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Direito Penal Ambiental

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Direito Penal Ambiental

Professor Paulo Cezar Passos

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SUMÁRIODIREITO PENAL E INTERESSES DIFUSOS 4BEM JURÍDICO 8PRINCÍPIOS DO BEM JURÍDICO: 9BENS JURÍDICOS DIFUSOS COMO OBJETO DE PROTEÇÃO: 10CRIMES AMBIENTAIS 16DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE 175. CONCLUSÃO 226. BIBLIOGRAFIA 22A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 24REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS 30

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DIREITO PENAL E INTERESSES DIFUSOS

O direito galgou longas jornadas até os presentes dias.

A ciência penal, parte integrante dele, por sua vez, não

teve outro destino. Através da história do homem, diversos

foram os momentos e as tendências assumidas pelo Direito

Penal. Da época sangrenta de suas fases antigas, bárbara

e medieval é, com sua fase humanista, que as primeiras

feições modernas do Direito Penal começam a se formar.

A partir do Século XII, percebe-se o retorno, pelas

mãos dos glosadores e pós-glosadores, ao Direito Romano.

Começa a se desenhar o Humanismo, celebrado in totum,

no Renascimento. Com ele verifica-se a necessidade da

colocação da liberdade do homem, o qual se torna um

ser capaz de criar seu próprio projeto de vida. No século

XIV, Julius Clarus e Farinacius, na Itália, e Covarruvias, na

Espanha, intentam os primórdios de um sistema penal. Já

na Alemanha, a partir da Constitutio Criminalis Carolina, de

Carlos V, começam os estudos criminais a ganhar terreno.

Carpzov, com sua ciência empírica, mostra-se fundamental

nessa fase.1 Samuel Pufendorf, anos mais tarde, em

meados do século XVII, delineia a teoria jusnaturalista da

liberdade e imputação, enquanto Christian Wolf forma-se

como o melhor sistematizador do Direito natural.2

No entanto, é com Iluminismo que se percebe a

verdadeira edificação do Direito Penal contemporâneo. Em

verdade, esse período retoma a relação entre cultura e

política, a qual o Iluminismo tinha tentado instaurar durante

o final do século XV e início do XVI, sem sucesso, já que,

não obstante o esplendor da vida cultural e científica, não

houve correspondência humanística da realidade política

e da relação de poder. Esse Humanismo, com Erasmo de

Rotterdam e Thomas More, havia insistido na realidade

humana e social do poder, mas não tão bem desenvolveu

tais pensamentos. O cisma religioso, a formação do

Estado nacional e o desmembramento da Respública

Christina, não substituída por uma República Humanística,

conduziram ao relativo insucesso da Renascença no campo

da Política. O Iluminismo supera o Humanismo em várias

1 CORREIA, Eduardo. Direito Criminal. Coimbra: Almedina, 1968, p.82 e ss.2 JESCHECK, Hans-Heirich, Tratado de derecho penal – parte general. Traducción de José Luis Manzanares Samiego. Granada: Comares, 1993.

áreas, inovando no campo do Direito, mantendo alguns

pontos deste em outras esferas.

Nas Luzes são presentes, entre outras, as figuras de

Monstesquieu, Rousseau, Benthan e Voltaire, cada qual, a

seu modo, dando novos rumos ao Direito Penal. Entretanto,

é com Beccaria que a Revolução se completa. O “pequeno

grande livro” de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria,

escrito em 1764, propiciou a maior das mudanças no Direito

punitivo. Com ele e a partir dele, passa o Direito Penal a

deter conceitos mais humanistas. Tão forte foi o impacto

de Dei Delitti e Delle Penne que, nos dias que correm no

mais das vezes, somente seu nome é o lembrado como

elemento de reforma ideológica do Direito. Esquecem-se

os demais menosprezando sua importância.3

Milanês, amigo e companheiro de Pietro e Alessandro

Verri, com eles compunha a Accademia dei Pugni.4 De

lógica aguçada desde os primeiros anos de estudo, II

Newtoncino, como era conhecido, apaixonou-se pelos

debates levados a cabos pelos seus companheiros.

Incentivado por Pietro Verri, animou-se a escrever aquela

que seria a obra revolucionaria do Direito Penal. Mas

este não bem aceitou o que chamou de ingratidão de

Beccaria, u’a vez ter recebido este todas as glórias por

ideias que não eram unicamente suas. Romperam sua

amizade, tornado-se verdadeiros inimigos. Esse fato, além

de ter sido, a primeira edição de Dei Delitti e delle Penne,

apócrifa, muito contribuiu para suscitar dúvidas quanto

à sua autoria. Vozes levantaram-se em defesa do jovem

Marques, sendo inegável, hoje, sua contribuição para o

desenvolvimento do Direito.

De toda a sorte, é de se ressaltar que sua obra vale muito

pelas criticas irrogadas ao sistema repressivo do Ancien 3 Outros autores, de obrigatória menção, são, dentre muitos, Paschoal José de Mello Freire, em Portugal e Karl Ferdinand Hommel, na Alemanha. Cf. CUNHA, Maria Conceição Ferreira da. Constituição e crime – Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995. P. 31 e ss. CUNHA, Paulo Ferreira da. Temas e perfis da filosofia do direito luso-brasileira. Lisboa: Imprensa Nacional, 2000. P. 89 e ss; REALE JÚNIOR, Miguel. Parte geral do Código Penal (nova interpretação). São Paulo: RT, 1988. p. 12; REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do Delito. São Paulo: RT, 1998. P. 163; CATTANEO, Mario A. Illuminismo e legislazione penale – Saggi sulla filosofia nel diritto penale nella Germânia del settecento. Milano: LED, 1993. p. 77 e ss. 4 Diversos grupos intelectuais eram presentes naqueles tempos. Anos antes, juntamente com os irmãos Verri, Beccaria, fez parte da Accademia dei Transformati, da qual eles somente se desligaram com o propósito de fundar sua própria agremiação. Cf. MORENO CASTILLO, Maria Asunción. Estudio del pensamiento de Cesare Beccaria em la evolución del aparato punitivo. Historia de la prisión. Teorías economicistas. Critica. Madrid: Edisofer, 1997. P. 92 e ss.

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Règime. Antes de tudo, Beccaria é um contratualista,

embasa seu pensamento no contrato social de Rosseau,

defende a separação dos Poderes pregada por Montesquieu

e reflete, de modo global, toda a gama de pensamentos de

sua época, aplicando-os à seara penalística. Acolhendo os

princípios iluministas de modo concreto ao Direito Penal, a

partir de então, dá início à revolução.

Em momento subsequente, firmado que foi o

racionalismo jusnaturalista de que foram expoentes

Feuerbach e Birnbaum, na Alemanha, e Rossi, Carmignani

e Carrara, na Itália, foi sentido o deslocar de ideias a

um racionalismo positivista. Hegel, entendendo que o

Direito é a expressão da vontade racional, vontade esta

que é livre, considerava que a base do Direito estaria

na racionalidade e na liberdade. Influenciando gerações

posteriores, encontra apoio nas teses neokantianas, de

cujos discípulos são Stammler, Sauer, Max Ernst Mayer e

Radbruch. Desenha-se, então, a Escola Clássica.

Essa Escola considerava o Direito não como um produto

histórico, mas como uma obra humana, com verdadeira

essência transcendente. Iniciando-se com Beccaria e

adiantando-se até meados do século XIX, tem traços

marcadamente iluministas.5 Seus principais contornos

podem ser tidos como uma concepção metafísica do Direito,

uma função ético-retributiva, sendo que a gravidade da

pena deve ser proporcional ao delito; o delinqüente é um

ser como outro qualquer e o delito é um ente jurídico

abstrato; as condições e as medidas da pena são dadas

pela existência do livre arbítrio e do grau dessa liberdade.

O pensamento posterior surgiu com a Escola Positivista,

cujo escopo era desvendar a figura do criminoso nato, “o

indivíduo que nasce para o crime assinalado que é por

estigmas de degenerescência e taras hereditárias. Assim, a

doutrina da Escola Positiva não trouxe, de tudo, novidade.

Recordamos ideias de Platão, implanta o determinismo no

campo penal. Afirma que o crime é um fenômeno natural e

social, produto de duas séries de causas que vem a influir

no sujeito: causas endógenas ou internas (constituídas

pelo temperamento e pela hereditariedade) e causas 5 A denominação de Escola Clássica normalmente compreende desde a que tem por fundamento o contrato social até aquela que sustenta a justiça absoluta, com Kant, Hegel e Herbart, ou mesmo a utilitária, que tem como expoentes Romagnosi, Benthan e Fuerbach.

exógenas ou externas (devidas a vários precedentes

físicos, econômicos e sociais). Seus principais divulgadores

foram Lombroso, Ferri e Garofalo.

A presença de outras correntes ainda é sentida. A

Terza Scuola, “meteoro de breve duração”, segundo

Ferri,6 foi presente, principalmente, na Itália, onde

Carnevale, Alimenda e Impallomeni, observando os

princípios positivistas, tinham, por fundamental, a troca

de consideração do livre arbítrio por um determinismo

psicológico. No século XX chegasse à tendência técnico-

jurídica, opondo-se aos excessos positivistas. Em verdade,

tais excessos conduziam o Direito Penal, cada vez mais, a

mera derivação da Sociologia Criminal. Com o propósito

de evitar essa situação, intentou-se nova e objetiva

fixação do objeto de estudo penal, buscando a elaboração

metodológica puramente científico-jurídica. Seu esplendor

foi atingido com Manzini. A par de todas as discussões

dogmáticas, surge na Alemanha, em finais do século XIX,

a Escola da Política Criminal, com Von Liszt.

Questionamentos vários ao chamado Direito liberal

começaram, então, a ser feitos. Welzel, em 1935, já

criticava o neokantismo, afirmando ser este mera teoria

complementar do positivismo. A Escola de Kiel foi, a seu

tempo, limitadora e retrógada no pensamento penal.

Os famigerados anos trinta trouxeram, também, com o

autoritarismo fascista e nazista, mudanças na seara do

Direito.

Pugnando por um verdadeiro “Direito Penal nacional-

socialista”, fundados nos moldes pregados pelos seguidores

de Kiel, foi elaborada pelo Reich, primeiramente uma

linha mestra a ser seguida através de um memorial

(Denkschrift). Posteriormente, foi montada a comissão

oficial para compor o novo código. Formada por inúmeros

seguimentos sociais, corrobora-se a influencia desse

pensamento, diametralmente oposto ao liberalismo

presente nos tempos de Weimar. Nessa época foi marcante

o uso antecipado do Direito Penal, tratando de transformar

o consagrado Direito Penal de lesão em Direito Penal de

perigo.

6 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal – O criminoso e o crime. Trad. Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1931. p. 58.

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Concomitante a tais eventos, surge ainda, nessa

tumultuada década, pelas mãos de Welzel, um abandono

do pensamento abstrato e de um relativismo valorativo,

próprio do neokantismo. Lança-se o embrião do finalismo,

o qual, somente tempos mais tarde, recobraria suas forças.

Tal doutrina, que hibernou durante o período dos regimes

totalitários na Europa, passa a ser revista nos anos 50

e 60. Repudiada em termos pelo Projeto Alternativo

Alemão, ganhou novos ares com Jescheck e Roxin, sendo

que, este último, relendo as posições de Honig e Larenz,

fundamenta seus conceitos na Imputação Objetiva e

relação de causalidade, lastreando-se na teoria do risco

permitido.

Das preocupações iluministas ao Direito Penal

clássico, seguindo-se o positivismo, suas derivações e

as dificuldades enfrentadas pela posição assumida, na

Alemanha, pela Escola de Kiel, chega-se, pois, à teoria

finalista e à imputação objetiva. Longo e duro o caminho

até hoje percorrido. A linha evolutiva do Direito Penal, em

muito, sentiu o peso dos regimes e das ideias de cada

época.

Outros são os dias atuais. Após um repassar pela

historiografia do Direito, vive-se situação diversa. O

próprio avanço sentido nos direitos e garantias individuais

fez com que esse ramo do Direito ganhasse novos ares. O

coletivismo, os interesses difusos, tão comuns e frequentes

na sociedade moderna, impõem novas metas ao Direito.

Ao mesmo tempo, depreende-se que, hodiernamente, é

presente a orientação da necessidade de limitar o poder

incriminador do Estado.

Um dos aspectos mais tormentosos do panorama

político-criminal da sociedade é o paradigma introduzido

pela chamada sociedade de risco (Risikogesellschaft),

bem estudada por Ulrich Beck. Na modernidade avançada,

a produção social de riqueza vem acompanhada,

sistematicamente, por uma correspondente produção

social de riscos. Diante disso, os problemas e os conflitos

da sociedade que surgem da produção, definição e divisão

dos riscos produzidos de maneira técnico-científica. De

fato, essas mudanças conceituais hão de ser percebidas

primeiramente, à medida que se confirma o nível atingido

pelas forças humanas produtivas e tecnológicas e, também,

pela segurança e pelos regulamentos estabelecidos pelo

Estado social, ambos visando, objetivamente, reduzir

e excluir socialmente a miséria material. Num segundo

momento, o crescimento exponencial das forças produtivas

do processo de modernização virá a criar novos riscos, até

então desconhecidos.

O chamado princípio da intervenção mínima, também

dito de ultima ratio, visa traçar norte e fronteira para a

atuação deste Estado, preconizando que a criminalização

só se legitima se constituir meio necessário para a proteção

de determinado bem jurídico. Existindo outras formas de

controle social suficientemente hábeis para a tutela deste

bem, tal criminalização mostrar-se-á inadequada e não

recomendável. O Direito Penal deve, pois, representar a

ultima ratio legis, só entrando em ação quando o bem

jurídico apresentar-se violentamente atacado ou agredido.

Assim sendo, não mais é tido, tampouco, o estudo do

direito repressivo como solução indiscriminada para todos

os problemas e desventuras do homem.

