DIREITO MARÍTIMO ADUANEIRO -...

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UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA LUÍS DE CAMÕES DEPARTAMENTO DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO Área: Ciências Jurídicas DIREITO MARÍTIMO ADUANEIRO REALIDADES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS Trabalho apresentado para obtenção do grau de Mestre em Direito Orientador: Professor Doutor José Manuel Albuquerque Martins Mestrando: José Manuel Serra de Andrade Lisboa, Junho de 2011

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  • UNIVERSIDADE AUTNOMA DE LISBOA LUS DE CAMES

    DEPARTAMENTO DE DIREITO

    MESTRADO EM DIREITO

    rea: Cincias Jurdicas

    DIREITO MARTIMO ADUANEIRO

    REALIDADES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

    Trabalho apresentado para obteno do grau de Mestre em Direito

    Orientador: Professor Doutor Jos Manuel Albuquerque Martins

    Mestrando: Jos Manuel Serra de Andrade

    Lisboa, Junho de 2011

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    Dedicatria

    A meus Pais,

    pelo exemplo, dedicao, sacrifcio e dignidade.

    Ao meu filho.

    Aos meus amigos.

  • 3

    Agradecimentos

    Uma das coisas mais agradveis, quando se escreve sobre um tema, a oportunidade de

    agradecer aos que contriburam para a sua elaborao.

    A lista ser sempre incompleta pelo que estes agradecimentos no fugiram regra.

    Ao meu orientador Professor Doutor Albuquerque Martins, pelos conselhos, ensinamentos e

    pacincia, aos Presidentes da Comisso do Domnio Pblico Martimo, Almirantes

    Espadinha Gallo e Rebelo Duarte, com quem trabalhei pelo muito que me incentivaram e

    apoiaram no tratamento deste tema, aos Directores Gerais das Alfndegas e dos Impostos

    Especiais sobre o Consumo, Drs. Joo de Sousa e Brigas Afonso, que concordaram na

    necessidade de se proceder modernizao da legislao aduaneira de base e aos colegas, e

    em especial ao Mestre Nuno Vitorino, pelo incentivo e auxlio sempre pronto.

  • 4

    Resumo

    O comrcio a principal fonte de riqueza das Naes e

    o mesmo no pode prosperar sem uma legislao adequada

    s suas diferentes necessidades - Ferreira Borges.

    A literatura jurdica nacional em matria de direito martimo escassa, quase praticamente

    reduzida s lies universitrias, s dissertaes de acesso ao magistrio ou escassa

    colaborao terica de algumas revistas de irregular periodicidade, especialmente se a

    compararmos com a proliferao da nossa legislao tributria.

    Com este trabalho procurou-se pesquisar e analisar as vrias formas de interveno e

    posicionamento das Alfndegas e a sua sustentao jurdica, articulada com os comandos

    internacionais, proporcionando uma viso integrada, relativamente ao Mar e aos portos

    nacionais que constituem um instrumento poltico fundamental e uma infra-estrutura essencial

    ao desenvolvimento da economia.

    O Regulamento das Alfndegas de 1941 e a Reforma Aduaneira de 1965 constituem-se, ainda

    hoje, como os pilares da legislao aduaneira nacional.

    A legislao convencional e o direito comunitrio, entretanto publicados, determinam a sua

    actualizao e substituio por um Regulamento ou Cdigo, que para alm da manuteno das

    normas ainda em vigor contempladas naquela legislao base, inclua tambm a legislao

    avulsa entretanto publicada e faa a necessria articulao com o direito internacional.

    Neste contexto crucial torna-se igualmente necessrio que Portugal defina as estratgias e os

    mecanismos que permitam optimizar, numa perspectiva integrada, os recursos do oceano e

    das zonas e actividades costeiras promovendo o desenvolvimento das actividades econmicas,

    o emprego e a proteco do patrimnio natural e cultural e aproveite o potencial das

    actividades tradicionais transportes martimos, pesca, construo naval, transformao de

    pescado e turismo e tambm das actividades novas como a agricultura off-shore, energia das

    ondas e das mars, elicas e biotecnologia, reas em que as Alfndegas devero retomar o seu

    papel de regulador da poltica econmica.

    Palavras-chave: Direito martimo aduaneiro, legislao nacional, comunitria e

    convencional, posicionamento territorial das Alfndegas e viso integrada dos actores

    porturios, estratgia poltico-econmica.

  • 5

    Abstract

    Trade is the main source of wealth of

    Nations and even cannot thrive without

    adequate legislation to their various needs. -

    Ferreira Borges.

    The national legal literature on the law of the sea is scarce, and it is practically reduced to

    academic lessons, the dissertations of access to the magisterium, or the scarce theoretical

    collaboration in magazines of irregular intervals, especially if we compare with the

    proliferation of our tax laws.

    With this work we tried to search and analyze various forms of intervention and placement of

    Customs and its legal support, liaison with international commands, providing an integrated

    view on the sea and national ports which constitute a fundamental political instrument and an

    infrastructure essential to the development of the economy.

    Customs Regulation of 1941 and the Customs Reform of 1965 are, still today, the pillars of

    the national customs legislation.

    Conventional law and Community law, however published, determine their update and

    replacement by a Regulation or Code, which in addition to the maintenance of law still in

    force contemplated on that basic law, also include other legislation however published and

    make the necessary liaison with international law.

    Crucial in this context it is necessary that Portugal set strategies and mechanisms to optimize,

    an integrated perspective, of the resources of the ocean and coastal areas and activities

    promoting the development of economic activities, employment and protection of natural and

    cultural heritage and leverage the potential of traditional activities sea transports, fishing,

    shipping, shipbuilding, fish processing and tourism and also new activities such as off-shore

    agriculture, wave and tidal power, wind power and biotechnology, areas in which the

    Customs must take its role as regulator of economic policy.

    Keywords: Customs maritime law, national law, community and conventional, territorial

    customs positioning of the Customs and integrated vision of port actors, political-economic

    strategy.

  • 6

    Siglas e abreviaturas

    Ac - Acrdo

    AEM - Auto-estrada do mar

    CC - Cdigo Civil

    CCA - Conselho de Cooperao Aduaneira

    Ccom - Cdigo Comercial

    CCG - Clusulas Contratuais Gerais

    CCI - Cmara de Comrcio Internacional

    CDMI - Comisso de Direito Martimo Internacional

    CDPM - Comisso do Domnio Pblico Martimo

    CEE - Comunidade Econmica Europeia

    CLCS - Commission on the Limits of the Continental Shelf

    CMR - Conveno relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias

    por Estrada

    CNMF - Clusula da Nao Mais Favorecida

    CNUCT - Conveno das Naes Unidas sobre o Comrcio Internacional

    CNUDM - Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar

    CPPT - Cdigo do Procedimento e Processo Tributrio

    CRP - Constituio da Repblica Portuguesa

    DES - Direito Especial de Saque

    DGAIEC - Direco-Geral da Alfndegas e dos Impostos Especiais de Consumo

    DIP - Direito Internacional Privado

    DG - Dirio de Governo

    DM - Direito Martimo

    DTM - Documento de Transporte de Mercadorias

    Em - Estado-membro

    EU - European Union

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    IGCP - Instituto de Gesto da Tesouraria e do Crdito Pblico, I.P.

    ICJ - International Court of Justice

    IMO - International Maritime Organization

    IPTM - Instituto Porturio e dos Transportes Martimos, I.P.

    LGT - Lei Geral Tributria

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    LMPAVE - Linha da mxima preia-mar de guas vivas equinociais

    MARPOL - Convention for the Prevention of Pollution from Ships

    OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OMA - Organizao Mundial das Alfndegas

    OMI - Organizao Martima Internacional

    OMC - Organizao Mundial do Comrcio

    PE - Parlamento Europeu

    RAT - Regime da arbitragem tributria

    SAFE - Segurana e Facilitao do Comrcio Mundial

    SEF - Servio de Estrangeiros e Fronteiras

    STJ - Supremo Tribunal de Justia

    TIJ - Tribunal Internacional de Justia

    TMI - Conveno sobre o Transporte Multimodal Internacional de Mercadorias

    UE - Unio Europeia

    ZEE - Zona Econmica Exclusiva

    ZMPS - Zona Martima Particularmente Sensvel

  • 8

    NDICE

    Dedicatria .......................................................................................................................... 2

    Agradecimentos ................................................................................................................... 3

    Resumo ................................................................................................................................ 4

    Siglas e abreviaturas ............................................................................................................ 6

    ndice ................................................................................................................................... 8

    INTRODUO .................................................................................................................. 11

    1. O mar, a economia e as alfndegas. Direito Martimo ............................................... 11

    2. Objectivos do trabalho ............................................................................................... 15

    2.1. Objectivo geral .................................................................................................. 15

    2.2. Objectivo especfico .......................................................................................... 16

    3. Estrutura do trabalho .................................................................................................. 17

    PARTE I Enquadramento do Direito Aduaneiro no Domnio Martimo do Estado ........ 19

    Captulo I - O Domnio Martimo do Estado ...................................................................... 20

    1. Caracterizao do territrio nacional ......................................................................... 20

    2. Princpios do domnio das guas ................................................................................ 21

    3. Soberania territorial e o domnio martimo do Estado ............................................... 23

    3.1. As guas interiores ............................................................................................ 23

    3.2. Mar territorial .................................................................................................... 24

    3.3. Zona contgua .................................................................................................... 24

    3.4. Zona Econmica Exclusiva ............................................................................... 25

    3.5. Plataforma Continental ou Submarina .............................................................. 27

    4. Reivindicao da extenso da Plataforma Continental alm das 200 milhas ............ 28

    5. Zona Martima Particularmente Sensvel ................................................................... 32

    Captulo II - Utilizao, manuteno e defesa do domnio pblico martimo .................... 36

    1. Constituio e funcionamento da CDPM ................................................................... 36

    2. O Domnio Pblico Martimo .................................................................................... 37

    3. A prova do direito de propriedade particular sobre reas genericamente

    classificadas como dominiais ..................................................................................... 40

    PARTE II O Direito Martimo dos Transportes ............................................................... 44

    Captulo I - O Direito Convencional ................................................................................... 45

