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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 19 DIREITO TRIBUTÁRIO II Coordenadores PROF. DR. JOSÉ QUERINO TAVARES NETO PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

Equipe Editorial

EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Conselho Editorial

D597Direito tributário II

Coleção Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : José Querino Tavares Neto / Raymundo Juliano Rego Feitosa.Título independente - Curitiba - PR . : vol.19 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.279p. :

ISBN 978-85-8433-007-2

1. Cidadania fiscal– dignidade humana. 2. Política tributária.I. Título. CDD 341.39

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

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MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

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Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................

ACESSO À INFORMAÇÃO E CIDADANIA FISCAL (Debora Bezerra de Menezes Serpa Maia) .......................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CIDADANIA FISCAL NA DEMOCRACIA SEMIDIRETA ...............................................................................

O ACESSO À INFORMAÇÃO E A CIDADANIA FISCAL NA ERA DIGITAL ....................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

CIDADANIA FISCAL E DESENVOLVIMENTO: A ERRADICAÇÃO DA POBREZA COMO OBJETIVO DA REPÚBLICA (Rodrigo Lucas Carneiro Santos e Ana Paula Basso) ................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CIDADANIA COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA ................................................................................

DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS E CIDADANIA .................................................................

CONEXÕES ENTRE CIDADANIA E JUSTIÇA FISCAL NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA ...............................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO DESENVOLVIMENTO (Terezinha de Oliveira Domingos e Leandro Reinaldo da Cunha) .......

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A QUESTÃO TRIBUTÁRIA EM FACE DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................

A POLÍTICA TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ........

O TRIBUTO COMO UM DEVER E COMO UM DIREITO .............................................................................

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E TRIBUTAÇÃO .................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O FUTURO DO ESTADO SOB A ÓTICA DA SOLIDARIEDADE SOCIAL TRIBUTÁRIA (Joacir Sevegnani e Marcos Leite Garcia) ...................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

NOÇÃO DE ESTADO E OS SEUS FINS .........................................................................................................

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRIBUTAÇÃO ................................................................................................

CONTRIBUTO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL TRIBUTÁRIA PARA O FUTURO DO ESTADO ...........................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

GLOBALIZAÇÃO, DIREITO TRIBUTÁRIO E DESENVOLVIMENTO: TENSÕES ENTRE DIREITO E POLÍTICA NO PERCURSO DO ACORDO PARA TROCA DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS (Frederico Silva Bastos) ...............................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A ORIGEM DOS ACORDOS PARA TROCA DE INFORMAÇÕES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E A ESCOLHA DO MODELO BRASILEIRO .........................................................................................................................

O DEBATE POLÍTICO E AS QUESTÕES JURÍDICAS ENVOLVENDO O ACORDO PARA TROCA DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS ........................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO E A NOVA ORDEM TRIBUTÁRIA (Willame Parente Mazza) .......

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O CONTEXTO DA SOBERANIA NO MUNDO GLOBALIZADO ....................................................................

UM BREVE ESBOÇO SOBRE A GLOBALIZAÇÃO ........................................................................................

AS TRANSFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS NO ÂMBITO DA GLOBALIZAÇÃO ...............................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A IMPORTÂNCIA DE UM PROCESSO HERMENÊUTICO ADEQUADO NA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LIVROS COMO FORMA DE BUSCAR O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (Luiz Gustavo Levate e Paulo Adyr Dias do Amaral) ......................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

INTERPRETAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO .............................................................

INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA: SOCIEDADE MODERNA – PROBLEMAS ANTIGOS ..............

A CONSIDERAÇÃO DO ELEMENTO TELEOLÓGICO – A QUESTÃO DOS VALORES ...................................

CONJUGAÇÃO DO MÉTODO HISTÓRICO-EVOLUTIVO COM A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA ............

A EDUCAÇÃO E OS PILARES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ....................................................

POR QUE MOTIVO A ESPERANÇA DE LIBERDADE REPOUSA SOBRE O PODER JUDICIÁRIO? ................

JURISPRUDÊNCIA ......................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

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REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO TAXATIVA DA LISTA DE DOENÇAS GRAVES PARA ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA (Marcelo Luiz Hille e Paul Jürgen Kelter) ...............................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E DIGNIDADE HUMANA ..................................................................

ISONOMIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .............................................................................................

RESERVA DO POSSÍVEL EM RELAÇÃO À SAÚDE ......................................................................................

A ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA ........................................................................................................

POLÍTICAS PÚBLICAS ................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM MATÉRIA DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA RELACIONADA À PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. UMA TENTATIVA DE DESCONSTRUÇÃO DOENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL PREDOMINANTE À LUZ DAS LIÇÕES DE ALEXY E DWORKIN (Thiago Antonio Nascimento Diniz) ............................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

LEI 7.713/1998 – NORMA DE ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA E O CASO SOB EXAME ............................

DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL (STJ E STF) – PREVALÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO LITERAL PARA NORMA DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA .................................................................................................

EXAME DA DECISÃ À LUZ DAS TEORIAS DE ALEXY E DWORKIN .............................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

A OMISSÃO INCONSTITUCIONAL DO CONGRESSO NACIONAL NA REGULAMENTAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Armando Zanin Neto e José Luiz Crivelli Filho) ........................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO .............................................................

BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS .........................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

FEDERALISMO FISCAL: DISTRIBUIÇÃO DE RECEITAS E A ISENÇÃO DE TRIBUTOS QUE COMPÕEM A RECEITA DE OUTROS ENTES POLÍTICOS (Renan Moreira de Norões Brito e Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça) ..............................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

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FEDERALISMO FISCAL ..............................................................................................................................

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS MANIFESTAÇÕES DO FEDERALISMO FISCAL .....................................

A CONGRUÊNCIA DOS DISPOSITIVOS QUE REGULAM O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL .................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A DESONERAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES E O REMICEX: POSSIBILIDADE DE EVASÃO TRIBUTÁRIA DE ICMS E INVASÃO DE COMPETÊNCIA (Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba e Tânia Luíza Calou de Araújo e Mendonça) ...................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR E A NECESSÁRIA DESONERAÇÃO TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES ...........................................................................................................................................

A ATUAÇÃO FEDERAL NA DESONERAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES: O REGIME DE ENTREGA DE EMBALAGENS NO MERCADO INTERNO EM RAZÃO DA COMERCIALIZAÇÃO A EMPRESA SEDIADA NO EXTERIOR (REMICEX) ..........................................................................................................................

A INAPLICABILIDADE DO REMICEX AO ICMS: INDUÇÃO À EVASÃO E INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO ENTE FEDERAL .....................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito Tributário II, do XXII Encontro

Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),

realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º

de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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Apresentação

O presente livro é coletânea de artigos apresentados perante o Grupo de Trabalho de

Direito Tributário, no XXII Encontro Nacional do CONPEDI, e que versaram sobre cidadania,

dignidade da pessoa humana e desenvolvimento.

O livro encontra-se dividido em três partes: Cidadania Fiscal, Dignidade da Pessoa

Humana e Políticas Tributárias e Desenvolvimento.

Na primeira parte do Livro, três trabalhos focam a questão da cidadania fiscal,

examinando-a sob múltiplos e distintos aspectos.

A coletânea tem início com o trabalho de Débora Bezerra de Menezes Serpa Maia

(mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará), onde a autora aborda a

importância do acesso à informação para a efetivação da cidadania fiscal, com ênfase nos

mecanismos de controle proporcionados pela evolução tecnológica da Era Digital.

Na perspectiva da cidadania fiscal, Rodrigo Lucas Carneiro Santos (acadêmico de

Direito no Centro Universitário de João Pessoa -UNIPÊ) e sua orientadora Ana Paula Basso

(doutora pela Universidade de Castilla-La Mancha) examinam a erradicação da pobreza como

objetivo da República. Segundo os autores, a Constituição brasileira de 1988 “ao consagrar o

princípio da dignidade da pessoa humana e a cidadania como fundamentos da República, fez

com que ambos permeassem todo o ordenamento jurídico, e aí também a disciplina dos

tributos”.

A solidariedade social, no contexto da tributação, “como uma possibilidade concreta de

contribuição para o fortalecimento do Estado no presente e no futuro” é analisada por Joacir

Sevegnani (doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale de Itajaí- UNIVALI) e

Marcos Leite Garcia (doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri). Esses

autores estudam o futuro do Estado sob a perspectiva da solidariedade social tributária,

procurando-se demonstrar a “relevância da tributação para a concretização do bem comum”.

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A segunda parte do Livro é dedicada à dignidade da pessoa humana, com três

importantes trabalhos sobre o tema.

A tributação “como instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana em

face do desenvolvimento” é o fio condutor do trabalho elaborado por Terezinha de Oliveira

Domingos (doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e por

Leandro Reinaldo da Cunha (doutorando pela mesma Universidade). Segundo os autores, “o

estudo busca refletir sobre a tributação de tal maneira que haja concretização

multidimensional dos Direitos Humanos, com vista à satisfatividade da dignidade da pessoa

humana”.

A dignidade da pessoa humana é também apreciada por Thiago Antônio Nascimento

Diniz (mestrando das Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil), no artigo “A interpretação

extensiva em matéria de isenção tributária relacionada à preservação da dignidade da pessoa

humana. Uma tentativa de desconstrução do entendimento jurisprudencial predominante, à

luz das lições de Alexy e Dworkin”. O trabalho analisa, diante de um caso submetido à

apreciação do Superior Tribunal de Justiça, “a possibilidade de interpretação extensiva à regra

de isenção fiscal a aposentados e pensionistas a portadores de patologias incapacitantes além

daquelas previstas no inciso XIV do artigo 6.º da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1998, em

que pese a determinação expressa do Artigo 111 do Código Tributário Nacional, que prevê a

interpretação literal para normas concessivas de benefícios fiscais”.

A problemática da interpretação das normas que concedem isenção tributária ressurge

no artigo de autoria de Marcelo Luiz Hille e de Paul Jürgen Kelter, ambos mestrandos no

Centro Universitário de Maringá, sob o título “A inconstitucionalidade da interpretação

taxativa da lista de doenças graves para isenção do Imposto de Renda”. Tendo por objetivo

identificar princípios relacionados à dignidade humana e destacar a relevância da promoção de

políticas públicas no que tange à saúde, os autores concluem que “o aparente choque entre o

interesse público na arrecadação de impostos e a proteção constitucional à dignidade humana

pelo Estado Democrático de Direito, como analisado no presente estudo, demonstra uma

provável solução por meio de política pública para alteração legislativa compreendendo uma

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interpretação extensiva da referida lista de doenças, ou ainda, pela obrigatória atualização

daquela, para inclusão de forma constante de novas patologias graves e incuráveis”.

O enlace entre as políticas tributárias e o desenvolvimento é abordado na terceira parte

do Livro, com seis trabalhos.

De início, Frederico Silva Bastos (mestrando em Direito pela Escola de Direito da

Fundação Getúlio Vargas) discorre sobre “Globalização, Direito Tributário e

Desenvolvimento: tensões entre direito e política no percurso do acordo para troca de

informações tributárias entre Brasil e Estados Unidos”. Segundo o autor, que analisou as

discussões travadas no âmbito do Congresso Nacional durante a tramitação do mencionado

acordo, seu estudo permite compreender “algumas tensões, intenções, argumentos e,

identificar falhas no processo de aprovação do acordo e de harmonização com o sistema

jurídico brasileiro que permearam a discussão legislativa desse instrumento”.

“Globalização, Neoliberalismo e a Nova Ordem Tributária” é o trabalho apresentado

por Willame Parente Mazza (doutorando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos

Sinos). O trabalho pretende mostrar os impactos do novo modelo de globalização, construído a

partir de uma concepção neoliberal, sobre a nova ordem tributária.

Luiz Gustavo Levate (doutorando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro) e Paulo Adyr Dias do Amaral (pós-doutor em Direito pela Universidade Nacional de

La Matanza) apresentam o artigo “A importância de um processo hermenêutico adequado na

imunidade tributária dos livros como forma de buscar o desenvolvimento sustentável”. Os

autores insistem que “a imunidade tributária de livros não pode ser restritiva ao ponto de

abranger apenas aqueles impressos. A interface entre o Direito Tributário e o

Desenvolvimento Sustentável em seus pilares econômico, social e ambiental vai revelar a

necessidade de uma imunidade ampla dos livros em suas diversas modalidades”.

O Fundo de Participação dos Estados é o foco do trabalho de autoria de Armando Zanin

Neto (doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e

de José Luiz Crivelli Filho (mestrando em Direito na Universidade de São Paulo), intitulado “A

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omissão inconstitucional do Congresso Nacional na regulamentação do Fundo de

Participação dos Estados e o Supremo Tribunal Federal”. O artigo tem por objetivo analisar a

omissão inconstitucional do Congresso Nacional no tocante à regulamentação do referido

Fundo “mesmo após o vencimento do prazo fixado pelo STF em decisão judicial anteriormente

proferida em sede de ADI”.

“Federalismo fiscal: distribuição de receitas e a isenção de tributos que compõe a

receita de outros entes políticos” é o título do artigo que tem por objetivo “verificar se o

federalismo fiscal brasileiro é harmônico”. Os autores, Renan Moreira de Norões Brito

(mestrando na Universidade de Fortaleza) e Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça (pós-

doutora em Direito pela Universidade de Santa Catarina) discorrem sobre as incongruências na

repartição de receitas tributárias.

Finalmente, a coletânea de artigos é encerrada com o trabalho “A desoneração das

exportações e o Remicex: possibilidade de evasão tributária de ICMS e invasão de

competência”. Nesse estudo, Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba

(mestre em Direito pela Universidade de Fortaleza) e Tânia Luíza Calou de Araújo e

Mendonça (graduada em Direito pela mesma Universidade) cuidam do “Regime de Entrega de

Embalagens no Mercado Interno em Razão da Comercialização a Empresa sediada no

Exterior (Remicex)”, instituído pela União. Esse regime implica a isenção das contribuições

para o PIS/PASEP e da COFINS, quando da operação de remessa de embalagens a serem

utilizadas no acondicionamento de mercadorias a serem exportadas. As autoras observam que

“a redação da Instrução Normativa SRF nº 773/2007 peca pela falta de rigor no emprego de

termos técnicos, extrapolando a competência federal, que podem induzir o contribuinte ao não

recolhimento do ICMS devido”.

Os trabalhos aqui apresentados, lastreados nas pesquisas realizadas em diversos

programas de Pós-Graduação, realçam a importância de se pensar o Direito Tributário como

importante instrumento de realização do desenvolvimento e da justiça social,

indissoluvelmente ligado à noção de cidadania, com especial apreço à dignidade da pessoa

humana.

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Coordenadores do Grupo de Trabalho

Professor Doutor José Querino Tavares Neto – UFG / UNAERP

Professor Doutor Raymundo Juliano Rego Feitosa – UFRN

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ACESSO À INFORMAÇÃO E CIDADANIA FISCAL

ACCESS TO INFORMATION AND FISCAL CITIZENSHIP

Debora Bezerra de Menezes Serpa Maia1

RESUMO

Aborda a importância do acesso à informação para a efetivação da cidadania fiscal, com

ênfase nos mecanismos de controle proporcionados pela evolução tecnológica da Era Digital.

Identifica os fundamentos da tributação e analisa de que forma o acesso à informação tem

implementado a educação fiscal, trazendo, consequentemente, soluções que possam vir a ser

implementadas pelo poder público, a fim de se promover não só a conscientização da função

dos tributos, mas também a criação de uma cultura de participação democrática, de

fiscalização e controle dos recursos advindos da tributação. Estuda algumas das políticas

públicas de promoção da Cidadania Fiscal já existentes no Brasil, analisando ainda a recém-

aprovada Lei 12.741/12.

Palavras-chave: Informação, Cidadania, Impostos.

ABSTRACT

Discusses the importance of the access to information for an effective fiscal citizenship,

emphasising on control mechanisms provided by the technological evolution in the Digital

Age. Identifies the fundamentals of taxation and examines how the access to information has

implemented fiscal education, bringing, therefore, solutions that may be implemented by the

government in order to promote not only awareness of the role of taxes, but also the creation

of a culture of democratic participation, fiscalization and control of the proceeds from

taxation. Studies some of the public policies to promote Fiscal Citizenship in Brazil,

analyzing even the newly adopted Law 12.741/12.

Keywords: Information, Citizenship, Taxes.

1 Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Fortaleza.

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1 INTRODUÇÃO

Os tributos, há muitos séculos, constituem uma das principais fontes

arrecadatórias dos Estados. Essas receitas, por serem oriundas do patrimônio dos cidadãos,

sempre geraram certa insatisfação, provocando, em muitos, resistência e indagações acerca da

real necessidade do pagamento de impostos e contribuições.

Ocorre que, apesar desses questionamentos, que em várias ocasiões na história da

humanidade foram estopins para revoluções, a participação da população no controle da

destinação dessas arrecadações não tem sido, em muitos países, uma constante. Em verdade,

os cidadãos, por falta de consciência política ou até mesmo por encontrarem dificuldades em

exercer esse controle social, acabam por não averiguar como se realiza a aplicação das

receitas provenientes de tributos, o que dá margem para que os recursos sejam mal aplicados

ou ainda desviados da finalidade social. Ademais o desconhecimento da total carga tributária,

a exemplo do que ocorre no Brasil, por parte da maior parcela da população, constitui imenso

óbice à mobilização da sociedade.

Mostra-se, pois, cada vez mais necessária a criação de uma cultura de exercício da

cidadania fiscal, através da qual se estimularia, concomitantemente ao processo de

conscientização do dever de pagamento dos tributos e de sua importante função social, o

exercício da fiscalização da aplicação dos recursos tributários.

A relevância da pesquisa demonstra-se pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, o tema demonstra ser de suma importância uma vez que, a

ideia de cidadania fiscal ainda é incipiente em nosso país. Apesar de ser de conhecimento

geral a alta carga tributária brasileira, principalmente quando comparada com a aparente não

aplicação desses recursos em prol da sociedade, ainda são poucas as efetivas formas de

participação da sociedade no controle da destinação desse dinheiro e na gerência do

orçamento público.

Ademais, apesar de ser a resistência ao pagamento de tributos celeuma que há

séculos existe, a revolução da informática e o crescente acesso à informação acabaram por

trazer à tona outros aspectos dessa questão, como, por exemplo, a possibilidade de criar

mecanismos de controle da efetiva destinação dos impostos e dos gastos públicos.

A importância da temática do acesso à informação como forma de efetivar direitos

e deveres do contribuinte é ainda mais sobressaltada com a aprovação da lei 12.741/12, a qual

garantirá maior transparência no que concerne ao pagamento de impostos sobre o consumo,

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haja vista a obrigatoriedade de discriminação da porcentagem de carga tributária que compõe

o preço do produto ou serviço. Essa inovação legislativa permitirá um maior conhecimento

por parte da população acerca do pagamento de tributos e, com certeza, terá reflexos sociais e

jurídicos que precisarão ser estudados.

A educação fiscal pautada no estudo da fundamentação e da função social dos

tributos permite aos cidadãos a tomada de consciência acerca do dever de pagar de tributos,

bem como da necessidade de fiscalizar esses recursos através de mecanismos de controle

social. É essencial que a sociedade entenda a necessidade dos tributos, mas deve-se ter sempre

em mente sua real função, para evitar desvios.

Ademais, a revolução tecnológica e o acesso à informação não apenas facilitam o

exercício do controle social como permitem que diversas políticas públicas, antes difíceis de

serem colocadas em prática, sejam desenvolvidas em prol da cidadania fiscal.

A fiscalização se torna muito mais fácil se orçamentos e gastos públicos são

disponibilizados em sítios da Rede Mundial de Computadores. É o exemplo da Lei de Acesso

à Informação. Além disso, projetos como os da nota fiscal solidária e da nota eletrônica

promovem a cidadania fiscal na medida em que estimulam a requisição do documento fiscal

por parte dos consumidores e inibem a sonegação de impostos.

