Estados Partesaplicarão as regras de conflito do seu direito interno”.

Existem, atualmente, inúmeras convenções que versam temas estritos ou conexos deDIPr, merecendo destaque as convenções internacionais de Direito Uniforme (v. Cap. I,item 3, supra). Tais convenções, a exemplo das normas internas de DIPr, estabelecemregras de conexão aplicáveis aos conflitos de leis no espaço com conexão internacionalque regulamentam. Na Europa, têm destaque as convenções da Haia sobre diversos tiposde conflitos normativos, quer no âmbito do direito civil como no do direito comercial.

Até mesmo os tratados não ratificados têm importância para o DIPr, especialmente os

58

Page 59: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

que cristalizam costumes internacionais.30 Nesses casos, os tratados (ainda não ratificadose, portanto, ainda não em vigor no Estado) passam a ter valor como costume e, assim,podem (devem) ser aplicados pelo juiz no caso concreto. Tudo estará a depender, porém,do valor que a prática dos Estados e a jurisprudência dos tribunais internacionaisatribuem a tais tratados não ratificados, devendo o juiz nacional ficar atento quanto àaplicação desses acordos em outros Estados, para que, assim, esteja assegurado de que asua aplicação ao caso sub judice guarda plena autorização jurídica.

Esclareça-se, por fim, que todas as fontes convencionais (tratados) de DIPrprevalecem sobre as leis nacionais sobre conflitos de leis, à luz do que dispõe o já citadoart. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, pois, como é sabido econsabido, uma “lei posterior ao tratado não o revoga, ao passo que um tratado podealterar lei anterior, no campo das relações estabelecidas entre os Estados signatários”.31

Costume internacional

Embora de rara aplicação se comparado aos tratados, também o costume internacionalconstitui-se em fonte formal do DIPr.

Segundo o conhecido art. 38, § 1º, b, do Estatuto da CIJ, entende-se por costumeinternacional a “prova de uma prática geral aceita como sendo o direito”. Daí se percebehaver dois elementos para a formação do costume internacional: a prática generalizadade atos por parte dos Estados (elemento material ou objetivo) e sua aceitação comonorma jurídica (elemento psicológico ou subjetivo).32 Assim, à medida que uma práticarelativa a certo conflito de leis passa a ser aceita pela sociedade internacional a título denorma jurídica, tem-se, então, formado um costume internacional sobre esse conflitonormativo, caso em que os Estados deverão normalmente observá-lo no plano do seuDireito interno, especialmente na ausência de outras fontes escritas (tais as leis e ostratados internacionais em vigor).

Muitos dos costumes internacionais aplicados no DIPr foram reduzidos a termo, paramaior visibilidade e clareza, sobretudo pela Câmara de Comércio Internacional(sediada em Paris). É exemplo dessa regulação a publicação denominada Incoterms(International Commercial Terms/Termos Internacionais de Comércio).33 Esses“termos” comerciais internacionais colocam em prática o costume internacional relativoao comércio internacional e são observados pelos atores que lidam nesse ramo deatividade.34

Diferentemente, porém, do que ocorre no plano do Direito Internacional Público, em

59

Page 60: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.3

que os costumes internacionais têm papel preponderante, regulando, ainda hoje, váriosaspectos importantes da vida internacional dos Estados, percebe-se que no campo atinenteao DIPr tais costumes não têm logrado a mesma expressão jurídica, o que se deve, emparte, às dificuldades de sua formação no que toca às soluções dos conflitos normativostípicos do DIPr.35

Jurisprudência internacional

Apesar de raros os casos de DIPr resolvidos por tribunais internacionais, não sedescarta o papel da jurisprudência internacional no auxílio e determinação do direitoaplicável em casos de conflitos de leis. É evidente, porém, ser incomparável o papel dajurisprudência interna relativamente à jurisprudência internacional. Além de mais nítidapara o juiz do foro, a jurisprudência doméstica resolve problemas sempre mais constantesno plano interno que a jurisprudência internacional. Seja como for, repita-se mais, o papelda jurisprudência internacional enquanto determinante do direito aplicável a uma relaçãode DIPr ainda se mantém, não obstante para um número reduzido de questões.

O escasso número de casos de DIPr julgados por tribunais internacionais deve-se aofato de serem geralmente afetos a particulares, que não podem ingressar – senão por meiode proteção diplomática por parte de um Estado – diretamente em uma corte internacionalpara vindicar direitos seus, sendo certo que os Estados, também muito raramente, lançammão da proteção diplomática para vindicar, em nome próprio, perante um tribunalinternacional, direitos de particulares lesados por outros Estados.36

Tanto a anterior Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), criada ao tempo daLiga das Nações, como a atual Corte Internacional de Justiça (CIJ), instituída a partir dacriação das Nações Unidas, julgaram pouquíssimos temas de DIPr até hoje. Destaque-se,nesse sentido, o caso Boll, entre Suécia e Holanda, julgado pela CIJ em 1958, em que aCorte foi instada a decidir sobre qual lei seria aplicável (se a lei sueca ou a holandesa)no caso da guarda de uma criança holandesa residente na Suécia, de acordo com aConvenção da Haia de 1902 sobre posse e guarda de menores, quando então entendeu seraplicável a lei sueca em razão, inter alia, da norma de ordem pública da melhor proteçãoda criança (residente na Suécia) e da conformidade com a Lei Sueca de 1924 sobreproteção de crianças menores.37

Nada de similar é possível dizer no que toca aos tribunais arbitrais, especialmente emmatéria de direito comercial internacional, os quais “têm produzido consideráveljurisprudência que tem se constituído em importante fonte de direito internacional

60

Page 61: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

4.1

privado, tanto em sua manifestação de soluções conflituais, como, e principalmente, desoluções de caráter substancial, conhecida como lex mercatoria – uma lei não escrita, decaráter uniforme, internacionalmente aceita, para reger as relações comerciaistransnacionais”.38

Conflitos entre as fontes

A existência de uma pluralidade de fontes do DIPr (leis, tratados, costumes etc.) levaà necessidade de se encontrar meios para resolver os conflitos que podem surgir entreessas fontes. Tais conflitos podem ter lugar no que tange às fontes de categorias distintase àquelas de mesma categoria.

Conflitos entre fontes de categorias distintas

Em vários países tem-se utilizado do critério hierárquico para a resolução dasantinomias entre as fontes do DIPr de categorias distintas (v.g., entre um tratadointernacional e uma lei interna). Nesse sentido, não é incomum alguns ordenamentosinternos preverem a prevalência dos tratados sobre a legislação interna em matéria deDIPr. Assim é, v.g., na Alemanha, em que da Lei de Introdução ao Código Civil (art. 3º)determina expressamente que as disposições dos atos jurídicos da União Europeia e dostratados internacionais diretamente aplicáveis na Alemanha derrogam o seu Direitointerno em matéria de DIPr, em seus respectivos âmbitos de aplicação.

Essa solução, contudo, segundo Erik Jayme, não é aconselhável para o DIPr na pós-modernidade. Segundo Jayme, em vez de simplesmente excluir do sistema certa normajurídica pela aplicação do critério hierárquico, deve-se buscar a convivência entre essasmesmas fontes por meio de um “diálogo” (diálogo das fontes). Assim, na visão de ErikJayme, a solução para os conflitos normativos que emergem no DIPr pós-moderno há deser encontrada pela harmonização (coordenação) entre suas fontes heterogêneas, as quaisnão se excluem mutuamente (normas de direitos humanos, textos constitucionais, tratadosinternacionais, sistemas nacionais etc.), mas, ao contrário, “falam” umas com as outras.Eis sua lição:

Desde que evocamos a comunicação em direito internacional privado, o fenômeno maisimportante é o fato que a solução dos conflitos de leis emerge como resultado de umdiálogo entre as fontes mais heterogêneas. Os direitos humanos, as Constituições, as

61

Page 62: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.2

convenções internacionais, os sistemas nacionais: todas essas fontes não se excluemmutuamente; elas ‘falam’ uma com a outra. Os juízes devem coordenar essas fontesescutando o que elas dizem.39

Essa “conversa” entre fontes de categorias distintas (Constituição, tratados, leis,regulamentos etc.) é que permite encontrar, no DIPr pós-moderno, a verdadeira ratio deambas as normas em prol da proteção da pessoa humana, em geral, e dos menosfavorecidos, em especial.40

Conflitos entre fontes de mesma categoria

No conflito entre fontes de mesma categoria (v.g., entre dois tratados internacionais) asolução contemporânea aponta, relativamente às normas de DIPr, para a aplicação danorma mais favorável à pessoa.

Perceba-se que a hipótese agora colocada, no que tange às normas convencionais, nãoversa obrigatoriamente o caso do conflito entre tratados sucessivos sobre a mesmamatéria, cujo método de resolução encontra suporte no art. 30 da Convenção de Vienasobre o Direito dos Tratados.41 Aqui se coloca a questão do conflito que pode existirentre duas normas da mesma categoria (v.g., tratados) que orbitam em círculoseventualmente distintos, ambas potencialmente aplicáveis a um mesmo caso concreto deDIPr.

Erik Jayme exemplifica com o caso do reconhecimento de uma decisão em matéria depensão alimentícia, para o qual tanto a Convenção da Haia de 1973 como a Convenção deBruxelas de 1968 poderiam ser aplicadas; como cada qual, porém, possui cláusula deexclusão de outras normas potencialmente aplicáveis, não se saberia qual delas,efetivamente, haveria de ser aplicada. Assim, os tribunais alemães aplicaram o princípiosegundo prevalece a norma mais favorável às pessoas em causa.42

62

Page 63: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

__________Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 60.Nesse sentido, v. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 32: “Isso nosleva a sustentar que o universo das fontes do direito internacional privado é caracterizado porpluralismo e complexidade e, por essa razão, não faltarão aos tribunais subsídios suficientes para ojulgamento dos casos com elementos estrangeiros”.Para críticas, v. o que se disse no Cap. II, item 3.1, supra.Juridicamente, a expressão francesa conota a lei que há de ser aplicada em favor do interesse donacional; tem o mesmo significado que o princípio da lei mais favorável ou favor negotii (v. Cap.VI, item 4.5, infra).V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 45-46.A propósito, cf. GANNAGÉ, Léna. La hiérarchie des normes et les méthodes du droitInternational privé: étude de droit International privé de la famille. Paris: LGDJ, 2001, p. 5.A propósito, v. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 228: “São, sobretudo, osprincípios gerais de base de um sistema jurídico que se apresentam como obstáculo à aplicação dalei estrangeira. Entre esses princípios figuram os direitos fundamentais do indivídulo, enunciadospela Constituição”.Sobre o caso e sua repercussão, v. MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. Direito internacionalprivado e Constituição: introdução a uma análise de suas relações. Coimbra: Coimbra Editora,1991, p. 204-213; e ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 113-115.V. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 114; e FRIEDRICH, TatyanaScheila. A proteção dos direitos humanos nas relações privadas internacionais. In: RAMINA,Larissa; FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.). Direitos humanos: evolução, complexidades eparadoxos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 175-178. Sobre o efeito horizontal dos direitos fundamentais,v. especialmente SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitosfundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 89. Sobre o princípio locus regitactum, v. especialmente SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 344-362.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 59.Sobre o costume no DIPr francês, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français,cit., p. 25-26.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 21.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 93-94; e FERRAZ JR., TercioSampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. rev. e ampl. SãoPaulo: Atlas, 2003, p. 245-246. Aceitando a jurisprudência como fonte do direito em geral, v.MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT,2008, p. 404-406; e, atribuindo à jurisprudência o caráter específico de fonte do DIPr, v.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 116-119; e DEL’OLMO, Florisbal deSouza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 33.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 26. Assim tambémARMINJON, Pierre. L’objet et la méthode du droit international privé. Recueil des Cours, vol. 21(1928), p. 497, para quem: “(…) em virtude da insuficiência, da obscuridade, da inconsistência dasregras de conflito e de suas lacunas, os tribunais dispõem, em direito internacional privado, de um

63

Page 64: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

16

17

18

19

20

21

22

23

24

25

26

27

28

29

30

31

32

33

poder extremamente amplo”.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 25.Criticamente, cf. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 91-92.Sobre essa problemática, v. SOUZA, Gelson Amaro de. Processo e jurisprudência no estudo dodireito. Rio de Janeiro: Forense, 1989.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 27.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 66-67.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Não é neste livro, porém, o lugar de estudar a teoria dos atos internacionais e todas as questões queela suscita, o que já foi realizado com detalhes em obra específica: v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, 638p.Assim, PINHEIRO, Luís de Lima. Relações entre o direito internacional público e o direitointernacional privado. In: RIBEIRO, Manuel de Almeida, COUTINHO, Francisco Pereira &CABRITA, Isabel (Coord.). Enciclopédia de direito internacional. Coimbra: Almedina, 2011, p.492: “Em primeiro lugar, pode afirmar-se que o Direito Internacional Privado tem o seufundamento último no Direito Internacional Público, especialmente no que toca ao Direito deConflitos” [grifo do original].V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacional privado, vol. 2.Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, p. 392 ss.Nesse exato sentido, v. a lição de ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 28-29: “A diferença do DIPr em relação ao direito interno, é, tão somente, a existência de um elementode estraneidade na relação, quando há um elo com o direito material de um Estado estrangeiro, alémdaquele no qual a questão está sendo julgada”.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 47.Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 18.871, de 13.08.1929. O Código Bustamante foi ratificadotambém por Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti,Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, El Salvador e Venezuela.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 77-78.A Convenção foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 36, de 04.04.1995, ratificada em27.11.1995 (com entrada em vigor em 27.12.1995, nos termos do seu art. 14) e promulgada peloDecreto nº 1.979, de 09.08.1996.Sobre o tema, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 252-254.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 95. Nesse exato sentido, v.FOCARELLI, Carlo. Lezioni di diritto internazionale privato, cit., p. 9: “Pertanto una convenzioneinternazionale debitamente resa esecutiva che eventualmente disciplinasse una materia di dirittointernazionale privato prevale sulle norme legislative nazionali, comprese quelle contenute nellalegge di riforma”.Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Algumas questões jurídicas sobre a formação eaplicação do costume internacional. Revista dos Tribunais, ano 101, vol. 921, São Paulo, jul./2012,p. 259-278; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p.128-141.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 35-36.

64

Page 65: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

34

35

36

37

38

39

40

41

42

V. FIORATI, Jete Jane & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Novas vertentes do direito docomércio internacional. Barueri: Manole, 2003.V., a propósito, NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 51, queleciona: “On peut dire que, sauf de rares exceptions sur quelquer points, la matière des conflits (…)n’a pas de source dans la coutume internationale”.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 88.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 88-89.DOLINGER, Jacob. Idem, p. 88-89. Sobre a nova lex mercatória, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional…, cit., p. 185-223.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Para um estudo da aplicação do “diálogo das fontes” nas relações entre o direito internacional dosdireitos humanos e o direito interno, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionaisde direitos humanos e direito interno, cit., especialmente p. 129-177.Sobre o art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Direito dos tratados, cit., p. 281-292.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.

65

Page 66: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

1.1

Capítulo IV

Estrutura das Normas do Direito InternacionalPrivado

Normas indicativas

As normas de DIPr têm uma característica própria que a diferencia das demais normasjurídicas: são sempre indicativas ou indiretas. Tal significa que as normas de DIPr nãoresolvem a questão de fundo propriamente dita, senão apenas indicam qual ordenamento(se o nacional ou o estrangeiro) deverá ser aplicado para a resolução do caso concreto.Esse ordenamento escolhido (nacional ou estrangeiro) é que resolverá a questão de fundo(mérito) conectada com leis divergentes e autônomas posta sob o exame do PoderJudiciário.1 Como destaca Amilcar de Castro, sendo o DIPr “direito de sobreposição, ousuperdireito, não chega a examinar o conteúdo das ordens jurídicas vigentes nosagrupamentos em conexão, ou referência, com o fato, conteúdo esse de que não depende aessência de sua função”.2 Isso significa que não cabe do DIPr levar em consideração oconteúdo da norma (nacional ou estrangeira) indicada e, menos ainda, as consequênciasadvindas de sua aplicação.3 As normas de DIPr buscam, tão somente, encontrar o “centrode gravidade” (o “ponto de atração”) da relação jurídica sub judice com conexãointernacional, isto é, a ordem jurídica que mais se aproxima (por isso os anglo-saxõesfalam em most significant relationship) do problema em questão, capaz também deresolvê-lo com maior justiça.4

Normas diretas e indiretas

Quando se lê uma norma como a do art. 5º do Código Civil brasileiro, que dispõe que“a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada àprática de todos os atos da vida civil”, logo se percebe tratar-se de norma do tipo direta,que soluciona de plano a questão jurídica. Quando cessa a menoridade para a prática detodos os atos da vida civil? Aos dezoito anos completos. O dispositivo, vê-se, responde à

66

Page 67: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.2

1.3

indagação diretamente. Diferentemente são as normas indicativas ou indiretas do DIPr,que não respondem à indagação colocada, senão apenas indicam qual norma (se nacionalou a estrangeira) a responderá. Tome-se, como exemplo, o art. 7º da LINDB, que não dizquais são as regras relativas ao início ou término da personalidade, ao nome, àcapacidade e aos direitos de família, apenas indicando que será “a lei do país em quedomiciliada a pessoa” a responsável por determiná-las.

A lei (nacional ou estrangeira) que a norma indicativa do DIPr manda aplicar ao casoconcreto pode ser, v.g., a lei do lugar da celebração do ato, a do lugar do domicílio ouresidência da pessoa, a de sua nacionalidade, a da situação dos bens etc. Cada umadessas leis regerá situações especificadas pelas normas de DIPr da lex fori: para umaquestão de capacidade da pessoa, a lei aplicável será a do lugar de seu domicílio,residência ou nacionalidade5; para uma questão relativa a bens, será a do local em queestejam situados (lex rei sitae) etc.6

Hipótese e disposição

Como se vê, a norma indicativa ou indireta a apresenta sempre uma hipótese e umadisposição. Tome-se, como exemplo, o art. 10, caput, da LINDB, segundo o qual “asucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defuntoou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. Nesse caso, o fatoda morte ou ausência é a hipótese normativa, eis que dele poderão decorrer inúmerasconsequências jurídicas, pois o de cujus terá deixado herdeiros, bens, dívidas etc. Adisposição da norma, por sua vez, indica que tais fatos (morte ou ausência) serãoregulados pela lei do domicílio do falecido, que poderá ser uma lei nacional ouestrangeira.7 Diferentemente, porém, do direito comum, que visa solucionar(materialmente) a questão jurídica concreta, no DIPr, a norma respectiva apenas indica aordem jurídica adequada à sua resolução. Por isso, explica Strenger, a hipótese da regrade DIPr é distinta da do direito comum, constituindo-se em conceito jurídico genérico esucinto, pois estabelece de maneira ampla qual o direito deverá ser aplicado, limitando-se apenas em determiná-lo.8

Lex fori e lex causae

Denomina-se a lei nacional de lex fori; e a estrangeira de lex causae (ou leiestranha). Será a lex fori, em princípio, salvo a existência de regras de Direito

67

Page 68: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.4

Uniforme, que estabelecerá a indicação da norma (nacional ou estrangeira) a ser aplicadaem um dado caso concreto sub judice com conexão internacional, sem violar a soberaniade qualquer Estado, mas apenas se desincumbindo da missão que lhe compete, nos termosdo seu Direito interno, de definir qual das ordens resolverá (materialmente) a questão.Quando indicada (e, portanto, escolhida) a norma estrangeira para resolver o casoconcreto, tal norma deve ser aplicada em toda a sua integralidade e como direito mesmo,com as respectivas normas de vigência, interpretação, aplicação espacial e temporal,sofrendo apenas as limitações impostas pelas regras de DIPr da lex fori ou decorrentes dolimite geral da ordem pública por aquelas estabelecido.9

Categorias de normas indicativas

As normas indicativas comportam três categorias distintas – ou são bilateraiscompletas (perfeitas), ou bilaterais incompletas (imperfeitas) ou unilaterais – quepodem ser assim entendidas:

a) bilaterais completas ou perfeitas – são aquelas que não discriminam qual lei, se anacional ou a estrangeira, deverá reger a situação jurídica. Tome-se, como exemplo, o art.7º, caput, da LINDB, que assim dispõe: “A lei do país em que domiciliada a pessoadetermina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e osdireitos de família”. Perceba-se que a norma refere-se à lei do país em que domiciliada apessoa, que pode ser a lei nacional ou a estrangeira, a depender do caso concreto, sendo,por isso, bilateral completa ou perfeita;

b) bilaterais incompletas ou imperfeitas – são aquelas que determinam a aplicaçãotanto do direito nacional como do estrangeiro, indistintamente, mas limitam o seu objeto acertos casos relacionados com o país do foro. Por exemplo, o primeiro Código Civil dePortugal (Código Seabra de 1867) disciplinava, no art. 1.107, que “se o casamento forcontraído em país estrangeiro entre português e estrangeira, ou entre estrangeiro eportuguesa, e nada declararem nem estipularem os contraentes relativamente a seus bens,entender-se-á que casaram conforme o direito comum do país do cônjuge varão”. Nessecaso, como se vê, a relação com o direito do país do foro era a nacionalidade portuguesade um dos cônjuges, o que tornava a norma em questão em bilateral incompleta ouimperfeita;

c) unilaterais – são as que estabelecem apenas a aplicação da lei nacional, sem apossibilidade de aplicação da lei estrangeira. Tem-se, como exemplo, o art. 7º, § 1º, daLINDB: “Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos

68

Page 69: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.

impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”. No mesmo sentido está o art.9º, § 1º, da LINDB: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendode forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeiraquanto aos requisitos extrínsecos do ato”. E, ainda, o art. 10, § 1º, da LINDB: “Asucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira embenefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que nãolhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus”.

Evidentemente que a melhor maneira de indicar a lei aplicável é por meio de normabilateral completa ou perfeita, pois tal “previne a omissão da lei, indica a lei que possuium vínculo mais estreito com a relação jurídica e ainda se aproxima do objetivofundamental do DIPr”.10 Essa é, a propósito, a tendência do DIPr brasileiro. Efetivamente,como destaca Jacob Dolinger, a norma bilateral completa “está mais voltada para o fatojurídico e o exame de suas particularidades e nuances, observação esta que induz aprocurar a lei mais apropriada para a solução, o que leva a maior objetividade e maiorcapacidade de universalizar”.11

Conflitos das normas de DIPr no espaço

À medida que cada Estado tem suas próprias normas de DIPr, surge o problema –também comum às demais espécies de normas jurídicas – de sua aplicação no espaço. Emoutros termos, as normas indicativas ou indiretas de DIPr nacionais e estrangeiras podem,entre si, entrar em conflito (positivo ou negativo) no espaço, quando então se diz tratar deum conflito de segundo grau.12 Alguns autores também o nominam de conflito duplo oubidimensional, por ser um conflito, no espaço, de normas de solução de conflitos de leisno tempo.13 Assim, tais conflitos – a exemplo dos existentes relativamente à legislaçãocivil, penal, tributária, administrativa, empresarial e processual – são também conflitosde normas no espaço, porém, de normas indicativas ou indiretas de DIPr, ao que senomina conflito de segundo grau (duplo ou bidimensional).14

Havendo divergência entre a lei nacional (lex fori) e a lei estrangeira (estranha)deverá o juiz aplicar a que melhor resolva, com justiça, o caso concreto. SegundoHaroldo Valladão, deve-se rechaçar, nesse caso, a opinião radical de que o juiz do forodeverá aplicar sempre e exclusivamente a sua lei de DIPr, que seria de rigorosa ordempública internacional, de caráter absoluto e universalista, ignorando, para todos osefeitos, a lei de DIPr estrangeira, eis que esse totalitarismo da lex fori vai de encontro àvocação universal do DIPr de considerar e respeitar a lei estrangeira, harmonizando e

69

Page 70: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.1

balanceando, com justiça e equidade, as leis em conflito do foro e de outro sistemajurídico.15

Nesse exato sentido está o art. 9º da Convenção Interamericana sobre Normas Geraisde Direito Internacional Privado, de 1979, segundo o qual “as diversas leis que podemser competentes para regular os diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica serãoaplicadas de maneira harmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada umadas referidas legislações”, complementando que “as dificuldades que forem causadas porsua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências impostaspela equidade no caso concreto”.

A um mesmo resultado se chega aplicando o que Erik Jayme chamou de “diálogo dasfontes”, pelo que, em vez de simplesmente excluir do sistema certa norma jurídica, deve-se buscar a convivência entre essas mesmas normas por meio de um diálogo. Como já sefalou, segundo Jayme, a solução para os conflitos normativos que emergem no direito pós-moderno há de ser encontrada na harmonização (coordenação) entre fontes heterogêneasque não se excluem mutuamente (normas de direitos humanos, textos constitucionais,tratados internacionais, sistemas nacionais etc.), mas, ao contrário, “falam” umas com asoutras.16 Essa “conversa” entre fontes diversas é que permite encontrar a verdadeira ratiode ambas as normas em prol da proteção da pessoa humana (em geral) e dos menosfavorecidos (em especial).17

Conflito espacial positivo

Há o conflito espacial positivo de normas do DIPr quando cada um dos ordenamentosem causa indica a sua própria norma para reger a questão jurídica com conexãointernacional. Tal seria o caso, v.g., que ocorre quando um juiz brasileiro tem que decidirquestão relativa à capacidade, aos direitos de família e à sucessão de um portuguêsdomiciliado no Brasil. Nessa hipótese, a norma brasileira (LINDB, art. 7º, caput)determina que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre ocomeço e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”,enquanto que o direito português (Código Civil de 1966, art. 25) estabelece que o “estadodos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões pormorte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos…”. Ou seja, a lei brasileiraoptou pela lei do domicílio, enquanto a portuguesa preferiu a da nacionalidade da pessoa.

A resolução da questão, pelo juiz do foro, quando não há norma interna ou tratadointernacional a desvendar o problema, está na harmonização das duas legislações em

70

Page 71: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.2

conflito, eis que a solução simplista em aplicar exclusivamente a lex fori pode não serjusta, especialmente no momento atual, em que o DIPr há de servir como garantia daaplicação do melhor direito (pro homine) aos seres humanos no caso concreto.18 Talapenas não há de ocorrer, repita-se, quando a própria norma interna ou um tratadointernacional resolve a questão, para evitar, sobretudo, a fraude à lei, a exemplo danorma prevista no art. 7º, § 6º, da LINDB, segundo a qual o “divórcio realizado noestrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasildepois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separaçãojudicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato,obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras nopaís”.

Assim, havendo conflito espacial positivo de normas de DIPr, a solução está naharmonização coerente das normas em conflito para atender à justiça do caso concreto,sem que se imponham soluções rígidas, como, v.g., seria a aplicação exclusiva da lex foriou a renúncia desta em benefício da lei estrangeira. Tudo, nesse campo, deve estarcoordenado à luz do critério pro homine de solução de antinomias.

Conflito espacial negativo (teoria do reenvio)

Há o conflito espacial negativo de normas do DIPr quando cada um dos ordenamentosem causa exclui a aplicação de suas normas internas para a resolução da questão jurídicacom conexão internacional. É o que ocorria, v.g., nos casos relativos a direitos de famíliaou de sucessão de brasileiros domiciliados na Itália, eis que a norma brasileira (LINDB,arts. 7º e 10º) manda aplicar a lei do domicílio da pessoa, enquanto a norma italiana(Código Civil de 1942, art. 23) ordenava a aplicação da lei de sua nacionalidade.19 Eisaí, tipicamente, o exemplo de conflito espacial negativo de normas do DIPr.

Havendo conflito negativo de normas do DIPr, qual das leis deverá ser efetivamenteaplicada?

Segundo Haroldo Valladão, a diretriz jurisprudencial em quase todos os paísesresolveu o problema pela chamada teoria da devolução (ou do reenvio), segundo a qual ojuiz do foro aceita a referência (devolução) que a lex causae (a lei declarada competente)faça à mesma lex fori (retorno; devolução para trás; ou reenvio ao primeiro grau) ou àoutra lei para diante (devolução à lei estrangeira; reenvio de segundo grau).20 Assim, adevolução realizada pela lex causae pode dar-se relativamente à lex fori (reenvio aoprimeiro grau) ou a uma terceira lei, distinta da lex fori (reenvio de segundo grau). No

71

Page 72: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

primeiro caso, devolve-se à lei do foro o direito de ser aplicada, e, no segundo, passa-seà frente, para a lei de terceiro Estado, a regência da questão. Tomando-se como exemploo caso de um brasileiro e de um francês domiciliados na Itália, a solução seria o juizbrasileiro aplicar a lei brasileira ao brasileiro domiciliado na Itália (retorno) e a leifrancesa ao francês domiciliado na Itália (devolução à lei estrangeira).21

Um argumento de valor prático em favor da teoria da devolução ou do reenvio resideno fato de que, por meio dela, aplica-se, em quase todos os casos, a lex fori, com a qual ojuiz interno tem maior familiaridade, ficando afastados os perigos em se aplicar uma leiestrangeira que mal se conhece.22

Seja como for, a atual LINDB, inspirada no art. 30 das disposições preliminares aoCódigo Civil italiano de 1942,23 e contrariando toda a anterior doutrina e jurisprudênciabrasileiras, proibiu expressamente a devolução no seu art. 16, assim redigido:

Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-áem vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

Assim, não obstante todos os esforços doutrinários e jurisprudenciais no sentido de seadmitir o reenvio no DIPr brasileiro, o certo é que a norma de DIPr brasileira em vigornão o autorizou. Pela regra, ficaram igualmente proibidos os reenvios de primeiro esegundo graus, sem qualquer exceção.24 Essa orientação do direito brasileiro deve serseguida, inclusive, nos termos do art. 1º da Convenção Interamericana sobre NormasGerais de Direito Internacional Privado, de 1979, segundo o qual, na falta de normainternacional, “os Estados Partes aplicarão as regras de conflito do seu direito interno”.Entendeu-se, em suma, no Brasil, que o direito estrangeiro deve comportar as limitaçõesprevistas pela lex fori, de que é exemplo a proibição dos reenvios de primeiro e segundograus.

Destaque-se, porém, que uma luz de esperança pode reaparecer no direito brasileiro,se aprovado o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, que previu novamente o reenvio(de primeiro e segundo graus) no seu art. 16, assim redigido:

Art. 16. Reenvio – Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão da presente Lei,determinar a aplicação da lei brasileira, esta será aplicada.§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última prevalecerá casotambém estabeleça sua competência.§ 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência, aplicar-se-á a lei estrangeirainicialmente indicada pelas regras de conexão da presente Lei.

72

Page 73: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

Merece ser lida, a propósito, a justificativa da comissão redatora do Projeto de Lei nº269, acerca do tema: “Até 1942, nossos tribunais aceitavam o reenvio que o direitointernacional privado de outro país fizesse à nossa lei. Assim, quando o direitointernacional privado brasileiro mandasse aplicar lei de outro país e o direitointernacional privado desse outro país remetesse a aplicação às leis brasileiras, aceitava-se tal indicação. A proibição do reenvio por parte do art. 16 da LICC [LINDB] não foi,em geral, bem recebida pelos jusprivatistas brasileiros. Tanto a doutrina (HaroldoValladão), como a jurisprudência (Luiz Galotti) manifestaram severa crítica ao legislador.A doutrina nacional advoga, inclusive, a aceitação do reenvio feito pela lei indicada pornosso direito internacional privado à lei de um terceiro país – reenvio de segundo grau. Amelhor ilustração do reenvio de segundo grau é dada pela hipótese de Ferrer Correa.Pessoa de nacionalidade portuguesa, domiciliada na Espanha, é julgada no Brasil.Segundo o direito internacional privado brasileiro, deve ela ser julgada pela lei de seudomicílio – Espanha. O direito internacional privado espanhol indica a aplicação da leida nacionalidade da pessoa – Portugal – com o que a lei conflitual portuguesa concorda.Dessa maneira, Portugal e Espanha querem aplicar a lei portuguesa, ao passo que o Brasildeseja a aplicação da lei espanhola. Não faz sentido que a vontade da lei do país dodomicílio e do país da nacionalidade da pessoa sejam rejeitadas pela vontade da lex fori(Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, Universidade, 1963, pp. 577-8). Daípropugnar-se pela aceitação do reenvio, inclusive de segundo grau, como estabelecido noprojeto”.

Conflitos das normas de DIPr no tempo

Já se viu (v. Cap. I, item 2, supra) que o DIPr não se confunde com o DireitoIntertemporal, eis que visa resolver conflitos de leis no espaço com conexãointernacional, ao passo que este último soluciona conflitos de leis no tempo. Tal nãosignifica, contudo, que entre as próprias normas de DIPr de um dado Estado não possamsurgir conflitos intertemporais,25 decorrentes da alteração da legislação interna relativaaos conflitos de leis interespaciais ou interpessoais.26 Trata-se do que se convencionouchamar de Direito Intertemporal Internacional, destinado a resolver os conflitos dasnormas de DIPr no tempo.

Assim, v.g., entre um Código Civil anterior e um novo Código Civil, entre umaanterior Lei de Introdução e uma nova Lei de Introdução, podem surgir conflitosintertemporais que requerem devida solução jurídica. Em matéria de direito adquirido,contudo, a regra é que se aplique a legislação anterior sobre a matéria em apreço, em

73

Page 74: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

detrimento da norma mais recente, tal como prevê o art. 5º, XXXVI, da ConstituiçãoFederal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeitoe a coisa julgada”. Assim, havendo modificação nas normas do DIPr brasileiro, devemser respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, nos termosda legislação aplicável ao tempo em que o direito, o ato jurídico ou a coisa julgada seconstituíram, salvo se se tratar de afronta à ordem pública e aos bons costumes (LINDB,art. 17).27

Cabe, primeiramente, ao Estado da lex fori resolver qual das normas de DIPrconflitantes no tempo (se a anterior ou a posterior) deverá ser efetivamente aplicada,seguindo o que estabelecem as suas regras de Direito Intertemporal comum. Foi o quedecidiu o Institut de Droit International na sua sessão de Dijon, de 1981, da qual foiRapporteur o Sr. Ronald Graveson, assim estabelecendo: “O efeito no tempo damodificação de uma regra de direito internacional privado é determinado pelo sistema aoqual essa regra pertence”.28

Tal solução se baseia no fato de pertencerem as regras sobre conflitos de leis notempo ao ordenamento jurídico de cada Estado.29 A norma constitucional citada, quegarante o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, há de serindistintamente aplicada a quaisquer normas nacionais, sejam elas materiais ou formais,infraconstitucionais ou constitucionais, ou, ainda, do próprio DIPr.30

Aplicação substancial das normas de DIPr

Verificados o caráter indicativo ou indireto das normas de DIPr (item 1, supra), seusconflitos no espaço (item 2, supra) e no tempo (item 3, supra), cabe agora estudar a suaaplicação substancial. Para se chegar, porém, a essa aplicação, deve o juiz seguir umametodologia que se inicia com a qualificação da relação jurídica, seguindo-se àdeterminação do elemento de conexão, chegando, finalmente, à determinação da leiaplicável e sua efetiva aplicação ao caso concreto.

Quando, v.g., uma norma de DIPr da lex fori, como a insculpida no art. 7º, caput, daLINDB, estabelece que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regrassobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos defamília”, cabe, primeiramente, a indagação do que se considera “personalidade”,“nome”, “capacidade” e “direitos de família” na lei do país em que domiciliada a pessoa(v.g., na França, na Alemanha, na Holanda, na Itália, nos Estados Unidos, no Chile, noUruguai etc.).

74

Page 75: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.1

Em razão da formulação e da redação genéricas das normas do DIPr presentes naslegislações estatais, as quais não definem o conteúdo daquilo que estão a prever, nasce oproblema de saber se a questão que suscita o conflito de leis no espaço se enquadra ounão em determinado grupo ou categoria jurídica; nasce a necessidade de saber, v.g., se ocasamento entre pessoas do mesmo sexo pertence às relações de “direito de família” ou“societárias” etc. Para tanto, faz-se necessário, em primeiro lugar, investigar qual o exatoenquadramento jurídico da questão posta sub judice, ao que se nomina problema dasqualificações.31

Problema das qualificações

Qualificar significa, em DIPr, determinar a natureza de um fato ou instituto para o fimde enquadrá-lo em uma categoria jurídica existente.32 Trata-se do exercício que há defazer o juiz para compreender em que âmbito jurídico terá enquadramento o fato ouinstituto trazido à questão sub judice (se se trata, v.g., de um caso de direito pessoal, dedireito de família, de direito das sucessões, de direito das obrigações etc.). Aqualificação existe pelo fato de várias questões jurídicas apresentarem intensacontrovérsia sobre o seu enquadramento científico na legislação dos diversos países;desnecessário seria estudar o problema das qualificações se em todas as legislações domundo as questões jurídicas guardassem idêntico enquadramento, isto é, a mesmaclassificação. Assim, v.g., enquanto numa dada ordem jurídica a “doação causa mortis”poderá ser matéria de “obrigação”, noutra, eventualmente, poderá enquadrar-se no tema“sucessão”. O juiz, evidentemente, depende desse conhecimento – saber se se está diantede tema obrigacional ou sucessório – para localizar a regra de conexão aplicável ao casoconcreto. Só assim, “caracterizando” (“definindo”) o fato ou instituto jurídico em causa,poderá localizar o competente elemento de conexão e dar ao caso concreto soluçãoadequada.

A qualificação é, em suma, o processo técnico-jurídico pelo qual se busca enquadraros fatos ou institutos jurídicos discutidos no processo relativamente às classificaçõesexistentes na lei ou no costume, encontrando-se a solução mais adequada para os diversosconflitos que se apresentam entre as pessoas.33 Como se vê, a qualificação tem lugarapenas no que tange ao objeto de conexão (v.g., o contrato, o casamento, a doação etc.) danorma indicativa ou indireta, não no que toca ao elemento de conexão,34 que seráinvestigado depois de qualificado o instituto em apreço.

A aplicação efetiva do elemento de conexão indicado pela norma indicativa implica o

75

Page 76: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

exercício anterior de qualificar o instituto jurídico em causa, para saber qual o seu exatoenquadramento jurídico, tendo em vista a divergência de categorizações presente nosordenamentos dos diversos países. Assim, repita-se, antes de localizar a sede jurídica daquestão sub judice e de determinar e aplicar a norma de DIPr ao caso concreto, deve ojuiz do foro qualificar o instituto jurídico em causa, para saber o seu exatoenquadramento jurídico (saber se se cuida, v.g., de um caso de direito pessoal, de direitode família, de direito das sucessões, de direito das obrigações etc.). O primeiro passo,portanto, a ser realizado pelo juiz do foro é (a) qualificar (classificar) o instituto jurídicoem causa, para somente depois (b) localizar a sede da questão colocada (encontrando-seo elemento de conexão competente) e, finalmente, (c) determinar e aplicar a normacompetente para a resolução do problema. Tomando-se como exemplo o art. 9º da LINDB(verbis: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que seconstituírem”), tem-se que a classificação é a constituição da obrigação, sua localização éo país em que a mesma se constituiu e o direito determinado é o desse país.35 Em outroexemplo, se ao qualificar a questão sub judice verificou o juiz tratar-se de um caso dedireito das sucessões, pois relativo a saber se determinada pessoa tem capacidade paraherdar e em que ordem herda, o elemento de conexão competente (último domicílio dofalecido) será encontrado no art. 10, caput, da LINDB, segundo o qual “a sucessão pormorte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou odesaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.36 Nesse exemplo,qualificada a questão sub judice (caso de direito das sucessões) e descoberto ocompetente elemento de conexão (último domicílio do de cujus), resta ao juizefetivamente aplicar a lei indicada pela norma de DIPr e resolver a questão principal.

A qualificação, por envolver a descoberta da natureza (classificação) do fato ouinstituto jurídico objeto da questão sub judice, deve ser realizada em etapas, levando emconta tanto a lex fori (qualificação provisória) como a lex causae (qualificaçãodefinitiva), como se verá à frente. Neste momento, importa, contudo, saber que aqualificação visa compreender qual a natureza da questão em debate (se de direitopessoal, de direito de família, de direito das sucessões, de direito das obrigações etc.).Tomem-se, a propósito, os seguintes exemplos trazidos por Irineu Strenger: a doaçãocausa mortis é matéria de obrigação ou sucessão? Arrendamento é direito pessoal oureal? Outorga uxória em fiança é problema de capacidade ou corresponde aos efeitos dasobrigações? O Estado recolhe a herança jacente a título de herdeiro ou por ocupação? Aprescrição é instituto de direito formal ou material?37

O processo de qualificação – que leva ao conhecimento do elemento de conexão –toma em consideração, como explica Jacob Dolinger, um de três diferentes aspectos: o

76

Page 77: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

sujeito, o objeto ou o ato jurídico, tudo dependendo da categorização que se tiverestabelecido inicialmente. Aqui, tem-se uma classificação tripartite assim estabelecida:a) quando a decisão for relativa a saber por qual direito será regido ou estatuto pessoal ea capacidade do sujeito, a localização da sede da relação jurídica se fará em função doseu titular (o sujeito do direito); b) no tratamento do estatuto real, há de se localizar asede jurídica pela situação do bem (móvel ou imóvel); e c) no que tange à localização dosatos jurídicos, sua sede se define ou pelo local da constituição da obrigação, ou pelolocal da sua execução.38

Exemplo clássico sobre o problema da qualificação é o sempre lembrado caso daviúva maltesa, relativo a um casamento de um casal maltês, ocorrido na ilha mediterrâneade Malta, sem pacto antenupcial. No caso, após o casamento o casal transferiu-se para aArgélia, em 1889, tendo ali o esposo feito grande fortuna. Falecido o marido, a viúvavindicou perante o juiz francês, segundo a lei maltesa, o usufruto das propriedadesdeixadas pelo de cujus em território argelino (então administrado pela França). O recursoà lei maltesa deu-se pelo fato de que o direito francês, em vigor na Argélia, não dava àviúva qualquer possibilidade de ficar com os bens do de cujus. Assim, viu-se o juizfrancês diante do seguinte problema: se enquadrasse a questão no direito sucessório àviúva nada caberia, pois, segundo a lei francesa, em matéria de sucessão deveria serobedecida a lex sitae (e a legislação francesa negava qualquer direito sucessório àviúva); se, porém, enquadrasse o problema no direito matrimonial, a norma francesa deconflito levaria à aplicação da lei maltesa, permitindo-se à viúva participar dos bens domarido (arts. 17 e 18 do Código de Malta). O tribunal, ao final, qualificou o caso como dedireito matrimonial e não direito sucessório, decidindo, assim, em favor da viúva.39

A qualificação dos fatos ou institutos jurídicos submetidos ao processo deve realizar-se, em primeiro plano, pelos conceitos do DIPr previstos na lex fori (qualificaçãoprovisória).40 Assim, v.g., se a lex fori determina o que se entende por “personalidade”,“ato jurídico”, “nome”, “capacidade” ou “direitos de família”, será conforme a suaconcepção que deverão ser compreendidas tais categorias. Se, contudo, a lei indicadacomo competente (v.g., a lei do domicílio da pessoa ou do de cujus) divergir sobre ainterpretação daquela categoria de normas, adotando qualificação diversa da encontradana lex fori, será segundo a sua qualificação que deverá tal categoria de normas serinterpretada, nos termos dos seus conceitos e classificações (qualificação definitiva).41

Tal somente não será assim, ou seja, apenas não se qualificará o instituto em questão pelasetapas inicial (qualificação provisória) e posterior (qualificação definitiva) quando: a) alex fori expressamente estabelecer a qualificação pela lex causae, como faz a LINDBrelativamente aos bens e às obrigações (arts. 8º, caput, e 9º, caput – v. infra)42; ou b)

77

Page 78: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

houver tratado internacional em vigor no Estado prevendo regras para a qualificação (eisque, nesse caso, trata-se de respeitar norma convencional que prevalece a todas as regrasinternas de DIPr).43 Nos sistemas de integração supranacional, como, v.g., o da UniãoEuropeia, tem-se ainda outro critério para a qualificação do conteúdo das normasconflituais advindas de atos jurídicos da União, qual seja, o atinente ao que disciplina ajurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.44

Institutos como o domicílio, a residência e bens comportam divergências deentendimentos em diversas legislações do mundo. Tomando-se como exemplo o institutodo domicílio da pessoa natural, percebe-se que enquanto no direito brasileiro trata-se do“lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (Código Civil, art. 70),no direito italiano é aquele em que a pessoa “estabelece a sede principal dos seusnegócios e interesses” (Código Civil, art. 43). Por sua vez, no direito francês, domicílio éo lugar em que a pessoa “tem o seu estabelecimento principal” (Código Civil, art. 102).Como se nota, apenas qualificando o instituto do “domicílio”, ou seja, apagando asincertezas conceituais que sobre ele incidem, é que se poderá saber se a aplicação da leiindicada estará correta; somente assim será possível dizer se certa pessoa está realmente“domiciliada” no exterior etc.

O mesmo ocorre com o instituto da prescrição, que em alguns países pertence aodireito processual, sujeito, portanto, à lex fori, enquanto em outros integra o direitomaterial, sujeitando-se, assim, à lex causae, que disciplina a relação jurídica.45 Somenteanalisando caso a caso os institutos que se pretendem qualificar é que será possívelresponder à indagação sobre o seu exato enquadramento jurídico e, consequentemente, àsua correta aplicação no caso concreto sub judice.

A solução apontada pela LINDB para a qualificação dos bens é, como já se falou, nosentido aplicar a lei do país em que estiverem situados (art. 8º, caput); e para aqualificação das obrigações, a lei do país em que se constituírem (art. 9º, caput). Ouseja, nesses casos específicos, a norma brasileira adotou expressamente a qualificaçãopela lex causae, quando então o juiz nacional será obrigado a assim proceder. Pode-sedizer que a prova de que a qualificação, em geral, deve ser realizada pela lex fori, resideno fato de o legislador ter previsto expressamente quando a mesma há de se realizar pelalex causae. Quando, porém, a lei do país em que os bens estejam situados ou em que asobrigações se constituíram remeta a sua qualificação à outra lei, não poderá o juizbrasileiro amparar-se nessa outra norma (retorno de primeiro ou segundo graus) paraqualificar os bens e obrigações referidos, eis que o art. 16 da LINDB proibiu, como já seviu, a devolução ou reenvio. Segundo Haroldo Valladão, a lei brasileira da DIPr secontradisse ao condenar, no art. 16, o princípio da devolução, “ao declarar que a lei

78

Page 79: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

competente não seria aplicada quando remetesse a outra lei, o que importou em não aaplicar integralmente, em mutilá-la, deformá-la, uma vez que a remissão por elaestabelecida é sua parte constitutiva, inseparável”.46 Seja como for, o certo é que aLINDB, na intenção de evitar incertezas, pretendeu qualificar, expressamente, os fatos eas relações atinentes aos bens (art. 8º) e às obrigações (art. 9º). Contudo, como asseveraOscar Tenório, em tais casos “ficou o campo legal das qualificações muito restrito,porque, na doutrina e na jurisprudência, muito antes que aflorassem os debates a respeito,os bens têm participado do princípio fundamental da territorialidade; e as obrigações, dolugar de sua constituição”.47

O Código Bustamante previu que a qualificação dos institutos jurídicos deva serrealizada também de acordo com a lex fori, salvo as exceções expressamente previstas(como, v.g., a relativa aos bens e às obrigações, nos termos dos arts. 112, 113 e 164).Essa regra vem colocada no art. 6º do Código, segundo o qual:

Em todos os casos não previstos por este Código, cada um dos Estados contratantesaplicará a sua própria definição às instituições ou relações jurídicas que tiverem decorresponder aos grupos de leis mencionadas no art. 3º.

O grupo de leis referido pelo citado art. 3º é o seguinte: a) as que se aplicam àspessoas em virtude do seu domicílio e da sua nacionalidade (grupo de ordem públicainterna); b) as que obrigam por igual a todos os que residem no território, sejam ou nãonacionais (grupo de ordem pública internacional); e c) as que se aplicam somentemediante a expressão, a interpretação ou a presunção da vontade das partes ou de algumadelas (grupo de ordem privada). Fora esses casos, a contrario sensu, deverá o juiznacional aplicar a definição atinente a determinada instituição ou relação jurídica segundoo entendimento da lex causae. Sendo o Código Bustamante um tratado internacional, suasdisposições obrigam convencionalmente os Estados-partes por prevalecerem sobre asnormas de DIPr do direito interno.

A qualificação realizada pela lex fori, contudo, pode apresentar problemas,especialmente quando o direito nacional desconhece o instituto jurídico que se pretendequalificar ou em relação ao qual não há regulamentação interna. O direito islâmico, nesseparticular, tem suscitado problemas desse gênero no mundo ocidental.48 Também o direitoinglês contém institutos desconhecidos do direito brasileiro, de que é exemplo o trust. Emcasos como tais, ou seja, quando se está diante de uma “instituição desconhecida” doDireito interno, surge o problema de saber como qualificá-lo. Deve, aqui, haver duplaqualificação: a primeira, prejudicial, realizada pela fex fori, para saber se o instituto érealmente desconhecido do direito nacional; e a segunda (qualificação propriamente dita)

79

Page 80: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.2

para aferir se a instituição desconhecida pode ou não ser qualificada entre as instituiçõesnacionais análogas.49 Nesse sentido é a previsão do art. 3º da Convenção Interamericanasobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979: “Quando a lei de umEstado Parte previr instituições ou procedimentos essenciais para a sua aplicaçãoadequada e que não sejam previstos na legislação de outro Estado Parte, este poderánegar-se a aplicar a referida lei, desde que não tenha instituições ou procedimentosanálogos”. Não sendo possível qualificar a instituição desconhecida entre as instituiçõesnacionais congêneres, caberá, então, às normas da lex causae qualificá-la.

Conflitos de qualificação

Quando duas legislações estrangeiras espacialmente conflitantes, ante a inexistênciade tratado internacional uniformizador, atribuem a um mesmo instituto jurídico (v.g.,capacidade das pessoas) concepções em tudo divergentes, cada qual qualificando-o à suamaneira, nasce o problema dos conflitos de qualificação.50 A situação, aqui, é distintadaquela em que o direito do foro desconhece o direito estrangeiro em questão, caso emque não se estará diante de um conflito de qualificação, senão de uma lacuna a serpreenchida.51 O conflito de qualificações é mais um dos problemas que podem surgir parao juiz antes de aplicar a regra de conexão para conhecer o direito (material) aplicável aocaso concreto.

Tome-se o exemplo trazido por Erik Jayme. Imagine-se que um casal de italianos seinstale na Alemanha e lá redijam um testamento conjuntivo ou de mão comum, pelo qual ocônjuge sobrevivente será herdeiro do outro. Morrendo o marido, a viúva faz cumprir otestamento. Segundo a lei italiana tal testamento é totalmente nulo, diferentemente daAlemanha, país em que vale o princípio segundo o qual um testamento feito conjuntamentepelos esposos, num mesmo ato e prevendo disposições recíprocas, tem total valor.Coloca-se, assim, a questão atinente à lei aplicável ao ato. Se se tratar de uma questão deforma, a lei alemã será aplicada como a lei do lugar em que o testamento foi redigido, eele será válido. Se, porém, a proibição do testamento conjuntivo for uma questão defundo, aplica-se a lei da nacionalidade do de cujus, e o testamento é nulo.52 Assim, àmedida que uma lei trata a questão como formal e a outra como material, surge oproblema do conflito de qualificação. No caso citado, a jurisprudência alemã entendeuser a proibição do testamento conjuntivo uma questão de fundo prevista pelo ordenamentoitaliano, levando em conta o fato de que o direito italiano visa garantir a liberdade dotestador, para que redija o seu testamento sem qualquer interferência de outra pessoa.Declarou-se, portanto, nulo o referido testamento.53

80

Page 81: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.3

No Brasil, a LINDB não resolveu mais do que parcialmente o problema, e, aindaassim, apenas em relação aos bens e às obrigações, disciplinando, nos seus arts. 8º e 9º,respectivamente, que “para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”, e que “para qualificar e reger asobrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.

Em caso de conflito de qualificação, havendo tratado internacional uniformizadorratificado por ambos os Estados, deve a interpretação interna atribuída a determinadoinstituto jurídico ceder perante a que lhe dá a norma internacional em vigor.

Questão prévia

Outro problema relativo à aplicação substancial das normas de DIPr diz respeito àchamada questão prévia ou prejudicial (ou ainda incidental). Trata-se do caso em que ojuiz do foro depende, para a solução da questão jurídica principal, do deslinde de outraquestão jurídica, que lhe é preliminar. Quando tal o correr, se estará diante do problemada chamada questão prévia.54 Frise-se, porém, desde já, que se considera como questãoprévia apenas a relativa à questão substancial principal, não a atinente a um temaprocessual. Por exemplo, a validade do casamento é uma questão prévia à decisão sobreo divórcio; a validade de uma adoção é uma questão prévia à decisão da sucessão porfilho adotado.55

Destaque-se, também, que a questão aqui referida não é “prévia” (prejudicial,incidental) relativamente à qualificação. De fato, a análise da questão prévia (aodesfecho da questão principal) é realizada depois ter sido o instituto jurídico qualificado,podendo, também, ter lugar concomitantemente à qualificação. Sempre, porém, trata-se danecessidade de decidir algo anteriormente ao deslinde da questão jurídica principal.

O STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 61.434/SP, decidido em 17 de junho de1997, ao analisar o disposto no art. 10, caput,56 e seu § 2º,57 da LICC (hoje LINDB),deixou claro que capacidade para suceder não se confunde com qualidade de herdeiro,essa última tendo a ver com a ordem da votação hereditária, que consiste no fato depertencer, a pessoa que se apresenta como herdeira, a uma das categorias que, de ummodo geral, são chamadas pela lei à sucessão, e que, por isso, haveria de ser aferida pelamesma lei competente para reger a sucessão do morto, que, no Brasil, “obedece à lei dopaís em que domiciliado o defunto” (LINDB, art. 10, caput). O tribunal, então, observouque uma vez resolvida a questão prejudicial de que determinada pessoa, segundo a lei dodomicílio que tinha o de cujus, é herdeira, caberia, posteriormente, examinar se a pessoa

81

Page 82: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

indicada é ou não capaz para receber a herança, solução fornecida pela lei do domicíliodo herdeiro (LINDB, art. 10, § 2º). Como se nota, a questão prévia então debatidaconsistia em saber se a pessoa detinha a qualidade de herdeira segundo a lei do domicíliodo de cujus, e a principal se era ou não capaz de receber a herança, nos termos da lei dodomicílio do herdeiro. Naquele caso concreto, a recorrente era filha adotiva do de cujus,que era estrangeiro domiciliado em São Paulo quando de seu falecimento. Aplicando a leido domicílio do de cujus (lei brasileira), o tribunal entendeu que a recorrente eraherdeira, eis que no Brasil a adoção também envolve a sucessão hereditária. Eis aquestão prévia resolvida. Ato contínuo, o tribunal decidiu a questão principal, relativa àcapacidade para receber a herança, tendo entendido não ter havido no processo nenhumareferência à indignidade ou deserdação, ou a qualquer outro instituto que retirasse acapacidade da recorrente para suceder. O recurso foi, ao final, conhecido e provido parareconhecer à recorrente a qualidade de herdeira necessária do de cujus, como sua filhaadotiva, determinando, então, lhe fosse destinado o percentual de cinquenta por cento dosbens da herança, por conta da legítima, acrescido do legado deixado por testamento.58

A lei substancial que deve resolver a questão prévia é a lex fori ou a lex causae?Dispõe o art. 8º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979, que “as questões prévias, preliminares ou incidentes quesurjam em decorrência de uma questão principal não devem necessariamente serresolvidas de acordo com a lei que regula esta ultima”. Tal significa que a questãoprévia, nos termos dessa norma convencional, poderá ser resolvida nos termos de leidiversa da que regula a questão principal, podendo ser a lex fori ou a lex causae,indistintamente, a depender da harmonia necessária à resolução do caso sub judice. Deu-se, aqui, total liberdade ao juiz para decidir a questão prévia de acordo com o DIPr doforo ou segundo o DIPr do ordenamento jurídico indicado para resolver a questãoprincipal. Assim, segundo o art. 8º da Convenção, nem a lex fori nem a lex causae hão deser rigidamente escolhidas pelo juiz para resolver a questão prévia, mas, sim, uma ououtra lei, a depender da melhor solução (da mais justa decisão) a ser encontrada no casoconcreto. Tal significa, em outras palavras, que a decisão da questão prévia é autônomaem relação à decisão da questão principal, que depende do comando normativo indicadopela regra de DIPr da lex fori; no caso da questão prévia, não fica o juiz preso àaplicação da mesma lei que regula a questão principal, podendo aplicar livremente a lexfori ou a lex causae, tudo a depender do que for mais harmônico para o deslinde do casoconcreto.

Muitos autores, porém, entendem que o mais correto seria decidir a questão prévia deacordo com o direito competente para reger a questão principal, sob o argumento de que

82

Page 83: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.4

seria totalmente anormal decidir a questão principal por um dado ordenamento jurídico ea questão que lhe é prévia (e necessária à validade da relação jurídica principal) porordem jurídica distinta da que disciplina o meritum causae.59

Destaque-se que a denominação “questão prévia” tem merecido críticas,especialmente por não refletir com nitidez o momento cronológico em que tem lugar. Defato, mais acertado seria nominá-la questão incidental ou incidente, pois sua colocação écronologicamente posterior na investigação, embora logicamente anterior à soluçãofinal.60 Nada de diferente existe, em termos formais, entre essa questão “prévia” existenteno DIPr daquela “incidental” do direito processual civil, decidida pelo juiz anteriormenteao mérito da causa. As questões incidentais do direito processual civil, entretanto, não seenquadram no citado art. 8º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais deDireito Internacional Privado, subordinando-se exclusivamente às regras da lex fori.61

Há três condições necessárias para que a questão prévia, no DIPr, seja corretamenteconstituída: a) ser a lei aplicável uma lei estrangeira; b) ser a questão em causa distintada questão principal; e c) serem necessariamente distintos os resultados obtidos pelaaplicação do DIPr do país da lei aplicável à questão principal e do país do foro.62 Não háque se falar em questão prévia quando a questão principal tiver de ser decidida pelaaplicação da lex fori, pois, nesse caso, não surge qualquer dúvida sobre qual normajurídica substantiva (nacional ou estrangeira) deva ser aplicada para a resolução daquestão prévia.