    1. Conveno de Bruxelas de 1924 ................................................................................ 47

    2. Regras de Haia de 1924 .............................................................................................. 50

    3. Protocolo de Visby de 1968 e o Protocolo DES de 1979........................................... 50

    4. A Conveno das Naes Unidas no domnio do transporte martimo de

    mercadorias, de 1978 - Regras de Hamburgo ............................................................ 50\

    5. Conveno para a regulamentao do Transporte Internacional Multimodal de

    Mercadorias, Genebra 1980 ....................................................................................... 51

    5.1. O Transporte Multimodal e as diversas Regras ................................................ 53

    5.1.1. Regras de Haia ...................................................................................... 53

    5.1.1.1. A clusula Paramount ........................................................ 54

  • 9

    5.1.1.2. As clusulas das Seguradoras ................................................. 56

    5.1.2. Regras de Hamburgo ............................................................................. 56

    5.1.3. Regras UNCTAD/CCI de 1992 ............................................................. 57

    5.1.4. O Transporte Multimodal e o MERCOSUL ......................................... 58

    6. Conveno de Roma de 1980 ..................................................................................... 60

    7. Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 .............................. 60

    7.1. Definio de um novo quadro jurdico na CNUDM ......................................... 62

    7.2. A interveno das Alfndegas ........................................................................... 62

    7.3. A questo jurdica da publicao ...................................................................... 63

    8. Evoluo do direito martimo internacional e seus princpios ................................... 64

    Captulo II Os Incoterms e os Trade terms ...................................................................... 66

    Captulo III - A Poltica de Transportes da Unio Europeia ............................................... 67

    1. Base jurdica do Transporte Martimo no Tratado da Unio Europeia e outra

    legislao Comunitria ............................................................................................... 68

    2. O Princpio da Livre Prestao de Servios ............................................................... 69

    2.1 Regime da concorrncia .................................................................................... 74

    Captulo IV - Quadro Evolutivo do Direito Comercial Martimo Nacional ....................... 76

    1. Caracterizao do Direito Comercial ......................................................................... 76

    2. Os Cdigos Comerciais e a legislao avulsa ............................................................ 77

    2.1. O Direito Comercial Martimo nos primeiros Cdigos Comerciais ................. 77

    2.1.1. O Cdigo Comercial de 1833 ................................................................ 78

    2.1.2. O Cdigo Comercial de 1888 ................................................................ 79

    2.2. Rever o Cdigo Comercial ou um Cdigo de Navegao Martima ................. 79

    2.3. A Reforma faseada ............................................................................................ 80

    2.3.1. O Novo Direito Comercial Martimo Portugus (1986-87) .................. 81

    2.3.1.1. O Contrato de Transporte de Mercadoria por Mar ................. 81

    2.3.1.2. O Contrato de Fretamento ...................................................... 83

    2.3.1.3. Outros contratos na legislao dos anos oitenta ..................... 86

    2.4. Legislao martima dos anos noventa .............................................................. 86

    2.5. Proposta de Lei que aprova a Lei de Navegao Comercial Martima ............. 88

    PARTE III - A Ordem Econmica Internacional e o Direito Aduaneiro ............................ 90

    Captulo I A Unio Europeia e as Organizaes Internacionais. Direito Aduaneiro ....... 91

    1. O Tratado da CEE e os Acordos do GATT ................................................................ 92

    2. O Cdigo Aduaneiro Comunitrio (CAC) ................................................................. 93

    3. Poltica de segurana martima na Unio Europeia ................................................... 94

    3.1. Principais instrumentos em matria de segurana ............................................. 95

    3.2. Segurana dos navios de transporte de passageiros .......................................... 96

    3.3. Instrumentos de controlo dos navios ................................................................. 97

    3.4. Vistorias e inspeces a navios ......................................................................... 98

    Captulo II Convenes UNESCO e de Quioto ............................................................... 100

    1. Quadro legal especfico para Proteco do Patrimnio Cultural Subaqutico ........... 100

    2. Quadro legal especfico dos Regimes e Procedimentos Aduaneiros - Conveno

    de Quioto .................................................................................................................... 103

    Captulo III - As grandes Organizaes Internacionais e a facilitao das trocas .............. 106

    1. A Organizao Mundial das Alfndegas (OMA) ....................................................... 106

  • 10

    2. A Organizao Mundial do Comrcio (OMC) ........................................................... 106

    2.1. Resoluo de litgios e exame das polticas comerciais .................................... 107

    2.2. Acordos da OMC .............................................................................................. 108

    2.3. A OMC e a inspeco antes de embarque ......................................................... 109

    Captulo IV - A Legislao Aduaneira Nacional ................................................................ 112

    1. O Regulamento das Alfndegas e a Reforma Aduaneira ........................................... 112

    2. Necessidade de uma poltica legislativa integrada do mar ......................................... 117

    3. Medidas preventivas e repressivas a adoptar pelas Alfndegas ................................. 118

    3.1. O combate evaso e fraude aduaneira e fiscal ................................................ 118

    3.2. Medidas Estratgicas no combate fraude ....................................................... 118

    3.2.1. A cooperao aduaneira na Conveno Npoles II ............................... 122

    3.3. Medidas Preventivas ......................................................................................... 123

    3.3.1. Medidas de carcter administrativo ....................................................... 123

    3.3.2. Medidas operacionais: vigilncia, fiscalizao e controlo .................... 124

    3.3.3. Medidas relativas a meios de transporte ............................................... 128

    3.4. Cooperao bilateral com o Reino de Espanha ................................................. 129

    3.5. Cooperao a nvel dos pases da CPLP ........................................................... 129

    Captulo V O Transporte de Mercadorias e os Procedimentos Aduaneiros na Via

    Martima .............................................................................................................................. 131

    1. A Via Martima: Alfndegas martimas ..................................................................... 131

    2. Os meios de transporte e os procedimentos aduaneiros ............................................. 132

    2.1. O Aviso e a Notcia de chegada ........................................................................ 134

    2.2. Ancoradouros e documentao ......................................................................... 135

    2.3. Manifestos e Role de equipagem ...................................................................... 136

    2.4. Formalidades na sada ....................................................................................... 136

    2.5. Formulrios para o despacho de navios ............................................................ 137

    2.6. Malas de correio, amostras e esplios ............................................................... 138

    2.7. Provises de bordo ............................................................................................ 138

    2.8. O manifesto martimo electrnico ..................................................................... 138

    2.9. Estados da contramarca ..................................................................................... 140

    2.10. O Sistema de Declarao Sumria (SDS) Via martima ................................ 141

    3. Assistncia e Salvao Martimas .............................................................................. 141

    3.1. A recuperao de salvados ................................................................................ 142

    3.2. Assistncia e salvamento de navios .................................................................. 143

    Captulo VI - As Auto-Estradas Martimas e a importncia estratgica do Mar ................ 145

    1. Portugal como Plataforma Logstica Europeia ........................................................... 145

    1.1. A concentrao de fluxos de mercadorias em vias logsticas de base

    martima ............................................................................................................ 145

    1.2. Funo logstica dos portos e gesto dos terminais porturios ......................... 154

    1.3. O sector martimo-porturio nacional Perspectivas ....................................... 156

    2. A importncia logstica do transporte e corredor verde ............................................. 158

    CONCLUSES ................................................................................................................... 161

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 165

    ANEXO ............................................................................................................................... 172

  • 11

    INTRODUO

    1. O mar, a economia e as alfndegas. Direito Martimo

    Ao longo dos ltimos anos no foi fcil discutir o tema do Mar e no queremos correr o risco

    de perder esta oportunidade de contribuir para uma estratgia definidora das bases jurdicas

    que enformam a economia do mar.

    Portugal, enquanto espao independente e por razes de desenvolvimento econmico est

    forado a olhar para todas as possveis fontes de crescimento.

    Ora, Portugal, entre outros recursos, tem um enorme recurso inexplorado: o Mar.

    Neste contexto, sob uma perspectiva integrada e dando sequncia a uma verdadeira poltica

    europeia, avanada pela Comisso com o lanamento do Livro Verde, o qual traduz a viso

    europeia sobre os oceanos e mares, torna-se crucial que se defina uma estratgia e os

    mecanismos que permitam optimizar os recursos do oceano e das zonas e actividades

    econmicas, em que as Alfndegas, assim, devero reassumir um papel fundamental.

    A Histria de Portugal foi desde sempre influenciada pelo Mar.

    Desde as frotas de cruzados que ajudaram na conquista do territrio nacional, ao comrcio

    martimo com a Flandres, Inglaterra e cidades do Mediterrneo, at s primeiras descobertas

    das ilhas atlnticas e, posteriormente, do caminho martimo para a ndia e do Brasil, so

    demonstraes da utilizao pioneira de um poder naval portugus.

    As diversas viagens de explorao realizadas permitiram desbravar novas rotas de comrcio

    da Europa com frica, Brasil e sia: alcanar o ouro da Mina, o acar e o ouro do Brasil e

    as diversas especiarias do Oriente.

    As novas rotas martimas procuradas pelos navegadores ocidentais com o Oriente resultam

    tambm da necessidade de fugir incidncia das taxas pesadas daquele comrcio oriental que

    vinham sendo impostas desde a expanso do Imprio Otomano, cuja bandeira, com uma

    estrela de cinco pontas e um crescente, forma tambm a base da actual bandeira da Turquia,

    repblica sucessora deste Imprio em 1923, que s entrou em declnio com a perda desse

    comrcio. Como refere Oliveira Marques1 o ltimo componente populacional significativo na

    histria da Pennsula Ibrica foi o dos povos islmicos.

    1 MARQUES, A. H. Oliveira Histria de Portugal. 13. ed. Lisboa: Editorial Presena. 1997. Vol I, p. 30.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_da_Turquiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1923

  • 12

    Por tais razes, a viso estratgica que permitiu o controlo do mar esteve sempre presente nos

    nossos governantes, implementando-se a criao de colnias em frica, na Amrica e na

    ndia, em que assumiram papel preponderante, entre outros, D. Francisco de Almeida e

    Afonso de Albuquerque.