É imprescindível que as políticas públicas sejam acompanhadas da criação de

normas que facilitem o controle social. Afinal, não basta que os cidadãos estejam conscientes

de seus direitos e deveres, é necessário ainda que o Estado possibilite o exercício da

fiscalização, a qual pode ser exercida através de mecanismos como o orçamento participativo

e o controle da aplicação de leis, como a lei de Acesso à Informação e a lei de

Responsabilidade Fiscal.

A metodologia implementada neste trabalho foi, primordialmente, a pesquisa

bibliográfica, tendo em vista o caráter iminentemente teórico, consistindo, principalmente na

leitura e no exame das obras referenciadas, documentos, tais como legislações nacionais, em

especial a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como repertórios de

jurisprudência de algum modo relacionados com a temática da cidadania fiscal.

Como objetivo, busca-se identificar os fundamentos da tributação e a importância

do acesso à informação para a concretização da cidadania fiscal, trazendo, consequentemente,

soluções que possam vir a ser implementadas pelo poder público, a fim de se promover não só

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a conscientização da função dos tributos, mas também a criação de uma cultura de

fiscalização e controle dos recursos advindos da tributação.

2 CIDADANIA FISCAL NA DEMOCRACIA SEMIDIRETA

A democracia surgida nas cidades-Estados gregas aproximava-se ao máximo da

ideia de exercício do poder diretamente pelo povo, o que, no entanto, tem se tornado de

visualização cada vez mais difícil, haja vista a complexidade e extensão dos Estados atuais.

Dessarte, a Constituição Federal de 1988, refletindo os anseios da

redemocratização, trouxe juntamente com os tradicionais institutos de democracia

representativa, alguns instrumentos de participação direta, motivo pelo qual se denomina essa

democracia de semidireta2.

Ocorre que a adoção da democracia semidireta no Brasil vem encontrando

dificuldades para se consolidar haja vista a própria falta de conscientização da maior parte dos

cidadãos, razão por que a utilização desses institutos só será efetiva quando se identificar um

adequado nível de politização da sociedade (MENDES, 2007).

Nesse momento é que o acesso à informação torna-se essencial para a tentativa de

se alcançar uma democracia mais participativa, em que as decisões governamentais se

coadunem com a vontade popular, através da aproximação entre população e governo, da

diminuição de fronteiras e barreiras, além da facilitação de proliferação de dados e

conhecimentos. Dessa forma, será possível alcançar o verdadeiro exercício da cidadania.

A cidadania consta no elenco de fundamentos da República Federativa do Brasil,

como é possível observar no art. 1º do texto da Constituição Federal de 1988, a qual, não por

acaso, é conhecida como Constituição-cidadã. Deve a cidadania ser entendida como o

exercício dos direitos políticos, dentre eles o de participar das decisões do Estado por meio do

voto, da propositura da ação popular, e de poder usufruir do rol de direitos e garantias

previstos na Lei Maior, além do cumprimento de deveres.

A cidadania fiscal, por sua vez, demonstra sua importância como forma de

participação popular na democracia, estimulando o controle social. Essa ideia de cidadania só

será consolidada com a reivindicação ao Poder Público de direitos e garantias presentes na

nossa Constituição, com o cumprimento de deveres e com a participação ativa da tomada de

2 Saliente-se, ainda, que, na democracia semidireta, os mecanismos de participação não devem ser limitados apenas aos previstos no texto constitucional.

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decisões. Dessa forma é que se terá uma Constituição que configure mais do que, nos dizeres

de Lassale, uma mera folha de papel (GOMES, 2010).

O conceito de cidadania fiscal, no entanto, deve ser visto em uma dupla vertente, a

qual engloba tanto o conhecimento da fundamentação e da função dos tributos quanto a

informação sobre a importância do controle da aplicação dos recursos públicos.

É o entendimento de Cruz e Amorim (2010, p. 17):

O exercício da cidadania ativa percorre todos os momentos de funcionamento da vida pública. O cidadão deve pagar seus impostos, consciente de que está contribuindo para o bem da coletividade, mas seu dever não termina aí. O cidadão consciente participa de forma ativa das decisões de natureza pública e deve lutar para que se amplie seu poder de participação e de decisão, só assim teremos uma democracia substantiva.

Tem-se, pois, que a função precípua dos tributos é a sua aplicação no

financiamento das despesas públicas. Faz-se necessária a abordagem, no entanto, do

fundamento da exação tributária. Afinal, o binômio “despesas-receitas” está intimamente

relacionado à ideia da figura estatal como proporcionadora do bem comum.

É justamente com o escopo de obter meios para atender as necessidades e os

desígnios do povo, além de proporcionar a manutenção de seu aparato, que o Estado Fiscal se

apropria de recursos produzidos pelos administrados (receitas derivadas). No magistério de

Torres (2006, p. 3): “Os fins e os objetivos políticos e econômicos do Estado só podem ser

financiados pelos ingressos na receita pública. A arrecadação dos tributos (...) constituem o

principal item da receita”.

Smith (1910) já apresentava a divisão de receitas em originárias e derivadas,

salientando que estas últimas se faziam necessárias em razão da insuficiência daquelas, sendo

necessário, pois, que o povo cedesse parte de sua própria receita para custear as despesas

estatais.

A ação estatal de tributar (do latim tribuere, distribuir, repartir) refere-se ao ônus

distribuído entre os contribuintes (AMARO, 2006). Relata-se que a denominação “tributo”

surgiu em referência aos presentes que os antigos ofereciam aos seus Deuses, como forma de

prestar-lhes homenagem. Durante a antiguidade, os tributos estavam intimamente

relacionados aos conflitos, sendo aqueles exigidos dos povos vencidos como forma de

submissão e de sustento aos exércitos vencedores, ocasião em que passaram os tributos a ter

caráter compulsório.

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No Estado Democrático de Direito no qual se vive atualmente, a tributação deixou

de ser uma relação de poder e passou a constituir uma relação jurídica regulada pelos ditames

legais, em que foi dada legitimidade às contribuições dos cidadãos para a manutenção da

máquina estatal.

Esse é o magistério de Amaro (2006, pág. 16):

Tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecadada pelo Estado ou pelo monarca, com vistas a atender aos gastos públicos e às despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e que abrangeu desde os pagamentos, em dinheiro ou bens, exigidos pelos vencedores aos povos vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança junto aos próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como um dever ou obrigação. No Estado de Direito, a dívida de tributo estruturou-se como uma relação jurídica, em que a imposição é estritamente regrada pela lei, vale dizer, o tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas (que, atualmente, são não apenas as do próprio Estado, mas também as de entidades de fins públicos).

Ocorre que, para entendermos a relação tributária atual, livre dos aspectos de

relação de poder, é mister estarmos cônscios de que a fundamentação da exação está presente

no ideal de Estado Democrático de Direito, o qual tem como pressuposto essencial a

expressão da Vontade Geral, através da participação dos cidadãos-contribuintes no poder

decisório. É esse Estado Democrático de Direito e a consequente presença popular que

legitimam que todos suportem o encargo da responsabilidade para o fornecimento dos

recursos necessários à concretização das decisões (JUCÁ, 2007).

Muito esclarecedor se torna o ensinamento de Machado (2006, p. 53), ao afirmar

que a relação tributária é relação jurídica, e não simples relação de poder, o que deve ser

rechaçado mormente na concepção de Estado que vigora atualmente.

Gutmann (2005, p. 32/33), no entanto, afirma que seria necessária ainda a análise

da “justiça dos fins”, não sendo suficiente a “justiça dos meios”.

Antes de mais nada, a qualidade de um imposto não se esgota na sua justiça. Para que um imposto seja plenamente satisfatório é preciso ainda que seu rendimento seja bom, que ele tenha, eventualmente, um impacto positivo sobre o comportamento dos agentes econômicos, que sua incidência seja limitada, que ele seja fácil de cobrar, que ele não suscite a revolta popular (...).

Avaliar a justiça do imposto, não é avaliar a justiça de uma regra de direito ordinário. Está fora de questão, por exemplo, legitimar filosoficamente um imposto simplesmente por constatar que o processo democrático foi respeitado. A justiça procedimental não tem espaço em matéria de filosofia do tributo, porque o espírito está como que imantado pela justiça substancial.

Esta justiça substancial, em si mesma, é apreendida através de um duplo prisma: o dos fins (os objetivos perseguidos pela exação), o dos meios (as modalidades que

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definem a divisão e os lançamentos). O prisma e frágil, sem dúvida: por exemplo, o imposto limita a liberdade (é o sacrifício) para aumentar a liberdade (é uma aposta filosófica). Os meios do imposto sustentam, portanto, uma relação complexa com seus fins. A complexidade, no entanto, não impede de distinguir.

A justiça dos fins é a grande ausente da maior parte dos debates sobre o imposto. Entretanto, a justiça dos meios não garante a justiça dos fins.

Dessarte, buscar o fundamento do tributo nos remete à expressão da Vontade

Geral, que, no Estado Democrático de Direito, justifica a exação tributária pela decisão da

sociedade, que consentiu em suportar a carga tributária em busca de um fim também justo, in

casu, o bem comum.

O tributo, então, foi instituído para atender aos desígnios do Estado, fornecendo-

lhe os meios para que esses objetivos fossem alcançados (TAVOLARO, 2010).

Assim, desde o princípio da tributação, a atividade de tributação era vista como

algo a ser evitado a todo custo, por configurar verdadeira lesão à atividade individual

(VIEIRA, 2010). A cidadania fiscal, no entanto, só será efetiva quando se entender a

tributação como uma das principais formas de arrecadação de recursos para o Estado, motivo

pelo qual esta atividade se mostra imprescindível para a manutenção da máquina estatal e para

fomentar o alcance dos objetivos previstos no texto constitucional.

Segundo Vieira (2010, p. 144/145):

Ao se correlacionar os tributos com a função social do Estado, concretiza-se a função social do tributo, o qual passa a ser entendido não mais como uma mera obrigação do cidadão, mas como preço da cidadania.

Por isso, a obrigação de pagar tributos e controlar sua aplicação corresponde a um dever fundamental do cidadão. É uma responsabilidade comunitária dos membros da sociedade. Em outras palavras, a cidadania fiscal impõe o direito/dever de solidariedade recíproca do cidadão para com a manutenção do Estado, sendo o cumprimento do dever de cada um a exigência dos direitos de todos os membros da sociedade.

O exercício da cidadania fiscal, pois, em que a tributação seja acompanhada de

um controle da destinação dos recursos públicos, pode proporcionar uma sociedade próspera,

com cidadãos em situação de vida digna.

3 O ACESSO À INFORMAÇÃO E A CIDADANIA FISCAL NA ERA DIGITAL

A denominada “Revolução da Informática”, surgida a partir da proliferação da

Internet e da evolução dos computadores, tem gerado impactos na sociedade em velocidade e

proporções nunca antes presenciadas. Greco (2000, p. 16) ressaltou em sua obra a importância

da Internet e a revolução que sua invenção trouxe para a sociedade, afirmando que se trata de

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uma revolução “mais do que de natureza técnica, revolução ligada ao próprio padrão da

civilização ocidental, que está se alterando em sua concepção básica”.

Essa “Revolução”, por exemplo, possibilitou uma maior facilidade de acesso às

informações, as quais, dentre outros efeitos, trouxerem à tona a discussão da cidadania fiscal,

através do desenvolvimento do interesse, por parte da população, sobre as contas públicas e,

em especial, sobre a destinação da arrecadação tributária.

Sabe-se que o verdadeiro exercício da cidadania fiscal apenas se concretiza com o

acesso pela população a informações sobre as formas de arrecadação de receitas, sua

destinação e sobre os gastos públicos de forma geral.

Para Cruz e Amorim (2010), haja vista a complexidade da sociedade atual, as

informações e os conhecimentos disseminados pelos meios de comunicação têm cada vez

mais peso, o que demonstra o papel fundamental das novas tecnologias da informação

atualmente para o exercício da cidadania fiscal.

O mundo digitalizado proporciona, através da Internet e de outros meios de

comunicação, que se efetivem meios de controle social antes inimagináveis, como, por

exemplo, os portais de transparência, os quais apresentam dados acerca dos gastos públicos

acessíveis a qualquer cidadão.

Destarte, o acesso à informação inibe desvios dos recursos arrecadados por parte

de governantes corruptos, ensejando gestões mais responsáveis.

Os sítios eletrônicos que abordem temas de cidadania fiscal possuem ainda a

função educativa, permitindo o intercâmbio de informações entre programas de educação

fiscal de diversos países. Segundo Rivillas e Vilardebó (2010), “os portais na Internet (...)

cumprem uma dupla função. Por um lado, sensibilizam sobre a importância da educação fiscal

(...). Em segundo lugar, os portais constituem ferramentas de apoio para os docentes”.

Além do multicitado projeto de lei, outros mecanismos demonstram a importância

do acesso à informação para a efetivação da cidadania fiscal. Dentre as principais inovações

legislativas sobre o tema, destacam-se as leis de Responsabilidade Fiscal e de Acesso à

Informação.

A lei de Responsabilidade Fiscal3, além de estabelecer as diretrizes e regras de

finanças públicas a serem seguidas por todos os entes federativos, consagrou o princípio da

3 Lei Complementar nº 101/00

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transparência como pressuposto da gestão fiscal responsável. A transparência “consiste no

dever, a ser observado pela Administração Pública, de divulgar e prestar de contas de forma

clara, objetiva e atualizada, a fim de que o cidadão possa se apropriar das informações,

discutir e exigir o que entender de direito” (SALES, 2012, p. 06).

Posteriormente, em mais uma tentativa de implementar uma gestão fiscal

transparente, foi promulgada a lei nº 12.527/11, com o escopo de regulamentar o acesso à

informação e a transparência na atividade administrativa. Segundo Sales (2012, p. 06):

A partir da obrigatoriedade de divulgação dos dados públicos em meios eletrônicos, os 26 (vinte e seis) estados da federação e o Distrito Federal criaram sites para a disponibilização de todas as informações referentes à atividade financeira dos respectivos entes. São os chamados Portais da Transparência.

Essas normas, através da imposição de divulgação na Internet dos dados

referentes às receitas e gastos públicos, permitem e estimulam o exercício do controle social

por parte da sociedade, criando, assim, uma cultura de cidadania fiscal, não se limitando a

participação popular no Estado democrático às tradicionais formas previstas

constitucionalmente nem ao exercício do voto.

Outro aspecto importante no que concerne à promoção da cidadania fiscal, e que

vem sendo facilitado pela facilidade de acesso à informação, é a realização de programas

pelas Administrações Fazendárias, os quais visam à estimulação da educação fiscal.

No Brasil, um dos principais programas de promoção da cidadania e da educação

fiscal é o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), o qual vem sendo implementado

pela Administração Fazendária brasileira desde o início desta década.

Na América Latina de forma geral, e em especial em países como Argentina,

Uruguai e Peru, as Administrações Tributárias vêm tentando promover, como afirmam

Rívillas e Vilardebó (2010), medidas que promovam uma maior consciência cívico-tributária,

reservando recursos humanos e materiais para essas atividades. São exemplos de programas

de sucesso os espaços criados para crianças em museus argentinos e uruguaios.

Deve-se destacar ainda o apoio de diversos organismos internacionais, como o

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo das Nações Unidas para a

Infância (Unicef), aos programas latino-americanos de educação fiscal, o que, juntamente

com a cooperação e o intercâmbio de informações entre os próprios países participantes,

promoveu o fortalecimento da cidadania fiscal na América Latina.

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Nota-se, pois, que a Administração Fazendária já está caminhando, através de

seus projetos, para o desenvolvimento da cidadania fiscal, mas ainda há muito a se

desenvolver para que esta alcance uma maior parte da população e realmente se efetive.

3.2 Cidadania Fiscal e Tributação Indireta: Breves comentários à Lei 12.471/12

No contexto do conhecimento acerca dos tributos, o qual é de suma relevância

para a concretização da cidadania fiscal, devemos salientar a problemática dos denominados

tributos indiretos, os quais, em regra, representam, segundo a maior parte da doutrina, um

repasse econômico aos consumidores, sem, no entanto, haver, pela maior parte da população,

o conhecimento do montante de tributo que incide sobre determinado consumo de bem ou

serviço. Destarte, esses tributos indiretos desde os primórdios são exemplos claros da

ausência de conhecimento dos cidadãos acerca da exata tributação que sofrem.

A “preferência” pela tributação sobre o consumo justificava-se não somente pela

evolução do comércio, mas também por seu aspecto indireto, tendo em vista que ensejavam

menos revolta por parte dos contribuintes, uma vez que aqueles que compravam as

mercadorias muitas vezes não notavam que os pagavam, por estarem embutidos no seu

próprio preço.

Esses tributos incidem indiretamente sobre a riqueza externada pelos cidadãos-

contribuintes ao utilizarem-na. Ademais, o fato de ser uma cobrança que se dá de maneira

quase velada torna a tributação sobre a circulação de mercadorias menos danosa para a figura

do Estado Fiscal.

Saliente-se que, na classificação tradicional, entende-se que tributo indireto seria

aquele devido pelo contribuinte de direito, mas suportado pelo contribuinte de fato, sendo o

contribuinte de iure o sujeito passivo da relação jurídica tributária, o qual, contudo, repassa o

ônus ao contribuinte de facto, muitas vezes através do aumento do preço do produto. Nesse

contexto, torna-se cristalino que se incluiriam nessa classificação os tributos sobre o consumo,

haja vista que incidem sobre operação cuja base de cálculo consiste no próprio valor da

operação, como é o caso do ICMS, verbi gratia. (MACHADO SEGUNDO, 2011).

Em outro giro, denominar-se-iam diretos aqueles tributos em que não houvesse a

referida “repercussão” para figura alienígena à relação tributária, havendo assim a confusão

do contribuinte de direito com o de fato.

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Haja vista essa forma de tributação praticamente velada, a Constituição Federal de

1988 dispôs no § 5º do art. 150, o qual traz que “a lei determinará medidas para que os

consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e

serviços”, a previsão de criação de lei cujo papel seria o de determinar medidas para o

esclarecimento dos consumidores acerca dos impostos incidentes sobre o consumo de

mercadoria e serviços. O retrocitado artigo, no entanto, até o ano de 2012 não havia sido

regulamentado.

A Lei 12.741/12, surgida a partir do Projeto de Lei 1.472/07, visa justamente à

regulamentação do supracitado artigo constitucional, obrigando a discriminação dos impostos

incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços, proporcionando, logo, o

esclarecimento da população e, consequentemente, incentivando o exercício da cidadania

fiscal. A referida lei determina que, na nota fiscal, em documento equivalente, ou ainda por

outros meios, como painéis afixados no estabelecimento, deverá constar o valor aproximado

dos tributos federais, estaduais e municipais incidentes.

A importância da temática do acesso à informação como forma de efetivar direitos

e deveres do contribuinte é ainda mais sobressaltada com a aprovação da supracitada lei, uma

vez que esta garantirá maior transparência no que concerne ao pagamento de impostos sobre o

consumo, haja vista a obrigatoriedade de discriminação da porcentagem de carga tributária

que compõe o preço do produto ou serviço.

Essa inovação legislativa permitirá um maior conhecimento por parte da

população acerca do pagamento de tributos e, com certeza, terá reflexos sociais e jurídicos

que precisarão ser estudados. Por esse motivo, faz-se necessária a análise desta vindoura lei e

de outras políticas públicas, para garantir sua efetividade.

Espera-se que a discriminação dos impostos presentes no preço do produto ou da

prestação de serviços enseje uma maior consciência da população acerca da pesada carga

tributária nacional, gerando assim não só o conhecimento da parcela de tributos que compõem

os produtos, mas até mesmo uma maior participação política quanto à necessidade de reforma

do sistema tributário brasileiro.

Aspecto importante da lei que já vem gerando discussões antes mesmo de sua

entrada em vigor, a qual só se dará em junho de 2013, refere-se ao rol de tributos que serão

discriminados.

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Consoante o art. 1º, §5º da Lei 12.741/12, devem ser demonstradas as quantias

relativas ao pagamento de ICMS, ISS, IPI, IOF, Imposto de Importação, PIS/Pasep e

Cofins/Importação, nesses três últimos casos quando se tratar de produtos cujos insumos ou

componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representem percentual

superior a 20% (vinte por cento) do preço da venda, assim como a Cide, incidente sobre a

importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e

álcool etílico combustível.

