Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do...

21
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/256742768 Direito, justiça e perdão- uma breve reflexão sobre a fundamentação do direito e análise da óptica judaico-cristã Data · September 2010 CITATIONS 0 READS 58 1 author: Pedro Dourados University of São Paulo 4 PUBLICATIONS 1 CITATION SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Pedro Dourados on 19 May 2014. The user has requested enhancement of the downloaded file.

Transcript of Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do...

Page 1: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/256742768

Direito, justiça e perdão- uma breve reflexão sobre a fundamentação do

direito e análise da óptica judaico-cristã

Data · September 2010

CITATIONS

0READS

58

1 author:

Pedro Dourados

University of São Paulo

4 PUBLICATIONS   1 CITATION   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Pedro Dourados on 19 May 2014.

The user has requested enhancement of the downloaded file.

Page 2: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

1

Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a fundamentação do direito e

análise da óptica judaico-cristã

Autor: Pedro Dourados

Situação acadêmica: GRADUANDO, 1° SEMESTRE

Categoria: XIII- Filosofia do Direito

Agradecimentos: Agradecemos breve, porém especialmente, a Rute Izabel Simões

Conceição e a André Luís Menegatti pela importante colaboração que deram ao texto e pela

indispensável amizade. E, acima de tudo, e apesar dos riscos e/ou da retórica, agradecemos a

Deus.

Resumo: É, geralmente, na ideia de “justiça” que se centram as atenções dos jusfilósofos,

desde a antiguidade. Há, não obstante, um outro valor com o qual o direito entra em contato e

no qual pode buscar a sua fundamentação axiológica: trata-se do valor “perdão” – conforme

este é forjado ao desenrolar do texto bíblico e da história do cristianismo. É em torno das

semelhanças e diferenças da aplicação de um direito que realiza justiça e de um direito que

perdoa – em situações excepcionais – que proporemos uma breve discussão, enfatizando três

casos: o perdão judicial, o perdão presidencial e a anistia.

Palavras-chave: Fundamentação do direito; valor; justiça; perdão e cristianismo.

Pretendemos, neste artigo, discutir a problemática da fundamentação do direito na

ideia de justiça comparando-a com a possibilidade de fundamentá-lo na ideia de perdão, esta,

segundo a concepção judaico-cristã, apresentada no texto bíblico, em especial, no Novo

Testamento.

A máxima latina ubi societas, ibi jus (onde há sociedade, aí está o direito) já deixa

claro que a existência da sociedade está intrinsecamente ligada à existência do mundo

jurídico. Este último, no entanto, vem questionando as bases da sua própria existência: trata-

se do problema da fundamentação do direito e de sua legitimidade.

Page 3: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

2

Sabe-se que tal fundamentação e legitimidade estão diretamente ligadas à questão da

justiça. Quando a temática torna-se demasiado abstrata, há quem faça uma cisão e diga que o

direito não deve se preocupar com questões filosóficas envolvendo conceitos ético-morais

como, por exemplo, a justiça. É este o pensamento de Hans Kelsen, segundo o qual “a questão

da justiça do sistema não deve ser tratada como um problema da ciência do direito, e sim da

filosofia” (KELSEN, comentado por BITTAR, 2003/2004, p.76).

A fragilidade da ideia de um direito que se baseia em si mesmo (enquanto um sistema

normativo absoluto que finda na norma fundamental) apresentada, segundo Ferreira (2008),

na crítica de Carl Schmitt à teoria purista de Kelsen, chamada por aquele de uma “tautologia

de uma crua factualidade”, permitiu que a idéia de justiça1 voltasse ao centro do debate sobre

a fundamentação do direito.

Essa ideia ganhou enfoque ainda maior com a introdução da teoria culturalista

tridimensional de Reale, o qual apontou que “segundo a dialética de implicação-polaridade,

aplicada à experiência jurídica, o fato e o valor nesta se correlacionam de tal modo que cada

um deles se mantém irredutível ao outro (polaridade) mas se exigindo mutuamente

(implicação)” (REALE, 1999, p. 67, grifo do autor).

1.1 Direito e Justiça: a possibilidade de um “sentido” para o sistema

jurídico

A justiça surge no contexto tridimensional, proposto por Reale (1999), como realidade

axiológica inevitável do direito. Assim sendo, a justiça é vista como um valor que assume

diferentes dimensões e concepções, dependendo do contexto histórico em que se encontra. De

tal forma, hoje, a concepção de justiça, para o autor, seria: “a condição primeira de todos

eles [demais valores], a condição transcendental de sua possibilidade como atualização

histórica. Ela vale para que todos os valores valham” (REALE, 1999, p. 377, grifo do autor).

Nesse contexto, a justiça é, portanto, o valor por que mais preza o direito e, por sua

vez, ela “funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores” (REALE,

1 A crítica de Shcmitt a Kelsen visava a, na verdade, apontar não a justiça, mas sim a política como o cerne do

direito. Não obstante, ela permitiu uma ruptura com o normativismo kelseniano a qual possibilitou a idéia de

justiça a reconquistar terreno.

Page 4: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

3

1999, p. 379, grifo do autor). Vista desse modo, pode-se afirmar que o fundador da teoria

tridimensional do direito enxerga a justiça como o valor maior da realidade axiológica do

mesmo, mas, parece isolá-la2 das duas outras dimensões (a fatídica e a normativa) não sendo,

portanto, a justiça um ponto essencial na fundamentação do direito como um todo (como um

sistema dotado de validade e faticidade).

Diferentemente, Ferraz Junior (2007) percebe que a dogmática jurídica não depende

de um valor para continuar sendo aplicada, entretanto, caso a aplicação do direito se

desvincule de qualquer valor, ela perde seu “sentido”. O sentido do direito é, em Ferraz

Junior, aquilo que lhe dá perenidade, que legitima o direito:

Enquanto se pode postular como certo que as normas jurídicas são

regras que de alguma forma se adaptam às mudanças sociais posto que podem

deixar de valer ao serem revogadas, conforme o interesse da decidibilidade

dos conflitos, o que se procura é uma espécie de estrutura de resistência à

mudança, que assegure à experiência jurídica um sentido persistente. Desde a

Antiguidade, foi na idéia de justiça que se buscou essa estrutura. [...]