Adaptação ou aproximação

Em princípio, tem-se que a lei indicada pela norma de DIPr da lex fori para resolvera questão sub judice é certa e determinada. Há casos, porém, em que tal indicação leva àpotencial aplicação de várias leis ou, até mesmo, de nenhuma delas. Tome-se,primeiramente, como exemplo, o art. 9º da LINDB, segundo o qual “para qualificar ereger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Imagine-se,agora, que o país em que contraída a obrigação não tenha lei a respeito daquelamodalidade obrigacional, ou, se a tem, apresenta extrema vagueza de conteúdo. O quefazer o juiz num caso como esse? A solução encontrada reside na utilização do critério daadaptação ou aproximação,63 ajustando a característica da relação jurídica ao casoconcreto sub judice, considerados, evidentemente, os interesses do DIPr.64 Ou seja, pelométodo da adaptação ou aproximação adéqua-se a norma indicada (ou a falta dela) àsituação jurídica concreta, com a finalidade de buscar a aplicação do melhor direito ao

83

Page 84: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

5.

caso concreto, dando, assim, resposta ao cidadão que busca na Justiça a solução para umproblema seu. Por exemplo, quando o direito brasileiro não conhecia o divórcio e odireito japonês só conhecia essa forma de dissolução da sociedade conjugal, concedia-seaos nipo-brasileiros o desquite, raciocinando-se no sentido de que se o direito japonêsautoriza o divórcio, plus, com maior razão deveria admitir o desquite, minus.65

Destaque-se que a técnica da adaptação ou aproximação diz respeito à própria normaindicativa ou indireta de DIPr da lex fori, ou seja, àquela determinante de um direitoaplicável (no caso em questão, o direito estrangeiro) a uma relação jurídica com conexãointernacional, diferentemente dos institutos da transposição e da substituição, quepermanecem diretamente vinculados à aplicação da norma material estrangeira indicadapela norma interna de DIPr.66 Utiliza-se a transposição quando a norma material(substantiva) estrangeira for desconhecida do Direito interno (v. Cap. VI, item 4.7, infra)e necessite ser “transposta” para as normas substantivas adequadas do direito nacional.67

A substituição, por sua vez, terá lugar quando for necessário coordenar o direitosubstantivo nacional (aplicável segundo as normas de DIPr da lex fori) a um ato praticadopara além do foro, de acordo com o direito estrangeiro, quando então buscará o juiz“substituir” o ato praticado alhures por outro equivalente no Direito interno.68

O juiz do foro pode adaptar ou aproximar o caso sub judice utilizando a comparaçãocom institutos nacionais análogos, bem assim pela aplicação das regras de colmatação delacunas jurídicas, especialmente na hipótese de a norma indicada prever o institutojurídico em causa, porém, regulamentá-lo com vagueza ou imprecisão, isto é, para aquémde como regido pela lex fori.

Direitos adquiridos no DIPr

As situações legalmente constituídas à luz do direito estrangeiro poderão, a priori, serinvocadas e produzir efeitos em outro país. A regra, aqui, portanto, é a de que um direitolegalmente adquirido no estrangeiro há de ser reconhecido pela ordem interna, tal comose constituiu nos termos da legislação estrangeira.69 Trata-se da teoria dos vested rightspredominante no direito norte-americano.70 Assim, v.g., um casal que se casa na França evem residir no Brasil, será aqui tratado com o mesmo status das pessoas casadas, eis queessa condição já adquiriram no estrangeiro antes da vinda ao Brasil, não cabendo aostribunais brasileiros indagar sobre a invalidade desse matrimônio realizado alhures;também o padre que se casou validamente em seu país e vem residir com sua esposa empaís que não admite o casamento de clérigos católicos terá reconhecido, nesse último, o

84

Page 85: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

status de casado para todos os efeitos legais; um turista que vai ao exterior com seus benspessoais (v.g., com um relógio de pulso) não terá a sua propriedade contestada aoultrapassar a fronteira; uma pessoa que ingressa em outro Estado não perde, v.g., a suaqualidade de filho, de esposo ou de pai de família que tenha regularmente adquirido noexterior etc.71 Da mesma forma, o casamento de brasileiros em segundas núpciasrealizado no exterior, por se tratar de direito legalmente adquirido alhures, será aceito noBrasil independentemente da prévia homologação da sentença estrangeira de divórciopelo Superior Tribunal de Justiça, se teve o casal residência ou domicílio no paísestrangeiro à época do divórcio e do segundo casamento.72

É o respeito recíproco pela soberania dos Estados, explica Jacob Dolinger, que osleva a respeitar a validade conferida a um ato praticado em outra jurisdição, o que nãoimplica renúncia a qualquer parcela de sua soberania, pois não se pode pretender que atorealizado e já consolidado no exterior se sujeite à lei do foro.73 Atente-se, porém, aindasegundo Dolinger, que se a aquisição do direito no estrangeiro tiver obedecido à regra deconexão estabelecida pelo DIPr do Estado de reconhecimento, não haverá a necessidadede se recorrer ao princípio dos direitos adquiridos, eis que as regras de conexão doEstado de reconhecimento levariam à mesma conclusão.74 De fato, apenas se vai cogitarde reconhecer efeitos a direitos adquiridos no exterior quando as regras de conexão doDIPr da lex fori não estiverem em questão, bem assim quando em relação a elas houverdivergência, pois, em caso de concordância, não teria sentido cogitar de direitosadquiridos no estrangeiro. Estar-se-ia, nesse caso, diante de autorização expressa do DIPrda lex fori para que se reconheçam efeitos aos atos ou fatos realizados no estrangeiro,dada a concordância com os elementos de conexão do Estado de reconhecimento.

Destaque-se que a norma de DIPr da lex fori pode estabelecer limites aoreconhecimento dos direitos adquiridos no estrangeiro, como, v.g., quando houverviolação da soberania, da ordem pública e dos bons costumes. Assim, o direito adquiridoa manter determinada pessoa em situação de escravidão ou o direito adquirido àpoligamia não poderão ter reconhecimento no Brasil, por violarem frontalmente a nossaordem pública. Dessa forma, não se admitirá, v.g., a um cidadão árabe que aqui aporte jácasado, que contraia novas núpcias no Brasil sob a alegação de que beneficiário dessedireito adquirido segundo o seu estatuto pessoal.

Nesse sentido, o art. 7º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979, assim prevê:

As situações jurídicas validamente constituídas em um Estado Parte, de acordo com todasas leis com as quais tenham conexão no momento de sua constituição, serão reconhecidasnos demais Estados Partes, desde que não sejam contrárias aos princípios da sua ordem

85

Page 86: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

pública.75

Perceba-se que a Convenção Interamericana citada refere-se às “situações jurídicas”validamente constituídas em um Estado Parte, conceito esse que é mais amplo que o dedireito adquirido e o de relação jurídica. Este último, v.g., conota a relação entre, nomínimo, duas pessoas, ao passo que o de “situação jurídica” independe dessa ligação,podendo haver situações jurídicas puramente individuais (v.g., as situações demaioridade, menoridade etc.).76 Assim, se um indivíduo “atinge a maioridade e a plenacapacidade de acordo com a lex domicilii, não deixa de ser maior e não deixa de sercapaz pelo fato de haver transferido o domicílio para país que tenha diversospressupostos de maioridade e capacidade. O status, a situação de maior e capaz, nãoconstitui, no conceito próprio, direito adquirido, mas configura situação jurídica concretaque, uma vez caracterizada, passa a integrar a personalidade, escapando à influência denovas leis no tempo e no espaço”.77 Tal demonstra, em suma, que as situações jurídicas (eos direitos adquiridos que nelas se contêm) validamente constituídas num Estadoestrangeiro, não podem deixar de ser reconhecidas pelo Estado do foro, salvo secontrárias à ordem pública nacional.

Há casos, porém, em que não obstante o direito que se pretenda reconhecer no Brasilviole a nossa ordem pública, será aceito em nosso país por ter sido legalmenteconstituído segundo as regras da lex causae, tais as sentenças de cobrança de dívidas dejogos de azar contraídas em países que autorizam essa atividade. Nesse exato sentido temdecidindo o STJ, aduzindo que “não ofende a soberania nacional, a ordem pública e osbons costumes a cobrança de dívida de jogo contraída em país onde a prática é legal”.78

Assim, percebe-se que a relação existente entre o princípio da ordem pública e do direitoadquirido é menos rigorosa no caso de aplicação direta da norma do direito estrangeiro.79

De fato, a ordem pública como limite à aplicação direta da norma estrangeira (como seestudará no Cap. VI, item 4.2, infra) é mais gravosa que no caso do reconhecimento dedireitos adquiridos no exterior, os quais podem ser aceitos, em certos casos e sobdeterminadas condições, perante a jurisdição do Estado do foro, ainda que violadores daordem pública local, por terem sido validamente constituídos segundo as regras da lexcausae. Assim, uma união poligâmica legalmente constituída em país cujo estatutopessoal a admite, não poderá ser oficializada, v.g., no Brasil, que não a aceita em razãoda violação da ordem pública nacional, o que não significa que os tribunais pátriosdeixarão de conceder pensão alimentícia aos filhos menores ou, ainda, de reconhecerdireitos sucessórios decorrentes daquela união.80

Uma crítica, contudo, que se faz ao art. 7º da Convenção Interamericana sobre Normas

86

Page 87: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Gerais de Direito Internacional Privado, diz respeito à exigência de que as situaçõesjurídicas tenham sido constituídas conforme “todas as leis com as quais tenham conexãono momento de sua constituição”, o que, segundo Dolinger, “estabelece uma condiçãoparadoxal, pois geralmente as situações jurídicas se criam de acordo com umadeterminada lei ordenada pelas regras conflituais da jurisdição onde ocorrem”, razão pelaqual “exigir que uma situação se consolide de acordo com todas as leis com as quaistenha conexão é admitir uma impossibilidade da hipótese de conflito entre as mesmas”.81

Em suma, apesar das divergências que sobre o tema se apresentam, especialmentedecorrentes da dificuldade de compatibilizá-lo com o princípio da “ordem pública”,pode-se dizer que para que se reconheça um direito adquirido constituído no estrangeirodeve: a) o direito em questão ser verdadeiro direito, não mera expectativa; e b) ter sidovalidamente adquirido no exterior, isto é, nascido de acordo com a lei competente parapresidir a sua formação (ainda que contrário às regras de conexão do DIPr da lex fori).82

Lembre-se, por fim, que, no Brasil, o princípio do direito adquirido foi alçado a nívelconstitucional, prevalecendo, evidentemente, sobre todas as regras nacionais de DIPr,dispondo a Constituição Federal de 1988, no art. 5º, XXXVI, que “a lei não prejudicará odireito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse reconhecimento sóficará prejudicado no caso de o direito adquirido em questão violar a filosofia e oespírito constitucional (e internacional) de proteção dos direitos fundamentais (ehumanos). Nesse caso, a exemplo daquele relativo ao direito adquirido de manterescravos em território nacional, os princípios maiores da justiça – fundados na proteçãoconstitucional e internacional dos direitos fundamentais e dos direitos humanos –informarão ao juiz a necessidade de rechaçar o direito adquirido no estrangeiro (aindaque legalmente constituído) em razão da ordem pública local.

87

Page 88: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

__________Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 217; BATALHA, Wilson deSouza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacionalprivado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 44-46; STRENGER, Irineu. Direitointernacional privado, cit., p. 334-337; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacionalprivado…, cit., p. 128-130; DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 33-34; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p.161.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 38.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 41.Cf. LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privé contemporain…, cit.,p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in the field ofcontracts and torts, cit., p. 187-512.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 50-51; e SAVIGNY, FriedrichCarl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 133.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 168.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 335.STRENGER, Irineu. Idem, p. 335-336.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 224.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 138.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 56.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 351-352; e VALLADÃO,Haroldo. Conflitos no espaço de normas de direito internacional privado: renúncia e devolução. In:BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado:teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 183-205 (Coleção Doutrinas essenciais: direitointernacional, vol. IV).V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 57.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 227; e DINIZ, Maria Helena.Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 33-34.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 227. Nesse exato sentido, v.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 106-107: “Oconcurso de leis aplicáveis a uma mesma relação jurídica deve ser ordenado de forma harmônica,procurando-se, tanto quanto possível, alcançar o objetivo visado pelas diversas leis. Não sendo issopossível, deverá o juiz ou tribunal criar uma solução de equidade, praeter legem. (…) Em vez de umignorabimus a respeito do fundamento normativo e de um non liquet que tornaria o caso pendentesem solução, deve o juiz ou o tribunal recorrer à equidade como Justiça do caso particular, ou seja,o critério de solução específica, alheio aos preceitos gerais da lei, ou das leis em conflito”.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direitointerno, cit., p. 129-177.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 231-233; e JAYME, Erik.

88

Page 89: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

19

20

21

22

23

24

25

26

27

28

29

30

31

32

33

34

35

36

37

Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 233. A Itália passou por umareforma completa do seu DIPr no ano de 1995, por meio da qual aceitou novamente o reenvio, entreoutros temas (v. Gazzetta Ufficiale, nº 128, 3 jun. 1995).VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 233.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 233.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 350; e JAYME, Erik. Identitéculturelle et intégration…, cit., p. 96.Verbis: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar uma lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”.Para críticas, v. DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro comentada. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,2004, p. 164-166. Outros autores, por sua vez, como Amilcar de Castro, aplaudiram a disposição: “Éabsurdo que a disposição de direito internacional privado, direito público de uma jurisdiçãoautônoma, tenha seu sentido à mercê de todos os legisladores estrangeiros, menos sob o controledo governo dessa jurisdição. (…) Em boa hora foi promulgada esta norma, que é tradução fiel do art.30 das disposições preliminares do Código Civil Italiano de 1942, e só merece aplausos” (Direitointernacional privado, cit., p. 248). No mesmo sentido, também Maristela Basso entende que “aproibição do reenvio coaduna-se com uma preocupação técnica de evitar que o juiz nacional, aoaplicar a lei estrangeira, busque outras normas que não aquelas de direito material indicadas pelasnormas de conflito de leis no espaço. (…) Com isso, a regra proibitiva do reenvio vemcoerentemente mostrar que a aplicação do direito estrangeiro deve ser alcançada por critérios depreferência e justiça” (Curso de direito internacional privado, cit., p. 245).Sobre o tema, cf. especialmente SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p.363-528.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 26.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 58.IDI, Le problème intertemporel en droit international privé, Dijon-1981.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 57.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 248.Estamos com Oscar Tenório, para quem não se deve falar, a rigor, em “teoria” ou “doutrina” daqualificação, senão apenas em “problema das qualificações” (cf. seu Direito internacional privado,vol. I, cit., p. 314). No mesmo sentido, v. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro interpretada, cit., p. 31-32.Cf. ARMINJON, Pierre. L’objet et la méthode du droit international privé, cit., p. 442; e NIBOYET,J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 453.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 361-361, que utiliza a seguintefórmula: “conceituar + classificar = qualificar”.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 136.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 290.Cf. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 162.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 374-375.

89

Page 90: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

38

39

40

41

42

43

44

45

46

47

48

49

50

51

52

53

54

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 290.Sobre o caso, v. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 378.Sobre a qualificação realizada pela lex fori, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privéfrançais, cit., p. 454-460.Essa é exatamente a orientação de VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p.261. Ainda sobre o tema, cf. CALIXTO, Negi. Interpretação do direito internacional privado.Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 83, Brasília, jul./set. 1984, p. 87-104. A ideia daqualificação pela lex causae é tributada a DESPAGNET, Frantz. Des conflits de lois relatifs à laqualification des rapports juridiques. Paris: Marchal & Billard, 1898. Para críticas sobre aqualificação em etapas, v. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 369-373. OProjeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, adotou, nesse sentido, a qualificação exclusiva pela lexfori: “A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita de acordo com a leibrasileira”. Pensamos, contudo, que a qualificação mais precisa é aquela realizada, quandonecessário, por etapas (qualificação provisória e definitiva), tal como defendida por HaroldoValladão.O Código Bustamante, também no que tange aos bens e às obrigações, foge á regra da qualificaçãopela lex fori e estabelece que a qualificação deve realizar-se pela lex causae (arts. 112, 113 e 164).Vários tratados internacionais trazem em seu bojo normas qualificadoras. Como exemplo, pode sercitado o Tratado de Direito Comercial Terrestre de Montevidéu, de 1940, que define “domicíliocomercial” nos seguintes termos: “Domicílio comercial é o lugar onde o comerciante ou asociedade comercial têm o seu principal local de negócios” (art. 3º).V. COACCIOLI, Antonio. Manuale di diritto internazionale privato e processuale. vol. 1, cit., p.95. Cf. também, SAULLE, Maria Rita. Diritto comunitario e diritto internazionale privato.Napoli: Giannini, 1983. Sobre as novas tendências do DIPr no âmbito da União Europeia, v.MICHAELS, Ralf. The new European choice-of-law revolution. Tulane Law Review, vol. 82, nº 5,may 2008, p. 1607-1644.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 66.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 261.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 309.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 114.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 343-344.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 257-258.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 109.JAYME, Erik. Idem, p. 109-110.V. OLG Francfort-sur-le-Main, 17 mai. 1985, IPRax, 1986, p. 111 ss.; e JAYME, Erik. Identitéculturelle et intégration…, cit., p. 110. Erik Jayme, contudo, critica a decisão e entende que deveriater sido aplicada a filosofia trazida pela Convenção da Haia de 5 de outubro de 1961, no sentido defavorecer a validade do testamento. Assim, diz ele, “em caso de dúvida, a qualificação como questãode forma é que deveria prevalecer. Tal seria uma solução material, e, eu me permito dizer, pós-moderna” (Idem, ibidem).Cf. MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé, cit., p. 63-64; TENÓRIO,Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 316-317; JAYME, Erik. Identité culturelle etintégration…, cit., p. 99-101; DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 437-

90

Page 91: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

55

56

57

58

59

60

61

62

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

73

74

75

444; e DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 41.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 195-196.Verbis: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defuntoou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.Verbis: “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”.STJ, REsp. 61.434/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 17.06.1997, DJ 08.09.1997.Para detalhes sobre uma ou outra posição, cf. MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droitinternational privé, cit., p. 437-447.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 101.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de.Idem, p. 103.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 196.Cf. SANTOS, António Marques dos. Breves considerações sobre a adaptação em direitointernacional privado. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 1988.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 197-198.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 286.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 189-190.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Idem, p. 190.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Idem, p. 191.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 378; e, com maiores detalhes,BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Direitos adquiridos no direito internacional privado.Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. Nesse sentido, v. a orientação do art. 19 do Projeto de Lei nº269 do Senado, de 2004: “Os direitos adquiridos na conformidade de sistema jurídico estrangeiroserão reconhecidos no Brasil com as ressalvas decorrentes dos artigos 17 [qualificação], 18 [fraudeà lei] e 20 [ordem pública]”.V., por tudo, PILLET, A. La théorie générale des droits acquis. Recueil des Cours, vol. 8 (1925), p.489-538. Cf. ainda, MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé, cit., p. 391-392; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…, cit., p. 143-158; e BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 22.Cf. PILLET, A. La théorie générale des droits acquis, cit., p. 489-492; e DOLINGER, Jacob. Direitointernacional privado…, cit., p. 451-453 (citando também os exemplos de Pillet).V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 198; e DEL’OLMO,Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 5.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 453. Beat Walter Rechsteiner, por suavez, entende que os “direitos adquiridos no estrangeiro estão protegidos pelo direito internacionalprivado, basicamente, por duas razões, a saber: pelo interesse da continuidade e pela garantia dacerteza de direito (sécurité de droit)” (Direito internacional privado…, cit., p. 196).DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 458.Outras normas internacionais também consagram o princípio do reconhecimento dos direitosadquiridos, tal como faz o Código Bustamante em seu art. 8º: “Os direitos adquiridos segundo asregras deste Código têm plena eficácia extraterritorial nos Estados contratantes, salvo se se opuser

91

Page 92: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

76

77

78

79

80

81

82

a algum dos seus efeitos ou consequências uma regra de ordem pública internacional”. JacobDolinger, porém, critica essa disposição por entendê-la supérflua e contrária ao princípio filosóficoimanente na teoria dos direitos adquiridos: supérflua, pois se os direitos se adquiriram segundo asregras “deste Código”, seria desnecessário o recurso aos direitos adquiridos para que tenhameficácia extraterritorial; e contrário à filosofia dos direitos adquiridos, pois esta comanda o respeitoa direitos adquiridos por outras regras que não as do foro e, consequentemente, também nãonecessariamente de acordo com as regras “deste Código” (Direito internacional privado…, cit., p.461).V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 59.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Idem, p.60.STJ, Ag. 751.600, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 27.08.2009, DJe 01.09.2009.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 463.V. DOLINGER, Jacob. Idem, p. 466. Para detalhes sobre os efeitos dos direitos adquiridos, v.PILLET, A. La théorie générale des droits acquis, cit., p. 503-508.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 463.Cf. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 49-50.

92

Page 93: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

1.1

Capítulo V

Elementos de Conexão

Elemento e objeto de conexão

As normas de DIPr têm uma estrutura característica composta sempre de duas partesbem nítidas: uma contendo o elemento de conexão da norma e outra prevendo o(s)objeto(s) de conexão.1 Veja-se, a propósito, o exemplo do art. 8º da LINDB, que dispõe:“Para qualificar os bens [objeto de conexão] e regular as relações a eles concernentes,aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados [elemento de conexão]”. Os “bens”constituem o objeto de conexão da norma indicativa; e “a lei do país em que estiveremsituados”, o seu elemento de conexão. Tome-se, também, o exemplo do art. 9º da LINDB,que prevê: “Para qualificar e reger as obrigações [objeto de conexão], aplicar-se-á a leido país em que se constituírem [elemento de conexão]”. As “obrigações” são o objeto deconexão da norma; e “a lei do país em que se constituírem”, o seu elemento de conexão.

Diferenças de fundo

Os objetos de conexão, como se nota, versam a matéria regulada pela normaindicativa (v.g., bens; casamento; sucessão; obrigações etc.) e abordam sempre questõesjurídicas vinculadas a fatos ou elementos de fatores sociais com conexão internacional(v.g., capacidade jurídica; forma de um testamento; nome de uma pessoa física; direitosreais referentes a bens imóveis; pretensões jurídicas, como as decorrentes de um atoilícito praticado ou de um acidente de carro etc.).2 Por sua vez, os elementos de conexão(de ligação, de contato, de vínculo3) das normas indicativas são os que ligam, contatamou vinculam internacionalmente a questão de DIPr, tornando possível saber qual lei (se anacional ou a estrangeira) deverá ser efetivamente aplicada ao caso concreto a fim deresolver a questão principal; são os elos existentes entre as normas de um país e as deoutro, capazes de fazer descobrir qual ordem jurídica resolverá a questão (material) subjudice. Em suma, os elementos de conexão são “elementos de localização” do direitoaplicável, isto é, aqueles que se tomam em consideração para determinar a lei aplicável.4

93

Page 94: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.2

2.

Sua determinação é dada pelas normas de DIPr de cada país, dependendo o seuestabelecimento das tradições (costumes) e da política legislativa de cada qual.5

Procedimento de localização

O método pelo qual o juiz verifica se é possível enquadrar o ato ou fato jurídico comconexão internacional no objeto de conexão previsto pela norma de DIPr da lex fori é aqualificação (v. Cap. IV, item 4.1, supra).6 Qualificada, porém, a relação jurídica, isto é,classificada a questão dentre o rol de institutos jurídicos existentes, caberá, então, ao juiz,determinar o elemento de conexão da norma indicativa, ou seja, localizar a sede jurídicada relação qualificada. Será o elemento de conexão da norma indicativa que possibilitaráao juiz assegurar-se de que esta ou aquela lei (nacional ou estrangeira) deverá seraplicada ao caso concreto. Somente após todo esse exercício jurídico – depois dequalificado o instituto em causa e encontrado o objeto de conexão – é que, finalmente,poderá o magistrado determinar a lei aplicável e, a partir daí, realmente aplicá-la àquestão decidenda (questão principal).

Para chegar a esse desiderato avulta de importância o estudo dos elementos deconexão das normas indicativas ou indiretas, os quais exercem papel central no DIPr,especialmente por haver disparidade entre os elementos escolhidos pelas diversaslegislações, o que efetivamente demonstra que o objeto do DIPr é, tout court, o conflitode leis no espaço com conexão internacional.7

Espécies de elementos de conexão

A escolha dos elementos de conexão de uma norma indicativa de DIPr varia de Estadopara Estado, não havendo uma regra uniforme para a eleição, nas diversas legislaçõesestrangeiras, de que elemento deverá ser aplicado para cada situação jurídica. Assim,depende das tradições (costumes) e da política legislativa de cada qual a escolha doselementos de conexão das normas indicativas do DIPr nacional, sendo alguns deles maiscorrentemente utilizados nas legislações em geral.

As conexões podem ser pessoais, reais, formais ou voluntárias, variando a sua maiorou menor utilização, como se disse, segundo as tradições (costumes) e a políticalegislativa de cada Estado.

94

Page 95: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.1

2.2

2.3

Conexões pessoais

São pessoais as conexões relativas à pessoa, tais a nacionalidade, o domicílio, aresidência, a origem e a religião. Trata-se de elementos apenas possíveis havendo umapessoa no centro da conexão (v.g., alguém que nasce, que falece, que é domiciliado ouresidente em determinado lugar, que professa certa religião etc.). De todas as conexõespessoais, a nacionalidade e o domicílio são as que resolvem a maioria das questõesatuais do DIPr. O domicílio tem sido o elemento de conexão mais utilizado, sobretudo nospaíses da América Latina (dentre eles o Brasil); a residência, por sua vez, aparece comoelemento subsidiário, quando não se consegue identificar o domicílio da pessoa.

Conexões reais (territoriais)

São reais (territoriais) as conexões normalmente ligadas às coisas, tal a lex rei sitae(ou lex situs). Relacionam-se à propriedade, aos bens móveis e imóveis. A lex rei sitae,v.g., é a conexão quase universalmente adotada no que tange aos bens imóveis. Nessesentido, assim dispõe o art. 8º da LINDB: “Para qualificar os bens e regular as relações aeles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”. Nesse caso, emnada importa o domicílio da pessoa, sendo competente o foro em que situado o bem. Paraos bens móveis tem-se normalmente adotado o princípio mobilia sequuntur personam,segundo o qual os móveis seguem a pessoa.8 O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004,porém, dispôs, no art. 11, parágrafo único, que os bens móveis serão regidos “pela lei dopaís com o qual tenham vínculos mais estreitos”.

Conexões formais

São formais as conexões relativas aos atos jurídicos em geral, tais o lugar de suacelebração (lex loci celebrationis), o lugar de sua execução (lex loci executionis) e olugar de sua constituição (lex loci constitutionis). Trata-se dos elementos de conexãoque vinculam um ato jurídico a determinado sistema normativo: locus regit actum. Nessescasos, será o local – da celebração, execução ou constituição – que regerá o ato jurídico.

O lugar da celebração vem previsto, v.g., no art. 7º, § 1º, da LINDB, segundo o qual“realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aosimpedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”. Nessa hipótese, como senota, o local da realização do ato jurídico (casamento celebrado no Brasil) atrai a

95

Page 96: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.4

3.

3.1

aplicação do sistema normativo nacional (aplicação da lei brasileira). O mesmo se dácom o lugar da execução, tal como previsto, v.g., no art. 9º, § 1º, da LINDB: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será estaobservada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitosextrínsecos do ato”. Por fim, o lugar da constituição aparece nítido no art. 9º, caput, daLINDB, segundo o qual “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do paísem que se constituírem”. Aqui, também, será o local (país da constituição da obrigação)que atrairá a lei competente para a sua qualificação e regência.

Conexões voluntárias

São voluntárias as conexões que levam em conta a vontade das partes; que resolvemo conflito pela aplicação da lei livremente escolhida (lex voluntatis). No Brasil, a dúvidaestá em saber se a autonomia da vontade das partes encontra autorização no nosso direitointerno. Como se verá à frente, conquanto não expressamente prevista na legislaçãobrasileira atual, a autonomia da vontade das partes é elemento de conexão costumeiro, dehá muito reconhecido entre nós; é elemento conectivo válido e autorizado pela nossaordem jurídica (v. item 4.4, infra).

Qualificação dos elementos de conexão

Os elementos de conexão são institutos jurídicos (v.g., território, nacionalidade,domicílio etc.) e, como tais, comportam diversos enquadramentos nas várias legislaçõesestrangeiras. Assim, eles também, a exemplo de qualquer instituto jurídico conhecido,necessitam ser qualificados (classificados) para que sejam bem aplicados. A questão estáem saber a qual das ordens jurídicas em causa cabe qualificar os elementos de conexão.

Qualificação pela lex causae

A qualificação dos elementos de conexão há de ser realizada de acordo com o sistemajurídico de que fazem parte. Assim, uma vez indicado o direito estrangeiro a ser aplicado,deverá ser com base nesse direito realizada a qualificação; será, nesse caso, a lex causaeque deverá fornecer a qualificação do instituto jurídico em causa, não a lex fori.9 Essaúltima, segundo Haroldo Valladão, só tem condições de qualificar, v.g., a nacionalidade

96

Page 97: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

4.

ou o domicílio ou o lugar contratual, respectivamente, do ou no foro.10 Dessa forma, se alei do foro indicar que o direito sucessório se regerá pela lex domicilii, e verificando ojuiz que o domicílio da pessoa é na França, deverá, ante a proibição do retorno presenteno direito brasileiro atual, qualificar o domicílio nos termos do direito francês, não à luzdo nosso direito.11

Seja como for, a qualificação dos elementos de conexão é medida impositiva,obrigatória, eis que tais elementos não têm o mesmo significado nos diversos sistemasjurídicos existentes. Assim, v.g., para saber se uma pessoa tem a nacionalidadebrasileira, necessário investigar quais as regras existentes no Brasil sobre“nacionalidade”; para saber se alguém é divorciado na França, há que se estudar asnormas francesas sobre “divórcio”, e assim por diante.

Conflito positivo e negativo

Aqui, também, poderá haver conflito positivo ou negativo relativo à qualificação deum dado elemento de conexão. Haverá o conflito positivo quando, v.g., a pessoa forconsiderada domiciliada em mais de um Estado; e o conflito negativo quando, v.g., ambosos Estados em causa considerarem sem nacionalidade determinado indivíduo. A questãose resolve, segundo Valladão, aplicando-se outro elemento de conexão, subsidiário,também ligado ao negócio, v.g., para a nacionalidade o domicílio, e para este aresidência, salvo, habitualmente, a qualificação do foro, se a lei deste se achar emcausa.12 Não se descarta, porém, que tratados internacionais estabeleçam um conceitogeral sobre os elementos de conexão conhecidos, como nacionalidade, domicílio etc.

Principais elementos de conexão

São relativamente poucos os elementos de conexão existentes, não obstante havercerta complexidade na exata compreensão de cada um deles. É, outrossim, importante averificação desses elementos para que tanto quem demanda como quem julga possacorretamente qualificá-los, segundo os preceitos já estudados.

Como já se disse, a eleição dos elementos de conexão das normas indicativas ouindiretas depende das tradições (costumes) e da política legislativa de cada Estado,havendo várias espécies de conexões possíveis, variantes de um país para outro. Odireito comparado, no entanto, tem mostrado que alguns elementos de conexão são comunsnas diversas legislações estrangeiras. Cabe, assim, examinar quais os principais

97

Page 98: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.1

elementos de conexão existentes, especialmente à luz de sua previsão no DIPr brasileiro.

Território

O território é o principal elemento de conexão das normas indicativas ou indiretas deDIPr.13 É sobre ele, v.g., que se localiza determinado imóvel, que certo ato jurídico épraticado, que ocorre determinado fato, em que se encontram certas pessoas, que se fixa anacionalidade originária jus soli etc.

Como explica Haroldo Valladão, o território do Estado pode ser (a) um elementopróprio (autônomo) da norma indicativa, quando indica, v.g., a lex situs, a lei competentepara regular os bens ou a lex rei sitae; ou (b) um componente básico de outros elementosde conexão, como, v.g., da nacionalidade jus soli, do domicílio, do lugar da realização ouda execução do ato ou do contrato.14

Destaque-se que o conceito de território que interessa ao direito internacional emgeral não é absolutamente geográfico. Cuida-se, aqui, do seu conceito jurídico, quecompreende: a) o solo ocupado pela massa demográfica de indivíduos que compõem oEstado, com seus limites reconhecidos; b) o subsolo e as regiões separadas do solo; c) osrios, lagos e mares interiores; d) os golfos, as baias e os portos; e) a faixa de marterritorial (de 12 milhas marítimas) e a plataforma submarina (para os Estados que têmlitoral) e; f) também o espaço aéreo correspondente ao solo e ao mar territorial.15

Assim, quando diz a LINDB, no art. 7º, § 1º, que “realizando-se o casamento noBrasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e àsformalidades da celebração”, não pode haver dúvida de que “no Brasil” significa maisque o território (geográfico) brasileiro, senão também conotando todos os lugares em quea República Federativa do Brasil exerce a sua soberania, a exemplo dos espaçosmarítimo e aéreo (para além dos atos realizados em navios ou aeronaves militaresbrasileiros).

O critério territorial tem sido historicamente eleito no Brasil como o nosso principalelemento de conexão, com superação do critério da nacionalidade.16 Tal pode sercomprovado pela leitura da atual LINDB, que seguiu o espírito das normas anteriores. Defato, como se percebe da leitura da LINDB, no que tange (a) à personalidade, àcapacidade e aos direitos de família incide a lei domiciliar e, em caso de diversidade dedomicílios, a lei do primeiro domicílio conjugal (art. 7º e parágrafos); (b) aos bens edireitos reais, incide a lex rei situs ou lei da situação dos bens, com exceção dos bensmóveis, que seguem a lei do país de domicílio do proprietário (art. 8º e § 1º); (c) às

98

Page 99: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.2

obrigações, incide a lei do país em que se constituírem, salvo quanto à forma essencialdas obrigações exequíveis no Brasil (art. 9º e § 1º); (d) à sucessão por morte ou porausência, incide a lei do domicílio do defunto ou desaparecido, qualquer que seja anatureza ou a situação dos bens (art. 10); (e) às pessoas jurídicas, incide a lei do Estadoem que se constituírem (art. 11); e (f) à competência do foro, incide a lei do país em que oréu seja domiciliado, em que a obrigação deva ser cumprida, ou em que o imóvel estejasituado (art. 12 e § 1º).17

Nacionalidade

O elemento de conexão nacionalidade18 guarda grande relevância para o DIPr emgeral, quer para resolver conflitos de leis no espaço relativos ao gozo, ao exercício ou aoreconhecimento de direitos.19 Trata-se de elemento de conexão bastante utilizado naslegislações de DIPr de vários países da Europa. No Brasil, como se disse, a atual LINDB(seguindo a tendência histórica da legislação brasileira relativa ao tema) superou oelemento de conexão nacionalidade, para adotar prioritariamente o critério territorial. Eisso tem uma explicação lógica, pois quando o estatuto pessoal se rege pelanacionalidade os conflitos jurídicos tendem a se multiplicar, especialmente pela maiorfrequência das mudanças de nacionalidade e de sua pluralidade no seio das famílias, aopasso que quando o estatuto pessoal é regido pela lei territorial os conflitos em que sejanecessário aplicar a lei de outro Estado diminuem consideravelmente.20

Cabe à lex causae, isto é, à lei de cuja nacionalidade se trata, qualificar o elementode conexão relativo à nacionalidade, inclusive a interpretação dos termos pela leirespectiva utilizados, devendo, ainda, resolver as eventuais questões prévias,21 desde que“esteja de acordo com as convenções internacionais, o costume internacional e osprincípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade”, tal comodetermina o art. 1º da Convenção da Haia de 1930 sobre conflitos de leis em matéria denacionalidade.22

Quando houver o indivíduo mais de uma nacionalidade, o entendimento corrente é nosentido de tomar como referência aquela com a qual ele mantém a relação mais próxima eestreita de significância (most significant relationship). Tome-se, como exemplo, umcidadão brasileiro que também detém nacionalidade italiana, porém, é domiciliado noBrasil, trabalha no Brasil, mantém sua família no Brasil e quase não sai do país. Nessecaso, é evidente que é com o Brasil que tal indivíduo mantém relações mais estreitas, nãocom a Itália, país do qual, apesar de também ser nacional, não frequenta constantemente,

99

Page 100: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.3

não tem domicílio ou residência, não exerce qualquer atividade profissional etc.

Domicílio

A legislação brasileira atual, no que tange às pessoas físicas, atribui total ênfase aoelemento de conexão domicílio, em vez do elemento nacionalidade, o que se comprovafacilmente lendo os arts. 7º e seguintes da LINDB. No que toca às pessoas jurídicas,também o elemento territorial é a regra, dispondo o art. 11, caput, que a elas se aplica alei do Estado em que se constituírem.23

A opção do legislador brasileiro pelo elemento de conexão domicílio – explica EdgarCarlos de Amorim – deu-se em decorrência da Segunda Guerra mundial e do fato devários navios brasileiros terem sido torpedeados em nossas costas, levando ànecessidade de assegurar a vários súditos dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão)domiciliados no Brasil, e cujos comércios foram alvo de constantes quebra-quebras, quenão tivessem seus direitos violados pela aplicação das leis de sua nacionalidade, emdetrimento da legislação do domicílio (legislação brasileira).24

Daí em diante, o critério territorial – que guarda o ponto de contato mais corrente deuma pessoa com uma dada ordem jurídica – tem sido historicamente eleito no Brasil comoo nosso principal elemento de conexão, superando o da nacionalidade. Dentre as espéciesdo critério territorial, o domicílio foi o elemento eleito para as questões envolvendo, v.g.,o começo e fim da personalidade, o nome, a capacidade, os direitos de família, ainvalidade do matrimônio e seu regime de bens, legal ou convencional. É importante,assim, a compreensão desse elemento de conexão no DIPr brasileiro, notadamente emrelação ao estatuto pessoal.

O domicílio tem sido entendido como o ponto de contato mais corrente e seguro deuma pessoa com uma dada ordem jurídica, capaz de demonstrar a vontade de fixação doindivíduo em determinado lugar, seja para nele definitivamente residir, centralizar seusnegócios ou ter o seu estabelecimento principal. Trata-se do locus no qual gravitam asprincipais atividades da pessoa, por ela determinado para a consecução daquilo queprimariamente deseja, e que a vincula à ordem jurídica em que se encontra,independentemente de sua nacionalidade.

O elemento de conexão domicílio, contudo, é bastante controverso no DIPr, eis que aslegislações de diversos Estados normatizam o seu conteúdo com enorme disparidade.25

De fato, enquanto no direito brasileiro, v.g., o domicílio da pessoa natural “é o lugar ondeela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (Código Civil, art. 70), no direito

100

Page 101: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

italiano é aquele em que a pessoa “estabelece a sede principal dos seus negócios einteresses” (Código Civil, art. 43); e no direito francês é o lugar em que a pessoa “tem oseu estabelecimento principal” (Código Civil, art. 102).

Por isso, tal leva à necessidade em se estudar o domicílio segundo o que sobre eleentende a lei invocada, isto é, a lex causae. Assim a opinião de Haroldo Valladão, paraquem cabe “a qualificação internacional do domicílio à lei interessada, à lei invocada, à‘lex causae’, sendo, pois, competente para determiná-lo a lei do sistema jurídicoterritorial (Estado, Estado-membro etc.), de cujo domicílio se trata, sendo o domicíliobrasileiro fixado pela lei brasileira e o domicílio fora do Brasil pela lei estrangeira desua constituição”.26

Nesse sentido, portanto, é que devem ser compreendidos os dispositivos da LINDBque dizem, v.g., que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobreo começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família” (art.7º, caput), que “tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade domatrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal” (art. 7º, § 3º), que “o regime de bens,legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, seeste for diverso, a do primeiro domicílio conjugal” (art. 7º, § 4º), que “aplicar-se-á a leido país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ouse destinarem a transporte para outros lugares” (art. 8º, § 1º), que “o penhor regula-sepela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada”(art. 8º, § 2º), que “a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em quedomiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dosbens” (art. 10, caput), que “a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula acapacidade para suceder” (art. 10, § 2º) etc.

Quando houver pluralidade de domicílios, a preferência é estabelecida pelo domicílionacional da pessoa, e, posteriormente, pelo seu domicílio legal. Quando a pessoa nãotiver domicílio, aplica-se, subsidiariamente, a residência como elemento de conexão, talcomo dispõe o art. 7º, § 8º, da LINDB: “Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre”. Tendo apessoa diversas residências, em vários países ao mesmo tempo, aplica-se a lei da últimaresidência estabelecida.27 No que tange, porém, à parte final do citado art. 7º, § 8º, daLINDB, que diz considerar domiciliada a pessoa no lugar “em que se encontre”, nasce oproblema relativo à possibilidade de fraude por parte daqueles que migram de um lugar aoutro com a exclusiva finalidade de manipular esse elemento de conexão, caso em quepoderá o juiz, segundo Maristela Basso, optar pela aplicação do princípio do “domicíliooriginário”, que diz respeito àquele primeiro domicílio que teve a pessoa logo após seu

101

Page 102: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.4

nascimento com vida, com base no critério jus sanguinis, transmitindo-se de pai parafilho e que poderia ser, ao menos teoricamente, conservado por toda a vida.28

Vontade das partes

A vontade das partes – decorrente do conhecido princípio da autonomia da vontade– é um importante elemento de conexão no DIPr,29 reconhecido desde as origens do DIPrpositivo e mantido até os dias de hoje, tanto em leis internas como em tratadosinternacionais, bem assim em diversas resoluções das Nações Unidas, como, v.g., aResolução de Bâle (1991) do Institut de Droit International sobre “A autonomia davontade das partes nos contratos internacionais entre pessoas privadas”, da qual foiRapporteur o Prof. Erik Jayme.30 Por meio dela, permite-se às partes derrogar (expressaou tacitamente) as normas de conflito e definir, elas próprias, o direito aplicável emcertos casos, como, v.g., nos relativos ao regime de bens do casamento, aos efeitos dasobrigações, à sucessão testamentária, à competência do juízo etc.31 Seu fundamentoencontra guarida na liberdade que os indivíduos têm de agir como lhes aprouver emquestões ligadas à sua pessoa ou ao comércio, não se desconhecendo, porém, haverautores que, indo mais longe, fundamentam a autonomia da vontade também nos direitoshumanos.32 Somente não poderão as partes valer-se da autonomia da vontade quando aconexão indicada afrontar a soberania do país, a sua ordem pública ou as normasprevistas em tratados internacionais dos quais o Estado é parte.

A aceitação por um Estado da autonomia da vontade enquanto elemento de conexãoválido, de índole subjetiva, coloca em segundo plano a vontade objetiva do legislador,que somente terá lugar subsidiariamente, na ausência de escolha do direito aplicávelpelas partes.33

A autonomia da vontade é bastante nítida, v.g., na conclusão de contratos, em que aspartes, livremente, escolhem a lei de um determinado Estado para reger os termos dodocumento assinado, bem assim o foro competente para a resolução das controvérsias aele relativas.34 Segundo Hee Moon Jo, os motivos pelos quais essa autonomia é aceita noplano contratual são vários, sendo os principais os seguintes: a) a existência de previsão(expressa ou tácita) pelas legislações domésticas; b) a dificuldade de tipificar oselementos de conexão nas obrigações contratuais, em razão dos inúmeros tipos decontratos internacionais existentes; c) a impossibilidade de generalização dessescontratos relativamente a um determinado objeto de conexão, mesmo porque também nãohá um elemento de conexão que seja superior aos outros, dentre os vários existentes, tais

102

Page 103: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

o local de celebração, o de execução, a lei nacional, a lei do domicílio etc.; e d) adiminuição da resistência das partes à sua submissão forçada a alguma esfera judiciáriadeterminada, exatamente em razão do acordo que realizam no que tange à escolha da leiaplicável.35

Essa liberdade em matéria de autonomia da vontade das partes, aliás, sempre foi aregra no direito brasileiro, que jamais desautorizou o seu uso em matéria contratual.36 Daía lição de Irineu Strenger de que “a verdade inegável é que a teoria da autonomia davontade nasceu a propósito dos contratos e até o momento atual esse é o âmbito onde sealoja”.37

Originariamente, a autonomia da vontade em matéria de obrigações foi prevista noBrasil pelo art. 13, caput, da Introdução ao Código Civil de 1916 (verbis: “Regulará,salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei dolugar, onde forem contraídas”). Na Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942 (atualLINDB), houve, porém, total silêncio do legislador nacional quanto ao tema, o queplantou a dúvida na doutrina em saber se ainda persiste, no direito brasileiro atual, aautonomia da vontade das partes enquanto elemento de conexão válido em matéria deobrigações em geral. De fato, o art. 9º da LINDB (“Para qualificar e reger as obrigações,aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”) não se referiu expressamente àautonomia da vontade, como fazia o art. 13, caput, da Introdução ao Código Civil de1916. Boa parte da doutrina, contudo, entende que a “autonomia da vontade comoprincípio deve ser sustentada não só como elemento da liberdade em geral, mas comosuporte também da liberdade jurídica, que é esse poder insuprimível do homem de criarpor um ato de vontade uma situação jurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito”.38

Nesse sentido, entende-se que o art. 9º da LINDB não exclui a autonomia da vontade se alei do país em que contraída a obrigação a admitir.

Para nós, da mesma forma, a autonomia da vontade subsiste no direito brasileiro atualespecialmente por quatro motivos: a) primeiro, porque o texto constitucional de 1988estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei” (art. 5º, II); b) segundo, porque não havendo lei a proibir expressamente aautonomia da vontade entre nós, o seu não reconhecimento e a sua não aceitação violariao citado art. 5º, II, da Constituição Federal; c) terceiro, pelo fato de sua subsistênciabasear-se num costume aceito em vários países (não sendo diferente com o Brasil) e,inclusive, pelo Institut de Droit International das Nações Unidas; e d) por fim, por serreconhecida em diversas convenções internacionais.39 Frise-se, ademais, que a Lei deArbitragem brasileira (Lei nº 9.307/96) admitiu expressamente que “poderão as partesescolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que

103

Page 104: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

não haja violação aos bons costumes e à ordem pública” (art. 2º, § 1º), o que autoriza aspartes, a priori, a escolher o direito aplicável quando juridicamente vinculadas a umaconvenção de arbitragem.40

Apenas a título de exemplo, veja-se o que dispõe o art. 7º da ConvençãoInteramericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais:

O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre estaescolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-sede forma evidente da conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em seuconjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a uma parte do mesmo.A eleição de determinado foro pelas partes não implica necessariamente a escolha dodireito aplicável.

Em suma, pode-se dizer que tanto o direito brasileiro não proíbe a autonomia davontade das partes quanto a ordem internacional expressamente a admite, o que induz àconclusão única de estar admitida essa autonomia entre nós. Assim sendo, o que se deveatualmente discutir não é a possibilidade de utilizar, ou não, a autonomia da vontade nodireito brasileiro, mas quais os limites dessa autorizada autonomia.41 A regra, nessecampo, é que a autonomia da vontade está autorizada (pois não expressamente proibida)no direito brasileiro, a menos que viole a nossa soberania, ordem pública e bonscostumes, bem assim as normas de Direito Internacional Público em vigor no Estado (v.g.,tratados e costumes internacionais). Uma escolha contrária a esses limites serájuridicamente inválida, quando, então, o direito aplicável será o escolhido,subsidiariamente, pela vontade objetiva do legislador.

A manifestação de vontade – que pode ser expressa ou tácita, a qualquer tempoalterável, respeitados os direitos de terceiros – é hábil para escolher, como leicompetente, a lex fori ou a lei estranha. Esta última, contudo, não necessita serobrigatoriamente uma norma estatal, ou seja, proveniente de um ente pertencente àsociedade internacional, podendo ser a lei de determinada região, província, cantão,cidade ou, até mesmo, pertencente a certa religião.42

Ainda no que tange ao elemento de conexão decorrente da vontade unilateral, a regraé a de que a sua qualificação deve dar-se nos termos da lei invocada ou interessada, ouseja, da lex causae. Em outros termos, a lei escolhida pela vontade (lex voluntatis) é queserá a responsável por qualificar essa mesma vontade.43

Destaque-se, por derradeiro, que o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, seguiuexpressamente a orientação aqui desenvolvida, ao dispor, no art. 12, caput, que “asobrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelas partes”, podendo tal escolha

104

Page 105: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.5

ser “expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados os direitos deterceiros”. A redação do dispositivo levou em conta a aceitação já consagrada daautonomia da vontade por diversos tratados internacionais de DIPr, especialmente oestipulado no art. 7º da Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos ContratosInternacionais.44 Veja-se, a propósito, a justificativa da comissão de redação: “No mundocontemporâneo, a liberdade das partes para fixar a lei aplicável está consagrada nas maisimportantes convenções de direito internacional privado – Convenção de Roma sobre LeiAplicável às Obrigações Contratuais, de 1980 (art. 3º), Convenção da Haia sobre a LeiAplicável à Compra e Venda de Mercadoria, de 1986 (art. 7º), e ConvençãoInteramericana sobre Direito Aplicável às Obrigações Contratuais, México, 1994 (art.7º), esta assinada pelo Brasil. Mario Giuliano e Paul Lagarde, falando sobre o art. 3º daConvenção de Roma, assinalam que a norma consoante a qual o contrato é regido segundoa lei escolhida pelas partes constitui ‘uma reafirmação da regra consagrada atualmente nodireito internacional privado de todos os Estados membros da Comunidade, bem assim damaioria dos direitos dos outros países’ (Journal Officiel des Communautés Européennes,31.10.80, C 282, p. 15). Resolução do Institut de Droit International (Basiléia, 1991)acolheu a autonomia da vontade das partes em contratos internacionais firmados entrepessoas privadas (Revue Critique de Droit International Privé, 1992, p. 198). O projetoseguiu basicamente a ideia contida na Convenção do México de 1994, assinada peloBrasil, cujo art. 7º dispõe: ‘O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. Oacordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência deacordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulascontratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade docontrato, ou a uma parte do mesmo. A eleição de determinado foro pelas partes nãoimplica necessariamente a escolha do direito aplicável’”.

Lugar do contrato

O lugar em que se celebra o contrato é um elemento de conexão tradicional no DIPr,além de um dos mais antigos. Nem todas as legislações, porém, o adotam para aferir emque lugar se constitui a obrigação contratual.

No Brasil, a LINDB, v.g., não seguiu o lugar da celebração do contrato como elementode conexão a ele relativo, mas, sim, o lugar de residência do proponente, tal comoestabelecido no art. 9º, § 2º, assim redigido: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Tal mereceu aguda crítica dadoutrina, em especial de Haroldo Valladão, para quem seria absurda a ideia de reputar,

105

Page 106: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.6

4.7

v.g., concluído na Argentina um contrato celebrado no Rio de Janeiro, apenas porqueproposto por cidadão argentino, lá residente, que no Brasil estava apenas acidentalmente,de passagem, por alguns dias… Ademais, ainda segundo Valladão, outra crítica a serlevada em consideração é que se a pessoa não tiver residência alguma a norma brasileiradeixa insolúvel a questão.45

A lex fori

A lex fori é um elemento de conexão tradicional (e talvez um dos mais antigos) noDIPr. Conota a lei do foro ou a lei do juiz perante o qual são apreciadas as questõesjurídicas e seus incidentes.46 Sua vantagem está no fato de o juiz do foro melhor conheceras normas internas de seu Estado que eventualmente uma determinada norma estrangeira,cuja pesquisa do teor e vigência demandaria muito mais trabalho e tempo.

Cada Estado possui suas próprias normas de DIPr, as quais deve o juiz do foroaplicar em primeiro plano. Seu estabelecimento, como já se falou, depende das tradições(costumes) e da política legislativa de cada país, motivo pelo qual são variantes de umpaís a outro. Com o passar do tempo, contudo, várias situações passaram a afastar oprimado da lex fori, atribuindo à lex causae a solução da matéria.

Religião e costumes tribais

Em alguns países existem ainda outros elementos de conexão conhecidos, tais areligião (v.g., no Irã) e os costumes tribais (v.g., em alguns países da África). No Irã, v.g.,os direitos e as obrigações das pessoas estão ligados à religião de cada qual, o que podegerar certa dificuldade para que o juiz nacional aplique a norma iraniana indicada pelaregra de DIPr da lex fori. Em Israel e nos países árabes, v.g., o direito matrimonial é decompetência das respectivas religiões. Como explica Jacob Dolinger, quando “a regra deconexão do DIPr brasileiro indicar a aplicação da lei de um destes países para questõesde estatuto e capacidade, aplicar-se-á a lei religiosa que o regime jurídico estrangeirodetermine, assim como se homologarão as sentenças estrangeiras oriundas dos seustribunais eclesiásticos”.47

Em suma, todos os sistemas jurídicos que mantêm certos institutos sob a ordenação deuma religião (ou costume tribal etc.) criam elementos de conexão potencialmenteaplicáveis às relações privadas com conexão internacional, devendo a resolução dasquestões surgidas serem também resolvidas pelo DIPr.

106

Page 107: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

__________V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 266-387; e RECHSTEINER,Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.A mesma conotação lhes é atribuída na nomenclatura de diversos países: na Itália, criteri dicollegamento; na França, points de rattachement; na Espanha, circunstancias de conexión/factoresde conexión; no Reino Unido, localizer/connecting factors.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 337; e FOCARELLI, Carlo. Lezionidi diritto internazionale privato, cit., p. 46.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 336; e BATALHA, Wilsonde Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacionalprivado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 38.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…, cit., p. 36.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 343.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Idem,p. 75, assim: “Uma vez, porém, localizado o Direito estrangeiro aplicável por força da norma deDireito internacional privado, as qualificações, no âmbito desse Direito estrangeiro, somente porele poderão ser fornecidas”.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 269.V. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 24.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 269.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 20-22.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 275.Para detalhes sobre o conceito de “território” no direito internacional, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 476-479.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 41.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Idem,p. 41-42.Para um estudo aprofundado da nacionalidade no direito internacional, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 721-770.V. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 18-20; e VALLADÃO,Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 285.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 477.V. arts. 9º, 12º e 14º do Código Bustamante: “Art. 9º. Cada Estado contratante aplicará o seu própriodireito à determinação da nacionalidade de origem de toda pessoa individual ou jurídica e à suaaquisição, perda ou reaquisição posterior, realizadas dentro ou fora do seu território, quando umadas nacionalidades sujeitas à controvérsia seja a do dito Estado. Os demais casos serão regidos pelasdisposições que se acham estabelecidas nos restantes artigos deste capitulo”; “Art. 12. As questõessobre aquisição individual de uma nova nacionalidade serão resolvidas de acordo com a lei danacionalidade que se suponha adquirida”; “Art. 14. À perda de nacionalidade deve aplicar-se a lei danacionalidade perdida”.

107

Page 108: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

22

23

24

25

26

27

28

29

30

31

32

33

34

A Convenção da Haia de 1930 foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 21.798, de 06.09.1932.Sobre a lei aplicável às pessoas jurídicas, v. TIBURCIO, Carmen. Disciplina legal da pessoa jurídicaà luz do direito internacional brasileiro. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 969-993 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 27.Sobre as origens do conceito de domicílio no direito romano, v. SAVIGNY, Friedrich Carl von.Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 46-107. Sobre as diferentes concepções de domicílio no direitocomparado, v. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 204-210.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 339. Em sentido contrário, masadmitindo exceções, v. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 429: “Aqualificação do domicílio deve ser dada, em princípio, pela lex fori. Como a Lei de Introdução doCódigo Civil [hoje, LINDB] se limita a falar na ‘lei do país em que for domiciliada a pessoa’, cabe àdoutrina escolher um critério qualificador. Dentre os critérios existentes (lei nacional, leiterritorial, autonomia da vontade, lei do foro…), o da lex fori é o mais seguido, embora comporteressalvas. (…) A lex fori afasta quaisquer conceitos de domicílio fornecidos pelo direitoestrangeiro. Afasta, também, a possibilidade do duplo domicílio decorrente de conceitos diferentesdados por leis de duas ou mais soberanias”. Também em sentido contrário, v. CASTRO, Amilcar de.Direito internacional privado, cit., p. 206: “Como circunstância de conexão, a noção de domicílioe as condições de sua aquisição e perda, no país ou no estrangeiro, devem ser dadas pelo ius fori”.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 159.BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 179.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 110-113; GIALDINO,Agostino Curti. La volonté des parties en droit international prive. Recueil des Cours, vol. 137(1972), p. 743-914; CARDOSO, Fernando. A autonomia da vontade no direito internacionalprivado: a autonomia e o contrato de agência ou de representação comercial. Lisboa:Portugalmundo, 1989; JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 54-55; e SANTOS,António Marques dos. Algumas considerações sobre a autonomia da vontade no direito internacionalprivado em Portugal e Brasil. In: MOURA RAMOS, Rui Manuel de et all. (Org.). Estudos emhomenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. I. Coimbra: Almedina,2002, p. 379-429.V. Annuaire de l’Institut de Droit International, vol. 64, t. II (1992), p. 382 e ss.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 363-364; e SAMTLEBEN,Jürgen. Teixeira de Freitas e a autonomia das partes no direito internacional privado latino-americano. Revista de Informação Legislativa, ano 22, nº 85, Brasília, jan./mar. 1985, p. 257.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 148. Ainda sobre o papel da autonomiada vontade no DIPr contemporâneo, v. JAYME, Erik. Le droit international prive du nouveaumillénaire: la protection de la personne humaine face à la globalization. Recueil des Cours, vol. 282(2000), p. 37-38; e JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 448-452.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 149.Para detalhes, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 590-600; eRODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privado brasileirorelativamente às obrigações contratuais. In: RODAS, João Grandino (Coord.). Contratosinternacionais. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 43-61.