Nesse aspecto, grande relevo toma a questão do

bem jurídico. De fundamental importância, sobretudo a

partir da Ilustração, mostra-se ele, hoje, como elemento

básico da missão ou função do Direito Penal. Cuidando,

a princípio, dos interesses individuais, passou-se, com o

evoluir da sociedade moderna, à necessária inquietação

também com os bens coletivos e, depois, com os bens

metaindividuais. Hoje, não sem razão, diversos valores

supraindividuais encontram-se penalmente resguardados,

sendo, contudo, motivo de preocupação dogmática.

Esta proteção penal supraindividual, entretanto, não

pode ser feita de forma desmesurada. A participação

efetiva do Direito Penal na proteção de bens jurídicos

coletivos, como é, v.g., o caso do meio ambiente ou

consumidor, deve gizar-se dentro de um princípio de estrita

necessidade da pena. Portanto, tem ele de agir de modo

muito restrito, procurando evitar um inflacionismo penal

que ultrapasse a função meramente simbólica da norma.

Tornam-se aqui necessárias, ainda, a menção quanto à

proteção desses interesses difusos e a primordial questão

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relativa à vítima de crimes contra eles cometidos. Esta, a

partir do Renascimento, por seu interesse, ganhou espaço e

destaque no estudo penal. Com tal importância, passou-se,

também, a uma busca de melhor tipificação desses delitos,

quer aperfeiçoando os já consagrados, quer configurando

novos crimes, “produtos da sociedade moderna,

principalmente os que derivam do uso do computador ou

representam vitimizações coletivas ou difusas, como as já

citadas infrações ao meio ambiente, ao consumidor”. Não

é de se confundir, pois, vítima e prejudicado. Tal distinção

possui, em verdade, transcendência dogmática, político-

criminal e processual.

“Vítima” configura-se como o titular do bem jurídico

ameaçado ou posto em perigo. Já o prejudicado é aquele

que se vê diretamente afetado pelo delito, sem, contudo,

ser titular desse bem. No particular caso dos crimes contra

interesses difusos, por óbvio, as figuras, quase sempre, se

confundem. Mas, por vezes, isso não se dá.

A sociedade atual sofreu verdadeira mudança de ideias

e pensamentos em várias ordens. Admitindo-se o fim da

Idade Moderna, o Direito caminha em direção a uma pós-

modernidade. Nesse cenário, várias são as situações. E,

atualmente, lugar-comum falar-se na necessidade da busca

de um Direito Penal mínimo. Entretanto, tais colocações

aparentemente, entram em choque com a constatação de

certa expansão desse mesmo Direito Penal, sentida pela

criação de novos tipos penais próprios de uma sociedade

em fase de avanços tecnológicos.

A sociedade de risco mostra-se assim, de um lado, com

esses diversos avanços, sendo enormemente complexa, e,

de outro, caracterizada pela verdadeira quebra do estado

de bem-estar social, de todo, sempre almejado. Nela,

são percebidas inter-relações sociais nunca antes vistas,

sendo, pois, notável uma verdadeira sensação social

de inseguridade um dos marcos mais significativos das

sociedades da era pós-industrial.

Nesse prisma social e jurídico, ganha relevante

aspecto, também, a questão dos crimes de perigo. Outrora

recurso excepcional do legislador para proteger interesses

especialmente relevantes, ou mesmo para evidenciar

desvalor típico da vontade de lesão, característico em uma

tentativa, hoje, o comportamento perigoso parece perfilar-

se como verdadeiro modelo autônomo de tipificação penal.

A própria tendência evidente da necessidade da

proteção penal de interesses coletivos e difusos, que

político-criminalmente orienta o Direito Penal moderno,

conduz a assertiva de que a linha clássica não mais é de

ser tida como lastro dogmático. A indagação de como

proteger tais bens, quase sempre mediante tipificação

de perigo abstrato, causa certa inquietude doutrinária.

Recordando-se de Hassemer, quem pugna pela aceitação

da necessidade de proteção ampla de bens coletivos corre

o risco de aceitar o Direito Penal, não como a última,

senão como a primeira ou única ratio de proteção dos

bens jurídicos.7

Isso leva a uma gama de consideráveis indagações.

Como pretender-se a tutela de certos bens, qual se impõe,

hodiernamente, a guarda do meio ambiente, do consumo

ou mesmo da saúde pública e quais os derradeiros limites

a serem impostos para que o Direito Penal, ainda e

sempre, mantendo-se a vertente liberal, conduza os trilhos

penais a um futuro de salvaguarda científica são questões

temerárias impostas a doutrina?

Clara está, fenômeno atual, a proliferação de leis

penais, muitas delas atinentes aos bens jurídicos difusos.

É marcante, e presente, a dificuldade do jurista e do leigo

em lidar com tal hipertrofia legislativa. Não é como se viu,

do Direito esse papel. Tal se deve, em muito, aos chamados

gestores atípicos da moral (atypische Moralunternehmer),

os quais expelem leis penais, no mais das vezes, sem

profundidade lógica ou dogmática em número incrível, à

sociedade.

Os bens jurídicos coletivos já haviam estado presentes

nas indagações de diversos autores. Chamados “direitos

de terceira geração”, seguiram-se à inicial defesa dos

indivíduos ante o Estado (primeira geração) e à posterior

garantia dos direitos sociais (segunda geração). Porém,

foi a partir do último quartel do século XX que ganharam

eles verdadeira autonomia científica. Fillippo Sgubbi,

em artigo publicado em meados de 1975, intitulado 7 HASSEMER, Winfried. Lineamentos de una teoria personal del bien jurídico. Traducción de Patrícia S. Ziffer. Doctrina penal, 1989. p. 275 e ss.

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Tutela penale di interessi difusi, passou a externar toda

a preocupação com os chamados bens supraindividuais,

em uma sociedade que, então, começava a se delinear. A

ordem de um capitalismo neoliberal, tudo indicava, estava

por transformar os horizontes do Direito Penal, dando-lhe

novas pedras basilares em que se sustentar.8

Este variar de pensamento, criminalizante e

descriminalizante, já foi percebido em diversos momentos

da historia. Talvez, contudo nunca se tenha dado momento

de semelhante preocupação intelectual como agora. A

verdadeira dimensionalização sentida no sistema penal tem

suas origens nas presentes transformações tecnológicas,

econômico-sociais, políticas e culturais; no entanto, tal

alargamento repressivo há de ter limites. Marcante assim

também é o deslocar de olhos do Direito Penal clássico

para um privilégio dos interesses coletivos.

Sempre se recordando da máxima de Carnelutti –

segundo a qual os manuais envelhecem já no prelo,

enquanto impressos, necessitando de imediata obra de

atualização,9 e tendo em conta a evolução e a revolução

pelas quais passou a rama penalística do Direito nos

últimos anos – devem-se buscar meios de solução para

que os interesses difusos não fiquem, fundamentais que

são na sociedade moderna, desamparados. Que se deem

lema e leme a um Direito Penal renovado, mas que se

fixe o mesmo no respeito às garantias individuais e nos

novos limites do Direito Repressivo. Enfim, que se deixe,

ao Direito Penal, as reprimendas necessárias a atitudes

estritamente reprováveis, deslocando-se a outras áreas do

Direito, as demais questões.

A par disso, constatada a percepção da importância de

semelhantes interesses, deve-se traçar a meta direcional

a ser tida pelo Direito Penal moderno. A sociedade dos

dias atuais que correm não pode ver-se desprotegida

nem sentir-se refém de absurdas imposições legislativas,

8 SGUBBI, Filippo. Tutela penale di interessi difusi. La Questione Criminale 3/439 e ss, anno I.9 CARNELLUTI, Guiseppe. I Codici per l’audienza penale, apud COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O direito de estar só – tutela penal da intimidade. São Paulo: Saraiva, 1970. p. 7. A respeito de crítica a semelhante citação feita na defesa de tese à Càtedra de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, cf. LUNA, Everardo. Trabalhos de Direito Penal. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1971. p. 87.

as quais guardam mais lembranças de regimes de força

do que, propriamente, de regimes democráticos. Enfim,

o Direito Penal não pode mais servir de mero amparo a

políticas como as de “Lei e Ordem”.

Desse modo, dissecando-se os aspectos concernentes

ao bem juridicamente protegido e a tipificação penal, é

preciso um olhar em direção a problemática dos interesses

difusos perante o Direito Penal, avaliando-se, ainda, a

questão constitucional, sua reprovabilidade, sua relevância

criminal, bem como os caminhos de um Direito do porvir.

Com isso, há de prentender-se melhor entendimento sobre

a forma pela qual os interesses difusos serão protegidos

na sociedade do amanhã.

BEM JURÍDICO

Diversos são, na doutrina, os conceitos formulados

quanto ao bem jurídico. Variando sua relevância a respeito

dos entendimentos extremados, de ser ele interesse vital do

ser humano ou da comunidade, a outros, menos radicais,

ético-valorativos, de utilidade marginal, disponíveis ou

não, muitas são as suas acepções.

De modo geral, inegável é seu entendimento no sentido

da limitação do poder punitivo estatal. A adequação da

forma de Estado em que se situe o bem jurídico é que

importará em uma análise mais profunda de sua ingerência

no Direito Penal. O Estado Social e Democrático de Direito

deve entender o bem jurídico de forma muito diversa

daquela dos regimes de cunho autoritário.

Welzel, na mesma direção de Von Liszt, tinha para

si a ideia de que o bem deveria ser aquele bem vital da

comunidade ou do indivíduo protegido juridicamente,

tendo-se em vista seu significado social. Distancia-se

deste, contudo, ao entender seu caráter ético social,

despojado de natureza jurídico-positiva, mencionando,

pontualmente, que bem jurídico é todo estado social

desejável que o Direito queira proteger de lesões.10

Para Jescheck, são eles os “bens” indispensáveis para

a convivência humana em comunidade, devendo ser

protegidos, consequentemente, pelo poder de coação do 10 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Traducción de Juan Bustos Ramérez y Sergio Yañez Pérez. Santiago de Chile: Jurídica de Chile, 1997, p. 5 e SS.

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Estado através da pena pública. Entre outros, seriam de

se mencionar: a vida humana, a integridade corporal, a

liberdade pessoal de ação e de movimentos, a propriedade,

o patrimônio, a segurança viária, a ordem constitucional, a

segurança exterior do Estado, a inviolabilidade dos órgãos

estatais e estrangeiros, a paz pública, a segurança das

minorias nacionais éticas ou culturais contra o extermínio

e contra o tratamento indigno e a paz internacional.11

Roxin, percebendo a impossibilidade de limitação a

bens jurídicos individuais, assegura a presença de bens da

comunidade, também merecedores de proteção. Assim,

entendendo que o conceito material do delito deva ser

prévio ao Código Penal, com base na Constituição, pugna

por certos pressupostos imprescindíveis para a vida em

comum, sendo entendidos, estes, como bens a serem

protegidos pelo Estado.12

Polaino Navarrete, que, em Espanha, mais

acuradamente se deteve quanto ao estudo do tema,

entende, por derradeiro, que por “bem” deve-se ter o

valor merecedor da máxima proteção jurídica cuja outorga

é reservada ao Direito Penal. Em outras palavras, bens

e valores mais consistentes da ordem de convivência

humana em condições de dignidade e progresso da pessoa

em sociedade.13

Mais recentemente, expoentes da chamada Escola de

Frankfurt14 desenvolveram o que se tem por “conceito

pessoal de bem jurídico”. Pregam eles por um Direito

Penal Mínimo,15 como sendo aquele que vem a legitimar

unicamente as intervenções do Direito Penal que sirvam

para proteger bens individuais (vida, saúde, liberdade e

propriedade). Os bens supraindividuais somente haveriam

de ser protegidos na medida em que viessem a produzir

efeitos lesivos para as pessoas.16

11 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal – parte general. Traducción de José Luis Manzanares Samiego. Granada: Comares, 1993, p.85. 12 ROXIN, Claus. Derecho penal..., p. 51 e ss13 POLAINO NAVRRETE, Miguel, op. cit., p.3414 Colocações sobre a Escola de Frankfurt, seu atual papel e importância na dogmática penal, bem como a rápida ponderação quanto aos seus principais expoentes, são dadas por Schünemann. SCHÜNEMANN, Bernd, Consideraciones críticas sobre la situación espiritual..., p.28 e ss.15 No entendimento de ser este um Direito Penal “nuclear” (Kernsstrafrecht), cf. nota 45, do Capítulo 1.16 CORCOY BIDASOLO, Mirentxu, op. cit., p. 20, nota 5; KARGL, Walter. Protección de bienes jurídicos mediante protección Del derecho – sobre la conexión delimitadora entre bienes jurídicos, daño y pena. Traducción de Ramon Ragués y

Analisando todas essas ponderações, vê-se a

continuidade da evolução do pensamento quanto ao bem

jurídico-penal. Deve-se, todavia, traçar o liame divisório

entre o clássico e o moderno, entre o individual e o difuso.

Bem jurídico idealizado sob uma perspectiva individual

repousa naquelas situações em que se exija maior

proteção ofertada pelo Estado, em face da possibilidade

de identificá-lo, conforme, de modo geral, os autores

contemporâneos. A situação é diversa, no entanto,

quando se trata de bens de cunho difuso, em que o foco

é centrado em uma massa não definida, situação na qual

faz-se necessária uma observação acurada do efeito lesivo

de seus membros.

Considerações desse jaez vêm a questionar, de maneira

profunda, a criminalização de bens característicos de uma

sociedade pós-industrial. A necessidade, conforme este

pensamento, de comprovação de efetiva lesão ao bem

jurídico individual, para a devida proteção aos bens tidos

por coletivos, será a grande questão a ser posta em pauta

para a tutela dessa modalidade de interesse.

PRINCÍPIOS DO BEM JURÍDICO:

O conceito de bem jurídico guarda peculiaridades,

ainda, quanto às suas funções. Fruto que são da herança

histórico-liberal do Direito Penal, é importante realizar a

análise não meramente pontual, mas, sim, global de suas

bases.