Ao menos nesses termos existenciais é de reconhecer que a justiça

confere ao direito um significado no sentido de razão de existir (FERRAZ

JUNIOR, 2007, p.366, grifo nosso).

Constata-se que para Ferraz Junior a justiça assume um papel ainda mais importante

do que para Reale, pois, sem ela, o direito perde a sua razão de ser. O direito fundamenta-se,

portanto, em um valor de cunho ético-moral tornando-se, na verdade, um “instrumento, como

meio para a realização de justiça [...] sem o que o sistema torna-se mero ato de arbítrio e,

apesar de dotado de validade, confunde-se com o exercício da violência” (BITTAR,

2003/2004, p. 80, acerca da justiça na visão de sistema jurídico em Ferraz Junior).

Dessas reflexões, percebe-se que o direito necessita de um cunho ético-moral para que

a sua aplicação seja não simplesmente aceitável mas também compreensível.

Não obstante ser a justiça, como visto, o símbolo máximo desse aspecto ético-moral,

ela não é o único: em casos excepcionais, o ordenamento jurídico de vários países – o

brasileiro inclusive – baseia suas decisões não na realização da justiça, mas na concessão de

“perdão”. Muitas vezes, buscar o perdão, ao contrário de uma justiça stricto sensu é mais

2 Para Reale, seguindo a lógica da dialética por ele utilizada, a complexa noção do direito como norma e fato

“implica” a noção axiológica de justiça, a qual, por sua vez, encontra-se “polarizada” em sua própria dimensão

axiológica, da onde certo isolamento (apesar da implicação).

Page 5: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

4

eficaz na resolução de conflitos e traz mais rapidamente a ordem social à normalidade

desejada pelo direito.

1.2 Direito e Perdão: possibilidade da fundamentação do direito em um

valor alternativo

A questão que se apresenta é a seguinte: se a justiça tem sido utilizada, como disse

Ferraz Junior, desde a Antiguidade para dar sentido e perenidade ao direito, de onde vem a

ideia de que o perdão também é capaz de legitimar um ato jurídico? E em que tal ideia se

baseia? É o que procuraremos discutir adiante.

Para embasarmos nossa discussão, identificaremos o perdão no direito brasileiro e

atribuir-lhe-emos significado.

Enquanto a justiça relaciona-se com a idéia de equidade e com a máxima dare cuique

suum (“dar a cada um o que é seu”), o perdão, segundo o Dicionário Michaelis da Língua

Portuguesa (2010), é “remissão de uma culpa, dívida ou pena”.

Fundamentar o direito – ou, pelo menos, certos atos jurídicos de caráter excepcional –

no perdão significa, naqueles casos, não praticar justiça. Quando se perdoa alguém, retira-lhe

o que lhe é devido, seja a culpa, a dívida ou a pena.

A legislação brasileira, no que diz respeito ao perdão, age de tal forma especialmente

nos seguintes casos:

a) Concessão de anistia: Constituição Federal, Artigo 21 inciso XVII (anistia

enquanto competência da união. Lembramos serem inanistiáveis os crimes citados

no Artigo 5º, inciso XLIII da mesma Constituição. Entre tais crimes: “tortura, o

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como

crimes hediondos”);

b) Perdão presidencial: Constituição Federal, artigo 84, inciso XII;

Page 6: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

5

c) Perdão judicial: conforme marcante exemplo do Código Penal, artigo 121 § 5º

(“Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as

conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a

sanção penal se torne desnecessária”) seguindo disposto no artigo 107, inciso IX

do mesmo código.

Discutiremos tais exemplos no item 4.0, mas enfatizamos desde já que não são esses

os únicos casos em que o perdão (tratado aqui em sinonímia às expressões “graça”, “anistia” e

“indulto”) aparece em nossa legislação. Selecionamos apenas alguns casos (lembramos que há

possibilidade do perdão do ofendido e do perdão judicial em outras esferas do direito que não

a criminal.), já que, por exemplo, para efeito de extinção de punibilidade – estritamente penal

– basta o perdão judicial de qualquer outro foro jurídico.

1.2.1 Fazer justiça e conceder perdão, semelhanças e diferenças

Conforme vimos, o direito possui uma intrínseca relação com a axiologia (a disciplina

dos valores)3. O principal valor que se relaciona com o direito é o da justiça. Vimos, no

entanto, que o perdão também é usado para que se legitimem certos atos jurídicos que

assumem, como exposto, caráter de exceção, e não de regra.

A regra é que a aplicação da norma jurídica traga de volta a normalidade social

(resolva o conflito, no vocabulário de Ferraz Junior), mas não de forma neutra, e sim de forma

justa. Tal significa resolver o conflito de maneira a praticar o princípio da equidade, e

respeitar o ditame “a cada um o que é seu”4. Não nos delongaremos sobre os significados da

justiça, mas lembramos que esta muitas vezes se confunde com justiça material5.

3 Sobre o assunto conferir REALE, “Filosofia do Direito”. 2002, 20ªed. São Paulo: Saraiva. O autor dedica um

capítulo inteiro (cap.XXV, pp.351-60) à explicação da relação direito-valor. 4 O ditame em questão fora forjado pelos romanos e tinha o peso de uma “virtude”, ou seja, saber dar a cada um

o que é seu era uma virtude. Esse termo foi retomado por Santo Agostinho que o consagrou em sua escolástica.

Nesse sentido, Bittar (2007, p.203): “assim, [para Agostinho] onde não há verdadeira justiça, não há verdadeiro

Direito, [...], ou seja, [...], estará a presidir o conjunto das relações humanas a justiça, que é esta virtude que

distribui a cada um o que é seu” e “essa virtude que sabe atribuir a cada um o que é seu é uma virtude que

coordena interesses e vontades, estabelecendo a ordem”. Não pretendemos, aqui, tomar tal sentido da justiça

como o único válido, mas adotamo-o para fins de fluidez visto seu caráter mais ou menos universal. Pelo próprio

fato de ser uma máxima, a justiça enquanto virtude de dar as pessoas o que lhes é por direito é, a senso comum,

uma boa definição da justiça mesma – e isso, graças a sua clareza (qualquer falante do português básico entende

o significado da máxima) e pela sua paradoxal obscuridade (em diversos pontos, por exemplo: o que é “dar”?