108

Page 109: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

35

36

37

38

39

40

41

42

43

44

45

46

47

JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 449.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 370.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 345. V. ainda, FIORATI, Jete Jane.Inovações no direito internacional privado brasileiro presentes no Projeto de Lei de Aplicação dasNormas Jurídicas, cit., p. 257-259.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 615.Sobre esse último aspecto, v. as seguintes convenções: Convenção sobre a Lei Aplicável às Vendasde Caráter Internacional de Objetos Móveis Corpóreos, Haia, 1955 (art. 2º); Convenção Europeiasobre Arbitragem Comercial Internacional, Genebra, 1961 (art. 7º); Lei Uniforme sobre a VendaInternacional de Objetos Móveis Corpóreos, Haia, 1964 (arts. 3º e 4º); Convenção sobre Resoluçãode Disputas Envolvendo Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados, Washington,1966 (art. 42); Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, Panamá, 1975(art. 3º); Convenção relativa à Lei Aplicável aos Contratos de Intermediários e à Representação,Haia, 1978 (art. 5º); Convenção da Comunidade Econômica Europeia sobre a Lei Aplicável àsObrigações Contratuais, Roma, 1980 (art. 3º); Convenção Sobre Contratos de Venda Internacionalde Mercadorias – Uncitral, Viena, 1980 (art. 6º); Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos deVenda Internacional de Mercadorias, Haia, 1986 (art. 7º); e Convenção Interamericana sobre DireitoAplicável aos Contratos Internacionais, México, 1994 (art. 7º).V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 156.Sobre o tema dos limites à autonomia da vontade, v. JO, Hee Moon. Moderno direito internacionalprivado, cit., p. 451-452.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 373.V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 372.V. citação supra.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 379.V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 385.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 325.

109

Page 110: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

1.1

Capítulo VI

Aplicação do Direito Estrangeiro pelo JuizNacional

Dever de aplicação do direito estrangeiro indicado

Não há dúvidas sobre o dever que tem o juiz, num dado caso sub judice, em aplicar acoleção de leis nacionais, às quais tem a obrigação de conhecer (jura novit curia). Noque tange, porém, à aplicação do direito estrangeiro, podem algumas dúvidas surgir,merecendo o devido esclarecimento. Desde já, porém, há que se adiantar que o juiznacional deve aplicar o direito estrangeiro, não em razão desse próprio direito, mas emvirtude de determinação expressa da lex fori, quando aquele é o direito indicado pelanorma interna de DIPr. Tal obrigação, como explica Oscar Tenório, resulta da próprianatureza do DIPr, que consagra, entre os princípios fundamentais, a regra de que a leiestrangeira competente se reputa igual à lei indígena.1

Imposição legal no Brasil

Quando o direito estrangeiro é o indicado pela norma de DIPr da lex fori, o juiznacional deve aplicá-lo e, para tanto, há de pesquisar e conhecer o seu conteúdo. ALINDB é norma imperativa que exige do juiz uma postura ideal na aplicação da normaestrangeira indicada, não podendo ficar a critério do magistrado aplicá-la ou não. Avinculação do juiz à lei estrangeira indicada dá-se não por simples “tolerância”,“reciprocidade” ou como “fato” invocado no processo, mas em razão da lei estranha criare extinguir direitos subjetivos das pessoas, inclusive intrínsecos, como os direitos dapersonalidade.2 É evidente, porém, que como a indicação da norma estrangeira fica aosabor do acaso, não sendo, a priori, identificável senão a partir do caso concreto, o juizdo foro pode ter sérias dificuldades na aplicação de tal direito, especialmente quandoaquele soa como exótico à luz das normas nacionais. A única vantagem para o juiz, nessecampo, é o fato de que não aparecem diuturnamente questões de DIPr em causas sub

110

Page 111: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.2

2.

judice, senão apenas esporadicamente. Basta verificar no foro em geral quantas questõesde DIPr são julgadas pelo Judiciário pátrio diuturnamente; tal possibilita dar uma atençãoa mais ao problema quando, eventualmente, ele aparece. Por outro lado, não é menoscerto que o juiz nacional tem, atualmente, vários meios postos à sua disposição(especialmente na era da comunicação, da Internet etc.) para conhecer o direitoestrangeiro indicado.

Norma estrangeira como direito (não como fato)

Uma vez conhecida a norma estrangeira indicada, deve o juiz nacional agir comoordinariamente procede relativamente à aplicação de quaisquer leis domésticas, eis quenão há qualquer diferença entre a norma nacional e a estrangeira relativamente à suacondição de lei.3 Em outros termos, deve o juiz nacional aplicar o direito estrangeirocomo direito mesmo, não como simples fato.4 Nesse exato sentido, aliás, está a redaçãodo art. 2º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, de 1979, segundo o qual “os juízes e as autoridades dos Estados Partes ficarãoobrigados a aplicar o direito estrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujodireito seja aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provar a existênciae o conteúdo da lei estrangeira invocada”.5 Se o princípio a ser aplicado é o jura novitcuria, e se a norma indicativa do DIPr da lex fori remete a solução da questão sub judiceao direito estrangeiro, nada mais claro do que a obrigação do juiz em aplicar a normaestranha tal como aplica uma norma doméstica, com a sua roupagem de lei propriamentedita. Esse direito invocado é, evidentemente, o direito substancial (não conflitual)declarado competente em função do elemento de conexão da norma de DIPr da lex fori,não o conjunto do Direito estrangeiro competente (direito substancial + direitoconflitual).6

Aplicação direta da lei estrangeira

Já se falou que o juiz nacional deve aplicar a norma estrangeira indicada pela regra deDIPr da lex fori. Também já se disse que tal “norma estrangeira” há de ser compreendidaem sentido amplo, abrangendo todas as espécies de normas jurídicas presentes na coleçãolegislativa estrangeira (Constituição, leis, decretos, regulamentos, costume interno etc.).Cabe, então, estudar quais as questões jurídicas suscitadas por essa aplicação direta, bemassim as consequências dela advindas.

111

Page 112: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.1 Aplicação ex officio

Sendo o direito estrangeiro verdadeiro direito, não simples fato, a consequência é quesua aplicação deve ser realizada diretamente, ex officio, independentemente derequerimento das partes: jura novit curia.7 Sendo essa aplicação direta função do juiz, oseu não exercício poderá implicar, inclusive, responsabilidade funcional do julgador.8 Talprocedimento, como se nota, é extremamente benéfico para as partes, que não terãoqualquer ônus em provar o direito estrangeiro indicado pela norma de DIPr da lex fori.De fato, tendo por obrigação aplicar ex officio a norma estrangeira indicada pela lei doforo, o juiz, de modo algum, poderá impor a qualquer das partes o ônus de provar o teor ea vigência da norma em questão, salvo quando por elas alegado.9 Não havendo violaçãoda soberania brasileira e da nossa ordem pública, fraude à lei ou qualquerimpossibilidade técnica, a aplicação direta (ex officio) da norma estrangeira indicada seimpõe, não podendo o juiz deixar de aplicá-la sob a alegação de non liquet.10

A posição da jurisprudência brasileira é pacífica a respeito da obrigatoriedade deaplicação ex officio do direito estrangeiro, sem que possa o juiz impor às partes o ônus deprová-lo, salvo quando por elas alegado. A esse respeito, pode ser citada, a título deexemplo, decisão do STJ de 18 de março de 2000, que assim estabeleceu:

Sendo caso de aplicação de direito estrangeiro, consoante as normas do DireitoInternacional Privado, caberá ao Juiz fazê-lo de ofício. Não se poderá, entretanto, carregar àparte o ônus de trazer a prova de seu teor e vigência, salvo quando por ela invocado.11

O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, da mesma forma, seguiu idênticaorientação, ao dispor, no art. 15, primeira parte, que “a lei estrangeira indicada peloDireito Internacional Privado brasileiro será aplicada de ofício”. Na justificativa dacomissão de redação, lê-se o seguinte: “O art. 15, ao tratar da aplicação do DireitoEstrangeiro, leva em consideração que ‘a doutrina pátria aceita pacificamente que asregras de conexão indicadoras de aplicação de leis estrangeiras constituem direitopositivo brasileiro a que o julgador está adstrito’. Como diz Oscar Tenório (ob. cit., vol.I, p. 145): ‘o juiz tem o dever de aplicar o direito estrangeiro em virtude de determinaçãoda lex fori. No sistema anglo-americano, o direito estrangeiro é considerado como fato enão como lei. Consoante jurisprudência majoritária da Corte de Cassação francesa, o juiztem a opção de aplicar ou não a lei estrangeira, quando as partes não a invocam. Comoafirma Valladão, diverso é o sistema brasileiro: ‘a lei estrangeira é lei, é direito e nãofato, estando superada a antiga posição discriminatória, de sua inferioridade à lex fori, deque somente esta seria direito, seria lei. É o princípio da equiparação dos direitos, da

112

Page 113: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

igualdade entre o direito estrangeiro e o nacional...’ (ob. cit., vol. I, p. 465). No sistemainteramericano, seguindo o art. 408 do Código Bustamante, a Convenção sobre NormasGerais de Direito Internacional Privado, Montevidéu, 1979, em seu art. 1º, estabeleceu aobrigatoriedade da aplicação da norma estrangeira determinada pela regra de conexão dodireito conflitual. O projeto estabelece a mesma norma ao determinar a aplicação exofficio da lei estrangeira indicada pelas regras do Direito Internacional Privado”.

A norma de DIPr da lex fori, que indica a lei estrangeira a ser aplicada no casoconcreto, é imperativa em face do juiz,12 que não pode escusar-se em aplicá-la, sob penade denegação de justiça. Se assim não fosse, seria de todo incerto se a norma indicadapela lex for seria efetivamente aplicada pelo Poder Judiciário como ela própria ordena,13

o que traria nítidos prejuízos às partes em razão da denegação de um direito seu. De fato,repita-se, a norma estrangeira indicada pela regra de DIPr da lex fori é, em nosso país,direito propriamente dito, não simples fato, o que demanda a sua aplicação ex officiopelo magistrado do foro.14

O direito estrangeiro a ser aplicado pelo juiz nacional é o material, substancial,podendo ser de direito privado ou público. Nada há, v.g., de impedir a aplicação denorma material (substancial) estrangeira de direito constitucional ou administrativo. Oargumento de que a lei estrangeira a ser aplicada deve ser a de índole privada, não temmais qualquer razão de ser nos dias atuais, em que se presencia uma cada vez maior“publicização” da vida privada, especialmente no Brasil, desde a promulgação daConstituição Federal de 1988. Hoje, portanto, é pacificamente aceita a tese de que “o foronão deve se preocupar com a característica da lei aplicável, mas sim deve cuidar paraque a lei escolhida contribua para os objetivos do DIPr e para a realização da justiçainternacional no caso concreto”.15

A aplicação ex officio também se dá, evidentemente, no que tange ao costume internoestrangeiro, que, como se falou, está compreendido na expressão “lei estrangeira” latosensu. Ou seja, o juiz do foro deve aplicar o costume interno estrangeiro da mesma formaque aplica o costume interno nacional, tal como previsto pelo art. 4º da LINDB: “Quandoa lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e osprincípios gerais de direito”. Tais costumes são aqueles constituídos no Brasil,evidentemente. Tal não significa, contudo, que não deva o juiz nacional aplicar o costumeinterno estrangeiro se houver regra de igual teor na legislação estrangeira indicada peloDIPr da lex fori.16 Também a jurisprudência dos tribunais estrangeiros há de ser aplicadapelo juiz foro como se jurisprudência pátria fosse, sem distinção.

A lei estrangeira (lato sensu) a ser diretamente aplicada pelo juiz do foro é,evidentemente, a “lei” (lei stricto sensu, costume, jurisprudência etc.) em vigor no

113

Page 114: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.2

Estado, jamais a revogada. Tanto a lei stricto sensu como o costume e a jurisprudênciado Estado estrangeiro (nesses dois últimos casos fala-se em desuso) têm de estaroperando normalmente para que possam ser diretamente aplicados. Tendo a lei sidorevogada (não mais abrangendo a situação jurídica sub judice), ou o costume e ajurisprudência caído em desuso, não poderá o juiz nacional aplicá-los, dada aimpossibilidade de se chegar à solução justa e harmônica desejada pela norma de DIPr dalex fori.

Para conhecer e aplicar ex officio o direito estrangeiro, poderá o juiz se utilizar detodos os meios de prova postos à sua disposição.17 Não havendo alegação do direitoestrangeiro pelas partes, deverá o juiz, motu proprio, investigar a norma estranha emquestão, seu teor e vigência.18 Poderá, também, apoiar-se na ajuda de experts, de juristasrenomados ou especializados e também das partes (v. infra). Os meios tecnológicos hojeexistentes (Internet etc.) têm facilitado em muito o conhecimento, pelo juiz, do conteúdo evigência do direito estrangeiro. Frustrados esses meios, o Código Bustamante admite,ainda, que se prove o direito estrangeiro “mediante certidão, devidamente legalizada, dedois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate” (art. 409). Apenas nãose admitem as provas que repousam na vontade das partes, como as simples presunções ea prova testemunhal, pois sabe-se já que o direito estrangeiro não é simples fato perante odireito local, senão direito mesmo.19

Destaque-se que pelo fato de ser o Brasil um país que inadmite os reenvios deprimeiro e segundo graus, dando prevalência às qualificações da lex fori, a aplicação dodireito estrangeiro pelo juiz nacional talvez não se dê exatamente como levada a cabopelo juiz da lex causae, vinculado às suas próprias normas conflituais e sobrequalificação.20

As partes não podem renunciar ao império da lei estrangeira indicada pela norma deDIPr e aplicada ex officio pelo juiz, porque tal lei se incorpora ao Direito interno com amesma força das leis nacionais, não por vontade própria, como se disse, mas em virtudede determinação da própria lex fori.21 Tal significa que o juiz nacional deve aplicar exofficio o direito estrangeiro, ainda que contra a vontade das partes.22

Prova do direito estrangeiro

No que tange à aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional há, porém, umaexceção ao princípio jura novit cúria: quando o direito estrangeiro for invocado pelaspartes no processo, poderá o juiz a elas determinar que provem o teor e a vigência da

114

Page 115: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

norma alegada. Ainda aqui, ou seja, mesmo no caso de o direito estrangeiro ter sidoalegado pelas partes, repousa como faculdade (não como obrigatoriedade) do juiz adeterminação da prova do seu teor e vigência. De fato, conhecendo o juiz a normaestrangeira invocada, não haveria motivos para que fosse determinada às partes a suaprova.23

Não há dúvidas que o juiz conhece melhor o seu direito (direito interno; direitonacional) e que há certa dificuldade de investigar direito estranho, ainda quando dominevários idiomas e tenha às mãos legislação, jurisprudência e bibliografia estrangeiras; ésempre mais difícil, senão mais duvidoso, para o magistrado, o conhecimento profundo deordem jurídica que não a sua, com a qual lida diuturnamente e acompanha as alteraçõeslegislativas. Tal, como se nota, pode levar o juiz à sensação de nunca haver dado sentençajusta, perfeita, estritamente conforme a legislação estrangeira de que se trata,24

especialmente em razão da falta “de um conhecimento razoável do espírito, dos princípiosgerais, do próprio temperamento do direito estrangeiro em questão, que impediria suaadequada aplicação ainda que o próprio texto de lei pertinente seja conhecido diretamenteou através da mais fiel tradução”.25 Em razão disso, ainda que a aplicação do direitoestrangeiro deva ser realizada pelo juiz tal como se dá com o direito nacional, não ficamagistrado impedido de determinar às partes que provem o teor e a vigência do direitoestrangeiro, quando por elas invocado no processo. É exatamente o que dispõe, no Brasil,o art. 337 do Código de Processo Civil: “A parte, que alegar direito municipal, estadual,estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar ojuiz”.26 Trata-se, como se disse, de uma faculdade do juiz autorizada pela lei, queobjetiva auxiliá-lo na descoberta do teor e da vigência do direito estrangeiro invocado,não de uma obrigatoriedade em assim proceder, eis que conhecendo o direito estrangeiroalegado poderá aplicá-lo ex officio, sem que seja determinada às partes a prova do seuteor e vigência.

Destaque-se que a aplicação ex officio do direito estrangeiro apareceu no direitobrasileiro a partir da segunda década do século XX, quando os Códigos estaduais deprocesso civil (v.g., o Código de Processo Civil do Estado de São Paulo, art. 274)modificaram a tendência legislativa anterior, proveniente das antigas Ordenaçõesportuguesas, pela qual a aplicação do direito estrangeiro dependia da prova da parte queo alegasse. A unificação processual brasileira (a partir do Código de Processo Civil de1939, que substituiu os vários Códigos estaduais) firmou, depois, definitivamente, atendência aparecida com Códigos estaduais, igualando a lei estrangeira às leis de outrosEstados da Federação, tanto que o art. 212 dispunha que “aquele que alegar direitoestadual, municipal, singular ou estrangeiro, deverá provar-lhe o teor e a vigência, salvo

115

Page 116: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

se o juiz dispensar a prova”. Em 1942, seguiu-se a Lei de Introdução ao Código Civil –LICC, para a qual, desconhecendo a lei estrangeira, poderia o juiz exigir de quem ainvoca prova do seu texto e da sua vigência (art. 14). Finalmente, o Código de ProcessoCivil atual, fiel à norma processual de 1939, prescreveu que as partes apenas deverãoprovar o teor e a vigência do direito estrangeiro “se assim o determinar o juiz” (art.337).27 Portanto, no nosso sistema processual civil vigente, repita-se mais uma vez, aspartes não têm a obrigação primária de provar o teor e a vigência do direito estrangeiroalegado, sendo uma faculdade do juiz a determinação dessa prova.

Perceba-se que o art. 337 do CPC faculta ao juiz que determine às partes que provem“o teor e a vigência” da norma estrangeira invocada, não que as partes transcrevam, purae simplesmente, perante o juízo, o texto frio da norma estranha, nem sempre, aliás,fielmente traduzido para o nosso idioma, ainda que por tradutor juramentado.28 Requer-sedas partes, quando assim determinado pelo juiz, que provem o teor da norma alegada, ouseja, o seu conteúdo, bem assim a sua vigência, isto é, a sua potencialidade de gerarefeitos concretos naquela dada ordem jurídica.

Aplica-se, aqui, perfeitamente, o que dispõe o art. 332 do CPC: “Todos os meioslegais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, sãohábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Perceba-seque o CPC admite, inclusive, meios probatórios nele “não especificados”, o que temespecial relevo para o DIPr. Ainda que não se trate de provar a verdade de fatos, comopretende o art. 332 do CPC, senão o teor e a vigência de direito estrangeiro, é evidenteque a regra, sem dúvida, pode ser aplicada por analogia.29

Há dúvida, porém, sobre o que fazer o juiz se a prova oferecida pela parte, nos termosdo art. 337 do CPC, não for cabal. Nesse caso, como destaca Oscar Tenório, o juiz, pornão ser uma figura indiferente no processo, deverá “promover de ofício a investigação dalei estrangeira invocada”.30 Outros autores, contudo, entendem que se “as partes nãopuderem fornecer elementos de convicção sobre a existência, o sentido e a vigência da leiestrangeira, o juiz deverá julgar a ação contra a parte que invocou a lei e não conseguiufornecer-lhe a prova”, não sendo lícito, nesse caso, “presumir que o Direito estrangeiroseja idêntico ao Direito do foro”.31 Para nós, melhor razão assiste à primeira posição,segundo a qual, mesmo havendo falha na determinação e prova do direito estrangeiro,deve o juiz promover ex officio a investigação, interpretação e aplicação da leiestrangeira invocada. Em outros termos, “apesar de a parte assumir o ônus da prova pordeterminação do juiz, tal ônus se refere exclusivamente à obrigação desta em colaborarpara com as atividades judiciárias, não cabendo falar aqui em perda da ação pela nãoprova do direito alegado”, eis que “para a doutrina da lei estrangeira como lei, o juiz será

116

Page 117: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

sempre o último responsável pela prova da lei estrangeira”.32

Como há de ser provado o direito estrangeiro, quando assim determinado às partespelo juiz? Não há no Código de Processo Civil brasileiro, sequer na LINDB, qualquernorma a esse respeito. Há, porém, no Código Bustamante, alguns meios de provapossíveis. Assim, segundo o Código Bustamante, poderá ser provado o teor e vigência dodireito estrangeiro “mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados emexercício no país de cuja legislação se trate” (art. 409). Na falta de prova, ou se, porqualquer motivo, o juiz ou o tribunal julgá-la insuficiente, “um ou outro poderá solicitarde ofício pela via diplomática, antes de decidir, que o Estado, de cuja legislação se trate,forneça um relatório sobre o texto, vigência e sentido do direito aplicável” (art. 410),obrigando-se cada Estado contratante “a ministrar aos outros, no mais breve prazopossível, a informação a que o artigo anterior se refere e que deverá proceder de seu maisalto tribunal, ou de qualquer de suas câmaras ou seções, ou da Procuradoria-Geral ou daSecretaria ou Ministério da Justiça” (art. 411). Para além disso, será também possíveljuntar aos autos cópia de compêndio doutrinário ou de repertório de jurisprudênciaatualizados sobre o tema em causa, autenticados (v.g., por agentes consulares no país) etraduzidos por tradutor público juramentado.33

Lembre-se, ainda, que o Brasil é parte na Convenção Interamericana sobre Prova eInformação Acerca do Direito Estrangeiro (CIDIP II, Montevidéu, 1979).34 Segundo essaConvenção, são meios idôneos para a comprovação do direito estrangeiro: a) a provadocumental, consistente em copias autenticadas de textos legais com indicação de suavigência, ou precedentes judiciais; b) a prova pericial, consistente em pareceres deadvogados ou de técnicos na matéria (método conhecido como affidavit nos países dacommon law); e c) as informações do Estado requerido sobre o texto, vigência, sentido ealcance legal do seu direito acerca de aspectos determinados (art. 3º). Sobre esse últimomeio de prova, consistente em informações prestadas pelo Estado requerido, diz aConvenção poderem todos os juízes dos seus Estados-partes solicitá-las (art. 4º). Dassolicitações referidas pela Convenção deverá sempre constar: a) a autoridade da qualprovém e a natureza do assunto; b) a indicação precisa dos elementos de prova que sãosolicitados; e c) a determinação de cada um dos pontos a que se referir a consulta, comindicação do seu sentido e do seu alcance, acompanhada de uma exposição dos fatospertinentes para sua devida compreensão (art. 5º). Tais solicitações poderão ser dirigidasdiretamente pelas autoridades jurisdicionais ou por intermédio da autoridade central doEstado requerente à correspondente autoridade central do Estado requerido, semnecessidade de legalização (art. 7º).

No que diz respeito à prova pericial, referida pelo art. 3º, b, da Convenção

117

Page 118: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Interamericana de 1979, perceba-se que fica autorizada a solicitação de “pareceres deadvogados ou de técnicos na matéria”, não exigindo a Convenção que tais profissionaisatuem no país de cuja legislação se trate (como exige o art. 409 do Código Bustamante).No caso da Convenção de 1979, tais advogados ou técnicos podem ser, até mesmo,brasileiros notoriamente conhecedores do direito estrangeiro em causa.35 Ademais, aalusão da Convenção aos “técnicos” (experts) teve por finalidade permitir que juristasradicados no exterior, que ali não exercem propriamente a “advocacia”, por falta derevalidação do diploma ou de inscrição no respectivo órgão profissional, também atuemcomo peritos em questões de DIPr.36

Nos países anglo-saxões, lembra Jacob Dolinger, outros meios de prova são tambémadmitidos, como a apresentação de profissionais diretamente ao tribunal, para deporem arespeito da legislação de seu país, sendo as suas informações colhidas da mesma formacomo as dos profissionais da medicina, da psiquiatria, de balística etc.37 Nos paísespertencentes ao sistema romano-germânico, a exemplo do Brasil, porém, tem-se que nema confissão, nem a prova testemunhal, são meios adequados para a comprovação dodireito estrangeiro.38

Atualmente, o auxílio da Internet tem sido fundamental para o conhecimento dodireito estrangeiro e sua prova, facilitando sobremaneira a atividade das partes e do juiz.Um juiz estrangeiro, v.g., que necessite conhecer o teor e a vigência do direito brasileiro,para aplicá-lo em seu país, seguramente encontrará no link sobre legislação brasileira dosite do Planalto (www.planalto.gov.br) e de jurisprudência dos sites dos tribunaissuperiores (www.stf.jus.br e www.stj.jus.br) a resposta que persegue. Especialmente àspartes o auxílio da Internet tem sido providencial, eis que antigamente chegava a serpraticamente inacessível aos menos favorecidos a comprovação do direito estrangeiro,especialmente quando se fazia necessário contratar um advogado no exterior para tanto, oque, muitas vezes, os desencorajava em continuar num processo demorado e caro.

Frise-se que mesmo no caso de as partes não alegarem o direito estrangeiro, massendo este o indicado pela norma de DIPr da lex fori, não poderá o juiz ignorá-lo eaplicar tão somente o direito interno, pois é obrigação do julgador aplicar ex officio anorma estranha quando indicada pela regra interna de DIPr.39 Como destaca BarbosaMoreira, “na falta de alegação, o juiz não está autorizado pelo art. 337 a exigir acolaboração da parte; não poderá contar senão com seus próprios recursos e com aquelesque os litigantes se disponham, espontaneamente, a proporcionar-lhe”.40 Tal é assim atémesmo pelo motivo de que a não alegação das partes da lei estrangeira pode ter porefeito fraudar essa lei, eventualmente a elas mais gravosa do que a lei nacional.41 Mesmo,porém, havendo alegação do direito estrangeiro pelas partes, poderá o juiz nacional,

118

Page 119: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

como se disse, abrir mão da comprovação do seu teor e vigência, caso conheça (oupretenda, de per si, conhecer) o direito estrangeiro em questão. Perceba-se que o art. 337do CPC diz que “a parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ouconsuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”. Dessafeita, pode perfeitamente o magistrado dispensar a prova do teor e da vigência da leiestrangeira, ainda que alegada pelas partes, caso pretenda investigá-la por si próprio. Defato, o art. 337 do CPC “parece supor que o juiz, se não conhece, tem meios paraconhecer, de iniciativa própria, o direito estrangeiro, de modo que as partes não serãochamadas a comprová-lo senão quando o juiz, por encontrar dificuldades especiais emsua pesquisa, o exigir”.42

Para a prova do direito estrangeiro, inclusive do costume interno estrangeiro, merecedestaque o papel da doutrina estrangeira, embora quando se trate de costume interno talprova seja mais difícil de realizar, exigindo um trabalho preliminar de qualificação.43

Transcreva-se novamente o art. 337 do Código de Processo Civil: “A parte, que alegardireito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e avigência, se assim o determinar o juiz”. Assim, pode o juiz conhecer o costumeestrangeiro alegado, e já aplicá-lo, ou pretender investigar sozinho o seu teor e vigência,ou, ainda, não conhecê-lo e não pretender investigá-lo de per si, caso em que determinaráàs partes a sua prova. Pelo fato, porém, de as instituições (sobretudo costumeiras)estrangeiras poderem ser absolutamente diversas das nacionais, lançar mão da doutrinaestrangeira especializada é medida que se impõe. Como esclarece Oscar Tenório, “aindaque as partes forneçam a prova do direito estrangeiro, a pesquisa do magistrado deve serfeita”.44

Dificuldades maiores podem surgir quando o costume interno estrangeiro em vigorhouver revogado norma escrita anterior (quando se diz que a norma escrita respectivacaiu em desuso). No Brasil, v.g., o costume interno do “cheque pós-datado”, largamenteutilizado até os dias atuais, revogou (fez cair em desuso) a Lei de Cheques45 naquilo queentende ser o cheque um título de crédito para pagamento à vista (art. 32). Referida Lei,que continua perambulando nos compêndios legislativos publicados, inclusive com o seuart. 32, caiu nitidamente em desuso em razão do costume interno posterior, relativo aocitado cheque pós-datado. Exemplos como esse podem ocorrer no que tange à leiestrangeira indicada pela norma de DIPr da lex fori, levando o juiz, e também as partes, agrandes dificuldades na compreensão daquilo que está posto numa determinada lei, masque se encontra revogado por norma costumeira posterior, a partir de então vigente eválida no país respectivo. Devem, portanto, o juiz e as partes ter especial atenção quandoda pesquisa da lei estrangeira indicada, que pode não ter sido revogada por outra lei

119

Page 120: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.3

interna, senão por costume posterior, caso em que será esse último a norma estrangeira aser efetivamente aplicada ao caso sub judice.

Lei estrangeira como paradigma para recursos excepcionais

Destaque-se que sendo o direito estrangeiro verdadeiro direito, não simples fato, quedeve ser internamente aplicado como se direito nacional fosse, pode perfeitamente servircomo fundamento à interposição dos recursos excepcionais previstos na ConstituiçãoFederal, a exemplo do Recurso Especial (ao STJ) e do Recurso Extraordinário (ao STF).

De fato, a Constituição Federal de 1988 estabelece que compete ao Supremo TribunalFederal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe julgar, mediante recursoextraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisãorecorrida “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 102, III, b); diztambém competir ao Superior Tribunal de Justiça julgar, mediante recurso especial, ascausas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais oupelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência” (art. 105, III, a). Da expressão“lei federal” utilizada pela Constituição também fazem parte as leis estrangeirasindicadas pela norma de DIPr da lex fori, as quais hão de ser aplicadas como verdadeirodireito perante a ordem jurídica nacional.46

Nesse sentido, a 2ª Turma do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário93.131/MG (Banco do Brasil S/A e outros vs. Antônio Champalimaud) relatado pelo Min.Moreira Alves, decidiu, em 17 de dezembro de 1981, que a lei estrangeira, aplicada porforça da norma de DIPr brasileira, “se equipara à legislação federal brasileira, paraefeito de admissibilidade de Recurso Extraordinário”. O STF entendeu, naquelaoportunidade, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negara vigência aos arts. 592,593 e 837 do Código Civil português, motivo pelo qual conheceu e proveu o referidoRecurso Extraordinário.47

O mesmo raciocínio vale para a interposição do Recurso Especial perante o SuperiorTribunal de Justiça, quando a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal, ounegar-lhes vigência” (art. 105, III, a). Inclusive, também não se descarta a interposição doRecurso Especial com fundamento no art. 105, III, c, da Constituição, quando a decisão dotribunal local que aplicou o direito estrangeiro o fez em divergência à aplicação domesmo direito estrangeiro realizada por outros tribunais pátrios. Tendo em vista, porém, aescassez de decisões dos tribunais nacionais a envolver questões de DIPr no Brasil,

120

Page 121: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.4

parece que essa última hipótese será raríssima de ocorrer na prática. Uma pesquisa noforo em geral demonstrará, talvez, a inexistência de exemplos concretos de interposiçãode Recursos Especiais fundados no art. 105, III, c, em que se tenha alegado divergênciade interpretação do tribunal local relativa à aplicação de determinado direito estrangeirofeita outros tribunais nacionais.

Análise e interpretação da lei estrangeira

Tudo o que for relativo à lei estrangeira, tais suas regras de vigência (espacial,pessoal e temporal) e revogação, deve ser analisado de acordo com as suas própriasnormas, não com as da lex fori. Também, tudo o que disser respeito à interpretação dalei estrangeira, serão as normas de interpretação do seu próprio direito (não as da lexfori) que deverão resolver a questão.48 Como afirma Severo da Costa, a interpretação danorma estrangeira “deve ser feita no estado de espírito dessa legislação, pois os termos,os conceitos e os institutos jurídicos têm o sentido e conteúdo que ali lhe são dados”.49

Tal é assim para que não se desvirtue a própria natureza do DIPr, tornando-o um direitointerno limitado em seus próprios muros; se o DIPr visa fazer aplicar internamente odireito estrangeiro indicado, será segundo este último que devem ser analisadas ainterpretadas todas as questões a ele relativas. Essa foi a orientação seguida pelo Projetode Lei nº 269 do Senado, de 2004, que previu, no art. 15, in fine, que a aplicação, prova einterpretação da lei estrangeira “far-se-ão em conformidade com o direito estrangeiro”.50

Assim, o juiz do foro, ao analisar e interpretar a lei estrangeira indicada, deverá fazê-lo como se juiz estrangeiro fosse; deverá aplicar as normas estranhas de acordo com osistema jurídico a que pertencem, para que não haja discordância da sua decisão com osistema jurídico da lex causae.51 Nesse exato sentido, aliás, é que as normas de DIPr dediversos países têm disciplinado o tema, podendo ser citado, v.g., o art. 23, § 1º, doCódigo Civil de Portugal, que assim dispõe: “A lei estrangeira é interpretada dentro dosistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas”. Ainda,porém, que não expressamente previsto na legislação de DIPr de vários países, oprincípio segundo o qual a análise e interpretação da lei estrangeira deve ocorrer deacordo com as suas próprias normas é um princípio geral desse ramo das CiênciasJurídicas.

O que se acabou de dizer significa, como explica Jacob Dolinger, que o juiz nacional“deverá atentar para a lei estrangeira na sua totalidade, seguindo todas as suas remissões,incluídas suas regras de direito intertemporal, normas relativas à hierarquia das leis, seu

121

Page 122: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

direito convencional, seu direito estadual, municipal, cantonal, zonal, seu direitoreligioso, suas leis constitucionais, ordinárias, decretos, etc.”.52 Seria como se o juiznacional, ao aplicar uma norma estrangeira, estivesse aplicando (materialmente) areferida norma como se juiz do Estado estrangeiro fosse, seguindo os princípios e regraspor ela elencados, suas normas de interpretação etc.

Frise-se, novamente, que a lei estrangeira a ser analisada e interpretada pelo juiz doforo é a substancial, material (civil, comercial etc.), não a adjetiva ou processual. Asnormas de processo aplicadas seguirão sempre a lex fori,53 tal como dispõe o art. 4º daConvenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de1979: “Todos os recursos previstos na lei processual do lugar do processo [ou seja, doforo] serão igualmente admitidos para os casos de aplicação da lei de qualquer dos outrosEstados Partes que seja aplicável”. A expressão “recursos”, constante do art. 4º daConvenção Interamericana, destaque-se, não tem a conotação de recursos para novojulgamento ou para instâncias superiores, estando ali empregada em sentido amplo,conotando todas as “medidas de caráter processual, contestações, réplicas, impugnações,recursos propriamente ditos e medidas adequadas no processo de execução”.54 Também oInstitut de Droit International, desde a sua sessão de Zurich de 1877, tem entendido queas questões processuais devem ser regidas pela lei do lugar em que o processo éinstruído.55

Deve o juiz interpretar, evidentemente, o direito estrangeiro vigente, não o revogado.A dificuldade maior, porém, está na interpretação do direito proveniente dos países cujasregras jurídicas baseiam-se em costumes e em precedentes judiciais (v.g., os países dacommon law). Relativamente à interpretação do direito desses países, deve o juiz levarem consideração tanto a jurisprudência como as suas regras de interpretação (descritas,v.g., no Restatement of the Law of Conflict of Laws), para que só assim tenha maiorcerteza de que está interpretando o direito estrangeiro tal qual é interpretado em seu paísde origem.56

Perceba-se que a questão da análise e interpretação da lei estrangeira torna complexaa solução final a ser dada no caso sub judice, pois além de conhecer o direito estrangeiroindicado pela norma de DIPr da lex fori, deve ainda o juiz interpretá-la de acordo com osistema ao qual pertence, o que o obriga a também conhecer eventual jurisprudência quesobre a norma indicada recai. Nesse sentido, a Corte Permanente de Justiça Internacional,em 1929, num dos raros casos em que um tribunal internacional examinou um problema deDIPr,57 entendeu que o juiz nacional deve interpretar a lei estrangeira indicada de acordotambém com a jurisprudência que sobre ela se formou no Estado de origem.58

Pode acontecer, inclusive, de o direito nacional ter em sua coleção de leis norma

122

Page 123: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

2.5

idêntica ao direito estrangeiro aplicável, mas com interpretação jurisprudencial diferenteda que lhe dá a jurisprudência estrangeira, o que obriga o juiz nacional a bem conhecer ajurisprudência alheia para que aplique a norma estrangeira em causa tal qualinterpretada pelos tribunais de origem, ainda que essa interpretação seja contrária àquelasedimentada no plano interno relativamente à norma idêntica existente. Na Bélgica, comolembra Jacob Dolinger, a Corte de Cassação decidiu que ao aplicar a lei francesa deveaceitar a interpretação que lhe é dada pela jurisprudência daquele país, mesmo em setratando da aplicação de um dispositivo comum ao Código Civil da França e ao CódigoCivil da Bélgica, que tem sido interpretado diversamente pelos tribunais dos doispaíses.59

Nos termos do art. 5º da LINDB, na aplicação da lei “o juiz atentará aos fins sociais aque ela se dirige e às exigências do bem comum”. Da mesma forma, no exercício deaplicação de uma lei estrangeira deverá o juiz atentar para os fins aos quais ela foieditada e que inspiraram o legislador estrangeiro à sua elaboração, a menos que detecteviolação da ordem pública, da moral e dos bons costumes locais.60

No Brasil, em última análise, incumbe ao STF dar a última palavra sobre a aplicaçãoe interpretação do direito estrangeiro indicado pela norma brasileira de DIPr, dizendo,v.g., se o tribunal ou juiz inferior aplicou ou interpretou corretamente a norma estrangeira,ou se a aplicou ou interpretou em desacordo, v.g., com a jurisprudência sobre ela formadano país de origem. Trata-se, como se vê, de função complexa a ser desempenhada naprática, pois além da dificuldade de se conhecer a norma estrangeira (efetivamente)indicada pela norma de DIPr da lex fori, ainda se faz presente a questão da investigaçãoda eventual jurisprudência estrangeira formada ao redor dessa norma.

Aplicação errônea da lei estrangeira e recursos cabíveis

O juiz, como todo ser humano, é passível de erros. Pode, portanto, erroneamente,deixar de aplicar o direito estrangeiro indicado pela norma de DIPr da lex fori, aplicardireito estrangeiro outro que não o verdadeiramente indicado ou, ainda, aplicar o direitoestrangeiro indicado, porém de modo indevido ou mal interpretado. Em todos esses casos,cabe a indagação sobre quais recursos podem as partes manejar, a fim de reverter adecisão judicial equivocada.

O Código Bustamante, a esse respeito, apregoa que “em todo Estado contratante ondeexistir o recurso de cassação, ou instituição correspondente, poderá ele interpor-se, porinfração, interpretação errônea ou aplicação indevida de uma lei de outro Estado

123

Page 124: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

3.1

contratante, nas mesmas condições e casos em que o possa quanto ao direito nacional”(art. 412). O recurso de cassação, referido pelo Código Bustamante, corresponde, nodireito brasileiro, à apelação cível prevista no Código de Processo Civil. Não somente,porém, o recurso de apelação, senão todos os recursos previstos na legislação processualcivil brasileira são cabíveis, eis que o ato do juiz que aplica erroneamente o direitoestrangeiro não difere, à luz do processo civil brasileiro, daqueles proferidos emquaisquer causas judiciais. Processualmente, portanto, um equívoco judicial relativo auma causa de DIPr ou a uma questão típica de direito interno não guarda qualquerdessemelhança.

No Brasil, dadas todas as garantias dos cidadãos previstas na Constituição Federal,bem assim no Código de Processo Civil, não há qualquer dúvida que podem (devem) aspartes recorrer para a instância superior, a fim de reverter a decisão judicial queequivocadamente (a) deixou de aplicar o direito estrangeiro indicado pela norma de DIPrda lex fori, (b) aplicou norma estrangeira outra que não a verdadeiramente indicada, ou(c) aplicou o direito estrangeiro indicado de modo incorreto ou mal interpretado.

Mantido o equívoco na aplicação da norma estranha pela instância superior, passam aser cabíveis todos os recursos excepcionais previstos pela Constituição Federal,notadamente o Recurso Especial, para o STJ, e o Recurso Extraordinário, para o STF,como já se verificou (v. item 2.3, supra).

Impossibilidade de conhecimento da lei estrangeira

Não há dúvida de que, em alguns casos, o juiz nacional ver-se-á impossibilitado deconhecer a lei estrangeira indicada pela norma interna de DIPr. Mesmo determinando àspartes a prova do teor e da vigência da norma estrangeira indicada, tal como autoriza oart. 337 do CPC, parece evidente que o juiz, também nesse caso, poderá desconhecer porcompleto o direito estrangeiro indicado quando as partes não lograrem, por quaisquermeios, conseguir tal prova. Imagine-se, por exemplo, o caso de um juiz brasileiro que nãologre conhecer, por forma alguma, o conteúdo do direito de pequeno país dos Bálcãs ouda Ásia. Surge, nesse caso, a questão de saber quais as consequências da impossibilidadede conhecimento da lei estrangeira aplicável.

Rejeição da demanda ou aplicação da lex fori?

Segundo Erik Jayme, nos sistemas que obrigam o juiz a proceder ex officio a pesquisa

124

Page 125: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

do conteúdo da lei estrangeira, a impossibilidade de conhecê-la abre uma lacuna quedeve ser colmatada por uma lei que substitua a lei estrangeira aplicável; caso sejaordenada à parte a demonstração da prova do teor e da vigência da lei estrangeira e nãose consiga lograr êxito, a consequência seria a rejeição da demanda pelo juiz.61 Jaymereconhece, porém, que uma solução brutal como essa raramente é aplicada pelos juízes,que têm preferido aplicar a lei do foro com “vocação universal” ou “subsidiária”, comoocorre, v.g., na França; na Itália, por sua vez, parte-se do princípio de que a ordemjurídica deve ser completa (“princípio da completude do ordenamento jurídico”).62 NaAlemanha, tal como na França, vários julgados da Suprema Corte (Bundesgerichtshof)decidiram que na impossibilidade de conhecer o teor da norma estrangeira, deve oJudiciário aplicar a sua própria lei; na lei de DIPr da Suíça, por sua vez, estádisciplinado que “a lei helvética será aplicada se for impossível averiguar o conteúdo dodireito estrangeiro”.63

Solução do direito brasileiro

Para nós, não conhecendo o juiz nacional (após esgotados todos os meios) o conteúdoda norma estrangeira, poderá decidir aplicando (a) ou uma norma estrangeira comparadaque se aproxima da situação sub judice, (b) ou uma norma do foro de vocação universalou subsidiária. Se ainda assim não houver solução à vista, seria ainda possível ao juizbrasileiro aplicar a norma prevista no art. 4º da LINDB, segundo a qual “quando a lei foromissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípiosgerais de direito”. Ainda que não se trate propriamente de lei omissa, senão de falta deconhecimento do seu teor, pensamos, mesmo assim, ser possível ao juiz, decidir, emúltima análise, com os elementos de que dispõe segundo o nosso Direito interno,certificando-se ser essa uma solução justa e harmônica para o caso concreto. Mantém-se,assim, o espírito da norma conflitual, que é fazer chegar à melhor solução no casoconcreto. Em suma, quando ficar o juiz realmente impossibilitado de conhecer a normaestrangeira em causa, poderá deslindar a questão pela aplicação das soluções apontadaspela lex fori, como, v.g., aplicando o art. 4º da LINDB, dispositivo que o auxilia acolmatar a lacuna aberta pela falta de conhecimento da norma estrangeira em questão.64

Tudo o que não pode o magistrado fazer é deixar de decidir a questão jurídica subjudice sob o argumento da impossibilidade de conhecimento da lei estrangeira, mesmoporque, como se acabou de ver, a legislação brasileira (lex fori) prevê alternativascapazes de guiar o magistrado ruma a uma solução harmônica. Tanto a aplicaçãoanalógica de lei estrangeira similar ao caso concreto, quanto a aplicação da norma do

125

Page 126: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

4.1

foro de vocação universal ou subsidiária, porém, requerem do juiz alto nível deespecialização e de conhecimento, notadamente no que tange ao direito comparado e seusinstitutos.65

Limites à aplicação do direito estrangeiro

A aplicação, direta ou indireta, do direito estrangeiro poderá ser afastada pelojulgador se presentes alguns dos motivos excepcionais estabelecidos pela lex fori. Taismotivos (limites) são aqueles que rompem com a ordem jurídica estranha, autorizando ojuiz a aplicar apenas e tão somente a legislação local. Trata-se de motivos ligados àsalvaguarda dos interesses fundamentais do Estado do foro e de seus cidadãos.66 Enquantoos elementos de conexão são aqueles que ligam as normas de um país com as de outro, oque se vai estudar doravante são os fatos que interrompem essa ligação, desautorizando aaplicação do direito estrangeiro no foro doméstico.

Limites à aplicação do direito estrangeiro existem em praticamente todas aslegislações do mundo, eis que se entende que o juiz do foro não pode aplicar às cegasuma norma estrangeira apenas porque indicada pela regra de DIPr da lex fori, semrealizar uma análise de sua potencial afronta aos princípios norteadores do sistemajurídico interno, e, também, sem perquirir em qual contexto tal norma foi editada, bemassim no que o seu comando poderia violar interesses fundamentais do Estado.

Cabe, agora, portanto, verificar quais esses limites à aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional.

Direitos fundamentais e humanos

Os direitos fundamentais (internos) e humanos (internacionais) são atualmente oslimites mais importantes à aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. Assim,tudo o que se há de fazer no plano doméstico relativamente ao DIPr (proferir umasentença, aplicar uma norma de colisão, qualificar um instituto jurídico etc.) deverespeitar os direitos fundamentais (consagrados na Constituição) e os direitos humanos(previstos nos tratados internacionais respectivos de que o Estado é parte) das pessoasenvolvidas na questão sub judice.

Deve o juiz conhecer todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição,bem assim os decorrentes de tratados internacionais em que o Estado é parte, para que

126

Page 127: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.2

solucione com justiça e harmonia o caso concreto. Ademais, ambos esses direitos(fundamentais e humanos) têm primazia hierárquica na ordem jurídica doméstica,impedindo a validade (e a consequente eficácia) das normas nacionais e estrangeiras comeles incompatíveis.67

A partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, e da aprovaçãoda Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, deu-se ensejo à produção deinúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos básicos das pessoas(standard mínimo) em nível global. Não tardou muito tempo, porém, para começarem aaparecer tratados versando direitos humanos específicos, como os das pessoas comdeficiência, das mulheres, crianças, idosos, refugiados, populações indígenas ecomunidades tradicionais. Todos esses instrumentos, uma vez ratificados pelo Estado,passam a servir de limites à aplicação do direito estrangeiro com eles incompatível.

Todos os sistemas de direitos humanos (global e regionais) de que o Estado é partesão coexistentes e complementares um dos outros, uma vez que direitos idênticos têmencontrado proteção em vários desses sistemas concomitantemente. Cabe, assim, ao juiz,escutar o “diálogo das fontes” e coordená-las, aplicando ao caso sub judice a norma quemelhor ampara o indivíduo sujeito de direitos, em detrimento da norma estrangeira que oprotege menos.68

Ordem pública

A ordem pública é um dos mais conhecidos limites à aplicação da lei estrangeira,constando da legislação de DIPr de quase todos os países. Opera rechaçando a aplicaçãode leis, costumes ou instituições estrangeiras, bem assim de quaisquer declarações devontade que violem os direitos fundamentais, a moral, a justiça ou as instituiçõesdemocráticas do foro, apesar da indicação de sua competência pelas regras de conexãodo DIPr.69 Tal é assim para que não se dê “carta branca” a todas as legislações do mundopotencialmente aplicáveis à jurisdição do foro, evitando-se, com isso, que os Estadosdeem passos no escuro relativamente à aplicação dessas normas, o que geraria efeitosindesejáveis na ordem doméstica. Assim, uma norma ou sentença estrangeira quereconheça, v.g., a escravidão (e entenda, portanto, que certa escrava é propriedade domarido), a poligamia ou a morte civil não pode ser aplicada em nossa ordem jurídica,violadora que é dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e nos tratadosinternacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte. Por esses três exemploscitados, porém, já se percebe que a exceção de ordem pública há de ter lugar apenas

127

Page 128: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

excepcionalmente, nos casos em que realmente haja afronta à soberania, aos direitosfundamentais, à moral, à justiça ou às instituições democráticas do foro.

Destaque-se o papel cada vez mais crescente dos tratados de direitos humanos (v.g.,no nosso entorno geográfico, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969)para a concretização do conceito de ordem pública. De fato, à medida que tais tratadossão internalizados na nossa ordem jurídica, tudo quanto dispõem sobre a proteção dosdireitos humanos há de servir, também, como limite à aplicação de leis, costumes einstituições de outro Estado que os afronte.

Também o costume internacional (relativo ou não a direitos humanos) representa umlimite à aplicação de leis, costumes e instituições de um Estado estrangeiro. De fato, ocostume internacional é fonte formal do Direito Internacional Público, segundo a normacontida no art. 38, § 1º, b, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, sendo certo quevincula os Estados-membros da sociedade internacional à sua aplicação, razão pela qualé também capaz de limitar as leis, costumes e instituições de um Estado estrangeiro que ocontradigam. Nesse ponto, cabe destacar a grande importância das normas internacionaisde jus cogens (também provenientes do costume internacional) como limites à aplicaçãointerna de leis, costumes ou instituições de Estado estrangeiro. Trata-se daquelas normasimperativas de direito internacional geral que não aceitam qualquer derrogação, senãoapenas por outras normas de jus cogens da mesma natureza.70 Assim sendo, à evidência,mais do que qualquer outra norma, devem as normas de jus cogens ser observadas pelojuiz do foro quando da aplicação de leis, costumes ou instituições de Estado estrangeiroque as contradigam.

No DIPr, a exceção de ordem pública baseia-se nas razões de Estado, segundo asquais faz-se necessário proteger os interesses soberanos do Estado do foro, seus direitose garantias fundamentais, bem assim sua ordem política, social, moral ou econômica,quando em jogo a aplicação de determinada norma estrangeira. Assim, quando houverconfronto entre a norma estrangeira indicada pela regra de DIPr da lex fori e os interessesdo Estado relativos à soberania, direitos e garantias fundamentais, ordem política, social,moral ou econômica, rechaça-se a aplicação da norma estranha em benefício da utilizaçãoexclusiva das normas domésticas.

Frise-se, porém, que a exceção de ordem pública não discrimina o direito estrangeiroenquanto tal, para o qual o resultado determinado pela norma é, a priori, lícito e moral,permitindo apenas que o Poder Judiciário local o desaplique por violação da ordempública. A questão, aqui, é, como se vê, de aplicação de uma norma estrangeira emdescompasso com a ordem pública local, não de discriminação da norma estranha ou doEstado que a editou. Respeita-se, assim, o direito estrangeiro enquanto tal, mas, por

128

Page 129: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

atenção à soberania do Estado do foro, autoriza-se a sua não aplicação, porincompatibilidade com a ordem pública. Não há, assim, propriamente, uma sanção à leiestrangeira violadora da nossa ordem pública, eis que não pode o Estado da lex forideclarar, v.g., nula ou inválida uma norma estranha, editada em país estrangeiro, sequertendo poder para tanto, cabendo-lhe, apenas, inaplicá-la na nossa ordem jurídica.71

A atividade do juiz para aferir eventual violação à ordem pública opera em duasetapas: primeiro, aprecia o fato, aplicando a norma de DIPr da lex fori para encontrar odireito aplicável; depois, qualifica o direito indicado e verifica se a sua aplicação écapaz de ofender a soberania, os direitos e garantias fundamentais, a ordem política,social ou econômica, bem assim a moral, a justiça ou as instituições democráticas doEstado do foro. Nesses casos, rechaça-se o direito estrangeiro, que seria aplicável, paraaplicar-se exclusivamente a lex fori. Destaque-se que o juiz deve buscar,fundamentalmente, na Constituição Federal e nos tratados de direitos humanos dos quais oEstado é parte os princípios fundamentais capazes de rechaçar a aplicação do direitoestrangeiro perante a ordem interna. A decisão judicial de afastar o direito estrangeiroindicado pela norma de DIPr da lex fori deve, evidentemente, ser fundamentada.

No Brasil, a ordem pública, como limite à aplicação da lei estrangeira, foiconsagrada no art. 17 da LINDB, que assim dispõe:

As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, nãoterão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bonscostumes.72

Bastaria, porém, ter o art. 17 da LINDB feito menção apenas à “ordem pública”, quejá abrange a soberania nacional e os bons costumes. A “ordem pública” é o gênero doqual a “soberania nacional” e os “bons costumes” são espécies.73 Andou bem, assim, oart. 5º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, de 1979, que não se refere a outra matéria que não a “ordem pública”. Veja-se:

A lei declarada aplicável por uma convenção de Direito Internacional Privado poderá nãoser aplicada no território do Estado Parte que a considerar manifestamente contraria aosprincípios da sua ordem pública.74

Seja como for, o certo é que a ordem pública (que abrange a soberania nacional e osbons costumes) é um limite expresso à aplicação das leis, atos e sentenças de outro país,reconhecido tanto por leis internas quanto por tratados internacionais. Frise-se, porém,que somente não serão aplicados no Brasil as leis, atos e sentenças de outro país que

129

Page 130: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

ofendam a nossa soberania, ordem política, social, econômica etc. Se a lei, ato ousentença estrangeira em causa eventualmente ofender o direito estrangeiro, mas não onosso, poderá perfeitamente ser aplicado pelo juiz nacional; não teria sentido invocar aordem pública do país da lex causae, que para o juiz do foro é irrelevante.75 Assim, v.g.,não se deixará de reconhecer, no Brasil, o direito a alimentos aos filhos de uma relaçãoincestuosa realizada no estrangeiro, ainda que segundo a lex causae tais filhos nãodisponham de quaisquer direitos.76 Exceção haverá ser houver tratado internacionaldisciplinando de modo contrário o tema, eis que, nesse caso, a norma convencionalestaria a estabelecer um conceito de ordem pública (internacional) a ser observadoincontinenti pelo juiz do foro.

Baseado no conceito de ordem pública, o STF, por vezes, negou homologação asentenças exaradas de países muçulmanos que admitiam o chamado “repúdio” (talak),instituto pelo qual o marido repudia a mulher quando entende ter nela encontrado “algotorpe”.77 Em tais casos, quando o Poder Judiciário nacional rechaça a aplicação da normaestrangeira por contrariedade à ordem pública, a solução é resolver a questão sub judiceaplicando as normas substanciais da lex fori. Contudo, observe-se que “o juiz deveprestar muita atenção para não exagerar na aplicação da ordem pública e do direitonacional, devendo ter sempre em vista os objetivos do DIPr, mesmo porque o direitonacional que substitui o direito estrangeiro somente encontra sua exata aplicação no pontoonde este foi recusado”.78 Em outras palavras, o juiz nacional deve agir com totalparcimônia relativamente à aplicação da exceção de ordem pública, devendo sopesarcoerentemente os valores envolvidos e utilizar a exceção apenas quando a lei estrangeiraindicada for manifestamente incompatível com as bases fundamentais do Estado.

A recusa em aplicar o direito estrangeiro e a substituição deste pela lex fori poderá,como explica Jacob Dolinger, ser de efeito negativo ou positivo. Será de efeito negativoquando a lei local proibir o que a lei estrangeira permite (v.g., a poligamia, a escravidãoetc.); não se admite, nesse caso, aplicar a lei estrangeira permissiva. Será de efeitopositivo quando a lei local permitir o que a lei estrangeira proíbe (v.g., casamento declérigos, divórcio, alimentos entre certas relações de parentesco etc.); a ordem públicalocal, nesse caso, intervém para exigir que se conceda o direito ou a faculdade proibidosou desconhecidos pela lei pessoal.79

Destaque-se, por fim, que o conceito de ordem pública pode ser (e efetivamente temsido) modificado com o passar do tempo, variando de acordo com as mudançasjurisprudenciais ocorridas.80 Daí se entender ser o conceito de ordem pública um conceitoinstável. De fato, aquilo que no passado poderia ofender a ordem pública nacional – v.g.,o casamento de pessoas do mesmo sexo realizado no estrangeiro – deixa de causar ofensa

130

Page 131: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.3

a partir do advento de uma nova Constituição ou do reconhecimento da questão em causapelo STF.81 Nesse caso, cumpre indagar qual conceito de ordem pública deve seraplicado pelo juiz, se o anterior (ao tempo dos fatos) ou o atual (ao tempo do processo).A orientação doutrinária é no sentido de que a noção de ordem pública a ser consideradaé a vigorante ao tempo do processo, e não ao tempo dos fatos, pois “não seria possívelafastar a competência de lei estrangeira com fundamento em uma noção de ordem públicaque não mais existe no foro ao tempo do litígio”.82

Normas de aplicação imediata (lois de police)

Não há que se confundir a exceção de ordem pública, que se acabou de estudar, comas chamadas normas de aplicação imediata (ou imperativas),83 também conhecidas pelaexpressão francesa lois de police.84 Apesar de tênue a distinção, entende-se que a exceçãode ordem pública opera depois de ter o juiz nacional encontrado a norma estrangeiraindicada pelo DIPr da lex fori, quando então rechaça a aplicação da lei estranha“descoberta” pelo método conflitual, ao passo que as normas de aplicação imediataoperam antes de qualquer indagação sobre qual norma será aplicada ao caso concreto, sea nacional ou a estrangeira, caso em que o juiz do foro sequer utiliza o método conflitualestabelecido pela regra de DIPr nacional.85 Nesse último caso, o juiz do foro aplica, deplano, ou seja, imediatamente, a norma imperativa prevista em seu ordenamentojurídico,86 em razão da constatação de que os interesses em jogo são de grande relevânciapara o deslinde do caso concreto.

No Brasil, a disposição que se reporta às normas de aplicação imediata (normasimperativas/lois de police) encontra-se no art. 166, VI, do Código Civil de 2002, inseridono capítulo relativo à invalidade do negócio jurídico, que diz ser “nulo o negócio jurídicoquando tiver por objetivo fraudar lei imperativa”.87 Tal disposição concretiza, entre nós,a aceitação das normas de aplicação imediata como limites à validade dos negóciosjurídicos, inclusive em sede de conflitos de leis no espaço com conexão internacional. OCódigo, porém, não definiu o que vêm a ser tais leis imperativas, deixando para adoutrina e para a jurisprudência esse mister.

