Direito Penal - Teorias da Conduta

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1 1. INTRODUÇÃO A estrutura do crime bem como de seus requisitos, sofre grande divergência de acordo com a teoria que for adotada em relação à conduta. A conduta é o primeiro elemento componente do fato típico, assim, uma vez que se adota a teoria clássica, os temas que envolvem a conduta quais são, dolo, culpa e culpabilidade, sofrerão grande divergências face à outra teoria, como a teoria finalista da ação, por exemplo. Embora o Código Penal adote a Teoria Finalista da Ação, se faz necessário o estudo das demais teorias. 2. TEORIA NATURALISTA OU CAUSAL Essa Teoria teve origem no tratado de Franz Von Liszt no século XIX após o período do Absolutismo Monárquico que vigorou até o fim do século XVIII. No período do absolutismo, as pessoas estavam submetidas ao império de um só indivíduo, e a partir de então, as pessoas passaram a estar submissas às “ordens” do império da lei. É de notável importância compreender o contexto histórico em que essa teoria surgiu, pois havia certo temor de que a desigualdade e o poder concentrado na mão de uma pessoa voltasse a vigorar, por isso seguiam rigorosamente a lei e tão somente a lei ao pé da letra. Fernando Capez (2012, p. 117) à respeito do rigoroso respeito à lei, onde não existia nenhum tipo de interpretação preleciona: “O lema da lei era: lei se cumpre, não se discute, nem se interpreta. Vale o que está escrito.” A interpretação da lei era algo perigoso e subversivo, pois acreditavam que era uma forma de tentar substituir as regras objetivas (a lei), pelas regras subjetivas do raciocínio de um só indivíduo, podendo caracterizar o retorno do absolutismo. Para essa teoria, a ação é considerada um puro fator de causalidade, uma simples produção do resultado mediante o emprego de forças físicas.

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Trabalho apresentado na disciplina de Direito Penal I em 2013 no CEULP/ULBRA.

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1. INTRODUÇÃO

A estrutura do crime bem como de seus requisitos, sofre grande

divergência de acordo com a teoria que for adotada em relação à conduta. A

conduta é o primeiro elemento componente do fato típico, assim, uma vez que se

adota a teoria clássica, os temas que envolvem a conduta quais são, dolo, culpa

e culpabilidade, sofrerão grande divergências face à outra teoria, como a teoria

finalista da ação, por exemplo. Embora o Código Penal adote a Teoria Finalista

da Ação, se faz necessário o estudo das demais teorias.

2. TEORIA NATURALISTA OU CAUSAL

Essa Teoria teve origem no tratado de Franz Von Liszt no século XIX

após o período do Absolutismo Monárquico que vigorou até o fim do século

XVIII. No período do absolutismo, as pessoas estavam submetidas ao império

de um só indivíduo, e a partir de então, as pessoas passaram a estar submissas às

“ordens” do império da lei. É de notável importância compreender o contexto

histórico em que essa teoria surgiu, pois havia certo temor de que a desigualdade

e o poder concentrado na mão de uma pessoa voltasse a vigorar, por isso

seguiam rigorosamente a lei e tão somente a lei ao pé da letra. Fernando Capez

(2012, p. 117) à respeito do rigoroso respeito à lei, onde não existia nenhum tipo

de interpretação preleciona: “O lema da lei era: lei se cumpre, não se discute,

nem se interpreta. Vale o que está escrito.” A interpretação da lei era algo

perigoso e subversivo, pois acreditavam que era uma forma de tentar substituir

as regras objetivas (a lei), pelas regras subjetivas do raciocínio de um só

indivíduo, podendo caracterizar o retorno do absolutismo. Para essa teoria, a

ação é considerada um puro fator de causalidade, uma simples produção do

resultado mediante o emprego de forças físicas.

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Nos termos desta teoria, crime é somente e tão somente aquilo positivado

na lei, não importando se a conduta tem ou não conteúdo de crime. Não importa

se o agente quis, ou se tinha ou não culpa no crime, se sua conduta estivesse

prevista como crime na lei, era dada como típica desconsiderando todas as

demais circunstâncias que vieram a contribuir para a concretização do resultado.