Page 7: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

6

Da mesma forma, o perdão é capaz de dar sentido ao direito, pois, como a justiça,

trata-se de um valor que se destaca dentre muitos outros por possuir um forte aspecto positivo

– muitas vezes, corretamente relacionado ao amor.6

Diferentemente da justiça, o perdão consiste em não dar à pessoa o que é seu, por

direito. No caso, para que se configure perdão, é preciso que o “seu” seja algo pejorativo,

como “culpa, dívida ou pena”, por exemplo. Nessa situação, o que se dá à pessoa é, por isso

mesmo, algo que ela não “merece”.

Em sentido parecido, Arendt (in A Condição Humana, 2009) pensou sobre a

importância do perdão no relacionamento humano, sob a óptica da manutenção da fluidez e da

própria existência do âmbito daquilo que é “público”:

Se não fôssemos perdoados, eximidos das conseqüências

daquilo que fizemos, nossa capacidade de agir ficaria, por assim dizer,

limitada a um único ato de qual jamais nos recuperaríamos; seríamos

para sempre vítimas de suas conseqüências, à semelhança do aprendiz

de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o

feitiço. (ARENDT, 2009, p.249, grifo nosso)

Tomando o Estado como o grande aplicador do direito, quando este decide pelo

perdão, ao invés da justiça, ele está agindo de forma a “desculpar”. Isso significa que o Estado

abre mão de um direito seu, o direito de punir (imputar a culpa ou cobrar a dívida), o qual se

pode significar “impor”? e quanto à “seu”? entre outros pontos que dependem de uma interpretação marcada por

subjetivismos). 5 Existem outras máximas acerca da justiça, em especial, acerca da justiça material. Lembremos da aristotélico-

barbosiana “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. É, além disso, quase impossível falarmos

em justiça material sem pensarmos em Marx. Seguindo a lógica da dialética marxista, o direito não seria que

uma “superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes” (BITTAR, 2007, p.342). Após a revolução do

proletariado, porém, uma vez realizada a perfeita instalação e manutenção do comunismo material consciente

(não alienado), podemos dizer que se realizaria justiça com uma fusão da infra com a superestrutura. Desse

modo, o sentido (ideológico) de justiça só é plenamente possível, em Marx, caso seja reflexo de uma igualdade

material (justiça material, infra-estrutural). 6

Consideramos acertada a relação devido ao seguinte raciocínio: a palavra “perdão” relaciona-se

sinonimicamente à palavra “graça”; ambas as palavras referem-se ao ato de dar a alguém algo (valorativamente

bom) que não lhe é seu por direito, por merecimento; esse ato resume-se muito bem à palavra “caridade”; por

sua vez, a palavra “caridade” pode ser equiparada à palavra “amor” semanticamente. Assim tem sido, por

exemplo, em traduções do grego ao texto bíblico para a passagem da Epístola aos Gálatas 5: 22, onde o Apóstolo

Paulo descreve os chamados “frutos do espírito”, cujo primeiro a ser apresentado é o da “caridade”. Muitas

traduções do grego, porém, trazem a mesma palavra como “amor” (Cf. Na tradução de João Ferreira de Almeida,

71ª impressão, em Gálatas 5: 22, na qual lê-se “caridade”, mas na nota de rodapé “d” indica-se “ou amor”, como

possível tradução equivalente).

Page 8: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

7

baseia em seu poder de polícia e em seu “legítimo monopólio da violência”7 e “exime” o

perdoado das devidas “consequências”.

Assim sendo, temos aqui a maior diferença entre a aplicação da justiça e a concessão

de perdão: enquanto ao aplicar justiça o Estado executa um direito seu, ao conceder perdão o

Estado abre mão de seu direito.

2.0 A concepção judaico-cristã de perdão sob o enfoque de sua aplicação

Para a teologia cristã, o conceito de perdão, mais especificamente, no sentido de graça,

é paradigmático. Tanto é assim que, à sensu communis, a divisão da História da Humanidade

em dois períodos – antes de Cristo e depois de Cristo – equivale, para essa disciplina, não em

tempo, mas em sentido8, à divisão da História em Era da Lei e Era da Graça.

Sabe-se que, conforme a fé cristã, a chave da salvação da Humanidade encontra-se no

sacrifício do Cristo, o qual se consumou sob o aspecto da graça. A explicação é dada pelo

apóstolo Paulo em sua epístola aos Filipenses, capítulo cinco, versículos 5 a 10:

5: De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve

também em Cristo Jesus,

6: Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser

igual a Deus,

7: Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,

fazendo-se semelhante aos homens;

8: E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo,

sendo obediente até à morte, e morte de cruz.

9: Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu

um nome que é sobre todo o nome

10: Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que

estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra. (FILIPENSES, in: Bíblia

de Promessas, 2006, p.232, grifo nosso).

Analisando a passagem em questão percebemos, primeiramente, que a graça é tratada

como um “sentimento” (v. 5) que se equivale a um valor – sobretudo se tomarmos como

7 Para mais acerca do assunto, consultar DALLARI (1999), “Elementos de Teoria Geral do Estado”. Conferir em

O Poder Social, Capítulo I, pp.29-38. 8 A divisão antes de Cristo/depois de Cristo e a divisão Era da Lei/Era da Graça não equivalem aos mesmos anos

exatos do calendário, por assim dizer. “Depois de Cristo” inicia-se no ano 0, enquanto a “Era da Graça” somente

se dá por começada após o fim do “ministério de Cristo na Terra” (com sua morte, ressurreição e ascensão) que,

em termos de calendário, equivale ao ano 33 d.C. em termos simbólicos, porém, as divisões equivalem-se.

Page 9: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

8

referência a teoria de que a todo valor corresponde um sentimento: “diremos que sua tese

nuclear [da teoria subjetivista dos valores] consiste na afirmação de que os valores existem

como resultado ou como reflexo de motivos psíquicos, de desejos e inclinações, de

sentimento de agrado ou de desagrado” (REALE, 2002, p.196).

Logo em seguida (v. 7), observamos, na segunda passagem grifada, um dos aspectos

anteriormente citado do perdão – o qual diz respeito a abrir mão de um direito. Na fé cristã,

Jesus é Deus encarnado e, negando a sua posição superior, “aniquilou-se”, “humilhou-se”

para conceder ao homem a salvação, à qual não é do homem por direito, mas por graça.