Muito rica é a doutrina classificatória das diversas funções

exercidas pelo bem jurídico. Muitas são as ponderações

e as conceituações de como o bem jurídico viria a atuar

no Direito Penal.17 De maneira extremamente abreviada,

seria de se constatar que seus princípios poderiam ser

enumerados como o da lesividade, o da intervenção

mínima, o da fragmentariedade e da subsidiariedade. De

forma mais ou menos abrangente, as suas funções irão

espelhar a real importância do conceito ante a dogmática

penal.18

Vallès. La insustenible situación del derecho penal. Granada: Comares, 2000. p. 49 e ss17 Cf., entre outros, PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal..., p. 47 e ss.18 Gimbernart Ordeig, analisando a questão da dogmática penal, em 1969, levantou amplas críticas formadas contra a dogmática penal divorciada de quaisquer outras preocupações que não as puramente cientificas , cultivadas l’ artpour l´

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Por princípio da lesividade entende-se a necessária

comprovação de lesão a um dado bem para a sua eventual

proteção. Dimensionaliza na órbita penal, conforme alguns,

as questões de exterioridade e alteridade do direito. Nilo

Batista informa que “(...) no Direito Penal, à conduta do

sujeito autor do crime deve relacionar-se, como signo do

outro sujeito, o bem jurídico (que era objeto da proteção

penal e foi ofendido pelo crime) (...).19 Complemento do

que se virá a ter como princípio da intervenção mínima, a

necessária lesividade deverá ser comprovada, a fim de que

se tenha, de fato, uma proteção racional a determinados

bens. Afora estes, não sendo presente uma lesividade a

um dado bem jurídico, inexistirá a possibilidade de sanção

por parte do Estado.

O princípio da intervenção mínima, como já se

mencionou, caminha nesse mesmo passo. O Direito Penal

deve ser entendido como ultima ratio da intervenção

estatal, estabelecendo-se que ele só deva atuar na “(...)

defesa de bens jurídicos imprescindíveis à coexistência

pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente

protegidos de outra forma. Aparece ele como uma

orientação de política criminal restrita do jus puniendi e

deriva da própria natureza do Direito Penal e da concepção

material de Estado de Direito (...).20 Conforme exposto,

uma vez ser concluído não ser o Direito Penal a única

forma de controle social, e considerando-se sua violência

junto ao cidadão, é de se tê-lo como último recurso a ser

mpregado, uma vez que seja patente o fracasso de todos

os demais à disposição da sociedade.21

Já o princípio da fragmentariedade encontra-se ladeado

ao da ultima ratio. Assimilados os postulados daquele,

claro está que a proteção de bens jurídicos, atribuídos a

art, demonstrando a necessidade de sua mais apurada consideração na elaboração penal. GIMBERNART ORDEIG, Enrique.Tiene futuro la dogmática penal?. Estudios de derecho penal. Madrid: Tecnos, 1990, p.495 e ss. Mais recentemente, Muñoz Conde, analisando a situação da dogmática penal nos fins do milênio, demonstra a sua missão como verdadeira gramática internacional, conforme expressão cunhada por Roxin. MUÑOZ CONDE, Francisco. Presente y futuro de la dogmática jurídico-penal. Revista Penal 5/44 e ss, enero 2000. Deve-se ter em conta, no entanto, que o direito penal vigente em cada país em determinada época ou momento histórico, não se mostra neutro, constituindo-se, sim, no elemento com maior cunho ideológico do ordenamento jurídico. Assim, não há que se falar em dogmática penal absolutamente neutra. MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000. p.76. 19 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 91.20 PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal..., p.49-50.21 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal – parte general. Barcelona: (s.e.), 1998. p. 6.

lei penal, não é absoluta. Utilizando-se de uma famosa

expressão de Binding,22 o Direito Penal passa a considerar,

assim, que esses bens somente hão de ser protegidos

ante agressões e ataques tidos socialmente intoleráveis.

Procede-se, assim, a uma tutela seletiva do bem jurídico,

estabelecendo-se aquilo que deve ser merecedor de

pena.23

Finalmente, o princípio da subsidiariedade (também

tido como subprincípio da intervenção mínima) advém

da sua fragmentariedade, derivando de sua consideração

como remédio sancionador extremo, o qual deve, portanto,

ser ministrado apenas quando qualquer outro venha a se

revelar insuficiente.24 A subsidiariedade penal delineia-se

de tal forma que sua aplicação só deve ocorrer se outras

formas de intervenção não forem passíveis de aplicação.

BENS JURÍDICOS DIFUSOS COMO OBJETO DE PROTEÇÃO:

Após um espostejar de toda a evolução do bem jurídico,

é de se ter em consideração o questionamento hodierno

quanto à proteção dos chamados bens jurídicos coletivos

ou supraindividuais.

As mudanças causadas pela verdadeira revolução

tecnológica notada na sociedade nas últimas décadas foram

também sentidas no âmbito sociológico. Praticamente,

todas as relações sócio-econômicas sofreram profundas

alterações. A confirmação de que essas transformações

propiciaram o surgimento de uma nova criminalidade

chega a ser preocupante. Como se viu, desde Birnbaum,

muito avançou a conceituação de bem jurídico. Este veio a

mudar o paradigma do Direito Penal, sendo que, hoje, este

Direito não se refere a considerações unicamente quanto

ao indivíduo, senão no objeto de proteção penal. Tem-se,

por certo, antes de tudo, um problema de decisão política

e não de subjetividade do sujeito.25

22 Nesse aspecto, de se ver que Binding tinha para si que o Direito Penal, por sua qualidade de direito protetor. JESCHECK, Hans-Heinrich, Tratado de derecho penal – parte general. Traducción de José Luis Manzanares Samiego. Granada: Comares, 1993. p. 46. 23 JESCHECK, Hans-Heinrich, Tratado..., p. 45. 24 BATISTA, Nilo, Introdução crítica..., p. 86 e ss.25 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Los bienes jurídicos coletivos (repercusiones de labor legislativa de Jimenez de Asúa em el Código Penal de 1932). Revista de la Facultad de Derecho – Universidad Complutense. Madrid, marzo, 1986. p. 150 e ss.

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Sgubbi, analisando em um primeiro momento a

necessária tutela penal dos interesses difusos, afirma

que ela é fruto de articulação de uma vasta exigência

política de satisfação das necessidades especiais (e reais)

e de participação no processo econômico.26 Secundado,

a seu modo, por Tiedemann,27 parece caber-lhe razão.

Mas horizontes decorrentes dessa afirmação tem prismas

variados.

O Estado liberal democrático, sem dúvida, impôs uma

preocupação exacerbada quanto a bem jurídico orbitantes

à pessoa. Isso, porém, não implica desconsideração quanto

a outros bens, tais como: a fé pública, a administração

da Justiça, ou mesmo a saúde pública. Todavia, e sempre

com olhos num liberalismo democrático à pessoa, não se

vislumbra a necessidade de intervenção nos processos

sociais e econômicos.28 Assim, ao lado desses bens

de cunho clássico (de caráter individual ou mesmo

supraindividual), formatam-se, no momento de criação das

sociedades de risco pós-industriais, novos bens jurídicos,

supraindividuais.

Grande parcela da atual dogmática jurídica pretende

estabelecer uma função garantista ao bem jurídico. Nesse

aspecto, seria de se esperar que fossem os princípios a

serem constatados para uma devida proteção penal:

o de proteção, responsabilidade e sanção. Atenderia o

primeiro às pautas que devem reger a delimitação dos

conteúdos a serem tidos pelo Direito Penal. O segundo

ocupar-se-ia dos requisitos que devem concorrer em

determinado comportamento para que possa ele exigir

uma resposta penal. Finalmente, o terceiro atenderia aos

fundamentos em virtude dos quais se podem relacionar

as sanções com uma conduta responsável criminalmente.

Disso decorreriam, por obrigatório, outras considerações

primárias, como a fundada presença de um princípio de

lesividade e de intervenção mínima, bem como de uma

neutralidade da vítima.

26 SGUBBI, Filippo, Tutela penale di interessi diffusi. La Questione Criminale 3/439 e ss, anno I. p. 439.27 TIEDMANN, Klaus. Poder econômico y delito (introducción al derecho penal econômico y de la empresa). Traducción de Amélia Mantilla Villegas. Barcelona: Ariel, 1985. p. 9 e ss; BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de derecho penal – Parte Especial. Barcelona: Ariel, 1991. p. 264. 28 BUSTOS RAMÍREZ, Juan, Los bienos jurídicos coletivos..., p. 153.

Ora, não se pode ter isso por verdade na análise dos

bens supraindividuais. Fazer-se referência a valores sem

uma recíproca exigência de que sua infração suponha uma

repercussão negativa nos indivíduos como seres sociais é

por demais criticável. A legitimidade da proteção desses

bens jurídicos sempre é de ser mantida, desde que eles

se lastrem nos interesses fundamentais da vida social

da pessoa. Bem entendido, a ampliação do horizonte

penal, abandonando a conceituação iluminista quanto a

uma consideração relativa à pessoa enquanto elemento

individual, tomando-se em conta bens metaindividuais

e sociais, não pode, nunca, perder o referencial de seus

elementos autônomos.

A qualificação de bens jurídicos supraindividuais como

interesses difusos, bem aceita entre os peninsulares, sofre

sérias críticas na doutrina hispânica. Corcoy Bidasolo chega

mesmo a afirmar que a própria terminologia “difusa” vem

a manifestar a reprovação quanto à sua legitimidade.

Não parece justificável semelhante aversão. A doutrina

brasileira, sob influência italiana, é verdade, tem tido por

correta a nomenclatura “interesses difusos” sem maiores

críticas. Ao revés, toma os bens supraindividuais e

difusos, senão por sinônimos, como complementares dos

“interesses coletivos”. Ainda que se prefira a denominação

“supraindividual” por imposição da própria lei nacional,

é de se ter todos como sendo o mesmo, ao menos em

sentido amplo. A distinção realizada quanto às pessoas,

determinadas ou indeterminadas, de um certo grupo

perderá razão de ser ao se tomar a necessidade de que,

mesmo dentro de uma massa indistinta de pessoas,

alguns agentes tenham de ser identificados para poder-se

configurar uma lesão ou, ao menos, um prognostico de

lesão a um bem penalmente protegido.

Essa distinção mostra-se significativa por ocasião

da preocupação da especificação de conceitos “gerais”,

“coletivos” e “difusos”. Em curta elucidação, poder-se-ia

entender que os interesses gerais não fragmentam, como

os difusos, em uma pluralidade de situações subjetivas. Por

igual, os interesses coletivos tem uma concepção menos

lata do que os difusos. Como recorda Faria Costa, parte

da doutrina, em especial a italiana, realiza essa tentativa

de destrinchamento nesse sentido. Entretanto, em última

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sede, entender-se-á aqui, de maneira equivalente, uma

pretensa proteção a bens difusos ou supraindividuais.

As considerações atinentes à correta utilização

temática, normalmente, preferem a utilização de apenas

um dos termos. Ou não se contempla a totalidade de

situações que há de se ter em conta nessa problemática,

reduzindo sua virtualidade a morfologia de um de seus

subtipos, ou se utiliza um vocábulo parcial (ou ambos,

indistintamente), pretendendo referir-se à generalidade

de situações conduzidas ao fenômeno global, com o

que confunde o significado próprio do conceito ou dos

conceitos empregados. Poder-se-ia mesmo, em percepção

do estudo da questão no campo penal, adotar a ideia da

sinonímia entre esses interesses, sendo tido por verdade

que todos são bens supraindividuais, podendo os coletivos

ser entendidos como interesses difusos em sentido

impróprio, enquanto os demais serão interesses difusos

tout court ou em sentido próprio.

Entendendo-se, contudo, as particularidades da matéria

em exame, para melhor desenvolvimento científico,

e pretendendo-se evitar, pois, confusões de ordem

científico-estrutural, torna-se imperiosa uma definição, ao

menos lata, da abrangência dos interesses difusos. Nesse

sentido, ainda que eles venham a ser algo misterioso,

nublado ou vago, Ada Pellegrini Grinover explicita uma

correta conceituação a ser empregada. Para ela, ainda que

estejam todos centrados no mesmo campo de estudos, é

necessária uma devida distinção. Assim, de modo geral,

tratam-se todos os interesses metaindividuais. Entretanto,

enquanto os interesses coletivos referem-se a interesses

de uma coletividade de pessoas interagindo apenas entre

si, os interesses difusos dizem respeito a uma valoração

de pessoas e valores genéricos, pessoas e interesses

de massa, conflitando entre si. Esses interesses difusos

propriamente ditos tem seu vínculo entre pessoas e fatos

conjunturais genéricos. Tem a característica, ainda, de

pautarem-se em dados de fato acidentais e mutáveis, pois

se referem em geral à qualidade de vida.29 29 Ada Pellgrini Grinover procura dar a devida conceituação aos termos, afirmando que “(...) estamos, inquestionavelmente no campo de interesses metaindividuais, supraindividuais, coletivos. Mas é preciso distinguir. É metaindividual também o interesse público, exercido em relação ao Estado. Mas esse interesse (à ordem pública, à segurança pública) constitui interesse de que todos compartilham. E o único problema que pode suscitar ainda se coloca na perspectiva clássica do conflito do individuo contra o Estado. Já por interesses coletivos entende-se os

Von Liszt, em sua época, já havia mencionado a

existência de uma diversidade de portadores de bens

jurídicos. Para ele, ao lado dos portadores individuais,

sobressaíam os supraindividuais, entre os quais se encontra

o Estado, portador dos interesses coletivos. Os outros

doutrinadores, como se viu, também desenvolveram essa

idéia. Uma vez mais, percebe-se o alinhar de grande parte

do pensamento moderno como o já pregado noutra época.

Os bens jurídicos coletivos devem ser definidos a

partir de uma relação social baseada numa satisfação de

necessidades de cada um dos membros da sociedade ou

de uma outra coletividade, em consonância com o sistema

social. Não há de ser fundamentados, pois, sob uma ideia

tradicional, vislumbrando-se um caráter microssocial, mas

própria e particularmente macrossocial. Assim, deixando

a latere a dimensão individual e de dignidade, ter-se-á,

com eles, a ideia referente ao funcionamento do sistema,

ou seja, a processos ou funções que este venha a cumprir

para que, justamente, possam estar materialmente

asseguradas as bases e as condições do mesmo, isto é,

as relações microssociais, os mencionados bens jurídicos

individuais.