A causa era verificada de acordo com as leis físicas da causa e efeito, as

observâncias de cunho valorativo e subjetivo eram descartadas, os elementos

volitivos (dolo e culpa) eram ignorados, importando apenas a causa e o efeito da

conduta. Fernando Capez (op. cit., p.117) diz: “Só interessavam saber duas

coisas: saber quem foi o causador do resultado e se tal resultado estava definido

em lei como crime.”

Um exemplo clássico da interpretação de uma conduta sob a ótica dessa

teoria, é dado da seguinte forma: um sujeito que conduz seu carro em via

pública com absoluta lucidez e prudência, sem que pudesse prever ou esperar,

acaba atropelando e matando um suicida que repentinamente se joga em frente o

seu carro. Para a Teoria Naturalista, o motorista que não quis e nem teve culpa

cometeu um homicídio, passou com o carro por cima da vítima e o matou, essa é

a interpretação dessa teoria que leva em consideração apenas as leis físicas da

causa e efeito. A análise da culpa e do dolo fica para um momento posterior, na

aferição da culpabilidade, onde na ausência destes o fato não seria culpável e o

agente não teria cometido o crime, embora o fato tenha sido considerado típico.

Para essa teoria, o crime é caracterizado pelo preenchimento de três

requisitos, quais sejam: Fato típico, antijuricidade e culpabilidade. Assim, a

estrutura do crime na Teoria Naturalista é dada da seguinte maneira:

1) Fato típico, de caráter objetivo é composto por:

a) Conduta: Não interessa a finalidade do agente, é a própria ação em

questão;

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b) Resultado: É a modificação causal do mundo exterior provocada

pela conduta

c) Nexo Causal: Também conhecido com nexo de causalidade, é

orientado pela teoria da equivalência dos antecedentes ou da

conditio sine qua non;

d) Tipicidade: É o tipo do crime, a conduta normativamente prevista

como crime. Mencionando o exemplo citado anteriormente, é o

atropelamento, onde se descarta a finalidade do agente. Em suma, é

a conduta penalmente prevista como crime.

2) Antijuricidade: Uma vez cometido um fato típico, automaticamente já

presume que este seja antijurídico, pois se apresenta como

consequência inerente à tipicidade, salvo quando ocorrer uma das

causas excludentes de ilicitude previstas em lei (v.g., legítima defesa,

estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício

regular de um direito).

3) Culpabilidade: Uma vez verificada que o fato é típico e

consequentemente antijurídico, resta apenas a análise da culpabilidade,

que segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves (2012, p.220) é “vínculo

psicológico que unia o autor ao fato por intermédio do dolo ou da

culpa”. A culpabilidade é composta por imputabilidade que é a

capacidade de ser culpável, onde esta é pressuposto da própria

culpabilidade; dolo e culpa.

2.1 CRÍTICAS À TEORIA NATURALISTA OU CAUSAL

Embora muitas ideias elaboradas pelos clássicos sejam defendidas até

hoje, a conduta segundo a teoria clássica foi alvo de várias críticas, que levaram

a um aperfeiçoamento da dogmática penal. O positivismo dogmático dos

clássicos não permitia uma discussão do conteúdo das normas. Fernando Capez

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(Op. cit., p.118) diz que “nesses regimes, era considerado justo tudo o que fosse

útil ao povo, independente do conteúdo ético ou moral da norma”. Desse modo,

à medida que o Estado editava regras aéticas e injustas, se perdia o sentimento

de respeito pela lei, vindo essa a ser obedecida à força. Não há interesse nem

vontade de se obedecer a uma lei imoral, a lei era obedecida pelo comando

emergente imposto pelo Estado. Cabe ainda ressaltar que a definição de ampla

era exageradamente ampla.

Além disso, o dolo deveria ser examinado apenas na aferição da

culpabilidade, e não no momento da conduta, e acabavam por analisar a conduta

de maneira objetiva ignorando a vontade do agente. Victor Eduardo Rios

Gonçalves (op. cit., p.222) preleciona: “Este método não é considerado correto,

desde o finalismo, por separar em teoria o que, na realidade, não se dissocia.” A

falta de uma solução justa e satisfatória também foi bastante criticada pela

doutrina se tratando dos casos de coação moral irresistível e obediência

hierárquica, retratados no Código Penal no Art. 22.