O próprio apóstolo Paulo discursa sobre a questão na Epístola aos Romanos (cap. 3:

23-24) quando afirma: “porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo

justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”

(ROMANOS, In: Bíblia de Promessas, 2006, p180-1, grifo nosso).

Pode-se verificar nessa passagem que o perdão, conforme apresentado pelo apóstolo

Paulo, “justifica” o homem perante Deus. Se adotarmos a classificação da dogmática do

Direito Penal poderíamos dizer que “a redenção que há em Cristo Jesus” corresponde a uma

“causa de justificação” (Artigo 23 do Código Penal), o que faz com que o homem não seja

punido pelos seus pecados. Essa redenção, não faz, porém, com que eles sejam apagados da

história, como se não houvessem ocorrido, não retirando, portanto a “responsabilidade

objetiva” do homem pelas consequências dos seus atos pecaminosos.

Esse trecho indicia, ainda, a superioridade – axiologicamente falando – do perdão

sobre a justiça. Essa tese é reafirmada na epístola que Paulo enviou ao povo de Corinto (I CO

13: 13) na qual expõe que “agora, pois, permanece a fé, a esperança [de onde se origina a

justiça, tendo em vista que esta só pode ser observada após a realização do ato mesmo, isto é,

antes da sua realização, só se pode esperar que o ato seja justo] e a caridade [ou amor, a fonte

do perdão9]”. E, por fim, destaca que coexistem “estas três, mas a maior destas é a caridade”

(I CORÍNTIOS: Bíblia de Promessas, 2006, p.205).

9 Ilustramos aqui o pensamento de Arendt (op. cit., 2009) acerca do tema; também para a autora, a qual também

vê origens bíblicas na atual concepção de perdão, o mesmo deriva-se do amor “pois o amor, embora seja uma

das mais raras ocorrências da vida humana, possui, de fato, inigualável poder de auto-revelação e inigualável

clareza de perceber o quem [do outro], precisamente por não cuidar – de maneira quase alheia a este mundo – de

o que a pessoa amada é [...]” (p. 253-4, grifo da autora) e, somente assim, é possível perdoar alguém. Olhar

Page 10: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

9

Apesar da hierarquização dos valores apresentados, cabe ressalvar que a perspectiva

não é a de que haja uma cisão entre perdão e justiça, já que “[o amor] não folga10

com a

injustiça, mas folga com a verdade” (I CORÍNTIOS 13: 8, in: Bíblia de Promessas, 2006,

p.205).

3.0 As vantagens da aplicação do perdão como legitimador do sistema

Uma vez analisada uma das prováveis origens da atual concepção de “perdão”,

enquanto herança da filosofia cristã, vejamos o porquê da sua utilização como valor que

legitime um ato jurídico especial – em detrimento da justiça.

Nos versículos nove e dez do capítulo 2 da epístola do apóstolo Paulo aos Filipenses,

transcritos acima, temos a justificação, de caráter místico-espiritual, para a concessão de

perdão aos homens pela parte do Cristo. Como se percebe, há uma “recompensa”

extremamente positiva pelo fato de se ter dado aos homens perdão. No versículo nove lê-se

que “Deus o exaltou soberanamente [a Cristo]” e no versículo dez lê-se que “ao nome de

Jesus se dobre todo o joelho”.

Ao sacrifício de Cristo corresponde, pois, uma recompensa imensamente maior;

correspondência esta que, por sua vez, segue a lógica da dialética apresentada durante todo o

texto bíblico de “aniquilação do pecado”-“merecimento do paraíso”11

.

A lição que podemos extrair de tais passagens bíblicas para a aplicação do “perdão”

como instituto jurídico no direito positivo brasileiro do século XXI é a de que o perdão possui

um aspecto positivo (no sentido de valorativamente bom) que é ontologicamente imediato.

Como expusemos acima, o perdão se relaciona com o amor e a justiça com a

esperança. Tomemos como exemplo uma decisão judicial. No momento da aplicação da

interessante ela lança em relação a origem do perdão em sua atuação mais geral: “[...] o que o amor é em sua

própria esfera estritamente delimitada, o respeito é na esfera mais ampla dos negócios humanos” (p. 254), de

onde o respeito seria também fonte do perdão – concordamos com a autora, visto a relação que ela estabelece

entre amor e respeito. 10

Ressaltamos que a palavra “folgar” possui, aqui, o sentido de “aceitação” ou até mesmo o sentido de

“compatibilidade” e “coexistência”. 11

Lembramos que, na história de Cristo narrada pela Bíblia, após sua morte na cruz, ele foi ressuscitado e levado

em ascensão aos céus. As benesses tratadas por Paulo na passagem em questão referem-se à uma “glorificação”

de Cristo que ocorrerá, segundo as profecias bíblicas, em um momento pós-apocalíptico.

Page 11: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

10

sentença, e mesmo após o início da sua aplicação, ainda não é possível dizer se esta foi

realmente justa. Ao se aplicar uma sentença a alguém só se pode “esperar” que a mesma seja

justa/realize justiça. Diferentemente, se a decisão judicial em questão é realizada de maneira a

perdoar o acusado, podemos dizer que já no momento de sua aplicação os resultados são

“bons” (pelo menos para quem fora perdoado) tendo em vista seus efeitos serem imediatos12

.

E é justamente nesse caráter imediato dos efeitos surtidos pelo perdão que reside uma

das maiores vantagens em sua aplicação.

Ferraz Junior aponta que “seja qual for o objeto que determinemos para a Ciência

Dogmática do Direito, ele envolve a questão da decidibilidade [de conflitos]” (2007, p.88).

Em sentido similar, Reale diz que “no mundo jurídico, a compreensão se converte

necessariamente em normação” (1998, p.325). Assim sendo, conclui-se facilmente a

vantagem em conceder o perdão: ganha-se em tempo. Como momento de “normação” ou de

“decisão de conflito”, ao perdoar, o direito aplica imediatamente remédio efetivo ao

problema que turbou a ordem social.