A necessária observação quanto aos bens relativos a

um tratamento macrossocial é a que nota sua subdivisão

em bens institucionais, coletivos e de controle. Esses bens

institucionais, conforme Bustos Ramírez, seriam aqueles

relativos a determinadas instituições básicas para o

funcionamento sistêmico, tendo por requisito a ideia dupla

de massividade e universalidade, estabelecendo vias ou

procedimentos organizativo-conceituais para assegurar os

bens individuais. Já os coletivos põem-se em referência à

interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando no vínculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, o condomínio, a família dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo com seus interesses individuais. Num plano mais complexo, onde o conjunto de interessados não é mais facilmente determinável, embora ainda exista a relação-base, surge o interesse coletivo do sindicato, a congregar todos os empregados de determinada categoria profissional. Mas ainda não estamos no plano dos interesses difusos. O outro grupo de interesses metaindividuais, o dos difusos propriamente ditos, compreende interesses que não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis: habilitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições sócio-econômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc. Trata-se de interesses espalhados e informais à tutela das necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas a qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses, de massa, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos os pólos (...)” GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984, p. 30 e ss.

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satisfação de necessidades de caráter social e econômico,

estando em relação à participação de todos no processo

econômico-social – este o real objetivo da intervenção

estatal. Por último, os bens de controle seriam aqueles

relativos à organização do aparato estatal, com escopo de

cumprir suas funções, como no caso dos crimes contra a

autoridade, segurança interior e exterior, entre outros.

Em estudo a proteção de bens pessoais e difusos,

saltam aos olhos situações de grupos de delitos em que

se percebe a necessidade de tutela ambivalente. Parte

da doutrina entende, estes, como bens intermediários,

ou seja, bens jurídicos de referência individual, mas que

atingem, por igual, a toda uma coletividade de pessoas.

Referem-se a bens, como âmbito econômico, em que se

dá uma preocupação do Estado, de um lado, e dos agentes

econômico-individuais, de outro.

A categoria tradicional de bem jurídico está relacionada

com a de Direito subjetivo, sendo que ambas remetem à

ideia do indivíduo abstrato e isolado, própria do liberalismo,

a qual serviu para legitimar a desigualdade substancial

inerente ao sistema burguês. Dessa maneira, pretende-

se articular uma vasta demanda política de satisfação

de necessidades essenciais, reais e de participação no

processo econômico, o que se produz mediante a tutela

dos interesses difusos. Estes são definidos, pois, como

uma aspiração presente de modo informal e propaganda

massivamente em certos setores da sociedade, com um

controle sobre o conteúdo e desenvolvimento das posições

econômico-jurídicas dominantes, todavia, fechada a uma

participação.

Estes bens pluriofensivos muitas vezes são concebidos

como “bens jurídicos intermediários espiritualizados”,

conforme expressão de Schünemann, em que somente

poder-se-á considerar o bem jurídico protegido como

lesionado se ocorrer uma reiteração generalizada de

condutas que não respeitem as regras básicas.30 Com

a dificuldade inerente à constatação de qual, dentre as

diversas condutas, realmente vem a causar a efetiva

lesão ao bem jurídico protegido, entende-se permitido um

30 SCHÜNEMANN, Bernd. Moderne Tendezen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits – und Gefährdungsdelikte, apud CORCOY BIDASOLO, Mirentxu, op. cit., p.260; MATA Y MARTÍN, Ricardo M., op. cit., p.23.

socorro às técnicas de crimes de perigo, em especial ao

abstrato, por onde procurar-se-á resguardar o interesse

de todo e qualquer atentado, e não só aqueles realmente

danosos.

Vislumbra-se, pois, casos em que se tem uma recíproca

dependência entre os bens pessoais e difusos, em que,

através da caracterização intermediária, amplia-se a

possibilidade de consideração penal quanto a um mesmo

ataque de uma determinada conduta.

O interesse de tal formulação encontra terreno na

restrição interventiva do Estado em cada categoria. Cada

qual, de per si, assumirá limites para o funcionamento do

sistema. Os bens jurídicos coletivos, assim reordenados,

vem a confirmar a relação de complementação dos bens

jurídicos com o próprio sistema penal.

Em Espanha, Mata y Martín, ainda que se utilizando

da mesma nomenclatura de Schünemann, entende

como bens intermediários aqueles intermediários

supraindividuais ou coletivos orientados à proteção de bens

individuais, ou mesmo suficientemente individualizados

ou determináveis.31 Não obstante sua proposta permitir

melhor compreender vários aspectos da realidade difusa,

o autor não desenvolve uma entidade dogmática dos bens

intermediários, o que acaba unicamente por legitimar

certas decisões do legislador. Assim, não obstante apesar

da confusão de termos, deve-se mostrar clara a distinção

conceitual.

Novos contornos toma a matéria quando se vislumbra

a necessidade de comprovação de uma danosidade social

da conduta delitiva. Para a Escola de Frankfurt, deve-se

realizar uma concepção de bem jurídico menos centrada

no dano e no conflito pessoal entre autor e vítima e mais

na medida a se proteger os interesses que a sociedade

atual venha a considerar prevalentes. Conclui-se, com

ela, uma limitação absoluta no Direito Penal à proteção a

interesses individuais básicos (como vida, saúde, liberdade

e propriedade). Hassemer chega a afirmar, imbuindo-se de

uma concepção funcionalista e utilizando-se de conceitos

de danosidade social, que é legitima a intervenção estatal

31 MATA Y MARTÍN, Ricardo M., op. cit., p. 23 e ss.

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Direito Penal Ambiental

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quando uma conduta humana venha a produzir efeitos

“socialmente danosos” ou “pessoalmente lesivos”.32

Já se viu que a proteção aos bens jurídicos supraindividuais

se faz de modo muito particular, principalmente mediante

a criação de crimes de perigo abstrato. Nesses como

menciona a doutrina majoritária (senão unânime), afirma-

se que não há constatação de uma lesão efetiva a bem

jurídico. Daí, aliás, uma das criticas formuladas quanto à

sua presença no Direito Penal. Ora, como então adequar

o princípio de lesividade a situações em que se pretende

proteger bens supraindividuais? Kindhäuser entende que,

nos delitos de perigo abstrato, se vislumbra uma “lesão sui

generis”, considerando que a lesão à segurança do bem

equivaleria à perigosidade da conduta.33 Críticas várias

são feitas a tal posição. Falar-se em segurança e confiança

como bens protegidos não equivale a uma livre disposição

de determinados bens individuais.

As ponderações de Walter Kargl parecem ser as

melhores. Para ele a lesividade não pode ser entendida

naturalisticamente como dano. A proteção penal, recaindo

o interesse sobre a coisa, tutela o que viria a ser a moralidade

do dano, não se confundindo, aqui, com a moralidade do

Direito. Não sendo mais necessário o vislumbrar fático de

dano, entendendo-se que, nestes casos, dar-se-á a lesão

com mera situação de perigo a que é submetido o bem.

Pelo até aqui exposto, pelas próprias características

vislumbradas nos delitos a bens supraindividuais, é

de se ver que, fundamentalmente, haverão eles de ser

tipificados como delitos de perigo abstrato. Entretanto

muito criticável podem ser essas colocações. A delimitação

de como o Direito Penal poderá vir a cuidar de situações

abstratas é um dos grandes impasses do momento atual.

Por outro lado, significativa é a confirmação de quão

ineficazes são determinadas formulações acerca da

delimitação do jus puniendi. Isso leva, muitas vezes, a

considerar que a elaboração de critérios que pretendam

32 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Traducción y notas de Francisco Muñoz Conde; Luis Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosch, 1984. p. 38 e ss.33 KINDHÄUSER, Urs. Derecho penal de la culpabilidad y conducta peligrosa. Traducción de Claudia Lopes Díaz. Bogotá:Universidad Externado de Colombia, 1996. p. 76 e ss.

a descriminalização como hipótese essencial de política

criminal baseada na ideia de Direito Penal mínimo passa,

em primeiro lugar, pela valorização social do interesse

protegido, em que o conceito de prejuízo social se

determina com base na conexão entre os níveis culturais

e econômicos na origem das formas jurídicas. Implica,

portanto, em dizer que, nesse aspecto, basilar se mostra a

questão do prejuízo corroborado.

Não seria, contudo, de se ter o critério da comprovação

danosa aplicado de maneira radical. Situações existirão,

já se viu, em que ela não é factual, presente e evidente.

Entretanto, demonstra a prática, a danosidade já é do

conhecimento comum, tendo sido anteriormente atestada.

Os crimes de perigo, muitas vezes estruturados para a

proteção dos bens coletivos, supraindividuais ou difusos,

sem dúvida, ganharão espaço. Quanto à própria criação

dos bens de perigo abstrato, básicos e substanciais nessa

rama de avaliação jurídica, é de se ter todo o cuidado.

Conforme se verá, eles devem ser estritos a um mínimo

indispensável, sob pena de, além de uma notada expansão

penal, ter-se presente, também, uma quebra dos princípios

fragmentários e de ultima ratio, tão duramente alcançados

pelo Direito Penal.

Nesta idealização de sociedade de risco pós-industrial,

são confirmadas, também uma valoração atenta aos

novos fenômenos criminais por parte dos cidadãos, uma

sensibilidade mais refinada na apreciação do problema

ambiental em suas variadas facetas (ar, água, solo), maior

atenção na utilização dos recursos, mais acurada atenção

na gestão global dos sistemas produtivos, uma consciência

mais madura do correto exercício da liberdade econômica

e uma equilibrada disciplina dos fatores de produção e dos

mecanismos idôneos para garantir a racional e equitativa

distribuição de rendas, resultando, pois, em um correto

e ponderado sistema fiscal e uma utilização dos frutos

dos tributos. Desse emaranhado de situações novéis ao

Direito, cabe entender aquelas que poderiam dar lugar a

objetos de tutela penal de meras finalidades, as quais, em

um contexto jurídico-penal, podem assumir corretamente

a função de rationes de tutela, porquanto estas não seriam

bens jurídicos em um sentido tradicional, senão objetivos

organizativos.

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Direito Penal Ambiental

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Nesse sentido, tem-se que essas novas criminalizações,

presentes nos últimos anos, e os projetos de lei para um

futuro próximo tem um denominador comum: introduzem

novos bens jurídicos difusos ou reforçam a tutela dos

bens que, por um adequado conceito de bem jurídico,

resultam muito vagos: crimes tributários, crimes na

formação de balanços, na utilização das subvenções,

contra o ambiente, em matéria de calculadoras eletrônicas

e de estupefacientes. O interesse daqueles que concedem

subvenções para que estas sejam utilizadas conforme

as regras (v.g., impondo uma política para a subvenção)

ou o interesse ao impedimento ao tráfico de drogas

e a conservação de um ambiente vital etc., ainda que

possam ser legítimos, não são bens jurídicos no sentido

tradicional. Seria sim objetivo de organizações políticas,

sociais e econômicas. A vítima, em tais crimes, é, assim,

mais visível em seus contornos. O Direito Penal, aqui, não

tutelaria vítimas, mas apenas funções.

Com tais formulações, desenvolvem-se as ideias da

Escola de Frankfurt, tendo Hassemer como mentor de

proposta de solução de intempéries do Direito Penal

moderno. Para ele, a chave conclusiva seria como Janus.

De um lado, dever-se-ia reduzir o Direito Penal a um

Direito Penal básico, em que se ajustassem todas as lesões

dos bens jurídicos individuais clássicos, além das situações

de perigo grave, como incêndio, condução de veículos

sob influência alcoólica, formação de quadrilhas, etc.

Ao mesmo tempo, proteger-se-iam aqui, também, bens

jurídicos universais (supraindividuais), necessários ao

ordenamento do próprio Estado. Ao lado disso, ter-se-ia a

criação de um Direito de Intervenção (Interventionsrech),

situado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo

sancionador, entre o Direito Civil e o Direito Público, com

um nível de garantias e formalidades processuais inferior

ao do Direito Penal, mas igualmente acompanhado de

uma carga reduzida de sanções. A esta classe inovadora

caberiam os delitos que não viessem a agredir, de maneira

intensa, diversos bens.34 34 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco, La responsabilidad por el producto..., p. 41 e ss. Reale Júnior, ainda que exponha concordância parcial quanto às teses de Hassemer, opõe-se à denominação de “Direito de Intervenção”, entendendo que ela pouco designa, “(...) uma vez que intervenção não será a características desse novo ramo, mesmo porque não há direito repressivo que não realize uma intervenção (...)”. REALE JÚNIOR, Miguel. Despenalização no direito penal econômico: uma terceira via entre o crime e a infração administrativa?.

Nesta mencionada sociedade de risco, ao lado

destes, são vislumbrados diversos benefícios propiciados

pelos próprios riscos ao cidadãos, os quais, para bem

exercerem sua liberdade, hão de se ter em mente que

tais riscos não são superiores ao que aparentam ser. O

Direito de Intervenção, sob este espectro, recebe também

criticas. Desenlace seria encontrado sentido de evitar-se

a imposição de sanções penais desmedidas; porém, os

demais problemas sentidos hoje no Direito Penal ainda

seriam presentes. As dificuldades de persecução, segundo

seus críticos, seriam as mesmas, não se apresentando,

assim, como derradeira resposta. Tentativa idônea,

sedutora, mas não última. Com isso, aqui não se concorda.

Nesse aspecto, cumpre ressaltar, ainda a posição de

Hassemer ao entender que esse novo Direito deverá atuar

previamente a consumação dos riscos, sendo, portanto,

imbuído de caráter preventivo, de modo diverso do Direito

Penal, que é o Direito repressivo. Portanto ele poderá

dispensar os mecanismos de imputação individual de

responsabilidades, atuando, de fato, globalmente.

Isso não implica dizer, entretanto, que descabe qualquer

consideração quanto aos bens supra-individuais. São eles

merecedores e carecedores de proteção estatal, ainda que

por intermédio da criação de crimes de perigo. O real cuidado

a ser tomado deve ser o de evitar a mera formulação penal

simbólica. Em verdade os muitos problemas enfrentados

pela criminalização de novas condutas são, no mais das

vezes, oriundos da técnica legislativa utilizada. Não só os

operadores do Direito Penal devem realizar esforços para

melhor tratar o tema, mas também o legislador tem, por

obrigação, criar tipos suficientemente concretos, sem

se deixar cair nas armadilhas de uma técnica legislativa

casuística.