Devem ser divulgados ainda os valores das contribuições previdenciárias de

empregados e empregadores, sempre que o pagamento do pessoal constituir item de custo

direto do serviço ou produto.

Essa determinação se dá mesmo tendo a redação do art. 150 da Constituição

Federal se restringindo aos impostos. Contudo, deve-se ter em mente que todos os tributos

elencados no supracitado artigo são de extrema importância para a composição do preço do

produto ou serviço, podendo restar inócua a disposição constitucional se a lei ordinária se

referisse apenas aos impostos, e não aos tributos de forma geral.

A lei também dispõe que é direito básico do consumidor o acesso a essa

informação acerca dos tributos que compõem o preço do produto ou serviço, consoante

disposto no inciso III do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor. O descumprimento das

obrigações dispostas na multicitada lei sujeitará o infrator às sanções administrativas previstas

no art. 56 da Lei 8.078/90.

4 CONCLUSÃO

Diversos instrumentos podem ser utilizados para o estímulo à cidadania fiscal,

dentre eles o crescente acesso à informação proporcionado pelos meios tecnológicos cada vez

mais presentes na sociedade globalizada e informatizada.

A maior facilidade de acesso às informações, ocasionada pela revolução

tecnológica, já tem produzido, dentre diversos efeitos, uma evolução no pensamento da

sociedade, a qual começa a questionar itens não antes pensados. Dentre esses

questionamentos, torna-se cada vez mais comum a indagação sobre a necessidade de pagar

tributos, o que é ainda mais aflorado em países como o Brasil, em que a carga tributária

parece ser demasiadamente pesada para a precariedade do serviço público.

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Consoante já salientado, a resistência ao pagamento de tributos sempre existiu nas

sociedades. Contudo, o avanço tecnológico e o maior acesso à informação vêm aumentando

indignações nos cidadãos, como o questionamento da necessidade de pagamento de tributos.

O acesso à informação, portanto, é instrumento capaz de desenvolver a cidadania

fiscal, não somente ensejando o controle por parte da população da arrecadação tributária,

mas também promovendo a educação fiscal, no sentido de ensinar, através da fundamentação

dos tributos, a imprescindibilidade dessas receitas derivadas para a máquina estatal.

As informações acerca da cobrança de tributos no Brasil são tão incipientes que

muitos contribuintes só notam a atividade do Fisco quando da cobrança de certos impostos

mais visíveis, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Propriedade Veicular, por

exemplo.

Os impostos sobre o consumo de mercadorias e serviços, por serem tributos

indiretos e estarem incluídos no preço total pago pelo consumidor, muitas vezes passam

despercebidos pela maior parte dos cidadãos, os quais ou não sabem da existência desses ou,

ainda que tenham conhecimento da incidência, não têm conhecimento ao certo da

porcentagem do preço que é relativa à tributação.

Tendo em vista essa forma de tributação praticamente velada, a Constituição

Federal de 1988 previu no § 5º do art. 150, a previsão de criação de lei cujo papel seria o de

determinar medidas para o esclarecimento dos consumidores acerca dos impostos incidentes

sobre o consumo de mercadoria e serviços, o que se deu com a publicação da Lei 12.741/12.

Ademais, outros inúmeros avanços no sentido de promover uma educação fiscal já

podem ser visualizados, dentre eles as políticas de educação fiscal promovidas por órgãos da

Administração Fazendária, como o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF),

mecanismos como o Orçamento Participativo e inovações legislativas, como a Lei de

Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação.

Em suma, a educação fiscal que revele os fundamentos da tributação, nesse

momento, é de suma importância. O pagamento de tributos é um dever dos cidadãos, uma vez

que o Estado necessita de recursos para funcionar. O que se deve ter em mente é a

necessidade de participação do povo no controle das receitas tributárias, analisando o efetivo

destino dos impostos pagos, bem como fornecendo subsídios para que os cidadãos entendam a

importância dos tributos para o custeio dos serviços estatais em prol da sociedade.

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* Acadêmico de direito no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. E-mail:

<[email protected]>.

** Doutora em “Derecho Tributario Europeo” pela Universidad de Castilla-La Mancha

(Espanha) e pela Università di Bologna (Itália). Professora do UNIPÊ. E-mail:

<[email protected]>.

CIDADANIA FISCAL E DESENVOLVIMENTO: A ERRADICAÇÃO DA POBREZA

COMO OBJETIVO DA REPÚBLICA

FISCAL CITIZENSHIP AND DEVELOPMENT: THE ERADICATION OF POVERTY AS

OBJECTIVE OF THE REPUBLIC

Rodrigo Lucas Carneiro Santos *

Ana Paula Basso **

RESUMO

O estudo do direito constitucional tributário e dos aspectos ligados à cidadania fiscal e ao

desenvolvimento, tem uma importância primordial no atual Estado Democrático de Direito,

inclusive porque a Constituição brasileira de 1988, ao consagrar o princípio da dignidade da

pessoa humana e a cidadania como fundamentos da República, fez com que ambos

permeassem todo o ordenamento jurídico, e aí também a disciplina dos tributos. A unidade da

Lei Fundamental leva o intérprete a observá-la de maneira holística, e, assim sendo, o que se

propõe é verificar as conexões entre o objetivo do Estado de erradicar a pobreza e a miséria e

os possíveis contributos da cidadania fiscal nesse processo.

PALAVRAS-CHAVE: Cidadania; Desenvolvimento; Erradicação da pobreza; Objetivo da

República.

ABSTRACT

The study of the constitutional tax law, and the aspects connected of tax citizenship and to the

development, has a paramount importance in the current Democratic State of Right, also

because the brazilian Constitution of 1988, to enshrine the principle of human dignity and the

citizenship as fundamentals of the Republic, meant that both permeate the entire legal system,

and then also the tax discipline. The unity of the Fundamental Law leads the interpreter to

look at it holistically, and therefore, what is proposed is to check the connections between the

objective of the State of eradicate the poverty and the misery and possible contributions of

fiscal citizenship in the process.

KEYWORDS: Citizenship; Development; Eradication of poverty; Objective of the Republic.

Introdução

Garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza são dois dos objetivos da

República brasileira, assim dispostos no artigo 3º, incisos II e III, da Constituição Federal de

1988. Já a cidadania é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o que está

posto logo no artigo 1º, inciso II, da mesma Lei Fundamental.

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Dessa maneira, a cidadania fiscal é uma das formas pela qual o sistema tributário se

legitima e se conecta com outros preceitos constitucionais. As pessoas, ao viverem sob a

tutela do Estado, também participam e são peças essenciais na construção da efetividade do

ordenamento jurídico. Ser cidadão é mais do que possuir e exercer direitos fundamentais, é

também ter deveres para com a comunidade, dentre os quais o de contribuir através do

pagamento de tributos, de modo a que os objetivos comunitários dispostos no texto

constitucional possam ser concretizados.

O desenvolvimento econômico e a justiça social passam necessariamente por uma

sociedade de cooperação, respeito à dignidade da pessoa humana, à liberdade de decisão de

cada um e, nomeadamente, a uma igualdade de oportunidades. Falar de erradicação da

pobreza, de diminuição das desigualdades, da promoção do bem de todos é falar da relação

entre pessoas e normas jurídicas, é discorrer sobre os tributos e a sua relação com a cidadania.

Logo, estudar o assunto traz diversos problemas a serem respondidos por aqueles que

se debruçam sobre o tema, tais como: o que significaria uma cidadania fiscal? Quais os liames

entre o exercício da cidadania fiscal e a promoção do desenvolvimento, máxime, da

erradicação da pobreza? Como o dever fundamental de pagar impostos, dentro do quadro

constitucional do direito tributário, auxilia na solidificação de um Estado constitucional

inclusivo e verdadeiramente democrático?

Assim, a escolha do objeto deste trabalho – Cidadania fiscal e desenvolvimento –,

justifica-se porquanto se tem a oportunidade de lembrar que cidadania é também dever, que as

pessoas tem obrigações para com as outras, que a força normativa da Constituição não será

real sem que antes os indivíduos tenham consciência de suas responsabilidades sociais.

Prestigiando o que foi dito, este artigo busca trabalhar o direito constitucional e o direito

tributário sob uma conotação jusfilosófica e dogmática, todavia, sem perder de vista o quadro

da vida prática, a realidade social brasileira.

Dentro desse panorama, o objetivo geral desse texto é relacionar direitos e deveres

fundamentais com a tributação, averiguar o quanto a cidadania e a contribuição aos cofres

públicos auxiliam o Estado a ter recursos para implantar as políticas sociais necessárias à

erradicação da pobreza e ao desenvolvimento. Especificamente, será observar um Estado

constitucional inclusivo por meio do exercício da responsabilidade cidadã no pagamento dos

impostos.

Metodologicamente, visando um melhor desenvolvimento da matéria, optou-se por

topificar o texto da seguinte maneira: (i) Cidadania como fundamento da República; (ii)

Dever fundamental de pagar impostos dentro de um quadro constitucional; (iii) Conexões

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entre cidadania e justiça fiscal na erradicação da pobreza. Não obstante essa tríplice divisão,

cada um dos itens terá sua própria subdivisão, quando esta se fizer necessária para uma

melhor compreensão.

1 Cidadania como fundamento da República

A Constituição brasileira de 1988 logo em seu preâmbulo discorre sobre a instituição

de um Estado Democrático que se fundará nos valores supremos de uma sociedade fraterna, o

que já indica previamente que o texto que virá estará baseado em uma comunidade solidária,

que trabalhará em conjunto com o governo na promoção dos objetivos do Estado.

Neste tocante, os professores portugueses Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007)

ensinam que apesar do texto preambular não ter valor jurídico é preciso sempre ter atenção

com o mesmo, visto que os valores ali expressos se encontram presentes ao longo de todo o

texto constitucional, notadamente na parte dos princípios fundamentais, e essa mesma difusão

de valores acontece também na Lei Fundamental do Brasil de 1988. A esse entendimento é

preciso acrescentar que por influenciar a construção das demais normas, o preâmbulo da

Constituição é como que uma declaração política introdutória, mas que também tem o poder

de mostrar ao leitor o contexto histórico na qual aquela foi escrita.

Então, logo no Título 1 – “Dos princípios fundamentais” –, artigo 1º, inciso II, da

Constituição, está consagrado a cidadania como fundamento do Estado Democrático de

Direito. Percebe-se, desde logo, que a cidadania envolve um complexo de direitos e deveres, e

que, por sua vez, passa a ter uma forte componente na solidariedade social, e é assim porque

ser cidadão na modernidade significa ser “convidado” a ter uma participação de protagonismo

na vida da comunidade em que habita.

Casalta Nabais (2005, p. 100 e 101) considera que a “dimensão solidária da

cidadania implica o empenhamento simultaneamente estadual e social de permanente inclusão

de todos os membros na respectiva comunidade”, e completa dizendo que:

Por um lado, a cidadania não é abandonada à sociedade civil, nem é remetida

exclusivamente para a estadualidade social. O que implica, quanto ao primeiro

aspecto, que a solidariedade não pode ser vista como um sucedâneo, uma

compensação, para o desmantelamento do estado social que, segundo um certo

discurso e sobretudo uma certa práxis actual, seria exigida pelo mercado, o que há

que rejeitar in limine. Por outras palavras, a solidariedade não pode servir de

argumento, ou melhor, de pretexto, no sentido de que a sua função transitou, por

exigências do mercado, para a sociedade civil. Enfim, a solidariedade assim

entendida, mais não seria do que um óptimo instrumento de liquidação do estado

(moderno) às mãos do mercado. Por isso, a solidariedade há-de assumir uma função

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claramente complementar, uma ideia que tem uma expressão muito clara no n.º 5 do

art.6.º da Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado, ao prescrever

que o voluntariado obedece ao princípio da complementaridade.

Atente-se então que ter cidadania, nas palavras do professor catedrático de Lisboa,

Jorge Miranda (2010, p. 102), é possuir as qualidades de “membros do Estado, da Civitas, os

destinatários da ordem jurídica estatal, os sujeitos e os súbditos do poder”. De tal modo, é

preciso que os cidadãos participem ativamente da vida política e jurídica do Estado

democrático, seja exercendo seus direitos ou cumprindo suas obrigações. O status conferido

pelo ser cidadão é um direito fundamental da pessoa humana, ao passo em que exige dos

mesmos que defendam a pátria, que paguem seus impostos e que votem. Isso fortalece a

democracia. Nessa mesma linha de raciocínio Reinhold Zippelius (1971, p. 53) afirma que

“aos direitos especiais do cidadão correspondem obrigações especiais (status passivus), a base

dos quais continua a consistir na pertença ao Estado. Um exemplo destas obrigações é a do

serviço militar”.

Todavia, no Brasil apesar da busca pelo fortalecimento do constitucionalismo, existe

no seio social um egoísmo de grupos isolados que tentam impor seus interesses pessoais e

particulares sobre os interesses dos demais, desconsiderando a busca pelo pluralismo, pelo

bem-estar social e por uma “diversidade de cores” políticas. Tais indivíduos buscam se evadir

do cumprimento de seus deveres fundamentais, especialmente por meio da corrupção,

manobras políticas e evasão/sonegação fiscal.

É possível então acolher a já vetusta observação de Oswaldo Aranha Bandeira de

Mello (1948), que já nos idos de 1934 afirmava que a mentalidade latino americana é de se

contentar com belas palavras (é exatamente o que mais há no atual texto constitucional de

1988), de maneira que tanto os cidadãos comuns quanto os políticos que os representam

perdem de vista a realidade da vida. Há, no passado e no presente, uma total desconsideração

para com os deveres cívicos ou os deveres decorrentes da cidadania. Dessa maneira, é

possível acolher a doutrina de Ferdinand Lassalle (1988, p. 64), para quem “de nada servirá o

que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder”.

Muitas vezes nem ao menos as pessoas conhecem adequadamente os direitos e os

deveres, bem como seus fundamentos de legitimidade. Assim, tal qual a muito preconizado

por Bandeira de Mello (1948), também para tratar de cidadania fiscal e do seu consequente

dever fundamental de pagar impostos como temáticas relevantes de Direito Constitucional

Tributário, é preciso buscar as fontes de sua legitimidade nos primeiros princípios e com

solidez nos alicerces. Com efeito, continua Bandeira de Mello (1948, p. 64) dizendo que “a

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concepção individualista está agonizante e vai sendo substituída pela concepção solidarista da

sociedade”. E esta solidariedade nacional advém, segundo opinativo de Reinhold Zippelius

(1971) de um sentimento de pertinência comum a uma mesma comunidade, e esta noção, que

está ligada ao conceito de povo, requer uma combinação de diversos componentes, tais como

a procedência comum e a comunhão de cultura pela identidade de idioma e destino político.

Cidadania e solidariedade, então, podem caminhar juntas, visto que o sentimento de

pertença a uma mesma comunidade política e a participação ativa nos rumos do Estado são

sentimentos constitucionais extremamente conectados, isso porque não é possível, segundo os

ensinamentos de Santos Justo (2001, p. 13) ao discorrer sobre as lições do filósofo grego

Aristóteles, ignorar “que o homem é um ser cuja natureza é essencialmente social”, e na

medida em que este “precisa se comunicar, de trocar experiências, de produzir bens para si e

para os outros, de utilizar o produto do trabalho alheio, porque é absolutamente impossível

criar sozinho tudo o que necessita para viver”, não se concebe um homem apolítico, e,

decorrência disso, ainda na expressão de Santos Justo, “o homem que viva absolutamente

isolado, sem uma comunidade social mais ou menos extensa (a família, a tribo, a cidade, o

Estado), não é homem, é um nada”.

Dessa forma, o viver em comunidade exige o cumprimento de determinados deveres

de todos e de cada uma das pessoas, o que reflete a concepção republicana da res publica

(bem comum), a qual os cidadãos devem se empenhar na concretização.

A cidadania é um componente essencial da estrutura da ordem jurídica pátria, o que

significa que tem um conteúdo específico que é independente de outros princípios, tal como a

dignidade da pessoa humana, mas, por outro lado, também está baseada na pessoa humana e

tem numerosas ramificações e ligações com toda a Constituição, e isso em decorrência do

princípio da unidade do texto da Lei Fundamental, que segundo Konrad Hesse (1998),

configura-se como uma conexão e interdependência entre os preceitos individualmente

considerados na Constituição, de modo que é preciso olhar para o texto como um todo

unitário, e não de maneira segregada.

Após esses breves considerandos sobre a cidadania como fundamento da República e

verdadeiro princípio constitucional estruturante do ordenamento jurídico, convém tecer

algumas ponderações acerca do dever fundamental de pagar impostos dentro do quadro

constitucional brasileiro, de maneira a poder criar juridicamente os meios para tonar possível

a erradicação da pobreza como objetivo da República.

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2 Dever fundamental de pagar impostos e cidadania

A história constitucional das últimas décadas, especialmente na América Latina, é

marcada pela forte ênfase nos direitos fundamentais e seus desenvolvimentos normativos, o

que tem por motivo o fato de que os países dessa região enfrentaram diversas dificuldades

político-institucionais com violentos regimes militares, em que era marcante a obediência e os

deveres de todos, e, por outro lado, minguavam os direitos que eram realmente protegidos e

respeitados pelo Estado. No Brasil também foi assim, de maneira que na Constituição Federal

de 1988, denominada de “cidadã”, é marcante a presença de largo elenco de direitos

fundamentais, aos quais são dedicadas uma profusão de obras doutrinárias. No entanto, restou

relativamente esquecida a disciplina dos deveres, e entre eles, a do dever fundamental de

pagar impostos ancorado na cidadania como fundamento da República.

Sobre eles, Gomes Canotilho (2003, p. 531) ensina que na filosofia republicana os

deveres fundamentais eram valorizados e considerados como de igual patamar com os direitos

fundamentais, isso porque “a República era o reino da virtude no sentido romano, que só pode

funcionar se os cidadãos cumprirem um certo número de deveres: servir a pátria, votar, ser

solidário, aprender”. De tal modo, a cidadania republicana, igualmente à que a Constituição

brasileira de 1988 consagrou, “implicaria que um indivíduo teria não apenas direitos mas

também deveres”.

Destarte, os deveres fundamentais estão presentes no quadro constitucional

brasileiro, porque, consoante preconiza Francisco Rubio Llorente (2001), todas as obrigações

que as pessoas têm (especialmente pagar impostos) emanam de dispositivos constitucionais e

deles decorrem eficácia jurídica imediata, não podendo ser desrespeitados tal como qualquer

outra norma de mesma hierarquia. Observe, entretanto, que é imprescindível a

regulamentação infraconstitucional dos deveres para que estes se tornem passíveis de serem

cobrados dos cidadãos, o que não lhes retira uma eficácia mínima de caráter negativo, ou seja,

não pode o cidadão tomar atitudes que venham a transgredir o espírito da norma.

Confirmando esta ideia, nos ensinamentos de Gomes Canotilho (2003, p. 535) é

possível se ler que “a generalidade dos deveres fundamentais pressupõe uma interpositio

legislativa necessária para a criação de esquemas organizatórios, procedimentais e processuais

definidores e reguladores do cumprimento de deveres”. Dessa maneira, as normas

constitucionais que versem sobre deveres fundamentais não são autorrealizáveis, precisando

que o poder legislativo as regulamente infraconstitucionalmente. O professor Canotilho ainda

aponta que a ideia de solidariedade e fraternidade estão presentes na ligação entre cidadania e

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deveres fundamentais, porém o faz apenas no sentido de deveres fundamentais que existem

entre os cidadãos, no que tange, especialmente, ao respeito ao direito de outrem, que, explica

Canotilho (2003, p. 536), até parece “transportar uma tendencial ideia de aplicabilidade

imediata”.