Antes que se pergunte como isso é possível, colocamos em pauta a reflexão de

Marguerat (2006) sobre as diferenças entre a Era da Lei e a Era da Graça, quando este

discorre sobre a aplicação da “lei” (que visava à obtenção da justiça aos moldes judaicos de

interpretação da lei vigente desde a época do profeta Moisés13

): “a lei qualifica os indivíduos

na medida em que ela faz a partilha entre observadores [ou justos] e transgressores [ou

injustos]” (2006, p. 73, grifo nosso).

12

Não excluímos, aqui, as possíveis conseqüências negativas de um “perdão” pelo direito. É completamente

cabível pensar que um perdão judicial traga conseqüências desastrosas para o perdoado ou para outros entes da

sociedade, não obstante, o mesmo também é cabível pensar (e testemunhar) acerca de decisões judiciais que

apliquem a justiça. Assim, uma pena pode ser justa, mas pode trazer conseqüências piores que as do próprio

crime, isso ocorre, sobretudo, com as penas de prisão (que muitas vezes são justas) de curta duração aplicadas a

“infratores menores” (não no sentido etário, mas no sentido do desvalor mesmo da ação criminosa, pequenos

furtos, e delitos afins) que acabam saindo das penitenciárias “piores” do que quando lá chegaram. Conferir

Bittencourt (2010, p. 121): “Propõe-se, assim, aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária e

substituí-la, quando possível [...] recomenda-se que as penas privativas de liberdade limitem-se às condenações

de longa duração e áqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação”. 13

A lei judaica, aplicada desde a época de Moisés e seguida mais ou menos conforme aspectos exegéticos de

interpretação, pode ser encontrada no Antigo Testamento da Bíblia, em especial nos livros de Êxodo (onde é

narrado o episódio dos dez mandamentos), de Levíticos (com uma extensa compilação de leis comportamentais),

de Números e de Deuteronômio, os quais formam, junto com o livro de Gênesis o conjunto conhecido como

Pentatêuco ou Torá.

Page 12: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

11

A imediata efetividade do perdão explica-se pelo fato de ele agir de forma a que os

indivíduos (infratores e não infratores da lei) reassumam papel de igualdade perante a lei. Isto

é, o perdão não gera “qualificação” jurídica, diferentemente da justiça, que qualifica as

pessoas como “justas” e “injustas”, fazendo com que percam o caráter de igualdade perante a

lei.14

Outra vantagem, por assim dizer, é o caráter dialógico do perdão, em detrimento do

caráter arbitrário da justiça. Ainda sobre o exemplo de uma decisão judicial, suponhamos que

ela constitua uma decisão justa. Para que assim seja, a ação depende tão somente de um

correto posicionamento por parte do juiz, o qual realizará justiça sem que a opinião ou a

participação do réu seja relevante.15

A decisão judicial, nesse caso, independe da compreensão

ou da participação do réu, não havendo, portanto, diálogo estabelecido16

.

Muito diferente é o que ocorre se o juiz decidir pela concessão de perdão, pois: “a

graça não requer senão ser aceita [...]” (MARGUERAT, 2006, p. 74). É exatamente nesse

único “requerimento” da graça que o diálogo se estabelece entre o aplicador do direito e o réu.

Realmente, pouco valiosa é a graça que não é aceita. Para ser efetiva e para que o réu em

questão seja efetivamente perdoado é necessário que ele compreenda o processo pelo qual

passou, de forma a compreender o valor (socialmente falando) de ser perdoado e não receber

a penalidade que lhe era devida. Há, portanto, um processo comunicativo efetivo em uma

decisão de perdão17

.

14

Não negamos aqui a possibilidade de o “perdão” qualificar os indivíduos entre “perdoados” e “não-

perdoados”, ressalvamos, não obstante, que se trataria de uma possível qualificação social e não de uma

qualificação com efeitos jurídicos. 15

Note-se que, ao chamarmos a atitude justa de uma atitude “arbitrária” não estamos dizendo que ela é irracional

ou ilegal. O sentido que atribuímos à palavra “arbitrária” é diferente daquele sentido atribuído à “arbitrariedade”

que os iluministas enxergaram nos juízes dos reinados absolutistas. No contexto brasileiro, a decisão judicial

deve ser feita de acordo com as regras Processuais cujos valores estão presentes na Constituição Federal

(presunção de inocência, plena defesa, entre outros) e seguindo o dogma da legalidade (imortalizado por

Feurbach pela máxima nullum crimen, nulla poena sine lege) o que, certamente, faz com que as decisões

judiciais sejam ainda mais justas. Com “arbitrariedade”, ainda assim, referimo-nos ao caráter “unilateral” da

decisão judicial, que depende unicamente do ato do juíz, não estabelecendo comunicação efetiva com o réu. 16

Arendt (op. cit., 2009) segue raciocínio distinto, mas não divergente. Segundo a autora “a punição é a

alternativa do perdão, mas de algum modo seu oposto; ambos têm em comum o fato de que tentam por fim a

algo que, sem a sua interferência, poderia prosseguir indefinidamente” (p.253), a autora não fala, todavia, do

papel do perdoado uma vez que o perdão fora concedido. 17

É, portanto, bastante aparente uma relação entre o perdão efetuado pelo direito e a “ação comunicativa”

conforme proposta por Jürgen Habermas. Segundo Habermas (1997, p. 46), “num caso de conflito, os que agem

comunicativamente encontram-se perante a alternativa de suspenderem a comunicação ou de agirem

estrategicamente – de protelarem ou de tentarem decidir um conflito não solucionado”. Mantendo uma relação

Page 13: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

12

Se corretamente compreendido, é cabível pensar que o perdão gere por si só um

processo de reintegração social sem que o perdoado tenha que se afastar da sociedade (qual a

maior incoerência da pena de prisão, que visa a realizar re-inclusão social afastando os

condenados da sociedade18

[?]). Assim sendo, não somente a realidade social é normalizada

como também o antigo infrator não precisa ser excluído da sociedade ou ser taxado

juridicamente de modo negativamente “qualificador”.

4.0 O caráter de exceção da aplicação do perdão como valor

fundamentador do direito

Conforme vimos, há três casos especiais em que o sistema jurídico brasileiro

fundamenta-se no perdão. Não é preciso fazer pesquisas profundas para concluir que é muito

mais raro uma concessão de “anistia”, “perdão presidencial” ou “perdão judicial” que uma

aplicação de pena (latu sensu).19

Conclui-se disso que a utilização do perdão, enquanto valor

utilizado para dar sentido à aplicação do direito, é uma situação de exceção.