Para nós, as normas de aplicação imediata são aquelas que visam preservar direitostidos como essenciais a uma comunidade de pessoas no âmbito de um determinadoEstado, a exemplo dos ligados às relações de trabalho e consumo.88 Trata-se de normasque comportam questões de grande relevância nacional, tidas como extremamenteimportantes à garantia dos direitos dos cidadãos e do próprio Estado. Por esse exato

131

Page 132: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

motivo, são automaticamente (imediatamente) aplicáveis; obrigam – para falar como o art.3º, § 1º, do Código Civil francês – “todos os que habitam o território”.89 Daí ser asuperioridade em relação às demais normas componentes da coleção de leis nacionais asua marca fundamental.90 Sem que haja tais características, não será possível dizer estardiante de verdadeira norma de aplicação imediata, caso em que a busca pela normaindicada pela regra de DIPr da lex fori se impõe.

Como se percebe, as normas imperativas são, por natureza, sempre unilaterais, vezque impõem a aplicação de uma única norma em detrimento de eventual lei estrangeiraaplicável. A opção pelo unilateralismo, nesse caso, vem demonstrar nitidamente asuperioridade do interesse estatal ligado a um determinado assunto, tido como essencial àsua população em geral, capaz de afastar a aplicação de quaisquer ordens potencialmenteaplicáveis.

Em suma, fazendo-se presente na relação sub judice uma questão jurídica de DIPr,interconectada, portanto, com mais de uma ordem estatal, aplicam-se as normasimperativas para afastar a busca da norma indicada pelo elemento de conexão,impedindo, assim, qualquer possibilidade de aplicação do direito estrangeiro para aresolução do caso concreto. Nessa hipótese, como já se disse, sequer indaga o juiz sobrequal norma será aplicada à questão sub judice, se a nacional ou a estrangeira, eis que anorma de aplicação imediata afasta (antes de tudo) a busca pela lei aplicável.91

Não apenas, porém, o afastamento da busca pela lei aplicável é efeito que decorre dasnormas imperativas, delas também advindo outras consequências jurídicas importantes,tais o impedimento de homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatura cartas rogatórias que as contrariam, bem assim a negação à autonomia da vontade daspartes na livre escolha da lei aplicável à relação jurídica.92

Qual a índole das normas de aplicação imediata? Tais normas podem ser: a) internas,a exemplo de todas as normas de direitos fundamentais expressas na Constituição; ou b)internacionais, constantes especialmente dos tratados de direitos humanos (mas não sódeles) ratificados e em vigor no Estado. Tanto uma quanto outra categoria prevalecem, emrazão de sua superioridade hierárquica, às normas conflituais presentes no Direito interno(constantes, v.g., na LINDB). Ambas formam um complexo mosaico protetivo,assegurador de interesses caros (essenciais) à comunidade de cidadãos do Estado doforo, que bloqueia qualquer iniciativa de busca da ordem jurídica indicada pela regrainterna de DIPr. No que tange especificamente aos tratados de direitos humanos, cabelembrar que tais instrumentos versam, em larga escala, também de direitos privados. Àmedida que tais tratados se incorporam à ordem nacional, seus preceitos protetivospassam a atuar – a título de superdireito – como também limitadores das normas

132

Page 133: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.4

estrangeiras que os contradigam.93

Não se descarta, também, a existência de normas imperativas (internas ouinternacionais) decorrentes do costume. Tanto o costume interno quanto o costumeinternacional são aptos a inserir na ordem doméstica normas de aplicação imediata,quando reconhecidas pelo Estado em questão. Assim, não somente as normas escritas(internas ou internacionais) têm aptidão para estabelecer normas imperativas no âmbitode um determinado Estado, podendo tais normas provir do costume. Efetivamente, comoexplica Tatyana Friedrich, pouco importa a fonte ou a designação formal que determinadoordenamento jurídico vincula à norma imperativa, interessando, sim, o seu valor perantetodo o restante do ordenamento jurídico.94

Exemplos de normas imperativas são encontrados nas legislações trabalhista (quefavorece o trabalhador e limita os poderes do empregador), consumerista (peloreconhecimento do caráter vulnerável do consumidor face à relação mercantilista com ofornecedor) e relativa a bens culturais (fundamentais ao avanço civilizatório e cultural deum determinado povo, bem assim determinantes para a consolidação da identidadenacional).95

Em conclusão, quando em jogo na questão sub judice de DIPr certa norma deaplicação imediata, sequer irá o juiz investigar qual a lei indicada pela regra conflitualdoméstica, se a nacional ou a estrangeira, devendo aplicar automaticamente a normaimperativa em questão, em razão dos interesses maiores que comporta.

Frise-se, contudo, que esse procedimento há de ter lugar senão excepcionalmente,quando efetivamente houver norma imperativa a preservar valores importantes(essenciais) à comunidade dos cidadãos do Estado e ao próprio Estado, a fim de se evitara utilização indiscriminada desse expediente, que poderia, inclusive, fragmentar a própriaexistência do DIPr. Seria fácil ao juiz do foro entender todas as normas internas como de“aplicação imediata” para se furtar à pesquisa e investigação do direito aplicável quandopresente uma questão típica de DIPr.96 Assim, repita-se, a aplicação das normasimperativas deve ser realizada com cautela, e apenas quando tiver o julgador completacerteza de que se trata de norma cujos valores que comporta são notoriamente essenciaisà comunidade dos cidadãos do Estado do foro.

Fraude à lei

Outro limite à aplicação da lei estrangeira pelo juiz nacional é a exceção de fraude àlei, que ocorre quando a pessoa pratica atos tendentes a escapar (dolosamente) da

133

Page 134: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

aplicação de uma norma imperativa ou proibitiva que lhe prejudica. Assim, a pessoa, aose furtar deliberadamente do império de uma legislação gravosa aos seus interesses, parasubmeter-se à regra de outro sistema jurídico mais benevolente, pratica uma fraude àaplicação do bom direito, a qual não pode ser tolerada.97 O expediente consiste em apessoa alterar dolosamente o elemento de conexão, criando artificiosa vinculação adireito que não seria o competente para reger a sua situação, porém, lhe é mais benéficoque o direito verdadeiramente indicado (v.g., alterando deliberadamente a suanacionalidade ou o seu domicílio para escapar ao império de determinado direito).98

Trata-se, em suma, dos casos em que se tem um elemento de conexão “arranjado”, isto é,fraudulento.99

Nesse sentido, o art. 6º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979, assim prevê:

Não se aplicará como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quandoartificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais da lei de outro Estado Parte.Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptor determinar a intençãofraudulenta das partes interessadas.

Assim também disciplinou o art. 18 do Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004,segundo o qual “não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculofraudulentamente estabelecido”.

O fundamento da exceção de fraude à lei é o princípio geral de direito segundo o qualo direito não tolera atos ilícitos ou imorais. Perceba-se, porém, que o ilícito de que setrata não consiste no fato de a pessoa “escolher” uma lei que a beneficia, o que pode serentendido até mesmo como um gesto natural dos seres humanos, mas sim na intenção defraudar uma norma jurídica que deveria cumprir, levada a efeito pela alteração dolosa doelemento de conexão que indicaria a lei corretamente aplicável. Também, na fraude à lei,como explica Irineu Strenger, não é o conteúdo da lei escolhida que é consideradoinconveniente, podendo ser perfeitamente aceito pelo juiz nacional; é apenas desprezada,nesse caso, a aplicação do direito estrangeiro, pelo fato de estar ele servido como capapara a obtenção de fins ilícitos, vedados pela lei nacional, ainda que esta não osconsidere condenáveis intrinsecamente.100

A exceção de fraude à lei, como leciona Haroldo Valladão, é um modo indireto deviolação da lei que desde há muito perdura nos ramos do Direito, especialmente nodireito público (v.g., nacionalidade e serviço militar), fiscal, eleitoral, civil (v.g., família,bens móveis, contratos, sucessões), trabalhista etc.101 Aduz ainda Valladão que a fraude àlei tem papel destacado no DIPr, “pois a fuga da lei indesejável, a sua substituição por

134

Page 135: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

outra mais conveniente, é facilitada em face da reconhecida voluntariedade na escolha doelemento de conexão, da nacionalidade, do domicílio, da residência habitual, do lugar dasituação da coisa móvel, do ato ou do contrato etc.”.102

São frequentes, v.g., os casos de mudança de nacionalidade com o fito de fazerescapar a pessoa às exigências impostas pela lei nacional (v.g., o cumprimento de serviçomilitar). Daí muitos juristas entenderem ser tal hipótese um caso de fraude à lei.103 Oexemplo clássico é o da Princesa de Beauffremont, que era casada e tinha nacionalidadefrancesa, ao tempo em que o direito francês proibia o divórcio, quando então naturalizou-se alemã para obter dito divórcio e se casar novamente com o Príncipe Bibesco, denacionalidade romena, tendo a jurisprudência francesa considerado sem efeito o divórcioe o novo casamento em decorrência da fraude.104 Para nós, contudo, a mudança denacionalidade, por si só, não pode ser atualmente entendida como fraude à lei,especialmente pelo fato de que o direito de mudar de nacionalidade (independentementede justificação da pessoa) é um direito humano consagrado em vários tratadosinternacionais,105 os quais, no Brasil, têm (no mínimo) status supralegal, segundo oentendimento do STF.106

Jacob Dolinger exemplifica casos de fraude à lei quando a pessoa muda denacionalidade para, v.g., escapar do rigor de sua lei pessoal que proíbe o divórcio, ainvestigação de paternidade e a deserdação de filhos, concluindo que, nesses casos,estará a pessoa abusando do direito de mudar de nacionalidade.107 Parece, porém, que nosdois primeiros casos a pessoa frauda a lei para buscar a realização de um direito maiorque entende ter, como o de novamente se casar e o de recorrer à investigação depaternidade. Se um desses direitos for reconhecido por tratados internacionais de direitoshumanos, a fraude à lei haveria de ceder às garantias elencadas nos instrumentosinternacionais de proteção de que o Estado é parte, posto que a lei interna (eventualmentefraudada) estaria em desacordo com aquilo que o próprio Estado do foro se comprometeua cumprir no plano internacional, caso em que será tida como inconvencional (e, portanto,inválida).108 Como, então, falar em fraude quando normas internacionais de direitoshumanos garantem aos indivíduos certo direito ou condição? Assim, parece certo que oscasos de mudança de nacionalidade devem ser analisados com total parcimônia pelosjuízes, visto que nem sempre podem ser tidos como fraudulentos à luz das garantias hojepostas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, ainda que o sejam nos termos deleis internas (as quais têm que se adaptar a todas as normas internacionais de direitoshumanos ratificadas e em vigor no Estado, sob pena de inconvencionalidade/invalidade).

O assunto também é complexo em matéria de mudança de religião nos países em que oestatuto pessoal é regido por lei religiosa, pois conquanto tal mudança seja um direito

135

Page 136: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

humano internacionalmente reconhecido,109 o seu abuso há de ser condenado, não seadmitindo, assim, que um cristão que se converte, v.g., para o islamismo, deixe de saldaros alimentos a que fora condenado pagar à sua esposa, pois que sua mudança de religiãoteria visado apenas fazê-lo escapar dessa obrigação.110

Oscar Tenório exemplifica, dentre outros, um caso de fraude à lei relativo àsubstância dos contratos, pois em alguns países há cláusulas que são proibidas noscontratos, ao passo que em outros são permissivas; como, em regra, o contrato se regepela lei do lugar de sua conclusão, as partes procuram países onde certas cláusulas sãoválidas, a fim de se libertarem do rigor imposto pela lei que, normalmente, haveria de serrespeitada.111

Para nós, a fraude à lei apenas se concretiza quando houver a conjugação de doiselementos: a) o uso de um direito primário que não seria o aplicável, em razão de umaconexão fraudulenta manejada pelo agente (elemento objetivo ou corpus); e b) a lesãointencional a um interesse particular ou a um interesse social relevante (elementosubjetivo ou animus).112 Em outros termos, para a caracterização da fraude à lei serianecessária (a) a prática de um ato concreto capaz de fraudar a lei competente e (b) avontade de lesionar interesse alheio, sem a qual não há falar-se em verdadeira fraude.Assim, somente se poderá falar “na existência de fraude à lei ocorrendo as duashipóteses: por primeiro, o agente procura arranjar uma conexão que se coloque emsituação mais vantajosa, com a aplicação de outra lei que seria a aplicável; depois, épreciso que a malícia usada cause uma lesão a um interesse particular ou social”.113

Destaque-se que, na prática, tem sido bastante difícil a prova da fraude à lei, uma vezque requer a certeza sobre a intenção dolosa do indivíduo, sem a qual não há o elementosubjetivo caracterizador da fraude. Em outras palavras, pode-se dizer que a dificuldadena aplicação da teoria da fraude à lei decorre do fato de envolver “a análise da intençãodo pretenso fraudador, que para certos autores representa uma intromissão do Judiciáriono campo da consciência humana, o que lhe é defeso fazer”.114 Não se conseguindo provara fraude, a vinculação ao direito mais benéfico, que, a priori, não seria o competente parareger a situação em causa, torna-se completa e juridicamente eficaz.115

Por último, cabe indagar quais os efeitos da fraude à lei. Que efeitos teriam, v.g., umamudança fraudulenta de domicílio com o fito de beneficiar-se o agente da aplicação deuma lei mais benéfica? Nessa hipótese, como explica Jacob Dolinger, os efeitos do atopraticado em outra jurisdição serão apenas inoponíveis no Estado do foro, pois não temeste o poder de anular ato ou negócio jurídico concluído em outra jurisdição; a fraude terárepercussão apenas no que tange à ineficácia local dos atos praticados sob o império dalei do novo estatuto pessoal com base no domicílio adquirido.116 Em suma, as situações

136

Page 137: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.5

constituídas no exterior decorrentes de fraude à lei apenas não surtirão efeitos (serãoinoponíveis) no Estado do foro, em nada significando que no Estado sob cuja jurisdição asituação se concretizou esta não tenha validade jurídica.117 Portanto, como destaca LuizOlavo Baptista, tem-se que “os efeitos da fraude à lei não são bilaterais, mas vinculam-se ao sistema jurídico do juiz”.118 Esse magistrado, porém, no caso concreto, poderáponderar os interesses em conflito e não desconsiderar totalmente a atribuição de efeitosda situação constituída no exterior na ordem doméstica.119

Lei mais favorável (prélèvement/favor negotii)

O princípio da lei mais favorável – também conhecido como prélèvement (naexpressão francesa) ou do favor negotii (no latim) – surgiu, inicialmente, para beneficiaro interesse nacional em detrimento do interesse estrangeiro. Sua origem está ligada àjurisprudência francesa, que visava proteger os interesses dos seus nacionais narealização de negócios com estrangeiros. Daí a nomenclatura também utilizada,proveniente do latim, favor negotii, que conota a norma mais favorável à validade donegócio jurídico em benefício do cidadão nacional.

Atualmente, ambas as expressões (prélèvement e favor negotii) se equivalem. Arigor, porém, o prélèvement seria aplicado tanto para o direito civil como para o direitocomercial/empresarial, e o favor negotii apenas para o direito comercial/empresarial.120

O caso célebre, sempre lembrado, foi do cidadão mexicano Lizardi, que, aos 23 anos,emitiu uma nota promissória para pagamento de joias compradas de um comercianteparisiense, o qual aceitou a referida nota. Recusando-se, posteriormente, a saldar a notapromissória, Lizardi foi executado perante a Justiça francesa, quando então alegou que,segundo a lei mexicana, somente aos 25 anos de idade atingiria a maioridade e acapacidade para os atos da vida civil. A Corte de Cassação francesa, em 1861, aplicandoo princípio do prélèvement ou favor negotii, reconheceu que se deveria ignorar a normamexicana, porque não seria aceitável que os cidadãos franceses conhecessem todas asleis do mundo, e assim considerou válida a transação comercial realizada, em benefíciodo negócio jurídico e dos interesses do comerciante francês.

Várias normas de DIPr, em outros âmbitos, têm expressamente previsto o princípio emapreço, tal como fez a Constituição brasileira de 1988, no art. 5º, XXXI, quando dispôsque “a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileiraem benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do de cujus”. A mesma regra foi repetida pelo art. 10, § 1º, da

137

Page 138: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.6

LINDB.121

O princípio em apreço, porém, é via de mão dupla, eis que beneficia a aplicação dequalquer lei (a nacional ou a estrangeira) mais favorável à pessoa. Trata-se de umelemento de conexão original e dialógico, que transforma o DIPr em disciplinaprogressista voltada à melhor proteção da pessoa em todos os campos. Seu melhorfundamento é, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana, que serve como força deatração para a aplicação da norma (nacional ou estrangeira) que mais beneficia o sujeitode direitos num determinado caso concreto sub judice.122

Reciprocidade

A exceção de reciprocidade é também um limite à aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional, porém, raramente utilizada nos dias atuais. Ocorre quando o juiznacional deixa de aplicar o direito estrangeiro indicado quando percebe que aquelaordem jurídica também rechaçaria, nas mesmas circunstâncias, a aplicação de leisnacionais.

O que se presencia, atualmente, é certa indiferença das ordens jurídicas com o papelda reciprocidade enquanto fonte limitadora da aplicação da norma estrangeira. Assim, aslegislações, em geral, não têm impedido a aplicação, pelo juiz nacional, da leiestrangeira, só pelo fato de aquela impedir a aplicação da lei doméstica.

No direito brasileiro atual não há uma cláusula geral a impedir que o juiz nacionalaplique o direito estrangeiro não recíproco, à exceção do caso específico dos direitos dosportugueses com residência permanente no país (v. infra) e de existir tratado internacionalque regule diferentemente o tema, como, v.g., nos casos de extradição.

Outra forma pela qual a exceção de reciprocidade aparece diz respeito ao gozo dedireitos, pelos estrangeiros, em território nacional. Nesse sentido, a lex fori pode preverque não se atribuirão aos estrangeiros no país direitos que os nossos nacionais não teriamnaquele Estado. Strenger exemplifica com o direito mexicano, que não admite apropriedade de bens imóveis por parte de estrangeiros. Assim, se um mexicanopretendesse adquirir bem imóvel no Brasil, seria o caso de negar-lhe tal direito à luz dareciprocidade, eis que um brasileiro não poderia ser proprietário de bem imóvel noMéxico.123

A reciprocidade, em matéria de gozo de direitos por estrangeiros, vem prevista no art.16 das disposições preliminares ao Código Civil italiano de 1942, segundo o qual “oestrangeiro pode gozar dos direitos civis atribuídos ao cidadão sob condição de

138

Page 139: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.7

reciprocidade, salvo as disposições contidas em leis especiais”. No mesmo sentido, aConstituição brasileira de 1988 estabelece, no art. 12, § 1º, que “aos portugueses comresidência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serãoatribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nestaConstituição”.

Instituições desconhecidas

Há casos em que a instituição jurídica prevista pela lei estrangeira é totalmentedesconhecida do direito pátrio, quando então o seu reconhecimento pelo juiz nacionalpode apresentar limites. Muitos institutos previstos no direito islâmico são, v.g.,totalmente desconhecidos da legislação brasileira (bem assim de vários países domundo); também o direito inglês contém institutos não encontráveis no direito brasileiro,de que é exemplo o trust.

Já se falou (v. Cap. IV, item 4.1, supra) que deve haver dupla qualificação quando seestá diante de instituto jurídico desconhecido: a primeira (prejudicial), realizada pela fexfori (visando saber se o instituto é realmente desconhecido do direito nacional); e asegunda (qualificação propriamente dita), para aferir se a instituição desconhecida podeou não ser qualificada entre as instituições nacionais análogas.124

Tal demonstra que o simples desconhecimento de certa instituição estrangeira pelaordem doméstica não é óbice a que o juiz do foro a conheça e dela tire consequênciasjurídicas, caso não haja, evidentemente, violação da soberania ou da ordem pública doEstado do foro.125 O divórcio, v.g., era instituto desconhecido do direito brasileiro até apromulgação da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, e, ainda assim, o STFhomologava sentenças estrangeiras de divórcio, equiparando-as às sentenças de desquite(esse era o instituto de dissolução da sociedade conjugal até então conhecido no Brasil)para fins de divisão patrimonial. Entendia-se que se o direito estrangeiro admite odivórcio, plus, razão não haveria para inadmitir o desquite, minus.126 O STF também jáhomologou, em 1933, decreto de divórcio proferido pelo Rei da Dinamarca, entendendo-o como “sentença” emanada de “tribunal” estrangeiro para fins de homologação, eis que oRei, nesse caso, estava a praticar atos equiparados aos de um órgão judicante quandodecretava o divórcio.127 Tal significa, repita-se, que o desconhecimento do institutoestrangeiro pelo direito pátrio não impede o juiz do foro de conhecê-lo e dele extrairefeitos jurídicos.

É evidente, porém, que nem sempre é fácil de resolver, na prática, todos os problemas

139

Page 140: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

5.

apresentados. Veja-se, a propósito, o exemplo de Strenger: “Certos ordenamentosjurídicos, por exemplo, preveem a hipoteca sobre coisa móvel. Ainda que se admitisseem tese não ferir a ordem pública a existência de uma hipoteca sobre bem móvel noBrasil, haveria a impossibilidade de sua inscrição, porque não há previsão para este tipode registro. Neste caso, a solução melhor seria afastar totalmente a aplicação dessalegislação estrangeira”.128 Tal demonstra que ainda que o instituto estrangeiro não fira aordem pública nacional, imperativos de índole legislativa podem impedir que se conheçada questão sub judice, especialmente se não restar autorizada a subsunção a instituiçõesou a procedimentos análogos. Cada caso concreto, contudo, deve ser analisado de per sipelo juiz.

Cite-se, mais uma vez, a respeito do tema da instituição desconhecida, o disposto noart. 3º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, de 1979:

Quando a lei de um Estado Parte previr instituições ou procedimentos essenciais para a suaaplicação adequada e que não sejam previstos na legislação de outro Estado Parte, estepoderá negar-se a aplicar a referida lei, desde que não tenha instituições ou procedimentosanálogos.

Tais procedimentos análogos referidos pela norma citada são aqueles encontráveispelos métodos da adaptação ou aproximação, já estudados (v. Cap. IV, item 4.4, supra).Daí o motivo pelo qual muitos autores entenderem que a lacuna no tratamento do tema nasnormas de direito internacional positivo – à exceção do citado art. 3º da ConvençãoInteramericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado – é decorrência dofato de estar ele integrado à questão da ordem pública e da qualificação.129 De fato, háíntimas ligações do tema da instituição desconhecida com os da ordem pública e daqualificação; pode-se, de fato, utilizar da técnica da qualificação para adaptar ouaproximar a instituição desconhecida à ordem jurídica do foro, para que nela sejaaplicada.

Sendo, contudo, verdadeiramente impossível ao juiz do foro adaptar ou aproximar aquestão jurídica por meio de instituições ou procedimentos análogos, a única alternativaviável será a negativa de aplicação da lei estrangeira indicada.

Conclusão

Ao longo deste Capítulo foi possível perceber quanta dificuldade há para o juiz na

140

Page 141: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

aplicação do direito estrangeiro, a começar pela sua pesquisa e exata compreensão,cercadas, quase sempre, de grandes desafios. Dificuldades linguísticas, de interpretação ede conhecimento do verdadeiro significado de uma norma estranha são apenas algunspontos que demonstram os problemas que pode ter o juiz, na prática, para a aplicaçãoescorreita da norma estrangeira indicada pela regra de DIPr da lex fori. Tais dificuldades,no entanto, não podem servir de argumento para que não se aplique (bem aplique) odireito estrangeiro indicado.

Ainda que não alegada pelas partes, como já se verificou, é obrigação do juiz aplicarex officio a norma estrangeira indicada, não em razão desta própria, mas em observânciaa uma norma interna de ordem pública (a norma de DIPr da lex fori) que exige sejamatribuídos, no foro, efeitos concretos à norma estranha indicada, como direito mesmo, nãocomo simples fato, quando então a ordem estrangeira passa a compor (integrar) o direitonacional na resolução do problema jurídico interconectado que sub judice se apresenta.

Enquanto o Direito Uniforme não logra a missão (talvez impossível) de uniformizaras regras conflituais relativas a todos os ramos do Direito, o certo é que o preparo dosjuízes nacionais em matéria de direito internacional (privado ou público) se impõe. Cadavez mais deve o magistrado especializar-se em matéria de DIPr, sobretudo no atualmomento histórico, em que se vive intensa internacionalização das relações humanas.

Não há de ser admitida, pelo argumento que se pretenda, a rejeição de uma demandapor não ter o juiz logrado encontrar (inclusive com o auxílio das partes) o direitoestrangeiro aplicável, até mesmo porque, já se viu, o direito brasileiro prevê alternativascapazes de levar o magistrado – no caso extremo de terem sido esgotadas todas asalternativas possíveis para o conhecimento do teor e da vigência da norma estrangeira – auma solução final que seja, no mínimo, coerente.

141

Page 142: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

__________TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 145.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 239.Essa é a posição uniforme dos países latino-americanos, como demonstrado por BERGMAN,Eduardo Tellechea. Aplicación e información del derecho extranjero en el ámbito interamericano,regional y en el Uruguay. Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión, año 2, nº3 (2014), p. 35-40. Sobre a posição especialmente dos países europeus, v. DOLINGER, Jacob.Application, proof and interpretation of foreign law: a comparative study in private international law.Arizona Journal of International and Comparative Law, vol. 12 (1995), p. 225-276.A propósito, v. a lição de VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 471: “Nafase moderna do DIPr, com a promulgação de textos internacionais e internos, de naturezaobrigatória para o juiz, impondo-lhe a aplicação da lei estrangeira, não tinha mais sentidoconsiderá-la simples fato, dependente do querer das partes: seria esvaziar, completamente, asnormas de DIPr. Se estas prescrevem, p. ex., que a capacidade se determina pela lei do domicílio eeste é no estrangeiro, exigem que o juiz aplique a respectiva lei estrangeira; considerá-la não umalei, mas um fato, que o juiz deve ignorar, sujeito apenas à vontade dos interessados, é violarflagrantemente a letra e o espírito do texto de DIPr. É a completa negação da eficiência das normasimperativas de DIPr. Não é possível transformar uma lei imperativa em permissiva pelo comodismoda parte ou do juiz em cumpri-la ou fazê-la cumprir. Aliás, o problema é análogo quando o juiz temde aplicar uma lei de um sistema irmão, de um Estado-membro, de uma província ou região, ou umalei particular (canônica, rabínica, desportiva etc.). E atualmente o mundo é um só, não há terras nemleis desconhecidas, havendo grandes, numerosas e eficazes fontes de informações para que oTribunal conheça outros direitos além do seu próprio. (…)” [grifos do original].Nesse sentido, v. também a Regra 44.1 (emendada em 1º.03.2011) introduzida no processo civilamericano, que trata o direito estrangeiro como questão jurídica, não como simples fato: “Indetermining foreign law, the court may consider any relevant material or source, includingtestimony, whether or not submitted by a party or admissible under the Rules of Evidence. Thecourt’s determination must be treated as a ruling on a question of law”.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 63.Essa também a orientação do direito italiano atual (art. 14 da Lei nº 218, de 31.05.1995, quereformou o sistema italiano de DIPr). A propósito, cf. VILLATA, Stefano Alberto. Diritto stranieroe processo: premessa storica ad uno studio della “prova” del diritto straniero. Roma: Aracne, 2012,p. 11.Assim, JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 172.V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição –competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro. Revista Forense, vol.343, Rio de Janeiro, jul./ago./set. 1998, p. 281.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 61; AMORIM,Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 40; e RECHSTEINER, Beat Walter. Direitointernacional privado…, cit., p. 235.STJ, REsp. 254.544/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.2000, DJ 14.08.2000.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 169.

142

Page 143: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

24

25

26

27

28

29

30

Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 235.Assim, v.g., o art. 60 da Lei de Direito Internacional Privado da Venezuela: “O direito estrangeiroserá aplicado de ofício. As partes poderão trazer informações relativas ao direito estrangeiroaplicável e os tribunais e autoridades poderão tomar providências tendentes ao melhorconhecimento do mesmo”.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 181.Nesse exato sentido, a lição de Oscar Tenório: “O costume e os usos fazem parte, no Brasil, dodireito. Tem o costume, conforme o art. 4º da Lei de Introdução [LINDB], o papel de suprir aslacunas da lei. E nesta função supletiva o costume se transforma em direito. Mas a regra é de direitointerno, para o juiz brasileiro, em face do costume constituído no Brasil. Se-lo-á de direitointernacional privado? Sim, se houver concordância com regra de igual teor do sistema estrangeiro.Ao aplicar o direito estrangeiro, o juiz brasileiro poderá aplicar o costume admitido pela ordemjurídica estrangeira” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 153).V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 123-124.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 61.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 264; STRENGER, Irineu. Direitoprocessual internacional. São Paulo: LTr, 2003, p. 39; e AMORIM, Edgar Carlos de. Direitointernacional privado, cit., p. 41.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 62.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 146.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 373.Cf. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 40; e RECHSTEINER, BeatWalter. Direito internacional privado…, cit., p. 235-236.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 262-263.CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro. In: BAPTISTA, Luiz Olavo &MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo:Ed. RT, 2012, p. 872 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Assim também o art. 14 da LINDB: “Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quema invoca prova do texto e da vigência”. O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, por sua vez,trouxe a seguinte redação, no seu art. 15, parágrafo único: “O juiz poderá determinar à parteinteressada que colabore na comprovação do texto, da vigência e do sentido da lei estrangeiraaplicável”.Para esse histórico legislativo, v. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro,cit., p. 873-876.V. BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. In: BAPTISTA, LuizOlavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Ed. RT, 2012, p. 1353 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição –competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro, cit., p. 283.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 148. Cf. ainda, JO, Hee Moon.Moderno direito internacional privado, cit., p. 174; e DEL’OLMO, Florisbal de Souza &ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada, cit., p.

143

Page 144: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

31

32

33

34

35

36

37

38

39

40

41

42

43

44

45

46

147-151.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 62.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 174.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 85. Destaque-seque não necessitam ser registrados no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos emrelação a terceiros, quaisquer “documentos de procedência estrangeira, acompanhados dasrespectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do DistritoFederal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal” (Lei deRegistros Públicos – Lei nº 6.015/73, art. 129, item 6º). V. também a Súmula 259 do STF (de13.12.1963, confirmada pela Corte após a entrada em vigor da Lei de Registros Públicos): “Paraproduzir efeito em juízo não é necessária a inscrição, no registro público, de documentos deprocedência estrangeira, autenticados por via consular”.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 46, de 10.04.1995, ratificada em 27.11.1995 (passando avigorar no Brasil em 26.12.1995, na forma do seu art. 15) e promulgada pelo Decreto nº 1.925, de10.06.1996.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 255.V. BERGMAN, Eduardo Tellechea. Aplicación e información del derecho extranjero en el ámbitointeramericano, regional y en el Uruguay, cit., p. 48.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 279.Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro, cit., p. 880.V. SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 25; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacionalprivado, cit., p. 249-250.BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição – competênciainternacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro, cit., p. 281.Nesse exato sentido, a lição de Oscar Tenório: “O juiz do foro aplica, ex officio, o direitoestrangeiro. Haverá denegação de justiça se ele se recusar a aplicá-lo sob pretexto de que o ignora,ou de que suas disposições escapam ao seu entendimento. Desde que a lex fori determina que a leiestrangeira é a competente, o juiz tem o dever de aplicá-la. Não poderá desprezá-la para acolher odireito interno. Se as partes não invocam no pleito a lei estrangeira, nem por isto o magistrado senão deve esquivar à sua aplicação. (…) A lei alienígena é obrigatória graças às disposições da lei doforo. Deixar de aplicar aquela é renunciar à aplicação desta. O silêncio dos litigantes, por outro lado,pode ter como objetivo fraudar a lei competente, às vezes mais rigorosa. A renúncia tácita ouexpressa preponderaria sobre a vontade do legislador, da qual o juiz é intérprete” (Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 147).CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro, cit., p. 885.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 150.TENÓRIO, Oscar. Idem, p. 156.Lei nº 7.357, de 02.09.1985.V. NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 321. Apropósito, v. a lição de Oscar Tenório: “No domínio da interpretação divergente não há dúvida que seenquadra no recurso extraordinário a lei federal. Mas fica a controvérsia: é lei federal a norma

144

Page 145: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

47

48

49

50

51

52

53

54

55

56

57

58

59

60

61

62

estrangeira indicada? A jurisprudência comparada responde pela negativa, porque não cabe à justiçaterritorial o papel de uniformizar os arestos dos tribunais estrangeiros. Há um equívoco nesteargumento. Não se trata de uniformizar jurisprudência estrangeira, mas de uniformizar ajurisprudência territorial ou local na aplicação da lei estrangeira competente” (Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 163).STF, RE 93.131/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 17.12.1981, DJ 23.04.1982 (com aressalva, apenas, de que o Relator, Min. Moreira Alves, entendeu ser o direito estrangeiro simplesfato perante a ordem jurídica doméstica, o que não está correto, tendo em vista ser o direitoestrangeiro direito mesmo perante a nossa ordem interna, devendo, como tal, ser interpretado eaplicado pelo Poder Judiciário).V. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…, cit., p. 76;VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 480-481; BAPTISTA, Luiz Olavo.Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p. 1353; e BASSO, Maristela. Curso dedireito internacional privado, cit., p. 283.SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit.,p. 35.Segundo a justificativa da comissão de redação: “A segunda parte do dispositivo consagra aorientação de que o direito estrangeiro deve ser aplicado, provado e interpretado como no país deorigem, coincidindo com o disposto no Código Bustamante, arts. 409 a 411”.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 237; e BASSO, Maristela.Curso de direito internacional privado, cit., p. 283. Sobre as consequências e dificuldades desseprocedimento, cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…,cit., p. 73-75.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 277.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 208; DOLINGER, Jacob.Direito internacional privado…, cit., p. 327; e STRENGER, Irineu. Direito processualinternacional, cit., p. 26-28.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 104.IDI, Capacité de l’étranger d’ester en justice: formes de la procédure, Zurich-1877 (art. 2º,primeira parte): “Les formes ordinatoires de l’instruction et de la procédure seront régies par la loidu lieu où le procès est instruit. Seront considérées comme telles, les prescriptions relatives auxformes de l’assignation (sauf ce qui est proposé ci-dessous, 2e al.), aux délais de comparution, à lanatureet à la forme de la procuration ad litem, au mode de recueillir les preuves, à la rédaction et auprononcé du jugement, à la passation en force de chose jugée, aux délais et aux formalités de l’appelet autres voies de recours, à la péremption de l’instance”.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 175.CPJI, Affaire Concernant le Paiement de Divers Emprunts Serbes émis en France, Série A, nº20/21, Arrêt nº 14, p. 46 ss.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 459-460.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 284.Cf. DOLINGER, Jacob. Idem, p. 285.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 125.JAYME, Erik. Idem, p. 125.

145

Page 146: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

63

64

65

66

67

68

69

70

71

V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 281.O STJ, nesse sentido, assim já decidiu: “Sendo caso de aplicação de direito estrangeiro, consoanteas normas do Direito Internacional Privado, caberá ao Juiz fazê-lo, ainda de ofício. (…) Não sendoviável produzir-se essa prova, como não pode o litígio ficar sem solução, o Juiz aplicará o direitonacional” (REsp. 254.544/MG, 3º T. Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.2000, DJ 14.08.2000).Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 179.V. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 35-41; e VALLADÃO,Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 492.V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direitointerno, cit., p. 178-222.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259. Nesse exato sentido, v. ARAUJO,Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 20 e 25: “O desenvolvimento da teoria dosdireitos fundamentais, cuja universalização encontrou eco nos planos interno e internacional,interfere na metodologia do DIPr, que não pode ficar alheia à sua disseminação. É preciso adequar asua utilização ao paradigma dos direitos humanos. A ordem pública tem papel fundamental paraequilibrar a aplicação do método conflitual, especialmente se for dado ao aplicador da leiparâmetros para fazê-lo, o que só é possível se for utilizada a perspectiva retórico-argumentativa,estribada no desejo de encontrar a solução justa, a partir da lógica do razoável, e não mais apenasatravés das razões de Estado. (…) O DIPr – ao utilizar o método conflitual para determinar a leiaplicável a uma situação plurilocalizada – precisa legitimar suas escolhas, seus preceitos e suassoluções com o respeito aos direitos humanos. A inexauribilidade dos direitos humanos como vetorde conduta tem aparecido cada vez mais no dia a dia dos hard cases de DIPr”.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 38-40; NIBOYET, J.-P. Coursde droit international privé français, cit., p. 484-505; BUCHER, Andreas. L’ordre public et le butsocial des lois en droit international privé. Recueil des Cours, vol. 239 (1993), p. 9-116; e JAYME,Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 223-245. No Brasil, v. ARANHA, Adalberto José deCamargo. Rejeição da norma estrangeira. Justitia, vol. 32, nº 71, São Paulo, out./dez. 1970, p. 225-227; DOLINGER, Jacob. A evolução da ordem pública no direito internacional privado. Tese deCátedra em Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1979; DOLINGER, Jacob. Ordempública mundial: ordem pública verdadeiramente internacional no direito internacional privado.Revista de Informação Legislativa, ano 23, nº 90, Brasília, abr./jun. 1986, p. 205-232; CASTRO,Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 273-292; BATALHA, Wilson de Souza Campos& RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado naOrganização dos Estados Americanos, cit., p. 90; ARAUJO, Nadia de. Direito internacionalprivado…, cit., p. 95-100; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 415-425;AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 57-58; RECHSTEINER, BeatWalter. Direito internacional privado…, cit., p. 171-176; DINIZ, Maria Helena. Lei de Introduçãoao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 424-434; BASSO, Maristela. Curso de direitointernacional privado, cit., p. 287-300; e BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional, cit., p. 1357-1359.V. arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Para um estudo dasnormas de jus cogens na Convenção de Viena de 1969, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitodos tratados, cit., p. 312-325.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 504.

146

Page 147: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

72

73

74

75

76

77

78

79

80

81

82

83

Assim também o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004: “As leis, atos públicos e privados, bemcomo as sentenças de outro país, não terão eficácia no Brasil se forem contrários à ordem públicabrasileira” (art. 20). Eis a justificativa da comissão de redação: “O art. 20 do projeto impede que asleis, atos públicos e privados, bem como as sentenças de outro país, tenham eficácia no Brasil, seforem contrários à ordem pública brasileira, visto que o mais importante princípio do direitointernacional privado, tanto nas fontes internas, como nos diplomas internacionais, é a ordempública: regra de controle que impede a aplicação de leis, atos e sentenças estrangeiras, se ferirem asensibilidade jurídica ou moral ou ainda os interesses econômicos do País. Qualquer lei que devaser aplicada, qualquer sentença que deva ser homologada, qualquer ato jurídico que deva serreconhecido, deixarão de sê-lo se repugnarem os princípios fundamentais do direito, da moral e daeconomia do foro”.Cf. ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 227.Várias outras normas internacionais têm disposição semelhante, permitindo que não sejam aplicadasas leis estrangeiras que violem a ordem pública doméstica. Tome-se, como exemplo, o art. 6º daConvenção da Haia de 1955 sobre os Conflitos entre a Lei Nacional e a Lei do Domicílio, quedispõe: “Em cada um dos Estados contratantes a aplicação da lei determinada pela presenteConvenção pode ser evitada por um motivo de ordem pública”.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 92.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 504.V. STF, Sentença Estrangeira nº 1.914/Líbano, Tribunal Pleno, Rel. Min. Themístocles Cavalvanti, j.13.12.1967, DJ 15.03.1968. Sobre o tema, v. CALIXTO, Negi. O “repúdio” das mulheres pelomarido no direito muçulmano, visto pelo Supremo Tribunal Federal. Revista de InformaçãoLegislativa, ano 20, nº 77, Brasília, jan./mar. 1983, p. 279-296; e VALLADÃO, Haroldo.Reconhecimento de divórcio decretado pela justiça muçulmana com base no repúdio. In: BAPTISTA,Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria eprática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 549-554 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional,vol. IV). Lembre-se que após a Emenda Constitucional 45/2004, a competência para homologarsentenças estrangeiras passou a ser do STJ (CF, art. 105, I, i).JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 193.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 402.Cf. DOLINGER, Jacob. Ordem pública mundial…, cit., p. 208.Sobre a união homoafetiva na jurisprudência do STF, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso dedireitos humanos, cit., p. 264-265.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p. 93. Assim tambémDOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 390: “A instabilidade do que possaofender a ordem pública obriga o aplicador da lei a atentar para o estado da situação à época em quevai julgar a questão, sem considerar a mentalidade prevalente à época da ocorrência do fato ou atojurídico. Assim, só se negará aplicação de uma lei estrangeira se esta for ofensiva à ordem públicado foro à época em que se vai decidir a questão, sem indagar qual teria sido a reação da ordempública do foro à época em que se deu o ato jurídico ou a ocorrência sub judice”.Sobre o tema, v. o estudo aprofundado de SANTOS, António Marques dos. As normas de aplicaçãoimediata no direito internacional privado: esboço de uma teoria geral. Coimbra: Almedina, 1991

147

Page 148: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

84

85

86

87

88

89

90

(2 vols). Cf. ainda, EEK, Hilding. Peremptory norms and private international law. Recueil desCours, vol. 139 (1973-II), p. 9-73; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of privateinternational law…, cit., p. 121-142; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p.95-100; FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado: loisde police. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 25-141; e SYMEONIDES, Symeon C. Codifying choiceof law around the world: an international comparative analysis. Oxford: Oxford University Press,2014, p. 299-311.Para o desenvolvimento pioneiro do tema, v. os estudos de FRANCESCAKIS, Phocion. Quelquesprécisions sur les “lois d’application immédiate” et leurs rapports avec les règles de conflits de lois.Revue Critique de Droit International Privé, vol. 55 (1966), p. 1-18; Lois d’application immédiateet règles de conflit. Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processuale, vol. 3 (1967), p. 691-698; e Lois d’application immédiate et droit du travail. Revue Critique de Droit InternationalPrivé, vol. 63 (1974), p. 273-296. Foram os estudos de Francescakis que incorporaram ao DIPr,definitivamente, as normas de aplicação imediata, demonstrando a sua importância para as questõesenvolvendo a teoria do conflito de leis.Nesse sentido, v. KASSIS, Antoine. Le nouveau droit européen des contrats internationaux.Paris: LGDJ, 1993, p. 180-181; BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droitinternational privé, cit., p. 39; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 98; eFRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…, cit., p. 25 e87.Essa também a lição de BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droitinternational privé, cit., p. 39: “Elles s’appliquent directement et impérativement à certainessituations internationals, sans qu’il y ait lieu de se référer à une regle bilatérale de conflit,susceptible de designer une loi étrangère”.Nada a respeito das normas imperativas se encontra na LINDB.Sobre esse último aspecto, v. o estudo de MARQUES, Claudia Lima & JACQUES, Daniela Corrêa.Normas de aplicação imediata como um método para o direito internacional privado de proteção doconsumidor no Brasil. In: MIRANDA, Jorge, PINHEIRO, Luís de Lima & VICENTE, Dário Moura(Coord.). Estudos em memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. I.Coimbra: Almedina, 2005, p. 95-133.Verbis: “Art. 3º, § 1º. Les lois de police et de sûreté obligent tous ceux qui habitent le territoire”.Trata-se, como se nota, de regra unilateral francesa, mas que a jurisprudência daquele país veminterpretando como norma mista, assim entendida: “Les lois de police et de sûreté en vigueur dansun pays quelconque obligent tous ceux qui se trouvent sur un territoire déterminé”. Para detalhes, v.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 378. Na Suíça, a Lei Federal deDireito Internacional Privado, de 18.12.1987, estabeleceu, no art. 18, que “ficam reservadas asdisposições imperativas do direito suíço que, em razão de seu objetivo particular, são aplicáveisindependentemente do direito designado pela presente lei”. Na Itália, a Lei nº 218, de 31.05.1995,que reformou o sistema italiano de DIPr, da mesma forma, dispôs que o sistema interno de DIPr nãoserá aplicado quando presentes “normas italianas que, em consideração ao seu objeto e ao seuescopo, devem ser aplicadas indepentendemente da competência da lei estrangeira” (art. 17).Assim, v. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…,cit., p. 26 e 47, que leciona: “Nesse sentido, para que uma norma possa ser alçada à categoria denorma imperativa, ela deve ter sido acolhida pelo país a cujo ordenamento jurídico pertence e ter

148

Page 149: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

91

92

93

94

95

96

97

98

99

100

101

102

103

104

105

dele recebido uma valoração superior às demais normas, sobrepondo-se a elas. (…) A certeza nesseassunto está no fato de que o conteúdo da norma estará inevitavelmente vinculado à política estatalque opta, de forma vinculada ou discricionária, por atribuir superioridade a regulamentações dedeterminados assuntos em detrimento de outras”.V. KASSIS, Antoine. Le nouveau droit européen des contrats internationaux, cit., p. 181; eBUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droit international privé, cit., p. 39.V. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…, cit., p.29.V. EEK, Hilding. Peremptory norms and private international law, cit., p. 48, nota 19.FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…, cit., p. 27.Para detalhes, v. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Idem, p. 62-70.V. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…, cit., p. 135; eFRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…, cit., p.238, que leciona: “Para evitar a natural tendência de se utilizar o caminho mais fácil e aplicarsempre a norma local, alegando ser imperativa, a esta deve-se recorrer em casos excepcionais, ouseja, quando realmente se tratar de um assunto que foi merecedor de regulamentação peremptóriado Estado”.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 364.Muitas legislações internas dispõem expressamente sobre a exceção de fraude à lei, tal como fez oart. 21 do Código Civil português de 1966, nestes termos: “Na aplicação das normas de conflitossão irrelevantes as situações de fato ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar aaplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente”. No Brasil, o Projeto de Lei nº4.905/95, estabeleceu que “não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculofraudulentamente estabelecido” (art. 17).V. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 512-519; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law…, cit., p. 102-120; ARANHA,Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 227-228; CASTRO, Amilcar de.Direito internacional privado, cit., p. 210-215; BATALHA, Wilson de Souza Campos &RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado naOrganização dos Estados Americanos, cit., p. 95; DOLINGER, Jacob. Direito internacionalprivado…, cit., p. 421-436; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 425-428; eBAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p. 1359-1361.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 426.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 509.VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 480-481.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 371.Para detalhes, v. GABBA, Carlo Francesco. Le second mariage de la Princesse de Beauffremont etle droit international. Paris: [s.n.], 1877. Ainda sobre o caso, cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droitinternational privé français, cit., p. 513; ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição danorma estrangeira, cit., p. 228; e BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO,Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 97.Tome-se, como exemplo, o art. 20, § 3º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de1969: “A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la”.

149

Page 150: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

106

107

108

109

110

111

112

113

114

115

116

117

118

119

120

121

122

123

124

125

STF, Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe03.12.2008.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 423.Sobre o controle de convencionalidade das leis, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controlejurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2013. Para umestudo comparado do controle de convencionalidade na América Latina, v. MARINONI, LuizGuilherme & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Controle de convencionalidade: umpanorama latino-americano (Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai). Brasília: GazetaJurídica, 2013.A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, assim estabelece no seu art. XVIII: “Todapessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdadede mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino,pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.O exemplo é de BATIFFOL & LAGARDE (referindo-se à decisão de tribunal sírio) citado porDOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 427.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 375.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 515-518; ARANHA,Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 229; CASTRO, Amilcar de.Direito internacional privado, cit., p. 214; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado,cit., p. 426; e AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 58.ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 229.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 429.V. Acórdão do Tribunal de Relação do Porto (Portugal) – “Revisão de sentença estrangeira”,Processo nº 5948/08-3, Rel. Des. Carlos Portela, j. 07.05.2009, assim: “Por outro lado, não háindícios de que a competência do Tribunal que proferiu a sentença revidenda tenha sido provocadaem fraude à lei. (…) Em suma e pelo conjunto de razões acabadas de expor, não se vislumbramobstáculos à revisão e confirmação, que aqui foram requeridas”.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 426.Assim também a lição de Niboyet: “Quelle est la nature exacte de la sanction? C’est uneinopposabilité. Le résultat illicite escompté, même obtenu, a été inopposable en France” (Cours dedroit international privé français, cit., p. 518).BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p. 1361.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 177.Cf. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 61.Redação dada pela Lei nº 9.047/95. A propósito, v. DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO,Luís Ivani de Amorim. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada, cit., p. 123-131.Para uma visão anterior dessa mesma regra, v. VALLADÃO, Haroldo. O princípio da lei maisfavorável no DIP. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 76 (1981),p. 58-59.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 428-429.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 343-344.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 431.

150

Page 151: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

126

127

128

129

V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 286.Sobre a interpretação dos termos “sentença” e “tribunal estrangeiro” para fins de homologação desentenças estrangeiras, v. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código deProcesso Civil, vol. V (arts. 476 a 565). 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 71-71.Ainda sobre a homologação de sentenças estrangeiras no Brasil, v. RECHSTEINER, Beat Walter.Direito internacional privado…, cit., p. 274-296.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 431.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 446.

151

Page 152: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1.

2.

Capítulo VII

Direito Internacional Privado Pós-Moderno

Introdução

Um curso elementar de DIPr não poderia chegar ao seu final sem investigar as novastendências dessa disciplina, as quais serão responsáveis por direcionar as decisõesjudiciárias em matéria de conflitos de leis doravante.

De fato, o DIPr atual vem passando por transformações jamais sentidas, as quaisdemandam detida análise e compreensão. A principal delas liga-se à influência que osvalores pós-modernos1 têm exercido sobre as ciências jurídicas em geral,2 e sobre o DIPr,em especial.3

Somente a compreensão desse novo DIPr – ou DIPr pós-moderno – e de seus valoresfundamentais será capaz de conduzir as decisões judiciárias à desejada justiça material(retórico-argumentativa, não mais lógico-sistemática ou formalista) fundada no valor dapessoa enquanto sujeito de direitos.4

Diálogo com Erik Jayme

Já se disse (v. Cap. I, item 1.3, supra) que uma das principais características do DIPrna pós-modernidade é a recepção dos valores dos direitos fundamentais (constitucionais)e dos direitos humanos (decorrentes de tratados internacionais) na técnica habitual desolução dos conflitos de leis estrangeiras no espaço, cujo principal impacto se faz sentirna ampliação da missão tradicional da disciplina rumo à maior “humanização” do métodoconflitual.

Não apenas, porém, a influência das normas sobre direitos fundamentais e direitoshumanos constitui a marca única da pós-modernidade a recair sobre o DIPr, senãotambém sobre ele operando outros fatores, como bem percebido por Erik Jayme no seuCurso da Haia de 1995.

Nas linhas abaixo se pretendeu verificar quais esse fatores (valores) contemporâneos

152

Page 153: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.

3.1

a influenciar o DIPr no momento atual, sobretudo o DIPr brasileiro. Em outras palavras,buscou-se compreender os valores elencados pelo mestre de Heidelberg com o fim deaplicá-los ao nosso DIPr.

O novo DIPr e os valores pós-modernos

Para falar como Erik Jayme, o DIPr, atualmente, não obstante preservar a sua estruturatradicional, relativa à resolução dos conflitos de leis no espaço, está, ao mesmo tempo,aberto à realização de novos e importantes valores.5 Tal significa que o DIPr não deixoude ser a tradicional “ciência dos conflitos de leis”, cuja prioridade é resolver conflitos deleis no espaço com conexão internacional, senão que atualmente tem recebido a influênciade novos valores, tornando-o mais apto para resolver os problemas típicos da pós-modernidade.

De fato, o DIPr tradicional (savignyano) era, como explica Fernández Rozas, mero“direito de conexão”, excessivamente formalista e caprichoso, com regras de conexãopredeterminadas, que começaram a sentir certa flexibilização a partir do direito norte-americano (e posteriormente europeu); na doutrina, da mesma forma, foi-se pretendendocada vez mais superar a função localizadora da norma conflitual à luz de novos topoi(linhas de raciocínio; argumentos) centrados na superação do formalismo e da retóricaque inspiraram o modelo tradicional.6 Essa nova orientação metodológica “estácomprometida com uma jurisprudência de interesses e valores, em favor de decisões que,ao solucionar o conflito de leis, não ignorem as consequências do caminho encontrado”.7

Esses novos valores, que também representam os traços da cultura contemporânea,são, segundo Erik Jayme, essencialmente quatro: o pluralismo, a comunicação, anarração e o retorno dos sentimentos.8 Cada qual há de ser compreendido à luz de suainfluência no DIPr atual.

Pluralismo (diversidade cultural)

O primeiro grande traço da cultura pós-moderna, segundo Erik Jayme, é o pluralismo,representado, entre outros, pelo “direito à diferença”.9 De fato, tanto na Europa como emoutros continentes se tem notado, com frequência cada vez maior, a aparição de normasinternacionais destinadas à garantia da diversidade cultural. Essa diversidade nãocontradiz o ideal maior da proteção dos direitos humanos de igualdade entre as pessoas,sem distinção de sexo, raça, língua ou religião, senão apenas acentua que as situações

153

Page 154: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

diferentes devem ser também tratadas diferentemente.10

Se é certo que os “diferentes” obtiveram consideráveis vitórias desde o final daSegunda Guerra, não é menos verdadeiro que os seus problemas ainda persistem,principalmente quando se sabe que os conflitos surgidos entre essas “diferenças” aindatêm sido resolvidos de modo a não respeitá-las (ou, melhor diríamos, de modo a nãocompreender que a “diferença” exige métodos também “desiguais” de solução deconflitos). Ao menos os sistemas (global e regionais) de proteção dos direitos humanostêm feito a sua parte, podendo-se mesmo dizer que se a igualdade internacionalmentepostulada – sobretudo pelas convenções da ONU – ainda não é real, ao menos ela “existede jure em quase todos os países”.11

A diversidade cultural, cuja visualização tem se mostrado mais nítida a partir darevolução nas comunicações, tem causado grande impacto no direito em geral e no direitointernacional em especial, que têm buscado certa adaptação a tais “diferenças” eprocurado “resolver” (sem muita metodologia, é certo, ainda que com boa vontade) osconflitos que entre elas estão a surgir. É nítida, portanto, a conexão entre cultura edireito, dado que “os aspectos culturais influem decisivamente na validade e eficácia dasnormas jurídicas”, além de reforçarem ou diminuírem “o grau de comprometimento emface dos três complexos de normas que constituem o direito internacional: as regrasconstitucionais ou princípios normativos fundamentais da política mundial; as regras decoexistência e as regras de cooperação”.12 Nesse sentido, v.g., a Declaração e Programade Ação de Viena (1993) determina que os Estados levem em consideração, para aproteção dos direitos humanos, as “particularidades nacionais e regionais”, assim como“diversos contextos históricos, culturais e religiosos” (item 5). De qualquer sorte, parececerto que o Direito Internacional (notadamente o Direito Internacional dos DireitosHumanos) não tem restado inerte face a essas transformações. A meta do direitocontemporâneo, contudo, é avançar no tema (esse também o papel da doutrina) etransformar a proteção de jure presente nas normas internacionais de direitos humanostambém em proteção de facto, para, somente assim, efetivamente garantir o direito aopluralismo e à diferença.

Essa constatação, perceba-se, tem notória importância no que tange ao estatutopessoal em DIPr. De fato, como observado por Erik Jayme, a ideia de identidade culturalatribui ao princípio da nacionalidade melhor aptidão para ligar culturalmente uma pessoaa dada ordem jurídica que um vínculo meramente local. Assim, se todas as partes noprocesso “possuírem a mesma nacionalidade, a aplicação da sua lei nacional parece maisapropriada para salvaguardar a sua identidade cultural”.13

Em outras situações, a lei nacional que protege a identidade cultural não é levada em

154

Page 155: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

consideração, mas, nem por isso, deve ser afastada. A solução mais justa, que garante aidentidade cultural nesses casos, seria aplicar a teoria das “duas fases”(Zweistufentheorie). Jayme exemplifica a aplicação dessa teoria com um caso julgadopelo tribunal de Hidelberg, que, segundo ele, constituiu “uma decisão exemplar”.14

Tratava-se de ação relativa à validade de um casamento de um homem alemão casado nosCamarões com uma mulher cameronense. À época do casamento, contudo, o homem aindamantinha vínculo conjugal com uma cidadã do Quênia, posteriormente dissolvido portribunal alemão. Após a morte do marido, e já instalada na Alemanha, a viúvacameronense pretendeu receber sua pensão por morte. O Ministério Público ingressou notribunal com um pedido de nulidade do casamento invocando o instituto da bigamia comocausa da nulidade. O tribunal rejeitou a demanda. Não obstante a lei aplicável ser aalemã, que proíbe a poligamia, o tribunal baseou sua decisão na existência de um abusode direito, levando em conta que a viúva cameronense provinha de uma cultura diferenteda alemã, que a fazia crer na validade do matrimônio. Ademais, o tribunal tambémconsiderou os fatos de que a viúva sequer falava alemão e vivia num restrito círculocultural, o que a descontextualizava da ordem cultural alemã. Eis, então, a teoria das“duas fases”. O tribunal submeteu a validade do casamento de um alemão com umacameronense às leis nacionais alemãs (primeira fase da solução do conflito de leis) para,depois, decidir a questão à luz da lei cameronense (segunda fase da solução conflitual).Aplicou-se uma lei interna cameronense que, em princípio, seria proibida sob a óticaestritamente nacional alemã, porém levando em consideração elementos culturais deestraneidade, o que possibilitou um resultado final sobretudo justo.