Não obstante, é preciso acrescentar que a cidadania solidária e o dever fundamental

de pagar impostos têm fortes pontos de contato, isso porque na medida em que o cidadão-

contribuinte paga seus impostos ele está “comprando” uma sociedade organizada e auxiliando

a missão estatal pelo bem-comum de toda a comunidade. Nota-se então a forte presença da

cidadania no estudo dos deveres fundamentais, e isso é muito presente na obra do professor

Casalta Nabais (1998), que, ao tratar do tema em sua tese de doutoramento, afirma que os

deveres fundamentais tem uma categoria jurídica própria dentro das ciências jurídicas, que é

exatamente ao lado dos direitos fundamentais e concorre para realização dos objetivos do

Estado para o bem-comum da sociedade. Dessa forma, entende o autor que mesmo não sendo

possível traçar um conceito rígido e completo sobre deveres fundamentais, é possível fazê-lo

de maneira relativa ou tipológica. Assim, Casalta Nabais (1998, p. 64) define os deveres

fundamentais como “deveres jurídicos do homem e do cidadão que, por determinarem a

posição fundamental do indivíduo, têm especial significado para a comunidade e podem por

esta ser exigidos”, o que indica que se apresentam como “posições jurídicas passivas,

autónomas, subjectivas, individuais, universais e permanentes e essenciais”.

O constitucionalista Jorge Miranda (2000) aborda o assunto em seu Manual de

Direito Constitucional quando ensina que o fato de existirem deveres fundamentais dispostos

no texto constitucional é mais um indicativo da separação de poderes entre o Estado e a

sociedade, e prova da relação direta existente entre cada um dos cidadãos e o governo. Divide

ainda os deveres em duas categorias, que são aqueles de natureza política (dever fundamental

de pagar impostos, de votar e proteção militar da pátria) e os que estão interligados com a

vida econômica, social e cultural, ou seja, que estão diretamente envolvidos na consecução

dos objetivos constitucionais, máxime na realização dos direitos fundamentais (por exemplo,

dever de escolaridade básica e o dever de defesa do ambiente).

A despeito da importância dos escritos de Jorge Miranda, o dever fundamental de

pagar impostos, apesar de se configurar como um dever de natureza política e com total

autonomia em relação aos direitos fundamentais, também é, no sentido que dá Gomes

Canotilho (2003), um dever correlativo a um direito, ou seja, um dever conexo com direito, e,

portanto, não autônomo. E é assim porquanto o dever fundamental de pagar impostos existe

para um fim, que é prover o Estado dos meios financeiros necessários à realização dos

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objetivos da República. Acrescente-se ainda, tomando por base as lições de Castanheira

Neves (2003, p. 56), que não é possível sustentar a legitimidade do dever de pagar impostos

apenas fazendo referência à sua positivação autônoma no texto constitucional, sem perceber

que o que existe verdadeiramente é “uma espiral normativo-constitutivamente dialéctica”.

Observe que Varela Gonçalves (2012, p. 388), em recente artigo acerca do dever

fundamental de proteção ambiental, afirmou que uma abordagem com pretensões de definir

dever fundamental conduziria a “um exercício de correlação com os direitos fundamentais”, e

dá como exemplo o fato de que “se um indivíduo possui o direito fundamental de gozar de um

ecossistema equilibrado, é induvidoso que os demais indivíduos são corresponsáveis ou

codevedores pela não degradação do meio ambiente”, concluindo o autor que “a existência de

um direito fundamental traz consigo um dever fundamental”. Apesar do exposto se basear na

ideia de dever correlato a direito, é preciso alertar, com Gomes Canotilho (2003) que os

deveres fundamentais não são a “outra face da moeda” dos direitos fundamentais, ou seja, a

concepção de que para cada direito fundamental existe um respectivo dever fundamental ou

vice versa, de que um pressuporia o outro, é uma quimera que deve ser abandonada, isso

porque ambos são independentes pelo princípio da assimetria entre direitos e deveres, no que,

segundo Canotilho (2003, p. 533) é “uma condição necessária de um ‘estado de liberdade’”.

Então seria o caso de perguntar, tal como Casalta Nabais (2005, p. 15) qual é o

fundamento dos deveres fundamentais? Onde reside sua legitimidade? Respondendo o

supracitado autor que há duas razões que precisam ser consideradas ao mesmo tempo, sendo

uma de ordem lógica e outra de ordem jurídica. A primeira, ou seja, o fundamento lógico,

consubstanciar-se-ia no fato de que “os deveres fundamentais são expressão da soberania

fundada na dignidade da pessoa humana”, e a segunda, o fundamento jurídico, “significa que

o estado, e naturalmente a soberania do povo que suporta a sua organização política, tem por

base a dignidade da pessoa humana”. Todavia, há divergências nesse sentido. Peces-Barba

Martínez (1987) entende que ao contrário dos direitos fundamentais, os deveres fundamentais

não têm uma prévia raiz ético-moral, configurando-se como resultado do exercício da

soberania e apenas se ligando à dignidade da pessoa humana por via indireta e através da

eficácia expansiva desta, objetivando assim arrecadar dinheiro para o atingimento dos

objetivos constitucionais.

Ante toda essa discussão, e levando em consideração que a Constituição Federal de

1988 também traz a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da

República, é preciso entender como Ana Paula Basso e Sérgio Cabral dos Reis (2012, p. 31),

que o dever fundamental de pagar impostos tem sua legitimidade na “manutenção de diversos

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direitos fundamentais”, assim como na proteção dos mesmos, e “essa concepção nasce da

visão de que todo o direito tem um custo e isso deve ser considerado quando implementado”.

Por isso que, conforme ensina Emerson Garcia (2008, p. 152 e 153), a ideia do dever

fundamental de pagar impostos está fortemente atrelada à obrigação dos cidadãos

participarem ativamente da democracia, e “de se empenharem, solidariamente, na

transformação das estruturas sociais”.

Os pontos de afinidade entre cidadania e dever fundamental são fortes, gerando para

o direito tributário uma participação indireta no objetivo da República da erradicação da

pobreza no país através da justiça fiscal.

3 Conexões entre cidadania e justiça fiscal na erradicação da pobreza

A temática da justiça no direito tributário é uma das mais importantes que estão

sendo discutidas na atualidade. Entretanto, em quem pode se traduzir uma tal justiça? O

professor Saldanha Sanches (2010) ensinava que justiça fiscal pode ter numerosos sentidos,

dentre eles a distribuição ou partilha dos encargos fiscais entre os cidadãos e as empresas.

Complementa ainda que as medidas necessárias ao crescimento econômico de um Estado (na

forma de despesas públicas) estão intimamente unidas à tributação, vez que, para custear, por

exemplo, programas de redução da pobreza, é necessária a arrecadação de numerário “de

forma imediata ou com adiamento (dívida pública)”.

Klaus Tipke e Joachim Lang (2008), ao mencionar a justiça e a eficiência econômica

em sua obra “Direito Tributário”, lembra que o atual Estado de Direito existe sob o primado

da Justiça, o que torna possível dizer que o tributo precisa também da legitimidade de seus

objetivos para além de respeitar as regras tributárias.

Desenvolve esse raciocínio, ainda que por outros caminhos, o economista Celso

Furtado (1974), quando afirma que o Estado tem uma parcela de responsabilidade na

operação de serviços públicos gratuitos que permitam que a classe trabalhadora possa ter

condições mais dignas. Para que isso seja possível, na esteira do preconizado por Saldanha

Sanches, o professor espanhol Alberto Gil Soriano (2011) aduz que podem ser necessárias

inclusive outras fontes de arrecadação de dinheiro (novos instrumentos tributários) para que

haja um aumento na quantidade disponível para investimentos na promoção dos objetivos da

República.

A proposta quase filosófica de justiça fiscal permeia a Constituição Federal de 1988,

e sendo esta, consoante afirma América Brás Carlos (2010), a primeira fonte de direito

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tributário, é sobre isso que é preciso debater. Todavia, de maneira alguma se trata de uma

ideia nova, visto que já na primeira metade do século XX o professor Catedrático Oswaldo

Aranha Bandeira de Mello (1948) ensinava que as novas Constituições que vinham surgindo

já tinham um viés social, pelo qual o Estado deveria ter uma atuação proativa de

regulamentação da vida social e mobilização dos meios necessários a assegurar os direitos

positivados nas Leis Fundamentais, isso porque declarar como objetivo do Estado a

erradicação da pobreza sem prever os meios de efetivação seria declarar a própria inutilidade

da previsão constitucional.

A respeito disso, o professor Gomes Canotilho (2003, p. 1176 e 1177) discorre sobre

o atual sentido das normas programáticas, ensinando que:

Precisamente por isso, e marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina

clássica, pode e deve falar-se da “morte” das normas constitucionais programáticas.

Existem, é certo, normas-fim, normas-tarefa, normas-programa que “impõem uma

actividade” e “dirigem” materialmente a concretização constitucional. O sentido

destas normas não é, porém, o assinalado pela doutrina tradicional: “simples

programas”, “exortações morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, “aforismos

políticos”, “promessas”, “apelos ao legislador”, “programas futuros”, juridicamente

desprovidos de qualquer vinculatividade. Às “normas programáticas” é reconhecido

hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da

constituição. Não deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou

directiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória

perante quaisquer órgãos do poder político (Crisafulli). Mais do que isso: a eventual

mediação concretizadora, pela instância legiferante, das normas programáticas, não

significa que este tipo de normas careça de positividade jurídica autônoma, isto é,

que a sua normatividade seja apenas gerada pela interpositivo do legislador; é a

positividade das normas-fim e normas-tarefa (normas programáticas) que justifica

a necessidade da intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a

positividade jurídico-constitucional das normas programáticas significa

fundamentalmente: (1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua

realização (imposição constitucional); (2) vinculação positiva de todos os órgãos

concretizadores, devendo estes toma-las em consideração como directivas materiais

permanentes, em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação,

execução, jurisdição); (3) vinculação, na qualidade de limites materiais negativos,

dos poderes públicos, justificando a eventual censura, sob a forma de

inconstitucionalidade, em relação aos actos que as contrariam.

Não quer dizer o professor Gomes Canotilho que as normas programáticas ou

normas-fim deixaram de existir, mas tão somente que há atualmente um novo pensar

constitucional que impõe, até mesmo em razão da influência da cidadania e do princípio da

dignidade da pessoa humana, mais do que a simples eficácia jurídica, uma ação

concretizadora por parte dos órgãos estatais. Nesse sentido é que há um diálogo constitucional

com a fiscalidade com meio de auferir os recursos necessários à consecução dessas normas-

programa.

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Observe-se que a influência da fiscalidade na promoção da tentativa de erradicação

da pobreza compreende o que o professor Américo Brás Carlos (2010) nominou como dever

de uma boa administração ou um dever constitucional de eficiência administrativa, conceitos

que não serão alvo de maiores desdobramentos, visto que estão fora das pretensões deste

trabalho, o qual, por outro lado, pretende analisar a cidadania fiscal, ou seja, o lado do

contribuinte no pagamento dos impostos que vão custear as obras sociais, e ainda em outras

palavras, a busca por um fundamento de legitimidade para o pagamento da elevada carga

tributária no Brasil.

3.1 Pobreza como entrave ao desenvolvimento: ponderações sobre os custos dos direitos

O quadro da pobreza e da miserabilidade no Brasil é um grave problema social que

assola o país e que põe em cheque o desenvolvimento. É preciso que o Estado busque retirar

milhões de pessoas que vivem à margem da sociedade, e que esses, dessa maneira, possam

conseguir ajudar a si próprios e ao crescimento econômico/bem-estar da comunidade em que

habitam, pois uma população satisfeita, com uma boa qualidade de vida (através da realização

dos direitos fundamentais sociais) e detentora de todas as qualidades para o pleno

desenvolvimento da personalidade, é essencial para um crescimento consciente e sustentado.

O enorme número de brasileiro que vive na pobreza ou em condições de

miserabilidade constitui a pintura de um país desigual e com dificuldades coletivas de superar

a sua exclusão de um mundo globalizado e supercompetitivo. A “sorte” não favoreceu muitos

dos brasileiros. As principais cidades estão apinhadas de comunidades carentes e a violência

cresce desarrazoadamente. É que, como diria António Manuel Hespanha (2010), o mundo dos

pobres é, cada dia mais, não o mesmo mundo de esplendor e beleza das mansões e

apartamentos dos bem favorecidos, é um outro mundo, um submundo reprimido.

Continua o professor catedrático Hespanha (2010) expondo que a fragilidade e

impotência econômica dos estratos sociais mais baixos devem refletir em uma ampla gama de

políticas públicas destinadas a responder à pobreza e à violência. Entretanto, para que isso

ocorra é preciso que os tributos financiem a atividade estatal e auxiliem no cumprimento do

objetivo fundamental de República de erradicação da pobreza.

As impiedosas secas no sertão nordestino pioram a situação dessa região do Brasil. O

gado está morrendo pela fome e pela sede, as plantações se perderam pela falta de chuvas, os

reservatórios de água estão vazios, e o prejuízo econômico é da casa de milhões de reais, com

o prejuízo humano de milhares e milhares de vidas de cidadãos brasileiros que vivem sob um

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sol causticante à espera da transposição do rio São Francisco. A falta de obras-públicas para

absorver mão-de-obra agrava ainda mais o panorama de morte a que foi condenada parcela da

população brasileira.

Antônio Barroso Pontes (1970) já dizia nos anos 70, e permanece verdade, que ondas

de imigrantes tentam a sorte nas grandes cidades, o que agrava ainda mais a situação com a

falta de infraestrutura escolar, saúde pública, saneamento básico, e superlota as periferias e

morros. Essa também é a história contada e denunciada por vários outros autores da literatura

nordestina, tais como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Euclides da Cunha e tantos outros.

O povo do nordeste do Brasil foge da terra não em busca de riquezas, mas tentando

sobreviver e salvar as famílias da catástrofe social anunciada. O drama da fome e da falta de

infraestrutura e oportunidades expulsa o homem da terra. Todavia, o brasileiro não espera por

esmola e caridade. O querer do povo foi gravado em tinta e papel pela letra dos constituintes

originários, e se configura na efetivação dos direitos sociais ao trabalho, à saúde, à educação,

enfim, ao acesso aos meios que possam permitir a inserção em uma comunidade

constitucional que diz ser democrática e inclusiva.

A fronteira norte do Brasil, a Amazônia, também suporta uma condição social

delicada, com cidades apinhadas de regiões miseráveis e ainda uma frenética abertura da

floresta por madeireiras (muitas delas ilegais), vastas plantações de cereais e fazendas de

criação de gado nos interiores dos Estados das regiões Norte e Centro-Oeste do país, o que fez

reaparecer o fantasma da escravidão e dos trabalhos forçados.

Considerando esses fatos que Antônio Sampaio Dória (1964) questiona em sua obra:

o que falar da terra de contrastes que é o Brasil? Como resolver a situação das regiões

assoladas pelas secas, inundadas por enchentes avassaladoras ou mortificadas por gravosas

epidemias? Os tributos certamente são instrumentos úteis ao desenvolvimento, restando

descobrir a forma como a política fiscal e a cidadania vão se desenhar frente à “inexorável

realidade dos fatos”.

O professor Jorge Reis Novais (2010), por sua vez, afirma que na construção de um

Estado Democrático de Direito, especialmente nos países com graves desequilíbrios sociais,

será vital a consideração dos direitos sociais, que passam agora a ser vistos como um

programa necessário para a edificação de uma sociedade mais justa, consoante preconizado no

artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, quando coloca a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República do Brasil, e que está ao lado

de outros objetivos: II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV - promover o bem de

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todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.

Ainda nesse sentido, Fabiana Spengler (2008) aduz que um projeto de

desenvolvimento humano como o que consta na Lei Fundamental de 1988, repercute em

todos os âmbitos da vida do Estado. Dessa maneira, é possível dizer que o projeto nacional

disposto no artigo 3º da Constituição tem conexões profundas com a disciplina fiscal, visto

que são os tributos que vão financiar as metas constitucionais e possibilitar que as mesmas

virem realidade. É o caminhar para o que o professor Bruno Galindo (2006) nominou como a

socialização da riqueza com a diminuição do abismo econômico entre ricos e pobres.

Gomes Canotilho (2006), no entanto, adverte que a construção de um Estado Social

não significa a transformação do Estado em uma massa pesada, ineficiente e cara, por estar

financiando serviços e administrações em demasia. Por outro lado, a tributação deve se

pautar, nas palavras de Canotilho (2006, p. 143) em “um Estado ‘reduzido’ e ‘elegante’”.

A ligação entre a cidadania fiscal e erradicação da pobreza está balizada pelo

princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, tanto que nas anotações de Gomes

Canotilho e Vital Moreira (2007) à atual Constituição da República portuguesa, eles

explicitam que o desenvolvimento das pessoas enquanto seres humanos é o fim a que se

propõe a Lei Maior, é uma dignidade que é alicerce e fonte de legitimação para o Estado, que

é ponto de equilíbrio nas relações governo-cidadãos, cidadãos-cidadãos, e cidadãos-

comunidade. Casalta Nabais (2005, p. 15) complementa esse entendimento ao afirmar que “os

deveres fundamentais são expressão da soberania fundada na dignidade da pessoa humana”.

Escreve Humberto Ávila (2010, p. 64 e 65) que todas as normas constitucionais (podendo-se

incluir as normas tributárias específicas) se relacionam de alguma maneira com a dignidade

da pessoa humana, que é, segundo ele, “uma espécie de fundamento material do sistema

constitucional todo”.

Tirar pessoas da linha da pobreza é mais do que lhe conferir o status de seres

humanos dignos, é lhes dar a oportunidade de colaborar para o desenvolvimento do país com

a canalização da criatividade e do engenho dos mesmos. Nos dizeres de Thomas L. Friedman

(2010) é proporcionar as ferramentas para que se conectem e colaborem em mundo

globalizado e supercompetitivo, é abrir a chance de uma explosão de inovações em todas as

áreas das ciências, desde a tecnologia até a arte e a literatura.

O governo do Brasil está tentando tomar medidas que auxiliem na promoção desse

objetivo, que é também o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações

Unidas, qual seja, a erradicação da extrema pobreza e da fome. Numerosas ações e recursos

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financeiros têm sido mobilizados para esse fim, e alguns programas se destacam: Programa

Bolsa Família – PBF; Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE; Distribuição de

cestas básicas para grupos populacionais específicos; Programa de Alimentação do

Trabalhador – PAT; Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN; Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF; entre outros.

Todavia, para que tudo isso se torne verdade é imperioso que exista recursos

monetários, que por sua vez só podem aparecer na quantidade adequada através da

arrecadação tributária. É assim que o dever fundamental de contribuir para os cofres públicos

(ideia já desenvolvida nesse texto) se vincula com a cidadania, cabendo a cada um dos

cidadãos, segundo sua capacidade contributiva, pagar a sua parcela dos encargos da

comunidade nacional.

A partir do imperativo de que todos os direitos tem um custo para sua efetivação, e

com a grande quantidade de direitos fundamentais consagrados na Lei Fundamental de 1988,

há uma óbvia necessidade de verificar de que maneira a escassez de recursos pode gerar uma

crise nos países ocidentais, visto que muitos países asiáticos, como a China, não respeitam os

direitos humanos na promoção do crescimento econômico. Para que o Estado possa

concretizar os direitos haverá de existir uma primeira distribuição de recursos, o que não

significa um assistencialismo eleitoreiro, porém um projeto com metas claras e verificáveis

pelo cidadão comum.

O compromisso de erradicação da pobreza foi positivado no ordenamento jurídico na

forma de norma constitucional, tendo, portanto, eficácia jurídica e pedindo concretização.

Com a falta de um mínimo existencial, milhares de famílias brasileiras veem afetados seus

direitos de liberdade, como a vida e o livre desenvolvimento da personalidade. Nesse passo, o

italiano Luigi Ferrajoli (2011) afirma que efetivar direitos sociais tem um custo público

elevado, mas que não efetivá-los (e, consequentemente, deixar milhões na pobreza) tem um

custo ainda maior, com milhares de humanos condenados ao submundo da indigência e da

fome, além da geração de ondas migratórias.