3. TEORIA NEOCLÁSSICA OU NEOKANTISTA

O pensamento neoclássico surgiu pouco tempo depois do sistema clássico

retratado anteriormente. Costuma-se apontar 1907 como o marco, que foi

quando foi publicada a obra de Reinhard Frank sobre culpabilidade. No entanto,

o manual de Edmund Mezger é considerado a obra que melhor retrata o sistema

neoclássico. Essa teoria também é conhecida como Neokantista por ter sido

grandemente influenciada pelo neokantismo e a filosofia de valores, sendo este

um ponto de diferenciador da teoria naturalista uma vez que os clássicos se

inspiraram no positivismo de Augusto Comte.

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Duas teorias serviram de alicerce da teoria do crime no sistema

neoclássico, quais sejam:

Teoria causal ou naturalista da ação, de Von Liszt;

Teoria normativa da culpabilidade, de Frank.

Afere-se no sistema neoclássico notável inovação no tocante à concepção

da culpabilidade, onde Frank incrementou à ela a noção de reprovabilidade do

ato. Assim, segundo Reinhard Frank, a aplicação da pena somente se justifica

quando o agente, podendo agir de outro modo, decidiu cometer o crime. Com

isso, se revolvia a problemática dos casos de coação moral irresistível e

obediência hierárquica retratados anteriormente.

Suponha-se que um gerente de uma agência bancária pressionado por um

assaltante armado é compelido a entregar todo o dinheiro do cofre do banco,

depois de tomar conhecimento que todos os seus familiares encontravam-se

mantidos reféns por comparsas. Na teoria naturalista, por se verificar todos os

elementos estruturais da teoria do crime, o gerente seria merecedor de pena por

ter cometido delito no plano teórico. Na teoria neoclássica por sua vez, embora o

agente (gerente do banco) tenha cometido ação dolosa, não será culpável uma

vez que a coação moral irresistível sofrida por ele fez com que se tornasse

inexigível qualquer outra conduta de sua parte.

Essa notável contribuição de Reinhard Frank ocasionou a evolução da

noção de culpabilidade, acrescentando a ela a exigibilidade de conduta

diversa, ou seja, a necessidade de aferir se o agente poderia ou não agir de outra

maneira. Em consequência disso, a culpabilidade passou a ter a seguinte

estrutura:

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1) Culpabilidade:

a) Imputabilidade: deixou de ser pressuposto da culpabilidade;

b) Dolo e culpa;

c) Exigibilidade de conduta diversa.

A reestruturação da culpabilidade influenciou a estrutura do crime, que

passou a ser a composição do fato típico e antijurídico (injusto), somado à

culpabilidade, que por sua vez se compõe dos elementos citados anteriormente.

Em suma, crime na ótica neoclássica era uma conduta injusta e culpável.

3.1 CRÍTICAS À TEORIA NEOCLÁSSICA

O sistema neoclássico de Frank e Mezger teve diversos méritos, como a

nova noção de culpabilidade que passou a ser entendida como reprovabilidade

da conduta. No entanto, também sofreu algumas críticas da doutrina que

também impulsionaram avanços na dogmática penal. Dentre as críticas,

destacam-se algumas, como a apontada por Fisher e Hegler, que identificaram

que o exame da intenção do agente era fundamental para verificar se o

comportamento do agente era ou não de caráter criminoso.

Destaca-se também a crítica ao dolo normativo ou híbrido. Com a

finalidade de solucionar a grande confusão que havia no sistema naturalista ou

clássico no tocante ao erro de proibição, passaram a afirmar que o dolo era

composto de consciência, voluntariedade e consciência da ilicitude (dolo híbrido

ou normativo). O erro de proibição se dá quando o agente realiza determinada

conduta tendo plena consciência do que está fazendo, mas achando que está

realizando algo reto perante a lei, quando na verdade está cometendo um crime.

No sistema naturalista, não havia uma solução satisfatória para esse problema, e

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visando satisfazer esse problema, os neoclássicos passaram a utilizar a teoria do

dolus malus e criaram o chamado “dolo híbrido ou normativo”.