Com base nisso, vem à luz uma possível divergência. Se perdão e justiça são valores

de diferente natureza, o direito vai lançar mão de uma ou de outra “fonte” doadora de sentido.

Pode parecer, pois, que se terá que escolher qual caminho é preferível que o direito siga: o do

perdão ou o da justiça. Essa divergência é, contudo, superficial, pois, como dissemos, o

perdão age em casos excepcionais, sendo que nas demais diretrizes jurídicas – as quais, na

maioria das vezes é regulada por normas de grande abrangência – devem seguir um padrão de

justiça.

comunicativa, o aplicador do direito e o réu chegam a solução do conflito pela eliminação das conseqüências

jurídicas, o que requer, a custo de o perdão perder sua validade, a compreensão – por parte do réu – do processo

pelo qual passou, de modo que ambos (aplicador e réu) podem chegar a atingir seus objetivos (restabelecer a

normalidade social e amenizar as consequências amargas de se quebrar o direito) de modo democrático (sem que

uma vontade prevaleça sobre a outra). 18

Conferir Bittencourt (1993, p. 143): “não se pode ignorar a dificuldade de fazer sociais aos que, de forma

simplista, comamos de anti-sociais, se se os dissocia da comunidade livre e, ao mesmo tempo, se os associa a

outros anti-sociais”. 19

Pode-se verificar tal informação comparando as pesquisas em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Em seu site, ao fazer-se uma busca pela jurisprudência das palavras “perdão judicial” encontram-se apenas 59

documentos, nos quais muitos citam a “impossibilidade” do mesmo, e apenas alguns a sua execução. Ao

contrário, se procurarmos pela palavra “pena” encontram-se 33197 ocorrências, nas quais a palavra pena

aparece, geralmente, nas seguintes formas: “pena aplicada”, “pena base”, “pena total”, “pena fixada” e similares.

Page 14: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

13

A tese que defendemos é de que a natureza decisória da aplicação do direito e a

necessidade do controle dos rumos da sociedade de modo a frear os “abusos” de fato (tanto

abusos de poder econômico, quanto de poder político, quanto de poder físico, entre outros) faz

com que a aplicação da norma jurídica tenha uma relação muito mais direta com a justiça que

com o perdão. Fazendo um juízo de valor sobre tal afirmação, concluímos que se trata de uma

boa combinação.

A justiça é um valor fundamental para a manutenção da vida em sociedade, como

dissemos, de modo aceitável e compreensível. A aplicação do perdão deve, portanto,

continuar sendo uma aplicação de caráter excepcional.

4.1 A efetividade do perdão pelo instituto do “perdão judicial”

É preciso, apesar de tal feição de excepcionalidade, que o aplicador de lei saiba

identificar os tais casos de exceção nos quais não cabe dúvida sobre as vantagens de se

estabelecer um “diálogo” em detrimento de uma realização unilateral de justiça. No caso do

perdão judicial em esfera penal, o “caso de exceção” é tipificado, trata-se da “hipótese de

homicídio culposo, [na qual] o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da

infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne

desnecessária”, conforme redação do § 5º, Artigo 121 do Código Penal.

Sobre esse caso, consideramos extremamente feliz o posicionamento do legislador em

abrir essa margem de aplicação do perdão para o juiz20

. Imaginemos o seguinte caso: uma

mãe deixa – desobedecendo a um dever de cuidado – um pacote de veneno de rato em cima

de um móvel de altura relativamente baixa, de modo que sua filha, de 3 anos de idade, tem

acesso ao veneno e, ao consumi-lo, falece. Pelo simples fato de o falecimento ter ocorrido sob

responsabilidade culposa da mãe, já é legítimo (conforme disposto em lei) perdoá-la. Se

imaginarmos que o ocorrido se deu sob culpa inconsciente é até mesmo cogitável a idéia de

20

Consideramos, não obstante, extremamente infeliz a redação do Artigo que, aparentemente, atribui à pena a

exclusiva função de fazer a pessoa “sofrer” (pois é isso que geralmente ocorre quando alguém é atingido pela

morte de outrem que fora causada por ele próprio). Tal visão da função da pena parece basear-se em um

retribucionismo psicológico que não visa nem mesmo a buscar um caráter de “justo” (como ocorria no

retribucionismo de Kant), mas contenta-se com um caráter de “cruel”.

Page 15: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

14

que a mãe em questão não cometeu crime algum21

. Parece, portanto, mais do que lógico que

se conceda perdão a ela.

Perceba-se que perdoar a mãe significa não dar a ela o que lhe cabe por direito, no

caso, uma pena22

. Ao tomar esta atitude, o direito deixa de qualificar a mãe juridicamente e

dá-lhe a possibilidade de reorganizar sua vida. Ou seja, no exato momento em que ela recebe

o perdão, a normalidade social é restabelecida, pelo menos, nas possibilidades do direito de

fazê-lo. Uma vez não qualificada como injusta, mas, pelo contrário, sendo vista como alguém

“normal” (no sentido de “conforme à norma”), a mãe tem a possibilidade de agir de forma a

restabelecer a normalidade social nos âmbitos não jurídicos da existência humana, que são,

diga-se de passagem, muito mais importantes para alguém que acaba de perder um ente

próximo.

4.2 A efetividade do perdão pelo instituto do “perdão presidencial”

e um breve olhar sobre a questão da “paz”

O perdão presidencial é instituto jurídico que, quando utilizado sabiamente pelo chefe

do Estado, pode ser instrumento para restabelecer a normalidade social como também pode

ser instrumento para a manutenção da “paz” a nível internacional23

. Se entendermos paz como

fim do conflito, podemos dizer, por exemplo, que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da

Silva semeou-a quando, em 2009, perdoou parte da dívida monetária que países africanos

tinham com o Brasil.24

Parece bastante óbvio que, quando o Estado brasileiro deixou de exigir

um direito seu (cobrar a dívida inteiramente) em prol da ajuda a países africanos em estado de

grave subdesenvolvimento, a “paz” ganhou espaço para atuar.