    Aquelas novas riquezas, por sua vez, e em termos sociais haveriam de transferir a influncia e

    o poder da nobreza para a burguesia e transformar uma sociedade feudal em sociedade

    burguesa, com benefcio das classes comerciais citadinas.

    Refere-se este perodo, os Sculos XV e XVI, para demonstrar a influncia do mar e o papel

    que, desde cedo, cabe s Alfndegas nas trocas comerciais martimas.

    Para isso, desde logo, o estabelecimento de pontos de apoio para as frotas na costa oriental de

    frica foi uma preocupao, criando-se as feitorias como postos de desenvolvimento

    comercial.

    O desenvolvimento do comrcio seria acompanhado da melhoria dos navios, cujos aparelhos,

    equipamento, armamento e solidez de construo se foram adaptando s diversas

    necessidades, blicas ou comerciais, em pequenas ou longas viagens, tudo isso, por sua vez,

    suportado no engenho da evoluda construo naval portuguesa.

    Os progressos na arte de navegar e o afastamento da costa no teriam sido possveis sem o

    valioso apoio dos diversos instrumentos martimos como a agulha magntica trazida pelos

    rabes e Cruzados da China, e de outros que a partir do Sculo XV foram postos ao servio

    dos navegadores, como o astrolbio nutico, cuja criao se deve aos portugueses, do

    quadrante ou da balestilha.

    Em termos da conquista e expanso territorial portuguesa, segundo Saturnino Monteiro2 os

    diversos marcos e cronologia de viagens de descobrimentos permitem que a nossa Histria

    Martima comporte os perodos seguintes:

    1. Perodo de 1139 a 1250 Conquista do territrio;

    2. Perodo de 1251 a 1414 Alianas e guerras com Castela;

    3. Perodo de 1415 a 1579 Expanso Ultramarina;

    2 MONTEIRO Saturnino - Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa. 1994.Vol I (Obra em 8 volumes).

    Comandante da Marinha, especialista em Histria Martima Portuguesa, um dos mais importantes estudiosos da

    rea, traa a histria de um pas e das rotas martimas que mudaram o mundo, com base em dados recolhidos nas

    mais diversas fontes e nos arquivos oficiais da marinha.

  • 13

    4.Perodo de 1580 a 1668 Perda e recuperao da independncia, guerras com os

    Ingleses e Holandeses;

    5. Perodo de 1669 a 1807 Dependncia econmica em relao ao Brasil;

    6. Perodo de 1808 a 1975 Debilidade econmica, diviso ideolgica.

    Outros autores, como Marcello Caetano3 e Cabral de Moncada

    4 apresentaram para o direito

    portugus outras delimitaes adoptando, predominantemente o critrio jurdico-poltico.

    Reala-se que no Sculo XVI a XVIII um conjunto de autores e de polticas econmicas

    foram divulgados na Europa: designados por mercantilistas e sistema mercantil

    (expresso empregue por Adam Smith5) e que determinou o pensamento econmico

    dominante nessa poca. Tal pensamento determinaria um nacionalismo econmico

    mercantilista, fundado no imprio colonial, que implicaria formas de dirigismo econmico

    por parte do Estado (Rei). Fomentando a produo nacional, evitando as importaes,

    promovendo as exportaes, o que exigiu um elevado proteccionismo por parte das

    Alfndegas6,7

    .

    O Estado, arbitrrio ou poder rgio, vai intervir nesse perodo legislativamente atravs da

    regulamentao dos mais variados aspectos da vida econmica: desde a autorizao da

    produo at s pautas alfandegrias de carcter proteccionista, controlo das importaes e

    dos pagamentos ao estrangeiro, licenas do comrcio externo, normas sobre a produo,

    categorizao de bens como de primeira necessidade ou como sumpturios (v.g., cerveja),

    subvenes produo e exportao, isenes, monoplios de produo, feitorias,

    entrepostos e at companhias para o comrcio martimo exclusivo dos produtos coloniais,

    como foi o caso da Companhia das ndias.

    No sentido contrrio, com Hume e Adam Smith8, o livre cambismo, Sculo XIX, reduziu os

    direitos aduaneiros, consagrando a Clusula da Nao Mais Favorecida que,

    posteriormente, vir a ser abundantemente reflectida em mltiplos tratados e convenes bi e

    multilaterais entre Estados, substituindo um apertado dirigismo estatal por um liberalismo

    3 CAETANO, Marcello Histria do Direito Portugus. 3. ed. Lisboa/S. Paulo: Editorial Verbo. 1992, p. 30.

    Distingue cinco perodos: 1. Formao do Estado (1140-1248), 2. Consolidao do Estado (1248-1495), 3.

    Estabilizao do Estado (1495-1750), 4. Reformas da Ilustrao (1750-1820), 5. (1820-1926) Revoluo liberal 4 MONCADA, Cabral de, O Problema Metodolgico na Cincia da Histria do Direito Portugus, in Estudos

    de Historia do Direito, Vol II, p. 180-181. 5 SMITH, Adam Inqurito sobre a Natureza e as causas da Riqueza das Naes. 2. ed. Vol 2. Lisboa:

    Fundao C. Gulbenkian. 1989. 6 NEVES, Arnaldo Gabriel R. Costa Dos contratos de contrapartidas no comrcio internacional

    (Countertrade). 2003. p. 195. 7 TAMANES, Ramn Estrutura da Economia Internacional. 1979. p. 27.

    8 Salienta-se que Smith foi Director das Alfndegas de Edimburgo.

  • 14

    econmico como, ainda, consagrando o actual princpio da liberdade contratual. Assim,

    passando a competir ao Estado unicamente um papel de garantir as regras de uma leal

    concorrncia e fiscalizar o seu cumprimento.

    , neste quadro evolutivo, que surge a liberdade dos mares e a passagem de um direito

    consuetudinrio a um direito comercial martimo, o qual se caracterizava por regular um

    conjunto de actividades ligadas navegao por mar9, protegendo o pavilho da potncia

    metropolitana atravs do acesso livre a todos os portos, como igualmente regulava o direito

    dos navios, o contrato e o transporte martimo de mercadorias e de passageiros e ocorrncias

    que com os mesmos pudessem emergir, v.g., avarias, naufrgios, salvados, doenas a bordo,

    arrojos ou vistorias.

    Dado que as fontes da histria so abundantes e importantes, o conhecimento e a anlise da

    realidade da aplicao do direito num determinado perodo e no pas e as ideologias e

    doutrinas dominantes susceptveis de influenciar a criao e aplicao do direito aduaneiro

    sero tambm, na medida do possvel, minimamente reconstitudas.

    Com maior desenvolvimento, dado que as fontes da histria so mais abundantes, sero

    analisados os anos noventa, em que a integrao econmica foi determinante.

    A este ciclo segue-se a necessidade da redescoberta da eficcia socioeconmica, sem dvida o

    maior desafio para o sculo XXI, para a democracia supranacional da Unio.

    Pelo que, os conceitos tm vindo a evoluir no sentido do seu alargamento a novas realidades

    pelo que actualmente o Direito Martimo (DM) o ramo do direito comercial que trata das

    relaes jurdicas dimanadas da navegao martima e da presena do homem no mar, embora

    como refere Mrio Raposo10

    , no seja feito em Portugal o estudo sistemtico deste direito.

    Como exporemos ao longo do presente trabalho, muita da regulamentao que actualmente

    vigora nesses aspectos inicialmente contidos em cdigo comercial (como o contrato de

    transporte, abalroamentos, naufrgios) foram objecto de conveniente celebrao de Acordos e

    Convenes internacionais. Assim, nesta perspectiva, muita da legislao do direito comercial

    9 Regular as trocas mercantis processadas pela via martima (relao produtor ou comerciante e dono ou agente

    do navio) e a prpria actividade de navegao ou actividade martima (desde a navegabilidade do navio at aos

    eventos e risco a que o mesmo e a sua navegabilidade podem estar sujeitos, nomeadamente, as avarias, ou, ainda,

    a relao do dono do navio e tripulao). 10

    RAPOSO, Mrio Estudos sobre o Novo Direito Martimo. Realidades Internacionais e Situao

    Portuguesa., p. 109, refere ficando pelo caminho os tentames de constituio de uma Associao Portuguesa

    de DM, homloga das que existem em quase todos os pases mediamente evoludos.

  • 15

    martimo decorre dessa fonte internacional. Esse acervo internacional constituiu-se num

    verdadeiro direito internacional privado11

    .

    J o Direito do Mar ou Direito Internacional Pblico do Mar, segundo Marques Guedes12

    ,

    regular as relaes entre Estados que tm como objecto a utilizao do mar e o exerccio dos

    poderes de soberania, repousando sobre um acervo de tradies, expressas em usos e

    costumes, e em regulamentaes ainda hoje em vigor. A generalizao daquela ltima

    expresso Direito Internacional Pblico do Mar relativamente recente e liga-se ao facto

    de a Comisso do Direito Internacional, instituda pela Assembleia Geral da ONU em 1947, a

    ter utilizado para caracterizar as trs conferncias (1958, 1960 e 1973 a 1982) atravs das

    quais se procurou codificar a parte do Direito Internacional Pblico relativa aos espaos

    martimos.

    Temos, assim, segundo Moreira da Silva13

    , um conceito clssico de direito do mar vigente at

    III. Conferncia das Naes Unidas de Direito do Mar (1973-1982) que se centrava no

    direito dos espaos martimos dando, por isso, essencialmente uma perspectiva dos poderes

    atribudos aos Estados sobre o mar e compreendendo os direitos que tm sobre os espaos

    martimos a contar das suas costas.

    Notou-se depois uma evoluo histrica com reivindicao de soberania com espaos cada

    vez mais largos pelo mar adentro e a criao de figuras hbridas de direitos de jurisdio e de

    direitos de fiscalizao sobre os espaos martimos que no fazem parte da soberania dos

    Estados.

    Mas o conceito contemporneo de direito do mar, em vez de se centrar no Estado costeiro,

    centra-se na comunidade internacional numa perspectiva dos direitos sobre o mar na sua

    globalidade e sobre as actividades nele desenvolvidas, em torno do direito do

    desenvolvimento, do direito da cooperao e, sobretudo, com base na viso e conceito de

    patrimnio comum da humanidade.