Se esta não for tida como diretriz desse novo Direito

Penal, perderá ele qualquer legitimidade ou eficácia real,

RBCCrim 28/125, 1999. O próprio Hassemer não é radical na defesa de tal nomenclatura: “(...) tenho sugerido a criação de um novo ramo de direito. Para o efeito, escolhi a designação de direito de intervenção (Interventionsrecht), mas podemos designá-lo da forma que mais nos aprouver (...)”. HASSEMER, Winfried. A preservação do ambiente através do direito penal. Trad. Carlos Eduardo Vasconcelos, adaptada para publicação por Paulo de Sousa Mendes. RBCCrim 22/33, 1998. Ainda que respeitáveis estes argumentos, é de se ver que a nomenclatura proposta pela Escola de Frankfurt visa uma oposição ao Direito Penal, consistindo-se em um direito sancionatório de outra ordem. Por questão de coerência à formulação original, seguir-se-á aqui o postulado original do professor de Frankfurt.

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Direito Penal Ambiental

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incidindo em mera função simbólica. Muito tranquilizadora

à sociedade, não é de se ter um simbolismo penal

respaldando um sistema cientificamente construído. A

insegurança jurídica gerada pela presença de um Direito

Penal simbólico, em muito, supera a suposta segurança

social dele oriunda. O risco entrópico do simbolismo

ameaça todo o sistema penal. A esse simbolismo persistir,

consolidar-se e se incrementar, as liberdades conquistadas

desde o Iluminismo passam a ser ameaçada.

Ao idealizar as funções do novo Direito Penal, Hassemer

vem a perceber que as novas incriminações penais, quer

da Parte Especial, quer da legislação penal especial,

levam a uma inequívoca ampliação do Direito repressivo,

reduzindo a importância de seu núcleo tradicional. O

Direito Penal deixa, pois, de ser um instrumento de reação

ante as graves lesões da liberdade dos cidadãos, para se

transformar em um instrumento de política de segurança.

Perde-se, pois, a posição no conjunto do Ordenamento

Jurídico, para aproximar-se das funções do Direito Civil

e Administrativo. As antigas vantagens do Direito Penal

nuclear passam a ser um segundo plano, para assumir

local preventivo ao delito futuro ou outras perturbações de

grande magnitude. Tanto a teoria como a práxis jurídico-

penal vem transformar os modelos normativos em modelos

empíricos.

Ao entender, ainda, que a proteção dos bens jurídico-

penais é, sim, voltada às consequencias, acaba tendo para

si o Direito Penal como ciência social, pois se alarga o foco

de observação jurídico-penal para as ciências apoiadas na

realidade. Vem a se dar, assim, e em especial neste árido

campo de estudo, uma absorção das ciências sociais do

Direito Penal.35

Assumindo tal colocação e entendendo o Direito como

sistema erguido sob a perspectiva de uma codificação

ou unidade de institutos e regras, tem-se certa validade

também, numa perspectiva funcionalista do Direito Penal.

O funcionalismo, dessa maneira, com o objetivo de explicar 35 Os interesses difusos, obrigatoriamente, apóiam-se em áreas outras do conhecimento humano que não o Direito Penal. Assim, para a sua devida proteção, utilizar-se-ão ciências, não mais como “auxiliares”, mas como instrutoras do próprio Direito Penal, modificando-o e reestruturando-o criticamente, HASSEMER, Winfried, Historia das ideias penais na Alemanha do pós-guerra. Tradução Carlos Eduardo Vasconcelos. Três temas do Direito Penal. Porto Alegre: Escola Superior do Ministério Público, 1993, p.41 e ss.

o sistema jurídico como sistema aberto, vem compor, por

igual, uma análise global de todo o sistema social.

Com isto como norte, delimitando-se fundamentos

básicos de proteção a dignidade humana, dever-se-ão

ter os limites mínimos previstos na Constituição. A partir

deles, os bens supra-individuais e difusos passarão a ser

parte viva da dogmática criadora de tipos penais de perigo

abstrato, verdadeiro sustentáculo desse novo Direito

Penal.36

CRIMES AMBIENTAIS

O legislador brasileiro, por questões de política

ambiental criminal, preferiu não incorporar as condutas delitivas ao Código Penal Brasileiro.

O diploma normativo que regulamenta a maioria dos

crimes ambientais é a Lei nº 9.605/98, a qual dispõe sobre

as sanções penais e administrativas derivadas de condutas

e atividades lesivas ao meio ambiente. Ou seja, referido

diploma normativo não se limita a conter disposições de

conteúdo penal, possuindo ainda normas administrativas

e processuais, apresentando natureza mista ou híbrida37.

Registre-se que a criminalização das condutas

ambientais é adequada à realidade brasileira. Não tem

cabimento, em nosso país, deixar as infrações apenas

no âmbito administrativo. O Brasil é um país de imenso

território e com uma fiscalização ambiental fragilizada pela

falta de estrutura.

Deve ser marcado que referida lei protege não apenas

o meio ambiente natural, mas também o artificial (art.

65 – pichação de edifício urbano), o cultural (art. 62 –

destruição de museus) e o do trabalho (art. 54 – trata

da poluição de forma genérica, abarcando, assim, a

contaminação do ambiente do trabalho).

36 Nesse sentido, Cézar Roberto Bitencourt, ao tratar dos princípios limitadores da intervenção estatal, menciona que “(...) todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição (artigo 5º), têm função de orientar ao legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os Direitos Humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um direito penal mínimo e garantista (...). BITENCOURT, Cézar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: RT, 1997. p. 35. 37 LEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 151.

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Em regra, qualquer pessoa – física ou jurídica – pode ser

sujeito ativo de um crime ambiental. Excepcionalmente, a

Lei dos Crimes Ambientais exige uma qualidade especial

do sujeito ativo, como ocorre com algumas figuras dos

crimes contra a Administração Ambiental (arts. 66 e 67),

que exigem a qualidade de funcionário público. Neste

caso, trata-se de um crime próprio ambiental.

A Lei dos Crimes Ambientais dá grande importância às

penas restritivas de direito – não ignorando a tendência

mundial em se buscar penas alternativas às privativas de

liberdade.

As penas restritivas de direitos, pela Lei nº 9.605/98,

são autônomas e substituem as privativas de liberdade

quando: i) tratar-se de crime culposo ou for aplicada

pena privativa de liberdade inferior a quatro anos; ii) a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a

personalidade do condenado; iii) a situação econômica do

infrator, no caso de multa.

Deve ser lembrado, ademais, que de regra a

competência para julgar os crimes ambientais é da Justiça

Estadual, em razão da revogação da Súmula 91 editada

pelo Superior Tribunal de Justiça38. Excepcionalmente

haverá competência da Justiça Federal quando se tratar de

crimes ambientais perpetrados em detrimento de bens,

serviços ou interesses da União, suas autarquias ou

empresas públicas.

Os crimes contra o Meio Ambiente estão descritos no

Capítulo V da Lei nº 9.605/98.

38 Súmula 91, STJ (revogada): “Compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna”.

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE

O princípio da insignificância surgiu na Europa, a

partir do século XX, fruto do desemprego e escassez de

alimentos, dentre outros fatores sociais, econômicos e

políticos, sobretudo no período seguinte às duas grandes

guerras mundiais, as quais desencadearam pequenos

furtos, subtrações de pouca relevância, fenômeno que

recebeu da doutrina alemã a denominação de “delitos de

bagatela” (Bagatelledelikte).

Há quem entenda que o princípio da insignificância já

vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava, de

modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a

máxima contida no brocardo “minima non curat praetor”.

Assim não pensamos. É verdade que os romanos tinham

um direito civil aperfeiçoado, mas não tinham uma noção

adequada do princípio da legalidade penal. Assim, o

brocardo citado constituía mais uma máxima do que um

estudo apurado sobre o tema.

A origem fática do princípio apresenta nítido

caráter patrimonial, pressupondo, assim, a ocorrência

de um dano patrimonial de mínima monta (parâmetro

quantitativo), não caracterizador de prejuízo vultoso a

outrem, de tal forma que não se justifique a intervenção

do Direito Penal.

Não existe previsão expressa dos delitos de bagatela

na legislação pátria. Contudo, a doutrina e jurisprudência

têm possibilitado a delimitação das condutas tidas como

insignificantes, valendo-se, principalmente, de princípios

como o da legalidade e a necessidade de um direito penal

mínimo, fragmentário e subsidiário.

Conforme Vico Mañas, “o princípio da insignificância

pode ser definido como instrumento de interpretação

restritiva, fundado na concepção material do tipo

penal, por intermédio do qual é possível alcançar,

pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do

pensamento sistemático, a proposição político-criminal de

descriminalização de condutas que, embora formalmente

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típicas, não atingem de forma socialmente relevante os

bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal”39.

Desse modo, é uma orientação que não desconhece

a antijuridicidade do fato, mas deixa de considerar a

necessidade de intervenção punitiva.

Como preceitua Fernando de Almeida Pedroso,

“muitas vezes, condutas que coincidem com o tipo, do

ponto de vista formal, não apresentam a menor relevância

material. São condutas de pouco ou escasso significado

lesivo, de forma que, nesses casos, tem aplicação o

princípio da insignificância, pelo qual se permite excluir, de

pronto, a tipicidade formal, porque, na realidade, o bem

jurídico não chegou a ser agravado e, portanto, não há

injusto a ser considerado”.40

Na linha dos ensinamentos citados, pode-se

conceituar o princípio da insignificância como a norma

que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua

inexpressividade, constituem delitos de bagatela, despidos

de reprovabilidade, de modo a não mereceram incidência

da regra penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes.

Os crimes de bagatela, por essa perspectiva, são

delitos que se ajustam ao fato típico, mas que têm sua

tipicidade desconsiderada por se tratarem de gravame a

bens jurídicos que não acarretam uma reprovabilidade

social.

Édis Milaré leciona que é necessário, “em cada caso,

realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo

agente e a pena que lhe será imposta como conseqüência

da intervenção penal do Estado. A análise da questão,

tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode

justificar a ilegitimidade da intervenção estatal pro meio

do processo penal”41.

A despeito da inexistência de expressa positivação

do princípio em comento, há unanimidade na doutrina e

39 MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 76.40 PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993, p. 54.41 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 942.

jurisprudência quanto à possibilidade de sua aplicação

no Direito brasileiro, o que não impede que haja

divergências em relação ao efetivo alcance e aplicação dos

Bagatelledelikte.

Implicitamente, várias são as passagens em que

a legislação agasalha o princípio da insignificância.

Quando, por exemplo, distingue o crime tentado do crime

consumado (apesar de o dolo do agente, do ponto de

vista do desvalor da ação, ser o mesmo, tanto de quem

tenta quanto de quem consuma o crime) ou prevê a figura

do furto privilegiado (CP, art. 155, §2º), o ordenamento

homenageia a aplicação da teoria dos crimes de bagatela.

A finalidade do princípio da insignificância, como a

de todo ordenamento jurídico, é a solução de conflitos

visando a pacificação social, promoção da segurança

e harmonia no seio da sociedade. Já o seu fundamento

reside na idéia de proporcionalidade, no sentido de que a

pena deve guardar relação com a gravidade do bem, daí o

ideal de intervenção mínima.

É indiscutível, portanto, que o princípio da

insignificância auxilia a redução do campo de atuação

do direito penal, reafirmando seu caráter fragmentário e

subsidiário

Alicerça e dá densidade ao princípio da insignificância

uma série de outros princípios fundamentais, os quais,

em conjunto, permitem uma visão sistemática e coerente

do fenômeno sob apreciação. São eles: os princípios da

legalidade, subsidiariedade, fragmentariedade, intervenção

mínima, proporcionalidade, irrelevância do fato penal,

lesividade, humanidade e culpabilidade. Analisaremos

cada um resumidamente, apenas para dar a dimensão da

inter-relação a que estão sujeitos.

O princípio da legalidade preceitua que nenhum fato

pode ser considerado crime e nenhuma pena pode ser

aplicada sem que haja lei anterior definindo o delito e

cominando a pena. Essa é uma das maiores garantias do

indivíduo em face do poder estatal, limitando de forma

genérica o jus puniendi do Estado. Já o princípio da

insignificância também serve para limitar o poder estatal,

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só que o faz de forma específica, in concreto, inviabilizando

que o sujeito seja punido se o fato praticado é irrisório.

O princípio da fragmentariedade assevera que o Direito

Penal não se concentra sobre o todo de uma realidade, mas

apenas sobre fragmentos desta, é dizer, sobre interesses

jurídicos relevantes cuja proteção seja absolutamente

indispensável. Como a lei penal é produto da atividade

legislativa, está sujeita a imperfeições de ordem técnica,

podendo, por isso mesmo, abranger situações de

nenhuma relevância para a sociedade. É nesse momento

que o princípio da insignificância atua para obviar que os

excessos da imperfeição técnica legislativa incidam sobre

condutas socialmente insignificantes.

O princípio da subsidiariedade acentua que somente

deve haver tutela penal depois que os outros ramos do

direito (constitucional, civil, administrativo, trabalhista

etc.) tenham fracassado em seu desiderato de reprimir

determinada conduta. Ocorre que, ainda que tenha havido

esse malogro dos outros ramos, a tutela penal não deverá

ser invocada para reprimir condutas desprovidas de

ofensividade.

O princípio da proporcionalidade apregoa o justo

equilíbrio que deve haver entre o resultado do delito e

a pena, entre a gravidade do fato e a pena cominada.

Enfim, é a relação de magnitude da lesão ao bem jurídico.

Percebe-se que esse princípio é dos mais importantes,

podendo ser considerado um dos fundamentos do princípio

da insignificância, já que este visa exatamente inviabilizar

a punição das condutas que afetem infimamente o bem

jurídico tutelado.

O princípio da intervenção mínima estabelece que o

Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos

mais relevantes para o indivíduo e a sociedade, que

sejam imprescindíveis à convivência pacífica de todos.