Se a ação tivesse de ser julgada no Brasil, a um mesmo resultado se chegariaaplicando o princípio da boa-fé objetiva, previsto, inter alia, pelo art. 113 do CódigoCivil de 2002: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e osusos do lugar de sua celebração”.15 Perceba-se que além da boa-fé (que a cidadãcameronense, no exemplo dado, efetivamente tinha, pois se casou acreditando na validadedo matrimônio) o Código Civil brasileiro exige que o negócio jurídico seja interpretadosegundo os usos do lugar de sua celebração (no caso, os usos, inclusive matrimoniais, daRepública dos Camarões). Na hipótese, seria de todo injusto desprestigiar a boa-fé –baseada também no princípio da confiança entre as partes – da cidadã cameronense, quese casou em seu país segundo as suas leis e costumes, para aplicar exclusivamente a leide outro Estado, que lhe retirava direitos expectados. Transportada, portanto, a questãopara o DIPr brasileiro, percebe-se nitidamente que o Código Civil de 2002 tambémgarante o direito à identidade cultural das partes no processo, à medida que impõe, paraos negócios jurídicos em geral, a observância dos usos do lugar de sua celebração, comnotória importância para a solução dos conflitos de DIPr. Essa constatação representa

155

Page 156: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.2

3.3

nítida “abertura” do sistema jurídico pátrio à aceitação da identidade cultural como fatorde sopesamento (e de conexão) da norma interna sobre conflito de leis, reconhecendo –para fazer alusão a Coulanges, no seu A cidade antiga – que os estrangeiros nãocomungam dos mesmos deuses que os nacionais.16

Em suma, o respeito à identidade cultural passa a ter cada vez mais lugar (ereconhecimento) no âmbito da ciência do conflito de leis, sendo perfeitamente capaz demoldar as regras conflituais tradicionais em razão da garantia desse valor maior. Paratanto, como diz Fernández Rozas, as regras do DIPr precisam obedecer ao sistema deregra/exceção, tomando os direitos humanos como paradigma argumentativo e retórico(em abandono ao critério tradicional lógico-sistemático ou formalista) para a resoluçãodos conflitos normativos atuais.17

Comunicação

Outro fenômeno que se constata com nitidez na era atual, capaz de influenciar o DIPrdo nosso tempo, é a comunicação intercultural. Não se trata, segundo Erik Jayme, apenasda rapidez dos meios de comunicação em geral (como o rádio, a televisão, a Internetetc.), senão também da própria vontade das pessoas em se contactar umas com as outras“se integrando numa sociedade mundial sem fronteiras”.18

Tal comunicação impactua no DIPr em diversos contextos: facilita a colaboração entrejuízes de diferentes países; coordena a comunicação das partes no do processo (naAlemanha, v.g. um esposo pode solicitar ao tribunal que ordene ao outro que o comuniquesobre a extensão do seu patrimônio); e permite, sobretudo, o “dialogo das fontes”(Constituição, leis, tratados etc.) como método mais consentâneo à solução dos conflitosde leis atuais.19

Narração

O terceiro elemento da cultura pós-moderna, também segundo Erik Jayme, é anarração. No universo jurídico, a narração se faz nítida a partir da emergência daschamadas “normas narrativas”, que não obrigam as partes, mas descrevem valores quedevem ser levados em conta quando da resolução, pelo Poder Judiciário, do conflitonormativo sub judice.20

Destaque-se que em 1983 o Institut de Droit International, sob a relatoria de Michel

156

Page 157: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Virally, dedicou expressiva parte de sua sessão de Cambridge à análise da distinção entre“textos internacionais de caráter jurídico nas relações mútuas entre seus autores” e “textosinternacionais desprovidos desse caráter”. Os membros do Institut constataram que osEstados frequentemente adotam textos dos mais variados e sob diversas denominações, osquais, pela vontade expressa ou tácita das partes, são desprovidos de caráterpropriamente jurídico. Naquela ocasião também se constatou que, ainda que a vontadedos Estados não esteja clara quanto à criação de efeitos jurídicos por parte desses textos,fica muito difícil determinar o caráter jurídico ou não dos mesmos, por apresentaremtodos uma certa zona cinzenta entre o universo do direito e do não direito.21 Talconstatação implica a existência de normas (arranjos, ajustes, declarações, diretrizes,programas de ação etc.) não obrigatórias segundo o Direito Internacional Público, bemassim de diretivas que deixam aos seus destinatários certa margem de apreciação no quetoca ao seu cumprimento.22

Um dos fatores da proliferação de tais arranjos, segundo Virally, certamente encontraraízes na flutuação da atual conjuntura econômica internacional, que demandaflexibilidade na aplicação de seus acordos, e no progresso técnico galopante, cujosefeitos se fazem sentir de forma imediata nas relações internacionais.23 Além do mais, astransformações da sociedade internacional nos últimos tempos foram tantas que se tornoudifícil saber apropriadamente a natureza e o caráter jurídico desses vários novosinstrumentos que aparecem diuturnamente, especialmente os acima citados, relativos àconjuntura econômica internacional e também a alguns diretamente ligados à proteçãointernacional dos direitos humanos e do meio ambiente.24

A necessidade de adaptação da ordem internacional a essas novas temáticasemergentes no Direito Internacional em geral, ligada à flexibilidade que a regulação e aacomodação dos interesses ali presentes demandam, faz com que surjam inúmerasdúvidas em relação ao caráter jurídico desses textos, emergidos da prática da diplomaciamultilateral no século XX.25 Muitos desses arranjos pertencem à categoria das chamadasnormas de soft law, que não contêm sanções propriamente jurídicas para o caso de seudescumprimento, podendo impor, porém, sanções de índole moral aos Estados que asviolem.26

Outra categoria de normas emergida desse fenômeno é a que Erik Jayme nomina de“narrativas”.27 Ainda que também não criem obrigações estritamente jurídicas, taisnormas comportam certos valores que podem (devem) ser levados em consideração pelosjuízes quando pertinentes à resolução de determinado conflito de leis. Trata-se de normas,como se vê, que não resolvem propriamente a questão de DIPr sub judice, mas auxiliam ojulgador na tarefa decisória, possibilitando que encontre o “centro de gravidade” da

157

Page 158: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

3.4

relação jurídica.

As normas narrativas, apesar de semelhantes, não se confundem, contudo, com asconhecidas normas de soft law, típicas do Direito Internacional Público. As normasnarrativas têm lugar no plano do DIPr com um plus relativamente às normas de soft law:descrevem valores e têm poder de persuasão. São normas que auxiliam nas soluções dosconflitos interespaciais, também influenciando os Estados quanto à ação a ser tomada emeventual codificação legislativa (podendo-se constituir em recomendações, leis-modelos,códigos de conduta ou, até mesmo, em tratados não ratificados).

Os juízes, em suma, diante de um caso sub jucide de conflito interespacial têm ao seudispor as chamadas “normas narrativas” como auxílio para a determinação do direitoaplicável. Tais normas, apenar de não imporem obrigações diretas, têm a potencialidadede conduzir o entendimento do julgador rumo a uma decisão final sempre mais coerente.

Retorno dos sentimentos

Por fim, a quarta característica da cultura pós-moderna, capaz de influenciar aaplicação do DIPr no momento atual, é, segundo Erik Jayme, o retorno dos sentimentos,de que é exemplo a proteção da identidade cultural, já referida.28

No Brasil, v.g., discute-se se tem assento constitucional o chamado “direito àfelicidade”.29 Pode-se indagar, nesse sentido, se o mesmo não conotaria certa forma deretorno dos sentimentos.

No âmbito do STF, foi pioneiro no uso da expressão “direito à busca da felicidade” oMin. Carlos Velloso, no ano de 2005.30 Foi, contudo, pouco mais tarde, com asmanifestações do Min. Celso de Mello, especialmente no voto relativo às uniõeshomoafetivas, que a Suprema Corte passou a firmar definitivamente o princípio entre nós.Eis um trecho do voto do Min. Celso de Mello:

Nesse contexto, o postulado constitucional da busca da felicidade, que decorre, porimplicitude, do núcleo de que se irradia o princípio da dignidade da pessoa humana, assumepapel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitosfundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator deneutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetarou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais.31

Destaque-se que a ideia do direito à felicidade, tal como expressa na jurisprudênciado STF, provém da Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 4 de julho de

158

Page 159: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

4.

1776, que, logo em sua abertura, assim dispõe:

Consideramos essas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens sãocriados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão avida, a liberdade e a busca da felicidade.

Indaga-se, assim, se o “direito à felicidade” – independentemente das discussões quesobre o tema se colocam – poderia ser também uma forma de retorno dos sentimentos,para falar como Erik Jayme.32 Trata-se de complexa questão a ser (doravante) discutida.De fato, se o direito à felicidade, em última análise, decorre da dignidade da pessoahumana, seria possível questionar se não teria aptidão para também balizar as decisõesjudiciárias em matéria de DIPr.

Conclusão

O DIPr pós-moderno, foi possível perceber, pauta-se em valores universalmentereconhecidos (tais a diversidade cultural, a comunicação, a narração e o retorno dossentimentos) para impregnar nas regras conflituais dos diversos Estados verdadeiraaxiologia de proteção. Tais valores representam a baliza atual para a aplicação dasregras conflituais de DIPr, as quais, não obstante ainda operarem tal como originalmenteconcebidas, têm experimentado enorme oxigenação retórico-argumentativa, afastando-secada vez mais o sistema lógico-sistemático (formalista) ainda presente no jogoconflitual.33

A função do juiz nesse novo complexo metodológico é, como se nota, de importânciafundamental. Requer sensibilidade, para lidar com seres humanos de origens e costumesem nada semelhantes, e astúcia, para compreender a missão do DIPr no mundoglobalizado e não se deixar enganar pelas armadilhas das regras conflituais.

O juiz formalista, insensível, que não se preocupa com o resultado da decisão, senãoapenas friamente aplica as regras conflituais positivas, não tem lugar (qualquer lugar)nesse novo cenário, eis que não responde aos anseios de justiça que a pós-modernidaderequer.

159

Page 160: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

__________Sobre a influência desses valores na mudança de estatuto do saber, v. LYOTARD, Jean-François. Acondição pós-moderna. 10. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008,p. 3-9.Para uma análise da influência da pós-modernidade no direito em geral, v. GHERSI, Carlos Alberto.La posmodernidad jurídica: una discusión abierta. Buenos Aires: Gowa, 1999; e BITTAR, EduardoC. B. O direito na pós-modernidade (e reflexões frankfurtianas). 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio deJaneiro: Forense Universitária, 2009.Sobre a influência da pós-modernidade no DIPr em particular, v. especialmente JAYME, Erik.Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246-264 (em quem iremos nos fundamentar).V. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en elumbral del siglo XXI, cit., p. 7-10.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246.FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en el umbraldel siglo XXI, cit., p. 7.ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 14.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246-247. Aceitando também esses valorescomo traços da cultura pós-moderna, v. CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do direitointernacional pós-moderno. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 70-72.Sobre essa expressão, cf. DUPUY, René-Jean. La clôture du système international: la citéterrestre (Grand Prix de Philosophie de l’Académie Française). Paris: PUF, 1989, p. 115.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 251.LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo:Perspectiva, 2005, p. 12.AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Entre ordem e desordem: o direito internacional em face damultiplicidade de culturas. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 8, nº 31, SãoPaulo, abr./jun. 2000, p. 31.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 253.JAYME, Erik. Idem, p. 254. O caso foi julgado em 15.01.1985 e confirmado pelo Tribunal SuperiorRegional de Karlsruhe em 12.07.1985 (v. IPRax, 1986, p. 165-166).V. também os arts. 187 e 422 do mesmo Código, respectivamente: “Também comete ato ilícito otitular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fimeconômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”; “Os contratantes são obrigados aguardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Destaque-se que o STJ, em diversos julgamentos, tem aplicado o princípio da boa-fé objetiva,especialmente no que tange às relações de consumo. Dentre tantos outros, cf. REsp. 1.411.431/RS,3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04.11.2014, DJe 10.11.2014; AgRg no AREsp.171.661/SP, 3ª Turma, Rel Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.11.2014, DJe 28.11.2014; AgRgno AREsp. 590.529/PB, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 20.11.2014, DJe 26.11.2014; eAgRg no AREsp. 416.164/PE, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.12.2014, DJe10.12.2014. Para um estudo pioneiro do tema, v. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direitoprivado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Ed. RT, 2000.Cf. COULANGES, Fustel de. La cité antique: étude sur le culte, le droit, les institutions de la Grèce

160

Page 161: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

17

18

19

20

21

22

23

24

25

26

27

28

29

et de Rome. 2. ed. Paris: L. Hachette, 1866, p. 246-251.Cf. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en elumbral del siglo XXI, cit., p. 10. Assim também ARAUJO, Nadia de. Direito internacionalprivado…, cit., p. 15, para quem as regras do DIPr “precisam obeceder ao sistema deregra/exceção, tendo os direitos humanos como baliza das soluções encontradas pelo métodoconflitual, agora não mais vista a lei encontrada como a única solução possível para um problemaplurilocalizado”.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 257.V. JAYME, Erik. Idem, p. 257-259.JAYME, Erik. Idem, p. 259. Para detalhes, v. ainda JAYME, Erik. Narrative Normen imInternationalen Privat- und Verfahrensrecht, Tübingen: Eberhard-Karls-Universität, 1993.Cf. Annuaire de l’Institut de Droit Internacional, vol. 60, t. I (1984), p. 166-374; vol. 60, t. II(1984), p. 116-153 e p. 284-291. V. ainda, DUPUY, Pierre-Marie. Soft law and the international lawof the environment. Michigan Journal of International Law, vol. 12 (Winter 1991), p. 420-435.V. THIERRY, Hubert. L’évolution du droit international: cours général de droit international public.Recueil des Cours, vol. 222 (1990-III), p. 70-71; e SHELTON, Dinah Shelton. Normative hierarchyin international law. American Journal of International Law, vol. 100, nº 2 (April 2006), p. 319.No que toca à proteção dos direitos humanos, a doutrina da margem de apreciação tem merecidocríticas por dar espaço a um relativismo que afronta a universalidade dos direitos humanos. Sobre otema, v. DELMAS-MARTY, Mireille. Le relatif et l’universel: les forces imaginantes du droit.Paris: Seuil, 2004, p. 64-74.Cf. Annuaire de l’Institut de Droit Internacional, vol. 60, t. I, cit., p. 191.Cf. DUPUY, Pierre-Marie. Soft law and the international law of the environment, cit., p. 420-422.V. BILDER, Richard B. Beyond compliance: helping nations to cooperate. In: SHELTON, Dinah(Ed.). Commitment and compliance: the role of non-binding norms in the international legalsystem. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 71-72.Sobre as normas de soft law, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacionalpúblico, cit., p. 176-180.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.V. JAYME, Erik. Idem, p. 261.A Constituição Federal de 1988 se refere, em vários momentos, à garantia do bem-estar daspessoas, no que se poderia entender ser a felicidade integrante do seu núcleo conceitual. Desde oseu Preâmbulo, diz o texto constitucional que o Estado Democrático destina-se a garantir, interalia, o “bem-estar”; no art. 23, parágrafo único, diz que “leis complementares fixarão normas para acooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista oequilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”; no art. 186, IV, diz que aexploração da propriedade rural deve favorecer “o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”;no art. 193 entende que a ordem social há de ter “como base o primado do trabalho, e como objetivoo bem-estar e a justiça sociais”; no art. 219 incentiva o mercado interno “de modo a viabilizar odesenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológidado País”; no art. 230 exige da família, da sociedade e do Estado que amparem “as pessoas idosas,assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”; por fim, no art. 231, § 1º, diz serem “terras tradicionalmente ocupadas pelosíndios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as

161

Page 162: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

30

31

32

33

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessáriasà sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.STF, RE 328.232/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 07.04.2005, DJ 20.04.2005.Também o Min. Marco Aurélio, no julgamento da Sentença Estrangeira nº 6.467, dos EstadosUnidos da América, j. 22.05.2000 (DJ 30.05.2000), referiu-se “à constante busca da felicidade”.Sobre o tema, v. especialmente LEAL, Saul Tourinho. Direito à felicidade: história, teoria,positivação e jurisdição. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2013.STF, ADI 4.277/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011, DJ 14.10.2011; voto doMin. Celso de Mello, p. 37.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 261-262.V. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en elumbral del siglo XXI, cit., p. 7-8; e ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p.14-15.

162

Page 163: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Referências Bibliográficas

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Entre ordem e desordem: o direito internacional em face damultiplicidade de culturas. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano8, nº 31, São Paulo, abr./jun. 2000, p. 27-38.

AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado. 9. ed. rev. e atual. Rio deJaneiro: Forense, 2006.

ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira. Justitia, vol. 32,nº 71, São Paulo, out./dez. 1970, p. 225-233.

ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitos interespaciais. Rio deJaneiro: Forense, 2002.

ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais: autonomia da vontade, Mercosul econvenções internacionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

________. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio deJaneiro: Renovar, 2004.

ARMINJON, Pierre. L’objet et la méthode du droit international privé. Recueil des Cours,vol. 21 (1928), p. 429-512.

BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. In: BAPTISTA,Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado:teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 1347-1363 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

BARATTA, Roberto (Ed.). Diritto internazionale privato. Milano: Giuffrè, 2011.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V(arts. 476 a 565). 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

________. Garantia constitucional do direito à jurisdição – competência internacional dajustiça brasileira – prova do direito estrangeiro. Revista Forense, vol. 343, Rio deJaneiro, jul./ago./set. 1998, p. 275-291.

BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:Atlas, 2011.

BATALHA, Wilson de Souza Campos; RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos. São Paulo:

163

Page 164: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

LTr, 1997.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Riode Janeiro: Zahar, 1999.

BERGMAN, Eduardo Tellechea. Aplicación e información del derecho extranjero en elámbito interamericano, regional y en el Uruguay. Revista de la Secretaría delTribunal Permanente de Revisión, año 2, nº 3 (2014), p. 35-58.

BEVILAQUA, Clóvis. Princípios elementares de direito internacional privado. 3. ed. Riode Janeiro: Freitas Bastos, 1938.

BILDER, Richard B. Beyond compliance: helping nations to cooperate. In: SHELTON,Dinah (Ed.). Commitment and compliance: the role of non-binding norms in theinternational legal system. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 65-73.

BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade (e reflexões frankfurtianas). 2. ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Direitos adquiridos no direito internacionalprivado. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996.

BRIGGS, Adrian. The conflict of laws. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2013.

BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droit international privé.Recueil des Cours, vol. 239 (1993), p. 9-116.

CALIXTO, Negi. O “repúdio” das mulheres pelo marido no direito muçulmano, visto peloSupremo Tribunal Federal. Revista de Informação Legislativa, ano 20, nº 77,Brasília, jan./mar. 1983, p. 279-296.

________. Interpretação do direito internacional privado. Revista de InformaçãoLegislativa, ano 21, nº 83, Brasília, jul./set. 1984, p. 87-104.

CARDOSO, Fernando. A autonomia da vontade no direito internacional privado: aautonomia e o contrato de agência ou de representação comercial. Lisboa:Portugalmundo, 1989.

CARDOSO, Plinio Balmaceda. O direito internacional privado em face da doutrina, dalegislação e da jurisprudência brasileiras. São Paulo: Livraria Martins, 1943.

CARDUCCI, Michele; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria tridimensional dasintegrações supranacionais: uma análise comparativa dos sistemas e modelos deintegração da Europa e América Latina. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do direito internacional pós-moderno. São Paulo:Quartier Latin, 2008.

CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 5. ed. rev. e atual. por Osiris Rocha.

164

Page 165: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Rio de Janeiro: Forense, 2001.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro. In: BAPTISTA, LuizOlavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoriae prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 869-893 (Coleção Doutrinas essenciais:direito internacional, vol. IV).

COACCIOLI, Antonio. Manuale di diritto internazionale privato e processuale, vol. 1(parte generale). Milano: Giuffrè, 2011.

COLLIER, J. G. Conflict of laws. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

COULANGES, Fustel de. La cité antique: étude sur le culte, le droit, les institutions de laGrèce et de Rome. 2. ed. Paris: L. Hachette, 1866.

DELMAS-MARTY, Mireille. Le relatif et l’universel: les forces imaginantes du droit.Paris: Seuil, 2004.

DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado. 10. ed. rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

________; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro comentada. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

DESPAGNET, Frantz. Des conflits de lois relatifs à la qualification des rapportsjuridiques. Paris: Marchal & Billard, 1898.

DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 6. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

________. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 13. ed. rev. eatual. São Paulo: Saraiva, 2007.

DOLINGER, Jacob. A evolução da ordem pública no direito internacional privado. Tesede Cátedra em Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1979.

________. Ordem pública mundial: ordem pública verdadeiramente internacional nodireito internacional privado. Revista de Informação Legislativa, ano 23, nº 90,Brasília, abr./jun. 1986, p. 205-232.

________. Application, proof and interpretation of foreign law: a comparative study inprivate international law. Arizona Journal of International and Comparative Law,vol. 12 (1995), p. 225-276.

________. Evolution of principles for resolving conflicts in the field of contracts andtorts. Recueil des Cours, vol. 283 (2000), p. 187-512.

________. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual. Rio deJaneiro: Renovar, 2001.

165

Page 166: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

________. Direito e amor. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

DUPUY, Pierre-Marie. Soft law and the international law of the environment. MichiganJournal of International Law, vol. 12 (Winter 1991), p. 420-435.

DUPUY, René-Jean. La clôture du système international: la cité terrestre (Grand Prix dePhilosophie de l’Académie Française). Paris: PUF, 1989.

EEK, Hilding. Peremptory norms and private international law. Recueil des Cours, vol.139 (1973-II), p. 9-73.

FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en elumbral del siglo XXI. Revista Mexicana de Derecho Internacional Privado, nº 9(2000), p. 7-32.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,dominação. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003.

FIORATI, Jete Jane. Inovações no direito internacional privado brasileiro presentes noProjeto de Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. In: BAPTISTA, Luiz Olavo;MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria eprática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 237-268 (Coleção Doutrinas essenciais: direitointernacional, vol. IV).

________; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Novas vertentes do direito docomércio internacional. Barueri: Manole, 2003.

FIORE, Pasquale. Diritto internazionale privato. Firenze: Le Monnier, 1869.

FOCARELLI, Carlo. Lezioni di diritto internazionale privato. Perugia: Morlacchi, 2006.

FOELIX, M. Traité du droit international privé ou du conflit des lois de différentesnations en matière de droit privé, t. 1. Paris: Joubert, 1843.

________. Traité du droit international privé ou du conflit des lois de différentesnations en matière de droit privé, t. 2. 4. ed. rev. Paris: Marescq Ainé, 1866.

FRANÇA, Rubens Limongi. Direito intertemporal em matéria civil : subsídios para umadoutrina brasileira. São Paulo: Ed. RT, 1967.

________. Direito intertemporal brasileiro: doutrina da irretroatividade das leis e dodireito adquirido. São Paulo: Ed. RT, 1968.

FRANCESCAKIS, Phocion. Quelques précisions sur les “lois d’application immédiate” etleurs rapports avec les règles de conflits de lois. Revue Critique de DroitInternational Privé, vol. 55 (1966), p. 1-18.

________. Lois d’application immédiate et règles de conflit. Rivista di DirittoInternazionale Privato e Processuale, vol. 3 (1967), p. 691-698.

166

Page 167: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

________. Lois d’application immédiate et droit du travail. Revue Critique de DroitInternational Privé, vol. 63 (1974), p. 273-296.

FRANZINA, Pietro. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: algumastendências recentes. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; RAMINA, Larissa; FRIEDRICH,Tatyana Scheila (Coord.). Direito internacional contemporâneo. Curitiba: Juruá,2014, p. 511-529.

FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado: loisde police. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

________. A proteção dos direitos humanos nas relações privadas internacionais. In:RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.). Direitos humanos:evolução, complexidades e paradoxos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 169-199 (ColeçãoDireito Internacional Multifacetado, vol. I).

GABBA, Carlo Francesco. Le second mariage de la Princesse de Beauffremont et le droitinternational. Paris: [s.n.], 1877.

GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria: storia del diritto commerciale. Bologna: IlMulino, 1993.

GANNAGÉ, Léna. La hiérarchie des normes et les méthodes du droit international privé:étude de droit international privé de la famille. Paris: LGDJ, 2001.

GHERSI, Carlos Alberto. La posmodernidad jurídica: una discusión abierta. BuenosAires: Gowa, 1999.

GIALDINO, Agostino Curti. La volonté des parties en droit international prive. Recueil desCours, vol. 137 (1972), p. 743-914.

GILLIES, Lorna E. Eletronic commerce and international private law: a study ofelectronic consumer contracts. Hampshire: Ashgate, 2008.

GOLDMAN, Berthold. Frontières du droit et lex mercatoria. Archives de Philosophie duDroit, nº 9 (Le droit subjectif en question). Paris: Sirey, 1964, p. 177-192.

JACQUET, Jean-Michel. Principe d’autonomie et droit applicable aux contratsinternationaux. Paris: Economica, 1983.

JAYME, Erik. Narrative Normen im Internationalen Privat- und Verfahrensrecht.Tübingen: Eberhard-Karls-Universität, 1993.

________. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne(cours général de droit international privé). Recueil des Cours, vol. 251 (1995), p.9-267.

________. Le droit international prive du nouveau millénaire: la protection de la

167

Page 168: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

personne humaine face à la globalization. Recueil des Cours, vol. 282 (2000), p. 19-40.

JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado. São Paulo: LTr, 2001.

KALENSKÝ, Pavel. Trends of private international law. The Hague: Martinus Nijhoff,1971.

KASSIS, Antoine. Le nouveau droit européen des contrats internationaux. Paris: LGDJ,1993.

LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privé contemporain:cours général de droit international prive. Recueil des Cours, vol. 196 (1986), p. 9-238.

LEAL, Saul Tourinho. Direito à felicidade: história, teoria, positivação e jurisdição. SãoPaulo: Pontifícia Universidade Católica, 2013 (Tese de Doutorado em DireitoConstitucional).

LEVONTIN, Avigdor. Choice of law and conflict of laws. Leiden: Sijthoff, 1976.

LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo:Perspectiva, 2005.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 10. ed. Trad. Ricardo CorrêaBarbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé. Recueil des Cours, vol.105 (1962), p. 375-516.

MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Controle deconvencionalidade: um panorama latino-americano (Brasil, Argentina, Chile,México, Peru, Uruguai). Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado.In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto;PEREIRA, Antônio Celso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direitointernacional contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor Celso D. deAlbuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 319-350.

________. Novos rumos do direito internacional privado quanto às obrigações resultantesde atos ilícitos. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.).Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 995-1030 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

________; JACQUES, Daniela Corrêa. Normas de aplicação imediata como um métodopara o direito internacional privado de proteção do consumidor no Brasil. In:

168

Page 169: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

MIRANDA, Jorge; PINHEIRO, Luís de Lima; VICENTE, Dário Moura (Coord.). Estudosem memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. I. Coimbra:Almedina, 2005, p. 95-133.

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processoobrigacional. São Paulo: Ed. RT, 2000.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratadosinternacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídicabrasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

________. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional: umparalelo entre as concepções de Berthold Goldman e Paul Lagarde. In: FIORATI, JeteJane; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Novas vertentes do direito docomércio internacional. Barueri: Manole, 2003, p. 185-223.

________. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo:Saraiva, 2010.

________. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: uma análisecomparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. São Paulo: Ed. RT,2011.

________. Algumas questões jurídicas sobre a formação e aplicação do costumeinternacional. Revista dos Tribunais, ano 101, vol. 921, São Paulo, jul./2012, p.259-278.

________. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev. e atual.São Paulo: Ed. RT, 2013.

________. Curso de direito internacional público. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Ed. RT, 2014.

________. Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

________. Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014.

________; MASSA, Diego Luis Alonso. Análisis del fallo “BG Group plc v. Republic ofArgentina” dictado por la Corte Suprema de los Estados Unidos de América: ¿todoslos caminos conducen a Roma? Revista de Arbitraje Comercial y de Inversiones,vol. VII, nº 3, Madrid, 2014, p. 879-902.

MICHAELS, Ralf. The new European choice-of-law revolution. Tulane Law Review, vol.82, nº 5, may 2008, p. 1607-1644.

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. rev. e atual. SãoPaulo: Ed. RT, 2008.

169

Page 170: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. Direito internacional privado e Constituição:introdução a uma análise de suas relações. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.

NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français. 2. ed. Paris: Sirey, 1949.

NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943.

OVERBECK, Alfred E. von. L’application par le juge interne des conventions de droitinternational prive. Recueil des Cours, vol. 132 (1971), p. 1-106.

________. La contribution de la Conférence de La Haye au développement du droitinternational privé. Recueil des Cours, vol. 233 (1992-II), p. 9-98.

PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. General course of private international law: selectedproblems. Recueil des Cours, vol. 210 (1988-III), p. 25-223.

PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Projeto de Código de Direito Internacional Privado. Riode Janeiro: Imprensa Nacional, 1927.

PILLET, A. La théorie générale des droits acquis. Recueil des Cours, vol. 8 (1925), p.489-538.

PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação de seusprincípios com referência às leis particulares do Brasil. Rio de Janeiro:Typographia de J. Villeneuve, 1863.

PINHEIRO, Luís de Lima. Relações entre o direito internacional público e o direitointernacional privado. In: RIBEIRO, Manuel de Almeida; COUTINHO, FranciscoPereira; CABRITA, Isabel (Coord.). Enciclopédia de direito internacional. Coimbra:Almedina, 2011, p. 491-501.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. La conception du droit international privéd’après la doctrine et la pratique au Brésil. Recueil des Cours, vol. 39 (1932), p.551-678.

________. Tratado de direito internacional privado, vols. 1 e 2. Rio de Janeiro: JoséOlympio, 1935.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 10. ed. rev. eatual. São Paulo: Saraiva, 2007.

ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1975.

RODAS, João Grandino. Direito internacional privado brasileiro. São Paulo: Ed. RT,1993.

________. Elementos de conexão do direito internacional privado brasileirorelativamente às obrigações contratuais. In: RODAS, João Grandino (Coord.).Contratos internacionais. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 19-

170

Page 171: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

65.

________. Substituenda est lex introductoria. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI,Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Ed. RT, 2012, p. 269-272 (Coleção Doutrinas essenciais: direitointernacional, vol. IV).

________; MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos. A Conferência da Haia de DireitoInternacional Privado: a participação do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre deGusmão, 2007.

SAMTLEBEN, Jürgen. Teixeira de Freitas e a autonomia das partes no direito internacionalprivado latino-americano. Revista de Informação Legislativa, ano 22, nº 85,Brasília, jan./mar. 1985, p. 257-276.

SANTOS, António Marques dos. Breves considerações sobre a adaptação em direitointernacional privado. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito,1988.

________. Estudos de direito internacional privado e de direito processual civilinternacional. Coimbra: Almedina, 1998.

________. As normas de aplicação imediata no direito internacional privado: esboçode uma teoria geral. Coimbra: Almedina, 1991 (2 vols.).

________. Algumas considerações sobre a autonomia da vontade no direito internacionalprivado em Portugal e Brasil. In: MOURA RAMOS, Rui Manuel de et all. (Org.).Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. I.Coimbra: Almedina, 2002, p. 379-429.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais naConstituição Federal de 1988. 9. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2012.

SAULLE, Maria Rita. Diritto comunitario e diritto internazionale privato. Napoli:Giannini, 1983.

SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8. Trad. Charles Guenoux. Paris:Firmin Didot Frères, 1851.

SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiznacional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968.

SHELTON, Dinah Shelton. Normative hierarchy in international law. American Journal ofInternational Law, vol. 100, nº 2 (April 2006), p. 291-323.

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais

171

Page 172: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008.

SOUZA, Gelson Amaro de. Processo e jurisprudência no estudo do direito. Rio deJaneiro: Forense, 1989.

STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws: foreign and domestic. Boston:Hilliard, Gray & Company, 1834.

STRENGER, Irineu. Teoria geral do direito internacional privado. São Paulo: Bushatsky,1973.

________. Direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: LTr, 1996.

________. Direito processual internacional. São Paulo: LTr, 2003.

________. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005.

SVANTESSON, Dan Jerker B. Private international law and the Internet. Alphen aan denRijn: Kluwer Law, 2007.

SYMEONIDES, Symeon C. Codifying choice of law around the world: an internationalcomparative analysis. Oxford: Oxford University Press, 2014.

TAQUELA, María Blanca Noodt. Derecho internaconal privado: libro de casos. BuenosAires: La Ley, 2006.

TELLES JUNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2009.

TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: FreitasBastos, 1968.

THIERRY, Hubert. L’évolution du droit international: cours général de droit internationalpublic. Recueil des Cours, vol. 222 (1990-III), p. 9-186.

TIBURCIO, Carmen. Disciplina legal da pessoa jurídica à luz do direito internacionalbrasileiro. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.).Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 969-993(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: introdução e parte geral. 2. ed. rev.e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1970.

________. O princípio da lei mais favorável no DIP. Revista da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo, vol. 76 (1981), p. 53-61.

________. Lei nacional e lei do domicílio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valeriode Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed.RT, 2012, p. 123-132 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

172

Page 173: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

________. Posição do direito internacional privado frente às divisões: internacional-interno e público-privado (primado da ordem jurídica superior). In: BAPTISTA, LuizOlavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoriae prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 133-146 (Coleção Doutrinas essenciais:direito internacional, vol. IV).

________. Definição, objeto e denominação do direito internacional privado. In:BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacionalprivado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 147-161 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Doutrinas modernas e contemporâneas de direito internacional privado. In:BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacionalprivado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 163-182 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Conflitos no espaço de normas de direito internacional privado: renúncia edevolução. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 183-205(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Reconhecimento de divórcio decretado pela justiça muçulmana com base norepúdio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 549-554(Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).

VILLATA, Stefano Alberto. Diritto straniero e processo: premessa storica ad uno studiodella “prova” del diritto straniero. Roma: Aracne, 2012.

VILLELA, Anna Maria. A unificação do direito na América Latina: direito uniforme edireito internacional privado. Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 83,Brasília, jul./set. 1984, p. 5-26.

WASSMUNDT, Fritz. Divergências de leis e sua harmonização: solução proposta a algunsproblemas jurídicos presos ao direito internacional privado. In: BAPTISTA, LuizOlavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoriae prática. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 63-85 (Coleção Doutrinas essenciais: direitointernacional, vol. IV).

173

Page 174: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Anexos

Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do DireitoBrasileiro

Projeto de Lei do Senado nº 269, de 2004 – Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas

Convenção de Direito Internacional Privado (1928) – Código Bustamante

Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado (1979)

174

Page 175: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.(Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010)

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 daConstituição, decreta:

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco diasdepois de oficialmente publicada.

§ 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia trêsmeses depois de oficialmente publicada.

§ 2º (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009)

§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, oprazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.

§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ourevogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com elaincompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoganem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido avigência.

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e osprincípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências dobem comum.

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direitoadquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que seefetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,

175

Page 176: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável,a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluídopela Lei nº 3.238, de 1957)

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentosdirimentes e às formalidades da celebração.

§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ouconsulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei doprimeiro domicílio conjugal.

§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentesdomicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seucônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoçãodo regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção aocompetente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só seráreconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida deseparação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas ascondições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal deJustiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisõesjá proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim deque passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009)

§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aosfilhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ounaquele em que se encontre.

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do paísem que estiverem situados.

§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis queele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

§ 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisaapenhada.

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será estaobservada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

176

Page 177: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defuntoou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira embenefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)

§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e asfundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

§ 1º Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem osatos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

§ 2º Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenhamconstituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveisou susceptíveis de desapropriação.

§ 3º Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dosrepresentantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ouaqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situadosno Brasil.

§ 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a formaestabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente,observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto aoônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileiradesconheça.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e davigência.

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintesrequisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugarem que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.*

Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009)

Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-áem vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

177

Page 178: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, nãoterão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhescelebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro denascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.(Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e odivórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados osrequisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposiçõesrelativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto àretomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu ocasamento. (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)

§ 2º É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante asubscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constituaadvogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.(Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)

Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsulesbrasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todosos requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridadesconsulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar opedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº 3.238,de 1957)

Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.

GETULIO VARGAS

Alexandre Marcondes Filho

Oswaldo Aranha

178

Page 179: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 269, DE 2004

(Do Senador Pedro Simon)

Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

Da Norma Jurídica em Geral

Art. 1º Vigência da Lei – A lei entra em vigor na data da publicação, salvo se dispuser emcontrário: e perdura até que outra a revogue, total ou parcialmente.

§ 1º Revogação – A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare ou quando comela seja incompatível.

§ 2º Repristinação – A vigência da lei revogada só se restaura por disposição expressa.

§ 3º Republicação – O texto da lei republicada, inclusive da lei interpretativa, considera-se leinova.

§ 4º Regulamentação – A lei só dependerá de regulamentação quando assim o declareexpressamente e estabeleça prazo para sua edição; escoado o prazo sem essa providência, a lei serádiretamente aplicável.

Art. 2º Ignorância da lei – Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 3º Dever de decidir – O Juiz não se eximirá de julgar alegando inexistência, lacuna ouobscuridade da lei. Nessa hipótese, em não cabendo a analogia, aplicará os costumes, a jurisprudência, adoutrina e os princípios gerais de direito.

Art. 4º Aplicação do Direito – Na aplicação do direito, respeitados os seus fundamentos, serãoatendidos os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum e a equidade.

CAPÍTULO II

Do Direito Intertemporal

Art. 5º Irretroatividade – A lei não terá efeito retroativo. Ela não prejudicará o direito adquirido,o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

§ 1º Direito adquirido – Direito adquirido é o que resulta da lei, diretamente ou por intermédio defato idôneo, e passa a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, mesmo que seus efeitos não se

179

Page 180: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

tenham produzido antes da lei nova.

§ 2º Direito a termo ou condição – Constituem igualmente direito adquirido as consequências dalei ou de fato idôneo, ainda quando dependentes de termo de condição.

§ 3º Ato jurídico perfeito – Ato jurídico perfeito é o consumado de acordo com a lei do tempo emque se efetuou.

§ 4º Coisa julgada – Coisa julgada é a que resulta de decisão judicial da qual não caiba recurso.

Art. 6º Efeito imediato – O efeito imediato da lei não prejudicará os segmentos anteriores,autônomos e já consumados, de fatos pendentes.

Art. 7º Alteração de prazo – Quando a aquisição de um direito depender de decurso de prazo eeste for alterado por lei nova, considerar-se-á válido o tempo já decorrido e se computará o restante pormeio de proporção entre o prazo anterior e o novo.

CAPÍTULO III

Direito Internacional Privado

Seção I

Regras de Conexão

Art. 8º Estatuto Pessoal – A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família sãoregidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sua localização,aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual.

Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes são regidos pela lei do domicílio deseus pais ou responsáveis; tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei que resulte nomelhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz.

Art. 9º Casamento – As formalidades de celebração do casamento obedecerão à lei do local de suarealização.

§ 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior, atenderão, antes ou depois docasamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando ocasamento na forma prevista no seu art. 1.544.

§ 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terão sua capacidade matrimonialregida por sua lei pessoal.

§ 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante autoridade consularbrasileira, cumprindo-se as formalidades de habilitação como previsto no parágrafo anterior. Ocasamento entre estrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no Brasil perante arespectiva autoridade diplomática ou consular.

§ 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos de registro civil referentes abrasileiros na jurisdição do consulado, podendo igualmente lavrar atos notariais, atendidos em todos oscasos os requisitos da lei brasileira.

§ 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, será aplicada aos efeitos pessoais

180

Page 181: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

do casamento a lei que com os mesmo tiver vínculos mais estreitos.

Art. 10. Regime Matrimonial de Bens – O regime de bens obedece à lei do país do primeirodomicílio conjugal, ressalvada a aplicação da lei brasileira para os bens situados no País que tenham sidoadquiridos após a transferência do domicílio conjugal para o Brasil.

Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado por convenção, que tenha atendido àlegislação competente, podendo os cônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar, naforma e nas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquer dos regimes de bensadmitidos no Brasil.

Art. 11. Bens e Direitos Reais – Os bens imóveis e os direitos reais a eles relativos sãoqualificados e regidos pela lei do local de sua situação.

Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com o qual tenham vínculos maisestreitos.

Art. 12. Obrigações Contratuais – As obrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelaspartes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados os direitos deterceiros.

§ 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atosjurídicos em geral, serão regidos pela lei do país com o qual mantenham os vínculos mais estreitos.

§ 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável do restante, e mantiver conexãomais estreita com a lei de outro país, poderá esta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráter excepcional.

§ 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebração, permitida a adoção deoutra forma aceita em direito.

§ 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos,poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordo coma legislação brasileira.

Art. 13. Obrigações por atos ilícitos – As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidaspela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato, seja a do localonde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima às partes ou ao ato ilícito.

Art. 14. Herança – A sucessão por morte ou ausência é regida pela lei do país do domicílio dofalecido à data do óbito, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será regulada pela lei brasileira embenefício de cônjuge ou dos filhos brasileiros, assim como dos herdeiros domiciliados no País, sempreque não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido.

Seção II

Aplicação do Direito Estrangeiro

Art. 15. Lei Estrangeira – A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado brasileiroserá aplicada de ofício; sua aplicação, prova e interpretação far-se-ão em conformidade com o direitoestrangeiro.

Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovação do

181

Page 182: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

texto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável.

Art. 16. Reenvio – Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão da presente Lei,determinar a aplicação da lei brasileira, esta será aplicada.

§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última prevalecerá caso tambémestabeleça sua competência.

§ 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência, aplicar-se-á a lei estrangeirainicialmente indicada pelas regras de conexão da presente Lei.

Art. 17. Qualificação – A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita deacordo com a lei brasileira.

Art. 18. Fraude à Lei – Não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculofraudulentamente estabelecido.

Art. 19. Direitos Adquiridos – Os direitos adquiridos na conformidade de sistema jurídicoestrangeiro serão reconhecidos no Brasil com as ressalvas decorrentes dos artigos 17, 18 e 20.

Art. 20. Ordem Pública – As leis, atos públicos e privados, bem como as sentenças de outro país,não terão eficácia no Brasil se forem contrários à ordem pública brasileira.

Seção III

Pessoas Jurídicas

Art. 21. Pessoas Jurídicas – As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do país em que se tiveremconstituído.

Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoasjurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aostribunais brasileiros.

Art. 22. Aquisição de imóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras ouinternacionais – As pessoas jurídicas de direito público estrangeiras ou internacionais, bem como asentidades de qualquer natureza por elas constituídas ou dirigidas, não poderão adquirir no Brasil bensimóveis ou direitos reais a eles relativos.

§ 1º Com base no princípio da reciprocidade e mediante prévia e expressa concordância do Governobrasileiro, podem os governos estrangeiros adquirir os prédios urbanos destinados às chancelarias desuas missões diplomáticas e repartições consulares de carreira, bem como os destinados a residênciasoficiais de seus representantes diplomáticos e agentes consulares nas cidades das respectivas sedes.

§ 2º As organizações internacionais intergovernamentais sediadas no Brasil ou nele representadas,poderão adquirir, mediante prévia e expressa concordância do Governo brasileiro, os prédios destinadosaos seus escritórios e às residências de seus representantes e funcionários nas cidades das respectivassedes, nos termos dos acordos pertinentes.

Seção IV

Direito Processual e Cooperação Jurídica Internacional

182

Page 183: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 23. Escolha de Jurisdição – A escolha contratual de determinada jurisdição, nacional ouestrangeira, resultará em sua competência exclusiva.

Art. 24. Produção de Provas – A prova dos fatos ocorridos no exterior é produzida emconformidade com a lei que regeu a sua forma.

§ 1º Não serão admitidas nos tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

§ 2º As provas colhidas no Brasil obedecerão à lei brasileira, admitindo-se a observância deformalidades e procedimentos especiais adicionais a pedido da autoridade judiciária estrangeira, desdeque compatíveis com a ordem pública brasileira.

Art. 25. Homologação de sentença estrangeira – As sentenças judiciais e atos com força desentença judicial, oriundos de país estrangeiro, poderão ser executados no Brasil, mediante homologaçãopelo Supremo Tribunal Federal, atendidos os seguintes requisitos:

I – haverem sido proferidos por autoridade com competência internacional;

II – citado o réu, lhe foi possibilitado o direito de defesa;

III – tratando-se de sentença judicial ou equivalente, ter transitado em julgado nos termos da leilocal;

IV – estarem revestidos das formalidades necessárias para serem executadas no país de origem;

V – estarem traduzidos por intérprete público ou autorizado;

VI – estarem autenticados pela autoridade consular brasileira.

Art. 26. Medidas cautelares – Poderão ser concedidas, no foro brasileiro competente, medidascautelares visando a garantir a eficácia, no Brasil, de decisões que venham a ser prolatadas em açõesjudiciais em curso em país estrangeiro.

Art. 27. Cooperação Jurídica Internacional – Serão atendidas as solicitações de autoridadesestrangeiras apresentadas por intermédio da autoridade central brasileira designada nos acordosinternacionais celebrados pelo País, que serão cumpridas nos termos da lei brasileira.

Art. 28. Cartas Rogatórias – Na ausência de acordos de cooperação, serão atendidos os pedidosoriundos de Justiça estrangeira para citar, intimar ou colher provas no País, mediante carta rogatória,observadas as leis do Estado rogante quanto ao objeto das diligencias, desde que não atentatórias aprincípios fundamentais da lei brasileira. A carta rogatória, oficialmente traduzida, poderá serapresentada diretamente ao STF para concessão do exequatur.

Parágrafo único. Qualquer requisição de documento ou informação, feita por autoridadeadministrativa ou judiciária estrangeira, dirigida a pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ouestabelecida no País, deverá ser encaminhada via carta rogatória, sendo defeso à parte fornecê-ladiretamente, ressalvado o disposto no artigo anterior.

Art. 29. É revogado o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

Art. 30. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei foi, originalmente, apresentado pelo Poder Executivo,

183

Page 184: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

tendo tomado o número PL-4.905, de 1994, na Câmara dos Deputados. Resultou dostrabalhos levados a termo por Comissão Especial, instituída pela Portaria do entãoMinistro da Justiça, nº 510, de 22 de julho de 1994, cujos integrantes foram osProfessores João Grandino Rodas, Jacob Dolinger, Rubens Limongi França e InocêncioMártires Coelho. Assim foi justificada a proposição, à época:

“A introdução ao Código Civil de 1916 seguiu, basicamente, o anteprojeto deClovis Bevilaqua que, por seu turno, fora influenciado pela técnica então adotada naEuropa, mormente pelo Código Civil alemão de 1896. Este ostentava uma lei deintrodução, situada no final do mesmo.

O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, promulgou a Lei de Introdução(LICC), que, revogando a Introdução original, entrou em vigor em 24 de outubro domesmo ano. A LICC, que vige até hoje, fundamentou-se no projeto de reformapreparado por comissão composta por Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães eOrozimbo Nonato.

A resolução do Congresso Jurídico Nacional de Fortaleza propugnando, pelareforma da LICC sensibilizou o Governo Federal que, pelos Decretos números51.005/61 e 1.940/62, encarregou o Professor Haroldo Valladão da preparação de umanteprojeto. No trabalho, entregue em janeiro de 1964, o referido professor, consoanteele próprio o disse, buscou soluções justas, brasileiras e consentâneas com o progressocontemporâneo, soluções essas hauridas na doutrina e jurisprudência pátrias, bemcomo no direito comparado. Preferiu o relator projetar uma lei autônoma, inspirada noideário de Teixeira de Freitas, que abrangia “matérias superiores a todos os ramos dalegislação”.

Comissão revisora, composta por Luiz Galloti, Oscar Tenório e o próprioValladão, aprovou o anteprojeto com algumas emendas em 1970.

Várias vicissitudes fizeram com que o projeto não vingasse. Reapresentado, em1984, pelo Senador Nelson Carneiro, como Projeto de Lei nº 264/84, acabou por serarquivado. O quarto de século transcorrido desde a elaboração do anteprojeto e asmudanças legislativas supervenientes, com a consequente obsolescência de vários dosartigos do anteprojeto, certamente contribuíram para isso.

No encerramento do I Congresso Brasileiro de Direito Internacional Privado,realizado em 1987, em Belo Horizonte, foi aprovada, unanimemente, moção urgindo oGoverno Federal a nomear comissão de juristas para elaborar anteprojeto de lei queviesse a substituir a LICC. A preocupação em substituir essa lei vem-se observando,igualmente, no seio da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como em diversos

184

Page 185: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

trabalhos doutrinários publicados.

Consciente da urgência em substituir-se a, já de há muito, inadequada LICC, oSenhor Ministro de Estado da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, nomeou,por intermédio da Portaria nº 510, de 22 de julho de 1994, Comissão para elaboraranteprojeto de lei substitutivo da mesma.

A referida Comissão preparou um projeto em que procurou, fundamentalmente,atualizar a LICC. Não houve a preocupação de abrangência e magnitude, própria doanteprojeto Valladão, vez que a intrusão em outras disciplinas jurídicas talvez tenhasido uma das causas de seu insucesso. Sendo lex legum, optou a Comissão por uma leiautônoma denominada Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, deixando de lado aqualificação geral adotada por Valladão, visto que a generalidade é atributo dequalquer lei. Com o intuito de melhor agrupar os assuntos compreendidos pelo projeto,as matérias são divididas em três capítulos, sendo o mais longo subdividido em seções.

Com relação à norma jurídica em geral, parcimoniosas foram as modificaçõespropostas aos atuais dispositivos da LICC, limitando-se a proposta a sistematizar asregras existentes e a suprimir normas tornadas desnecessárias.

No que tange ao Direito Intertemporal, procurou-se corrigir inadequações efalhas da LICC. Assim, além de proporcionar um conceito de direito adquiridoassentado na melhor doutrina, o projeto trata de regular questões importantes, como ado efeito imediato e a dos direitos dependentes de prazo.

Relativamente às regras do direito internacional privado contidas na LICC, oprojeto somente as altera quando necessário para atender às conquistas dajurisprudência e da doutrina, bem como para conciliar o direito internacional privadobrasileiro com o direito internacional privado uniformizado, criado por tratados econvenções.

O projeto consagra o princípio da autonomia da vontade em direito internacionalprivado, princípio já tradicional na doutrina brasileira e acolhido em diversasconvenções europeias e em recente convenção interamericana. Consoante o mesmo, aspartes de um contrato internacional possuem, via de regra, o direito de escolher a lei aser aplicada às suas relações jurídicas.

Uma das conquistas do moderno direito internacional privado é a regra quemanda aplicar às obrigações contratuais a lei do país que tenha vinculação maisestreita com a avença entre as partes. Essa norma está consubstanciada nas maisrecentes convenções europeias e interamericanas, influenciadas proximamente pelo

185

Page 186: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

direito norte-americano e remotamente pela filosofia de Friedrich Carl von Savigny.Representa essa regra um amálgama de inúmeras teorias lançadas ao longo dosúltimos dois séculos no continente europeu e nas Américas, em que osjusinternacionalistas esforçaram-se na busca de uma fórmula que orientasse o juiz naescolha da lei aplicável em questões internacionais. A sede da relação jurídica’, seu‘centro de gravidade’, deve ser a lei que tenha como o caso ‘the most significantrelationship’, ou seja aquela mais pertinente ao vínculo legal estabelecido entre aspartes.

O projeto estende o preceito em tela para além das obrigações contratuais,propondo aplicá-lo também às obrigações por atos ilícitos e ao direito de família. Poranalogia poderá ser aplicado, sempre que não prevista solução específica.

Outra inovação do projeto é estender o princípio domiciliar a algumas questõesque a LICC restringe a brasileiros. Entendeu-se apropriado manter coerência nodireito de família e no direito das sucessões, em que, as mesmas regras de conexão e, àsvezes, de proteção, devem-se aplicar a todas as pessoas domiciliadas no País, e nãolimitá-las a brasileiros.

O projeto propugna a alteração da regra da LICC sobre o reenvio. Seguindo atendência majoritária da doutrina pátria, ficará o juiz brasileiro autorizado a aplicar alei que for indicada pela lei designada competente por nossas regras de conexão.

Como já salientado, adverte-se que foram parcimoniosas as modificaçõespropostas para os dispositivos que, na LICC, disciplinam a matéria abrangida pelosarts. 1º a 4º do projeto. Inspirou esse procedimento conselho há muito recolhido emlição do Ministro Victor Nunes Leal: ‘Tal é o poder da lei que a sua elaboraçãoreclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionandomateriais explosivos’ (Problemas de Direito Público, Rio, Forense, 1960, p. 8).”

Com relação ao art. 1º, “o texto, em redação direta, afirma, desde logo, oessencial, que é a regra da entrada em vigor da lei na data da publicação, deixandopara a oração seguinte a ressalva, que na LICC abre o dispositivo. De igual modo, logona abertura, reafirma o princípio da continuidade da lei, que é editada para durar, maspode, por disposição dela própria, restringir seu tempo de vigência, ou tê-lo alteradoou extinto por lei posterior.

Como a segunda parte do dispositivo abrange a matéria hoje regulada no art. 2º,caput, da LICC, esse preceito desaparece, assim como o § 2º do texto em vigor, que setem por desnecessário e causador de controvérsias. A regra de revogação porincompatibilidade ministra o critério que deverá nortear o intérprete para dizer se a

186

Page 187: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

lei posterior, independentemente de ser especial ou geral, mantém ou revoga asdisposições preexistentes.

Art. 1º, § 1º: Traz como novidade apenas a supressão da hipótese, prevista naLICC – art. 2º, § 1º, última parte – de a lei posterior revogar a anterior quando regule,inteiramente, a matéria de que tratava aquela lei anterior.

Entende-se que a regra de revogação expressa e da revogação porincompatibilidade é mais segura, dispensando-se o intérprete-aplicador da tarefa demensurar a extensão normativa, tanto da lei anterior, quanto da posterior.

Art. 1º, § 2º: A redação proposta visa a tratar o problema da repristinação emlinguagem clara, direta e pedagógica. Quando o legislador quiser restaurar a vigênciada lei já revogada, deverá fazê-lo de modo expresso, para não suscitar dúvidas, nemincertezas. Em verdade, como se sabe, a repristinação não é o ressuscitamento da leimorta, mas a emanação de lei nova, a que se dá o mesmo conteúdo normativo de lei quevigorou no passado, e que volta a ter vigência, mas doravante e não a partir dopassado. Forma abreviada de legislar, a repristinação, em tese, não deve ser utilizada.Daí o tratamento restritivo no projeto.

Art. 1º, § 3º: A redação funde – na verdade, reduz a uma – as hipóteses previstasnos §§ 3º e 4º do art. 1º, da LICC. A diferença, hoje consagrada, entre lei já publicada,mas ainda não vigorante, e lei que já se encontra em vigor, não parece deva sermantida, pois tanto faz republicar texto que ainda não se acha em vigor, quanto texto jávigorante. Num caso, como no outro, o que importa, para a segurança jurídica, é quequalquer republicação seja considerada como novidade normativa e, assim, não possasurpreender retroativamente o cidadão. Com isso se evitam os problemas das falsascorreções de textos legais, vigentes ou ainda por vigorar.

Afastada a regra da vacatio legis, com a nova redação dada ao caput do art. 1º e asupressão dos seus §§ 1º e 2º, o que resta de substancial é a regra do § 3º do art. 1º daLICC. Se a própria lei estabelecer prazo de vacatio para entrar em vigor ou, maispropriamente, para se tornar eficaz, e vier a ocorrer a republicação do seu texto, este enão o anterior é que valerá como lei. Igualmente, se a lei se achar em vigor e forrepublicado o seu texto, para qualquer fim, inclusive correções efetivamentenecessárias, o texto republicado e não o anterior é que valerá como lei.

Art. 1º, § 4º: A norma visa a ressaltar que a lei, vigente a partir da publicação, édesde logo plenamente eficaz, somente podendo ter a sua eficácia contida ou retardadase ela própria se autolimitar, declarando-se dependente de regulamentação. Mesmoassim, deverá a lei fixar prazo para a expedição do regulamento. Trata-se, então, de

187

Page 188: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

duas exigências, sem cujo atendimento a lei opera, de modo pleno desde a dataestabelecida para entrar em vigor. Ausente aquela declaração de dependência àregulamentação, ou não fixado prazo para a expedição do regulamento, tem-se que alei é desde logo eficaz, assim como o será se esgotado o aludido prazo sem a adoção daaludida providência.

A proposta se inspira, mutatis mutandis, na regra contida no § 2º do art. 5º daConstituição, onde se diz que as normas definidoras dos direitos e garantiasfundamentais têm aplicação imediata, assim como no preceito contido no § 2º do art.103 da mesma Carta, que, ao disciplinar a inconstitucionalidade por omissão, confereao STF o poder de notificar órgão administrativo, para que, em trinta dias, adoteprovidências necessárias à efetivação de normas constitucionais.”

No art. 2º “mantém-se, sem qualquer alteração, a norma do art. 3º da LICC,segundo a qual a ninguém é dado escusar-se de cumprir a lei, alegando que não aconhece, norma que é de natureza bilateral, ‘pois se destina ao Estado e aosindivíduos, compelindo-os ao respeito legal, submetendo-os aos seus preceitos’, comoanotado por Oscar Tenório (Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro, Rio, Borsoi,1955, p. 94).

A primeira parte do art. 3º reproduz o texto da LICC, com ligeiras alteraçõesredacionais, incorporando-lhe as regras constantes dos arts. 113 do CPC 1939, e 106do CPC 1973, atualmente em vigor.

Na segunda parte, o projeto atualiza a redação da LICC, com a referência a outrasfontes ou formas de expressão do direito, agregando-lhe as normas consagradas,respectivamente, no art. 114, do CPC de 1939, no art. 126, segunda parte, do CPC de1973, assim como no art. 4º, da própria LICC.

Nesse ponto, o anteprojeto incorpora, com especial destaque, a jurisprudência e adoutrina, que constituem pautas de utilização obrigatória pelo intérprete-aplicador dalei, na medida em que servem ao processo de desenvolvimento do direito e, assim,permitem a formulação de soluções mais justas para os casos concretos.

Se é verdade que, num direito codificado, existem mais lacunas do que preceitoslegais e, se é, igualmente, verdadeiro, que não existe uma hierarquia fixa entre osdiversos critérios de interpretação, parece lícito concluir que a disponibilidade devárias fontes e de vários métodos aumenta a possibilidade, para o juiz, de construirdecisões que, sobre serem corretas, serão forçosamente mais justas. A pluralidade demétodos torna-se um veículo da liberdade do juiz, como acentuado por Karl Larenz, em

188

Page 189: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

comentários às idéias de Martin Kriele sobre o afazer do aplicador do direito(Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Gulbenkian, 1978, p. 394).”