Para esta concepção de dolo, além da consciência da conduta e a vontade

de realizar o ato, era necessário também a consciência da ilicitude por parte do

agente. Desse modo, aquele que age sem ter consciência da ilicitude da sua

conduta não atua dolosamente, sendo absolvido pela falta de dolo. À respeito da

crítica apontada à essa nova concepção de dolo, Victor Eduardo Rios Gonçalves

(op. cit., p.225) com sua lucidez costumeira exemplifica:

Ao se afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se o

sério risco de tornar impunes criminosos habituais e demais

delinquentes profissionais. Imagine-se uma pessoa criada numa grande

favela, que não teve acesso à educação e viveu no meio da violência e

da marginalidade como se isso fosse o normal. É possível que ela não

veja mal algum na venda de certa quantidade de droga para se sustentar.

Pode até considerar esse comportamento correto, segundo seus padrões

individuais. Esse sujeito, então, nunca seria punido criminalmente pelo

tráfico de drogas que cometesse, pois a falta de consciência individual

da ilicitude conduziria, consoante a teoria acima exposta, à ausência de

dolo em suas condutas.

4. TEORIA FINALISTA DA AÇÃO

O conceito de finalização começou a ser elaborado no fim da década de

1920 e no início de da década de 1930 com base nas constatações neokantistas.

Hans Welzel por meio do seu trabalho chamado Causalidade e omissão,

constituiu uma reação diante do chamado dogma naturalista. Os

questionamentos dessa corrente se direcionavam à injustificável

desconsideração da vontade humana.

Para a teoria finalista, “a ação não constitui um simples movimento

muscular gerador de relações de causalidade, mas uma conduta humana,

consciente e voluntária, movida a uma finalidade.” (GONÇALVES, 2012,

p.225). Constatou-se que a finalidade é algo inseparável da conduta, pois, sem

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observar a finalidade do agente é impossível saber se o fato é típico ou não.

Dependendo da finalidade do agente a qualificação jurídica do crime muda,

podendo este ser crime doloso, crime culposo ou crime preterdoloso. Desse

modo não se pode ignorar que a finalidade, o dolo e a culpa estão na própria

conduta, e que a mera observação externa e superficial sem levar em

consideração o que se passou na mente do agente, não se sabe qual crime foi

praticado. A ação então deixou de ser um mero acontecer causal, desse modo,

um acontecer final, onde conduta e finalidade são inseparáveis.

Distinguiu-se a finalidade da causalidade e em consequência disso

constatou-se que não existe conduta típica sem finalidade, e que dolo e culpa

não se separam da conduta, por não serem fenômenos distintos. Compreendeu-

se então que a causalidade é a relação entre causa e efeito, que é observado

exteriormente, enquanto finalidade é algo inerente ao agente, “[...] é o fim

visado pelo agente em sua conduta e está em sua mente, invisível a nossos

olhos” (CAPEZ, 2012, p. 122).

O crime na ótica finalista continuou sendo uma conduta injusta e culpável,

no entanto, aquele deixa de ser objetivo em razão da inserção do dolo à conduta,

e culpabilidade passou a ser puramente normativa. Assim, o fato típico passou a

ser composto por:

a) Conduta (podendo ser dolosa ou culposa);

b) Tipicidade;

c) Resultado naturalístico e nexo causal – baseado na teoria da

equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non;

A antijuricidade não sofreu alterações em relação à teoria clássica, e a

culpabilidade passou a ser composta pelos seguintes elementos:

a) Imputabilidade;

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b) Exigibilidade de conduta diversa;

c) Potencial consciência de ilicitude;

Por fim, entende-se por teoria finalista aquela que sustenta ser a conduta

humana um acontecer final, e não meramente causal, visto que a finalidade se

mostra presente porque o ser humano conhecedor das leis de causa e efeito pode

direcionar seus atos para a produção de um resultado pretendido. Ação e

finalidade, conclui-se, são inseparáveis.

4.1 CRÍTICAS À TEORIA FINALISTA DA AÇÃO

As primeiras críticas à corrente de pensamento finalista vieram dos

adeptos às teorias clássicas/neoclássicas, e eram direcionadas à aspectos

relativos à coerência interna do sistema, e afirmavam haver incoerência entre o

dado sistema e a lei. Houve até quem dissesse que a teoria era equivocada ao

afirmar que toda conduta humana é movida por uma finalidade, ficando sem

explicações assim os crimes culposos, nos quais o sujeito não tem intenção de

produzir o resultado, contra-argumentando que no mesmo crime culposo, há

intenção na conduta do agente, e que sua finalidade não é a de produzir o

resultado.

5. TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

Em relação ao tema “conduta” existe outra teoria, chamada teoria social

da ação, que não foi e não é adotada pela legislação nacional. É uma teoria pós-

finalista e incorpora conceitos de ambas as teorias anteriores e foi elaborada por

Welzel, insatisfeito com o sistema fechado vigente até então. À respeito desse

sistema, Fernando Capez diz:

Propõe a teoria da adequação social que um fato considerado normal,

correto, justo e adequado pela coletividade não pode ao mesmo tempo

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produzir algum dano a essa mesma coletividade, e, por essa razão, ainda

que formalmente enquadrável em um tipo incriminador, não pode ser

considerado típico. (CAPEZ, 2012, p. 125).

Para os adeptos dessa teoria, ação é a conduta humana socialmente

relevante, dominada e dominável pela vontade, onde conduta relevante é aquela

socialmente danosa, porque atinge o meio em que as pessoas vivem. Assim, se

um comportamento não vem a ferir o sentimento de justiça e o senso de

adequação social do povo, não é considerável relevante para o Direito Penal. A

teoria da adequação foi instituída para excluir do âmbito de incidência típica

algumas condutas que são socialmente toleradas, praticadas e aceitas pela

sociedade. Neste diapasão, infere-se que para a teoria social da ação o Direito

Penal deve cuidar apenas daquelas condutas voluntárias que tenham relevância

real para a sociedade, relevância esta que já foi retratada anteriormente.

A teoria social da ação por ser considerada supérflua, e não ter sido

prevista em lei, além de parecer vaga e carecer de critérios hermenêuticos

seguros e concretos para afirmar que um comportamento descrito em um tipo

penal não pode ser considerado típico porque não afronta o senso de

normalidade, ou de adequação social do povo.

6. TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO PENAL

A Constituição Federal e seus princípios devem sem dúvidas assumir

papel de protagonista no tocante à aplicação da lei penal. A igualdade não deve

ser algo meramente formal, as pessoas não devem ser iguais perante a lei apenas

no campo teórico, mas também na prática.

“Fala-se em um verdadeiro direito penal constitucional, no qual o fato

típico passa a ser muito mais do que apenas a mera realização dolosa ou culposa

de uma conduta descrita em lei como crime”. (CAPEZ, Op. cit., p. 129). Assim,

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um Estado Democrático de Direito não deve se ater à fictícia igualdade de todos

perante à lei, mas se preocupar com o grandioso abismo social que as separam.

De acordo com a teoria constitucional do direito penal, a ação do Estado

deve ser interventiva na esfera social, no intuito de suprimir os desníveis

altamente acentuados em nossa sociedade. Isso sem dúvidas reflete no Direito

Penal, no sentido de que, crime não é somente aquilo que o legislador deseja e

positiva, sem que seja efetuado nenhum controle sobre sua norma. Assim, um

fato para ser típico deve ser levado em consideração sua forma e conteúdo.

Se observado o conteúdo dessa teoria, se observará o motivo pelo qual a

teoria dos naturalistas clássicos está totalmente defasada, uma vez que a

correspondência externa entre o que foi realizado no mundo natural e a

descrição típica não são o bastante para a caracterização do fato típico, pois

sabe-se que atualmente é necessário que a conduta tenha conteúdo de crime, e

que esta conduta esteja penalmente prevista, cumprindo-se assim o princípio da

legalidade (CF, Art. 5º, XXXIX). Assim, no Estado Democrático de Direito não

se admite um descompasso entre a vontade soberana do Estado, e o sentimento

comum e social de justiça. Para concluir o raciocínio à respeito dessa teoria,

cabe aqui mais uma preleção de Fernando Capez “Essa deve ser a tendência no

início do século XXI, suplantando-se a linha positivista despreocupada com o

conteúdo da norma, que tanto predominou até bem pouco tempo”. (ibid., p.