Assim, a tutela penal só se justifica para as hipóteses

de perturbações realmente graves. Nesse contexto, o

princípio da insignificância é usado para verificar se os

bens jurídicos vulnerados foram efetiva e gravemente

afetados, carecendo da proteção estatal.

O princípio da irrelevância do fato penal é a causa de

dispensa da pena, em razão da sua desnecessidade no

caso concreto.

O princípio da humanidade decorre de declarações

e tratados internacionais, que preceituam, em síntese,

que ninguém será submetido a tortura, tratamento cruel,

desumano ou degradante. Ou seja, a pessoa privada de

sua liberdade deve ser tratada de forma respeitosa e

digna. Assim, existem fatos que de tão irrelevantes para

a sociedade não podem ocasionar a repressão estatal,

sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana e ao

princípio da insignificância.

O princípio da culpabilidade assenta que não há

crime sem culpa. É, por assim dizer, um claro repúdio à

responsabilidade objetiva em matéria penal. Além disso,

exige que a pena não seja infligida a não ser quando a

conduta, mesmo associada a um resultado, seja reprovável.

Nesse diapasão, ainda que a lesão ao bem jurídico seja

culposa, mas irrisória a afetação, não haverá crime.

Por fim, o princípio da lesividade informa que se não

houver lesão não haverá crime. Há necessidade, portanto,

que haja um sujeito ativo (autor do delito), um sujeito

passivo (vítima) e que haja um abalo no patrimônio

jurídico desse último. Só se castiga o comportamento que

lesione direitos de outrem, não bastando, para tanto, que

o comportamento seja meramente pecaminoso ou imoral,

sem qualquer liame com o bem jurídico alheio.

Fica patente que os princípios analisados se

complementam e estão todos relacionados ao princípio

da insignificância. Muito se disse a respeito da existência

de lesão significativa, relevante. Contudo, qual critério

usado para fazer tal aferição? Meramente quantitativo,

ou também qualitativo? Existe alguma especificidade do

Direito Ambiental que demonstre haver necessidade de

uma mensuração diferenciada a respeito do que se deve

considerar como lesão ao bem jurídico ambiental? É o que

procuraremos responder.

Nas infrações penais ambientais, a jurisprudência pátria,

além de contraditória, é refratária quanto à aplicação

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Direito Penal Ambiental

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do princípio da insignificância. A maior dificuldade é o

estabelecimento de uma regra aceitável capaz de aferir a

proporcionalidade entre o dano ambiental e a retribuição

a ser aplicada.

Confiram-se alguns julgados:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. A apanha

de apenas quatro minhocuçus não desloca a

competência para a Justiça Federal, pois não constitui

crime contra a fauna, previsto na Lei n. 5.197/67, em

face da aplicação do princípio da insignificância, uma

vez que a conduta não tem força para atingir o bem

jurídico tutelado. 2. Conflito conhecido. Declarada a

competência da Justiça Estadual para o julgamento

dos demais delitos. Concedido, porém, habeas

corpus de ofício, trancando, em face do princípio

da insignificância, a ação penal referente ao crime

previsto na Lei n. 5.197/67, exclusivamente.”

“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O

MEIO AMBIENTE. PESCA EM LOCAL PROIBIDO.

ARTIGO 34, CAPUT E § ÚNICO, INCISO II, DA LEI

Nº 9.605/98. EMENDATIO LIBELLI PROMOVIDA.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

ATIPICIDADE MATERIAL CARACTERIZADA. A

tipificação das condutas lesivas ao meio ambiente

objetiva instrumentalizar o Estado para o controle

e a coibição de excessos comprometedores do

equilíbrio natural, máxime quando se sabe que

a reação a esta espécie de crime detém enfoque

mais preventivo do que repressivo. A pesca de dois

quilos de camarão não coloca em risco o equilíbrio

ecológico, revelando-se insignificante no âmbito

jurídico-penal. O maior perigo à biodiversidade nas

regiões costeiras não provém das comunidades

tradicionais, mas das grandes embarcações

pesqueiras que desrespeitam zonas limítrofes de

preservação. Apelo a que se nega provimento.”

(Trf 4 região, ACR, APELAÇÃO CRIMINAL, Processo

200572000018550, sétima turma, UF: SC, Data da

decisão: 24/10/2006, Documento: TRF400135486,

DJ 08/11/2006, p. 599).

De se ver que o princípio da insignificância tem sido

objeto de extensa aplicação pelos tribunais, a partir de

critérios arbitrários e de opções valorativas excessivamente

restritivas perante as necessidades de proteção exigidas

pelo meio ambiente, com fundamento não na avaliação da

lesão ao bem jurídico, e sim na avaliação quantitativa sobre

o dano. Não raramente são feitos juízos de ponderação

inadequados e deficientes sobre o bem ambiental,

mormente na consideração da proporcionalidade no

momento de seleção de medidas precaucionais.

Não se desconhece que o princípio da insignificância

deve ter aplicabilidade no âmbito do Direito Ambiental.

Contudo, nessa seara a sua incidência deve ser feita em

hipóteses excepcionais, sobretudo pelo fato de que as

penas previstas para os crimes ambientais são, em regra,

leves, admitindo transação ou suspensão do processo.

Alguns podem considerar retrógrado e sancionador esse

posicionamento. Assim não pensamos.

É que, nesse caso, a aplicação do princípio da

insignificância deve ser criteriosa e excepcional, de

modo a se evitar a subtração do elemento intimidatório

ínsito da norma penal, com o conseqüente estímulo ao

descumprimento da lei e das normas que, em última

análise, objetivam melhor disciplinar o convívio social.

A preservação ambiental deve ser feita de forma

preventiva e repressiva, em benefício das próximas

gerações, sendo intolerável a prática reiterada de pequenas

ações contra o meio ambiente, que, se consentida, pode

resultar na sua inteira destruição e em danos irreversíveis.

A complacência no trato de questões ambientais

constitui incentivo a que os infratores das normas de

proteção ambiental persistam em suas condutas delituosas,

gerando, como conseqüência, a impunidade e descrédito

no ordenamento jurídico, desestimulando, inclusive, os

agentes de fiscalização a cumprirem com suas obrigações.

Dessa forma, não nos parece que o mero critério

quantitativo seja suficiente para aferir se houve ou não

significativa lesão ao bem ambiental. Ora, a pesca de dois

quilos de camarão, em período de proibição da pesca,

pode até ser considerada (e essa conclusão é discutível)

de pouca lesividade, se considerada no âmbito individual

do pescador que realiza a conduta. Mas imaginemos

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Direito Penal Ambiental

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que cerca de duzentos pescadores de determinada área,

de forma independente uns em relação aos outros,

resolvessem pescar dois quilos de camarão. Nesse caso,

não havendo nenhum tipo de concurso, cada conduta

poderia ser considerada, individualmente, como de ínfima

lesividade? O total do dano ao ambiente, do ponto de vista

quantitativo, seria de quatrocentos quilos de camarão, mas

essa totalidade não poderia ser utilizado para incriminar

o pescador que agiu com autonomia de desígnios em

relação aos outros infratores, já que sua ação foi pescar

somente dois quilos de camarão. A solução adequada, a

nosso juízo, seria a responsabilização de cada pescador

pela pesca dos citados dois quilos de camarão, não sendo

aplicável, in casu, o princípio da insignificância. É que,

nessas hipóteses, não se pode desconsiderar os efeitos

globais que uma teorização irresponsável pode causar aos

meios bióticos e abióticos, ao permitir que se estabeleça um

padrão mínimo quantitativo em que cada indivíduo poderá

lesionar o ambiente sem sofrer qualquer penalização.

Situações como essa mostram como é perigoso o apego

ao critério quantitativo para ponderar o efetivo prejuízo ao

meio ambiente.

Édis Milaré[5], dissertando sobre o tema, nos diz que“No campo do Direito Penal Ambiental, tal

princípio deve ser aplicado com parcimônia, uma vez

que não basta a análise isolada do comportamento

do agente, como medida para se avaliar a extensão

da lesão produzida; é preciso levar em consideração

os efeitos dos poluentes que são lançados

artificialmente sobre os recursos naturais e suas

propriedades cumulativas e sinérgicas”.

Felizmente, em alguns julgados recentes já é possível

verificar a reversão da censurável tendência de aplicação

arbitrária do princípio da insignificância nos crimes

ambientais.

Ilustram bem o fenômeno as seguintes jurisprudências,

abaixo transcritas:“PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

INAPLICABILIDADE. 1. Inviável a aplicação do

princípio da insignificância em matéria ambiental,

quando a biota, conjunto de seres animais e vegetais

de uma região, pode se revelar extremamente

diversificada, ainda que em nível local. Em pequenas

áreas podem existir espécimes só ali encontradas,

de forma que determinadas condutas, inicialmente

insignificantes, podem conter potencialidade

suficiente para causar danos irreparáveis ao meio

ambiente. 2. A prática de condutas contra o meio

ambiente, a qual poderia, isoladamente, ser

considerada de menor potencial ofensivo, e, por

isso mesmo, menos lesiva, quando considerada em

conjunto, afeta o interesse público, pois, somada

com outras, reclamam real extensão do dano

provocado ao equilíbrio ambiental por pequenas

ações. 3. Em relação ao crime ambiental, portanto,

deve-se ter em mente, primeiramente, o bem

objeto de proteção do tipo penal em estudo, qual

seja, a conservação do meio ambiente equilibrado,

pois, uma vez danificado, torna-se difícil repará-lo,

o que não sugere a aplicação daquele princípio. 4.

Apelação provida.” (TRF 1ª REGIÃO, ACR, APELAÇÃO

CRIMINAL 200334000196439, Rel. Des. Fed.

TOURINHO NETO, Processo 200334000196439 , UF:

DF, 3ª TURMA, decisão: 06/12/2005, Documento:

TRF100257848, DJ DATA: 28/09/2007, p. 42).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO

CRIMINAL. FLORESTA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE. EXTRAÇÃO MINERAL. CRIME

AMBIENTAL E DE USURPAÇÃO DE BEM DA

UNIÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO

PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. INOCORRÊNCIA. DOLO.

CULPABILIDADE. ILICITUDE. CONSTATAÇÃO.

1. Incorre, em concurso formal, nos delitos

capitulados nos artigos 2º da Lei nº 8.176/91 e 44

da Lei nº 9.605/98 aquele que procede à extração

de minérios desacompanhada de autorização,

permissão ou concessão dos órgãos competentes

em área de floresta de preservação permanente.

Inocorrência de conflito aparente de normas. 2. O

princípio da insignificância não encontra fértil seara

em matéria ambiental, porquanto o bem jurídico

ostenta titularidade difusa e o dano, cuja relevância

não pode ser mensurada, lesiona o ecossistema,

pertencente à coletividade. 3. Extração de mineral

que se protrai no tempo não espelha mera atividade

necessária à subsistência, o que afasta a excludente

de ilicitude. Persistente a conduta criminosa, nada

obstante anterior fiscalização do órgão ambiental,

tem-se caracterizados o dolo e a culpa, assim como

incontroversa a consciência da ilicitude. 4. Apelo

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improvido, decreto condenatório mantido.” (TRF

4ª REGIÃO, ACR, APELAÇÃO CRIMINAL, Processo

200571000426560, UF: RS, 8ª TURMA, decisão:

06/08/2008, Documento: TRF400169896, D.E.

27/08/2008, Rel. ARTUR CÉSAR DE SOUZA).

Existem julgados que, adotando posicionamento

amplamente minoritário, negam possa o princípio da

insignificância ser aplicado ao Direito Ambiental, sob o

fundamento de que o meio ambiente é um bem jurídico

reconhecido como verdadeiro direito humano fundamental

(art. 225 da CF/88), em que se lhe reconhece a natureza de

patrimônio de toda a humanidade, assegurando-se a esta

e às futuras gerações sua existência e exploração racional.

Concordamos com a fundamentação, mas não com a

conclusão, já que, sendo irrisória a lesão ao bem ambiental

(e essa análise deve ser feita não só por parâmetros

quantitativos, mas principalmente qualitativos), seria de

um extremismo pernicioso aceitar a punição de quem

quer que seja. Preferimos, assim, que o princípio continue

tendo aplicabilidade, tamanha a sua importância, mas que

seja feita por meio de juízos adequados de ponderação,

objetivando a proteção do ambiente no plano do Direito

Penal Ambiental.

No arrimo das lições de José Rubens Morato Leite e

Patrick de Araújo Ayala, não se trata de“(...) atacar as possiblilidades de aplicação do

princípio da insignificância, que constitui, de fato,

importante princípio de controle da proporcionalidade

e razoabilidade da atividade judicial no espaço

do ambiente. No entanto, procurou-se evidenciar

e contextualizar essas condições de aplicação,

denunciando a insuficiência e inadequação da

metódica que utiliza, a qual continua a reproduzir

uma postura ainda limitada de compreensão da

autonomia do bem ambiental, restringindo os

critérios de ponderação tão-somente aos interesses

atuais das presentes gerações, quando aquele

contempla, como objetivo fundante, a necessidade

de comunicação intergeracional com pressuposto

para a tomada de decisões”[6].

5. CONCLUSÃOO caminho a ser percorrido pelo Direito Penal Ambiental

é dos mais árduos. A responsabilização criminal dos que

atentam contra o meio ambiente é problema que tem

suscitado enormes divergências em praticamente todos os

países. A situação se agrava pelo fato de as leis penais

ambientais, no Brasil, ainda serem excessivamente

prolixas, casuísticas e tecnicamente imperfeitas, o que

dificulta a sua aplicação. O pequeno número de ações

penais versando sobre o meio ambiente é reflexo dessa

situação.

Além disso, ainda é pequena a consciência social a

respeito da necessidade de proteger o ambiente por meio

da tutela penal. Não se desconhece que o moderno Direito

Penal avança no sentido de uma maior despenalização e

aplicação subsisidária e fragmentária de suas disposições.

Entretanto, esse fenômeno, coroado que sói pelo

princípio da insignificância, não pode ser banalizado na

seara ambiental, a ponto de inviabilizar a preservação do

ambiente, bem como desestimular condutas lesivas a este.