No art. 4º, “pretende-se introduzir alterações significativa em face da leiatualmente em vigor – art. 5º da LICC –, seja pela referência expressa à utilização daequidade, enquanto ‘justiça amoldada à especificidade de uma situação real’ (MiguelReale, Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 295), seja pelouso, deliberado, da palavra direito, a sinalizar para a diferença entre lei e direito, cadavez mais encarecida pelos juristas contemporâneos, comprometidos com a realizaçãoda idéia do justo e do legítimo, em contraposição ao ideário positivista, que identificao justo com o simplesmente jurídico.

Lembremos, a propósito, a fecunda construção jurisprudencial levada a cabo peloTribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, em torno do art. 20.3, dalei Fundamental de Bonn – ‘o Poder Legislativo está submetido à ordemconstitucional; os Poderes Executivo e Judiciário, à lei e ao direito’ –, assim analisadapor Karl Larenz: ‘nesta fórmula se expressa que lei e Direito não são por certo coisasopostas, mas ao Direito corresponde, em comparação com a lei, um conteúdosuplementar de sentido’ (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Gulbenkian,1989, p. 446).

A referência, que se faz expressa, à necessidade de respeito aos fundamentos dodireito, sinaliza o dever, que a todos se impõe, de não violar a própria ordem jurídica,a pretexto de encontrar soluções justas, pois o sentimento de justiça do juiz, paraencontrar receptividade e apoio, há de refletir a consciência jurídica geral, e não umaparticular concepção axiológica.

O art. 5º reafirma expressamente a regra de que a lei não terá efeito retroativocom finalidade de obviar que a tradição de sete séculos do direito luso-brasileiro e demais de século e meio do direito brasileiro autônomo não se alterou, desde o preceitocorrespondente da Constituição imperial de 1824.

Com essa providência, resolve-se a dúvida de alguns escritores que procuravamver no princípio constitucional do respeito ao direito adquirido um arrefecimentodaquela norma fundamental, de onde afirmarem, sem razão, que a lei pode ter aqueleefeito desde que respeite o jus adquisitum.

Ora, o princípio da Constituição de 1988, que vem desde a Introdução de 1916 eda Constituição de 1934, é um plus em relação ao que consta da Constituição imperiale da Constituição republicana de 1891; e não uma sua derrogação. Acrescentando-lhe

189

Page 190: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

mais um elemento de garantia, não o abranda, mas, ao contrário, o confirma e reforça.

A regra, pois, não é a retroatividade, senão, como sempre, desde as leis daRepública romana, a irretroatividade.

O preceito – ‘Ela não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e acoisa julgada’, é duplamente redundante, a despeito do proposto no projeto CoelhoRodrigues e adotado no projeto Bevilaqua.

Na verdade, a referência apenas ao direito adquirido já fora suficiente, porquantoo ato jurídico perfeito deve seu respeito ao fato de ser causa geradora do jusadquisitum, além do que a coisa julgada outra coisa não é senão uma espécie de atojurídico perfeito.

Demais, há direitos adquiridos de outras fontes, como dos fatos que não são atos,além dos oriundos diretamente da lei.

Não obstante, na lembrança oportuna de Haroldo Valladão, é essa a ‘fórmulabrasileira do direito intertemporal, arraigada a propícias tradições, incorporada aolinguajar do nosso cotidiano jurídico; e que, por isso, tem servido com oportunidade àdivulgação e ao prestígio dessa verdadeira liberdade pública’.

O conceito de direito adquirido visou adrede substituir o texto vigorante que, adespeito das respeitáveis origens, rigorosamente não define a categoria em questão,conforme Limongi França (Direito Intertemporal, 2ª ed., São Paulo. Revista dosTribunais, 1968; e Direito Adquirido e Irretroatividade das Leis, 4ª ed., São Paulo,Revista dos Tribunais, 1994, pp. 227-237.

Sua estrutura tem base no texto de Bonifácio VIII, de 1382, de Felinus Sandaeus,de 1500, na fórmula do vol. VIII do System de Savigny, na lição das Instituzioni dePacifici-Mazzoni, e sobretudo, no conceito de Gabba segundo a Teoria dellaRetroativitá delle Leggi (Milão, Turim, 1891, Vol. I, p. 191), atendidas as críticas deReynaldo Porchat (Retroatividade das Leis, 1906, e de Paulo de Lacerda (Manual doCódigo Civil, vol. I, 1927).

Tem merecido a acolhida e o aplauso de juristas de prol, dentro e fora do Brasil,especialmente do Professor Federico Roselli, que o considera válido “non solo aldiritto brasiliano ma anche allo ius conmune omnium” (Direito Adquirido..., cit.,prefácio).

Direito a termo é aquele que depende de acontecimento futuro e certo, ao passoque sob condição é o subordinado a evento, também futuro, mas – incerto.

190

Page 191: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Claro está que se o termo é ad quem, não há cogitar de qualquer problema quantoà caracterização de direito adquirido.

Mas não se passa de modo diverso na hipótese de termo a quo, pois o próprio art.123 do Código Civil, reproduzindo regra do direito das gentes, esclarece que o termoinicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

Já, no que concerne às condições, a matéria não se apresenta de igual modopacífica; mas, com fundamento em estudos realizados ao longo de mais de trêsdécadas, divulgados em obras especializadas sobre o assunto (R. Limongi França,Direito Intertemporal, cit., 1968, pp. 452-61; Direito Adquirido..., cit., pp. 246-52),reitera-se a orientação (a qual, entre outros mestres, encontra estribo em Bevilaqua) nosentido de reconhecer a patrimonialidade dos direitos condicionados e, pois, atendidaa regularidade da respectiva constituição, o caráter de direito adquirido.

De outra parte, é bem de ver a inadequação da correspondente referência, feitanos textos das introduções de 1916 e 1942, em meio a um almejado conceito legal dedireito adquirido, onde faltam elementos essenciais e abundam referênciasimpertinentes.

Os conceitos de ato jurídico perfeito e de coisa julgada são os mesmosconsagrados no projeto Coelho Rodrigues, no projeto Bevilaqua, nas Introduções de1916 e 1942, escoimados dos excessos de palavras que pareceram inúteis.

De outra parte, não houve razão para os suprimir”

O projeto não repete, no art. 6º, como na LICC, que “a lei terá efeito imediato egeral”.

“A lei é, por si, uma regra geral, – commune praeceptum”, na definição dePapiniano. E o efeito imediato é uma virtude natural da lei, o que já vem sendocompreendido desde que se definiu com precisão a linha divisória entre os campos dalei nova e da lei antiga; a saber, desde os gregos da fase clássica, mas principalmentecom as primeiras leis da República romana, no primeiro século antes de Cristo, quandose passou a utilizar a expressão post hanc legem.

A partir daí, desenvolveu-se gradativamente a matéria, de tal forma que arespectiva referência se vai clareando ao longo dos séculos especialmente na 2ª Regrateodosiana de 440, de Teodosio II e Valentiniano III, inserta no Digesto justinianeu, de530, onde se referem os negotia pendentia; no Código visigótico, onde o monarca usada expressão “secundum has leges determinari sancimus”; na doutrina do séculoXIX, especialmente com Pacifici-Mazzoni; e na do século XX, particularmente, com as

191

Page 192: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

obras dos autores franceses.

Conforme foi ficando assentado, ao longo de uma evolução de dois milênios, emrelação ao efeito imediato, cumpre distinguir inicialmente três espécies de fatos: osfacta praeterita, os facta futura e os facta pendentia.

Os facta praeterita – os fatos passados – concernem ao domínio da lei antiga;enquanto os facta futura, – fatos futuros – dizem respeito ao da lei nova.

Já quanto aos facta pendentia – fatos pendentes – é de mister uma outradistinção, a saber, entre partes anteriores e partes posteriores.

Estas últimas respeitam, igualmente, ao campo da lei nova, mas as outras, ao seuturno, se situam no âmbito do mandamento da lei antiga, de tal forma que a lei novanão as pode atingir sem incorrer na retroatividade.

Não obstante, é preciso que, para tanto, sejam partes autônomas ou cindíveis, jáconsumadas, isto é, de algum modo subsistentes por si mesmas, sem o que constituiriamoutros tantos facta pendentia. É o caso do testamento, na hipótese de herançatestamentária, colhido por lei nova, depois de efetivado, antes da morte do testador. Domesmo modo, o direito ao recurso, adquirido com a publicação da sentença, sendo oprocesso posteriormente atingido por lei que o tenha suprimido, como se deu com orecurso de revista, ao advento do CPC de 1973.

O preceito projetado no art. 7º colima solucionar a magna questão concernente aodenominado direito de aquisição sucessiva, a saber, por definição, aquele que seobtém mediante o decurso de um lapso de tempo.

A discussão aviventou-se quando da publicação do Código Civil, por isso que, emmeio às respectivas disposições, preceitos houve que determinaram encurtamento deprazos, como de certas prescrições.

O assunto, porém, é antigo.

Dele cuidou Muller (Anotações ao Syntagma de Struvius, Frankfurt, 1692, vol. I,p. 67) propondo que, na hipótese, lex trahitur ad praeterita. Em contrário, o art. 2.281do Código Napoleão manda aplicar-se a lei nova.

Ora, conforme se tem assinalado, enquanto a adoção do ensinamento daquele neo-glosador levaria a ignorar a patrimonialidade do prazo decorrido, o texto francês traz,no bojo, a incongruência de considerar adquirido um direito cuja perfeição esteja nadependência de elementos ainda não verificados.

192

Page 193: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Critérios outros propostos ao longo destes anos, quer na doutrina, quer najurisprudência, se apresentam artificiais, insatisfatórios e lesivos de interesses dealguma das partes implicadas na aquisição em curso.

De onde a solução proposta, por isso que atende ao direito das partes em geral,como por exemplo, na hipótese de prescrição, ao direito adquirido, do prescribente,quanto ao prazo já escoado, bem assim ao do prescribendo, quanto ao lapso porescoar.”

No art. 8º “mantém-se a regra da conexão domiciliar para a personalidade, onome e a capacidade jurídica da pessoa individual e para o direito de família, regraesta que vem sendo adotada por todos os países de imigração, inclusive pelo Brasil, naLICC; a residência como conexão subsidiária também é mantida, mas, diversamente daLICC, ela é dividida em residência habitual e residência atual, conforme a modernaorientação consubstanciada em diversas convenções da Haia e da CIDIP”.

O parágrafo único substitui a dependência da criança e do adolescente a seu pai,para efeito do domicílio (LICC, art. 7º, § 7º), pela do domicílio de seus pais. Tendo,estes, domicílios diversos, aplicar-se-á ao incapaz a lei que lhe for mais benéfica.

A atual legislação brasileira sobre direito internacional privado prima pelasregras bilaterais, de caráter universal, diversamente da tradição francesa deestabelecer preceitos unilaterais, voltados exclusivamente para a aplicação da leifrancesa. No anteprojeto leva-se esta bilateralização mais adiante, ao dispor no § 1º,que as formalidades de celebração do casamento obedecerão às leis do local de suarealização, em substituição à regra do § 1º do art. 7º da LICC, que dispõe que ocasamento realizado no Brasil tem suas formalidades de celebração regidas pela leibrasileira. A lex loci celebrationis se aplica em caráter universal, pois o Brasil semprereconheceu casamentos celebrados no exterior, desde que observadas as formalidadesdo local de sua realização, haja vista a regra do art. 204 do Código Civil de 1916, quedispunha que o ‘casamento celebrado fora do Brasil prova-se de acordo com a lei dopaís onde se celebrou’.

O reconhecimento da validade formal do casamento celebrado na conformidadeda lei do local em que se realizou está consagrado em várias convenções firmadas emdiferentes épocas e lugares. A Convenção da Haia de 1902 sobre casamentos (art. 5º), oCódigo Bustamente (art. 41), os Tratados de Direito Civil de Montevidéu de 1889 e de1939 (arts. 11 e 13, respectivamente, e a Convenção da Haia de 1978 sobre validade ereconhecimento de casamentos (art. 2º), todos fixam regra da validade universal decasamento realizado conforme a lei do local de sua celebração. François Rigaux (Droit

193

Page 194: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

International Privé, Bruxelas, F. Farcier, 1979, vol. II, p. 253, ensina que, na Bélgica, éimperativo respeitar a lex loci celebrationis em matéria de formalidades, seguindo,nisto, a doutrina francesa majoritária. Esta também tem sido a orientação da doutrinabrasileira, conforme Oscar Tenório (Direito Internacional Privado, 11ª ed., Rio deJaneiro, Freitas Bastos, 1976, vol. II, p. 66) e Haroldo Valladão Direito InternacionalPrivado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1977, vol. II, pp. 64 e 73. Daí o disposto no §1º do projeto.

O projeto não reproduz o § 2º do art. 7º da LICC, que determina a aplicação da leibrasileira para regular os impedimentos dirimentes quando o casamento se realiza noBrasil. A doutrina havia alertado que, como o caput do art. 7º da LICC vincula acapacidade da pessoa e os direitos da família à lei do seu domicílio, evidentemente queos impedimentos dirimentes dependerão desta lei devendo-se entender que o 1ºpretende somar a obediência à lei brasileira às regras sobre impedimentos da leidomiciliar de cada cônjuge. Tratava-se, evidentemente, de uma preocupação com arealização de um casamento no Brasil que fosse atentatório a algum impedimentodirimente de fundamental importância para a ordem pública brasileira, que devesse serrespeitado por cônjuges domiciliados no exterior, e que aqui contraíssem núpcias.Segundo o projeto, este risco está prevenido com a regra geral sobre a ordem pública,inserida em seu art. 20, daí desnecessário exigir que o casamento realizado no Brasilobedeça às regras de nossa legislação sobre os impedimentos dirimentes. Basicamente,os nubentes obedecerão às suas leis pessoais, conforme o caput do art. 8º, e qualqueratentado a uma regra fundamental de nosso direito de família será obstado peloprincípio da ordem pública.

O § 1º do art. 9º visa a corrigir uma anomalia existente no direito matrimonialbrasileiro: para todos os casamentos celebrados no Brasil exige-se a publicação deproclamas, e em caso de nubentes que residem em circunscrições diversas do RegistroCivil, em uma e em outra se publicarão os editais (Lei de Registros Públicos, art. 67, §4º); no entanto, os brasileiros que casam no exterior podem transladar o respectivoassento no cartório do 2º Ofício de seus domicílios (Lei de Registros Públicos, art. 32,§ 1º), sem nenhuma exigência quanto à publicação de proclamas. O anteprojeto exigeque os que contraem matrimônio no exterior cumpram as formalidades habilitantesreguladas no Código Civil. Segue-se, neste particular, a lição de Clovis Bevilaqua,Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, 3ª ed., Rio de Janeiro,Freitas Bastos. 1938, p. 291, orientação endossada por Oscar Tenório (ob. cit., p. 62. nº787). Idêntica regra é encontrada no Código Civil francês, art. 170. A jurisprudênciafrancesa chegou a qualificar certos casamentos de franceses celebrados no exterior

194

Page 195: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

sem prévia publicação de proclamas na França como casamentos clandestinos(Loussouarn e Bourel, Droit International Privé, Paris, Dalloz, 1978, p. 390 e PierreMayer, Droit International Privé, Paris, Montcheristien, 1977, p. 401). Dispõe oanteprojeto que estas formalidades, em não sendo cumpridas antes das núpcias,deverão sê-lo após as mesmas, haja vista o que se permite em matéria de casamentoreligioso com efeitos civis, que prevê a possibilidade de habilitação posterior (Lei nº1.110, de 23 de maio de 1950, art. 4º).

Este parágrafo amplia a possibilidade de trasladar o registro de casamentocelebrado no estrangeiro, no registro civil brasileiro, eis que a Lei de RegistrosPúblicos só trata de brasileiros enquanto que no anteprojeto as pessoas domiciliadasno Brasil também podem valer-se desta faculdade, pois se o direito matrimonial éregido pela lei domiciliar, não há razão para diferenciar brasileiros de estrangeirosdomiciliados, quanto ao traslado, no registro local, de casamentos celebrados noexterior, traslado esse que visa a facilitar a prova das núpcias celebradas em outropaís.

O § 2º do art. 9º dispõe que as pessoas domiciliadas no exterior, que se casarem noBrasil terão sua capacidade matrimonial regida por sua lei pessoal. Observe-se que,enquanto a celebração do matrimônio é regida pelas formalidades da lei do local emque se realiza – § 1º – já a capacidade matrimonial constitui matéria de estatutopessoal que, na conformidade com o art. 8º é regida pela lei domiciliar (ClovisBevilaqua, ob. cit., p. 283 e Oscar Tenório, ob. loc. cits., invocando o CódigoBustamante, art. 37).

Mantém-se, nos §§ 3º e 4º, a competência dos cônsules brasileiros para celebrarnúpcias entre brasileiros no exterior, bem como os demais atos de registro civil e detabelionato, constantes no art. 18 da LICC, acrescentando-se, tão-somente, aobrigação de atender as formalidades habilitantes do matrimônio, na forma prevista no§ 2º.

Com a abolição do direito civil brasileiro da figura masculina de chefe de família,não há mais como estender o domicílio do varão ao outro cônjuge, como disposto no §7º do art. 7º da LICC, e, considerando que, no mundo moderno, existem casais quemantêm domicílios diversos, introduziu-se para esta hipótese, no § 5º, a regra de que,aos efeitos pessoais do casamento, se aplica a ‘Lei que com os mesmos tiver vínculosmais estreitos’, regra de conexão instituída no direito dos contratos por diversasconvenções – e também inserida no art. 12 do presente projeto – cuja aplicação éperfeitamente cabível para os efeitos pessoais do casamento de cônjuges com

195

Page 196: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

domicílios diversos, conforme disposto no art. 4º da Lei de Direito InternacionalPrivado suíça de 1987 e no art. 14, (1) 3 da Introdução ao Código Civil da Alemanha,de acordo com a reforma de 1986.

Esse dispositivo dá, ao aplicador da lei, várias opções de fundamentação: 1. lei doprimeiro domicílio conjugal; 2. lei do último domicílio comum dos cônjuges; 3. lei doforo; 4. outra lei apropriada à hipótese. A opção terá sempre em vista aplicar o sistemajurídico que tenha vínculos mais estreitos com a específica questão de direitos pessoaisdos cônjuges a ser resolvida.

Com referência ao art. 10 do Projeto “o § 4º do art. 7º da LICC determina, para oregime de bens, a aplicação da lei do país em que tiverem os nubentes domicílio e, seeste for diverso, a lei do primeiro domicílio conjugal; critério idêntico ao do art. 187do Código Bustamante. Cá, segundo o projeto, mesmo no caso de nubentes com omesmo domicílio conjugal em outro país, deve-se aplicar a seu regime de bens a leidesse país, pois o estabelecimento de um domicílio conjugal representa manifestaçãoda vontade dos nubentes de se submeter à lei aí vigente. A preponderância da lei doprimeiro domicílio conjugal sobre o domicílio comum dos cônjuges à época docasamento consta do anteprojeto do Professor Haroldo Valladão (art. 36) e figura naConvenção da Haia de 1978 sobre a Lei aplicável ao Regimes Matrimoniais (art. 4º).

Faz-se uma ressalva, no projeto, de caráter unilateral, para os bens situados noBrasil, que venham a ser adquiridos após a transferência do domicílio conjugal para opaís. Em vários casos de estrangeiros casados no exterior pelo regime da separação debens e que vieram a se radicar no Brasil, o STF aplicou o art. 259 do Código Civilentão vigente, – comunhão de aquestos mesmo onde o regime não seja o da comunhãode bens –, tendo invocado a Súmula 377 – ‘No regime de separação legal de bens,comunicam-se os adquiridos na constância do casamento’. O projeto faz umaimportante distinção: enquanto os estrangeiros permanecem domiciliados no exterior einvestem no Brasil, aqui adquirindo bens, o regime legal estabelecido na conformidadeda lei de seu primeiro domicílio conjugal deve vigorar sobre estes bens, mas, a partirdo momento em que transferem seu domicílio conjugal para o Brasil, os bens quevierem a adquirir, comunicar-se-ão na conformidade da aludida jurisprudência.

Quanto ao regime convencional, estabelece o parágrafo único o respeito peloregime de bens fixado, por convenção dos nubentes, de acordo com a lei competente.Ressalva-se o direito dos que transferirem seu domicílio conjugal para o Brasil, deadotar qualquer dos regimes de bens admitidos no Brasil, na forma e de acordo com o §2º do art. 1.639 do Código Civil. Na LICC esta alteração só é facultada aos

196

Page 197: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

estrangeiros que se naturalizam (art. 7º, § 5º), enquanto que o projeto, no desiderato degeneralizar a aplicação do princípio domiciliar, como já observado acima, estende estafaculdade a todos os casais, a partir do momento em que fixam seu domicílio conjugalno Brasil.”

O art. 11 do projeto mantém a regra da lei do local dos bens (lex rei sitae) quefigura na LICC, art. 8º, substituindo ‘relações a eles concernentes’ a que alude estedispositivo, por ‘direitos reais a eles relativos’ porque as relações entre partes comreferência a bens podem reger-se pela regra de conexão estabelecida para asobrigações no art. 12 do projeto, conforme a clássica distinção entre questões in re ead rem. As regras de conexão para o regime de bens (art. 10) e para a herança (art. 14)não são afetadas pela regra relativa aos bens, previstas neste artigo, pois, conformeEspínola e Espínola (A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada naordem dos artigos, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1944, vol. 2º, p. 451): ‘quando osbens são considerados como elementos de uma universalidade, como partes integrantesde uma instituição, escapam, na generalidade dos sistemas legislativos, à competêncianormal da lex rei sitae’.

O projeto distingue entre bens imóveis e móveis, sendo estes regidos pela lei maispróxima, facilitando a decisão judicial. Não especifica regra própria para bens móveisem trânsito, como consta na LICC, seguindo a orientação da Lei italiana de 1942 (art.22) e do Tratado de Direito Civil de Montevidéu, de 1940 (art. 32), bem como a críticade Haroldo Valladão à LICC (ob. cit., vol. 2, 2 ed., p. 163).”

Relativamente ao art. 12 do projeto, “debateu-se no regime da LICC oscontratantes têm liberdade de escolher a lei aplicável para suas avenças, uma vez queo legislador não incluiu disposição expressa a respeito, como se vê em Irineu StrengerAutonomia da Vontade em Direito Internacional Privado, São Paulo, Revista dosTribunais, 1968, principalmente às pp. 193 ss. Haroldo Valladão interpretava o § 2º doart. 9º (‘A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em queresidir o proponente’) como indicadora de que a regra se baseia em uma presunção, daío termo reputa-se, do que deduzia que a presunção cessa se e quando as partes elegemlei aplicável ao contrato. Esta posição não conquistou unanimidade, mas pode-seafirmar que a tendência da moderna doutrina brasileira é no sentido de admitir aautonomia das partes contratantes para fixar a lei a ser aplicada.

No mundo contemporâneo, a liberdade das partes para fixar a lei aplicável estáconsagrada nas mais importantes convenções de direito internacional privado –Convenção de Roma sobre Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 1980 (art. 3º),

197

Page 198: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável à Compra e Venda de Mercadoria, de 1986(art. 7º), e Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável às ObrigaçõesContratuais, México, 1994 (art. 7º), esta assinada pelo Brasil. Mario Giuliano e PaulLagarde, falando sobre o art. 3º da Convenção de Roma, assinalam que a normaconsoante a qual o contrato é regido segundo a lei escolhida pelas partes constitui‘uma reafirmação da regra consagrada atualmente no direito internacional privado detodos os Estados membros da Comunidade, bem assim da maioria dos direitos dosoutros países’ (Journal Officiel des Communautés Européennes, 31.10.80, C 282, p. 15).Resolução do Institut de Droit International (Basiléia, 1991) acolheu a autonomia davontade das partes em contratos internacionais firmados entre pessoas privadas (RevueCritique de Droit International Privé, 1992, p. 198).

O projeto seguiu basicamente a ideia contida na Convenção do México de 1994,assinada pelo Brasil, cujo art. 7º dispõe: ‘O contrato rege-se pelo direito escolhidopelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso deinexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta daspartes e das cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderáreferir-se à totalidade do contrato, ou a uma parte do mesmo. A eleição de determinadoforo pelas partes não implica necessariamente a escolha do direito aplicável’.

Assim, dispõe o art. 12 do Projeto, no seu caput ‘As obrigações contratuais sãoregidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendoalterável a qualquer tempo, respeitando os direitos de terceiros’.

Também interessa reproduzir o art. 8º da mesma Convenção: ‘As partes poderão, aqualquer momento, acordar que o contrato seja total ou parcialmente submetido a umdireito distinto daquele pelo qual se regia anteriormente, tenha este sido ou nãoescolhido pelas partes. Não obstante, tal modificação não afetará a validade formal docontrato original nem os direitos de terceiros’.

Segue-se o mais importante em matéria de contratos internacionais – a leiaplicável na inexistência de escolha das partes. Novamente o projeto inspira-se naorientação das convenções internacionais já referidas, seguindo mais de perto aConvenção do México de 1994, mais clara e mais precisa que a Convenção de Roma.

O projeto formulou a regra contida no § 1º do seu art. 12, de forma mais concisado que a redação constante no art. 9º da Convenção do México, mas o preceito de que ocontrato se rege pela lei do país com o qual mantenha os vínculos mais estreitos refleteperfeitamente a regra mais detalhada da Convenção que se encontra assim redigida:‘Não tendo as partes escolhido o direito aplicável, ou se a escolha do mesmo resultar

198

Page 199: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

ineficaz, o contrato reger-se-á pelo direito do Estado com o qual mantenha os vínculosmais estreitos. O tribunal levará em consideração todos os elementos objetivos esubjetivos que se depreendam do contrato, para determinar o direito do Estado com oqual mantém os vínculos mais estreitos. Levar-se-á, também, em conta os princípiosgerais do direito comercial internacional aceitos por organismos internacionais. Nãoobstante, se uma parte do contrato for separável do restante do contrato e mantiverconexão mais estreita com outro Estado, poder-se-á aplicar a esta parte do contrato, atítulo excepcional, a lei desse outro Estado’.

Assim, o projeto integra-se no moderno direito internacional privadouniformizado, que, após muitos anos de incertezas, optou pela fórmula que mandaaplicar a lei do país com o qual o contrato mantém os vínculos mais estreitos.

As outras soluções, i.e., a lei do país onde a obrigação se constituiu (LICC, art. 9º)ou a lei do país onde o contrato deva ter cumprido (solução do DIP francês), não sãosatisfatórias em todos os casos. A solução ora proposta deixa o julgador livre paraescolher a lei com a qual o contrato esteja mais vinculado, quer entre as duas acimareferidas, quer qualquer outra.

Ainda seguindo a orientação das já referidas convenções, o § 2º do art. 11 doprojeto dispõe que, quando uma parte do contrato for separável do restante e mantiverconexão mais estreita com a lei de outro país, esta poderá ser aplicada em caráterexcepcional, conforme conhecida doutrina de direito internacional privado que admitea dépeçage: aplicação e vários sistemas jurídicos aos contratos “plurilocalisés” naexpressão de Batiffol e Lagarde (Droit International Privé, Paris, LGDJ, 1983, TomoII, nº 574, p. 274).

O § 3º versa a forma dos atos e dos contratos, determinando sua regência pela leido lugar de sua celebração, em obediência à secular regra locus regit actum. Tambémaqui, seguindo o princípio da lex voluntatis, admite-se a adoção pelas partes de outraforma aceita em direito.

A LICC prevê, no § 2º do art. 9º, que, ‘destinando-se a obrigação a ser executadano Brasil e dependendo da forma essencial, será essa observada, admitidas aspeculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato’. A partefinal do dispositivo aceita a regência da forma pela lei do local de celebração do ato,mas a primeira parte do preceito criou dúvidas e divergências, eis que jamais seconseguiu esclarecer exatamente a que ‘formas essenciais’ o legislador se refere.

Assim, se um imóvel situado no Brasil for vendido ou hipotecado no exterior por

199

Page 200: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

instrumento particular, há dúvida sobre se o documento poderá ser registrado, paravaler contra terceiros no País. Divide-se a doutrina a este respeito: ‘forma essencial’incluiria a obrigação legal de tais atos serem firmados por instrumento público(Amílcar de Castro, Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Forense, 1977, nº230, pp. 424-5), ou referir-se-ia à imprescindibilidade do registro, aceitando-se,todavia, que o documento a ser registrado se materializasse, no estrangeiro, pelasformas usuais no local onde firmado (Clovis Bevilaqua, ob. cit., p. 250).

O § 4º do art. 12 do projeto espanca a dúvida ao dispor que os contratosrealizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos, poderãoser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil deacordo com a legislação brasileira.

No art. 13, cuidou-se das obrigações por atos ilícitos tendo em visa que “aclássica regra lex loci delicti causou divergência doutrinária e jurisprudencial, emvirtude de possibilitar a aplicação, nas obrigações decorrentes de atos ilícitos, tantoda lei do local onde o ato foi cometido, quanto da lei do local onde se fizeram sentir osrespectivos danos. A dúvida manifestou-se principalmente em casos de difamaçãoatravés de meios de comunicação e de indenização por acidentes aeronáuticos.

Uma notícia veiculada em um órgão jornalístico publicado em determinado paíspoderá afetar a honra, a reputação financeira de pessoa domiciliada ou de companhiasediada em país distante, assim como um acidente aeronáutico em um país poderáoriginar-se de defeito de fabricação ocorrido em outro país. A Corte de Cassaçãofrancesa decidiu pela aplicação da lei do país onde o dano se verificou, enquanto que oBundesgerichtshof optou pela lei mais favorável à vítima (Journal de DroitInternational, 1984, respectivamente pp. 123 e 164). No Restatement of Conflict ofLaws Second, que norteia o direito conflitual norteamericano, encontra-se a conhecidaregra da ‘most significant relationship’ – o sistema jurídico mais significativamenterelacionado com o fato e as partes envolvidas. A regra 145 do citado Restatementrecomenda a consideração das circunstâncias abaixo, que devem ser avaliadasconforme sua importância em relação ao caso concreto: 1. o local onde o danoocorreu; 2. o local onde foi praticada a conduta danosa; 3. o domicílio, residência,nacionalidade, local da constituição e lugar dos negócios das partes, e 4. o local ondeestá centrada a relação entre as partes.

O projeto possibilita ao juiz brasileiro escolher entre a lei do país onde secometeu o ato danoso e a lei do país onde se materializou o prejuízo, norteando-separa tanto pelo princípio da vinculação mais estreita.

200

Page 201: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Em paralelismo com a regra do art. 10 sobre regime de bens – aplicação da lei doprimeiro domicílio conjugal – o art. 14 do projeto consagra a lei domiciliar do falecidopara reger a sucessão. Tal regra mantém o art. 10 da LICC.

Não convém exigir que um estrangeiro investidor no Brasil, domiciliado noexterior, deva submeter seu patrimônio local às leis brasileiras, que garantem alegítima, proibindo a deserdação. Isso redundaria em desestímulo para osinvestimentos de capitais, e tecnologia estrangeiros. O projeto considera que a normabrasileira sobre a legítima visa a proteger a família brasileira, nela incluídos osherdeiros estrangeiros aqui domiciliados, mas não se estende aos domiciliados noexterior.

A exemplo da LICC, o projeto reproduz o mandamento do art. 5º, inciso XXXI, daConstituição Federal, que beneficia a viúva ou herdeiros brasileiros. Embora opreceito constitucional só se refira à hipótese de bens de estrangeiro, o projeto estendeo benefício para a sucessão de brasileiro domiciliado no exterior. Assim evita-se oparadoxo de ser a sucessão de estrangeiro domiciliado no Exterior mais benéfica àviúva e aos filhos brasileiros, do que a sucessão de brasileiro domiciliado no exterior,que ali vem a falecer, deixando bens e herdeiros brasileiros.

O projeto inclui, no benefício constitucional, a proteção de viúva e filhosdomiciliados no Brasil, independentemente de sua nacionalidade, seguindo o espíritodo art. 3º do Código Civil de 1916, que, de acordo com o princípio da continuidade dasleis, mantém-se em vigor.”

O art. 15, ao tratar da aplicação do Direito Estrangeiro, leva em consideraçãoque ‘a doutrina pátria aceita pacificamente que as regras de conexão indicadoras deaplicação de leis estrangeiras constituem direito positivo brasileiro a que o julgadorestá adstrito’. Como diz Oscar Tenório (ob. cit., vol. I, p. 145): ‘o juiz tem o dever deaplicar o direito estrangeiro em virtude de determinação da lex fori. No sistema anglo-americano, o direito estrangeiro é considerado como fato e não como lei. Consoantejurisprudência majoritária da Corte de Cassação francesa, o juiz tem a opção deaplicar ou não a lei estrangeira, quando as partes não a invocam. Como afirmaValladão, diverso é o sistema brasileiro: ‘a lei estrangeira é lei, é direito e não fato,estando superada a antiga posição discriminatória, de sua inferioridade à lex fori, deque somente esta seria direito, seria lei. É o princípio da equiparação dos direitos, daigualdade entre o direito estrangeiro e o nacional...’ (ob. cit., vol. I, p. 465).

No sistema interamericano, seguindo o art. 408 do Código Bustamante, aConvenção sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, Montevidéu, 1979,

201

Page 202: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

em seu art. 1º, estabeleceu a obrigatoriedade da aplicação da norma estrangeiradeterminada pela regra de conexão do direito conflitual. O projeto estabelece a mesmanorma ao determinar a aplicação ex officio da lei estrangeira indicada pelas regras doDireito Internacional Privado.

A segunda parte do dispositivo consagra a orientação de que o direito estrangeirodeve ser aplicado, provado e interpretado como no país de origem, coincidindo com odisposto no Código Bustamante, arts. 409 a 411.

No parágrafo único, fica mantido o disposto no art. 14 da LICC e no art. 337 doCódigo de Processo Civil, que possibilita ao juiz obter colaboração das partes nacomprovação do texto, vigência e sentido da Lei estrangeira”.

Com relação, ainda, à aplicação do Direito Estrangeiro e estabelecendo,especificamente, a regra do reenvio, encontra-se o art. 16.

Até 1942, nossos tribunais aceitavam o reenvio que o direito internacional privadode outro país fizesse à nossa lei. Assim, quando o direito internacional privadobrasileiro mandasse aplicar lei de outro país e o direito internacional privado desseoutro país remetesse a aplicação às leis brasileiras, aceitava-se tal indicação.

A proibição do reenvio por parte do art. 16 da LICC não foi, em geral, bemrecebida pelos jusprivatistas brasileiros. Tanto a doutrina (Haroldo Valladão), como ajurisprudência (Luiz Galotti) manifestaram severa crítica ao legislador. A doutrinanacional advoga, inclusive, a aceitação do reenvio feito pela lei indicada por nossodireito internacional privado à lei de um terceiro país – reenvio de segundo grau.

A melhor ilustração do reenvio de segundo grau é dada pela hipótese de FerrerCorrea. Pessoa de nacionalidade portuguesa, domiciliada na Espanha, é julgada noBrasil. Segundo o direito internacional privado brasileiro, deve ela ser julgada pela leide seu domicílio – Espanha. O direito internacional privado espanhol indica aaplicação da lei da nacionalidade da pessoa – Portugal – com o que a lei conflitualportuguesa concorda. Dessa maneira, Portugal e Espanha querem aplicar a leiportuguesa, ao passo que o Brasil deseja a aplicação da lei espanhola. Não faz sentidoque a vontade da lei do país do domicílio e do país da nacionalidade da pessoa sejamrejeitadas pela vontade da lex fori (Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra,Universidade, 1963, pp. 577-8). Daí propugnar-se pela aceitação do reenvio, inclusivede segundo grau, como estabelecido no projeto.”

O art. 17 expressa que “a qualificação destinada à determinação da lei aplicávelserá feita de acordo com a lei brasileira”. Justifica-se para tanto que “o processo de

202

Page 203: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

indicação da lei aplicável realiza-se na conformidade das regras e princípios do direitointernacional privado brasileiro, daí submeter-se a qualificação dos elementosdefinidores da situação jurídica à nossa lei. Exceção somente foi aberta para os bens,art. 11, que são regidos e também qualificados pela lex rei sitae. Segue-se assim oCódigo Bustamante: regra geral sobre qualificação pela lex fori art. 6º e qualificaçãopela lex causae para os bens (arts. 110 e 112)”.

O art. 18 exprime a norma que se ocupa de coibir a fraude à lei. “Embora nãoconste na LICC dispositivo expresso sobre a fraude à lei, a antiga regra do § 6º do art.7º, ineficácia do divórcio de brasileiros obtido no exterior – representava a sanção dolegislador contra procedimento para fraudar a indissolubilidade matrimonial impostapela lei brasileira de então”.

A convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, de 1979, dispõe, no art. 6º: ‘Não se aplicará como direito estrangeiro o direitode um Estado Parte quando artificiosamente se tenham burlado os princípiosfundamentais da lei de outro Estado Parte’. O projeto segue tal orientação.

O reconhecimento de direitos adquiridos no exterior é uma das principaisconquistas do direito internacional privado e vem expresso no art. 19, “visando aevitar que situações já consolidadas na conformidade do direito estrangeiro aplicável,devam submeter-se ao direito do foro que, em sendo diferente, poderia negar validadee/ou eficácia ao que já foi corretamente adquirido alhures. Nisso, o projeto se afasta daorientação da já aludida Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado de 1979, cujo art. 7º reza o seguinte: ‘As situações jurídicasvalidamente constituídas em um Estado Parte, de acordo com todas as leis com asquais tenham conexão no momento de sua constituição, serão reconhecidas nos demaisEstados Partes...’. Exigir que a situação tenha sido validamente constituída de acordocom todas as leis com as quais tenha conexão no momento de sua constituição, nãose conforma com o direito internacional privado brasileiro, que segue a orientação deAntoine Pillet, no sentido de que um direito regularmente adquirido em um país, deacordo com as leis lá vigentes, produzirá seus efeitos em outra jurisdição (Principes deDroit International Privé, Paris, Pedone, 1903, pp. 496 e ss.).

Assim, também na homologação das sentenças estrangeiras, a decisão da corte deoutro país não precisa ter sido julgada em conformidade com o sistema jurídico queseria indicado pelas regras de conexão de nossa lei conflitual, pois cada jurisdiçãojulga consoante as regras de conexão de seu sobredireito. Isso representa respeitointernacional pelos direitos adquiridos. O projeto perfilha o consagrado no Código

203

Page 204: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Bustamante e em várias Convenções da Haia”.

O art. 20 do projeto impede que as leis, atos públicos e privados, bem como assentenças de outro país, tenham eficácia no Brasil, se forem contrários à ordem públicabrasileira, visto que “o mais importante princípio do direito internacional privado,tanto nas fontes internas, como nos diplomas internacionais, é a ordem pública: regrade controle que impede a aplicação de leis, atos e sentenças estrangeiras, se ferirem asensibilidade jurídica ou moral ou ainda os interesses econômicos do País. Qualquerlei que deva ser aplicada, qualquer sentença que deva ser homologada, qualquer atojurídico que deva ser reconhecido, deixarão de sê-lo se repugnarem os princípiosfundamentais do direito, da moral e da economia do foro.”

O art. 21 do projeto dispõe que as pessoas jurídicas sejam regidas pela lei do paísem que se tiverem constituído, devendo, para funcionar no Brasil, por meio dequaisquer estabelecimentos, obter a autorização que se fizer necessária, e sujeitarem-se à lei brasileira. Tais regras “mantêm a orientação da LICC, com redaçãosimplificada. Continua como lex societatis a lei do país em que a pessoa jurídica foicriada, ficando, todavia, os estabelecimentos por elas aqui constituídos subordinadosàs leis brasileiras, após a obtenção de autorização governamental para funcionarem noPaís.”

O art. 22 do projeto traz uma regra aperfeiçoada sobre a aquisição de imóveis porpessoas jurídicas de direito público estrangeiras ou internacionais, levando em contaque “a atual redação do § 3º do art. 11 da LICC tem sido justificadamente criticada porsua insatisfatória redação, pois, além de tecnicamente inadequada, por referir-se àsede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares e não à das própriasembaixadas e consulados, emprega um termo – sede – cujo significado não é preciso etem sofrido variação ao longo do tempo”.

Na terminologia tradicional do nosso Ministério das Relações Exteriores, a sedede uma embaixada era a residência do embaixador, e não a chancelaria. Isto derivavade que a Missão era corporificada na pessoa de seu chefe, sendo os demais membrosrelegados a segundo plano. Em consequência, a sede da missão era a residência dotitular, onde os locais de trabalho, pelo pequeno volume dos serviços, poderiam estarsituados. Hoje, a orientação acolhida pela Convenção de Viena sobre RelaçõesDiplomáticas, de 1961, é no sentido de considerar o embaixador apenas como chefe damissão. A chancelaria – escritórios da missão – adquiriu individualidade própria,graças ao crescimento do pessoal e dos serviços, destacando-se da residência doembaixador e passando a ser considerada como sede da missão. Evolução parecida

204

Page 205: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

sofreram os serviços consulares.

A questão ganhou maior complexidade após a transferência da capital paraBrasília, porque o Governo brasileiro efetuou doações aos governos estrangeiros, deterrenos para construção das missões diplomáticas.

Além disso, dada a escassez de imóveis residenciais para aluguel no DistritoFederal, durante vários anos uma lei, sucessivamente prorrogada, admitiu expressaexceção temporária ao § 3º do art. 11 da LICC, permitindo a aquisição pelos governosestrangeiros, também, de prédios residenciais destinados aos funcionários dasembaixadas. Com base nisso, vários governos compraram imóveis para esse fim,havendo casos de aquisição de residências para o embaixador. Outros paísesadquiriram prédios para chancelaria ou para residência oficial e, posteriormente,também pretenderam beneficiar-se de novas doações, conservando a propriedade doprimeiro imóvel.

Esse quadro ensejou situações muito diferenciadas em que alguns países, queinstalaram suas representações mais recentemente, sentiram-se discriminados emrelação aos que o fizeram mais cedo, beneficiando-se de uma legislaçãotransitoriamente mais liberal. Por outro lado, o Governo brasileiro é proprietário, emmuitos países cuja legislação a respeito não é tão restritiva, de imóveis separados parachancelaria e residência e, em alguns casos, até de casas para funcionários, sem quepossa adotar, na matéria, face à rigidez do nosso texto legal, uma política dereciprocidade.

A LICC (art. 11, § 3º) só permite a aquisição de imóveis necessários às sedes. Nãoparece prudente uma completa mudança, pois há países que mantêm atitude restritiva,não interessando ao Estado brasileiro possibilitar a aquisição indiscriminada de bensimóveis por governos estrangeiros em nosso território. Mas, tampouco, há motivojustificável para limitar a aquisição somente ao prédio da chancelaria. A melhorsolução é admitir a aquisição dos locais necessários tanto para os escritórios dasembaixadas e consulados, como para as residências oficiais de seus chefes efuncionários, estabelecendo-se as devidas cautelas fixadas no projeto.

Sugere-se a inclusão de parágrafo relativo à aquisição de propriedade imóvelpelas organizações internacionais intergovernamentais que tenham sede no Brasil ouque nele mantenham representações. A instalação de tais entidades, as condições deseu funcionamento e os privilégios e imunidades de que gozam as mesmas e o seupessoal, são sempre objeto, em cada caso, de acordo concluído entre o Governobrasileiro e o organismo de que se trate, aprovado pelo Congresso Nacional – acordo

205

Page 206: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

de sede. Tais acordos costumam conter disposições sobre aquisição de imóvel. Essedispositivo destinar-se-ia apenas a tornar clara a possibilidades legal de tal aquisição,extensiva às residências funcionais, mas também cercada de cautelas.”

No art. 23, o projeto veio permitir a escolha, pelas partes, de foro de suapreferência para julgar as controvérsias decorrentes do negócio jurídico, o que adéquanossa lei às práticas correntes no comércio internacional e reitera posição consagradana jurisprudência.

No art. 24, o projeto mantém, em sua essência, art. 13 do Decreto-Lei nº 4.657/42.O Código Bustamante adota o mesmo critério da locus regit actum, no art. 399: “Paradecidir os meios de prova que se podem utilizar em cada caso, é competente a lei dolugar em que se realiza o ato ou fato que se trata de provar, excetuando-se os nãoautorizados pela lei do lugar em que corra a ação.” Todavia, os tribunais brasileirosnão admitirão provas que a lei brasileira desconheça, isto é, que sejam atentatórios ànossa ordem pública.

Adota-se o entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudência do país, nosentido de que, se a prova é colhida no Brasil, deve-se atender a lei brasileira,admitindo-se, entretanto, que a autoridade do país onde se desenrola o processoformule pedidos quanto a formalidades adicionais a serem observadas, mas,novamente, desde que compatíveis com a ordem pública nacional”.

No art. 25, ao cuidar da homologação de sentença estrangeira, o projeto segue aorientação da LICC. Assim, os atos com força de sentença judicial – v.g. divórciosprolatados por autoridades administrativas equiparam-se á sentença estrangeira. Noinciso I esclarece-se que a competência jurisdicional da autoridade estrangeira serefere, tão somente, à competência internacional. O inciso II, diferentemente da LICC,não deixa dúvida quanto à necessidade de citação. Consoante o inciso III, a sentençajudicial há de ter passado em julgado. Mantém-se, no inciso IV, o requisito de que asentença estrangeira esteja revestida das formalidades necessárias para execução nopaís de origem, pois, obviamente, não se poderia homologar, para dar-lheexecutoriedade, uma sentença não exequível no foro original. O inciso V conserva aexigência da tradução, enquanto o inciso VI requer a autenticação consular.”

O art. 26 do projeto “admite que o Judiciário brasileiro conceda medidascautelares para garantir a eficácia de medidas judiciais ainda em fase deprocessamento no exterior, visando, assim, a evitar que o devedor venha a fraudar seuscredores”. Tal dispositivo introduz solução altamente prática, pois o juiz brasileiropassa a ser competente para a concessão de cautelares, quando necessárias para

206

Page 207: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

garantir a efetividade da sentença estrangeira que será, ou já foi, homologada peloSupremo Tribunal Federal. Justifica-se esta regra de competência interna em função doart. 800 do CPC, que determina que as medidas cautelares serão requeridas ao juiz dacausa, e quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.Assim, como no art. 109, X da Constituição Federal, estabelece que compete aos juízesfederais processar e julgar a execução de sentenças estrangeiras após a homologação,será a justiça federal a autoridade competente para conceder a tutela de urgêncianesses casos”.

Os artigos 27 e 28 tratam da cooperação jurídica internacional e das cartasrogatórias. A forma tradicional de efetivação dessa cooperação é pela via das cartasrogatórias na esfera penal e cível, que exigem o exequatur do STF, nos termos do art.102, I, h da Constituição da República, sendo executadas pelos juízes federais,conforme o art. 109, X da Carta, e o art. 28 deste projeto.

Modernamente, foram criadas novas formas de cooperação, dentre elas os acordosbilaterais nas esferas civil e criminal. Tais acordos visam a suprir deficiências nosoutros meios de cooperação, já que a carta rogatória tradicional, como regra, sedestina à solicitação de atos sem conteúdo executório. Assim, utiliza-se esse novoinstrumento para: repatriar bens ou valores produtos de crimes; transferir pessoas sobcustódia, com o fim de prestar depoimento; executar pedidos de busca e apreensão,arresto, restituição e cobrança de multas. O Brasil já firmou tais acordos comColômbia, EUA, França, Itália, Peru e Portugal, convenções essas de excepcionalimportância, uma vez que permitirão o repatriamento de dinheiro fruto de atividadecriminosa.

Essa forma de cooperação dispensa o exequatur do STF, eis que se estabeleceentre os Executivos dos dois países, mediante a intervenção da autoridade central decada um dos países acordados. A autoridade central brasileira, designada pelo acordode cooperação, atenderá pedidos dos países com os quais o Brasil firmou este tipo deacordo, obedecida a lei brasileira.

Em não havendo acordo bilateral, o país estrangeiro interessado em algumainformação, deverá processar a requisição via carta rogatória, no que o projeto segueo disposto na Constituição, art. 181.”

O projeto de lei cuja justificação acaba de ser reproduzida recebeu parecerfavorável do Relator designado no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça daCâmara dos Deputados. Entendeu-se, entretanto, que a matéria deveria aguardar atramitação do Projeto de Código Civil, então em curso, antes de deliberar-se, em

207

Page 208: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

definitivo, sobre a atualização da Lei de Introdução.

Quase uma década se passou antes que o novo estatuto civil pudesse vir a sersancionado, ficando assim prejudicada a apreciação da, hoje indispensável e inadiável,atualização do estatuto denominado de “lei da aplicação das normas jurídicas.”

Com a vigência do novo estatuto civil, justifica-se a reapresentação da matéria, comas devidas adaptações e atualizações, de sorte a que este importante tema do ordenamentojurídico pátrio volte a ser debatido no Congresso Nacional.

Sala das Sessões,

Senador PEDRO SIMON

208

Page 209: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

CONVENÇÃO DE DIREITOINTERNACIONAL PRIVADO (1928)

Código Bustamante

* Foi mantida a grafia original.

Os Presidentes das Republicas do Perú, Uruguay, Panamá, Equador, Mexico,Salvador, Guatemala, Nicaragua, Bolivia, Venezuela, Colombia, Honduras, Costa Rica,Chile, Brasil, Argentina, Paraguay, Haiti, Republica Dominicana, Estados Unidos daAmerica e Cuba,

Desejando que os respectivos Paizes se representassem na Sexta ConferenciaInternacional Americana,

A ella enviaram, devidamente autorizados, para approvar as recomendações,resoluções, convenções e tratados que julgassem uteis aos interesses da America, osseguintes senhores delegados:

Perú:

Jesús Melquiades Salazar, Victor Maúrtua, Enrique Castro Oyanguren, Luis ErnestoDenegri.

Uruguay:

Jacobo Varela Acevedo, Juan José Amézaga, Leenel Aguirre, Pedro Erasmo Callorda.

Panamá:

Ricardo J. Alfaro, Eduardo Chiari.

Equador:

Gonzalo Zaldumbique, Victor Zevalos, Colón Eloy Alfaro.

Mexico:

Julio Garcia, Fernando González Roa, Salvador Urbina, Aquiles Elorduy.

209

Page 210: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Salvador:

Gustavo Guerrero, Héctor David Castro, Eduardo Alvarez.

Guatemala:

Carlos Salazar, Bernardo Alvarado Tello, Luis Beltranema, José Azurdia.

Nicaragua:

Carlos Cuadra Pazos, Joaquín Gómez, Máximo H. Zepeda.

Bolivia:

José Antezana, Adolfo Costa Du Rels.

Venezuela:

Santiago Key Ayala, Francisco Geraldo Yanes, Rafael Angel Arraiz.

Colombia:

Enrique Olaya Herrera, Jesús M. Yepes, Roberto Urdaneta Arbeláez, Ricardo GutiéirrezLee.

Honduras:

Fausto Dávila, Mariano Vásquez.

Costa Rica:

Ricardo Castro Beeche, J. Rafael Oreamuno, Arturo Tinoco.

Chile:

Alejandro Lira, Alejandro Alvarez, Carlos Silva Vidósola, Manuel Bianchi.

Brasil:

Raul Fernandes, Lindolfo Collor, Alarico da Silveira, Sampaio Corrêa, EduardoEspinola.

Argentina:

Honorio Pueyrredón, Laurentino Olascoaga, Felipe A. Espil.

Paraguay:

Lisandro Diaz León.

210

Page 211: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Haiti:

Fernando Dennis, Charles Riboul.

Republica Dominicana:

Francisco J. Peynado, Gustavo A Diaz, Elias Brache, Angel Morales, Tulio M. Cesteros,Ricardo Pérez Alfonseca, Jacinto R. de Castro, Federico C. Alvarez.

Estados Unidos da America:

Charles Evans Hughes, Noble Brandon Judah, Henry P. Flecther, Oscar W. Underwood,Morgan J. O’Brien, Dwight W. Morrow, James Brown Scott, Ray Lyman Wilbur, Leo S.Rowe.

Cuba:

Antonio S. de Bustamante, Orestes Ferrara, Enrique Hernández Cartaya, José ManuelCortina, Aristides Agüero, José B. Alemán, Manuel Márquez Sterling, Fernando Ortiz,Néstor Carbonell, Jesús Maria Barraqué.

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, achados emboa e devida forma, convieram no seguinte:

Art. 1º As Republicas contractantes acceitam e põem em vigor o Codigo de DireitoInternacional Privado, annexo á presente convenção.

Art. 2º As disposições desse Codigo não serão applicaveis senão ás Republicascontractantes e aos demais Estados que a elle adherirem, na forma que mais adiante seconsigna.

Art. 3º Cada uma das Republicas contractantes, ao ratificar a presente convenção,poderá declarar que faz reserva quanto á acceitação de um ou varios artigos do Codigoannexo e que não a obrigarão as disposições a que a reserva se referir.

Art. 4º O Codigo entrará em vigor, para as Republicas que o ratifiquem, trinta diasdepois do deposito da respectiva ratificação e desde que tenha sido ratificado, pelomenos, por dois paizes.

Art. 5º As ratificações serão depositadas na Secretaria da União Panamericana, quetransmittirá cópia dellas a cada uma das Republicas contractantes.

Art. 6º Os Estados ou pessoas juridicas internacionaes não contractantes, quedesejam adherir a esta convenção e, no todo ou em parte, ao Codigo annexo, notificarãoisso á Secretaria da União Panamericana, que, por sua vez, o communicará a todos os

211

Page 212: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Estados até então contractantes ou adherentes. Passados seis mezes desde essacommunicação, o Estado ou pessoa juridica internacional interessado poderá depositar,na Secretaria da União Panamericana, o instrumento de adhesão e ficará ligado por estaconvenção com caracter reciproco, trinta dias depois da adhesão, em relação a todos osregidos pela mesma e que não tiverem feito reserva alguma total ou parcial quanto áadhesão solicitada.

Art. 7º Qualquer Republica americana ligada a esta convenção e que desejarmodificar, no todo ou em parte, o Codigo annexo, apresentará a proposta correspondente áConferencia Internacional Americana seguinte, para a resolução que fôr procedente.

Art. 8º Se alguma das pessoas juridicas internacionaes contractantes ou adherentesquizer denunciar a presente Convenção, notificará a denuncia, por escripto, á UniãoPanamericana, a qual transmittirá immediatamente ás demais uma cópia literal authenticada notificação, dando-lhes a conhecer a data em que a tiver recebido.

A denuncia não produzirá effeito senão no que respeita ao contractante que a tivernotificado e depois de um anno de recebida na Secretaria da União Panamericana.

Art. 9º A Secretaria da União Panamericana manterá um registro das datas dedeposito das ratificações e recebimento de adhesões e denuncias, e expedirá cópiasauthenticadas do dito registro a todo contractante que o solicitar.

Em fé do que, os plenipotenciarios assignam a presente convenção e põem nella osello da Sexta Conferencia Internacional Americana.

Dado na cidade de Havana, no dia vinte de Fevereiro de mil novecentos e vinte eoito, em quatro exemplares, escriptos respectivamente em espanhol, francez, inglez eportuguez e que se depositarão na Secretaria da União Panamericana, com o fim de seremenviadas cópias authenticadas de todos a cada uma das Republicas signatarias.

CODIGO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Titulo Preliminar

Regras geraes

Art. 1º Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contractantes gozam,no territorio dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedam aos nacionaes.

Cada Estado contractante pode, por motivo de ordem publica, recusar ou sujeitar acondições especiaes o exercicio de determinados direitos civis aos naciones dos outros, e

212

Page 213: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

qualquer desses Estados pode, em casos identicos, recusar ou sujeitar a condiçõesespeciais o mesmo exercicio aos nacionaes do primeiro.

Art. 2º Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contractantes gozarãotambem, no territorio dos demais de garantias individuaes identicas ás dos nacionaes,salvo as restricções que em cada um estabeleçam a Constituição e as leis.

As garantias individuaes identicas não se estendem ao desempenho de funcçõespublicas, ao direito de suffragio e a outros direitos politicos, salvo disposição especialda legislação interna.

Art. 3º Para o exercicio dos direitos civis e para o gozo das garantias individuaesidenticas, as leis e regras vigentes em cada Estado contractante consideram-se divididasnas tres categoria seguintes:

I. As que se applicam á pessoas em virtude do seu domicilio ou da sua nacionalidadee as seguem, ainda que se mudem para outro paiz, – denominadas pessoas ou de ordempublica interna;

II. As que obrigam por igual a todos os que residem no territorio, sejam ou nãonacionaes, – denominadas territoriaes, locaes ou de ordem publica internacional;

III. As que se applicam somente mediante a expressão, a interpretação ou apresumpção da vontade das partes ou de alguma dellas, – denominadas voluntarias,suppletorias ou de ordem privada.

Art. 4º Os preceitos constitucionaes são de ordem publica internacional.

Art. 5º Todas as regras de protecção individual e collectiva, estabelecida pelodireito politico e pelo administrativo, são tambem de ordem publica internacional, salvoo caso de que nellas expressamente se disponha o contrario.

Art. 6º Em todos os casos não previstos por este Codigo, cada um dos Estadoscontractantes applicará a sua propria definição ás instituições ou relações juridicas quetiverem de corresponder aos grupos de leis mencionadas no art. 3º.

Art. 7º Cada Estado contractante applicará como leis pessoaes as do domicilio, asda nacionalidade ou as que tenha adoptado ou adopte no futuro a sua legislação interna.

Art. 8º Os direitos adquiridos segundo as regras deste Codigo têm plena efficaciaextraterritorial nos Estados contractantes, salvo se se oppuzer a algum dos seus effeitos ouconsequencias uma regra de ordem publica internacional.