21

Esta idéia é sustentável sob a ótica da ação final fundada por Hans Welzel: como não havia finalidade de que

algo de ruim ocorresse a sua filha, a mãe em questão agiu de forma que não houvesse nenhum elemento

subjetivo típico que pudesse qualificar sua atuação como criminosa. 22

A pena seria, todavia, aplicável sob a ótica da “Imputação Objetiva” tendo em vista o desvalor social (o

significado) da conduta da mãe, que precisaria ser punida para que a norma penal continuasse a ser válida com

plena eficácia, mantendo a expectativa social. Tal é a doutrina defendida recentemente por Claus Roxin e, mais

extremadamente, por Günther Jakobs. 23

Pode-se ler “paz” como sinônimo de “normalidade social”. A diferença de termos ocorre, pois, usualmente, a

nível local-nacional prefere-se utilizar o termo “normalidade social” e a nível internacional prefere-se usar o

termo “paz”. Se pensarmos no mundo globalizado do século XXI como hospedeiro de uma só comunidade, a

“aldeia global”, podemos adotar ambos os termos para ambos os níveis de realidade social. 24

Para mais sobre o caso, consultar: http://www.direito2.com.br/agu/2009/jan/22/procuradoria-consegue-manter-

perdao-presidencial-a-dividas-de-paises, consultado em 9 de julho de 2010.

Page 16: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

15

Uma vez em “paz” (quanto às suas dívidas), tais países puderam cuidar de demais

questões políticas que estavam pendentes em seus territórios – e, visto seu estado de

subdesenvolvimento, tais questões pendentes [AIDS? Fome? Seca?] deveriam ser muito mais

graves que cobrir um “mero” déficit financeiro internacional.

4.3 A efetividade do perdão a nível social: o instituto da “anistia”

no Brasil contemporâneo e na comunidade judaico-mosaica

O caso mais polêmico, por sua vez, é o da anistia. No Brasil, a anistia decretada pela

lei 6683, de 1979, é a mais problemática. De acordo com sua redação, o Artigo 1º dispõe que

“ é concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961

e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais

[...]”, de forma que a anistia englobou um grupo bastante abrangente de pessoas que

“lutaram” cada quais em seus lados (militares e não-militares25

).

A anistia constitui um perdão generalizado que toca a um grande número de pessoas.

Temos, aqui, um caso de clara exceção, onde ou o Estado abria uma infinidade de processos

judiciais para julgar a cada um que cometeu crimes na época ditatorial, ou o Estado concedia

anistia a todos, deixando de lado qualquer qualificação jurídica para que a sociedade pudesse

reencontrar seus trilhos políticos em direção a um retorno à democracia o qual, mesmo sem

penas, já seria conturbado.

O caminho seguido foi o segundo, e, a nosso ver, o perdão era realmente a melhor

escolha a ser tomada. A ditadura militar foi um fenômeno social, e, se o Estado brasileiro

quisesse julgar a cada militar e a cada não-militar que cometeu crimes políticos ou eleitorais

na época, as normas jurídicas aplicadas agiriam de forma incoerente, pois não ajudariam a

trazer a sociedade de volta ao seu estado de estabilidade, mas gerariam um caos qualificador

que dividiria a Nação entre justos (com militares e não-militares) e injustos (com militares e

não-militares) o que impediria o Brasil de efetivamente começar o processo de

redemocratização.

25

Não falamos aqui em militares e civis, pois havia civis que apoiaram o governo militar e militares que eram

contra o regime ditatorial militar.

Page 17: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

16

Em 2010, a lei 6683/79 foi levada a julgamento ao Supremo Tribunal Federal por

pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. Em defesa da manutenção e da não revisão da lei,

o então presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, declarou: “se é verdade que cada povo

resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos,

com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da

concórdia” e finalizou dizendo que: “uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos

com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos está

condenada a um fracasso histórico” 26

.

O presidente do STF, em seu voto favorável à lei, ratificou o aspecto pacificador do

perdão, em especial, ao citar “o caminho da concórdia”, o que pode lembrar-nos o caráter de

um diálogo bem sucedido, pois, somente com uma comunicação efetiva chega-se à concórdia,

diferentemente da discórdia, que pode ser facilmente atingida com um ato arbitrário

unilateral.

De modo semelhante, a Bíblia traz diversas passagens, sobretudo no Antigo

Testamento, em que o povo hebreu foi perdoado como um todo, de modo muito parecido com

a anistia. Assim aconteceu no conhecido episódio do “bezerro de ouro”, narrado no livro de

Êxodo27

. Resumidamente, o texto conta que, contrariamente ao permitido, o povo hebreu (que

havia acabado de fugir do Egito, onde era escravizado) logo se esqueceu de seu Deus e

construiu um bezerro de ouro para adorar. A pena correspondente seria a de morte, mas o

patriarca Moisés interveio pelo povo, que foi perdoado e pode, assim, continuar sua travessia

pelo deserto, distanciando-se do Egito em busca de Canaã, a terra prometida (ÊXODO, in

Bíblia de Promessas, 2006, pp. 98-100).

O povo hebreu tinha um deserto para atravessar. Tal missão seria impossível sob o

peso de um “pecado” generalizado se este não fosse perdoado. Uma vez concedida a “anistia

espiritual”, o povo pode continuar seu caminho rumo à terra prometida.

A história do povo brasileiro, ocorrida mais de cinco mil anos após a do povo hebreu,

parece uma releitura metafórica daquela. Após quase 20 anos de ditadura militar, se o Estado

26

Ambas as citações encontram-se disponíveis em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125515&caixaBusca=N . 27

Conferir capítulos 32 e 33.

Page 18: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

17

brasileiro tivesse se preocupado com as infrações realizadas durante esse período turbulento,

não teria a “paz” necessária para enfrentar o deserto rumo à democracia, a qual ainda está

sendo construída pelo povo brasileiro.

Conclusão

A questão da fundamentação do direito é um ponto flou na história da aplicação do

direito. Não se chegou à verdade absoluta da fundamentação do direito e, mesmo assim, ele

vem sendo utilizado como instrumento que estrutura a sociedade28

desde que esta surgiu (ubi

societas ...). Não foi, entretanto, por falta de busca que não se chegou a tal verdade absoluta.