É imperativo, portanto, que o princípio da insiginificância

atue no âmbito do Direito Penal Ambiental de forma

criteriosa e excepcional, evitando os excessos (como, por

exemplo, a mera utilização de critérios quantitativos para

aferir o dano ecológico) capazes de submeter o ambiente

a prejuízos desproporcionais e restrições não justificáveis

perante a ordem constitucional brasileira.

6. BIBLIOGRAFIAANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed.

rev., ampl., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de

Competência n. 20.213/MG. Relator: Ministro Fernando

Gonçalves. Publicado no Diário de Justiça da União de 23

ago. 1999.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo.

Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004.

MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como

excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo:

Saraiva, 1994.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental

em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª ed. ref.,

atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2007.

PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte

Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993.

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Direito Penal Ambiental

23

Notas: [1] MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como

excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo:

Saraiva, 1994, p. 76.

[2] PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal.

Parte Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993,

p. 54.

[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão

Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª

ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 942.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência n. 20.213/MG. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Publicado no Diário de Justiça da União de 23 ago. 1999.

[5] Ob. cit., p. 942.

[6] LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambient

PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL.

DENÚNCIA REJEITADA POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE EM

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. 1. Não é elemento

do tipo do art. 41 da Lei nº 9.605, de 1998, o prejuízo

econômico ou dano efetivo a outrem para a caracterização

do ilícito, haja vista que a conduta tipificada no referido

artigo 41 da Lei de crime ambientais é, tão-somente,

“provocar incêndio em mata ou floresta”. O bem jurídico a

ser protegido por essa norma é o equilíbrio ecológico, que

restou violado pela conduta do acusado. 2. Nem sempre é

possível aplicar-se o princípio da insignificância em crimes

ambientais. Mas se, no entanto, for ínfima a afetação do

bem jurídico tutelado, não se justifica a apenação, ainda

que mínima, por ser desproporcional à significação social

do fato. No caso, não é, porém, de aplicar-se o princípio

da insignificância. 3. Recurso provido. (TRF 01ª R.; RCCR

2003.34.00.019826-8; DF; Terceira Turma; Rel. Des. Fed.

Tourinho Neto; Julg. 14/09/2004; DJU 24/09/2004; Pág.

11)

“PENAL. DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. LEI-9605/98.

PRESCRIÇÃO. 1- Não é insignificante o crime contra o

meio ambiente, pois ele produz efeitos a longo prazo e que

são, muitas vezes, irreversíveis. 2- A Lei-9605/98 reduziu

a pena anteriormente prevista para os crimes de caça

de animais silvestres, o que ocasionou, no caso concreto,

a prescrição da pretensão punitiva, devido ao lapso

temporal transcorrido entre o recebimento da denúncia

e esta decisão.” (ACR 97.04.72902-2/RS, 1ª Turma, Rel.

Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, DJU

22/07/1998)

PENAL. CRIME AMBIENTAL CONTRA A FAUNA MARINHA.

CAPTURA E BENEFICIAMENTO DE CARANGUEJO-

UÇÁ. PERÍODO DE DEFESO.PROVA TESTEMUNHAL.

DEPOIMENTO DE FISCAL DO IBAMA. PRINCÍPIO DO

LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ERRO SOBRE A

ILICITUDE DO FATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

INAPLICABILIDADE. 1. A captura e o beneficiamento de

caranguejo-uçá em período de defeso caracteriza a prática

do delito previsto no art. 34, parágrafo único, III, da Lei

nº 9.605/98. Hipótese em que o agente, contrariando as

disposições contidas nas Portarias nº 70/2000 do IBAMA e

nº 026/99/IAP/GP, esta do Estado do Paraná, determinou a

captura e o beneficiamento de caranguejo em local proibido

(Ilha Rasa/Guaraqueçaba). 2. O testemunho de agente

policial só não terá valor probatório quando evidenciado

que ele tem algum interesse particular na investigação,

presumindo-se, em princípio, que diz a verdade, como

qualquer testemunha. 3. A potencial consciência da ilicitude

do fato é elemento da culpabilidade, que não necessita

ser efetiva, bastando que, com algum esforço ou cuidado,

o agente possa posicionar-se sobre a ilicitude do fato.

4. O bem jurídico agredido, nas infrações penais ambientais, é o ecossistema (constitucionalmente tutelado. Art. 225 da CF/88), cuja relevância não pode ser mensurada, o que resulta na impossibilidade de aplicação da tese do crime de bagatela e, por conseqüência, dos princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade do Direito Penal. (TRF 04ª R.; Acr 2002.70.08.000015-0;

PR; Oitava Turma; Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz;

Julg. 11/07/2007; DEJF 18/07/2007; Pág. 563)

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Direito Penal Ambiental

24

PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL.

DENÚNCIA REJEITADA POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE

EM CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. 1. Não é

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é trazida

para o sistema brasileiro pela Constituição Federal de

1988, a qual dispõe no artigo 225, § 3º, que “as condutas

lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos

causados”.

Pela nova conformação constitucional foi possível lançar

amarras para criação de uma dupla responsabilidade no

âmbito penal: a responsabilidade da pessoa física e a

responsabilidade da pessoa jurídica.

A responsabilização da pessoa jurídica somente foi

consolidada através da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro

de 1998. E isso aconteceu em razão da necessidade de

uma visão hodierna do papel das empresas no mundo

contemporâneo. Não se pode desconhecer que a poluição,

o desmatamento intensivo, a caça e a pesca predatória

são praticados em grande escala, sendo o crime ambiental

especialmente corporativo.

A sanção do crime ambiental e a sanção da infração

administrativa possuem similitude no que é pertinente à

pessoa jurídica, mas não se confundem. A necessidade

de se trazer para o âmbito penal tema ambiental encontra

fundamento nas garantias funcionais do aplicador da

sanção.

Não se olvida que na história do direito penal a

responsabilidade foi construída a partir da vontade da

pessoa física. A própria necessidade de referência a aspectos

subjetivos (dogma da culpabilidade) traz ínsita uma visão

exclusiva da responsabilidade pessoal. No entanto, é

importante trazer as noções de responsabilidade para à

realidade dos entes coletivos, para poder se trabalhar a

responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Com uma reformulação da dogmática tradicional pode-

se chegar à sujeição criminal da pessoa jurídica, sem ter

de incutir a responsabilidade penal objetiva no sistema42.

A corrente dos doutrinadores que admitem a

responsabilização penal da pessoa jurídica afirma que

o Código Penal brasileiro, em sua parte geral apresenta

como formas de punição as penas privativas de liberdade,

as restritivas de direitos e multa e que, nenhuma delas,

aplicadas, deixa de atingir, direta ou indiretamente,

terceiros.

Como exemplo, com a condenação a uma pena privativa

de liberdade de um chefe de família, sua mulher e filhos

ficam privados do esteio do lar. Também seria atingida a

família de um motorista profissional que tivesse suspensa

a autorização ou habilitação para dirigir veículo. As penas

pecuniárias atingiriam diretamente o patrimônio do casal,

o que não deixa de ser uma forma de atingir a esposa43.

Contra o argumento daqueles que afirmam que a pena

de prisão é inaplicável às pessoas jurídicas, tem-se que num

Estado Democrático de Direito é função do direito penal

rever, de forma constante a função punitiva, criando critérios

restritivos da necessidade ou não de punir, pregando-se a

desnecessidade da pena privativa de liberdade, haja vista

que a pena de prisão deve ser a ultima ratio, reservada

para os crimes de maior gravidade. Por outro lado, na seara

do direito econômico e do direito ecológico, âmbito em se

defende a responsabilização do ente coletivo, a pena de

prisão é desnecessária e descabida, caso em que a pena

de multa criminal, dissolução, a perda de bens e proveitos

ilicitamente obtidos, a injunção judiciária, o fechamento

da empresa, a publicação da sentença a expensas da

condenada, adquirem importância, uma vez que têm sido

instrumento de repressão às pessoas jurídicas.

42 ROTHEMBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. Curitiba: Juruá, 1999.43 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 90.

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25

O Direito Penal, segundo a dogmática tradicional, traz

conceitos incompatíveis com a responsabilização penal

da pessoa jurídica, haja vista que as noções de ação ou

conduta e de culpabilidade foram construídas de acordo

com a pessoa natural, pessoa humana ou física, excluindo-

se a pessoa jurídica. A dogmática jurídico-penal concebeu

o direito penal sob os seguintes paradigmas: o homem, o

Direito, a sociedade e a pena, sendo que os conceitos de

ação e culpabilidade e a pena foram construídos somente

para o homem como sujeito de direito. Portanto, o ponto

de partida da dogmática atual é o homem.

A discussão em torno da responsabilidade penal das

pessoas jurídicas continua centrada nas questões de

política criminal, na capacidade de ação, na capacidade de

culpabilidade, no problema da personalização das penas

e nas penas que seriam aplicadas ao entes coletivos,

sendo que a resposta ou solução deve ser buscada na

configuração de um novo sujeito de direito e não na função

da pena do direito penal.

Em face da nova criminalidade que afora no seio social,

com destaque para o Direito Econômico e Ambiental,

tem-se forçado a adequação do sistema penal com

vistas a apresentar novas soluções diante dessa nova

realidade. Nesse sentido, o Direito Penal clássico deve ser

reestruturado com o intuito de explicar ou solucionar os

delitos penais praticados pelas pessoas jurídicas, devendo-

se ampliar o âmbito da imputabilidade no intuito de buscar

respostas para esses novos conflitos sociais.

No que tange à capacidade de ação, esta nova

dogmática deve ser construída no sentido de afastar o seu

cunho psicológico, pois caso contrário não haverá outra

resposta, ou seja, da incapacidade de ação da pessoa

jurídica.

Em torno da culpabilidade da pessoa jurídica duas

linhas de pensamento se destacam. A primeira delas tem

optado por preservar o conceito tradicional e, ao mesmo

tempo, busca elaborar um conceito exclusivamente para

as pessoas jurídicas. A outra linha de pensamento busca

elaborar um novo conceito de culpabilidade válido tanto

para as pessoas físicas quanto para as pessoas jurídicas.

Na realidade não se trata de simplesmente reformular

os conceitos atuais, mas de substituir os pressupostos

fundantes do direito penal, ampliando o seu âmbito de

atuação de forma a bifurcá-lo em dois braços diferenciados.

Um deles pertinente às pessoas individuais ou naturais,

conforme a atual dogmática e o outro, aplicável às

corporações ou pessoas jurídicas, construído segundo

princípios distintos, alheios à atual dogmática, rompendo

com dogmas tradicionais, principalmente no que tange

ao conceito de pessoa, de modo que “[...] não existe um

único conceito válido de ação e um único conceito válido e

verdadeiro de culpabilidade”44.

Assim, operar-se-ia uma verdadeira reinterpretação

da legitimidade argumentativa a partir da superação

da compreensão do Direito e do conceito de ação, com

vistas a uma compreensão deontológica de imputação,

reconhecendo o Direito como um sistema de ação e

saber aberto ao mundo da vida em que argumentos

jurídicos assumem um papel diferencial e determinante

num discurso de aplicação do Direito, ao contrário de

argumentos éticos, morais e pragmáticos, os quais não

são legítimos para determinar uma decisão jurídica45.

Não basta interpretar, estudar e decompor o texto legal,

atendo-se às palavras e ao sentido respectivo, é preciso

ir além. Deve-se examinar as normas jurídicas em seu

conjunto e em relação à ciência deduzindo, assim, uma obra

sistemática, um todo orgânico, com o objetivo principal de

descobrir e revelar o Direito, construindo, recompondo e

reconstruindo , compreendendo-a, “[...] achando o direito

positivo, lógico, aplicável à vida real”46, haja vista que não

há verdade absoluta, objetiva e indubitável, mas verdade

relativa, reconstruída segundo o sujeito que recompõe e

aplica o Direito.

Uma reconstrução de forma a entender como sujeito de

direito penal não quem causou ou provocou o resultado,

mas quem é competente para decidir, quem tem o dever 44 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 112.45 CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Teoria geral do direito moderno: por uma reconstrução crítico-discursiva na alta modernidade. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 153.46 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. P. 45.

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Direito Penal Ambiental

26

de, elaborando conceitos de ação e de culpabilidade para

a pessoa jurídica como sujeito de direito, tomando como

ponto de partida não o homem, mas a sociedade47.

Reinava absoluto até recentemente o princípio

societas delinquere non potest (as sociedades não podem

delinquir), contrário à possibilidade de responsabilização

penal da pessoa jurídica. Diversas legislações, porém, à

vista do aumento da chamada criminalidade empresarial

e com o propósito de preveni-la e reprimi-la mais

eficazmente, têm-na admitido, a exemplo da Inglaterra,

Estados Unidos, Holanda, França e Dinamarca.

Entre nós, a Constituição Federal, à semelhança

dessas legislações, estabeleceu que “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a

sanções penais e administrativas, independentemente

da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, §

3º). No mesmo sentido, dispôs o art. 3º, caput, da Lei

nº 9.605/98 (Lei Ambiental), que “as pessoas jurídicas

serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente

conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a

infração seja cometida por decisão de seu representante

legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interior

ou benefício da sua entidade”.

A adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica

é fora de dúvida, portanto. Apesar disso, alguns autores

entendem que a Constituição não chegou a admiti-la.48

Mas nada há na Constituição Federal, especialmente

no dispositivo citado, que ampare tal posicionamento.

Na verdade, tudo sugere justamente o contrário da tese

sustentada por tais autores, pois o que se quis realmente

foi submeter todos, pessoas físicas e jurídicas, à lei penal,

e não só à lei administrativa ou civil, indistintamente.

A Lei nº 9.605/98 se limitou, portanto, a regulamentar

a Constituição Federal. Além do mais, o problema da

responsabilidade penal da pessoa jurídica é, em princípio,

um problema de direito infraconstitucional, seja porque 47 BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Barcelona: Bosch, 1998, p. 35.48 Nesse sentido: René Ariel Dotti, Miguel Reale Júnior, Luiz Regis Prado, Cezar Roberto Bitencourt, entre outros.

a Constituição não a proibiu, nem expressa, nem

tacitamente, seja porque a explícita referência ao crime

ambiental não exclui a possibilidade de ampliação dessa

responsabilidade, inclusive.