LIVRO PRIMEIRO

213

Page 214: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Direito Civil Internacional

TITULO PRIMEIRO

DAS PESSOAS

Capitulo I

DA NACIONALIDADE E NATURALIZAÇÃO

Art. 9º Cada Estado contractante applicará o seu direito proprio á determinação danacionalidade de origem de toda pessoa individual ou juridica e á sua acquisição, perdeou recuperação posterior, realizadas dentro ou fora do seu territorio, quando uma dasnacionalidades sujeitas á controversia seja a do dito Estado. Os demais casos serãoregidos pelas disposições que se acham estabelecidas nos restantes artigos deste capitulo.

Art. 10. Ás questões sobre nacionalidade de origem em que não esteja interessado oEstado em que ellas se debatem, apllicar-se-á a lei daquella das nacionalidadesdiscutidas em que tiver domicílio a pessoade que se trate.

Art. 11. Na falta desse domicilio, applicar-se-ão ao caso previsto no artigo anterioros principios acceitos pela lei do julgador.

Art. 12. As questões sobre acquisição individual de uma nova nacionalidade serãoresolvidas de accôrdo com a lei da nacionalidade que se suppuzer adquirida.

Art. 13. Ás naturalizações collectivas, no caso de independencia de um Estado,applicar-se-á a lei do Estado novo, se tiver sido reconhecido pelo Estado julgador, e, nasua falta, a do antigo, tudo sem prejuizo das estipulações contractuaes entre os doisEstados interessados, as quaes terão sempre preferencia.

Art. 14. Á perda de nacionalidade deve applicar-se a lei da nacionalidade perdida.

Art. 15. A recuperação da nacionalidade submette-se á lei da nacionalidade que sereadquire.

Art. 16. A nacionalidade de origem das corporações e das fundações serádeterminada pela lei do Estado que as autorize ou as approve.

Art. 17. A nacionalidade de origem das associações será a do paiz em que seconstituam, e nelle devem ser registradas ou inscriptas, se a legislação local exigir esserequisito.

Art. 18. As sociedades civis, mercantis ou industriaes, que não sejam anonymas,terão a nacionalidade estipulada na escriptura social e, em sua falta, a do lugar onde tenha

214

Page 215: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

séde habitualmente a sua gerencia ou direcção principal.

Art. 19. A nacionalidade das sociedades anonymas será determinada pelo contractosocial e, eventualmente, pela lei do lugar em que normalmente se reuna a junta geral deaccionistas ou, em sua falta, pela do lugar onde funccione o seu principal Conselhoadministrativo ou Junta directiva.

Art. 20. A mudança de nacionalidade das corporações, fundações, associações esociedades, salvo casos de variação da soberania territorial, terá que se sujeitar áscondições exigidas pela sua lei antiga e pela nova.

Se se mudar a soberania territorial, no caso de independencia, applicar-se-á a regraestabelecida no art. 13 para as naturalizações collectivas.

Art. 21. As disposições do art. 9º, no que se referem a pessoas juridicas, e as dosarts. 16 a 20 não serão applicadas nos Estados contractantes, que não attribuamnacionalidade as ditas pesssoas juridicas.

Capitulo II

DO DOMICILIO

Art. 22. O conceito, acquisição, perda e reacquisição do domicilio geral e especialdas pessoas naturaes ou juridicas reger-se-ão pela lei territorial.

Art. 23. O domicilio dos funccionarios diplomaticos e o dos individuos que residamtemporariamente no estrangeiro, por emprego ou commissão de seu governo ou paraestudos scientifico ou artisticos, será o ultimo que hajam tido em territorio nacional.

Art. 24. O domicilio legal do chefe da familia estende-se á mulher e aos filhos, nãoemancipados, e o do tutor ou curador, aos menores ou incapazes sob a sua guarda, se nãose achar disposto o contrario na legislação pessoal daquelles a quem se attribue odomicilio de outrem.

Art. 25. As questões sobre a mudança de domicilio das pessoas naturaes oujuridicas serão resolvidas de accôrdo com a lei do tribunal, se este fôr de uma dosEstados interessados e, se não, pela do lugar em que se pretenda te adquirido o ultimodomicilio.

Art. 26. Para as pessoas que não tenham domicilio, entender-se-á como tal o lugarde sua residencia, ou aquelle em que se encontrem.

Capitulo III

215

Page 216: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

NASCIMENTO, EXTINCÇÃO E CONSEQUENCIAS DAPERSONALIDADE CIVIL

Secção I

Das Pessoas Individuaes

Art. 27. A capacidade das pessoas individuaes rege-se pela sua lei pessoal, salvo asrestricções fixadas para seu exercicio, por este Codigo ou pelo direito local.

Art. 28. Applicar-se-á a lei pessoal para decidir se o nascimento determina apersonalidade e se o nascituro se tem por nascido, para tudo o que lhe seja favoravel,assim como para a viabilidade e os effeitos da prioridade do nascimento, no caso departos duplos ou multiplos.

Art. 29. As presumpções de sobrevivencia ou de morte simultanea, na falta deprova, serão reguladas pela lei pessoal de cada um dos fallecidos em relação á suarespectiva successão.

Art. 30. Cada Estado applica a sua propria legislação, para declarar extincta apersonalidade civil pela morte natural das pessoas individuaes e o desapparecimento oudissolução official das pessoas juridicas, assim como para decidir de a menoridade, ademencia ou imbecilidade, a surdo-mudez, a prodigalidade e a interdição civil sãounicamente restricções da personalidade, que permittem direitos e tambem certasobrigações.

Secção II

Das Pessoas Juridicas

Art. 31. Cada Estado contractante, no seu caracter de pessoa juridica, temcapacidade para adquirir e exercer direitos civis e contrahir obrigações da mesmanatureza no territorio dos demais, sem outras restricções, senão as estabelecidasexpressamente pelo direito local.

Art. 32. O conceito e reconhecimento das pessoas juridicas serão regidos pela leiterritorial.

Art. 33. Salvo as restricções estabelecidas nos dois artigos precedentes, acapacidade civil das corporações é regida pela lei que as tiver criado ou reconhecido; adas fundações, pelas regras da sua instituição, approvadas pela autoridadecorrespondente, se o exigir o seu direito nacional; e a das associações, pelos seusestatutos, em iguaes condições.

216

Page 217: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 34. Com as mesmas restricções, a capacidade civil das sociedades civis,commerciaes ou industriaes é regida pelas disposições relativas ao contracto desociedade.

Art. 35. A lei local applicar-se-á aos bens das pessoas juridicas que deixem deexistir, a menos que o caso esteja previsto de outro modo, nos seus estatutos, nas suasclausulas basicas ou no direito em vigor referente ás sociedades.

Capitulo IV

DO MATRIMONIO E DO DIVORCIO

Secção I

Condições Juridicas que Deve Precedera Celebração do Matrimonio

Art. 36. Os nubentes estarão sujeitos á sua lei pessoal, em tudo quanto se refira ácapacidade para celebrar o matrimonio, ao consentimento ou conselhos paternos, aosimpedimentos e á sua dispensa.

Art. 37. Os estrangeiros devem provar, antes de casar, que preencheram ascondições exigidas pelas suas leis pessoaes, no que se refere ao artigo precedente. Podemfazê-lo mediante certidão dos respectivos funccionarios diplomaticos ou agentesconsulares ou por outros meios julgados sufficientes pela autoridade local, que terá emtodo caso completa liberdade de apreciação.

Art. 38. A legislação local é applicavel aos estrangeiros, quanto aos impedimentosque, por sua parte, estabelecer e que não sejam dispensaveis, á forma do consentimento,á, força obrigatoria ou não dos esponsaes, á opposição ao matrimonio ou obrigação dedenunciar os impedimentos e ás consequencias civis da denuncia falsa, á forma dasdiligencias preliminares e á autoridade competente para celebrá-lo.

Art. 39. Rege-se pela lei pessoal commum das partes e, na sua falta, pelo direitolocal, a obrigação, ou não, de indemnização em consequencia de promessa de casamentonão executada ou de publicação de proclamas, em igual caso.

Art. 40. Os Estados contractantes não são obrigados a reconhecer o casamentocelebrado em qualquer delles, pelos seus nacionaes ou por estrangeiros, que infrinjam assuas disposições relativas á necessidade da dissolução dum casamento anterior, aos grausde consanguinidade ou affinidade em relação aos quaes exista estorvo absoluto, áprohibição de se casar estabelecida em relação aos culpados de adulterio que tenha sido

217

Page 218: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

motivo de dissolução do casamento de um delles e á propria prohibição, referente aoresponsavel de attentado contra a vida de um dos conjuges, para se casar com osobrevivente, ou a qualquer outra causa de nullidade que se não possa remediar.

Secção II

Da Forma do Matrimonio

Art. 41. Ter-se-á em toda parte como valido, quanto á forma, o matrimoniocelebrado na que estabeleçam como efficaz as leis do paiz em que se effectue. Comtudo,os Estados, cuja legislação exigir uma ceremonia religiosa, poderão negar validade aosmatrimonios contrahidos por seus nacionaes no estrangeiro sem a observancia dessaformalidade.

Art. 42. Nos paizes em que as leis o permittam, os casamentos contrahidos ante osfunccionarios diplomaticos ou consulares dos dois contrahentes ajustar-se-ão á sua leipessoal, sem prejuizo de que lhes sejam applicaveis as disposições do art. 40.

Secção III

Dos Effeitos do Matrimonio quanto ás Pessoas dos Conjuges

Art. 43. Applicar-se-á o direito pessoal de ambos os conjuges, e, se fôr diverso, odo marido, no que toque aos deveres respectivos de protecção e de obediencia, áobrigação ou não da mulher de seguir o marido quando mudar de residencia, á disposiçãoe administração dos bens communs e aos demais effeitos especiaes do matrimonio.

Art. 44. A lei pessoal da mulher regerá a disposição e administração de seus bensproprios e seu comparecimento em juízo.

Art. 45. Fica sujeita ao direito territorial a obrigação dos conjuges de viver juntos,guardar fidelidade e soccorrer-se mutuamente.

Art. 46. Tambem se applica imperativamente o direito local que prive de effeitoscivis o matrimonio do bigamo.

Secção IV

Da Nullidade do Matrimonio e seus Effeitos

Art. 47. A nullidade do matrimonio deve regular-se pela mesma lei a que estiversubmettida a condição intrinseca ou extrinseca que a tiver motivado.

Art. 48. A coacção, o medo e o rapto, como causas de nullidade do matrimonio, são

218

Page 219: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

regulados pela lei do lugar da celebração.

Art. 49. Applicar-se-á a lei pessoal de ambos os conjuges, se, fôr commum; na suafalta, a do conjuge que tiver procedido de boa fé, e, na falta de ambas, a do varão, ásregras sobre o cuidado dos filhos de matrimonios nullos, nos casos em que os paes nãopossam ou não queiram estipular nada sobre o assumpto.

Art. 50. Essa mesma lei pessoal deve applicar-se aos demais effeitos civis domatrimonio nullo, excepto os que se referem aos bens dos conjuges, que seguirão a lei doregimen economico matrimonial.

Art. 51. São de ordem publica internacional as regras que estabelecem os effeitosjudiciaes do pedido de nullidade.

Secção V

Da separação de corpos e do divorcio

Art. 52. O direito á separação de corpos e ao divorcio regula-se pela lei dodomicilio conjugal, mas não se pode fundar em causas anteriores á acquisição do ditodomicilio, se as não autorizar, com iguaes effeitos, a lei pessoal de ambos os conjuges.

Art. 53. Cada Estado contractante tem o direito do permitir ou reconhecer, ou não, odivorcio ou o novo casamento de pessoas divorciadas no estrangeiro, em casos, comeffeitos ou por causas que não admitta o seu direito pessoal.

Art. 54. As causas do divorcio e da separação de corpos submeter-se-ão á lei dolugar em que forem solicitados, desde que nelle estejam domiciliados os conjuges.

Art. 55. A lei do juiz perante quem se litiga determina as consequencias judiciaes dademanda e as disposições da sentença a respeito dos conjuges e dos filhos.

Art. 56. A separação de corpos e o divorcio, obtidos conforme os artigos queprecedem, produzem effeitos civis, de accôrdo com a legislação do tribunal que osoutorga, nos demais Estados contractantes, salvo o disposto no art. 53.

Capitulo V

DA PATERNIDADE E FILlAÇÃO

Art. 57. São regras de ordem publica interna, devendo applicar-se a lei pessoal dofilho, se fôr distincta da do pae, as referentes á presumpção de legitimidade e suascondições, as que conferem o direito ao appellido e as que determinam as provas defiliação e regulam a successão do filho.

219

Page 220: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 58. Têm o mesmo caracter, mas se lhes applica a lei pessoal do pae, as regrasque outorguem aos filhos legitimados direitos de successão.

Art. 59. É de ordem publica internacional a regra que da ao filho o direito aalimentos.

Art. 60. A capacidade para legitimar rege-se pela lei pessoal do pae e a capacidadepara ser legitimado pela lei pessoal do filho, requerendo a legitimação a concorrencia dascondições exigidas em ambas.

Art. 61. A prohibição de legitimar filhos não simplesmente naturaes é de ordempublica internacional.

Art. 62. As consequencias da legitimação e a acção para a impugnar submettem-se álei pessoal do filho.

Art. 63. A investigação da paternidade e da maternidade e a sua prohibição regulam-se pelo direito territorial.

Art. 64. Dependem da lei pessoal do filho as regras que indicam as condições doreconhecimento, obrigam a fazê-lo em certos casos, estabelecem as acções para esseeffeito, concedem ou negam o nome e indicam as causas de nullidade.

Art. 65. Subordinam-se a lei pessoal do pae os direitos de successão dos filhosillegitimos e á pessoal do filho os dos paes illegitimos.

Art. 66. A forma e circumstancias do reconhecimento dos filhos illegitimossubordinam-se, ao direito territorial.

Capitulo VI

DOS ALIMENTOS ENTRE PARENTES

Art. 67. Sujeitar-se-ão á lei pessoal do alimento o conceito legal dos alimentos, aordem da sua prestação, a maneira de os subministrar e a extensão e a extensão dessedireito.

Art. 68. São de ordem publica internacional as disposições que estabelecem o deverde prestar alimentos, seu montante, reducção e augmento, a opportunidade em que sãodevidos e a forma do seu pagamento, assim como as que prohibem renunciar e ceder essedireito.

Capitulo VII

DO PATRIO PODER

220

Page 221: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 69. Estão submetidas á lei pessoal do filho a existencia e o alcance geral dopatrio poder a respeito da pessoa e bens, assim como as causas da sua extinção erecuperação, e a limitação, por motivo de novas nupcias, do direito de castigar.

Art. 70. A existencia do direito de usufructo e as demais regras applicaveis ásdifferentes classes de peculio submettam-se tambem á lei pessoal do filho, seja qual fôr anatureza dos bens e o lugar em que se encontrem.

Art. 71. O disposto no artigo anterior é applicavel em territorio estrangeiro, semprejuizo dos direitos de terceiro que a lei local outorgue e das disposições locaes sobrepublicidade e especialização de garantias hypothecarias.

Art. 72. São de ordem publica internacional as disposições que determinem anatureza e os limites da faculdade do pae de corrigir e castigar e o seu recurso ásautoridades, assim como os que o privam do patrio poder por incapacidade, ausencia ousentença.

Capitulo VIII

DA ADOPÇÃO

Art. 73. A capacidade para adoptar e ser adoptado e as condições e limitações paraadoptar ficam sujeitas á lei pessoal de cada um dos interessados.

Art. 74. Pela lei pessoal do adoptante, regulam-se seus effeitos, no que se refere àsuccessão deste; e, pela lei pessoal do adoptado, tudo quanto se refira ao nome, direitos edeveres que conserve em relação á sua familia natural, assim como á sua successão comrespeito ao adoptante.

Art. 75. Cada um dos interessados poderá impugnar a adopção, de accôrdo com asprescripções da sua lei pessoal.

Art. 76. São de ordem publica internacional as disposições que, nesta materia,regulam o direito a alimentos e as que estabelecem para a adopção formas solennes.

Art. 77. As disposições dos quatro artigos precedentes não se applicarão aosEstados cujas legislações não reconheçam a adopção.

Capitulo IX

DA AUSENCIA

Art. 78. As medidas provisorias em caso de ausencia são de ordem publicainternacional.

221

Page 222: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 79. Não obstante o disposto no artigo anterior, designar-se-á a representação dopresumido ausente de accôrdo com a sua lei pessoal.

Art. 80. A lei pessoal do ausente determina a quem compete o direito de pedir adeclaração da ausencia e rege a curadoria respectiva.

Art. 81. Compete ao direito local decidir quando se faz e surte effeito a declaraçãode ausencia e quando e como deve cessar a administração dos bens do ausente, assimcomo a obrigação e forma de prestar contas.

Art. 82. Tudo o que se refira á presumpção de morte do ausente e a seus direitoseventuaes será regulado pela sua lei pessoal.

Art. 83. A declaração de ausencia ou de sua presumpção, assim como a suaterminação, e a de presumpção da morte de ausente têm efficacia extraterritorial,inclusive no que se refere á nomeação e faculdades dos administradores.

Capitulo X

DA TUTELA

Art. 84. Applicar-se-á a lei pessoal do menor ou incapaz no que se refere no objectoda tutela ou curatela, sua organização e suas especies.

Art. 85. Deve observar-se a mesma lei quanto á instituição do protutor.

Art. 86. As incapacidades e excusas para a tutela, curatela e protutela devemapplicar-se, simultaneamente, as leis pessoaes do tutor ou curador e as do menor ouincapaz.

Art. 87. A fiança da tutela ou curatela e as regras para o seu exercicio ficamsubmettidas á lei pessoal do menor ou incapaz. Se a fiança fôr hypothecaria oupignoraticia, deverá constituir-se na forma prevista pela lei local.

Art. 88. Regem-se tambem pela lei pessoal do menor ou incapaz as obrigaçõesrelativas ás contas, salvo as responsabilidades de ordem penal, que são territoriaes.

Art. 89. Quanto no registro de tutelas, applicar-se-ão simultaneamente a lei local eas pessoaes do tutor ou curador e do menor ou incapaz.

Art. 90. São de ordem publica internacional os preceitos que obrigam o ministeriopublico ou qualquer funccionario local a solicitar a declaração de incapacidade dedementes e surdos mudos e os que fixam os tramites dessa declaração.

Art. 91. São tambem de ordem publica internacional as regras que estabelecem as

222

Page 223: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

consequencias da interdicção.

Art. 92. A declaração de incapacidade e a interdicção civil produzem effeitosextraterritoriaes.

Art. 93. Applicar-se-á a lei local á obrigação do tutor ou curador alimentar o menorou incapaz e a faculdade de os corrigir só moderadamente.

Art. 94. A capacidade para ser membro de um conselho de família regula-se pela leipessoal do interessado.

Art. 95. As incapacidades especiaes e a organização, funccionamento, direitos edeveres do conselho de familia submettem-se á lei pessoal do tutelado.

Art. 96. Em todo caso, as actas e deliberações do conselho de família deverãoajustar-se ás formas e solennidades prescriptas pela lei do lugar em que se reunir.

Art. 97. Os Estados contractantes que tenham por lei pessoal a do domicilio poderãoexigir, no caso de mudança do domicilio dos incapazes de um paiz para outro, que seratifique a tutela ou curatela ou se outorgue outra.

Capitulo XI

DA PRODIGALIDADE

Art. 98. A declaração de prodigalidade e seus effeitos subordinam-se á lei pessoaldo prodigo,

Art. 99. Apesar do disposto no artigo anterior, a lei do domicilio pessoal não teráapplicação á declaração de prodigalidade das pessoas cujo direito pessoal desconheçaesta instituição.

Art. 100. A declaração de prodigalidade, feita num dos Estados contractantes, temefficacia extraterritorial em relação aos demais, sempre que o permita o direito local.

Capitulo XII

DA EMANCIPAÇÃO E MAIORIDADE

Art. 101. As regras applicaveis á emancipação e á maioridade são as estabelecidaspela legislação pessoal do interessado.

Art. 102. Comtudo, a, legislação local pode ser declarada applicavel á maioridadecomo requisito para se optar pela nacionalidade da dita legislação.

223

Page 224: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Capitulo XIII

DO REGISTRO CIVIL

Art. 103. As disposições relativas ao registro civil são territoriaes, salvo no que serefere ao registro mantido pelos agentes consulares ou funccionarios diplomaticos.

Essa prescripção não prejudica os direitos de outro Estado, quanto ás relaçõesjuridicas submettidas ao direito internacional publico.

Art. 104. De toda inscripção relativa a um nacional de qualquer dos Estadoscontractantes, que se fizer no registro civil de outro, deve enviar-se, gratuitamente, porvia diplomatica, certidão literal e official, ao paiz do interessado.

TITULO SEGUNDO

DOS BENS

Capitulo I

DA CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

Art. 105. Os bens, seja qual fôr a sua classe, ficam submettidos á lei do lugar.

Art. 106. Para os effeitos do artigo anterior, ter-se-á em conta, quanto aos bensmoveis corporeos e titulos representativos de creditos de qualquer classe, o lugar da suasituação ordinaria ou normal.

Art. 107. A situação dos creditos determina-se pelo lugar onde se devem tornareffectivos, e, no caso de não estar fixado, pelo domicilio do devedor.

Art. 108. A propriedade industrial e intellectual e os demais direitos analogos, denatureza economica, que autorizam o exercicio de certas actividades concedidas pela lei,consideram-se situados onde se tiverem registrado officialmente.

Art. 109. As concessões reputam-se situadas onde houverem sido legalmenteobtidas.

Art. 110. Em falta de toda e qualquer outra regra e, além disto, para os casos nãoprevistos neste Codigo, entender-se-á que os bens moveis de toda classe estão situados nodomicilio do seu proprietario, ou, na falta deste, no do possuidor.

Art. 111. Exceptuam-se do disposto no artigo anterior as cousas dadas em penhor,que se consideram situadas no domicilio da pessoa em cuja posse tenham sidocollocadas.

224

Page 225: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 112. Applicar-se-á sempre a lei territorial para se distinguir entre os bensmoveis e immoveis, sem prejuizo dos direitos adquiridos por terceiros.

Art. 113. Á mesma lei territorial, sujeitam-se as demais classificações equalificações juridicas dos bens.

Capitulo II

DA PROPRIEDADE

Art. 114. O bem de familia, inalienavel e isento de gravames e embargos, regula-sepela lei da situação.

Comtudo, os nacionaes de um Estado contractante em que se não admitta ou reguleessa especie de propriedade, não a poderão ter ou constituir em outro, a não ser que, comisso, não prejudiquem seus herdeiros forçados.

Art. 115. A propriedade intellectual e a industrial regular-se-ão pelo estabelecidonos convenios internacionaes especiaes, ora existentes, ou que no futuro se venham acelebrar.

Na falta delles, sua obtenção, registro e gozo ficarão submettidos ao direito localque as outorgue.

Art. 116. Cada Estado contractante tem a faculdade de submetter a regras especiaes,em relação aos estrangeiros, a propriedade mineira, a dos navios de pesca e decabotagem, as industrias no mar territorial e na zona maritima e a obtenção e gozo deconcessões e obras de utilidade publica e de serviço publico.

Art. 117. As regras geraes sobre propriedade e o modo de a adquirir ou alienar entrevivos, inclusive as applicaveis a thesouro occulto, assim como as que regem as aguas dodominio publico e privado e seu aproveitamento, são de ordem publica internacional.

Capitulo III

DA COMMUNHÃO DE BENS

Art. 118. A communhão de bens rege-se, em geral, pelo accôrdo ou vontade daspartes e, na sua falta, pela lei do lugar. Ter-se-á, este ultimo como domicílio dacommunhão, na falta do accôrdo em contrario.

Art. 119. Applicar-se-á sempre a lei local, com caracter exclusivo, ao direito depedir a divisão do objecto commum e ás formas e condições do seu exercicio.

225

Page 226: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 120. São de ordem publica internacional as disposições sobre demarcação ebalisamento, sobre o direito de fechar as propriedades rusticas e as relativas a edifìciosem ruina e arvores que ameacem cair.

Capitulo IV

DA POSSE

Art. 121. A posse e os seus effeitos regulam-se pela lei local.

Art. 122. Os modos de adquirir a posse regulam-se pela lei applicavel a cada umdelles, segundo a sua natureza.

Art. 123. Determinam-se pela lei do tribunal os meios e os tramites utilizaveis parase manter a posse do possuidor inquietado, perturbado ou despojado, em virtude demedidas ou decisões judiciaes ou em consequencia dellas.

Capitulo V

DO USUFRUCTO, DO USO E DA HABITAÇÃO

Art. 124. Quando o usufructo se constituir por determinação da lei de um Estadocontractante, a dita lei regulá-lo-á obrigatoriamente.

Art. 125. Se o usufructo se houver constituido pela vontade dos particulares,manifestada em actos entre vivos ou mortis causa, applicar-se-á, respectivamente, a lei doacto ou a da successão.

Art. 126. Se o usufructo surgir por prescripção, sujeitar-se-á lei local que a tiverestabelecido.

Art. 127. Depende da lei pessoal do filho o preceito que dispensa, ou não, da fiançao pae usufructuario.

Art. 128. Subordinam-se á lei da successão a necessidade de prestar fiança oconjuge sobrevivente, pelo usufructo hereditario, e a obrigação do usufructuario de pagarcertos legados ou dividas hereditarias.

Art. 129. São de ordem publica internacional as regras que definem o usufructo e asformas da sua constituição, as que fixam as causas legaes, pelas quaes elle se extingue, eas que o limitam a certo numero de annos para as communidades, corporações ousociedades.

Art. 130. O uso e a habitação regem-se pela vontade da parte ou das partes que os

226

Page 227: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

estabelecerem.

Capitulo VI

DAS SERVIDÕES

Art. 131. Applicar-se-á o direito local ao conceito e classificação das servidões,aos modos não convencionaes de as adquirir e de se extinguirem e aos direitos eobrigações, neste caso, dos proprietarios dos predios dominante e serviente.

Art. 132. As servidões de origem contractual ou voluntaria submettem-se à lei doacto relação juridica que as origina.

Art. 133. Exceptuam-se do que se dispõe no artigo anterior e estão sujeitos á leiterritorial a communidade de pastos em terrenos publicos e o resgate do aproveitamentode lenhas e demais productos dos montes de propriedade particular.

Art. 134. São de ordem privada as regras applicaveis ás servidões legaes que seimpõem no interesse ou por utilidade particular.

Art. 135. Deve applicar-se o direito territorial ao conceito e enumeração dasservidões legaes, bem como á regulamentação não convencional das aguas, passagens,meações, luz e vista, escoamento de aguas de edificios e distancias e obras intermediaspara construcções e plantações.

Capitulo VII

DOS REGISTROS DA PROPRIEDADE

Art. 136. São de ordem publica internacional as disposições que estabelecem eregulam os registros da propriedade e impõem a sua necessidade em relação a terceiros.

Art. 137. Inscrever-se-ão nos registros de propriedade de cada um dos Estadoscontractantes os documentos ou titulos, susceptiveis de inscripção, outorgados em outro,que tenham força no primeiro, de accôrdo com este Codigo, e os julgamentos executoriosa que, de accôrdo com o mesmo, se dê cumprimento no Estado a que o registrocorresponda ou tenha nelle força de cousa julgada.

Art. 138. As disposições sobre hypotheca legal, a favor do Estado, das provinciasou dos municipios, são de ordem publica internacional.

Art. 139. A hypotheca legal que algumas leis concedem em beneficio de certaspessoas individuaes somente será exigivel quando a lei pessoal concorde com a lei dolugar em que estejam situados os bens attingidos por ella.

227

Page 228: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

TITULO TERCEIRO

DE VARIOS MODOS DE ADQUIRIR

Capitulo I

REGRA GERAL

Art. 140. Applica-se o direito local aos modos de adquirir em relação aos quaes nãohaja neste Codigo disposições em contrario.

Capitulo II

DAS DOAÇÕES

Art. 141. As doações, quando forem de origem contractual, ficarão submettidas, parasua perfeição e effeitos, entre vivos, ás regras geraes dos contractos.

Art. 142. Sujeitar-se-á ás leis pessoaes respectivas, do doador e do donatario, acapacidade de cada um delles.

Art. 143. As doações que devam produzir effeito por morte do doador participarãoda natureza das disposições de ultima vontade e se regerão pelas regras internacionaesestabelecidas, neste Codigo, para a successão testamentaria.

Capitulo III

DAS SUCCESSÕES EM GERAL

Art. 144. As successões legitimas e as testamentarias, inclusive a ordem desuccessão, a quota dos direitos successorios e a validade intrinseca das disposições,reger-se-ão, salvo as excepções adiante estabelecidas, pela lei pessoal do de cujus,qualquer que seja a natureza dos bens e o lugar em que se encontrem.

Art. 145. É de ordem publica internacional o preceito em virtude do qual os direitosá successão de uma pessoa transmittem no momento da sua morte.

Capitulo IV

DOS TESTAMENTOS

Art. 146. A capacidade para dispor por testamento regula-se pela lei pessoal dotestador.

Art. 147. Applicar-se-á a lei territorial ás regras estabelecidas por cada Estado para

228

Page 229: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

prova de que o testador demente está em intervallo lucido.

Art. 148. São de ordem publica internacional as disposições que não admittem otestamento mancommunado, o olographo ou o verbal, e as que o declarem actopersonalissimo.

Art. 149. Tambem são de ordem publica internacional as regras sobre a forma depapeis privados relativos ao testamento e sobre nullidade do testamento outorgado comviolencia, dolo ou fraude.

Art. 150. Os preceitos sobre a forma dos testamentos são de ordem publicainternacional, com excepção dos relativos ao testamento outorgado no estrangeiro e aomilitar e ao maritimo, nos casos em que se outorguem fora do paiz.

Art. 151. Subordinam-se á lei pessoal do testador a procedencia, condições eeffeitos da revogação de um testamento, mas a presumpção de o haver revogado édeterminada pela lei local.

Capitulo V

DA HERANÇA

Art. 152. A capacidade para succeder por testamento ou sem elle regula-se pela leipessoal do herdeiro ou legatario.

Art. 153. Não obstante o disposto no artigo precedente, são de ordem publicainternacional as incapacidades para succeder que os Estados contractantes consideremcomo taes.

Art. 154. A instituição e a substituição de herdeiros ajustar-se-ão á lei pessoal dotestador.

Art. 155. Applicar-se-á, todavia, o direito local á prohibição de substituiçõesfideicommissarias que passem do segundo grau ou que se façam a favor de pessoas quenão vivam por occasião do fallecimento do testador e as que envolvam prohibiçãoperpetua de alienar.

Art. 156. A nomeação e as faculdades dos testamenteiros ou executorestestamentarios dependem da lei pessoal do defunto e devem ser reconhecidas em cada umdos Estados contractantes, de accôrdo com essa lei.

Art. 157. Na successão intestada, quando a lei chamar o Estado a titulo de herdeiro,na falta de outros, applicar-se-á a lei pessoal do de cujus, mas se o chamar comooccupante de res nullius applicar-se-á o direito local.

229

Page 230: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 158. As precauções que se devem adoptar quando a viuva estiver gravidaajustar-se-ão ao disposto na legislação do lugar em que ella se encontrar.

Art. 159. As formalidades requeridas para acceitação da herança a beneficio deinventario, ou para se fazer uso do direito de deliberar, são as estabelecidas na lei dolugar em que a successão fôr aberta, bastando isso para os seus effeitos extraterritoriaes.

Art. 160. O preceito que se refira á proindivisão illimitada da herança ou estabeleçaa partilha provisoria é de ordem publica internacional.

Art. 161. A capacidade para pedir e levar a cabo a divisão subordina-se á leipessoal do herdeiro.

Art. 162. A nomeação e as faculdades do contador ou perito partidor dependem dalei pessoal do de cujus.

Art. 163. Subordina-se a essa mesma lei o pagamento das dividas hereditarias.Comtudo, os credores que tiverem garantia de caracter real poderão torná-la effectiva, deaccôrdo com a lei que reja essa garantia.

TITULO QUARTO

DAS OBRIGAÇÕES E CONTRACTOS

Capitulo I

DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL

Art. 164. O conceito e a classificação das obrigações subordinam-se á lei territorial.

Art. 165. As obrigações derivadas da lei regem-se pelo direito que as tiverestabelecido.

Art. 166. As obrigações que nascem dos contractos têm força da lei entre as partescontractantes e devem cumprir-se segundo o teor dos mesmos, salvo as limitaçõesestabelecidas neste Codigo.

Art. 167. As obrigações originadas por delictos ou faltas estão sujeitas ao mesmodireito que o delicto ou falta de que procedem.

Art. 168. As obrigações que derivem de actos ou omissões, em que intervenha culpaou negligencia não punida pela lei, reger-se-ão pelo direito do lugar em que tiveroccorrido a negligencia ou culpa que as origine.

Art. 169. A natureza e os effeitos das diversas categorias de obrigações, assim como

230

Page 231: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

a sua extincção, regem-se pela lei da obrigação de que se trate.

Art. 170. Não obstante o disposto no artigo anterior, a lei local regula as condiçõesdo pagamento e a moeda em que se deve fazer.

Art. 171. Tambem se submette á lei do lugar a deteminação de quem deve satisfazerás despesas judiciaes que o pagamento originar, assim como a sua regulamentação.

Art. 172. A prova das obrigações subordina-se, quanto á sua admissão e efficacia, álei que reger a mesma obrigação.

Art. 173. A impugnação da certeza do lugar da outorga de um documento particular,se influir na sua efficacia, poderá ser feita sempre pelo terceiro a quem prejudicar, e aprova ficará a cargo de quem a apresentar.

Art. 174. A presumpção de cousa julgada por sentença estrangeira será admissivel,sempre que a sentença reunir as condições necessarias para a sua execução no territorio,conforme o presente Codigo.

Capitulo II

DOS CONTRACTOS EM GERAL

Art. 175. São regras de ordem publica internacional as que vedam o estabelecimentode pactos, clausulas e condições contrarias ás leis, á moral e á ordem publica e as queprohibem o juramento e o consideram sem valor.

Art. 176. Dependem da lei pessoal de cada contractante as regras que determinam acapacidade ou a incapacidade para prestar o consentimento.

Art. 177. Applicar-se-á a lei territorial ao êrro, á violencia, á intimidação e ao dolo,em relação ao consentimento.

Art. 178. É tambem territorial toda regra que prohibe sejam objecto de contractoserviços contrarios ás leis e nos bons costumes e cousas que estejam fora do commercio.

Art. 179. São de ordem publica internacional as disposições que se referem á causaillicita nos contractos.

Art. 180. Applicar-se-ão simultaneamente a lei do lugar do contracto e a da suaexecução, á necessidade de outorgar escriptura ou documento publico para a efficacia dedeterminados convenios e á de os fazer constar por escripto.

Art. 181. A rescisão dos contractos, por incapacidade ou ausencia, determina-sepela lei pessoal do ausente ou incapaz.

231

Page 232: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 182. As demais causas de rescisão e sua forma e effeitos subordinam-se á leiterritorial.

Art. 183. As disposições sobre nullidade dos contractos são submettidas á lei de quedependa a causa da nullidade.

Art. 184. A interpretação dos contractos deve effectuar-se, como regra geral, deaccôrdo com a lei que os rege.

Comtudo, quando essa lei fôr discutida e deva resultar da vontade tacita das partes,applicar-se-á, por presumpção, a legislação que para esse caso se determina nos arts. 185e 186, ainda que isso leve a applicar ao contracto uma lei distincta, como resultado dainterpretação da vontade.

Art. 185. Fora das regras já estabelecidas e das que no futuro se consignem para oscasos especiaes, nos contractos de adhesão presume-se acceita, na falta de vontadeexpressa ou tacita, a lei de quem os offerece ou prepara.

Art. 186. Nos demais contractos, e para o caso previsto no artigo anterior, applicar-se-á em primeiro lugar a lei pessoal commum aos contractantes e, na sua falta, a do lugarda celebração.

Capitulo III

DOS CONTRACTOS MATRIMONIAES EM RELAÇÃO AOS BENS

Art. 187. Os contractos matrimoniaes regem-se pela lei pessoal commum aoscontractantes e, na sua falta, pela do primeiro domicilio matrimonial.

Essas mesmas leis determinam, nessa ordem, o regimen legal suppletivo, na falta deestipulação.

Art. 188. É de ordem publica internacional o preceito que veda celebrar oumodificar contractos nupciaes na constancia do matrimonio, ou que se altere o regimen debens por mudanças de nacionalidade ou de domicilio posteriores ao mesmo.

Art. 189. Têm igual caracter os preceitos que se referem á rigorosa applicação dasleis e dos bons costumes, aos effeitos dos contractos nupciaes em relação a terceiros e ásua forma solenne.

Art. 190. A vontade das partes regula o direito applicavel ás doações por motivo dematrimonio, excepto no que se refere á capacidade dos contractantes, á salvaguarda dedireitos dos herdeiros legitimos e á sua nullidade, emquanto o matrimonio subsistir,subordinando-se tudo á lei geral que o regular e desde que a ordem publica internacional

232

Page 233: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

não seja attingida.

Art. 191. As disposições relativas ao dote e aos bens paraphernaes dependem da leipessoal da mulher.

Art. 192. É de ordem publica internacional o preceito que repudia a inalienabilidadedo dote.

Art. 193. É de ordem publica internacional a prohibição de renunciar á communhãode bens adquiridos durante o matrimonio.

Capitulo IV

DA COMPRA E VENDA, CESSÃO DE CREDITO E PERMUTA

Art. 194. São de ordem publica internacional as disposições relativas á alienaçãoforçada por utilidade publica.

Art. 195. O mesmo succede com as disposições que fixam os effeitos da posse e doregistro entre varios adquirentes e as referentes á remissão legal.

Capitulo V

DO ARRENDAMENTO

Art. 196. No arrendamento de cousas, deve applicar-se a lei territorial ás medidaspara salvaguarda do interesse de terceiros e aos direitos e deveres do comprador deimmovel arrendado.

Art. 197. É de ordem publica internacional, na locação de serviços, a regra queimpede contractá-los por toda a vida ou por mais de certo tempo.

Art. 198. Tambem é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e protecçãosocial do trabalhador.

Art. 199. São territoriaes, quanto aos transportes por agua, terra e ar, as leis eregulamentos locaes e especiaes.

Capitulo VI

DOS FOROS

Art. 200. Applica-se a lei territorial á determinação do conceito e categorias dosforos, seu caracter remissivel, sua prescripção e á acção real que delles deriva.

Art. 201. Para o fôro emphyteutico, são igualmente territoriaes as disposições que

233

Page 234: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

fixam as duas condições e formalidades, que lhe impõem um reconhecimento ao fim decerto numero de annos e que prohibem a sub-emphyteuse.

Art. 202. No fôro consignativo, é de ordem publica internacional a regra queprohibe que o pagamento em fructos possa consistir em uma parte aliquota do que produzaa propriedade aforada.

Art. 203. Tem o mesmo caracter, no fôro reservativo, a exigencia de que se valorizea propriedade aforada.

Capitulo VII

DA SOCIEDADE

Art. 204. São leis territoriaes as que exigem, na sociedade um objecto licito, formassolennes, e inventarios, quando haja immoveis.

Capitulo VIII

DO EMPRESTIMO

Art. 205. Applica-se a lei local á necessidade do pacto expresso de juros e sua taxa:

Capitulo IX

DO DEPOSITO

Art. 206. São territoriaes as disposições referentes ao deposito necessario e aosequestro.

Capitulo X

DOS CONTRACTOS ALEATORIOS

Art. 297. Os effeitos das capacidades, em acções nascidas do contracto de jogo,determinam-se pela lei pessoal do interessado.

Art. 208. A lei local define os contractos dependentes de sorte e determina o jogo ea aposta permittidos ou prohibidos.

Art. 209. É territorial a disposição que declara nulla a renda vitalicia sobre a vidade uma pessoa, morta na data da outorga, ou dentro de certo prazo, se estiver padecendode doença incuravel.

234

Page 235: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Capitulo XI

DAS TRANSACÇÕES E COMPROMISSOS

Art. 210. São territoriaes as disposições que prohibem transigir ou sujeitar acompromissos determinadas materias.

Art. 211. A extensão e effeitos do compromisso e a autoridade de cousa julgada datransação dependem tambem da lei territorial.

Capitulo XII

DA FIANÇA

Art. 212. É de ordem publica internacional a regra que prohibe ao fiador obrigar-sepor mais do que o devedor principal.

Art. 213. Correspondem á mesma categoria as disposições relativas á fiança legalou judicial.

Capitulo XIII

DO PENHOR, DA HYPOTHECA E DA ANTICHRESE

Art. 214. É territorial a disposição que prohibe ao credor appropriar-se das cousasrecebidas como penhor ou hypotheca.

Art. 215. Tambem o são os preceitos que determinam os requisitos essenciaes docontracto de penhor, e elles devem vigorar quando o objecto penhorado se transfira aoutro lugar onde as regras sejam diferentes das exigidas ao celebrar-se o contracto.

Art. 216. São igualmente territoriaes as prescripções em virtude das quaes o penhordeva ficar em poder do credor ou de um terceiro, as que exijam, para valer contraterceiros, que conste, por instrumento publico, a data certa e as que fixem o processo paraa sua alienação.

Art. 217. Os regulamentos especiaes de montes de soccorro e estabelecimentospublicos analogos são obrigatorios territorialmente para todas as operações que com ellesse realizem.

Art. 218. São territoriaes as disposições que fixam o objecto, as condições, osrequisitos, o alcance e a inscripção do contracto de hypotheca.

Art. 219. É igualmente territorial a prohibição de que o credor adquira apropriedade do immovel em antichrese, por falta do pagamento da divida.

235

Page 236: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Capitulo XIV

DOS QUASI-CONTRACTOS

Art. 220. A gestão de negocios alheios é regulada pela lei do lugar em que seeffectuar.

Art. 221. A cobrança do indebito submette-se á lei pessoal commum das partes e, nasua falta, á do lugar em que se fizer o pagamento.

Art. 222. Os demais quasi-contractos subordinam-se á lei que regule a instituiçãojuridica que os origine.

Capitulo XV

DO CONCURSO E PREFERENCIA DE CREDITOS

Art. 223. Se as obrigações concorrentes não têm caracter real e estão submettidas auma lei commum, a dita lei regulará tambem a sua preferencia.

Art. 224. As obrigações garantidas com acção real, applicar-se-á a lei da situaçãoda garantia.

Art. 225. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, deve applicar-se ápreferencia de creditos a lei do tribunal que tiver que a decidir.

Art. 226. Se a questão fôr apresentada, simultaneamente em mais de um tribunal deEstados diversos, resolver-se-á de accôrdo com a lei daquelle que tiver realmente sob asua jurisdicção os bens ou numerario em que se deva fazer effectiva a preferencia.

Capitulo XVI

DA PRESCRIPÇÃO

Art. 227. A prescripção acquisitiva de bens moveis ou immoveis é regulada pela leido lugar em que estiverem situados.

Art. 228. Se as cousas moveis mudarem de situação, estando a caminho deprescrever, será regulada a prescripção pela lei do lugar em que se encontrarem aocompletar-se o tempo requerido.

Art. 229. A prescripção extinctiva de acções pessoaes é regulada pela lei a queestiver sujeita a obrigação que se vai extinguir.

Art. 230. A prescripção extinctiva de acções reaes é regulada pela lei do lugar emque esteja situada a cousa a que se refira.

236

Page 237: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 231. Se, no caso previsto no artigo anterior, se tratar de cousas moveis quetiverem mudado de lugar durante o prazo da prescripção, applicar-se-á a lei do lugar emque se encontrarem ao completar-se o periodo ali marcado para a prescripção.

LIVRO SEGUNDO

Direito commercial internacional

TITULO PRIMEIRO

DOS COMMERCIANTES E DO COMMERCIO EM GERAL

Capitulo I

DOS COMMERCIANTES

Art. 232. A capacidade para exercer o commercio e para intervir em actos econtractos commerciaes é regulada pela lei pessoal de cada interessado.

Art. 233. A essa mesma lei pessoal se subordinam as incapacidades e a suahabilitação.

Art. 234. A lei do lugar em que o commercio se exerce deve applicar-se ás medidasde publicidade necessarias para que se possam dedicar a elle, por meio de seusrepresentantes, os incapazes, ou, por si mesmas, as mulheres casadas.

Art. 235. A lei local deve applicar-se á incompatibilidade para o exercicio docommercio pelos empregados publicos e pelos agentes de commercio e correctores.

Art. 236. Toda incompatibilidade para o commercio, que resultar de leis oudisposições especiaes em determinado territorio, será regida pelo direito desse territorio.

Art. 237. A dita incompatibilidade, quanto a funccionarios diplomaticos e agentesconsulares, será regulada pela lei do Estado que os nomear. O paiz onde residirem temigualmente o direito de lhes prohibir o exercicio do commercio.

Art. 238. O contracto social ou a lei a que o mesmo fique sujeito applica-se áprohibição de que os socios collectivos ou commanditarios realizem, por conta propriaou alheia, operações mercantis ou determinada classe destas.

Capitulo II

DA QUALIDADE DE COMMERCIANTE E DOS ACTOS DE COMMERCIO

Art. 239. Para todos os effeitos de caracter publico, a qualidade do commerciante é

237

Page 238: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

determinada pela lei do lugar em que se tenha realizado o acto ou exercido a industria deque se trate.

Art. 240. A forma dos contractos e actos commerciaes é subordinada á lei territorial.

Capitulo III

DO REGISTRO MERCANTIL

Art. 241. São territoriaes as disposições relativas á inscripção, no registromercantil, dos commerciantes e sociedades estrangeiras.

Art. 242. Têm o mesmo caracter as regras que estabelecem o effeito da inscripção,no dito registro, de creditos ou direitos de terceiros.

Capitulo IV

DOS LUGARES E CASAS DE BOLSA E COTAÇÃO OFFICIAL DE TITULOS PUBLICOS EDOCUMENTOS DE CREDITO AO PORTADOR

Art. 243. As disposições relativas aos lugares e casas de bolsa e cotação official detitulos publicos e documentos de credito ao portador são de ordem publica internacional.

Capitulo V

DISPOSIÇÕES GERAES SOBRE OS CONTRACTOS DE COMMERCIO

Art. 244. Applicar-se-ão aos contractos de commercio as regras geraesestabelecidas para os contractos civis no capitulo segundo, titulo quarto, livro primeirodeste Codigo.

Art. 245. Os contractos por correspondencia só ficarão perfeitos mediante ocumprimento das condições que para esse effeito indicar a legislação de todos oscontractantes.

Art. 246. São de ordem publica internacional as disposições relativas a contractosillicitos e a prazos de graça, cortesia e outros analogos.

TITULO SEGUNDO

DOS CONTRACTOS ESPECIAES DE COMMERCIO

Capitulo I

DAS COMPANHIAS COMMERCIAES

238

Page 239: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 247. O caracter commercial de uma sociedade collectiva ou commanditariadetermina-se pela lei a que estiver submettido o contracto social, e, na sua falta, pela dolugar em que tiver o seu domicilio commercial.

Se essas leis não distinguirem entre sociedades commerciaes e civis, applicar-se-á odireito do paiz em que a questão fôr submettida a juizo.

Art. 248. O caracter mercantil duma sociedade anonyma depende da lei do contractosocial; na falta deste, da do lugar em que se effectuem as assembléas geraes deaccionistas, e em sua falta da do em que normalmente resida o seu Conselho ou Juntadirectiva.

Se essas leis não distinguirem entre sociedades commerciaes e civis, terá um ououtro caracter, conforme esteja ou não inscripta no registro commercial do paiz onde aquestão deva ser julgada. Em falta de registro mercantil, applicar-se-á o direito localdeste ultimo paiz.

Art. 249. Tudo quanto se relacione com a constituição e maneira de funccionar dassociedades mercantis e com a responsabilidade dos seus órgãos está sujeito ao contractosocial, e, eventualmente, á lei que o reja.

Art. 250. A emissão de acções e obrigações em um Estado contractante, as formas egarantias de publicidade e a responsabilidade dos gerentes de agencias e succursaes, arespeito de terceiros, submettem-se á lei territorial.

Art. 251. São tambem territoriaes as leis que subordinam a sociedade a um regimenespecial, em vista das suas operações.

Art. 252. As sociedades mercantis, devidamente constituidas em um Estadocontractante, gozarão da mesma personalidade juridica nos demais, salvas as limitaçõesdo direito territorial.

Art. 253. São territoriaes as disposições que se referem á criação, funccionamento eprivilegios dos bancos de emissão e desconto, companhias de armazens geraes dedepositos, e outras analogas.

Capitulo II

DA COMMISSÃO MERCANTIL

Art. 254. São de ordem publica internacional as prescripções relativas á forma davenda urgente pelo commissario, para salvar, na medida do possivel, o valor das cousasem que a commissão consista.

239

Page 240: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 255. As obrigações do preposto estão sujeitas á lei do domicilio mercantil domandante.

Capitulo III

DO DEPOSITO E EMPRESTIMO MERCANTIS

Art. 256. As responsabilidades não civis do depositario, regem-se pela lei do lugardo deposito.

Art. 257. A taxa legal e a liberdade dos juros mercantis são de ordem publicainternacional.

Art. 258. São territoriaes as disposições referentes ao emprestimo com garantia detitulos cotizaveis, negociado em bolsa, com intervenção de agente competente oufunccionario official.

Capitulo IV

DO TRANSPORTE TERRESTRE

Art. 259. Nos casos de transporte internacional, ha somente um contracto, regidopela lei que lhe corresponda, segundo a sua natureza.

Art. 260. Os prazos e formalidades para o exercicio de acções surgidas dessecontracto, e não previstas no mesmo, regem-se pela lei do lugar em que se produzam osfactos que as originem.

Capitulo V

DOS CONTRACTOS DE SEGURO

Art. 261. O contracto de seguro contra incendios rege-se pela lei do lugar onde, aoser effectuado, se ache a cousa segurada.

Art. 262. Os demais contractos de seguros seguem a regra geral, regulando-se pelalei pessoal commum das partes ou, na sua falta, pela do lugar da celebração; mas, asformalidades externas para comprovação de factos ou omissões, necessarias ao exercicioou conservação de acções ou direitos, ficam sujeitas á lei do lugar em que se produzir ofacto ou omissão que as originar.

Capitulo VI

DO CONTRACTO E LETRA DE CAMBIO E EFFEITOS MERCANTIS ANALOGOS

240

Page 241: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 263. A forma do saque, endosso, fiança, intervenção acceite e protesto de umaletra de cambio submette-se á lei do lugar em que cada um dos ditos actos se realizar.

Art. 264. Na falta de convenio expresso ou tacito, as relações juridicas entre osacador e o tomador serão reguladas pela lei do lugar em que a letra se saca.

Art. 265. Em igual caso, as obrigações e direitos entre o acceitante e o portadorregulam-se pela lei do lugar em que se tiver effectuado o acceite.

Art. 266. Na mesma hypothese, os effeitos juridicos que o endosso produz, entre oendossante e o endossado, dependem da lei do lugar em que a letra fôr endossada.

Art. 267. A maior ou menor extensão das obrigações de cada endossante não alteraos direitos e deveres originarios do sacador e do tomador.

Art. 268. O aval, nas mesmas condições, é regulado pela lei do lugar em que sepresta.

Art. 269. Os effeitos juridicos da acceitação por intervenção regulam-se, em falta deconvenção, pela lei do lugar em que o terceiro intervier.

Art. 270. Os prazos e formalidades para o acceite, pagamento e protesto submettem-se á lei local.

Art. 271. As regras deste capitulo são applicaveis ás notas promissorias, vales echeques.

Capitulo VII

DA FALSIFICAÇÃO, ROUBO, FURTO OU EXTRAVIO DE DOCUMENTOS DE CREDITO ETITULOS AO PORTADOR

Art. 272. As disposições relativas á falsificação, roubo, furto ou extravio dedocumentos de credito e titulos ao portador são de ordem publica internacional.

Art. 273. A adopção das medidas que estabeleça a lei do lugar em que o acto seproduz não dispensa os interessados de tomar quaesquer outras determinadas pela lei dolugar em que esses documentos e effeitos tenham cotação e pela do lugar do seupagamento.

TITULO TERCEIRO

DO COMMERCIO MARITIMO E AEREO

Capitulo I

241

Page 242: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

DOS NAVIOS E AERONAVES

Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se pela patente de navegação e acertidão do registro, e tem a bandeira como signal distinctivo apparente.

Art. 275. A lei do pavilhão regula as formas de publicidade requeridas para atransmissão da propriedade de um navio.

Art. 276. Á lei da situação deve submetter-se a faculdade de embargar e venderjudicialmente um navio, esteja ou não carregado e despachado.

Art. 277. Regulam-se pela lei do pavilhão os direitos dos credores, depois da vendado navio, e a extinção dos mesmos.

Art. 278. A hypotheca maritima e os privilegios e garantias de caracter real,constituidos de accôrdo com a lei do pavilhão, têm offeitos extraterritoriaes, até nospaizes cuja legislação não conheça ou não regule essa hypotheca ou esses privilegios.

Art. 279. Sujeitam-se tambem á lei do pavilhão os poderes e obrigações do capitãoe a responsabilidade dos proprietarios e armadores pelos seus actos.

Art. 280. O reconhecimento do navio, o pedido de pratico e a policia sanitariadependem da lei territorial.

Art. 281. As obrigações dos officiaes e gente do mar e a ordem interna do naviosubordinam-se á lei do pavilhão.

Art. 282. As precedentes disposições deste capitulo applicam-se tambem ásaeronaves.

Art. 283. São de ordem publica internacional as regras sobre a nacionalidade dosproprietarios de navios e aeronaves e dos armadores, assim como dos officiaes e datripulação.

Art. 284. Tambem são de ordem publica internacional as disposições sobrenacionalidade de navios e aeronaves para o commercio fluvial, lacustre e de cabotagem eentre determinados lugares do territorio dos Estados contractantes, assim como para apesca e outras industrias submarinas no mar territorial.

Capitulo II

DOS CONTRACTOS ESPECIAES DE COMMERCIO MARITIMO E AEREO

Art. 285. O fretamento, caso não seja um contracto de adhesão, reger-se-á pela leido lugar de saída das mercadorias.

242

Page 243: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Os actos de execução do contracto ajustar-se-ão á lei do lugar em que seeffectuarem.

Art. 286. As faculdades do capitão para o emprestimo de risco maritimodeterminam-se pela lei do pavilhão.

Art. 287. O contracto de emprestimo de risco maritimo, salvo convenção emcontrario, subordina-se á lei do lugar em que o emprestimo se effectue.

Art. 288. Para determinar se a avaria é simples ou grossa e a proporção em quedevem contribuir para a supportar o navio e a carga, applica-se a lei do pavilhão.

Art. 289. O abalroamento fortuito, em aguas territoriaes ou no espaço aereonacional, submette-se á lei do pavilhão, se este fôr commum.

Art. 290. No mesmo caso, se os pavilhões differem, applica-se a lei do lugar.

Art. 291. Applica-se essa mesma lei local a todo caso de abalroamento culpavel, emaguas territoriaes ou no espaço aereo nacional.

Art. 292. A lei do pavilhão applicar-se-á nos casos de abalroamento fortuito ouculpavel, em alto mar ou no livre espaço, se os navios ou aeronaves tiverem o mesmopavilhão.

Art. 293. Em caso contrario, regular-se-á pelo pavilhão do navio ou aeronaveabalroado, se o abalroamento fôr culpavel.

Art. 294. Nos casos de abalroamento fortuito, no alto mar ou no espaço aereo livre,entre navios ou aeronaves de differentes pavilhões, cada um supportará a metade dasomma total do damno, dividido segundo a lei de um delles, e a metade restante divididasegundo a lei do outro.

TITULO QUARTO

DA PRESCRIPÇÃO

Art. 295. A prescripção das acções originadas em contractos e actos commerciaesajustar-se-á ás regras estabelecidas neste Codigo, a respeito das acções civeis.

LIVRO TERCEIRO

Direito penal internacional

Capitulo I

DAS LEIS PENAES

243

Page 244: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 296. As leis penaes obrigam a todos os que residem no territorio, sem maisexcepções do que as estabelecidas neste capitulo.

Art. 297. Estão isentos das leis penaes de cada Estado contractante os chefes deoutros Estados que se encontrem no seu territorio.

Art. 298. Gozam de igual isenção os representantes diplomaticos dos Estadoscontractantes, em cada um dos demais, assim como os seus empregados estrangeiros, e aspessoas da familia dos primeiros, que vivam em sua companhia.

Art. 299. As leis penaes dum Estado não são, tão pouco, applicaveis aos delictoscommettidos no perimetro das operações militares, quando esse Estado haja autorizado apassagem, pelo seu territorio, dum exercito de outro Estado contractante, comtanto quetaes delictos não tenham relação legal com o dito exercito.

Art. 300. Applica-se a mesma isenção aos delictos commettidos em aguasterritoriaes ou no espaço aereo nacional, a bordo de navios ou aeronaves estrangeiros deguerra.

Art. 301. O mesmo succede com os delictos commettidos em aguas territoriaes ouespaço aereo nacional, em navios ou aeronaves mercantes estrangeiros, se não têmrelação alguma com o paiz e seus habitantes, nem perturbam a sua tranquillidade.

Art. 302. Quando os actos de que se componha um delicto se realizem em Estadoscontractantes diversos, cada Estado pode castigar o acto realizado em seu paiz, se elleconstitue, por si só, um facto punivel.

Em caso contrario, dar-se-á preferencia ao direito da soberania local em que odelicto se tiver consummado.

Art. 303. Se se trata de delictos connexos em territorios de mais de um Estadocontractante, só ficará subordinado á lei penal de cada um o que fôr commettido no seuterritorio.

Art. 304. Nenhum Estado contractante applicará em seu territorio as leis penaes dosoutros.

Capitulo II

DOS DELICTOS COMMETTIDOS EM UM ESTADO ESTRANGEIRO CONTRACTANTE

Art. 305. Estão sujeitos, no estrangeiro, ás leis penaes de cada Estado contractante,os que commetterem um delicto contra a segurança interna ou externa do mesmo Estado oucontra o seu credito publico, seja qual fôr a nacionalidade ou o domicilio do delinquente.