Sobre os custos dos direitos, os norte-americanos Stephen Holmes e Cassa Sunstein

(E-book) entendem que não se trata de um tema ligado à moral, visto que os direitos morais e

humanos somente são juridicamente relevantes quando positivados e reconhecidos pela lei.

Entretanto, em um ambiente marcado pela falta extrema de recursos, qualquer teoria sobre o

assunto estaria incompleta sem a componente da justiça distributiva ligada à tributação. Com

efeito, Ana Paula Basso e Rodrigo Lucas (2012) observam que os impostos são os meios de

distribuição dos custos que o Estado tem na busca pela efetivação dos direitos, na “aquisição”

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de uma sociedade organizada, porque as despesas públicas são adimplidas através do dinheiro

proveniente da carga tributária.

Casalta Nabais (2005, p. 21) entende que uma vez que os direitos não são dádivas

divinas, eles necessitam de dinheiro para serem realizados, e, dessa maneira, todos eles têm

um custo público, somente podendo ser protegidos em um Estado no qual exista uma

cooperação social e uma cidadania participativa e responsável. É o que denominou de

“liberdades privadas com custos públicos”.

É preciso, então, escrever algumas linhas sobre a cidadania solidária fiscal dentro de

um contexto de justiça social no Brasil.

4.2 Cidadania solidária fiscal e os caminhos do justo na erradicação da pobreza no Brasil

O desenvolvimento de um país é mais do que o simples crescimento da economia

nacional, é uma evolução de um conjunto de mostradores sociais, tal qual o índice de

desenvolvimento humano, o percentual de pessoas alfabetizadas, o número de pessoas com

nível superior de ensino, a diminuição da quantidade de crimes e a saída do máximo de

pessoas da linha da pobreza. Desenvolver é de uma complexidade que exige investimentos em

muitas áreas, regulação governamental e uma administração eficiente, tudo em conjunto com

uma sociedade que tenha as mínimas condições humanas para poder se inserir no mundo

moderno.

Esses pressupostos faltam aos países denominados como subdesenvolvidos, onde a

pobreza é uma regra nas periferias e um problema humanitário. Nessa perspectiva é

importante lembrar-se do desenvolvimento humano, que vai além do crescimento econômico,

considerando aquele como bem estar e ampliação de horizontes para todas as pessoas. Para

tanto é necessária a implantação de políticas públicas que priorizem seus investimentos em

serviços sociais básicos, como saúde, educação e saneamento. Há necessidade de políticas

governamentais que atribuam possibilidades de desenvolver ao máximo as capacidades das

pessoas e de usá-las. Por essa razão que se destaca o aspecto negativo das concentrações de

rendas e bens públicos no país, em que relevante parcela da sociedade resulta prejudicada por

lhe restarem com poucas alternativas e baixa qualidade de vida.

Diante desse precário equilíbrio na oferta de benefícios de crescimento econômico,

que o tributo ganha relevo no contexto do Estado Democrático de Direito, pois se manifesta

como forma de redistribuição da riqueza, assim como instrumento de garantia dos direitos

sociais à educação, à saúde, ao meio ambiente saudável, entre outros, ademais de permitir

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pelo seu caráter extrafiscal a promoção de exploração de atividades econômicas lícitas para o

desenvolvimento econômico do país, beneficiando a competitividade e a oferta de empregos

no território nacional.

Para que um Estado constitucional consiga implantar uma democracia inclusiva,

todos os cidadãos têm o dever de contribuir para que se atinjam aqueles objetivos que foram

elencados na Lei Fundamental. É por isso que, ao serem tributadas, as pessoas estão em uma

posição passiva frente ao poder do Estado, contudo, pagar impostos é também fazer avançar

uma sociedade civilizada. É seguindo essa linha que o Justice Oliver Wendell Holmes (1927)

proferiu, por ocasião de uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que: “taxes are

what we pay for civilized society”, que pode ser traduzido como: “imposto é o que nós

pagamos por uma sociedade civilizada”.

Confirmando essa ideia, das reflexões do português Casalta Nabais, em sua obra

“Por um Estado Fiscal Suportável” (2005), é possível concluir que a cooperação social e a

responsabilidade individual são meios com os quais se devem observar os direitos, posto que

melhor seria dizer que direitos são como “liberdades privadas com custos públicos”, e

completa Casalta Nabais (2005, p. 26) afirmando que:

O que significa que os actuais impostos são um preço: o preço que todos, enquanto

integrantes de uma dada comunidade organizada em estado (moderno), pagamos por

termos a sociedade que temos. Ou seja, por dispormos de uma sociedade assente na

liberdade, de um lado, e num mínimo de solidariedade, de outro.

Assim, a cidadania fiscal, da qual uma das atribuições é o dever fundamental de

pagar impostos, é o ônus que se tem por existir uma cidadania de liberdade. Cidadania não é,

todavia, apenas deveres para com os outros, mas inclui ainda a pertença à comunidade política

do país e à titularidade de uma série de direitos fundamentais. A cidadania fiscal é o próprio

cumprimento da afirmação dos valores supremos de uma sociedade fraterna que consta no

preâmbulo da Constituição brasileira de 1988. Nas palavras de Ana Paula Basso e Sérgio

Cabral dos Reis (2012, p. 31):

Com a instituição dos impostos, passa-se a buscar compulsoriamente a transferência

de uma parcela da riqueza privada para os cofres públicos. Para tanto, importou

compatibilizar essa ingerência no patrimônio do contribuinte por meio da outorga

constitucional da competência tributária e das limitações constitucionais ao poder de

tributar. Considerando a forma em que se configura a relação jurídico-tributária, o

tributo muitas vezes é posto como um sacrifício ao contribuinte e um poder do

Estado, contudo na sua essência acaba por ser um viabilizador de políticas sociais.

Divergente é a posição de Cristiano Carvalho (2010), que inicia suas lições

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localizando a teoria da solidariedade social na Constituição do Estado do bem-estar social,

que, tal qual a do Brasil, enuncia numerosos direitos fundamentais, que por sua vez tem um

custo elevado que é suportado pela sociedade como um todo. Questiona Cristiano Carvalho se

as pessoas desejam arcar com esse custo e, em caso positivo, em qual medida? Nas suas

conclusões, ele afirma que a solidariedade fiscal é uma ideia que gera ineficiência econômica

e má utilização de recursos públicos, gerando vultosas despesas administrativas e

desestimulando o setor privado, vez que ao buscar tributar mais, visando o bem-estar do povo,

faz com que empresas e pessoas tentem evitar a tributação através da utilização do

planejamento tributário.

É possível concordar apenas em parte, isso porque o Estado brasileiro realmente

padece da má-alocação de recursos públicos, de problemas de gestão orçamentária e de

corrupção generalizada. No entanto, o que aqui se discute não é o direito financeiro e

administrativo do Estado, mas se restringe à questão constitucional-tributária da cidadania

fiscal, ou seja, por mais que a solidariedade fiscal tenha um componente político e acabe

mesmo por se transformar em políticas públicas, o alvo primordial deste trabalho é verificar

que o cidadão responsável precisa cumprir com os deveres que o “ser cidadão” exigem, entre

eles o de pagar impostos para viabilizar os objetivos traçados na Lei Fundamental do país. As

pessoas não tem o poder de escolher se querem arcar com esse custo, pois na medida em que

existem direitos também haverão de existir deveres correspondentes.

Corroborando este entendimento, Casalta Nabais (1998, p. 186) ensina que não há

um direito fundamental de não pagar impostos, nem opção por parte dos cidadãos. O dever

fundamental de pagar impostos é obrigatório a todos os que sejam fiscalmente capazes,

podendo inclusive incluir estrangeiros e apátridas, pessoas físicas ou jurídicas, que praticarem

o fato gerador previsto na norma tributária. Ademais, segundo Roque Antonio Carraza (2011),

as pessoas não pagam tributos em vão, entretanto, mesmo assim não podem exigir uma

correlação entre o valor pago e os benefícios auferidos com a atividade estatal, porquanto toda

a comunidade vai usufruir dos benefícios, quer sejam contribuintes ou não. É aí que fica

patente que o produto da arrecadação se destina aos cofres públicos e às despesas estatais

universais.

Com efeito, a ideia do Cristiano Carvalho tem alguma correspondência com os

ensinamentos de Klaus Tipke e Joachim Lang (2008, p. 391 e 392), quando estes asseveram:

Se os efeitos da distribuição são justos ou injustos, se a economia é tratada com

consideração ou sangrada, se a formação de Bem estar privado é fomentada ou

inibida, isso tudo depende de quais direitos tributários o Estado Tributário estatui,

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como ele configura seus pressupostos típicos, de que receitas fiscais ele se nutre com

a realização de quais direitos tributários, em suma: por qual sistema de direitos

tributários se decide o Estado tributário.

Tudo depende de qual direito tributário foi estatuído pelo Estado. Por outro lado,

Roque Antonio Carrazza (2011) atenta que o fato do Estado necessitar de recursos para fazer

valer o bem-estar social não implica em qualquer atropelo aos direitos dos contribuintes, pois

isso seria inconstitucional. Ao estabelecer limites ao poder de tributar, a Constituição criou as

bases da justiça fiscal, não sendo dado ao governo esgotar as riquezas do povo ou impedir o

exercício livre de suas atividades econômicas.

Na esteira de Humberto Ávila (2010), que observa que o sistema jurídico brasileiro é

uma unidade normativa, o professor Heleno Taveira Torres (2011) ensina que a exigibilidade

do tributo, no Estado democrático de direito, vem do texto constitucional, configurando-se os

tributos como preços a pagar pelos valores nos quais se fundam o Estado.

É preciso fazer, juntamente com Casalta Nabais (2007, p. 111), um alerta de que a

mera instituição de impostos não é um mecanismo suficientemente apto a reduzir a pobreza

em qualquer país. Ao menos não diretamente. Mesmo com os limites constitucionais e

princípios como a progressividade e a capacidade contributiva, o imposto “constitui fraco

instrumento de realização desse objectivo social”. Registre-se, que os impostos então não

podem reduzir a pobreza diretamente, mas prestam um contributo indispensável para a

organização da vida em comunidade ao “pagar” as contas do Estado. Nas palavras de Alfredo

Augusto Becker (2007, p. 89), “o Direito não existe para moralizar o homem, mas para ser o

instrumento praticável que promova um bem comum (autêntico ou falso) realizável (não

apenas ideal ou utópico)”.

A cidadania fiscal, após tudo o mais que foi dito, é uma das dimensões da

democracia participativa, é o exercício da participação democrática dos cidadãos, é uma

dimensão fraterna da vida em sociedade, é a reafirmação da mútua proteção dentro do Estado,

e ainda, é uma das formas de legitimar o sistema constitucional e apostar em um futuro com

mais dignidade humana.

Considerações finais

Após os breves apontamentos acima colocados, acerca de um assunto tão vasto e

complexo quanto o que versa sobre as interações entre a cidadania fiscal e o desenvolvimento,

com um olhar específico para a erradicação da pobreza como objetivo da República, é preciso

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pontuar algumas conclusões, para que o leitor possa melhor compreender a extensão das

considerações que aqui foram feitas.

Desde logo é preciso alertar que em nenhum momento houve a pretensão de

aprofundar a temática, mas o que se pretendeu foi tão somente explorar as questões mais

relevantes e esclarecer problemas pontuais. Isso posto, vê-se necessário fazer uma síntese dos

principais resultados desta investigação. Vejamos:

a) Cidadania é um dos fundamentos da República, permeando todo o ordenamento

jurídico pátrio e influenciando a interpretação das normas jurídicas. O ser cidadão é

mais do que possuir direitos fundamentais, é participar ativamente dos rumos da

comunidade política, cumprindo com seus deveres e possuindo as condições

imprescindíveis ao exercício de seus direitos.

b) Cidadania e solidariedade estão constitucionalmente muito interrelacionadas, porque o

fato de dois ou mais indivíduos pertencerem a um mesmo Estado vem da ideia do

homem como ser social que necessita interagir com outros seres humanos para viver, e

não meramente sobreviver. E este viver em comunidade política requer ajuda e

proteções mútuas de um para com o outro, de modo a manter a unidade da sociedade.

c) Dever fundamental é um dever constitucional porque está inserido no texto da

Constituição. É fundamental porque está ligado à própria essência do Estado

Democrático de Direito, e o não respeito a essas previsões normativos viciam de

inconstitucionalidade qualquer ato do cidadão ou do próprio Estado.

d) O dever fundamental de pagar impostos está diretamente conectado com o contribuir

para que o Estado concretize e proteja os direitos. É o que o Justice norte-americano

Oliver Wendell Holmes anota quando diz que o ato de pagar impostos se dá para

adquirir uma sociedade civilizada.

e) Para cumprir o objetivo de erradicação da pobreza no Brasil, há necessidade de se

realizar os direitos sociais e levar adiante diversos programas governamentais de

acesso a condições mínimas de dignidade. Tais concretizações de normas

constitucionais programáticas exigem grande quantidade de dinheiro público, que

somente pode ser auferido no montante necessário através dos impostos.

f) Não é possível questionar a opção constitucional pela solidariedade fiscal

simplesmente pela ineficiência econômica do país e pela má utilização dos recursos

públicos. Isso porque solidariedade fiscal é matéria de direito constitucional tributário

que não precisa ser questionado aos cidadãos se estes querem ou não pagar impostos.

Ao viver em um Estado Democrático de Direito, onde o povo detém a soberania, e

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houve a escolha por um dos mais vastos catálogos de direitos fundamentais, e partindo

do pressuposto de que não há direitos sem deveres, e que os direitos têm um custo,

uma eventual escolha pelo fim dos impostos acarretaria na inviabilidade financeira da

proteção e efetivação de direitos no Estado de Direito. Dessa mesma forma, o

planejamento tributário também não ofende a solidariedade fiscal, porque a todos é

devido o pagamento de impostos caso pratique o fato gerador destes, de modo que se o

contribuinte, através de meios lícitos, não incorre em nenhum fato tributável, não há

que se falar em solidariedade e/ou pagamento de impostos.

g) A legitimidade da tributação transcende o princípio da legalidade, que, nem por isso,

deixa de ser importante, visto que continua a se posicionar como limite ao poder de

tributar. Todavia, a tributação tem a sua razão de ser na proposta constitucional de

concretização e proteção dos direitos fundamentais, dando ao governo os recursos

necessários para tanto, sem contudo onerar demasiadamente o povo, nem impedir o

exercício de seus direitos fundamentais, como por exemplo a livre iniciativa

econômica.

Em síntese, perquiriu-se dar destaque à importância do tributo na atividade financeira

do Estado para assegurar o implemento de políticas públicas e melhoria das condições de vida

do cidadão, em especial ao combate à pobreza.

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A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO

DESENVOLVIMENTO

THE TAXATION LIKE A WAY TO BUILT THE DIGNITY OF

HUMAN PERSON IN FRONT OF THE DEVELOPMENT

Terezinha de Oliveira Domingos

(http://lattes.cnpq.br/5059375283346826)*1

Leandro Reinaldo da Cunha

(http://lattes.cnpq.br/4682265624995156)**2

RESUMO

Este artigo tem por escopo construir um estudo que contemple as questões

concernentes à tributação e a dignidade da pessoa humana em face do

desenvolvimento pleno. O estudo busca refletir sobre a tributação de tal

maneira que haja concretização multidimensional dos Direitos Humanos,

com vista à satisfatividade da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido,

o desenvolvimento deste estudo, segue os objetivos específicos

direcionando-se para a temática central. Para tanto, necessário se faz a

análise das legislações, doutrinas e conceitos que se correlacionam. Assim,

utiliza-se como método de abordagem o indutivo, de procedimento e como

método de pesquisa o bibliográfico.

PALAVRAS CHAVE: Tributação; Dignidade da Pessoa Humana;

Desenvolvimento.

ABSTRACT:

This paper seeks to built an analyze about the taxation and dignity of the

human person and full development. The study think about the taxation as

a way to reach a multidimensional realization of Human Rights, that satisfy

1 Terezinha de Oliveira Domingos** Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Pesquisadora Científica. Coordenadora e Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. 2 Leandro Reinaldo da Cunha*. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES. Pesquisador Científico. Professor de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Nove Julho - UNINOVE. Professor da Universidade Metodista de São Paulo.

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the dignity of the human person. Thereby, the development of this study

follow specific objectives to the central theme. Therefore, it is necessary to

analyze the laws, doctrines and concepts that surrounding. Thus, it is used

as the inductive approach method, of procedure and bibliographic search

method.

KEYWORDS: Taxation, Dignity of Human Person; Development

SUMÁRIO: Introdução. 1. A Questão Tributária em Face do

Desenvolvimento Humano. 2. A Política Tributária como Instrumento de

Concretização do Desenvolvimento. 3. O Tributo como um Dever e como

um Direito. 4. Dignidade da Pessoa Humana e Tributação. Conclusão.

Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

contemplou em seu núcleo de garantias as liberdades individuais, a

dignidade da pessoa humana e o direito ao desenvolvimento, dentre outros,

como parâmetros a serem seguidos na estruturação do Estado. No tocante à

política econômica e social, a apreciação da justiça da lei depende da

doutrina político-econômica e das ciências sociais, o que, associado ao

princípio da diferença, oculta a eventual injustiça.

O desenvolvimento pleno da pessoa humana é uma garantia

constitucional e para que se realize cabe ao Estado e à sociedade valer-se

de todos os meios para alcançá-la. Neste sentido as reflexões doutrinárias

apontam para a adoção da tributação como instrumento de concretização da

dignidade da pessoa humana em face do desenvolvimento, ante a

vinculação inerente aos temas.

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Para desenvolver a reflexão ora proposta, o artigo versará

inicalmente sobre a questão tributária em face do desenvolvimento,

abordando as questões atinentes a política tributária como instrumento de

concretização do desenvolvimento, valendo-se das posições adotadas a

propiciar um debate sobre o tributo como um dever e como um direito,

vinculando dignidade da pessoa humana e tributação.

Para tal fim, imperioso se faz a apreciação do tema vinculado ao

disposto no texto legal, nos posicionamentos doutrinários e inúmeros

outros conceitos técnicos que circundam a sua perfeita compreensão,

valendo-se, para tanto do método de abordagem indutivo e pesquisa

bibliográfica.

1. A Questão Tributária em Face do Desenvolvimento Humano

O momento atual da humanidade se mostra singular e único, em que

se vive uma grande crise. Esta é a palavra que nos últimos tempos se

tornou corrente na maioria dos países do mundo, o que se deve ao

fenômeno da globalização que compartilha os frutos do saudável

crescimento e incentiva o desenvolvimento, ao mesmo passo em que

partilha e semeia as dificuldades. Não se trata apenas uma questão de fundo

financeiro, mas sim uma crise de valores, o que torna oportuno a reflexão

sobre os conceitos no que concerne a tribuação e a concretização da

dignidade da pessoa humana.

O desenvolvimento econômico assume um caráter dimensional, com

progresso em todas as direções, implicando em benefícios, tais como

alimentação, trabalho, saúde, habitação, educação, entre outros que

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promovam o desenvolvivmetno integral da pessoa. É neste contexto que a

dinâmica social exige cada vez mais que o Direito Tributário se amolde à

realidade sociedade.

A tributação, em breves palavras, deve atender vários preceitos

elementares, tais como: (i) equidade: em que cada indivíduo deve

contribuir com uma quantia relativamente justa; (ii) progressividade: em

que as alíquotas devem aumentar a medida que os níveis de renda dos

contribuintes se elevem; (iii) neutralidade: em que tributação não deve

deprimir o consumo, a produção e o investimento; e, (iv) simplicidade: em

que o cálculo, a exigência e a fiscalização concernente aos tributos devem

ser simplicados com a finalidade de minimizar custos administrativos.

Isto posto, a dinâmica social se insere em questões tributárias de tal

modo que a tributação que não se valida no texto constitucional não

constitui propriamente tributação, mas sim violência aos direitos

individuais, arbítrio inconstitucional e ilegítimidade. Destarte, as questões

tributárias devem ser mecanismos capazes de viabilizar a Justiça Social,

além de contribuir para a efetivação dos direitos do homem, como forma

garantidora da manutenção do Estado e impedindo a ruptura do tecido

social.