    2. Objectivos do trabalho

    2.1. Objectivo geral

    Face a tais vicissitudes histricas, e ao papel que tem desempenhado consoante a conjuntura

    econmica, as Alfndegas martimas portuguesas actualmente devero estar organizadas e

    11

    MACHADO, Joo Baptista Lies de Direito Internacional Privado. 1985. p. 12. 12

    GUEDES, Armando Marques Direito do Mar, Coimbra Editora, 1998. p. 16.

    13 SILVA, Jos Lus Moreira da Direito do Mar. 2033. p. 8.

  • 16

    posicionadas territorialmente, de modo a que, na rea dos procedimentos aduaneiros e fiscais,

    possam exercer aces de fiscalizao e de controlo sobre as mercadorias e meios de

    transporte introduzidos no territrio aduaneiro da Comunidade junto das plataformas

    logsticas14

    .

    Na rea da preveno e represso da fraude, e quando da entrada e sada do territrio, bem

    como quando na circulao no seu interior, s alfndegas compete fiscalizar os diversos meios

    de transporte e as mercadorias sujeitas aco aduaneira, exercendo, para isso, os seus

    controlos isoladamente ou em aces conjuntas em articulao com outras entidades

    administrativas ou policiais nacionais (GNR, corpo Veterinrio, corpo Diplomtico, etc.),

    como, igualmente, com entidades de outros Estados-membros ou organismos internacionais

    (UE, Interpol, OMA, OMC, UNCTAD, etc.) e, bilateralmente, no mbito de cooperao

    administrativa com outros pases e outras entidades e organizaes (Cmaras de Comrcio e

    da Indstria, Cmara do Comrcio Internacional, organizaes de cooperao tcnica e

    aduaneira, etc.).

    Por seu lado, as exigncias do comrcio internacional determinam que os comerciantes e

    transportadores, em qualquer parte do mundo, possam esperar um tratamento similar para as

    suas mercadorias ao longo de todo o trajecto de uma transaco internacional pelo que a

    modernizao e a harmonizao alfandegria (enfim, a prpria poltica econmica

    comunitrio-nacional) representam um objectivo fundamental para facilitar esse mesmo

    comrcio, velar pelo cumprimento da legislao nacional e internacional e garantir uma s

    concorrncia aos operadores econmicos.

    Assim, propomo-nos neste trabalho indagar, em termos da contemplao legislativa, se tal

    desiderato est a ser conseguido.

    2.2. Objectivo especfico

    Constacta-se que, em 2007, 90% do comrcio externo europeu15

    e 40% do comrcio

    comunitrio recorria ao transporte martimo, tendncia que se tem vindo a acentuar conforme

    salientado pela Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE)16

    .

    14

    Plataformas logsticas, ver Decreto-Lei n. 152/2008, de 5.8. 15

    LIBERATO, J.; SOARES, C. Guedes; SALVADOR, R. O Cluster Martimo Portugus no Contexto

    Mundial e Europeu. In 11.s Jornadas de Engenharia Naval, 25 a 27 de Novembro de 2008, Lisboa - O Sector

    Martimo Portugus. 2010. p. 41-58. 16

    Conferncia Europeia dos Ministros dos Transportes, de 22 de Maro de 2007, onde igualmente foram

    discutidas as ferramentas para melhorar o planeamento dos transportes e abordados os impactos

    macroeconmicos das polticas de infra-estruturas de transportes.

  • 17

    Acresce que, desde 1997, a criao de uma zona contgua vigiada, logo aps a ratificao da

    Conveno do Direito do Mar, tem vindo a ser preocupao governamental, pelo que o

    controlo do mar, alargando a capacidade de vigilncia at s 24 milhas da costa, se tornou

    uma necessidade em matrias to importantes como o combate ao terrorismo, pirataria ou ao

    narcotrfico, como ainda, imigrao clandestina, infraces de tipo aduaneiro e crimes contra

    a sade pblica e ambientais.

    Assim, j no aspecto do direito do mar, como iremos abordar no Captulo I do presente

    trabalho, um outro objectivo de anlise a extenso da plataforma continental para alm das

    duzentas milhas, para o qual est criado um grupo de misso com o intuito de apresentar

    Comisso de Limites da Plataforma Continental a proposta portuguesa da sua extenso.

    Estes novos domnios e o consequente alargamento da capacidade de vigilncia e fiscalizao,

    bem como, a criao de plataformas logsticas, a necessidade de harmonizao de

    procedimentos e de troca de informaes entre as entidades com competncia na via martima

    e o papel a desempenhar pela Instituio Aduaneira e a sustentao jurdica destas novas

    posies so igualmente objecto do presente trabalho.

    3. Estrutura do trabalho

    Face proliferao e disperso da legislao da rea martima a nvel aduaneiro e ao acervo

    de convenes e direito comunitrio aplicveis pela Instituio Aduaneira, a que acresce o

    conjunto abundante de normativo avulso com dignidade jurdica, refora a nossa convico da

    necessidade de uma codificao da legislao e dos procedimentos aduaneiros com a

    consequente actualizao do Regulamento das Alfndegas (de 1941) e da Reforma Aduaneira

    (de 1965).

    Assim, o presente trabalho compreende trs partes distintas, por nos parecer vantajoso em

    termos de organizao e anlise do tema escolhido.

    Na primeira Parte aborda-se o territrio nacional, bem como as guas jurisdicionais e o direito

    martimo internacional, comunitrio e convencional, que os rege e est recebido na ordem

    jurdica nacional, bem como as funes desenvolvidas pela Comisso do Domnio Pblico

    Martimo17

    .

    Na segunda Parte, j dentro do direito internacional privado, bem como do direito comercial

    martimo, aps a enunciao das convenes deste direito internacional, apresentamos a

    17

    O autor do presente trabalho o vogal representante do Ministrio das Finanas e da Administrao Pblica na

    referida Comisso. Naturalmente, o presente trabalho, no poder deixar de reflectir muito do acervo tomado

    pessoal e presencialmente sobre o Domnio do Mar.

  • 18

    orgnica aduaneira, o posicionamento das Alfndegas e as suas competncias relativamente

    aos meios de transporte, com especial destaque do transporte martimo procurando-se, assim,

    investigar se tal legislao d resposta cabal aos novos problemas.

    Por fim, dado o papel de regulador econmico, histrica e comunitariamente atribudo s

    Alfndegas, desde logo ao longo de oito sculos de nacionalidade ou pela via da corrente do

    mercantilismo, do liberalismo e, no sculo XX e no actual do bilateralismo e multilateralismo,

    papel esse que ultimamente parece esquecido, identificam-se os factores responsveis por esse

    desvio sistemtico entre o que est consagrado a nvel de competncias e o que

    efectivamente exercido, apontando os novos desafios e perspectivas que se lhe deparam,

    desde logo a recodificao legislativa anteriormente apontada.

  • 19

    PARTE I

    Enquadramento do Direito Aduaneiro no Domnio Martimo do Estado

    A um perodo de descodificao mister

    que se siga uma fase de recodificao

    Ignacio Arroyo Martinez

    Autor de La codificacin de la legislacin martima

    (Professor Catedrtico de Derecho Mercantil

    de la Universidad Autnoma de Barcelona, 2000)

  • 20

    Captulo I O Domnio Martimo do Estado

    O domnio das guas pelo Estado abrange tradicionalmente o mar territorial, a zona contgua,

    a plataforma continental, os mares interiores, os canais e as guas interiores.

    Ao nvel do direito interno, cada Estado tem a liberdade de adaptar as suas disposies e os

    seus casos concretos ao direito internacional, dentro dos limites por este fixados.

    Torna-se, assim, necessrio que conheamos as disposies das principais convenes e os

    direitos que os Estados costeiros tm sobre os vrios espaos martimos, sendo preciso

    completar essa viso com uma perspectiva dos direitos da comunidade internacional sobre

    esses mesmos espaos e sobre as actividades que neles se desenvolvem, merecendo especial

    ateno os problemas suscitados pela nova plataforma jurdica.

    Muitas das actividades desenvolvidas nesses espaos so tuteladas pelas Alfndegas, como a

    segurana da fronteira externa e das reas em que esta exerce a sua jurisdio com carcter

    habitual ou permanente portos e zona martima.

    1. Caracterizao do Territrio Nacional

    A noo de fronteira, desde logo nuclear actividade aduaneira, associada ideia de um

    espao fsico nacional e ao prprio conceito de Estado, estruturante da delimitao do

    territrio nacional18,19

    .

    Portugal um Estado com cerca de 1850 km de extenso de costa, dos quais 950 km so

    fronteira martima no continente, 691 km no arquiplago dos Aores e 212 km no arquiplago

    da Madeira e com cerca de 1 720 000 Km2 de guas jurisdicionais, pelo que se torna

    necessrio garantir a segurana das suas fronteiras e o exerccio de jurisdio especfica sobre

    os recursos marinhos.

    18

    MARTINS, Jos Albuquerque - Actividade, Estrutura e Funcionamento da Direco-Geral das

    Alfndegas, Lisboa. 2006. 19

    Constituio da Repblica Portuguesa de 1976, (Stima reviso constitucional - 2005), Artigo 5.

    (Territrio):

    1. Portugal abrange o territrio historicamente definido no continente europeu e os arquiplagos dos Aores e

    da Madeira.

    2. A lei define a extenso e o limite das guas territoriais, a zona econmica exclusiva e os direitos de Portugal

    aos fundos marinhos contguos.

    3. O Estado no aliena qualquer parte do territrio portugus ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce,

    sem prejuzo da rectificao de fronteiras.

    Torna-se assim claro, conceptual e vertido na lei fundamental, que o direito ou o domnio do Estado portugus

    sobre o mar como parte do seu territrio, torna-o um direito indisponvel.

  • 21

    Esse perfil territorial especfico, aliado a uma continuidade martima directa com as guas

    arquipelgicas da Madeira e Aores determina que importemos e exportemos, mais de 70% e

    50% dos produtos, respectivamente, atravs da via martima. Esta situao e os nove portos

    de mar e marinas instalados possibilitam que sejam em grande nmero as embarcaes de

    recreio e os navios que circulam nos nossos portos e as mercadorias movimentadas.