131). É importante salientar que alguns doutrinadores como Fernando Capez

assinalam que a Teoria Constitucional do Direito Penal é adotada pelo

ordenamento jurídico brasileiro, pois, segundo o aludido autor, a teoria em

questão é uma teoria finalista acrescida do controle material dos princípios

constitucionais do direito.

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7. TEORIA FUNCIONAL

A teoria funcional, por fim, não se trata de uma teoria da conduta, pois seu

objeto não é um fato típico. Sua finalidade é:

“Explicar o direito penal a partir de suas funções. Em primeiro lugar,

pretende deixar claro de que serve esse ramo do ordenamento jurídico,

para, só então, conhecendo suas finalidades, resolver os mais variados

problemas do cotidiano”. (CAPEZ, Op. cit., p. 131)

Essa teoria surgiu na década de 70, através do estudo de penalistas

alemães, que por sua vez assinalaram que o direito penal deve ser aplicado de

acordo com sua função social (daí o termo “teoria funcional”). Essa teoria tem

duas concepções. A primeira é influenciada pela sociologia e tem Claus Roxin

como seu grande defensor. Afirma que a principal função do direito penal é

proteger a sociedade, onde devem ser mantidas apenas as soluções de cunho

político-criminal. Assim, condutas inofensivas não podem ser punidas, porque a

função do direito penal é proteger valores sociais, sem que esses estejam

expostos a algum risco. Uma conduta inofensiva então está incapaz de entrar em

conflito com o direito penal, uma vez que uma ação que não tem conteúdo de

crime é “inidônea para molestar o bem jurídico tutelado”. (CAPEZ. Op. cit.,

p.132). O Estado por meio do legislador não cria um crime ou conduta

penalmente culpável, apenas traduz os anseios e sentimentos da sociedade, de

modo que sejam incrementadas as relações sociais seguindo um método

científico que pressuponha necessidade, idoneidade e proporcionalidade da

norma.

A segunda concepção por sua vez é mais legalista, que afirma que a

função da norma é reafirmação da autoridade e soberania do direito. Esta

também é conhecida por “Teoria Radical de Guhther Jakobs - Funcionalismo

Sistêmico.” (MASSON, 2010, p. 75). Segundo essa teoria, cada indivíduo tem

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seu papel na sociedade, cada pessoa tem um papel, em outras palavras, é uma

“peça do sistema”. Uma vez que um indivíduo deixa de desempenhar o seu

papel ou desafio as normas, é visto como um “inimigo”. A política criminal

passa a ser observada a partir das conveniências do sistema, importando apenas

que as normas penais regulem e ordenem o funcionamento do corpo social, o

“sistema”.

Esta linha de pensamento de Guhther Jakobs à medida que se aproxima do

Estado Formal de Direito, se distancia do Estado Democrático de Direito por

estar passível de distorção e abuso, além de não se importar com o bem jurídico

tutelado, o qual é confundido com a própria obediência à norma. Conclui-se por

fim retratando a ineficiência e desprestígio dessa teoria:

Em que pesem as preocupações garantistas de Jakobs, que procura

equilibrar o rigor de seu pensamento com ponderações sociológicas, o

pe­rigo desta linha funcionalista é a de que um Estado totalitário, para

fazer valer seu regime, pode entender necessária uma atividade

excessivamente incriminadora e interventiva, alcançando, em alguns

casos, bens jurídicos que não deveriam merecer uma tutela tão

agressiva quanto a penal. Estaria justificada a atuação invasiva, apenas

pela conveniência do sistema, relegando a um segundo plano o valor

humano. (CAPEZ, op. cit., 134).

8. CONCLUSÃO

Pode-se inferir, do exposto, que o preenchimento da tipicidade no Direito

Penal atual, deverá se compor-se pela tipicidade objetiva – formal, tipicidade

normativa e tipicidade subjetiva. Entendendo-se como tipicidade normativa a

imputação objetiva da conduta e a imputação objetiva do resultado. E, como

tipicidade subjetiva, o elemento volitivo, presente nos delitos dolosos, apenas.

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REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Volume 1, Parte Geral: (arts. 1º a

120). 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor E. R. Direito Penal Esquematizado:

Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal: Parte Geral. 11 ed. São

Paulo: Saraiva, 2005.

MASSON, Cleber Direito Penal Esquematizado - Parte Geral. vol. 1. Editora

Método: São Paulo, 2010.