244

Page 245: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 306. Todo nacional de um Estado contractante ou todo estrangeiro nelledomiciliado, que commetta em paiz estrangeiro um delicto contra a independencia desseEstado, fica sujeito ás suas leis penaes.

Art. 307. Tambem estarão sujeitos ás leis penaes do Estado estrangeiro em quepossam ser detidos e julgados aquelles que commettam fora do territorio um delicto,como o tráfico de mulheres brancas, que esse Estado contractante se tenha obrigado areprimir por accôrdo internacional.

Capitulo III

DOS DELICTOS COMMETTIDOS FORA DO TERRITORIO NACIONAL

Art. 308. A pirataria, o tráfico de negros e o commercio de escravos, o tráfico demulheres brancas, a destruição ou deterioração de cabos submarinos e os demais delictosda mesma indole, contra o direito internacional, commettidos no alto mar, no ar livre e emterritorios não organizados ainda em Estado, serão punidos pelo captor, de accôrdo comas suas leis penaes.

Art. 309. Nos casos de abalroamento culpavel, no alto mar ou no espaço aereo, entrenavios ou aeronaves de pavilhões diversos, applicar-se-á a lei penal da victima.

Capitulo IV

QUESTÕES VARIAS

Art. 310. Para o conceito legal da reiteração ou da reincidencia, será levada emconta a sentença pronunciada num Estado estrangeiro contractante, salvo os casos em quea isso se oppuzer a legislação local.

Art. 311. A pena de interdicção civil terá effeito nos outros Estados, mediante oprévio cumprimento das formalidades de registro ou publicação que a legislação de cadaum delles exija.

Art. 312. A prescripção do delicto subordina-se á lei do Estado a que corresponda oseu conhecimento.

Art. 313. A prescripção da pena regula-se pela lei do Estado que a tenha imposto.

LIVRO QUARTO

Direito processual internacional

245

Page 246: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

TITULO PRIMEIRO

PRINCIPIOS GERAES

Art. 314. A lei de cada Estado contractante determina a competencia dos tribunaes,assim como a sua organização, as formas de processo e a execução das sentenças e osrecursos contra suas decisões.

Art. 315. Nenhum Estado contractante organizará ou manterá no seu territoriotribunaes especiaes para os membros dos demais Estados contractantes.

Art. 316. A competencia ratione loci subordina-se, na ordem das relaçõesinternacionais, á lei do Estado contractante que a estabelece.

Art. 317. A competencia ratione materiæ ratione personæ, na ordem das relaçõesinternacionaes, não se deve basear, por parte dos Estados contractantes, na condição denacionaes ou estrangeiros das pessoas interessadas, em prejuizo destas.

TITULO SEGUNDO

DA COMPETENCIA

Capitulo I

DAS REGRAS GERAES DE COMPETENCIA NO CIVEL E NO COMMERCIAL

Art. 318. O juiz competente, em primeira instancia, para conhecer dos pleitos a quedê origem o exercicio das acções civeis e mercantis de qualquer especie, será aquelle aquem os litigantes se submettam expressa ou tacitamente, sempre que um delles, pelomenos, seja nacional do Estado contractante a que o juiz pertença ou tenha nelle o seudomicilio e salvo o direito local, em contrario.

A submissão não será possivel para as acções reaes ou mixtas sobre bens immoveis,se a prohibir a lei da sua situação.

Art. 319. A submissão só se poderá fazer ao juiz que exerça jurisdicção ordinaria eque a tenha para conhecer de igual classe de negocios e no mesmo grau.

Art. 320. Em caso algum poderão as partes recorrer, expressa ou tacitamente, parajuiz ou tribunal differente daquelle ao qual, segundo as leis locaes, estiver subordinado oque tiver conhecido do caso, na primeira instancia.

Art. 321. Entender-se-á por submissão expressa a que fôr feita pelos interessadoscom renuncia clara e terminante do seu fôro proprio e a designação precisa do juiz a quemse submettem.

246

Page 247: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 322. Entender-se-á que existe a submissão tacita do autor quando estecomparece em juizo para propor a demanda, e a do réu quando este pratica, depois dechamado a juizo, qualquer acto que não seja a apresentação formal de declinatoria. Nãose entenderá que ha submissão tacita se o processo correr á revelia.

Art. 323. Fora dos casos de submissão expressa ou tacita, e salvo o direito local, emcontrario, será juiz competente, para o exercicio de acções pessoaes, o do lugar documprimento da obrigação, e, na sua falta, o do domicilio dos réus ou, subsidiariamente, oda sua residencia.

Art. 324. Para o exercicio de acções reaes sobre bens moveis, será competente ojuiz da situação, e, se esta não fôr conhecida do autor, o do domicilio, e, na sua falta, o daresidencia do réu.

Art. 325. Para o exercicio de acções reaes sobre bens immoveis e para o das acçõesmixtas de limites e divisão de bens communs, será juiz competente o da situação dos bens.

Art. 326. Se, nos casos a que se referem os dois artigos anteriores, houver benssituados em mais de um Estado contractante, poderá recorrer-se aos juizes de qualquerdelles, salvo se a lei da situação, no referente a immoveis, o prohibir.

Art. 327. Nos juizos de testamentos ou ab intestato, será juiz competente o do lugarem que o finado tiver tido o seu ultimo domicilio.

Art. 328. Nos concursos de credores e no de fallencia, quando fôr voluntaria aconfissão desse estado pelo devedor, será juiz competente o do seu domicilio.

Art. 329. Nas concordatas ou fallencias promovidas pelos credores, será juizcompetente o de qualquer dos lugares que conheça da reclamação que as motiva,preferindo-se, caso esteja entre elles, o do domicilio do devedor, se este ou a maioria doscredores o reclamarem.

Art. 330. Para os actos de jurisdicção voluntaria, salvo tambem o caso de submissãoe respeitado o direito local, será competente o juiz do lugar em que a pessoa que osmotivar tenha ou haja tido o seu domicilio, ou, na falta deste, a residencia.

Art. 331. Nos actor de jurisdicção voluntaria em materia de commercio, fora docaso de submissão, e salvo o direito local, será competente o juiz do lugar em que aobrigação se deva cumprir ou, na sua falta, o do lugar do facto que os origine.

Art. 332. Dentro de cada Estado contractante, a competencia preferente dos diversosjuizes será regulada pelo seu direito nacional.

247

Page 248: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Capitulo II

DAS EXCEPÇÕES ÁS REGRAS GERAES DE COMPETENCIA NO CIVEL E no commercial

Art. 333. Os juizes e tribunaes de cada Estado contractante serão incompetentes paraconhecer dos assumptos civeis ou commerciaes em que sejam parte demandada os demaisEstados contractantes ou seus chefes, se se trata de uma acção pessoal, salvo o caso desubmissão expressa ou de pedido de reconvenção.

Art. 334. Em caso identico e com a mesma excepção, elles serão incompetentesquando se exercitem acções reaes, se o Estado contractante ou o seu chefe têm actuado noassumpto como taes e no seu caracter publico, devendo applicar-se, nessa hypothese, odisposto na ultima alinea do art. 318.

Art. 335. Se o Estado estrangeiro contractante ou o seu chefe tiverem actuado comoparticulares ou como pessoas privadas, serão competentes os juizes ou tribunaes paraconhecer dos assumptos em que se exercitem acções reaes ou mixtas, se essa competencialhes corresponder em relação a individuos estrangeiros, de accôrdo com este Codigo.

Art. 336. A regra do artigo anterior será applicavel aos juizos universaes, seja qualfôr o caracter com que nelles actue o Estado estrangeiro contractante ou o seu chefe.

Art. 337. As disposições estabelecidas nos artigos anteriores applicar-se-ão aosfunccionarios diplomaticos estrangeiros e aos commandantes de navios ou aeronaves deguerra.

Art. 338. Os consules estrangeiros não estarão isentos da competencia dos juizes etribunaes civis do paiz em que funccionem, excepto quanto aos seus actos officiaes.

Art. 339. Em nenhum caso poderão os juizes ou tribunaes ordenar medidascoercitivas ou de outra natureza que devam ser executadas no interior das legações ouconsulados ou em seus archivos, nem a respeito da correspondencia diplomatica ouconsular, sem o consentimento dos respectivos funccionarios diplomaticos ou consulares.

Capitulo III

REGRAS GERAES DE COMPETENCIA EM MATERIA PENAL

Art. 340. Para conhecer dos delictos e faltas e os julgar são competentes os juizes etribunaes do Estado contractante em que tenham sido commettidos.

Art. 341. A competencia estende-se a todos os demais delictos e faltas a que se devaapplicar a lei penal do Estado, conforme as disposições deste Codigo.

Art. 342. Comprehende, além disso, os delictos ou faltas commettidos no estrangeiro

248

Page 249: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

por funccionarios nacionaes que gozem do beneficio da immunidade.

Capitulo IV

DAS EXCEPÇÕES ÁS REGRAS GERAES DE COMPETENCIA EM MATERIA PENAL

Art. 343. Não estão sujeitos, em materia penal, á competencia de juizes e tribunaesdos Estados contractantes, as pessoaes e os delictos ou infracções que não são attingidospela lei penal do respectivo Estado.

TITULO TERCEIRO

DA EXTRADIÇÃO

Art. 344. Para se tornar effectiva a competencia judicial internacional em materiapenal, cada um dos Estados contractantes accederá ao pedido de qualquer dos outros,para a entrega de individuos condemnados ou processados por delictos que se ajustem ásdisposições deste titulo, sem prejuizo das disposições dos tratados ou convençõesinternacionaes que contenham listas de infracções penaes que autorizem a extradição.

Art. 345. Os Estados contractantes não estão obrigados a entregar os seus nacionaes.A nação que se negue a entregar um de seus cidadãos fica obrigada a julgá-lo.

Art. 346. Quando, anteriormente ao recebimento do pedido, um individuoprocessado ou condemnado tiver delinquido no paiz a que se pede a sua entrega, podeadiar-se essa entrega até que seja elle julgado e cumprida a pena.

Art. 347. Se varios Estados contractantes solicitam a extradição de um delinquentepelo mesmo delicto, deve ser elle entregue áquelle Estado em cujo territorio o delicto setenha commettido.

Art. 348. Caso a extradição se solicite por actos diversos, terá preferencia o Estadocontractante em cujo territorio se tenha commettido o delicto mais grave segundo alegislação do Estado requerido.

Art. 349. Se todos os actos imputados tiverem igual gravidade será preferido oEstado contractante que primeiro houver apresentado o pedido de extradição. Sendosimultanea a apresentação, o Estado requerido decidirá, mas deve conceder preferenciaao Estado de origem ou, na sua falta, ao do domicilio do delinquente, se fôr um dossolicitantes.

Art. 350. As regras anteriores sobre preferencia não serão applicaveis, se o Estadocontractante estiver obrigado para com um terceiro, em virtude de tratados vigentes,

249

Page 250: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

anteriores a este Codigo, a estabelecê-la de modo differente.

Art. 351. Para conceder a extradição, é necessario que o delicto tenha sidocommettido no territorio do Estado que a peça ou que lhe sejam applicaveis suas leispenaes, de accôrdo com o livro terceiro deste Codigo.

Art. 352. A extradição alcança os processados ou condemnados como autores,cumplices ou encobridores do delicto.

Art. 353. Para que a extradição possa ser pedida, é necessario que o facto que amotive tenha caracter de delicto, na legislação do Estado requerente e na do requerido.

Art. 354. Será igualmente exigido que a pena estabelecida para os factosincriminados, conforme a sua qualificação provisoria ou definitiva, pelo juiz ou tribunalcompetente do Estado que solicita a extradição, não seja menor de um anno de privaçãode liberdade e que esteja autorizada ou decidida a prisão ou detenção preventiva doaccusado, se não houver ainda sentença final. Esta deve ser de privação de liberdade.

Art. 355. Estão excluidos da extradição os delictos politicos e os com ellesrelacionados, segundo a definição do Estado requerido.

Art. 356. A extradição tambem não será concedida, se se provar que a petição deentrega foi formulada, de facto, com o fim de se julgar e castigar o accusado por umdelicto de caracter politico, segundo a mesma, definição.

Art. 357. Não será reputado delicto politico, nem facto connexo, o homicidio ouassassinio do chefe de um Estado contractante, ou de qualquer pessoa que nelle exerçaautoridade.

Art. 358. Não será concedida a extradição, se a pessoa reclamada já tiver sidojulgada e posta em liberdade ou cumprido a pena ou estiver submettida a processo noterritorio do Estado requerido, pelo mesmo delicto que motiva o pedido.

Art. 359. Não se deve, tão pouco, acceder ao pedido de extradição, se estiverprescripto o delicto ou a pena, segundo as leis do Estado requerente ou as do requerido.

Art. 360. A legislação do Estado requerido posterior ao delicto não poderá impedira extradição.

Art. 361. Os consules geraes, consules, vice-consules ou agentes consulares podempedir que se prendam e entreguem, a bordo de um navio ou aeronave de seu paiz,officiaes, marinheiros ou tripulantes de seus navios ou aeronaves de guerra ou mercantes,que tiverem desertado de uns ou de outras.

250

Page 251: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 362. Para os effeitos do artigo anterior, elles apresentarão á autoridade localcorrespondente, deixando-lhe, além disso, cópia authentica, os registros do navio ouaeronave, ról da tripulação ou qualquer outro documento official em que o pedido sebasear.

Art. 363. Nos paizes limitrophes, poderão estabelecer-se regras especiais para aextradição, nas regiões ou localidades da fronteira.

Art. 364. O pedido de extradição deve fazer-se por intermedio dos funccionariosdevidamente autorizados para esse fim, pelas leis do Estado requerente.

Art. 365. Com o pedido definitivo de extradição, devem apresentar-se:

1. Uma sentença condemnatoria ou um mandado ou auto de captura ou um documentode igual força, ou que obrigue o interessado a comparecer periodicamente ante ajurisdicção repressiva, acompanhado das peças do processo que subnistrem provas ou,pelo menos, indicios razoaveis da culpabilidade da pessoa de que se trate;

2. A filiação do individuo reclamado ou os signaes ou circumstancias que possamservir para o identificar;

3. A cópia authentica das disposições que estabeleçam a qualificação legal do factoque motiva o pedido de entrega, definam a participação nelle attribuida ao culpado eprecisem a pena applicavel.

Art. 366. A extradição pode solicitar-se telegraphicamente e, nesse caso, osdocumentos mencionados no artigo anterior serão apresentados ao paiz requerido ou á sualegação ou consulado geral no paiz requerente, dentro nos dois mezes seguintes ádetenção do indigitado. Na sua falta, este será posto em liberdade.

Art. 367. Se o Estado requerente não dispõe da pessoa reclamada dentro nos tresmezes seguintes ao momento em que foi collocada á sua disposição, ella será posta,igualmente, em liberdade.

Art. 368. O detido poderá usar, no Estado ao qual se fizer o pedido de extradição,de todos os meios legaes concedidos aos nacionaes para recuperar a liberdade, baseando-se para isto nas disposições deste Codigo.

Art. 369. O detido poderá igualmente, depois disso, utilizar os recursos legaes queprocedam, no Estado que pedir a extradição, contra as qualificações e resoluções em queesta se funda.

Art. 370. A entrega deve ser feita com todos os objectos que se encontrarem empoder da pessoa reclamada, quer sejam producto do delicto imputado, quer peças que

251

Page 252: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

possam servir para a prova do mesmo, tanto quanto fôr praticavel, de accôrdo com as leisdo Estado que a effectue e respeitando-se devidamente os direitos de terceiros.

Art. 371. A entrega dos objectos, a que se refere o artigo anterior, poderá ser feita,se a pedir o Estado requerente da extradição, ainda que o detido morra ou se evada antesde effectuada esta.

Art. 372. As despesas com a detenção ou entrega serão por conta do Estadorequerente, mas este não terá que despender importancia alguma com os serviços queprestarem os empregados publicos pagos pelo Governo ao qual se peça a extradição.

Art. 373. A importancia dos serviços prestados por empregados publicos ou outrosserventuarios, que só recebam direitos ou emolumentos, não excederá aquella quehabitualmente percebam por essas diligencias ou serviços, segundo as leis do paiz em queresidam.

Art. 374. A responsabilidade, que se possa originar do facto da detenção provisoria,caberá ao Estado que a solicitar.

Art. 375. O transito da pessoa extraditada e de seus guardas pelo territorio dumterceiro Estado contractante será permittido mediante apresentação do exemplar originalou de uma cópia authentica do documento que conceda a extradição.

Art. 376. O Estado que obtiver a extradição de um accusado que fôr logo absolvidoficará obrigado a communicar ao que a concedeu uma cópia authentica da sentença.

Art. 377. A pessoa entregue não poderá ser detida em prisão, nem julgada peloEstado contractante a que seja entregue, por um delicto differente daquelle que houvermotivado a extradição e commetido antes desta, salvo se nisso consentir o Estadorequerido, ou se o extraditado permanecer em liberdade no primeiro, tres mezes depoisde ter sido julgado e absolvido pelo delicto que foi origem da extradição, ou de havercumprido a pena de privação de liberdade que lhe tenha sido imposta.

Art. 378. Em caso algum se imporá ou se executará a pena de morte, por delicto quetiver sido causa da extradição.

Art. 379. Sempre que se deva levar em conta o tempo da prisão preventiva, contar-se-á como tal o tempo decorrido desde a detenção do extraditado, no Estado ao qual tenhasido pedida.

Art. 380. O detido será posto em liberdade, se o Estado requerente não apresentar opedido de extradição em prazo razoavel e no menor espaço de tempo possivel, depois daprisão provisoria, levando-se em conta a distancia e as facilidades de communicações

252

Page 253: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

postaes entre os dois paizes.

Art. 381. Negada a extradição de uma pessoa, não se pode voltar a pedí-la pelomesmo delicto.

TITULO QUARTO

DO DIREITO DE COMPARECER EM JUIZO E SUAS MODALIDADES

Art. 382. Os nacionaes de cada Estado contractante gozarão, em cada um dos outros,do beneficio da assistencia judiciaria, nas mesmas condições dos naturaes,

Art. 383. Não se fará distincção entre nacionaes e estrangeiros, nos Estadoscontractantes, quanto á prestação de fiança para o comparecimento em juizo.

Art. 384. Os estrangeiros pertencentes a um Estado contractante poderão solicitar,nos demais, a acção publica em materia penal, nas mesmas condições que os nacionaes.

Art. 385. Não se exigirá tão pouco a esses estrangeiros que prestem fiança para oexercicio de acção privada, nos casos em que se não faça tal exigencia aos nacionaes.

Art. 386. Nenhum dos Estados contractantes imporá aos nacionaes de outro a cauçãojudicio sisti ou o onus probandi, nos casos em que não exija um ou outro aos propriosnacionaes.

Art. 387. Não se autorizarão embargos preventivos, nem fianças, nem outrasmedidas processuaes de indole analoga, a respeito de nacionaes dos Estadoscontractantes, só pelo facto da sua condição de estrangeiros.

TITULO QUINTO

CARTAS ROGATORIAS E COMMISSÕES ROGATORIAS

Art. 388. Toda diligencia judicial que um Estado contractante necessite praticar emoutro será effectuada mediante carta rogatoria ou commissão rogatoria, transmittida porvia diplomatica. Comtudo, os Estados contractantes poderão convencionar ou acceitarentre si, em materia civel ou commercial, qualquer outra forma de transmissão.

Art. 389. Cabe ao juiz deprecante decidir a respeito da sua competencia e dalegalidade e opportunidade do acto ou prova, sem prejuizo da jurisdicção do juizdeprecado.

Art. 390. O juiz deprecado resolverá sobre a sua propria competencia rationematerix, para o acto que lhe é commettido.

253

Page 254: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 391. Aquelle que recebe a carta ou commissão rogatoria se deve sujeitar,quanto ao seu objecto, á lei do deprecante e, quanto á forma de a cumprir, á sua proprialei.

Art. 392. A rogatoria será redigida na lingua do Estado deprecante e acompanhadade uma traducção na lingua do Estado deprecado, devidamente certificada por interpretejuramentado.

Art. 393. Os interessados no cumprimento das cartas rogatorias de natureza privadadeverão constituir procuradores, correndo por sua conta as despesas que essesprocuradores e as diligencias occasionem.

TITULO SEXTO

EXCEPÇÕES QUE TÊM CARACTER INTERNACIONAL

Art. 394. A litispendencia, por motivo de pleito em outro Estado contractante poderáser allegada em materia civel, quando a sentença, proferida em um delles, deva produzirno outro os effeitos de cousa julgada.

Art. 395. Em materia penal, não se poderá allegar a excepção de litispendencia porcausa pendente em outro Estado contractante.

Art. 396. A excepção de cousa julgada, que se fundar em sentença de outro Estadocontractante, só poderá ser allegada quando a sentença tiver sido pronunciada com ocomparecimento das partes ou de seus representantes legitimos, sem que se haja suscitadoquestão de competencia do tribunal estrangeiro baseada em disposições deste Codigo.

Art. 397. Em todos os casos de relações juridicas submetidas a este Codigo,poderão suscitar-se questões de competencia por declinatoria fundada em seus preceitos.

TITULO SETIMO

DA PROVA

Capitulo I

DISPOSIÇÕES GERAES SOBRE A PROVA

Art. 398. A lei que rege o delicto ou a relação de direito, objecto de acção civel oucommercial, determina a quem incumbe a prova.

Art. 399. Para decidir os meios de prova que se podem utilizar em cada caso, écompetente a lei do lugar em que se realizar o acto ou facto que se trate de provas,

254

Page 255: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

exceptuando-se os não autorizados pela lei do lugar em que corra a acção.

Art. 400. A forma por que se ha de produzir qualquer prova regula-se pela leivigente no lugar em que fôr feita.

Art. 401. A apreciação da prova depende da lei do julgador.

Art. 402. Os documentos lavrados em cada um dos Estados contractantes terão nosoutros o mesmo valor em juizo que os lavrados nelles proprios, se reunirem os requisitosseguintes:

1. Que o assumpto ou materia do acto ou contracto seja feito e permittido pelas leisdo paiz onde foi lavrado e daquelle em que o documento deve produzir effeitos;

2. Que os litigantes tenham aptidão e capacidade legal para se obrigar conforme sualei pessoal;

3. Que ao se lavrar o documento se observem as formas e solennidadesestabelecidas no paiz onde se tenham verificado os actos ou contractos;

4. Que o documento esteja legalizado e preencha os demais requisitos necessariospara a sua authenticidade no lugar onde delle se faça uso.

Art. 403. A força executoria de um documento subordina-se ao direito local.

Art. 404. A capacidade das testemunhas e a sua recusa dependem da lei a que sesubmetta a relação de direito, objecto da acção.

Art. 405. A forma de juramento ajustar-se-á á lei do juiz ou tribunal perante o qualse preste e a sua efficacia á que regula o facto sobre o qual se jura.

Art. 406. As presumpções derivadas de um facto subordinam-se á lei do lugar emque se realiza o facto de que nascem.

Art. 407. A prova indiciaria depende da lei do juiz ou tribunal.

Capitulo II

REGRAS ESPECIAES SOBRE A PROVA DE LEIS ESTRANGEIRAS

Art. 408. Os juizes e tribunaes de cada Estado contractante applicarão de officio,quando fôr o caso, as leis dos demais, sem prejuizo dos meios probatorios a que estecapitulo se refere.

Art. 409. A parte que invoque a applicação do direito de qualquer Estadocontractante em um dos outros, ou della divirja, poderá justificar o texto legal, sua

255

Page 256: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

vigencia e sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados emexercicio no paiz de cuja legislação se trate.

Art. 410. Na falta de prova ou se, por qualquer motivo, o juiz ou o trubunal a julgarinsufficiente, um ou outro poderá solicitar de officio pela via diplomatica, antes dedecidir, que o Estado, de cuja legislação se trate, forneça um relatorio sobre o texto,vigencia e sentido do direito applicavel.

Art. 411. Cada Estado contractante se obriga a ministrar aos outros, no mais breveprazo possivel, a informação a que o artigo anterior se refere e que deverá proceder deseu mais alto tribunal, ou de qualquer de suas camaras ou secções, ou da procuradoriageral ou da Secretaria ou Ministerio da justiça.

TITULO OITAVO

DO RECURSO DE CASSAÇÃO

Art. 412. Em todo Estado contractante onde existir o recurso de cassação, ouinstituição correspondente, poderá elle interpôr-se, por infracção, interpretação errencaou applicação indevida de uma lei de outro Estado contractante, nas mesmas condições ecasos em que o possa quanto ao direito nacional.

Art. 413. Serão applicaveis ao recurso de cassação as regras estabelecidas nocapitulo segundo do titulo anterior, ainda que o juiz ou tribunal inferior já tenha feito usodellas.

TITULO NONO

DA FALLENCIA OU CONCORDATA

Capitulo I

DA UNIDADE DA FALLENCIA OU CONCORDATA

Art. 414. Se o devedor concordatario ou fallido tem apenas um domicilio civil oumercantil, não pode haver mais do que um juizo de processos preventivos, de concordataou fallencia, ou uma suspensão de pagamentos, ou quitação e moratoria para todos os seusbens e obrigações nos Estados contractantes.

Art. 415. Se uma mesma pessoa ou sociedade tiver em mais de um Estadocontractante varios estabelecimentos mercantis, inteiramente separados economicamente,pode haver tantos juizos de processos preventivos e fallencia quantos estabelecimentosmercantis.

256

Page 257: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Capitulo II

DA UNIVERSALIDADE DA FALLENCIA OU CONCORDATA E DOS SEUS EFFEITOS

Art. 416. A declaração de incapacidade do fallido ou concordatario tem effeitosextraterritoriaes nos Estados contractantes, mediante prévio cumprimento dasformalidades de registro ou publicação, que a legislação de cada um delles exija.

Art. 417. A sentença declaratoria da fallencia ou concordata, proferida em um dosEstados contractantes, executar-se-á nos outros Estados, nos casos e forma estabelecidosneste Codigo para as resoluções judiciaes; mas, produzirá, desde que seja definitiva epara as pessoas a respeito das quaes o seja, os effeitos de cousa julgada.

Art. 418. As faculdades e funcções dos syndicos, nomeados em um dos Estadoscontractantes, de accôrdo com as disposições deste Codigo, terão effeito extraterritorialnos demais, sem necessidade de tramite algum local.

Art. 419. O effeito retroactivo da declaração de fallencia ou concordata e aannullação de certos actos, em consequencia dessas decisões, determinar-se-ão pela leidos mesmos e serão applicaveis ao territorio dos demais Estados contractantes.

Art. 420. As acções reaes e os direitos da mesma indole continuarão subordinados,não obstante a declaração de fallencia ou concordata, á lei da situação das cousas porelles attingidas e á competencia dos juizes no lugar em que estas se encontrarem.

Capitulo III

DA CONCORDATA E DA REHABILITAÇÃO

Art. 421. A concordata entre os credores e o fallido terá effeitos estraterritoriaes nosdemais Estados contractantes, salvo o direito dos credores por acção real que a nãohouverem acceitado.

Art. 422. A rehabilitação do fallido tem tambem efficacia extraterritorial nos demaisEstados contractantes, desde que se torne definitiva a resolução judicial que a determina ede accôrdo com os seus termos.

TITULO DECIMO

DA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS PROFERIDAS POR TRIBUNAES ESTRANGEIROS

Capitulo I

MATERIA CIVEL

257

Page 258: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 423. Toda sentença civil ou contencioso-administrativa, proferida em um dosEstados contractantes, terá força e poderá executar-se nos demais, se reunir as seguintescondições:

1. Que o juiz ou tribunal que a tiver pronunciado tenha competencia para conhecer doassumpto e julgá-lo, de accôrdo com as regras deste Codigo;

2. Que as partes tenham sido citadas pessoalmente ou por seu representante legal,para a acção;

3. Que a sentença não offenda a ordem publica ou o direito publico do paiz ondedeva ser executada;

4. Que seja executoria no Estado em que tiver sido proferida;

5. Que seja traduzida autorizadamente por um funccionario ou interprete official doEstado em que se ha de executar, se ahi fôr differente o idioma em empregado;

6. Que o documento que a contém reuna os requisitos para ser considerado comoauthentico no Estado de que proceda, e os exigidos, para que faça fé, pela legislação doEstado onde se pretende que a sentença seja cumprida.

Art. 424. A execução da sentença deverá ser solicitada ao juiz do tribunalcompetente para levar a effeito, depois de satisfeitas as formalidades requeridas pelalegislação interna.

Art. 425. Contra a resolução judicial, no caso a que o artigo anterior se refere, serãoadmittidos todos os recursos que as leis do Estado concedam a respeito das sentençasdefinitivas proferidas em acção declaratoria de maior quantia.

Art. 426. O juiz ou tribunal, ao qual se peça a execução, ouvirá, antes de a decretarou denegar, e dentro no prazo de vinte dias, a parte contra quem ella seja solicitada e oprocurador ou ministerio publico.

Art. 427. A citação da parte, que deve ser ouvida, será feita por meio de carta oucommissão rogatoria, segundo o disposto neste Codigo, se tiver o seu domicilio noestrangeiro e não tiver, no paiz, procurador bastante, ou, na forma estabelecida pelodireito local, se tiver domicilio no Estado deprecado.

Art. 428. Passado o prazo que o juiz ou tribunal indicar para o comparecimento,proseguirá o feito, haja ou não comparecido o citado.

Art. 429. Se o cumprimento é denegado, a carta de sentença será devolvida a quem ativer apresentado.

258

Page 259: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Art. 430. Quando se accordo cumprir a sentença, a sua execução será submettida aostramites determinados pela lei do juiz ou tribunal para as suas proprias sentenças.

Art. 431. As sentenças definitivas, proferidas por um Estado contractante, e cujasdisposições não sejam exequiveis, produzirão, nos demais, os effeitos de cousa julgada,caso reunam as condições que para esse fim determina este Codigo, salvo as relativas ásua execução.

Art. 432. O processo e os effeitos regulados nos artigos anteriores serão applicadosnos Estados contractantes ás sentenças proferidas em qualquer delles por arbitros oucompositores amigaveis, sempre que o assumpto que as motiva possa ser objecto decompromisso, nos termos da legislação do paiz em que a execução ser solicite.

Art. 433. Applicar-se-á tambem esse mesmo processo ás sentenças civeis,pronunciadas em qualquer dos Estados contractantes, por um tribunal internacional, e quese refiram a pessoas ou interesses privados.

Capitulo II

DOS ACTOS DE JURISDICÇÃO VOLUNTARIA

Art. 434. As disposições adoptadas em actos de jurisdicção voluntaria, em materiade commercio, por juizes ou tribunaes de um Estado contractante, ou por seus agentesconsulares, serão executadas nos demais Estados segundo os tramites e na formaindicados no capitulo anterior.

Art. 435. As resoluções em actos de jurisdicção voluntaria, em materia civel,procedentes de um Estado contractante, serão acceitas pelos demais, se reunirem ascondições exigidas por este Codigo, para as efficacia dos documentos outorgados em paizestrangeiro, e procederem de juiz ou tribunal competente, e terão por conseguinteefficacia extra-territorial.

Capitulo III

MATERIAL PENAL

Art. 436. Nenhum Estado contractante executará as sentenças proferidas em qualquerdos outros em materia penal, relativamente ás sancções dessa natureza que ellasimponham.

Art. 437. Poderão, entretanto, executar-se as ditas sentenças, no que toca áresponsabilidade civil e a seus effeitos sobre os bens do condemnado, se foremproferidas pelo juiz ou tribunal competente, segundo este Codigo, e com audiencia do

259

Page 260: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

interessado e se se cumprirem as demais condições formaes e processuaes que o capituloprimeiro deste titulo estabelece.

DECLARAÇÕES E RESERVAS

Reservas da Delegação Argentina

A Delegação argentina faz constar as seguintes reservas, que formula ao Projecto deConvenção de Direito Internacional Privado, submettido ao estudo da Sexta ConferenciaInternacional Americana:

1. Entende que a codificação do Direito Internacional Privado deve ser “gradual eprogressiva”, especialmente no que se refere a instituições que, nos Estados americanos,apresentam identidade ou analogia de caracteres fundamentaes.

2. Mantém em vigor os Tratados de Direito Civil Internacional, Direito PenalInternacional, Direito Commercial Internacional e Direito Processual Internacional,adoptados em Montevidéo no anno de 1889, com os seus Convenios e Protocollosrespectivos.

3. Não acceita principios que modifiquem o systema da “lei do domicilio”,especialmente em tudo o que se opponha ao texto e espirito da legislação civil argentina.

4. Não approva disposições que attinjam, directa ou indirectamente, o principiosustentado pelas legislações civil e commercial da Republica Argentina, de que “aspessoas juridicas devem exclusivamente a sua existencia á lei do Estado que as autorize epor consequencia não são nacionaes nem estrangeiras; suas funcções se determinam peladita lei, de conformidade com os preceitos derivados do domicilio que ella lhesreconhece”.

5. Não acceita principios que admittam ou tendam a sanccionar o divorcio advinculum.

6. Acceita o systema da “unidade das successões”, com a limitação derivada da lexrei sitx, em materia de bens immoveis.

7. Admitte todo principio que tenda a reconhecer, em favor da mulher, os mesmosdireitos civis conferidos ao homem de maior idade.

8. Não approva os principio que modifiquem o systema do jus soli, como meio deadquirir a nacionalidade.

9. Não admite preceitos que resolvam conflitos relativos á “dupla nacionalidade”com prejuizo da applicação exclusiva do jus soli.

260

Page 261: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

10. Não acceita normas que permittam a intervenção de agentes diplomaticos econsulares, nos juizos e successão que interessem a estrangeiros, salvo os preceitos jáestabelecidos nas Republica Argentina e que regulam essa intervenção.

11. No regimen da Letra de Cambio e Cheques em geral, não admitte disposições quemodifiquem criterios acceitos nas conferencias universaes, como as da Haya de 1910 e1912.

12. Faz reserva expressa da applicação da “lei do pavilhão” nas questões relativasao Direito Maritimo, especialmente no que se refere ao contracto de fretamento e suasconsequencias juridicas, por considerar que se devem submetter á lei e jurisdicção dopaiz do porto de destino.

Este principio foi sustentado com exito pela secção argentina de International LawAssociation, na 31ª sessão desta e actualmente é uma das chamadas “regras de BuenosAires”.

13. Reaffirma o conceito de que todos os delictos commettidos em aeronaves, dentrodo espaço aereo nacional ou em navios mercantes estrangeiros, se deverão julgar e punirpelas autoridades e leis do Estado em que se encontrem.

14. Ratifica a these approvada pelo Instituto Americano de Direito Internacional, nasua sessão de Montevidéo de 1927, cujo conteúdo é o seguinte: “A nacionalidade do réunão poderá ser invocada como causa para se denegar a sua extradição”.

15. Não admitte principios que regulamentem as questões internacionaes do trabalhoe situação juridica dos operarios, pelas razões expostas, quando se discutiu o artigo 198do Projecto de Convenção de Direito Civil Internacional, na Junta Internacional deJurisconsultos do Rio de Janeiro, em 1927.

A Delegação argentina lembra que, como já o manifestou na illustre Commissãonumero 3, ratifica, na Sexta Conferencia Internacional Americana, os votos emittidos e aattitude assumida pela Delegação argentina na reunião da Junta Internacional deJurisconsultos, celebrada na cidade do Rio de Janeiro, nos mezes de Abril e Maio de1927.

Declaração da Delegação dos Estados Unidos da America

Sente muito não poder dar a sua approvação, deste agora, ao Codigo Bustamente, poristo que, em face da Constituição dos Estados Unidos da America, das relações entre osEstados membros da União Federal e das attribuições e poderes do Governo Federal,acha muito difficil fazê-lo. O Governo dos Estados Unidos da America mantém firme o

261

Page 262: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

proposito de não se desligar da America Latina, e, por isto, de accôrdo com o artigo 6º daConvenção, que permitte a cada Governo a ella adherir mais tarde, fará uso do privilegiodesse artigo 6º, afim de que, depois de examinar cuidadosamente o Codigo em todas assuas clausulas, possa adherir pelo menos a uma grande parte do mesmo. Por estas razões,a Delegação dos Estados Unidos da America reserva o seu voto, na esperança de poderadherir, scomo disse, a uma parte ou a consideravel numero de disposições do Codigo.

Declaração da Delegação do Uruguay

A Delegação do Uruguay faz reservas tendentes a que o criterio dessa Delegaçãoseja coherente com o que sustentou na Junta de Jurisconsultos do Rio de Janeiro o Dr.Pedro Varela, cathedratico da Faculdade de Direito do seu paiz. Mantém taes reservas,declarando que o Uruguay dá a sua approvação ao Codigo em geral.

Reservas da Delegação do Paraguay

1. Declara que o Paraguay mantém a sua adhesão ao Tratados de Direito CivilInternacional, Direito Commercial Internacional, Direito Penal Internacional e DireitoProcessual Internacional, que foram adoptados em Montevidéo, em 1888 e 1889, com osConvenios e Protocollos que os acompanham.

2. Não está de accôrdo em que se modifique o systema da “lei do domicilio”,consagrado pela legislação civil da Republica.

3. Mantém a sua adhesão ao principio da sua legislação de que as pessoas juridicasdevem exclusivamente sua existencia á lei do Estado que as autoriza e que, porconsequencia, não são nacionaes, nem estrangeiras; as suas funcções estão assignaladaspela lei especial, de accôrdo com os principios derivados do domicilio.

4. Admitte o systema da unidade das successões, com a limitação derivada da lex reisitx, em materia de bens immoveis.

5. Está de accôrdo com todo principio que tende a reconhecer em favor da mulher osmesmos direitos civis concedidos ao homem de maior idade.

6. Não acceita os principios que modifiquem o systema do jus soli como meio deadquirir a nacionalidade.

7. Não está de accôrdo com os preceitos que resolvem o problema da “duplanacionalidade” com prejuizo da applicação exclusiva do jus soli.

8. Adhere ao criterio acceito nas conferencias universaes sobre o regimen da Letrade Cambio e Cheque.

262

Page 263: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

9. Faz reserva da applicação da “lei do pavilhão”, em questões relativas ao DireitoMaritimo.

10. Está de accôrdo em que os delictos commettidos em aeronaves dentro do espaçoaereo nacional, ou em navios mercantes, estrangeiros, devem ser julgados pelos tribunaesdo Estado em que se encontrem.

Reserva da Delegação do Brasil

Impugnada a emenda substitutiva que propoz para o artigo 53, a Delegação do Brasilnega a sua approvação ao artigo 52, que estabelece a competencia da lei do domicilioconjugal para regular a separação de corpos e o divorcio, assim com tambem ao artigo54.

Declarações que fazem as Delegações da Colombia e Costa-Rica

As Delegações da Colombia e Costa-Rica subscrevem o Codigo de DireitoInternacional Privado em conjunto, com a reserva expressa de tudo quanto possa estar emcontradicção com a legislação colombiana e a costarriquense.

No tocante a pessoas juridicas, a nossa opinião é que ellas devem estar submetidas álei local para tudo o que se refira ao “seu conceito e reconhecimento”, como sabiamentedispões o artigo 32 do Codigo, em contradicção (pelo menos apparente) com as outrasdisposições do mesmo, como os artigos 16 e 21. Para as legislações das duas delegações,as pessoas juridicas não podem ter nacionalidade, nem de accôrdo com os principiosscientificos, nem em relação com as mais altas e permanentes conveniencias da America.Teria sido preferivel que, no Codigo, que vamos approvar, se tivesse omittido tudo quantopossa servir pra affirmar que as pessoas juridicas, particulamente as sociedades decapitaes, têm nacionalidade.

As delegações abaixo-assignadas, ao acceitarem o compromisso consignado noartigo 7º entre as doutrinas européas da personalidade do direito e genuinamenteamericana do domicilio para reger o estado civil e a capacidade das pessoas em direitointernacional privado, declaram que acceitam esse compromisso para não retardar aapprovação do Codigo, que todas as nações da America esperam hoje, como uma dasobras mais transcendentaes desta Conferencia, mas affirmam, emphaticamente, que essecompromisso deve ser transitorio, porque a unidade juridica do Continente se há deverificar em torno da lei do domicilio, única que salvaguarda efficazmente a soberania eindependencia dos povos da America. Povos immigração, como são ou deverão ser todasestas republicas, não podem elles ver, sem grande inquietação, que os immigrante

263

Page 264: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

europeus tragam a pretensão de invocar na America as suas proprias leis de origem, afimde, com ellas, determinarem, aqui o seu estado civil de capacidade para contractar.Admittir esta possibilidade (que consagra o principio da lei nacional, reconhecidoparcialmente pelo Codigo) é criar na America um Estado dentro de Estado e pôr-nosquasi sob o regimen das capitulações, que a Europa impoz durante seculos ás nações deAsia, por ella consideradas como inferiores nas suas relações internacionaes. AsDelegações abaixo-assignadas fazem votos por que muito breve desappareçam de todasas legislações americanas todos os vestigios das theorias (mais politicas do quejuridicas) preconizadas pela Europa para conservar aqui a jurisdicção sobre os seusnacionaes estabelecidos nas terras livres da America e esperam que a legislação doContintente se unifique de accôrdo com os principios que submettem o estrangeiroimmigrante ao imperio, sem restricções, das leis locaes. Com a esperança, pois, de que,em, breve a lei do domicilio seja a que reja na America o estado civil e a capacidade daspessoas e na certeza de que ella será um dos aspectos mais caracteristicos depanamericanismo juridico que todos aspiramos a criar, as delegações signatarias votam oCodigo de Direito Internacional Privado e acceitam o compromisso doutrinario em que omesmo se inspira.

Referindo-se ás disposições sobre o divorcio, a delegação colombiana formula a suareserva absoluta, relativamente a ser o divorcio regulado pela lei do domicilio conjugal,porque considera que para taes effeitos, e dado o caracter excepcionalmentetranscendental o sagrado do matrirmonio (base da sociedade e até do Estado), a Colombianão pode acceitar, dentro do seu territorio, a applicação de legislações estranhas.

As Delegações desejam, além disso, manifestar a sua admiração enthusiastica pelaobra fecunda do Dr. Sánchez de Bustamante, consubstanciadas neste Codigo, nos seus 500artigos formulados em clausulas lapidares, que bem poderiam servir como exemplo paraos legisladores de todos os povos. Doravante, o Dr. Sánchez de Bustamante será, nãosomente um dos filhos mais esclarecidos de Cuba, senão tambem um dos mais eximioscidadãos da grande patria americana, que pode, com justiça, ufanar-se de produzirhomens de sciencia e estadistas tão egregios, como o autor do Codigo do DireitoInternacional Privado, que estudamos o que a Sexta Conferencia Internacional Americanavai adoptar em nome de toda a America.

Reservas da Delegação de Salvador

Reserva primeira: especialmente applicavel aos artigos 44, 146, 176, 232 e 233:

No que se refere ás incapacidades que, segundo a sua lei pessoal, podem ter os

264

Page 265: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

estrangeiros, para testar, contractar, comparecer em juizo, exercer o commercio ouintervir em actos ou contractos mercantis, faz a reserva de que, no Salvador, taesincapacidades não serão reconhecidas nos casos em que os actos ou contractos tenhamcelebrados no Salvador, sem infracção da lei salvadorense e para terem effeitos no seuterritorio nacional.

Reserva segunda: applicavel ao artigo 187, paragrapho ultimo:

No caso de communidade de bens imposta aos casados como lei pessoal por umEstado estrangeiro, ella só será reconhecida no Salvador, se se confirmar por contractoentre as partes interessadas, cumprindo-se todos os requisitos que a lei salvadorensedetermina, ou venha a determinar no futuro, relativamente a bens situados no Salvador.

Reserva terceira: especialmente applicavel nos artigos 327, 328 e 329:

Faz-se a reserva de que não será admissivel, relativamente ao Salvador, ajurisdicção de juizes ou tribunaes estrangeiros nos juizos o diligencias de successões enas concordatas e fallencias, sempre que attinjam bens immoveis, situados no Salvador.

Reservas da Delegação da Republica Dominicana

1. A Delegação da Republica Dominicana deseja manter o predominio da leinacional, nas questões que se referem ao estado e capacidade dos Dominicanos, ondequer que estes se encontrem. Por este motivo, não pode acceitar, senão com reservas, asdisposições do Projecto de Codificação em que se dá preeminencia á lei “do domicilio”,ou á lei local; tudo isto, não obstante o principio conciliador enunciado no artigo 7º doProjecto, do qual é uma applicação o artigo 53 do mesmo.

2. No que se refere á nacionalidade, titulo 1º, livro 1º, artigo 9º e seguintes,estabelecemos uma reserva, relativamente, primeiro, á nacionalidade das sociedades, esegundo, muito especialmente, ao principio geral da nossa Constituição politica, pela quala nenhum Dominicano se reconhecerá outra nacionalidade que não seja a dominicana,emquanto resida em territorio da Republica.

3. Quanto ao domicilio das sociedades estrangeiras, quaesquer que sejam osestatutos e o lugar no qual o tenham fixado, ou em que tenham o seu principalestabelecimento, etc., reservamos este principio de ordem publica na RepublicaDominicana: qualquer pessoa que, physica ou moralmente, exerça actos da vida juridicano seu territorio, terá por domicilio o lugar onde possua um estabelecimento, uma agenciaou um representante qualquer. Esse domicilio é attributivo de jurisdicção para ostribunaes nacionaes nas relações juridicas que se referem a actos occorridos no paiz,

265

Page 266: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

qualquer que seja a natureza dos mesmos.

Declaração da Delegação do Equador

A Delegação do Equador tem a honra de subscrever, na integra, a Convenção doCodigo de Direito Internacional Privado, em homenagem ao Dr. Bustamante. Não crênecessario particularizar reserva alguma, exceptuando, somente, a faculdade geral contidana mesma Convenção, que deixa aos Governos a liberdade de a ratificar.

Declaração da Delegação da Nicaragua

Nicaragua, em assumptos que agora ou no futuro considere de algum modo sujeitosao Direito Canonico, não poderá applicar as disposições do Codigo de DireitoInternacional Privado, que estejam em conflicto com aquelle direito.

Declara que, como manifestou verbalmente em varios casos, durante a discussão,algumas das disposições do Codigo approvado estão em desaccôrdo com disposiçõesexpressas da legislação de Nicaragua ou com principios que são basicos nessa legislação;mas, como uma homenagem á obra insigne do illustre autor daquelle Codigo, prefere, emvez de discriminar reservas, fazer esta declaração e deixar que os poderes publicos deNicaragua formulem taes reservas ou reformem, até onde seja possivel, a legislaçãonacional, nos casos de incompatibilidade.

Declaração da Delegação do Chile

A Delegação do Chile compraz-se em apresentar as suas mais calorosas felicitaçõesao eminente sabio jurisconsulto americano, Sr. Antonio Sánchez de Bustamante, pelamagna obra que realizou, redigindo um projecto de Codigo de Direito InternacionalPrivado, destinado a reger as relações entre os Estados de America. Esse trabalho é umacontribuição poderosa para o desenvolvimento do panamericanismo juridico, que todosos paizes do Novo Mundo desejam ver fortalecido e desenvolvido. Ainda que estagrandiosa obra de codificação não se possa realizar em breve espaço de tempo, porqueprecisa da madureza e da reflexão dos Estados que na mesma devem participar, aDelegação de Chile não será um obstaculo para que esta Conferencia Panamericanaapprove um Codigo de Direito Internacional Privado; mas resalvará o seu voto nasmaterias e nos pontos que julgue conveniente, em especial, nos pontos referentes á suapolitica tradicional ou á sua legislação nacional.

Declaração da Delegação do Panamá

266

Page 267: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Ao emittir o seu voto a favor do projecto de Codigo de Direito InternacionalPrivado, na sessão celebrada por esta Commissão, no dia 27 de Janeiro ultimo, aDelegação da Republica do Panamá declarou que, opportunamente, apresentaria asreservas que julgasse necessarias, se esse fôsse o caso. Essa attitude da Delegação doPanamá obedeceu a certas duvidas que tinha sobre o alcance e extensão de algumasdisposições contidas no Projecto, especialmente no que se refere á applicação da leinacional do estrangeiro residente no paiz, o que teria dado lugar a um verdadeiroconflicto, visto que, na Republica do Panamá, impera o systema da lei territorial, desde omomento preciso em que se constituiu como Estado independente. Apesar disto, aDelegação panamense crê que todas as difficuldades que se pudessem apresentar nestadelicada materia foram previstas e ficaram sabiamente resolvidas por meio do artigosetimo do Projecto, segundo o qual “cada Estado contractante applicará como leispessoaes as do domicilio ou as da nacionalidade, segundo o systema que tenha adoptadoou no futuro adopte a legislação interna”. Como todos os outros Estados que subscrevam eratifiquem a Convenção respectiva, o Panamá ficará, pois, com plena liberdade deapplicar a sua propria lei, que é a territorial.

Entendidas, assim, as cousas, á Delegação do Panamá é grão declarar, comorealmente o faz, que á a sua approvação, sem a menor reserva, no Projecto de Codigo doDireito Internacional Privado, ou Codigo Bustamante, que é como se deveria chamar, emhomenagem ao seu autor.

Declaração da Delegação da Guatemala

Guatemala adoptou na sua legislação a civil o systema do domicilio, mas, ainda queassim não fôsse, os artigos conciliatorios do Codigo fazem harmonizar perfeitamentequalquer conflicto que se possa suscitar entre os differentes Estados, segundo as escolasdiversas a que tenha sido filiados.

Por consequencia, a Delegação de Guatemala está de perfeito accôrdo com omethodo que, com tanta illustração, prudencia, genialidade e criterio scientifico, seostenta no Projecto de Codigo do Direito Internacioral Privado e deseja deixar expressa asua acceitação absoluta e sem reservas de especie alguma.

Em 13 de fevereiro de 1928.

267

Page 268: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRENORMAS GERAIS DE DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO (1979)

Os Governos dos Estados Membros de Organização dos Estados Americanos,desejosos de concluir uma convenção sobre normas gerais de Direito InternacionalPrivado, convieram no seguinte:

Artigo 1

A determinação da norma jurídica aplicável para reger situações vinculadas com odireito estrangeiro ficará sujeita ao disposto nesta Convenção e nas demais convençõesinternacionais assinaladas, ou que venham a ser assinadas no futuro, em caráter bilateralou multinacional, pelos Estados Partes.

Na falta de norma internacional, os Estados Partes aplicarão as regras de conflito doseu direito interno.

Artigo 2

Os juízes e as autoridades dos Estados Partes ficarão obrigados a aplicar o direitoestrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujo direito seja aplicável, sem prejuízode que as partes possam alegar e provar a existência e o conteúdo da lei estrangeirainvocada.

Artigo 3

Quando a lei de um Estado Parte previr instituições ou procedimentos essenciaispara a sua aplicação adequada e que não sejam previstos na legislação de outro EstadoParte, este poderá negar-se a aplicar a referida lei, desde que tenha instituições ouprocedimentos análogos.

Artigo 4

Todos os recursos previstos na lei processual do lugar do processo serão igualmenteadmitidos para os casos de aplicação da lei de qualquer dos outros Estados Partes queseja aplicável.

Artigo 5

268

Page 269: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

A lei declarada aplicável por uma convenção de Direito Internacional Privadopoderá não ser aplicada no território do Estado Parte que a considerar manifestantecontraria aos princípios da sua ordem pública.

Artigo 6

Não se aplica como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quandoartificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais da lei do outro EstadoParte.

Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptor determinar a intençãofraudulenta das partes interessadas.

Artigo 7

As situações jurídicas validamente constituídas em um Estado Parte, e acordo comtodas as leis com as quais tenham conexão no momento de sua constituição, serãoreconhecidas nos Estados Partes, desde que não contrarias aos princípios da sua ordempública.

Artigo 8

As questões prévias, preliminares ou incidentes que surjam em decorrência de umaquestão principal não devem necessariamente ser resolvidas de acordo com a lei queregula esta última.

Artigo 9

As diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentes aspectos deuma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneira harmônica, procurando-serealizar os fins colimados por cada uma das referidas legislações. As dificuldades queforem causadas por sua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta asexigências impostas pela equidade no caso concreto.

Artigo 10

Esta Convenção ficará aberta à assinatura dos Estados Membros da Organização dosEstados Americanos.

Artigo 11

Esta Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serãodepositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos.

Artigo 12

269

Page 270: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Esta Convenção ficará aberta a adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos deadesão serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos.

Artigo 13

Cada Estado poderá formular reservas a esta Convenção no momento de assiná-la,ratificá-la ou a ela aderir, desde que a reserva verse sobre uma ou mais disposiçõesespecificas e que não seja incompatível com o objetivo e fim da Convenção.

Artigo 14

Esta Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que haja sidodepositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratificar aConvenção ou ela aderir depois de haver sido depositado o segundo instrumento deratificação, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dias a partir da data em que talEstado haja depositado seu instrumento de ratificação ou adesão.

Artigo 15

Os Estados Partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que vigoremsistemas jurídicos diferentes com relação a questões de que trata esta Convenção poderãodeclarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção se aplicará atodas as suas unidades territoriais ou somente a uma ou mais delas.

Tais declarações poderão ser modificadas mediante declarações ulteriores, queespecificarão expressamente a ou as unidades territoriais a que se aplicará estaConvenção. Tais declarações ulteriores serão transmitidas a Secretaria-Geral daOrganização dos Estados Americanos e surtirão efeito trinta dias depois de recebidas.

Artigo 16

Esta Convenção vigorará por prazo indefinido, mas qualquer dos Estados Partespoderá denunciá-la. O instrumento de denuncia será depositado na Secretaria-Geral daOrganização dos Estados Americanos. Transcorrido um ano, contato a partir da data dodepósito do instrumento de denuncia, cessarão os efeitos da Convenção para o Estadodenunciante, continuando ela subsistente para os demais Estados Partes.

Artigo 17

O Instrumento original desta Convenção, cujos textos em português, espanhol,francês e inglês são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria-Geral daOrganização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada do seu texto para orespectivo registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas, de conformidade com oartigo 102 da sua Carta constitutiva. A Secretaria-Geral da Organização dos Estados

270

Page 271: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Americanos notificará aos Estados membros da referida Organização, e os Estados quehouverem, aderido à Convenção, as assinaturas e os depósitos de instrumentos deratificação, de adesão e de denúncia, bem como as reservas que houver. Outrossim,transmitirá aos mesmos as declarações previstas no artigo 15 desta Convenção.

Em fé do que, os plenipotenciários infra-assinados, devidamente autorizados porseus respectivos Governos, firmam esta Convenção.

Feita na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, no dia oito de maiode mil novecentos e setenta e nove.

271

Page 272: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

*

__________Nota do autor: desde a promulgação da Emenda Constitucional n° 45/2004 a competência parahomologação de sentenças estrangeiras no Brasil passou a ser do Superior Tribunal de Justiça (CF,art. 105, I, i).

272

Page 273: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Obras do Autor

Livros publicados

Curso de direito internacional público. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,2015.

Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014.

Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Direito internacional privado: curso elementar. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

Direito internacional público: parte geral. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,2015.

Direito internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídicabrasileira. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001.

Direitos humanos e cidadania à luz do novo direito internacional. Campinas: Minelli,2002.

Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico dasituação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez deOliveira, 2002.

Natureza jurídica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Paulo: Ed. RT, 2005.

O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev. e atual. São Paulo:Ed. RT, 2013 (Coleção “Direito e Ciências Afins”, vol. 4).

Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: uma análise comparativa dossistemas interamericano, europeu e africano. São Paulo: Ed. RT, 2011 (Coleção“Direito e Ciências Afins”, vol. 9).

Por um Tribunal de Justiça para a Unasul: a necessidade de uma corte de justiça para aAmérica do Sul sob os paradigmas do Tribunal de Justiça da União Europeia e daCorte Centro-Americana de Justiça. Brasília: Senado Federal/Secretaria deEditoração e Publicações, 2014.

Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para oscontratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

273

Page 274: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva,2010.

Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969. 2. ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed.RT, 2012 (Coleção “Direito e Ciências Afins”, vol. 3).

Coautoria

Acumulação de cargos públicos: uma questão de aplicação da Constituição. Com WaldirAlves. São Paulo: Ed. RT, 2013.

Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José daCosta Rica. 4. ed. rev., atual. e ampl. Com Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Ed. RT,2013.

Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dosTratados. Com Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Ed. RT,2009.

Direito supraconstitucional: do absolutismo ao Estado Constitucional e Humanista deDireito. 2. ed. rev., atual. e ampl. Com Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Ed. RT, 2013(Coleção “Direito e Ciências Afins”, vol. 5).

Teoria tridimensional das integrações supranacionais: uma análise comparativa dossistemas e modelos de integração da Europa e América Latina. Com MicheleCarducci. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Coautoria e coordenação

O novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011.

Coautoria e cocoordenação

Controle de convencionalidade: um panorama latino-americano (Brasil, Argentina, Chile,México, Peru, Uruguai). Com Luiz Guilherme Marinoni. Brasília: Gazeta Jurídica,2013.

Crimes da ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da CorteInteramericana de Direitos Humanos. Com Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Ed. RT,2011.

274

Page 275: Direito Internacional Privado - Curso Elementar · Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que

Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI. Com AldirGuedes Soriano. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem à Professora FláviaPiovesan. Com Maria de Fátima Ribeiro. Curitiba: Juruá, 2004.

Doutrinas essenciais de direito internacional, 5 vols. Com Luiz Olavo Baptista. SãoPaulo: Ed. RT, 2012.

Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. ComCarlos Teodoro José Hugueney Irigaray. Cuiabá: Cathedral, 2009.

Novas vertentes do direito do comércio internacional. Com Jete Jane Fiorati. Barueri:Manole, 2003.

Novos estudos de direito internacional contemporâneo, 2 vols. Com Helena ArandaBarrozo e Márcia Teshima. Londrina: EDUEL, 2008.

O Brasil e os acordos econômicos internacionais: perspectivas jurídicas e econômicas àluz dos acordos com o FMI. Com Roberto Luiz Silva. São Paulo: Ed. RT, 2003.

Organização

Coletânea de direito internacional e Constituição Federal. 13. ed. rev., ampl. e atual.São Paulo: Ed. RT, 2015 (RT Mini Códigos, vol. 10).

275