    Por tais razes, as preocupaes com a delimitao do mar territorial, de forma a proteger o

    Estado costeiro e as embarcaes, tm vindo a manifestar-se de grande valor econmico e

    estratgico.

    2. Princpios do domnio das guas

    O gegrafo Marsigli20

    , considerado o iniciador da oceanografia moderna assinalou no comeo

    do sculo XVIII a existncia de plataformas continentais contnuas linha de costa.

    A plataforma continental, expresso utilizada pela primeira vez pelo gegrafo ingls Mill 21

    definida como sendo a zona imersa, de declive suave, cuja gradiente normal de 0,1 mas

    pode oscilar entre essa inclinao e a de 3, que a partir da linha mdia da baixa-mar prolonga

    a terra firme at distncias que variam de escassas centenas de metros a perto de 800 milhas

    martimas e cessando geralmente profundidade de 130 a 200 metros.

    plataforma continental segue-se o talude ou escarpa continental, o qual vai do seu bordo

    exterior aos 4 ou 5 mil metros de fundo e rematado na parte inferior pelo sop continental

    onde se acumulam os materiais e detritos cados ao longo do talude ou escarpa. Em termos de

    mar, por cima e a seguir quela plataforma terrestre, o incio do Alto Mar.

    O sop continental, por sua vez, repousa sobre o fundo ou plancie abissal caracterizado por

    uma profundidade entre os 3300 e 5500 metros.

    Ao complexo constitudo por plataforma, talude e sop d-se o nome de margem continental.

    Em termos de direito martimo, a I Conferncia das Naes Unidas sobre o Direito do Mar

    (Genebra, 1958 e depois em 1960), atravs de Comisses constitudas para o efeito, fez surgir

    um texto nico de codificao dos princpios fundamentais do Direito do Mar a serem

    internacionalmente reconhecidos. Nessa I Conferncia foram votadas quatro Convenes: a

    Conveno relativa ao Mar Territorial e a Zona Contgua; a relativa temtica do Alto Mar; a

    20

    MARSIGLI, L.F. - Breve Ristretto del Saggio Fsico intorno alla Storia del Mar.1711. p. 52. 21

    MILL, Hugh Robert, The Realm of Nature. Parte 1 This World, Cap. 1 Of the Nature of Flatland.1892. p. 3.

  • 22

    relativa Pesca e a Conservao dos Recursos Biolgicos do Alto Mar; e, por fim, a

    Conveno relativa prpria conceptualizao e delimitao da Plataforma Continental.

    Dessa conferncia sobressai ainda que eventuais divergncias de interpretao ou aplicao

    do disposto nas convenes resolver-se-iam atravs de recurso obrigatrio ao Tribunal

    Internacional de Justia.

    Na abrangncia do direito martimo, o domnio martimo mundial em concreto, por no se

    encontrarem inteiramente definidos os limites impostos pela Conveno das Naes Unidas

    sobre o Direito do Mar, realizada em Montego Bay, (Jamaica, 1982)22

    , assunto objecto de

    discusso entre os pases interessados, dado que a conveno prev at que esses limites

    possam at ser estendidos23

    .

    Ora, a CNUDM dispe sobre o limite das 200 milhas martimas (limite por que se constitui a

    Zona Econmica Exclusiva, como abordaremos mais frente), a partir da plataforma

    continental, poder ser estendido, desde que os pases signatrios apresentem as caractersticas

    desse limite exterior e reivindiquem os seus direitos de explorao e aproveitamento de

    recursos vivos e no vivos sobre o subsolo e leito do mar numa faixa de mar. Esse

    prolongamento era, at ento, considerado sob o domnio comum da humanidade, e aquele

    procedimento fundamenta-se na invocao e no preenchimento dos requisitos do art. 76. da

    Conveno junto da Comisso de Limites da Plataforma Continental, rgo vinculado

    Organizao das Naes Unidas (ONU).

    A Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar comporta 155 Estados Partes, e s

    entrou em vigor em 1994, com texto em 1997 em portugus.

    Os EUA no so, porm, parte da Conveno.

    Essas reivindicaes, em termos processuais, devero ser analisadas num prazo de 10 anos a

    partir da data de entrada em vigor da Conveno e, nesta perspectiva, alargam-se

    substancialmente as competncias, nestas novas reas, das foras e autoridades

    administrativas nacionais envolvidas na fiscalizao sobre essa nova extenso do territrio.

    22

    Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), Montego Bay, Jamaica, 1982. A Resoluo da Assembleia da Repblica n. 60-B/97 (DR, I srie A n. 238, de 14.Outubro de 1997) aprova, para ratificao,

    a Conveno e o Acordo Relativo Aplicao da Parte XI da mesma Conveno. O texto da conveno foi

    aprovado durante a Terceira Conferncia das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, que se reuniu pela primeira

    vez em Nova York, em Dezembro de 1973, convocada pela Resoluo n. 3067 (XXVIII) da Assembleia-geral

    da ONU, de 16 de Novembro do mesmo ano. Participaram na conferncia mais de 160 Estados. 23

    FRANCALANCI, Giampiero; SCOVAZZI, Tullio (edits.) e ROMANO (cartoggraphic direction) - Lines in

    the sea, 1994. p. 17. Mostra as zonas martimas definidas na CNUDM e sua representao grfica em Mapa-

    Atlas,

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Yorkhttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Resolu%C3%A7%C3%A3o_da_Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas

  • 23

    Por aqui, tambm, concluiu-se necessariamente sobre a extenso da actividade efectiva das

    alfndegas portuguesas.

    3. Soberania territorial e o domnio martimo do Estado

    O domnio do Estado portugus sobre as guas, como se j viu na seco anterior, engloba

    diversas reas: o mar territorial, a zona contgua, a zona econmica exclusiva (ZEE), a

    plataforma continental e as guas interiores.

    A par dessa parametrizao, a delimitao do domnio martimo no depende unicamente da

    vontade do Estado, embora seja em termos gerais um acto unilateral, que tem de ser validado,

    (rectificao de fronteiras, como se viu anteriormente e referido na CRP) em relao a

    Estados terceiros, pelo direito internacional.

    Nas seces seguintes caracteriza-se cada uma das diferentes zonas por que se compe o

    territrio nacional, desde as guas interiores plataforma continental.

    3.1. As guas interiores

    Por guas interiores no se entende, tradicionalmente, as superfcies de gua doce localizadas

    no interior do territrio Estatal, como sejam os rios nacionais, parte dos rios internacionais

    que demarcam as fronteiras terrestres ou os lagos.

    Em termos de domnio martimo, e segundo Azevedo Soares24

    as guas interiores so as que

    se situam entre a linha normal da mar baixa e o territrio terrestre abarcando as guas dos

    portos, dos golfos, das baas, os esturios dos rios, dos estreitos, dos canais e at os mares

    internos.

    Sobre as guas interiores25

    o Estado costeiro detm soberania plena, dado constiturem parte

    integrante do territrio estatal, nem se lhes aplicando o limite da passagem inofensiva, com

    excepo dos navios de guerra que gozam de imunidade de jurisdio.

    A Conveno de Genebra de 1958 sobre o Mar Territorial e a Zona Contnua apresenta,

    relativamente s guas interiores, uma referncia genrica, no n. 1 do artigo 5.: As guas

    situadas do lado da linha de base do mar territorial que faz face terra fazem parte das guas

    interiores do Estado.

    24

    SOARES, Albino de Azevedo Perspectivas de um Novo Direito do Mar. 1979. p.9. 25

    A Lei n. 54/2005, de 29 de Dez, no art. 4. al. e) define guas interiores como sendo todas as guas

    superficiais lnticas ou lticas (correntes) e todas as guas subterrneas que se encontram do lado terrestre da

    linha de base a partir da qual so marcadas as guas territoriais.

  • 24

    Estes conceitos sofreram forte evoluo como veremos a seguir.

    3.2. Mar Territorial

    O direito internacional convencional comeou por acolher a regra das 3 milhas na

    Conferncia de Haia, de 1930. Porm, julgamos que a utilizao das expresses mar

    territorial e guas territoriais no eram neste instrumento totalmente adequadas, pelo que

    melhor seriam as expresses dos pases anglo-saxnicos coastal waters e coastal belt.

    Sendo a soberania portuguesa no Mar Territorial plena, esse mar compreende uma faixa de 12

    milhas martimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e

    insular portugus, linhas que acompanham a curva do limite mnimo da mar baixa ou so

    traadas a partir de pontos apropriados quando a costa muito recortada.

    Pelo que, o Estado detm no seu territrio, como neste Mar Territorial, os mesmos direitos

    emanados da sua soberania, designadamente, em matria civil, penal, policial e aduaneira.

    Como restrio, ou positivamente, quanto ao acesso de navegao dentro desta faixa martima

    s podemos referir o direito de passagem de embarcaes estrangeiras ao abrigo do Direito

    Internacional.

    3.3. Zona Contgua

    A Zona Contgua tem este nome por ser vizinha ou adjacente do Mar Territorial, contando-se,

    assim, a partir das 12 at s 24 milhas.

    Nesta zona Portugal no detm uma soberania plena, mas o poder de fiscalizao aduaneira,

    fiscal, sanitria e de imigrao.

    Tambm relativamente zona contgua est previsto na CNUDM que o Estado costeiro possa

    tomar as medidas de fiscalizao necessrias para evitar infraces legislao aduaneira e

    fiscal26

    .

    Ora, pela Reforma Aduaneira de 1965 (RA)27

    , ainda hoje um dos pilares base da legislao

    aduaneira, estabelece-se as reas em que desenvolve prioritariamente a aco desta secular

    Instituio.

    26

    CNUDM, art. 33. alnea a) - Evitar as infraces s leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigrao ou sanitrios no seu territrio ou no seu mar territorial.