O Estado, por sua vez, deve visar o bem estar de seus habitantes no

que tange à aplicação dos tributos arrecadados e, porquanto, possui

inúmeras atribuições, tais como proporcionar segurança, fornecer meios

para promoção da educação e da saúde, construir obras de infra-estrutura

que possibilitem o desenvolvimento da economia, dentre outras que visem

conferir aos cidadãos a vida digna inerente a um Estado Democrático de

Direito.

A existência de um Estado se deve ao fato de que uma sociedade

para sobreviver precisa se organizar e fazer com que certos objetivos sejam

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alcançados. Para isso, o Estado necessita de recursos financeiros para que

possa cumprir seus objetivos, e deverá ele exercer atividade financeira de

modo que possa arrecadar, gerir e gastar os recursos necessários ao

cumprimento de suas atividades.

Na obtenção de recursos o Estado deve se estruturar como uma

organização e deste modo, gerar efeitos patrimoniais, desenvolvendo

atividades financeiras para arrecadar fundos, dando equilíbrio às receitas e

despesas através do planejamento orçamentário e fixando instrumentos

para Justiça Social, obedecendo ao Princípio da Capacidade Contributiva,

que preconiza que paga mais tributo quem auferir maior lucro ou renda.

Paulo de Barros Carvalho3 oferece sua contribuição no sentido de

delimitar o momento de manifestação da capacidade contributiva

Desde logo cumpre fazer observação importante e que atina

ao momento da determinação do que seja a capacidade

econômica do contribuinte, prevista no parágrafo 1º do

artigo 145 da Carta Magna. Havemos de considerar que a

expressão tem o condão de denotar dois momentos

distintos no Direito Tributário. Realizar o princípio pré-

jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva

retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de

fatos que ostentem signos de riqueza. Esta é a capacidade

contributiva, que de fato, realiza o princípio

constitucionalmente previsto. Por outro lado, também é

capacidade contributiva, ora empregada em acepção

relativa ou subjetiva, a repartição da percussão tributária,

de tal modo que os participantes do acontecimento

contribuam de acordo com o tamanho econômico do

evento. Quando empregada no segundo sentido, embora

revista caracteres próprios, sua existência está intimamente

ilaqueada à realização do princípio da igualdade, previsto

no artigo 5º, caput, do Texto Supremo. Todavia, não custa

reiterar que este só se torna exeqüível na exata medida em

que se concretize, no plano pré-jurídico, a satisfação do

princípio da capacidade contributiva absoluta ou objetiva,

selecionando o legislador ocorrências que demonstre

fecundidade econômica, pois, apenas desse modo terá ele

3CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. p. 182 e 183.

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meio de dimensioná-las, extraindo a parcela pecuniária que

constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo,

guardadas as proporções da ocorrência.

Ainda neste sentido Paulo de Barros Carvalho4 ensina que a

mensuração da capacidade contributiva é uma tarefa delicada para todos

que queiram estudar essa matéria:

A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o

padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga

tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o

cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a

possibilidade econômica de contribuir para o erário com o

pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com

esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e

o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários

sistemas de Direito Tributário. Muitos se queixam, entre nós, do

avanço desmedido no patrimônio dos contribuintes, por parte

daqueles que legislam, sem que haja atinência aos signos

presuntivos de riqueza sobre os quais se proteja a iniciativa das

autoridades tributantes, o que compromete os esquemas de

justiça, de certeza e de segurança, predicados indispensáveis a

qualquer ordenamento que se pretenda racional nas sociedades

pós-modernas.

Seguindo este raciocínio, considera-se a progressividade dos

impostos, característica marcante dos tributos no Brasil, como

manifestação dessa mensuração. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza5

“(...) em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser

progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles

conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva”.

A capacidade contributiva de cada contribuinte é, assim, uma

variável dependente do fator da primazia da realidade econômica do

indivíduo, daí seu aspecto objetivo e absoluto, uma vez que é variável em

4CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. p.181.

5CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. p. 95.

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conformidade com a renda e os bens do sujeito passivo, viabilizando ou

não a contribuição pecuniária de cada um ao bem comum.

Como bem observa Roque Antonio Carrazza6:

O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas

dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no

campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo

e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito

pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem

pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos

proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor

riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a

manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem

pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de

seus índices de riqueza.

É o princípio da igualdade, nos moldes cunhados por Aristóteles,

repetido por Rui Barbosa, que delimita que todos serão igualmente

tributados, proposta que comungamos no tocante à capacidade contributiva,

com o objetivo de conferir tratamento igualitário aos iguais e diferenciado

aos desiguais, em conformidade com a desigualdade que apresentam.

Embora a tributação seja matéria desenvolvida no século XX, frente

às duas guerras mundiais, o Brasil tributa a renda desde a década de 20,

tendo alcançado destaque esta modalidade nos últimos anos. Dalmo de

Abreu Dallari7 explica a revolução social ocorrida com a Constituição

Federal de 1988:

[...] A nova Constituição brasileira ampliou a afirmação

dos direitos fundamentais e os meios para sua defesa. A

par disso estabeleceu novas possibilidades de participação

política do povo, o que poderá ser de muita importância se

o povo for sensibilizado para a efetiva utilização dos novos

mecanismos de interferência e controle políticos. [...] 6CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. p. 94.

7 DALLARI, Dalmo de Abreu Constituição para a Justiça Social. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/dalmodallari/dallari_justsoc.html > Acesso em: 13/03/2013.

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Desse modo poderá haver grande influência popular na

legislação e nas decisões governamentais, pelo uso intenso

da iniciativa, que permite ao povo propor projetos de lei,

bem como do plebiscito e do referendum, que são

instrumentos de consulta ao povo e que poderão dificultar

e até impedir decisões contrárias ao interesse público. [...]

Em síntese, a nova Constituição não implanta no Brasil

uma nova sociedade, nem seria razoável pretender isso,

pois uma democracia se fundamenta nas relações sociais

concretas e não se impõe pela simples mudança da lei.

Mas, sem dúvida alguma, a nova Constituição abriu vários

caminhos para que o povo brasileiro possa avançar no

sentido de uma sociedade em que todos sejam realmente

livres e iguais, em direitos e dignidade.

As mudanças são ocasionadas pelo progresso, desenvolvimento

econômico e até mesmo pela involução (mudança negativa), o que permite

a classificação dos países em mais ou menos desenvolvidos, situação que

se reflete também na apreciação da política tributária.

Em virtude das ideias apresentadas, resta claro que o progresso e o

desenvolvimento econômico causam mudanças sociais consideráveis,

sejam estas em benefício de uma parcela da população ou do todo. A

extrafiscalidade também incide na compreensão do tema, pois altera o

espaço social, podendo acelerar ou frear o desenvolvimento, dependendo

da adequação ou não de sua aplicação, naquele contexto social e histórico.

Seguindo nesta trilha, a contraprestação de serviços pelo Estado em

favor do desenvolvimento e do crescimento do indivíduo é uma ferramenta,

um instrumento, que necessita ser alimentado pela tributação, sem

menosprezo aos direitos individuais, numa perspectiva de sopesamento.

Sendo assim, a ideia de justiça contributiva não é de prestar

assistencialismo por si só, mas visa efetivar e propiciar condições plenas

para resgatar a dignidade da população, não meramente permitir a

sobrevivência.

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2. A Política Tributária como Instrumento de Concretização do

Desenvolvimento

A política tributária deve considerar as tendências mundiais de

tributação, de administração e de relacionamento com o contribuinte e a

sociedade, uma vez que todo o Sistema Tributário Brasileiro se converge

frente as necessidades do ente estatal, o qual pode operar diretamente como

se fosse o particular, por meio de empresas, ou pode obter recursos

compulsoriamente, em decorrência do poder de tributar, maneira esta pela

qual o Estado obtém a maior parte dos recursos financeiros que necessita.

Neste sentido, a política fiscal se mostra como um instrumento

indispensável à redistribuição de riqueza por parte do Estado, que partilha o

montante tributário arrecadado para atingir o seu escopo básico, além de se

afigurar como importante meio de intervenção do Estado na Economia.

A Carta Magna de 1988 concedeu ao Estado o poder de instituir

tributos, que na verdade não é ilimitado, ao contrário de qualquer outra

atividade estatal. Os limites deste poder estão na própria Constituição, que,

ao fazê-lo, protege as pessoas contra a natural voracidade do Estado em

instituir tributos.

Neste sentido, Hugo de Brito Machado:8

A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de

que se tem valido a economia capitalista para sobreviver.

Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais

[...] É importante, porém, que a carga tributária não se

torne pesada ao ponto de desestimular a iniciativa privada.

8 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. p.26.

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Hugo de Britto Machado continua:

A tributação recai de forma proporcionalmente mais

pesada sobre a classe média, enquanto as políticas

governamentais somente contemplam programas

assistencialistas, ao invés de lançar bases estruturais para

um desenvolvimento social sustentável. Paralelamente a

essa realidade, vivemos uma patologia social generalizada

manifesta através de diversos sintomas deletérios à nossa

sociedade. Com efeito, ninguém pode negar que a injusta

distribuição de renda é uma das principais causas da

violência, do descrédito ao Estado e das crescentes tensões

sociais, com reflexos tanto no campo como na cidade.

Num cenário tributário que estimule uma eficiente

distribuição de renda, tanto a desoneração da folha salarial

quanto o pagamento de créditos fiscais devem estar

prioritariamente direcionados a trabalhadores de baixa

renda e o esforço governamental deve visar a combater a

evasão fiscal e a corrupção associada. Assim, para que

possamos atingir um equilíbrio positivo entre tributação e

distribuição de renda, faz-se necessária uma reforma

tributária pro societate e não, tão somente, pro fisco.

Apenas desta forma, haverá efetivamente justiça fiscal,

propiciadora de uma redistribuição de renda e de justiça

social.9

Oportunamente, o tributarista Kiyoshi Harada10

explica como a

política tributária pode ser um instrumento de redistribuição de riquezas,

através de uma reforma tributária:

Uma Reforma Tributária justa e duradoura pressupõe a

alteração do pacto federativo com a supressão do atual

sistema misto, complexo, caro e dispendioso: de um lado,

impostos privativos, e de outro lado, partilha ou

participação no produto da arrecadação de impostos

alheios. A divisão do bolo tributário dar-se-ia levando-se

em conta a renda, o consumo e a propriedade, que seriam

9 ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. Tributação e distribuição de renda. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br> Acesso em: 15/03/2013. 10 HARADA, Kiyoshi. Onze tópicos para uma boa reforma tributária. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1287>. Acesso em: 12/03/2013.

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tributados pela União, Estados e Municípios,

respectivamente. O montante da arrecadação necessário

poderá ser ajustado com a variação tanto da base de

cálculo, como da alíquota.

A evolução da sociedade demanda mudanças no Sistema Tributário

Brasileiro como forma de enfatizar o justo, não como mero conceito

metajurídico, mas sim como forma de efetivar o Estado Democrático de

Direito, nos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal de 1988,

conjugados com os fatores que ressaltam a aceleração das transformações

na estrutura tributária resultante da globalização econômica e financeira.

Interessante notar que a política tributária nacional se mostra um

tanto conflitante consigo mesmo, vez que apresenta uma enorme

varacidade na instituição de certos impostos, enquanto outros encontram-se

hibernando no corpo do texto constitucional de longa data, como é o caso

do imposto sobre grandes fortunas.

O Brasil caminha em função da harmonização tributária, e é esta a

tendência que se afigura para o futuro, em que pese a grande dificuldade de

se promover ajustes mais rápidos no sistema posto.

3. O Tributo como um Dever e como um Direito

Atualmente, a obrigatoriedade, o dever em si de pagar o tributo

justifica e fundamenta a sua cobrança perante os contribuintes como

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característica do positivismo jurídico. Como explana Eloi Cesar Daneli

Filho e Hugo Thamir Rodrigues11

[...] no que diz respeito à CF, é possível perceber a

consagração de deveres fundamentais decorrentes de seus

princípios (implicitamente) e de forma expressa em

inúmeros dispositivos, tais como dever de votar, o dever de

pagar impostos, o dever de zelar por um meio ambiente

hígido e equilibrado, bem como de respeitá-lo. Tais deveres

se impõe a todos os cidadãos e seu descumprimento

acarreta consequências mais ou menos danosas aos que o

descumprirem.

Em outra perspectiva, o dever de pagar imposto não pode ser

encarado como uma imposição, mas sim uma expressão dos próprios

direitos do homem. Para outros o imposto é uma obrigação social que tem

características morais e jurídicas.

Neste sentido José Casalta Nabais12

elucida

No atual estado fiscal, para qual não se vislumbra qualquer

alternativa viável, pelo menos nos tempos mais próximos,

os impostos constituem um indeclinável dever de

cidadania, cujo cumprimento a todos nos deve honrar.

[...]

Os impostos constituem um assunto demasiado importante

para poder ser deixado exclusivamente nas mãos de

políticos e técnico (economistas). Daí que todos os

contribuintes devam ter opinião acerca de impostos e da

justiça ou injustiça fiscal que suportam, até porque a ideia

de justiça fiscal não deixa de ser um conceito que também

passa pelo bom senso.

11 DANELI FILHO, Eloi Cesar; RODRIGUES, Hugo Thamir. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Teoria da Justiça e Imunidades de Templos de Qualquer Culto. CONPEDI. p. 4342Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3587.pdf>. Acessado em: 14/03/2013. 12NABAIS, José Casalta. Estudos de Direito Fiscal: Por um Estado Fiscal Suportável. p. 59.

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A doutrina atribui ao Estado o direito de tributar. Em uma visão geral

sobre conceitos de direito tributário entende-se que é um direito do Estado

de exigir tributo respeitando os direitos do contribuinte, porém com

diferentes enfoques: sobre tributo, sobre compulsoriedade, sobre normas e

princípios etc. Como ensina Hugo de Brito de Machado13

“A idéia de

liberdade, que preside nos dias atuais a própria concepção do Estado, há de

estar presente, sempre, também na relação de tributação”.

Pode-se dizer que o contribuinte se vê compelido a cumprir sua

obrigação tributária, como forma de garantir a manutenção da estrutura

estatal e manter a sociedade com as evoluções já atingidas. Contudo, nos

termos previstos no texto constitucional, a arrecadação tributária é

imprescindível. Cumpre trazer à colação a contribuição de Roque Antonio

Carrazza14

Desse modo, os contribuintes, se, por um lado, têm o dever

de pagar tributos, colaborando para a mantença da coisa

pública, têm, por outro, ao alcance da mão, uma série de

direitos e garantias, oponíveis ex ante ao próprio Estado,

que os protegem da arbitragem tributária, em suas mais

diversas manifestações (inclusive por ocasião do

lançamento e da cobrança do tributo).

Convém, neste ponto, afastarmos, de uma vez por todas, a

superadíssima idéia de que o interesse fazendário

(meramente arrecadátorio) equivale ao interesse público.

Em boa verdade científica, o interesse fazendário não se

confunde nem muito menos sobrepaira o interesse público.

Antes subordina-se ao interesse público e, por isso, só

poderá prevalecer quando em perfeita sintonia com ele. O

mero interesse arrecadatório não pode fazer tábua rasa da

igualdade, da legalidade, da anterioridade, enfim, dos

direitos constitucionais dos contribuintes.

[...]

A pessoa política ao criar o tributo deve acudir pressurosa

às exigências das grandes diretrizes constitucionais.” (grifo

do autor)

13MACHADO, Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário. p.29. 14CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. p. 497 e 498.

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Analisando o conceito de tributo, percebe-se, na história, uma

evolução das suas concepções, que passa da arbitrariedade para as roupas

democráticas. O tributo é destinado a arrecadar receitas junto ao

contribuinte para custear as despesas do Estado e para também o Estado

cumprir as suas funções sociais, agindo, em tese, em benefício direto da

população. Corroborando com este entendimento Ernani Contipelli15

ensina:

No que concerne ao direito de exigir ou dever de

redistribuição adequada das riquezas arrecadadas pela

tributação, o Estado torna-se responsável pela utilização

desses recursos financeiros no cumprimento das metas

previstas no texto constitucional, qu expressam o sentido de

seus valores estruturantes, para guardar correspondência

lógica com as causas que motivaram a imposição do dever

de colaboração de pagar o tributo e evitar possíveis

arbitrariedades que possam ser cometidas pelos agentes

investidos de poder institucional no gerenciamento dessas

receitas públicas.

Já para o membro da comunidade, o dever do Estado de

reistribuição adequada de riquezas arrecadadas lhe confere

o direito público subjetivo de reivindicar a otimização dos

mandamentos constitucionais por meio da realização de

medidas concretas por parte do estado, que se obriga a

atender, prioritariamente, as necessidades básicas da

coletividade com atribuição de vida satisfatoriamente digna

a toda a comunidade criando um ambiente propício à

concretização da existência do projeto de vida comum, ao

fortalecer os laços de cooperação recíproca e assegurar o

pleno desenvolvimento das potencialidades de cada

indivíduo.

No tocante a tributação deve-se levar em consideração duas questões

fundamentais: a dosagem da tributação e a aplicação moderada das receitas

15 CONTIPELLI, Ernani. Solidariedade Social Tributária. p 201.

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obtidas dos contribuintes. Neste diapasão Ana Paula Basso e Rodrigo

Lucas Carneiro Santos16

Importa ao sistema tributário ser pautado pelos ditames

constitucionais tanto quanto se refere ao dever dos cidadãos

de contribuir aos cofres públicos, mensurado pela sua

capacidade de contribuir, bem como no que atine o atuar

desta tributação pelo Estado.

Ademais, a cidadania contributiva não implica meramente

este dever, mas há de se considerar a correlação do

poder/dever de exigir redistribuição adequada dos recursos

financeiros captados do patrimônio do contribuinte. Em

outras palavras, em paralelo com este dever fundamental,

cabe ao Estado também cumprir o seu papel de realizar as

metas previstas na Constituição.

O Estado se legitima, enquanto ente tributante, na medida

em que cumpre a Constituição Federal, seja atendendo às

suas diretrizes na criação e aplicação das normas jurídicas

tributantes, assim como assegurando correspondência com

as causas que motivaram a imposição tributária, evitando

arbitrariedades no gerenciamento das receitas públicas. Ao

mesmo tempo em que o cidadão tem o dever de contribuir,

também lhe é conferido o direito de reivindicar a

implementação de medidas estatais concretas, sobretudo no

que atine às necessidades básicas da coletividade

proporcionando.

Contemporaneamente, o tributo não é apenas um fato econômico e

financeiro, mas é igualmente uma instituição social e um fenômeno da

sociedade, que objetiva a satisfatividade da dignidade da pessoa humana,

vez que se apresenta como o único meio que o Estado efetivamente tem

para exercer suas atividades sociais.

16 BASSO, Ana Paula; SANTOS, Rodrigo Lucas Carneiro. Cidadania e Sistema Constitucional Tributário na Promoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. CONPEDI. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=23712318a400454a> Acessado em: 10/03/2013.

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4. Dignidade da Pessoa Humana e Tributação

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o

conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem (art. 1º, III,

CF/1988), assegurando-se condições dignas de existência para todos,

afigurando-se até mesmo como um super-princípio. Ressalte-se ainda, que

a dignidade da pessoa humana condensa ou resume, como valor supremo, o

sentido da existência do Estado que, assim, deve buscar nos vários campos

de sua ação (econômico, social, político, cultural, etc), a realização da

pessoa humana na sua plenitude.

No que diz respeito a dignidade da pessoa humana, Vladmir Oliviera

da Silveira e Ernani Contipelli17

ensinam que “[...] a dignidade da pessoa

humana se materializa no reconhecimento dos direitos fundamentais a fim

de assegurar o desenvolvimento da personalidade do indivíduo”.

O desrespeito a dignidade da pessoa humana nos Estados e no

Distrito Federal deve ser preservada pela segurança pública (art. 144,

CF/1988) e é motivo de intervenção federal (art. 34, VII, “b”, CF/1988) em

caso de descumprimento. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por

fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, CF CF/1988), a

ordem social visará a realização da justiça social (art. 193, CF/1988), a

educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da

cidadania (art. 205, CF/1988), como indicadores do conteúdo normativo

eficaz da dignidade da pessoa humana.