Como Ferraz Junior destacou, desde a Antiguidade vem-se dando especial enfoque à

“justiça” como o valor que agrega sentido à aplicação do direito, que lhe dá uma perenidade

que transcende as mudanças de que lança mão a dogmática para uma melhor decidibilidade de

conflitos.

É no mesmo sentido que Reale diz que a existência do direito na sociedade implica a

adoção de um valor, e o valor em questão é a justiça – a qual, por sua vez, fundamenta-se na

dignidade da pessoa humana.

Apontamos, contudo, que não é somente na justiça que o direito pode encontrar seu

sentido, mas também no perdão. Justiça e perdão não se confundem. Apesar de podermos

pensar que perdoar alguém foi uma atitude justa, justiça e perdão separam-se pelo fato de

aquele dar as pessoas o que lhes é devido (por direito) e este redimir-lhes do que lhes é devido

(por direito), dando-lhes o que não lhes é seu por direito, mas por graça.

Desta ideia de perdão, encontramos possíveis origens no texto bíblico com a referência

do perdão de Cristo e de diversas passagens onde Deus perdoa o seu povo. Esta noção de

perdão encontramos, também, mas com a devida laicização, nos mais diversos ordenamentos

jurídicos do mundo, e também no brasileiro, nos casos especiais do perdão judicial e

presidencial e da anistia.

28

Acerca do tema, citamos Luhmann (1972, p.7): “Toda convivência humana é direta ou indiretamente cunhada

pelo direito. Como no caso do saber, o direito é um fato social que em tudo se insinua, e do qual é impossível

abstrair. Sem o direito, nenhuma esfera da vida encontra um ordenamento social duradouro[...]”.

Page 19: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

18

Se há alguma conclusão a que se chegar é esta: o perdão é um valor de origens

também muito positivas (se comparado à justiça) o qual também pode ser utilizado para a

fundamentação de atos jurídicos. Tais atos jurídicos ganham o caráter de excepcionalidade,

pois, via de regra, quer-se que o direito seja justo. Em tais casos excepcionais, é preferível

perdoar, pois, geralmente, precisa-se que a normalidade social seja o mais rapidamente

restabelecida. Como o perdão não qualifica as pessoas juridicamente, cabe a ele ser aplicado.

Ainda há que se dizer que, com sua aplicação, o perdão gera um diálogo29

efetivo

entre o aplicador do direito e o réu, de modo que aquele é convidado a participar da ação

jurídica (o que lhe agrega caráter de ação comunicativa) e a reconhecer o valor de ser

perdoado e não receber a sanção que lhe cabia, aumento suas possibilidades de reintegração

social.

Bibliografia

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª Ed. São Paulo: Forense Universitária,

2009.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1993.

_____________. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 15ª Ed. São Paulo:

Saraiva

BITTAR, Eduardo C. Bianca. A noção de sistema jurídico: contrapontos entre as

reflexões de Hans Kelsen e de tercio Sampaio Ferraz Junior. In Revista da faculdade de

Direito FAAP, vol.2(2), São Paulo – 2002/2003

29

Se pensarmos que a concessão do perdão estabelece um diálogo (aplicador do direito-réu) pode-se extrapolar a

noção de ação comunicativa enquanto se concede o perdão, e pensar-se em uma “ação dialógica”. A diferença

que propomos aqui baseia-se na ideia de diálogo (segundo a concepção bakhtiniana do mesmo) a qual expressa

sempre caráter de “responsividade” (conferir Brait, 2005, p. 21), neologismo que expressa a “responsabilidade” e

a “responsividade” da ação. Assim, a ação deixa de ser enxergada como uma ação pessoal realizada (pelo

médium da linguagem) em conjunto, ou perante a sociedade, mas passa a ser vista como dependente da

sociedade. No caso do perdão, aquele que o concede é, até certo limite, responsável pelo que estabelece,

enquanto, por outro lado, aquele que o recebe necessita dar uma resposta de efetivação (sob pena de não se

estabelecer diálogo) de modo que sua nova ação (sua resposta) inicia um novo ciclo de ações das quais ela será,

por sua vez, responsável e exigirá resposta dos demais entes da sociedade (de onde cremos possa-se esperar uma

digna ressocialização).

Page 20: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

19

_____________; ASSIS DE ALMEIDA, Guilherme. Curso de Filosofia do Direito.

5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave/ Beth Brait (org.) – São Paulo: Contexto,

2005.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17ª Ed. São

Paulo: Saraiva, 1999.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,

decisão, dominação. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

FERREIRA, Bernardo. O nomos e a lei. Considerações sobre o realismo político em

Carl Schmitt. In Kriterion vol.49 no. 118, Belo Horizonte. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2008000200004.

Consultado em 4 de julho de 2010.

CORÍNTIOS, I Aos; FILIPENSES, Aos; ROMANOS, Aos. In: Bíblia de Promessas.

Traduzido em português por João Ferreira de Almeida. 5ª Ed. São Paulo: King’s Cross, 2006.

Co-editora, Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 2006.

GÁLATAS. In: Bíblia Sagrada. Traduzido em português por João Ferreira de

Almeida. 71ª Impressão. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica do Brasil, 1990.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade, volume I.

Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.

MARGUERAT, Daniel. Lei e Juízo Final no Novo Testamento. In: Bíblia e direito: o

espírito das leis. São Paulo: Loyola, 2006.

MICHAELIS, Dicionário de língua portuguesa. Disponível em:

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

Page 21: Direito, justiça e perdão: uma breve reflexão sobre a ... · Categoria: XIII- Filosofia do Direito Agradecimentos: Agradecemos breve, ... A máxima latina ubi societas, ibi jus

20

portugues&palavra=perdão&CP=129047&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50.

Consultado em 5 de julho de 2010.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

_____________. Lições preliminares de direito. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: O Tribunal da cidadania. Brasília, Distrito

Federal, Brasil. Informações citadas disponíveis em:

http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b

=ACOR&livre=perdãojudicial e

http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b

=ACOR&livre=PENA, respectivamente. Acesso realizado em 9 de julho de 2010.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Brasília, Distrito Federal, Brasil. Informações

coletadas em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125515&caixaBusca=N ,

acessado em 9 de julho de 2010.

View publication statsView publication stats