    Igualmente o art. 42. alnea d) prev leis e regulamentos dos Estados ribeirinhos relativos passagem em

    trnsito no que respeita a O embarque ou desembarque de produto, moeda ou pessoa em contraveno das leis e

    regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigrao ou sanitrios dos Estados ribeirinhos. 27

    Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei n. 46311, de 27 de Abril de 1965, estabelece no art. 48.:

    A jurisdio das alfndegas exercer-se-, com carcter habitual ou permanente, sob a sua aco directa ou por

    intermdio dos seus delegados:

    1. Nos portos, enseadas e ancoradouros;

  • 25

    Assim, por intermdio deste instrumento nuclear actividade aduaneira, o mesmo ao no

    contemplar a sua prpria aco dentro da zona contgua, quando as Convenes

    Internacionais a contemplam, isso um trao fundamental da sua desactualizao e,

    consequentemente, necessidade de reviso.

    A proposta de alargamento da capacidade de vigilncia, por parte do Estado costeiro, at s 24

    milhas da costa, numa zona contgua ao mar territorial, tem vindo a fazer parte de programas

    de Governo, a partir de 1997. Assim, sucessivamente, vem-se assinalando a importncia do

    assunto logo aps a ratificao da Conveno do Direito do Mar de 1982.

    Em sequncia, o XV Governo Constitucional28

    , vem reconhecer que essa zona tampo um

    mecanismo jurdico de elevada utilidade em matrias como o combate ao terrorismo e ao

    narcotrfico, a imigrao clandestina e a pirataria, infraces de tipo aduaneiro e fiscal e

    outras de carcter sanitrio (nas quais se pode incluir a poluio martima).

    Ora, para tal requerer-se- uma maior utilizao de meios navais de que a Alfndega era

    detentora at Reforma Aduaneira de 1941, o que, por sua vez, assumir um particular

    destaque na concretizao do outro objectivo: o da extenso da plataforma continental alm

    das 200 milhas.

    3.4. Zona Econmica Exclusiva

    Segundo Moreira da Silva29

    , durante o perodo de elaborao da Conveno de 1982, mais

    propriamente em 1977, Portugal foi um dos primeiros pases a reivindicar uma ZEE,

    fixando-a nas 200 milhas, no seguimento de declarao da Comunidade Europeia nesse

    sentido, como depois veio a ser autorizado na Conveno de 1982.

    A Zona Econmica Exclusiva (ZEE) um espao geogrfico martimo que se traduziu numa

    figura jurdica adoptada pela Conveno de 1982 (CNUDM). A ZEE compreende uma faixa

    que se estende das 12 s 200 milhas martimas (cerca de 350 km), contadas a partir das linhas

    de base que servem para medir a largura do Mar Territorial.

    O pas contguo a esta Zona, no exerccio da sua jurisdio, tem direitos exclusivos e

    soberanos para fins de explorao e aproveitamento, conservao de recursos naturais, vivos

    ou no, das guas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e do seu subsolo, e no que se

    2. Na zona martima de respeito, considerada de 12 milhas;

    3. Numa zona terrestre de 10 km a partir do litoral;

    4. Numa zona terrestre de 40 km a partir da fronteira, compreendendo os rios que confinam com essa

    zona;..... 28

    THOMS, Nuno Fernandes, Secretrio de Estado dos Assuntos do Mar, 1999. Ministrio da Defesa. Palestra. 29

    SILVA, Jos Lus Moreira da Direito do Mar. 2003. Parte II, p. 13.

  • 26

    refere s actividades que tenham em vista a explorao e o aproveitamento da Zona para fins

    econmicos, designadamente os ligados aos recursos geolgicos, pesqueiros, arqueolgicos e

    tursticos. Isto para alm do valor turstico, ambiental e de segurana interna da ZEE.

    Assim, a ZEE no uma zona de livre acesso a qualquer embarcao estrangeira.

    Tais direitos de usufruio de recursos requerem a obrigao de os proteger pelo que esta

    zona com cerca de 1.6 milhes de km quadrados, uma rea cerca de 18 vezes a rea

    continental, necessariamente, e tal como j conclumos para a zona contgua, ter de ser

    objecto de eficaz vigilncia e fiscalizao.

    Podemos, igualmente, concluir que Conveno citada teve, essencialmente, como

    preocupao a eliminao da pobreza atravs de solues que visavam diminuir a escassez de

    alimentos produzidos quer em terra como no mar.

    Nesta ZEE, a actividade pesqueira tambm se encontra largamente regulamentada na

    Conveno, atravs de 20 artigos, que so de grande relevncia em termos de direito martimo

    especialmente para os pases europeus. Pretende ainda a Conveno, como obrigao para o

    Estado costeiro, a fixao das capturas permissveis e a adopo de medidas apropriadas, que

    evitem o excesso de captura, permitam o restabelecimento das populaes de espcies a nveis

    tidos como ptimos, obrigando-se a comunicar a informao cientfica disponvel e as

    estatsticas de captura, atravs das organizaes internacionais competentes (vide art. 61. 3 e

    art. 64.).

    No que respeita ao conceito de gesto da ZEE, assiste-se que o mesmo tem vindo a evoluir de

    acordo com os novos interesses. Tal devido aos avanos tecnolgicos, de que decorrem

    conflitos em reas como a pesca, extraco de recursos minerais, poluio e passagem de

    segurana.

    Constata-se assim, que estamos em presena de uma nova filosofia de gesto integrada dos

    recursos do oceano, com a prevalncia da negociao e no do conflito armado e que tem

    vindo a ser discutida nos fruns internacionais, baseada e sustentada pela Lei do Mar das

    Naes Unidas (CNUDM 82), pelas Conferncias Pacen In Maribus (Paz nos Mares 70) e

    pelos Relatrios da Comisso Mundial Independente dos Oceanos (em especial o relatrio de

    99).

    No captulo da vigilncia da ZEE, a que j nos referimos nesta Seco, o designado Projecto

    InfoZEE (Sistema de Informao para a Vigilncia e Gesto da Zona Econmica Exclusiva)

    tem como objectivo centralizar e fornecer informao para apoiar as actividades de vigilncia

  • 27

    e gesto da Zona Econmica a nvel operacional, tctico e estratgico, informao j residente

    em bases de dados dos parceiros do projecto, incidindo na construo de um prottipo

    dirigido para a poluio martima.

    Por sua vez, est tambm em desenvolvimento, no mbito do Projecto MARVIL, um Sistema

    de Informao Geogrfica para a vigilncia martima, designado por SIG-VM, cujo principal

    objectivo a produo de cartografia e avaliao das potencialidades da ligao da

    informao cartogrfica a bases de dados.

    3.5. Plataforma Continental ou Submarina

    Como foi referido anteriormente, o domnio martimo do Estado abrange diversas reas: as

    guas interiores, o Mar Territorial, a Zona Contgua, a Zona Econmica Exclusiva e, agora,

    dentro dos limites a seguir apontados, a Plataforma Continental.

    Neste captulo, j os gregos e outros povos martimos reivindicavam o domnio sobre as guas

    do mar que se estendiam ao longo de suas costas at distncias mais ou menos apreciveis. Os

    romanos s demonstraram interesse, com o desenvolvimento das cidades martimas da Itlia.

    Nessa poca, tratava-se mais de um dever do Estado costeiro de proteger suas costas da

    invaso dos piratas, do que um direito propriamente dito.

    A delimitao do domnio martimo, em geral, e como se tem salientado, um acto unilateral,

    mas que no depende aqui exclusivamente da vontade do Estado ribeirinho, dado que a

    validade da delimitao, em relao a terceiros Estados, depende do Direito Internacional.

    As faixas de mar, at os dias de hoje, j passaram por diferentes delimitaes.

    Antigamente, media-se o domnio do Estado ribeirinho at a distncia que fosse alcanada por

    uma bala de canho e com isso pretendia fazer-se obedecer por aqueles que passassem no dito

    mar. Com o desenvolvimento das armas de artilharia, viu-se a necessidade de aplicar outros

    conceitos delimitativos.

    Assim, outras delimitaes se seguiram, mas a Conveno das Naes Unidas foi a terceira

    etapa de uma longa discusso que se iniciou em 1950 e 1958, quando da assinatura da

    Conveno de Genebra sobre Mar Territorial e posteriormente sobre a Plataforma

    Continental.

    A Plataforma Continental ou Plataforma Submarina veio a ser definida, na Conveno de

    1982, como uma plancie submersa adjacente costa, como decorrncia da formao

    particular do leito do mar em certos litorais, e que se estende a determinada distncia a partir

  • 28

    da terra, depois da qual o leito do mar baixa, subitamente, para as grandes profundidades da

    regio abissal, conceito perfilhado por Russomano30

    .

    A definio desta rea tornou-se necessria face ao desenvolvimento tecnolgico e do

    consequente aproveitamento das riquezas naturais, tais como minerais, petrleo, da fauna

    martima e da reserva biolgica vegetal, em especial pela interveno dos pases ribeirinhos.

    Ou seja, os Estados costeiros passaram a deter o exerccio do controlo e jurisdio desta Zona

    independentemente da sua ocupao, a partir de estudos da Comisso de Direito Internacional

    das Naes Unidas, sesso de Junho de 1950. Nos termos desta Comisso, o leito do mar e o

    subsolo das reas submarinas da Plataforma Continental no deviam ser consideradas como

    res nullius, nem como res communis, estando, sim, sujeitas ao exerccio do controlo e

    jurisdio dos Estados ribeirinhos, para os fins de explorao e aproveitamento. No entanto,

    as guas acima da plataforma continental deviam permanecer sob o regime de alto mar, no

    havendo direitos de controlo e jurisdio sobre as referidas guas.

    Neste sentido, ento, a navegao nessas guas livre da aco dos Estados31

    .

    Na sequncia da III Conferncia das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, cujos trabalhos

    decorreram por nove anos, e envolveram 150 pases, foram adoptados novos limites para a

    Plataforma Continental e foi tambm aprovada a Conveno das Naes Unidas sobre o

    Direito do Mar (CNUDM 82).

    Esta importante Conveno entrou em vigor em 16 de Novembro de 1994, ou seja, 12 meses

    aps a data de depsito do sexagsimo instrumento de ratificao ou adeso, no caso a

    Repblica da Guiana.