Do entendimento dos dispositivos acima, denota-se a razão de, no

artigo 170 caput da Constituição Federal, a ordem econômica ser fundada

17 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; CONTIPELLI, Ernani. Direitos Humanos Econômicos na Perspectiva da Solidariedade: Desenvolvimento Integral. CONPEDI. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/ernani_contipelli.pdf> Acessado em: 08/03/2013.

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na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada, tendo por

escopo assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da

justiça social. Neste sentido ensina Ricardo Hasson Sayeg18

[...] com a redemocratização do país solenizada pela

Constituição Federal de 1988, o Estado se recolheu,

inclusive da economia, em nome do princípio da

subsidiariedade da intervenção estatal, esculpido no artigo

174 da referida carta política. Entretanto, a Constituição

Federal de 1988 não descuidou de consignar no artigo 170,

como preceitos fundamentais da ordem econômica no

Estado Brasileiro Democrático de Direito, os valores

sociais do trabalho humano e da livre iniciativa, com o fim

de garantir a todos existência digna, observados os

princípios da soberania nacional; da propriedade privada;

da função social da propriedade; da defesa do consumidor;

da defesa do meio ambiente; da liberdade de competição;

da redução das desigualdades sociais e regionais; da busca

do pleno emprego; do tratamento favorecido à empresa

nacional de pequeno porte e de prevenção e repressão ao

abuso do poder econômico.

No que tange aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

estes se constituem como fundamento não só da ordem econômica (art.

170) e social (art. 193), mas da própria República Federativa do Brasil (art.

1º, IV), revelando que a Constituição Federal, no que tange a ordem

econômica, dá prioridade aos valores humanos sobre todos os demais.

No entanto, a norma constitucional não é taxativa, de tal modo que

cabe ao Estado priorizar e utilizar mecanismos para efetivação das

igualdades pelos mais diversos meios. Cabe, portanto, ao Estado a busca da

justiça tributária, fixando limites ao poder de tributar, motivado e

sedimentado por princípios constitucionais.

Assim, a sociedade justa será estabelecida quando houver limitações

concretas ao poder de tributar, bem como às regras para a capacidade

18SAYEG, Ricardo Hasson. O Capitalismo Humanista. p. 98.

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contributiva, progressividade, vedação ao confisco e não-cumulatividade

dos tributos, além da adequada aplicação dos recursos por estes meios

auferidos. Basicamente, a justiça social só será sustentada com limites

encontrados no princípio da justiça tributária. Ana Cristina Silva Iatarola19

instrui que:

Com a aproximação da ética e do direito no pós-

positivismo, houve também uma reaproximação entre

justiça e liberdade no campo tributário, através do resgate

da teoria da justiça tributária, que compreende o processo

justo na cobrança dos tributos.

Corroborando com a temática, Fabíolla Kataryna de Macêdo

Menezes20, apresenta, metaforicamente, a seguinte ilustração:

É preciso distinguir o Direito Tributário, enquanto sistema

de veículos introdutores de normas jurídicas, da justiça

tributária. O primeiro, quer ser racional, seguro, rigoroso e

acima de tudo funcional; já a segunda, está mais voltada

para aquelas qualidades do espírito humano, tais como,

amor, compaixão, solidariedade, transparência, harmonia,

que sobejam em muito os enunciados prescritivos da ordem

jurídico-tributária. Ambos dialogam entre si, porém, uma

coisa é a fonte maior, a justiça tributária, outra é a sua

canalização para o aproveitamento jurídico-social,

metaforicamente, o cano de água (Direito Tributário posto)

não é a água (justiça tributária) que jorra da fonte.

Noutra metáfora, o Direito Tributário deve ser como uma

vela acessa. O que ilumina é a chama (justiça tributária),

não a vela (o Direito Tributário). O Direito Tributário (a

vela) é o suporte funcional para que a chama (justiça

tributária) queime, irradiando luz e calor para toda

sociedade. A vela é o Direito Tributário, e a chama é a

justiça tributária, objetivo da prática transformadora,

conseqüentemente, da prática ética para nos tornarmos

19IATAROLA, Ana Cristina Silva. Capacidade Contributiva. 28 f. Dissertação - Universidade Gama Filho. 2005. Publicação digital. 20MENEZES, Fabíolla Kataryna de Macêdo. Justiça tributária: questão de cidadania. O princípio da capacidade contributiva. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br> acesso em 16/03/2013.

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pessoas melhores, logo, contribuintes e entes tributantes

mais justos.

Saber discernir o Direito Tributário do excesso tributário, é

evitar o excesso e a falta, buscando e preferindo o meio-

termo, o meio-termo não em relação ao objeto, mas em

relação a nós mesmos, só assim estaremos transformando e

fazendo justiça tributária, portanto, a virtude da justiça

tributária é uma disposição de caráter relacionada com uma

escolha transformadora, uma escolha entre dois vícios, um

por excesso (excesso de tributação e desconhecimento do

justo gasto do tributo afetado) e outro por falta (aplicação

positivista exonerativa da tributação), pois nos vícios ou há

falta ou há excesso daquilo que é conveniente, ao passo que

a virtude da justiça tributária encontra e escolhe o meio-

termo.

O cerne é, então, a tributação como instrumento para a concretização

do princípio da dignidade da pessoa humana, não havendo outro meio para

se pensar o tema, considerando os preceitos estabelecidos no texto

constitucional vigente. E, sob este prisma, é necessária uma reflexão sobre

este princípio e sua relação com os direitos fundamentais, principalmente

aqueles chamados de segunda e terceira dimensões.

Tal constatação se dá porque o referido princípio é a pedra angular

da realização de todos os direitos fundamentais, de tal forma que quando

houver a realização deste, conseqüentemente, se propiciará a contemplação

dos demais direitos, de forma natural e contínua.

À guisa de fecho, no que se refere a justiça tributária, entendemos

que é a manifestação da proporcionalidade e razoabilidade entre as

necessidades de recursos públicos por parte do Fisco e a capacidade de

contribuir por parte do ente contributivo, levando-se em conta o retorno por

parte do Estado com o produto da arrecadação em prol do bem comum.

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Mas há que se saber que, quando o Estado assegura a todos a

existência digna, isso também compreende garantir aos direitos individuais

e suas liberdades negativas, ponderadas pela proporcionalidade e

razoabilidade, de modo que o poder de tributar não pode ser exercido em

atentado ao direito de propriedade.

Relevante se consignar que para a perfeita apreciação do presente

tema não se pode olvidar que a crise institucional estabelecida no Brasil faz

com que mesmo que a arrecadação seja efetivada de forma adequada e se

tenha uma distribuição coerente dos tributos auferidos, não haverá justiça

social enquanto persistirem os inúmeros desvios de verbas e o sangramento

dos cofres públicos. De nada adianta o Brasil destinar 10% do seu PIB para

a educação, patamar atingido apenas por poucas nações no planeta, se este

dinheiro não chega às mãos de quem haverá de gerí-lo, ou então, a parcela

que efetivamente chega é gasta de forma equivocada e atentatória aos

preceitos basilares da administração pública proba e idônea.

Não se trata, portanto, apenas de arrecadação ou distribuição dos

tributos, mas também de uma adequada gestão destes valores, vez que sem

a convergência de todos estes elementos não será possível se pensar em

uma efetiva justiça social tributária.

Este é um tema bastante complexo que se afigura de formas diversas,

do pensamento filosófico ao jurídico, não há um consenso, que encerre a

temática, e também, não é o objetivo desse trabalho esgotar a discussão.

CONCLUSÃO

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No decorrer deste artigo buscamos apresentar em breves linhas a

problemática da tributação em face da concretização multidimensional dos

Direitos Humanos, objetivando à satisfatividade da dignidade da pessoa

humana.

Ficou demonstrado que a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 contempla em seu núcleo de garantias às liberdades

individuais, à dignidade da pessoa humana e o direito ao desenvolvimento,

dentre outros, em consonância com os anseios da sociedade

contemporânea.

Para obter o desenvolvimento pleno da pessoa humana e atingir as

metas do milênio, resta claro que tanto o Estado quanto a sociedade devem

buscar meios para sua realização. Desta feita, o caminho para atingir estes

objetivos apontam a tributação como instrumento de concretização da

dignidade da pessoa humana em face do desenvolvimento.

Contudo evidencia-se que não basta a sede arrecadatória do Estado

para que a questão da justiça social seja atingida, vez que a arrecadação de

tributos se mostra como apenas um dos alicerces deste conceito maior.

Além de fixar meio eficazes para a arrecadação, compete ao Estado

firmar os parâmetros adequados para a distribuição do montante

arrecadado, considerando, como fundamento estruturante do Estado

Democrático de Direito como um todo a atenção aos preceitos da dignidade

da pessoa humana, que há de ser atingida levando em consideração o

desenvolvimento social.

A arrecadação sem a correta distribuição dos tributos, visando

atender aos anseios sociais e garantir a todos uma vida que se faça digna

(afastando-se da mera sobrevivência) há de ser o objetivo maior de um

Estado baseado nos termos de uma Constituição Cidadã como a brasileira.

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Finalmente, indispensável entender que a arrecadação e perfeita

alocação dos valores recebidos por meio dos tributos não terão o condão de

garantir a justiça social como escopo humanista enquanto a sua gestão não

se mostrar eficaz, o que permite afirmar que a questão da atenção à

dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento passa não só pelo

prisma tributário, mas revela uma inquestionável vinculação administrativa.

Há, portanto, que se arrecadar, distribuir e efetivar a sua

aplicação/destinação para que a justiça distributiva se faça presente em

território nacional.

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O FUTURO DO ESTADO SOB A ÓTICA DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

TRIBUTÁRIA

EL FUTURO DEL ESTADO BAJO LA ÓPTICA DE LA SOLIDARIEDAD

SOCIAL TRIBUTARIA

Joacir Sevegnani1

Marcos Leite Garcia2

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de pesquisa o Estado e, como objetivo, fomentar a reflexão acerca do seu futuro sob a ótica da solidariedade social tributária. Partindo de uma noção do Estado e dos seus fins, procura-se demonstrar a relevância da tributação para a concretização do bem comum. Neste contexto, a solidariedade social tributária pode contribuir para a redução das desigualdades entre pessoas e regiões, no âmbito interno do Estado, ademais para o fortalecimento dos laços de cooperação em nível transnacional, caminho para a busca do equilíbrio global e harmonia entre os povos. Afinal, o bem-estar do planeta e do ser humano transcende os espaços delimitados por fronteiras. Sobretudo dita questão é um compromisso de toda a humanidade. Palavras-Chave: Estado; Solidariedade social; Tributação. RESUMEN El presente artículo tiene como objeto de pesquisa el Estado y como objetivo fomentar a la reflexión acerca de su futuro bajo la ótica de la solidariedad social tributaria. Partiendo de una noción del Estado y de sus fines, búscase enseñar la relevancia de la tributación para la concretización del bien común. En este contexto la solidariedad social tributaria puede contribuir para la reducción de las desigualdades entre personas y regiones en el ambito interno del Estado, además para el fortalecimiento de los lazos de coorperación internacional que es el camino para el equilibrio y harmonía entre los pueblos. Por fin, el bien estar del planeta y del ser humano trascende los espacios delimitados por la frontera. Sobretodo la aludida questión es un comportamiento de toda la humanidad. Palabras-Clave: Estado; Solidariedad social; Tributación.

1 Auditor Fiscal da Receita Estadual do Estado de Santa Catarina; Professor de Direito Tributário do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI; Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Direito. Curso realizado no Instituto de Direitos Humanos da Universidade Complutense de Madrid (Espanha) no qual foi aluno, entre outros, de Gregorio Peces-Barba, Antonio Pérez-Luño, Eusébio Fernández, Nicolás López Calera, Antonio Truyol y Serra, Joaquín Ruiz-Jiménez (Título revalidado nacionalmente). Mestre (máster-especialista) em Direitos Humanos pelo mesmo Instituto espanhol. Atualmente é professor permanente do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica e do Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Itajaí – SC, Brasil. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

O Estado surgiu como decorrência da evolução da sociedade e foi-se amoldando

para, hodiernamente, configurar-se como o instrumento de realização do bem comum. Os

tributos foram criados para proporcionar a fonte de recursos para o seu financiamento,

mediante contribuições pagas pelos cidadãos, de acordo com a capacidade de cada um.

Partindo dessa relação indissociável em que a sociedade figura como contribuidora

de tributos e o Estado como gestor das rendas arrecadadas, avalia-se a importância de se

incluir nessa tríade, a solidariedade social. O fortalecimento da solidariedade social no

contexto da tributação pode contribuir para a concretização dos fins do Estado, não apenas

internamente no espaço do seu território, mas também e, sobretudo, no âmbito externo, para

além das suas fronteiras.

Para alcançar esse desiderato, o debate que se propõe estabelecer não abordará

questões relacionadas às crises do Estado ou a possibilidade do seu fenecimento. Parte-se de

uma percepção otimista de sua continuidade, procurando apresentar proposições que possam

contribuir para as discussões sobre o seu aprimoramento no futuro, com subsídio nas opiniões

de pesquisadores desta temática.

Delimitado o conteúdo, inicia-se a temática com uma abordagem do Estado e os seus

fins, para em seguida apontar os fundamentos da tributação e, com base nesse conhecimento,

avaliar a contribuição da solidariedade social tributária para o futuro do Estado, contemplando

tanto as suas ações internas como as relações externas.

1 NOÇÃO DE ESTADO E OS SEUS FINS

1.1 Noção de Estado

O termo Estado recebeu, na história, conotações as mais variadas. Se para os

helênicos era chamado de polis, que comumente significa cidade, os romanos adotaram a

expressão civitas; entretanto, antes de assumir o sentido pleno que possui atualmente, por

muito tempo teve significado restrito, para se referir a status, como sinônimo de “condição”,

“posição” ou “ordem” (ROMANO, 1977, p. 59-60). Esta característica continua a ser

evidenciada durante o medievo e mesmo na era moderna, quando o termo ainda é empregado

para designar as classes do reino - o clero, a nobreza e o povo - os quais, na França,

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chamavam-se “Estados Gerais”, na Inglaterra, “Parlamento”, na Alemanha, “Dieta” e na

Espanha e Portugal, “Corte do Reino” (MENEZES, 1992, p. 42-43).

É somente no século XVI, com Maquiavel,3 que a expressão começa a ser empregada

pela literatura científica na acepção universal e generalizada que se a conhece hodiernamente

(ROMANO, 1977, p. 60). Aos poucos, as poliarquias, que até então se caracterizavam pela

imprecisão territorial e por um poder frouxo e intermitente, transformaram-se em unidades de

poder contínuas e fortemente organizadas em uma única estrutura hierárquica de funcionários

e uma ordem jurídica unitária que submete todos os súditos do território a um único poder

(HELLER, 1968, p. 162).

Desde que Maquiavel utilizou o termo Estado pela primeira vez, inúmeras correntes

doutrinárias vêm procurando conceituá-lo, cada uma abordando aspectos diversos, segundo o

ponto de vista que adotam.

Calmon define o Estado como a nação politicamente organizada, onde nação tem o

significado de coletividade que vive em determinado território, unificada pela raça e pelo

idioma, com os seus costumes e tradições comuns e um governo próprio (CALMON, 1958, p.

16). Desde já, vale enfatizar a advertência de Pederneiras, no que concerne aos termos Estado

e nação, comumente empregados como sinônimos ou equivalentes. A nação é um organismo

natural, formado por laços de sangue, de idioma, de tradição ou de tendências que

estabelecem uma certa unidade de caráter moral, sem precisar do elemento coercitivo de

governo, enquanto o Estado é um organismo político-jurídico, artificial, composto pela

reunião de homens, donos de certo território, associados sob uma autoridade comum, que

procura assegurar a todos o exercício da atividade e o gozo de direitos. Partindo desta

distinção, elucida que a definição de Estado como “nação politicamente organizada”, não é

admissível, pois, ainda que eventualmente uma nação possa formar um Estado, o Estado não

precisa nunca de uma nação para se estabelecer, a exemplo do que ocorreu com a Suíça

(PEDERNEIRAS, 1965, p. 93).

Apesar de Santi Romano destacar que as divergências doutrinárias raramente

repercutem na linguagem legislativa, nem dão lugar a incertezas de interpretação, porque

estão mais voltadas a esclarecer a natureza do Estado, propõe-se também a apresentar um

conceito. Parte da ideia de que, como instituição, é indubitavelmente um ente real, mas sua

3 É assente na doutrina que a inclusão do termo “Estado”, na literatura política, coube a Nicolau Maquiavel, por meio da obra “O Príncipe”, publicada em 1531, em cujo início se lê: “Todos os Estados, todos os domínios que têm autoridade sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados”. (MACHIAVEL, Nicolau. O príncipe. 3. ed. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 3)

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realidade está condicionada, unicamente, pela positividade da ordenação jurídica que nele se

concretiza (ROMANO, 1977, p. 61-63). E conclui de uma forma lapidar que:

[...] a definição de Estado mais ampla e sintética que se pode formular é a seguinte: ‘é Estado toda ordenação jurídica territorial soberana, isto é, originária’. O termo ‘ordenação jurídica’, quando for conveniente ressaltar mais explicitamente certos aspectos do conceito, pode ser substituído por outros, substancialmente equivalentes, como ‘ente’, ‘comunidade’ ou ‘instituição’. (ROMANO, 1977, p. 92-93)

É com Hans Kelsen que a aproximação do direito ao Estado atinge o seu ápice, pois,

ao procurar identificá-lo com a pureza do direito, conclui que “o Estado é aquela ordem da

conduta humana que chamamos de ordem jurídica” (KELSEN, 1992, p. 190). Com isso,

afasta-se dos sociólogos que procuram conformá-lo a um complexo de ações, orientadas por

uma ordem normativa, porque nenhuma das ações que formam o objeto da sociologia

identifica-se com ele. Para o autor, o liame que existe entre Estado e ordem jurídica é

inequívoco, e isto se evidencia pelo fato de que mesmo os sociólogos caracterizam-no como

uma sociedade política organizada (KELSEN, 1992, p. 274). É certo que nos dias de hoje, a

ideia de um conceito puramente jurídico já não possui muitos adeptos, entretanto, não se

pode olvidar a influência que ainda desempenha no seu estudo.

De acordo com Heller, o Estado é uma unidade de ação humana organizada, de

natureza especial. A lei da organização é a lei básica da formação do Estado. A sua unidade é

a unidade real de uma estrutura ativa cuja existência, como cooperação humana, torna-se

possível graças à ação de órgãos especiais conscientemente dirigidas para a formação eficaz

de unidade (HELLER, 1968, p. 274).

Deste modo, existe um centro de ação produzido por múltiplas forças, mas que por

sua parte, atua unitariamente, cujos atos não se podem atribuir nem à soma dos membros tão

somente, nem aos órgãos em si, nem muito menos à ordenação isoladamente considerada. É

que o Estado não se decompõe em governantes e governados, pois só em razão de uma eficaz

ordenação, ambos atuam e se completam como uma unidade de ação. A unidade de ação

operada de forma organizada produz, em regra, uma multiplicação das forças individuais

(HELLER, 1968, p. 276).

Disto dimana que os homens unidos por meio de uma organização estatal, podem

potencializar o resultado das suas ações, de forma a exceder em muito a mera soma das

atividades individuais.

Com essa concepção, Heller demonstra que o Estado existe e tem sua atuação

balizada por uma indissociável relação com a realidade social, o que está em consonância com

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a concepção de Pasold, adiante adotada, de que o Estado dever cingir-se sempre aos interesses

da sociedade, a sua criadora. Esta é uma constatação fundamental para compreender-se que o

Estado ainda se apresenta como o paradigma que melhor possibilita uma cooperação

planificada de homens e instituições, para o atingimento dos seus fins.