E nem tampouco há aí violação ao princípio da

responsabilidade penal subjetiva (CF, art. 5°), quer porque

não existem normas constitucionais inconstitucionais

(Bachof49), quer porque a responsabilidade penal da

pessoa jurídica é uma exceção à regra, quer porque

semelhante previsão constitucional não importa,

inevitavelmente, em responsabilidade objetiva ou sem

culpa, quer porque, como exceção que é, constitui um

modo à parte, especial, de imputação, e, pois, sujeita a

critérios distintos de responsabilização.

Ainda assim, duas objeções poderiam ser feitas contra

tal inovação (conforme edições anteriores). A primeira, de

caráter político-criminal; a segunda, de cunho dogmático.

Político-criminalmente, semelhante dispositivo violaria o

princípio da proporcionalidade, pois, tendo em vista os fins

preventivos gerais e especiais da pena, tal responsabilidade

seria desnecessária e inadequada, sobretudo porque as

sanções administrativas já existentes seriam bastantes

para combater os atos abusivos praticados por empresas;

se compararmos, aliás, as sanções previstas nos artigos que

tratam das sanções penais e administrativas, verificaremos

que são essencialmente as mesmas, implicando bis in

idem, supostamente..

Apesar da coincidência (em parte) das sanções penais

e administrativas, não há, porém, bis in idem, em virtude

da diversidade de fundamentos da punição: no direito

administrativo, a infração administrativa; no direito

penal, a infração penal (crime), sujeitas a pressupostos

e requisitos distintos de apuração. E a semelhança de

sanções, que parece ser cada vez mais frequente no direito

contemporâneo, não implica, por si só, dupla apenação do

mesmo fato. Aliás, no essencial não é diversa a situação das

infrações (administrativas, eleitorais e penais) praticadas

por funcionários públicos, passíveis, igualmente, de pena

de suspensão ou perda do cargo, entre outras.

49 BACHOF, Oto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?. Trad. José Manuel Cardoso Costa. Reimpressão da Ed. 2001, Coimbra: Livraria Almedina, 2008.

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Direito Penal Ambiental

27

Poder-se-ia objetar, ainda, que, se, com as medidas

administrativas já previstas, não são atingidos os fins

preventivos desejados, apesar da menor formalidade e

maior presteza que as presidem, é improvável que tais

finalidades sejam atingidas por meio do processo penal,

que é, sabidamente, demorado, burocrático e cercado de

rigorosas garantias.

Quanto a isso, cabe redarguir que não é rara a

omissão ou ineficiência (corrupção, inclusive) dos órgãos

administrativos incumbidos da repressão das infrações

administrativas, a justificar, também por isso, a pronta

intervenção (jurídico-penal) do Ministério Público e do

Judiciário no particular, ainda que subsidiariamente. Enfim,

a intervenção penal está justificada em virtude do fracasso

ou insuficiência dos instrumentos (civis e administrativos)

de prevenção e controle social existentes, a legitimar essa

sua intervenção subsidiária.

É certo ainda que com alguma freqüência crimes

ambientais e outros são praticados por empresas que, em

virtude de sua complexa estrutura, tornam difícil, senão

impossível, a identificação das pessoas físicas responsáveis

pela infração.

Não é, pois, o caso de violação ao princípio da

proporcionalidade, em razão da necessidade teórica e

prática (principalmente) do direito penal no particular.

Já do ponto de vista dogmático, poder-se-ia afirmar que,

estando estruturado e destinado a reger a vontade humana

(a pessoa física) e suas motivações, exclusivamente, o

direito penal, ao menos como ainda hoje o conhecemos,

é incompatível com essa responsabilidade, de sorte que

penalmente a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo

de uma ação que seja típica, ilícita e culpável. Faltar-lhe-ia

capacidade de ação.

De acordo com Gracia Martín, por carecer de

capacidade de ação, e, portanto, de realizar ações típicas,

o critério de imputação do fato à pessoa jurídica não pode

ter caráter jurídico-penal, tendo natureza bem diversa,

como risco objetivo, benefício, enriquecimento sem causa,

reafirmação do direito de terceiros de boa-fé, afirmação

da validez da aparência jurídica etc., critérios que são, em

todo caso, estranhos ao direito penal.50

E, mais, não seria propriamente a pessoa jurídica que

celebraria contratos, uma vez que simplesmente a eles se

vincularia, os quais em verdade seriam celebrados pelas

pessoas individuais que atuam como seus agentes.9 Nesse

sentido, Gracia Martín, distinguindo entre sujeito da

ação e sujeito da imputação, sustenta que, no caso das

pessoas jurídicas, sujeito da ação e sujeito da imputação

são sempre e inevitavelmente distintos, pois estas só

podem atuar por meio de órgãos e representantes, é dizer,

as pessoas físicas (sujeitos da ação).10

Consequentemente, não podendo praticar uma ação,

não podem realizar um fato típico, antijurídico e culpável.

Por isso é que todo o arsenal de conceitos e institutos

jurídico-penais hoje existente seria claramente incompatível

com a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Assim,

por exemplo, a ideia de dolo, de descriminantes putativas,

de legítima defesa, de erro de proibição, de coação moral

etc.

Finalmente, se é função do direito penal motivar

seus destinatários a atuarem conforme o direito, quer

em caráter geral (prevenção geral), quer em caráter

individual (prevenção especial), seguir-se-ia que só a

pessoa humana, dotada de capacidade de discernimento

e autodeterminação, poderia ser sujeito ativo de crime,

visto que só os seres humanos podem ouvir e entender as

normas; só eles seriam passíveis de motivação e, portanto,

de cometer crimes.

Temos, porém, que também esses argumentos de

dogmática são perfeitamente superáveis.

Inicialmente, porque, se a pessoa jurídica é sujeito

de direito – pouco importando se se trata de ficção ou

realidade – pode ser, ipso facto, sujeito de direito penal,

visto que o direito penal, antes de ser penal (adjetivo), é

direito (substantivo), tendo, assim, uma estrutura comum.

Exatamente por isso, a distinção entre os modos

de responsabilização jurídica (penal e não-penal) não 50 MARTÍN, Gracia. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa da imputação subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 66;

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Direito Penal Ambiental

28

é qualitativa, mas quantitativa. Também por isso, a

diferenciação entre o ilícito civil e o penal, entre a sanção

civil e penal, não preexiste à interpretação, mas é dela

resultado. Por isso que os critérios de imputação penal e

não-penal não são essencialmente, mas acidentalmente

diversos, conforme razões de conveniência político-

criminal.

Quanto à objeção relativa aos fins da pena, cabe

falar de prevenção especial, no sentido de evitar a

reiteração (reincidência) de novas infrações pela empresa

condenada, e de prevenção geral negativa, no sentido de

a cominação/execução de pena servir de advertência para

outros possíveis infratores (empresas). E mais: a função do

direito penal é a função de todo o direito, que é a proteção

subsidiária de bens jurídicos, sempre que as outras formas

de prevenção e controle social se revelarem insuficientes.

E do ponto de vista da prevenção, é muito mais

razoável e eficaz intervir sobre a empresa, fazendo cessar

a atividade lesiva, do que intervir sobre o indivíduo que a

representa, cuja punição poderá resultar absolutamente

inútil, principalmente se lhe tocar um papel secundário

na empresa ou já houver se desligado. Também não

é justo punir o mais fraco (indivíduo), isentando de

responsabilidade penal o mais forte (a empresa).

Finalmente, não procede a distinção entre sujeito da

ação e da imputação porque quem fala pela pessoa jurídica,

pessoa jurídica é, isto é, quem a representa (pessoa física)

não atua em nome próprio, mas em nome da empresa

representada (v.g., quem age em nome do Estado é o

próprio Estado). Franz von Liszt tinha razão: quem pode

firmar contratos, pode firmá-los fraudulentamente e, pois,

firmá-los criminosamente.

E por ser um modo distinto e autônomo de imputação, a

responsabilidade penal da pessoa jurídica pode, inclusive,

existir isoladamente, independente da responsabilidade da

pessoa física eventualmente corresponsável, ao contrário

do que tem decidido o Superior Tribunal de Justiça.

Em verdade, a responsabilidade penal da pessoa

jurídica constitui uma forma especial de imputação, diversa

das pessoas físicas, a exigir, por isso, um tratamento penal

próprio (eventualmente também uma legislação própria),

com critérios próprios (penais e processuais penais) de

responsabilização, aí incluídos os crimes praticáveis pela

pessoa jurídica, os critérios especiais de individualização

judicial da pena, além do rol das pessoas jurídicas

possivelmente excluídas desse tratamento penal especial

(v.g., determinadas pessoas jurídicas de direito público).

Precisamente por isso, não é suficiente que a lei preveja,

sem mais, a possibilidade de responsabilização penal da

pessoa jurídica. É necessário ainda estabelecer os critérios

(objetivos e subjetivos) de imputação e individualização

judicial da pena, conforme as peculiaridades da pessoa

jurídica, inclusive para dar-lhe conformação constitucional

e afastar as críticas político-criminais e dogmáticas que lhe

são feitas.

Enfim, a admissão da responsabilidade penal da pessoa

jurídica – politicamente recomendável e dogmática possível

- quebrou uma tradição, e, ao fazê-lo, deixou de estabelecer

os conceitos e critérios básicos (penal e processual penal)

de apuração dessa nova forma de responsabilização, como

se fosse possível, sem mais, aplicar à empresa conceitos

como dolo, legítima defesa, personalidade do réu (etc.),

próprios da pessoa física.

É importante repisar que quando a Constituição de

1988 foi promulgada, portanto, não havia absolutamente

nenhuma norma infraconstitucional dispondo sobre

responsabilidade penal dos entes coletivos. Por tal razão,

o disposto no mencionado § 3º do art. 225 da CF, norma

constitucional evidentemente de eficácia limitada, somente

ganhou aplicabilidade quando foi regulamentado pela Lei

9.605/98, que no seu artigo 3º dispõe que:

“Art. 3º: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas

administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto

nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por

decisão de seu representante legal ou contratual, ou de

seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua

entidade”.

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Direito Penal Ambiental

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Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas

jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-

autoras ou partícipes do mesmo fato (grifos nossos)

Assim, ante o disposto no art. 3º, caput, da Lei nº

9.605/98, seguindo o modelo francês, adotou-se a

denominada responsabilidade por ricochete (por via

reflexa), pela qual é impossível punir o ente moral sem a

comprovação de que a pessoa física (ou pessoas físicas)

responsável pela pessoa jurídica praticou o crime ou

decidiu pela sua prática, tornando-se importante a dupla

imputação no âmbito penal da responsabilização da pessoa

jurídica, segundo a orientação majoritária da doutrina e do

Superior Tribunal de Justiça.

Conforme lecionam Luiz Flávio Gomes e Silvio

Maciel, “sem embargo da discussão existente acerca da

possibilidade ou não da responsabilização penal da pessoa

jurídica, o art. 3.º da presente Lei só a permite se a infração

ambiental for cometida por decisão de seu representante

legal, contratual, órgão colegiado, e no interesse ou

benefício da entidade. Nos termos da Lei, são necessários

os dois requisitos para que possa haver responsabilidade

“penal” da pessoa jurídica (de direito público ou privado):

decisão de representante legal, contratual ou órgão

colegiado e interesse ou benefício da pessoa jurídica. Não

haverá, portanto, possibilidade de responsabilização da

pessoa jurídica, se o crime for praticado por pessoa ou

órgão diverso daqueles indicados no art. 3.º, ou mesmo se

o delito for praticado por decisão de uma dessas pessoas

ou por órgão colegiado, mas não beneficiar ou atender aos

interesses da empresa”51.

Conforme já pacificado no Superior Tribunal de Justiça, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que “não se pode compreender a

responsabilização do ente moral dissociada da atuação

de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo

próprio”, conforme bem ressaltou o. Ministro Gilson Dipp

(Resp nº 564960⁄SC, 5ª Turma, DJ de 13⁄06⁄2005). 51 GOMES, Luiz Flávio e MACIEL, Silvio. Crimes Ambientais – Comentários à Lei 9.605/98. São Paulo: Editora RT, 2011, pp. 50-51

Nessa linha os seguintes precedentes: RMS 16696⁄PR, 6ª

Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 13⁄03⁄2006

e REsp 610114⁄RN, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU

de 19⁄12⁄2005.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, em recente

decisão, decidiu que é possível manter a condenação da

pessoa jurídica mesmo que fique comprovado que seu

representante legal não praticou o delito. No julgamento

do AgR no RE 628582/RS, o Ministro relator, Dias Toffoli

consignou em seu voto que:

“(…) Ainda que assim não fosse, no que concerne à

norma do § 3º do art. 225 da Carta da República, não

vislumbro, na espécie, qualquer violação ao dispositivo em

comento, pois a responsabilização penal da pessoa jurídica

independe da responsabilização da pessoa natural.

(…)

Conforme anotado por Roberto Delmanto et al, ao

colacionarem posicionamento de outros doutrinadores

“segundo o parágrafo único do art. 3º da Lei 9.605/98,

‘a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das

pessoas naturais’, podendo assim a denúncia ser dirigida

‘apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a

autoria ou participação das pessoas naturais, e poderá,

também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente

para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser

responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não

se descobria a autoria do delito’ (Leis Penais Especiais

Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 384)”.

Assim, prevalece o entendimento que a responsabilidade

penal da pessoa jurídica decorre da Constituição Federal,

encontra abrigo na Lei dos Crimes Ambientais e, segundo

a doutrina majoritária, acompanhada dos precedentes do

Superior Tribunal de Justiça, exige a dupla imputação.

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rev., ampl., atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

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Gonçalves. Publicado no Diário de Justiça da União de 23

ago. 1999.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo.

Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004.

MAÑAS, Vico. O princípio da insignificância como

excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo:

Saraiva, 1994.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental

em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5ª ed. ref.,

atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2007.

PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. Parte

Geral. Estrutura do crime. São Paulo: Leud, 1993.