    4. Reivindicao da extenso da Plataforma Continental alm das 200 milhas

    Como se mostrou no ponto anterior, o conceito jurdico de plataforma continental tem

    evoludo desde a sua criao com a Proclamao Truman em 28 de Fevereiro de 1945, a qual

    deu um impulso decisivo a um novo movimento de apropriao dos espaos martimos e ao

    aumento da sua extenso, e mais tarde seria suportada no artigo 76. da CNUDM 82. Este

    artigo prev duas formas para estabelecer os limites exteriores da plataforma: at s 200

    milhas, mesmo que a plataforma no exista fisicamente e, alm das 200 milhas, no caso de

    30

    RUSSOMANO, Gilda Maciel Correa Meyer - Direito Internacional Pblico. 1989. Vol 1, p. 287. 31

    A Lei n. 58/2005, de 29 de Dez. - Lei da gua, introduz uma nova noo de guas costeiras, como as

    guas superficiais situadas entre terra e uma linha cujos pontos se encontram a uma distncia de 1 milha nutica,

    na direco do mar, a partir do ponto mais prximo da linha de base a partir da qual medida a delimitao das

    guas territoriais, estendendo-se, quando aplicvel, at ao limite exterior das guas de Transio.

  • 29

    existncia fsica de margem continental. Neste segundo caso, coloca-se a questo da

    delimitao em relao rea32

    e os Estados nessas condies devem submeter Comisso

    de Limites da Plataforma Continental informaes sobre os limites exteriores da sua

    plataforma para efeitos dessa delimitao.

    Ora, a possibilidade de estender-se o limite da plataforma continental de 200 milhas

    martimas para as 350 milhas martimas prevista na CNUDM parece ser um assunto pouco

    divulgado ou somente de conhecimento restrito. E essa Conveno prev no citado artigo que

    os pases signatrios podero, apresentando as caractersticas deste limite exterior, reivindicar

    os seus direitos nessa faixa de mar. Faixa essa hoje sob o domnio comum da humanidade.

    Isso, ir permitir deter a soberania nacional, para determinados efeitos, numa rea 18 vezes

    superior dimenso do pas.

    Nesse desiderato, o Governo criou um Grupo de Misso com o intuito de apresentar

    Comisso de Limites da Plataforma Continental a proposta portuguesa de extenso: expandir

    a Zona Econmica Exclusiva da Madeira (ZEEM) at 350 milhas, juntar ZEEM do

    continente e ampliar a do arquiplago dos Aores para Sul, numa rea particularmente rica em

    recursos naturais.

    E, so basicamente dois os critrios que permitem a extenso da plataforma para alm das

    200 milhas martimas o critrio da espessura sedimentar e o critrio da distncia fixa de 60

    milhas martimas, ambos tomando como referncia o p do talude continental.

    Para a restrio da extenso mxima da plataforma coexistem, igualmente dois critrios o

    critrio das 350 milhas martimas a partir das linhas de base e o critrio das 100 milhas

    martimas a partir da isbata (linha de contorno ligando pontos de profundidade igual num

    grfico) de 2500 metros.

    Atravs da aplicao conjunta dos quatro critrios torna-se possvel localizar a rea para alm

    das 200 milhas martimas, em que cada pas costeiro ter direitos exclusivos sobre o leito do

    mar e o subsolo, devendo ser criado a nvel nacional um rgo que proceda a tal estudo.

    A Comisso de Limites da Plataforma Continental, nos termos do Anexo II da Conveno,

    proceder ao exame dos dados e outros elementos de informao apresentados pelos Estados

    32

    Segundo GUEDES, Armando Marques Direito do Mar. Parte Sistemtica, p. 216, diferentes terminologias

    foram adoptadas nos textos em ingls, francs e castelhano, aparecendo rea designada como Zona nas duas

    ltimas lnguas e por rea em ingls, parecendo prefervel adoptar esta para no se confundir com as demais

    Zonas (Contgua e Econmica Exclusiva), para definir o espao constitudo pelos fundos marinhos e ocenicos

    internacionais. Para este autor os ancoradouros utilizados para carga, descarga e fundeamento ou amarrao,

    ainda que situados longe da costa, so pela prtica internacional integrados no Mar Territorial.

  • 30

    costeiros sobre os limites exteriores da plataforma continental para alm das 200 milhas,

    havendo um perodo de 10 anos, a partir da entrada em vigor da Conveno, para concluir

    esse levantamento.

    A esta nova plataforma das 350 milhas martimas foi dado o nome de plataforma continental

    jurdica.

    Na plataforma continental jurdica, o pas costeiro detm apenas direitos sobre os recursos

    naturais do leito do mar e do subsolo, pelo que vrios pases costeiros tm vindo a reivindicar

    os seus direitos junto Comisso de Limites da Plataforma Continental atravs de programas

    especiais de demarcao das suas plataformas continentais jurdicas, o que, por sua vez, ainda

    que no em conflito aberto ou de guerra, tem levantado problemas de delimitao entre pases

    vizinhos que as Convenes ou a Negociao tm sabido resolver.

    As plataformas e a explorao dos respectivos solos e recursos naturais, como refere Loureiro

    Bastos33

    , permitiro aos Estados costeiros, a eventual explorao de petrleo e minrios, pelo

    que se reputa do maior interesse a reivindicao daqueles domnios. Tratou-se de uma forma

    de conseguir a legitimao internacional da apropriao e tambm de resolver problemas

    de natureza interna relativos repartio de atribuies.

    Internamente, e para o efeito, o Instituto Hidrogrfico Nacional vem, h algum tempo,

    procedendo ao levantamento exaustivo da plataforma continental de forma a instruir o

    respectivo processo junto da Comisso34

    .

    Por outro lado, a gesto dos recursos martimos constitui uma oportunidade para a economia

    nacional devendo ser integrada na Estratgia de Lisboa.

    Ora, a fundamentao do projecto de extenso da Plataforma Continental, alm das 200

    milhas nuticas, de conformidade com o disposto no citado artigo 76. da Conveno, foi

    iniciada a 10 de Janeiro de 2005, pelo NRP D. Carlos35

    . Os trabalhos tiveram lugar na zona

    da Ilha da Madeira, a partir de levantamentos hidrogrficos com sistema sondador multifeixe

    (SMF), prosseguindo ainda hoje.

    33

    BASTOS, Fernando Loureiro A Internacionalizao dos Recursos Naturais Marinhos. 2005. p. 287. 34 Vide www.hidrografico.pt/cartografia-nautica-nacional.php. 35

    As unidades navais do Agrupamento de Navios Hidrogrficos (ANH) tm como misso assegurar, no mbito

    da actuao especfica da Marinha Portuguesa (MP), as actividades relacionadas com as cincias e tcnicas do

    mar, tendo em vista a sua aplicao militar, bem como contribuir para o desenvolvimento do pas nas reas

    cientfica e de defesa do ambiente marinho. O ANH compreende actualmente quatro navios hidrogrficos, de

    duas classes: Classe D. Carlos I- NRP D. Carlos I e NRP Almirante Gago Coutinho- e Classe

    Andrmeda- NRP Andrmeda e NRP Auriga-.

    http://www.hidrografico.pt/cartografia-nautica-nacional.phphttp://www.hidrografico.pt/nrp-d-carlos-i.phphttp://www.hidrografico.pt/nrp-almirante-gago-coutinho.phphttp://www.hidrografico.pt/nrp-andromeda.phphttp://www.hidrografico.pt/nrp-auriga.php

  • 31

    O responsvel pela Estrutura de Misso da Extenso da Plataforma Continental (EMEPC)36

    apresentou um trabalho cientfico que, numa primeira fase, corresponder a dez meses de

    levantamentos hidrogrficos de zonas previamente identificadas, onde se torna necessria

    informao batimtrica de elevada qualidade de resoluo.

    No ano de 2005, os levantamentos hidrogrficos planeados corresponderam a uma rea com

    cerca de 1,4 vezes a subrea da ZEE de Portugal Continental.

    O sistema SMF de grandes fundos, que equipa o NRP D. Carlos, constitui-se como um

    meio de excelncia para o conhecimento efectivo da ZEE nacional e para a manuteno do

    prestgio junto da comunidade tcnico-cientfica internacional.

    A CNUDM, assume a extenso da plataforma continental para alm das 200 milhas, como um

    instrumento jurdico de referncia no plano do Direito Internacional (novo quadro jurdico-

    cientfico), pois, para alm de uma compilao de normas costumeiras no mbito do Direito

    do Mar, redefine os novos contornos do mapa poltico do oceano e da necessria cooperao e

    equilbrios geopolticos dele resultantes. A estrutura do Direito do Mar, que assentava como

    corpus ompa no conceito de zona martima, compunha-se por um lado, da extenso dessa

    zona e, por outro, dos direitos e obrigaes dos diferentes Estados, luz do direito

    internacional.

    A distncia das linhas de base da costa a novos limites exteriores dos espaos martimos, e a

    atribuio da titularidade dos direitos aos Estados costeiros sobre essas novas reas dos

    oceanos, colocam-nos na presena do entendimento jurdico de que h um prolongamento do

    territrio desses Estados, da que, para l dos novos aspectos geo-cientficos importa formular

    uma nova realidade jurdica que caracteriza este territrio como plataforma continental

    legal ou plataforma continental jurdica. Para Marques Antunes37

    , o contedo do direito de

    soberania permanece inalterado alm das duzentas milhas apenas existindo um

    condicionamento do seu exerccio.

    Isso, decorrente da subsidiariedade da aplicao do Direito Portugus em relao ao

    hierarquicamente superior derivado das fontes internacionais, no presente caso, as

    Convenes que tm vindo a ser analisadas.

    36

    ABREU, Manuel Pinto de, responsvel pela Estrutura de Misso da Extenso da Plataforma Continental

    (EMEPC), Palestra sobre o Projecto de Extenso da Plataforma Continental de Portugal de 200 para 350 milhas,

    no ISCIA. Aveiro, 1 Maio de 2010. 37

    ANTUNES, Nuno Srgio Marques A delimitao de Espaos Martimos. Lisboa. 1996. p. 81.

  • 32

    No entanto, no partilhamos desta opinio dado que o n. 1 do artigo 77. da CNUDM

    estabelece que os direitos do Estado costeiro em relao plataforma so direitos de

    soberania, no fazendo qualquer distino para os casos em que se estende ou no para alm

    das duzentas milhas.

    Tambm o n.3 do artigo 2. da Conveno de Genebra de 1980 refere que os direitos do

    Estado ribeirinho sobre a plataforma continental so independentes da ocupao efectiva ou

    fictcia e, bem assim, de qualquer proclamao expressa.

    No mesmo sentido, o Tribunal Internacional de Justia38

    (TIJ) no mbito dos Casos da

    Plataforma Continental do Mar do Norte, confirmou este entendimento ao decidir que os

    direitos do Estado costeiro respeitantes zona da plataforma continental existem ipso facto e

    ab initio, tendo considerado existir aqui um direito inerente e para o exercer no tem de ser

    seguido nenhum procedimento jurdico especial ou realizados quaisquer actos jurdicos

    especiais. Mais considerou que o estado costeiro tem um direito originrio natural e

    exclusivo (resumidamente um direito adquirido), regra tambm seguida no n.3 do artigo77.

    da CNUDM, cujos termos so quase coincidentes com os da Conveno de Genebra.

    Conclui o TIJ que o estado costeiro detm poderes de soberania sobre os espaos em questo

    ainda que no os ocupe ou explore efectivamente.

    A funo da Commission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS), eleita pelos

    Estados Partes da CNUDM, analisar as propostas de extenso da Plataforma Continental

    apresentadas pelos Estados que fazem parte da Conveno, elaborar as correspondentes

    Recomendaes, dando delas conhecimento ao Estado em questo e ao Secretrio-Geral das

    Naes Unidas.

    Colocam-se aqui questes interessantes como a determinao de qual ser o regime aplicvel

    aos Estados no partes da CNUDM, o que refora a nossa convico, como sugere Marisa

    Ferro39

    , que tal determinar a indagao das regras costumeiras nesta matria.

    5. Zona Martima Particularmente Sensvel

    A Zona Martima Particularmente Sensvel (ZMPS) foi criada no seio da Organizao

    Martima Internacional (OMI)40

    e estabelecida em 15 de Outubro de 2004. A figura da ZMPS

    38

    Casos da Plataforma Continental do Mar do Norte, International Court of Justice (ICJ) Reports 1969. p. 22.

    39 FERRO Marisa Caetano A delimitao da Plataforma Continental alm das 200 milhas. 2009. Lisboa:

    AAFDL. p. 13. 40

    A Organizao Martima Internacional (OMI) foi criada na sequncia da Conferncia de Geneve 1948,

    para assegurar o estabelecimento de uma nova organizao tendo em vista a salvaguarda da segurana da

  • 33

    teve em vista clarificar os conceitos previstos na International Convention for the Prevention

    of Pollution from Ships 73/78 (Conveno MARPOL)41

    , sobre reas especiais de proteco,

    pelo que esta conveno considerada uma das mais importantes em matria de ambiente

    martimo com vista a minimizar a poluio no mar, atravs da eliminao das descargas de

    leo e outras substncias.

    Atravs das Resolues A.720 (17) e A.885 (21) daquela Organizao e, posteriormente, com

    a publicao das orientaes tcnicas Resoluo A.927 (22), de 29 de Novembro de 2001

    foram estabelecidas as linhas de orientao que definem os critrios em que se devem basear

    as propostas a apresentar OMI sobre esta matria.

    Este acervo de legislao visa prevenir os acidentes ocorridos com navios que tm provocado

    muitos acidentes com substncias perigosas, como o ocorrido com o Prestige, em 2001, ao

    largo da costa da Galiza.

    A necessidade de preservar o existente nestas reas levou designao deste tipo de zonas

    como sendo zonas particularmente sensveis. Por um lado, visa-se garantir aos Estados

    ribeirinhos os recursos de elevada importncia econmica, ecolgica e cientfica, por outro

    lado, dada a vulnerabilidade a substncias nocivas derivadas da navegao martima proteger

    esse meio ambiente de acidentes ocorridos com navios.

    Assim, tm sido identificadas reas mais sensveis a fim de lhes ser atribudo um estatuto

    especial de proteco, o que decorreu, com mais vigor, da Conveno MARPOL, e seria

    reforado pela Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar.

    Pela Parte XII, desta Conveno, quando os Estados costeiros tenham motivos razoveis para

    acreditar que uma rea particular e claramente definida das suas respectivas zonas econmicas

    exclusivas requer a adopo de medidas obrigatrias especiais para prevenir a poluio

    proveniente de embarcaes, a mesma prev que esses Estados possam apresentar uma

    navegao internacional. Essa conferncia terminou com a adopo da Inter-governamental Maritime

    Consultative Organization, ou IMCO, nome que em 1982 mudou para IMO (International Maritime

    Organization), em portugus: OMI. Portugal aderiu em 1976. 41

    Marpol (International Convention for the Prevention of Pollution From Ships), criada em1973 e

    modificada pelo Protocolo de 1978. ("Marpol" a abreviatura de marine pollution). As emendas de 1984,

    introduzidas ao anexo ao Protocolo da Conveno Internacional para a Preveno da Poluio por Navios,

    concluda em Londres, em 7 de Setembro de 1984, foram aprovadas para adeso pelo Decreto n. 48/90, de 7 de

    Novembro. Vide tb. COM (2011) 286 final - Relatrio da Comisso ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a execuo

    do Regulamento (CE) n. 2038/2006, relativo ao financiamento plurianual das actividades da Agncia Europeia

    da Segurana Martima no domnio do combate poluio causada por navios, no perodo 2007-2009.

  • 34

    proposta fundamentada do ponto de vista cientfico e tcnico, a uma organizao internacional

    competente, no sentido de, ento, ser definida uma ZMPS.

    A este ttulo, j anteriormente, o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    PNUMA 1980)42

    , no seu Relatrio Anual sobre o Estado do Ambiente no Planeta, havia

    indicado existirem 146 zonas costeiras mortas, por carncia de oxignio, e que desde 1990

    essas zonas j tero duplicado, o que se fica a dever poluio de origem telrica e aos

    acidentes martimos. Tambm a Unio Internacional para a Conservao da Natureza (IUCN)

    havia j aprovado, por Resoluo de 1963, a Convention on International Trade in

    Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES)43

    , que obriga que o comrcio

    internacional de espcimes das espcies previstas nas listas dos seus anexos sejam sujeitas a

    controlos. Estes exigem que toda a importao, exportao, reexportao e a introduo num

    dado territrio aduaneiro, designadamente a proveniente do mar, de espcies abrangidas pela

    Conveno tem de ser autorizada atravs de um sistema de licenciamento.

    Ainda no que se refere ZMPS, e no que respeita a Portugal, a contribuio para a definio

    da ZMPS da Europa Ocidental, passou por estudos tcnicos fundamentados, aps recolha de

    pareceres de diversas entidades, designadamente, a Direco-Geral da Autoridade Martima,

    Instituto de Conservao da Natureza, Instituto Hidrogrfico, Instituto Porturio e dos

    Transportes Martimos, Instituto de Investigao Agrria e das Pescas e Direco-Geral do

    Turismo.

    Estas polticas salientaram, especialmente, os aspectos de carcter biolgico, ambiental,

    sociolgico, cultural e econmico que caracterizam a nossa ZMPS, tendo igualmente dado

    conta do volume de trfego costeiro que utiliza os espaos martimos sob a soberania

    portuguesa, identificando os que transportam mercadorias perigosas. Estes elementos foram

    recolhidos pelo sistema de monitorizao costeira VTS de Finisterra.

    42

    "A Estratgia Mundial para a Conservao" 1980, Nova York. Realizada sob o patrocnio e superviso do

    Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da Unio Internacional para a Conservao da

    Natureza (UICN) e do Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF). Tal documento explora, basicamente, as

    interfaces entre conservao de espcies e ecossistemas e entre manuteno da vida no planeta e a preservao

    da diversidade biolgica, introduzindo pela primeira vez o conceito de "desenvolvimento sustentvel". 43

    Conveno sobre o Comrcio Internacional de Espcies da Fauna e da Flora em vias de extino

    (CITES) conhecida como Conveno de Washington um acordo internacional entre governos, elaborado como

    resultado de uma resoluo aprovada em 1963 durante uma reunio dos membros da Unio Internacional para a

    Conservao da Natureza (IUCN). A conveno entrou em vigor em 1 de Julho de 1975, tendo sido aprovada

    por oitenta pases em Washington, cujo objectivo garantir que o comrcio de espcimes de animais e plantas

    selvagens no ameace a sua sobrevivncia atribuindo diferentes graus de proteco para mais de

    33.000 espcies de animais e plantas.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Species

  • 35

    Para alm do Sistema Nacional de Controlo de Trfego Martimo (VTS)44

    , foi aprovada uma

    medida de proteco associada, consistindo na notificao de entrada e sada por parte dos

    navios, obrigatria para todos os petroleiros com mais de 600 tons que transportem crude,

    fuelleo e betumes e asfaltos ou emulses, com determinadas caractersticas tcnicas, e que

    entrou em vigor em 1 de Julho de 2005.

    O Protocolo, que se pode dizer baseado no princpio da precauo, que formaliza a

    cooperao entre os 6 Estados Membros subscritores da ZMPS da Europa Ocidental, consiste

    em anlise estatstica e outras medidas administrativas associadas, para alm da definio de

    mais reas protegidas, bem como a notificao obrigatria para navios que transportem

    determinadas cargas. Foi assinado em 30 de Junho de 2005, em Lisboa, sendo os Estados em

    causa: Portugal, Espanha, Blgica, Frana, Reino Unido e Irlanda, que se comprometeram a

    definir a zona sensvel e a solicitar posterior autorizao Organizao Internacional

    Martima (IMO), que uma das entidades com poder legislativo sobre o domnio martimo.

    44

    O Sistema Nacional de Controlo de Trfego Martimo (VTS), foi aprovado na Organizao Martima

    Internacional (OMI), e entrou em vigor em 2005. O VTS tem como objectivos: afastar a navegao da costa

    portuguesa das 5 milhas para as 14/15 milhas, harmonizar o sistema com o negociado e acordado com o reino de

    Espanha e criar corredores de passagem para navios transportando cargas poluentes.

    O sistema instalado no continente tem disponveis dois nveis de servio: o servio Costeiro (toda a costa

    continental) e o Porturio (Aveiro, Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimo).

    O VTS, assim