1.2 Os fins do Estado

Ao falar-se dos fins do Estado atinge-se o ponto que mais se apresenta perceptível ao

cidadão. Se é certo que o Estado é uma criação da sociedade, para que fins os homens o

criaram? Esta é a pergunta que, mesmo entre leigos, ouve-se com frequência, no sentido de

questionar, não propriamente as suas finalidades, mas as suas deficiências.

Procurando sistematizar as divergências teóricas acerca dos seus fins, Azambuja

observa que a quase totalidade dos escritores confunde o fim, com a sua competência. Se a

competência diz respeito aos negócios, às espécies de atividades, aos meios empregados e às

pessoas sobre as quais ele exerce o poder, o fim é o objetivo que o Estado visa a atingir

quando exerce esse poder. Enquanto a competência é variável, conforme a época e o lugar, o

fim é invariável e pode ser sintetizado como a realização do bem público ou bem comum

(AZAMBUJA, 2005, p. 114).

Contudo, o fim do Estado, apesar de imutável, é delimitado pelos traços que o

configuram no tocante a sua maior ou menor participação intervencionista, de forma que, se

cingido pelos ideais liberais, abstém-se, em parte, das coisas pertencentes ao bem comum,

ainda que não o recuse, mas deixando à sociedade, a liberdade de atingi-lo por meio de suas

próprias ações, enquanto noutro extremo, no Estado de Bem-Estar4, o bem comum está na

base teórica que lhe dá sustentação, chegando mesmo a matizar-lhe concretamente os seus

contornos.

Disto conclui-se que o Estado existe não como um fim em si mesmo, mas como

instrumento para que os indivíduos evoluam e se aperfeiçoem, criando, no dizer de Catherein,

“as condições indispensáveis para que todos os seus membros, nos limites do possível,

atinjam livre e espontaneamente, sua felicidade na terra” (SALVETTI NETTO, 1977, p. 67-

68). Infere-se, portanto, que “é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o

4 “O Estado do Bem-estar (Welfare state), ou Estado assistencial, pode ser definido, à primeira análise, como Estado que garante ‘tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade mas como direito político’”. (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de Carlos Nelson Coutinho et. al. 12. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, v. I, p. 416.

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contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”

(SARLET, 2002, p. 68).

Embora sob outro viés, ao esboçar as linhas gerais do Estado, Pasold apresenta uma

apropriada abordagem que demonstra claramente na sua conformação o bem comum como o

elemento primordial para a sua existência. Para esse mister, destaca três pontos essenciais,

colocados numa ordem conveniente: a) a sua condição instrumental; b) o seu compromisso

intrínseco com o bem comum ou interesse coletivo; e, c) a interferência na vida da sociedade.

A condição instrumental é consequência de dupla causa, a primeira é que o Estado

nasce da sociedade, a segunda, consequência daquela, é que deve existir para atender as

demandas que, permanente ou conjunturalmente, esta mesma sociedade deseja que sejam

atendidas. O compromisso intrínseco com o bem comum ou interesse coletivo pode ser

extraído da conclusão de que se a sociedade foi a criadora e o Estado a sua criatura, este deve

conformar-se aos interesses daquela, porque do contrário, não há sentido na sua criação e

existência continuada. Por fim, a interferência do Estado na vida dos indivíduos deve se dar

na medida necessária a alcançar o bem comum (PASOLD, 2003, p. 44-56).

Do exposto, denota-se que para conhecer os fins do Estado é necessário desvelar os

contornos do bem comum, mesmo que não seja possível estabelecer-lhe uma definição

acabada do complexo conteúdo que dele dimana, sendo suficiente uma noção aproximada.

Neste sentido, colhe-se de Azambuja a seguinte conceituação:

O bem comum consiste, pois, no conjunto dos meios de aperfeiçoamento que a sociedade politicamente organizada tem por fim oferecer aos homens e que constituem patrimônio comum e ‘reservatório’ da comunidade: atmosfera de paz, de moralidade e de segurança, indispensável ao surto das atividades particulares e públicas; consolidação e proteção dos quadros naturais que mantêm e disciplinam o esforço do indivíduo, como a família, a corporação profissional; elaboração, em proveito de todos e de cada um, de certos instrumentos de progresso, que só a força coletiva é capaz de criar (vias de comunicação, estabelecimentos de ensino e de previdência); enfim, coordenação das atividades particulares e públicas tendo em vista a satisfação harmoniosa de todas as necessidades legítimas dos membros da comunidade. (AZAMBUJA, 2005, p. 116)

Nas encíclicas de João XXIII, reconhecidas pela importância, não apenas sob o

aspecto religioso, moral e eclesiástico, mas também e, sobretudo sob o aspecto social, pela

referência direta a questões muito vivas e presentes em nosso tempo, o bem comum refulge

como o fim que o Estado deve continuamente almejar concretizá-lo. Procurando harmonizar

as relações entre os seres humanos e responsabilizando-os juntamente com os poderes

políticos pelos destinos da sociedade, explicita que:

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[...] todo o cidadão e todos os grupos intermediários devem contribuir para o bem comum. Disto se segue, antes de mais nada, que devem ajustar os próprios interesses às necessidades dos outros, empregando bens e serviços na direção indicada pelos governantes, dentro das normas da justiça e na devida forma e limites de competência. Quer isto dizer que os respectivos atos da autoridade civil não só devem ser formalmente corretos, mas também de conteúdo tal que de fato representem o bem comum, ou a ele possam encaminhar. Esta realização do bem comum constitui a própria razão de ser dos poderes públicos, os quais devem promovê-lo de tal modo que, ao mesmo tempo, respeitem os seus elementos essenciais e adaptem as suas exigências às atuais condições históricas. (AS ENCÍCLICAS SOCIAIS DE JOÃO XXIII, 1963, p. 595)

O mesmo documento, ao sintetizar o pensamento cristão, esclarece que o “bem

comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam

o desenvolvimento integral da personalidade humana” (AS ENCÍCLICAS SOCIAIS DE

JOÃO XXIII, 1963, p. 596).

Seguindo idêntico pensamento, para Melo, o bem comum diz respeito aos fatores

propiciados pelo Estado com vistas ao bem-estar coletivo, formando o patrimônio social e

configurando o objetivo máximo da nação. Para ser alcançado é necessário que os cidadãos

estejam unidos por um mínimo de consenso sobre valores sociais de solidarismo (MELO,

2000, p. 15).

Na mesma linha, Oliveira complementa que na busca do bem comum, o que importa

não é a realização do próprio EU, no sentido de ver-se em si mesmo seu próprio fim, com a

exclusão dos demais, porque o desenvolvimento integral do indivíduo não se pode concretizar

sem a cumplicidade e participação dos outros associados. Só há bem-estar na medida em que

o homem se integra à sociedade e estabelece através dela, um fecundo intercâmbio de bens

com os demais membros, de modo que todos sejam chamados a contribuir, de acordo com

suas possibilidades (OLIVEIRA, 199, p. 278).

Desta breve exposição, vê-se que o bem comum é obra de todos, tanto da sociedade

por meio dos seus cidadãos, como do Estado, através das ações dos seus governos. Quer se

dizer que, apesar da cultura popular impingir ao Estado a responsabilidade por grande parte

das políticas direcionadas ao atingimento de condições dignas de vida, todos têm o dever de

cooperar para esse desígnio.

Os cidadãos devem contribuir, seja cumprindo as obrigações estatuídas pelas regras

jurídicas, a exemplo da obrigação de recolher os tributos sob sua responsabilidade, seja

espontaneamente por meio de condutas, ações ou serviços voltados ao bem estar de todos. O

Estado, por seu turno, deve realizar uma administração transparente e honesta dos recursos

públicos e conformar o ordenamento jurídico visando à criação de uma consciência solidária,

por meio da instituição de normas justas. Nesta senda, se bem utilizada, a tributação se afigura

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como um valoroso instrumento que pode contribuir para a melhoria das condições de vida dos

cidadãos.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRIBUTAÇÃO

2.1 Conceito de tributo

As funções do Estado não se restringem apenas a assegurar a ordem e a justiça, mas a

ofertar sistemas de previdência e assistência, zelando pela velhice, pela doença, pela família,

enfim, adotando políticas de atendimento às necessidades públicas dos cidadãos para que

possam ter uma existência digna.

As necessidades públicas não se confundem com as necessidades individuais, nem

com as coletivas. Enquanto as necessidades individuais são satisfeitas diretamente por cada

pessoa através de seu próprio esforço, as coletivas realizam-se pelo esforço coordenado de

grupos privados estruturados em associações, clubes, igrejas, etc. Diferentemente, as

necessidades públicas são concretizadas pela atuação do Estado que toma a si a

responsabilidade de provê-las. Os recursos necessários ao financiamento destes serviços são

obtidos quase que exclusivamente através da arrecadação de tributos.

Os tributos caracterizam-se como uma manifestação do poder de império do Estado,

impondo obrigações pecuniárias à sociedade, retirando-lhes parte da riqueza produzida, com o

propósito de realizar a atividade financeira. Esta é desempenhada pela obtenção de receitas,

pela administração do produto arrecadado e, ainda, pela realização de dispêndios ou despesas

(BASTOS, 1994, p. 2). É no orçamento público que as receitas e despesas são confrontadas,

objetivando uma gestão equilibrada das contas públicas.

Do ponto de vista jurídico, “tributo é toda prestação pecuniária em favor do Estado

ou de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei, instituidor de

relação jurídica” (COÊLHO, 1999, p. 381). Segundo a concepção de Torres, diante da

ampliação dos poderes estatais que a Constituição Federal5 concebeu para o Brasil, o conceito

de tributo também deve ser alargado. Assim, o autor conceitua tributo como o:

[...] dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas

5 A expressão “Constituição Federal” será utilizada neste texto como referência à Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, com as respectivas alterações.

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liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição. (TORRES, 2000, p. 320-321)

É relevante ainda destacar que os tributos distinguem-se das multas e indenizações

porque estas não decorrem de um fato lícito. Da mesma forma, contrapõem-se às prestações

pecuniárias contratuais, porque receitas desta natureza são originárias de acordos de vontades

(contratos), enquanto os tributos têm sua exigência fundada em lei. Não se confundem ainda

com deveres pecuniários compulsórios de índole privada como, seguro obrigatório ou

obrigação de alimentar, porque, nesses casos, o credor é pessoa jurídica de direito privado ou

pessoa natural (COÊLHO, 1999, p. 381).

Do exposto, cabe assinalar que os tributos se conformam especialmente ao princípio

da legalidade, de que é corolário o princípio da tipificidade, o que, em resumo, significa que

somente o legislador tem o poder para editar a lei tributária e nela devem constar com clareza

os elementos relacionados à sua criação. É que não basta à lei criar um tributo, precisa

obrigatoriamente tipificar as situações que permitem à Administração Pública exigi-lo dos

contribuintes. Em outras palavras, precisa definir as hipóteses de incidência para que o fisco

possa identificar e exigir dos contribuintes o seu pagamento. Destarte, se a hipótese de

incidência do Imposto Territorial Rural é ser proprietário de um imóvel com características

rurais, todo aquele que se enquadrar nesta situação ficará sujeito ao pagamento deste imposto

e o Estado deterá o poder de exigi-lo de tais contribuintes.

Portanto, o campo de abrangência de um tributo é definido pelas situações descritas

na lei (hipótese de incidência) que quando ocorrem, possibilitam ao Estado exigir o

cumprimento da obrigação de pagá-lo. No Brasil, a Constituição Federal, além de estabelecer

as espécies tributárias que pertencem a cada ente público (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios), também delimitou exaustivamente todas as situações passíveis de serem

definidas como hipótese de incidência. Deste modo, a instituição de um tributo, exige da lei

que o instituir, a perfeita consonância com as determinações constitucionais.

Contudo, o legislador infraconstitucional deverá ainda e especialmente, guiar-se

pelos princípios fundamentais da tributação que o constituinte elegeu para a instituição do

justo tributo a ser exigido dos contribuintes, notadamente, o princípio da capacidade

contributiva.

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2.2 O princípio da capacidade contributiva como corolário da solidariedade social

Se a tributação tem por escopo retirar uma porção da riqueza de cada cidadão para o

financiamento do Estado, essa atividade deve observar determinados critérios e bases

imponíveis, de forma a torná-la justa e o mais eficiente possível.

De acordo com Adam Smith, considerado um dos precursores dos fundamentos

modernos da tributação, em sua obra A Riqueza das Nações, a exigência dos tributos dos

contribuintes deve ser conformada, de forma a atender quatro máximas ou princípios

fundamentais: a equidade, a certeza, a conveniência do pagamento e a economia do

recolhimento. Para os fins desta análise, importa destacar a equidade, por ser a precursora do

princípio da capacidade contributiva.

A equidade diz respeito à necessidade do Estado exigir que cada um contribua na

proporção dos rendimentos que desfruta sob a proteção do poder público. Por esta ótica, as

despesas do governo são comparáveis às dos rendeiros de uma grande fazenda, onde cada um

cada um contribui em proporção aos respectivos interesses e benefícios que têm na

propriedade. Conclui o autor ser essa a razão para que os ricos paguem mais, pois necessitam

de uma maior segurança para proteger os seus bens. A observância ou não cumprimento deste

princípio resulta na igualdade ou desigualdade da tributação (SMITH, 1996, p. 282-284).

Da concepção de equidade se originou o princípio da capacidade contributiva, com a

mesma configuração daquela, ou seja, uma tributação em que "cada um deve contribuir na

proporção de suas rendas e haveres" (TORRES, 2000, p. 83). Isto significa que no momento

de descrever a situação hipotética que acarretará a incidência do tributo, caso concretizada, o

legislador deve levar em conta se a situação exprime a condição econômica do agente de arcar

com o seu ônus. Vê-se que a observância deste princípio "tem por objetivo legitimar a

tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos paguem

mais e os pobres, menos" (LEÃO, 1999, p. 17).

Nesta linha, Stuart Mill acrescenta que a igualdade deve ser a norma que norteia tudo

aquilo que diz respeito ao governo, porque não lhe é permitido fazer nenhuma discriminação

de pessoas e classes no momento de exigir um sacrifício. Com efeito, se alguém carrega uma

cota de peso menor do que aquela que por justiça lhe cabe, alguma pessoa tem que carregar

mais do que lhe é suportável. A igualdade de tributação expressa nessa perspectiva, igualdade

de sacrifício, o que pressupõe uma exigência proporcional à riqueza de cada um. Em sua

opinião, ainda que esse padrão não possa ser atingido na plenitude, deve ser o ideal almejado

pelos modelos tributários (MILL, 1983, p. 290).

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Entretanto, apesar de o autor nomeado defender a tributação proporcional, manifesta-

se contrário à sua incidência progressiva, sob o argumento de que “taxar as rendas mais altas

em uma percentagem maior do que as rendas menores significa impor um tributo à iniciativa

e à parcimônia, impor uma penalidade a pessoas por terem trabalhado mais duro e

economizado mais do que seus vizinhos” (MILL, 1983, p. 293).

Pelo princípio da proporcionalidade a fixação de contribuições concretas para os

particulares deve ser feita em proporção às singulares manifestações de capacidade

contributiva de cada qual, já que o desejado é que o tributo não seja desproporcional a ela. A

proporcionalidade se caracteriza essencialmente pela adoção de idênticos percentuais de

tributação sobre determinada situação ou fato. Pelo princípio da progressividade a alíquota se

eleva à medida que aumenta a quantidade gravada. Assim, rendas ou riquezas menores se

submetem a percentuais menores que se elevam na medida em que aquelas aumentam

(VILLEGAS, 1974, p. 92).

Embora o princípio da capacidade contributiva seja a mais alta aspiração a ser

perseguida pelo legislador na edição das prescrições normativas, está relacionado, de forma

mais efetiva, aos impostos. E mesmo nestes, há uma diferença de aplicabilidade entre os

denominados impostos diretos dos indiretos.

Nos primeiros, a exemplo do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, é possível

atingir uma maior efetividade na sua aplicação, visto que a incidência leva em conta os

proventos e rendas de cada contribuinte, submetendo-os a uma tributação progressiva. Por sua

vez, nos impostos indiretos, onde o “contribuinte de direito”6 apenas efetua o seu

recolhimento, repassando o encargo ao consumidor final que é o “contribuinte de fato”7, o

princípio da capacidade contributiva não pode ser plenamente aplicado, pela impossibilidade

de se conhecer as condições pessoais dos contribuintes. O expediente utilizado e que prestigia

em parte o princípio é a adoção de alíquotas proporcionais, mas seletivas, de modo que

produtos de primeira necessidade, como alimentos e medicamentos, possuem tributação

reduzida ou inexistente e outros, considerados supérfluos, apresentam tributação elevada. Diz-

se que o princípio é prestigiado em parte porque, embora o consumo de certos produtos revele

indiretamente a capacidade econômica do consumidor, a realidade mostra que, via de regra,

são adquiridos por todos, independente da classe social.

6 Contribuinte de direito ou sujeito passivo da obrigação tributária é aquele que tem o dever legal de recolher o tributo. 7 Contribuinte de fato é a pessoa que suporta o ônus econômico do tributo, total ou parcialmente, por não poder repassar o seu custo a outra pessoa. Em resumo, é o consumidor final.

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Do exposto é possível inferir que se os tributos representam o sustentáculo financeiro

do Estado, o modelo que melhor que se coaduna com a solidariedade social é uma tributação

conformada à capacidade econômica dos cidadãos quem são instados a contribuir.

3 CONTRIBUTO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL TRIBUTÁRIA PARA O FUTURO DO ESTADO

3.1 A solidariedade social tributária

A solidariedade social não é concepção nova. Embora já existisse na antiguidade,

surgiu com certo vigor no século XVIII, na França pós-revolução e foi redescoberta no fim do

século XIX por economistas como Charles Gide, sociólogos como Émile Durkeim e juristas

como Léon Duguit, Maurice Hauriou e Georges Gurvitch. Após um período de esquecimento,

a ideia de solidariedade só voltará verdadeiramente à discussão, com o surgimento da

chamada quarta geração de direitos fundamentais, associados aos direitos ecológicos, como a

defesa e preservação do meio ambiente, defesa e valorização do patrimônio cultural, cuja

integração num texto constitucional verificou-se pela primeira vez na Constituição Portuguesa

de 1976 (PRADE, 1997, p. 19).

Etimologicamente, o termo solidariedade tem as suas raízes na expressão latina

solidarium, que vem de solidum e soldum, com o sentido de inteiro ou compacto. Daí que a

solidariedade se refere ao sentimento de pertencer a um grupo de pessoas para a realização de

fins que só na sociedade pode-se atingir. Disto resulta que ela pode ser entendida como uma

relação de co-responsabilidade e partilha que vincula cada um dos indivíduos aos demais

membros da comunidade. É assim um liame que se estabelece no seio da coletividade,

objetivando a mútua ajuda nas dificuldades e nas necessidades (GRECO, 2005, p. 111-112).

Antes de avançar, faz-se necessário enfatizar que não é sob a ótica da solidariedade

mecânica que esta abordagem pretende seguir, mas da solidariedade orgânica. A primeira, diz

respeito a uma forma mais reduzida de solidariedade, onde as pessoas se auxiliam no âmbito

de grupos, em decorrência de aspectos relacionados a parentesco, amizade, afinidade social,

psíquica, religiosa ou de outra ordem. Na segunda, estabelece-se uma interdependência

inevitável entre os indivíduos que constituem uma determinada comunidade, visando a um

ambiente de coexistência harmônica e de serviços reciprocamente prestados (PRADE, 1997,

p. 19).

A solidariedade orgânica pressupõe uma postura ética no comportamento pessoal

frente à coletividade, porque “a ética propõe um estilo de vida visando à realização de si

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juntamente com os outros no âmbito da história de uma comunidade sociopolítica”

(PEGORARO, 1995, p. 11). Nesse viés, a concretização do bem comum é alcançado pela

prática da justiça, onde é “a virtude que relaciona o indivíduo com os outros. Somente a

justiça abre a pessoa à comunidade; ninguém é justo para si, mas em relação aos outros, a

justiça é a virtude da cidadania que regula toda a convivência política” (PEGORARO, 1995,

p. 13). Deduz-se então que a solidariedade perpassa pela ideia de justiça, ao criar um vínculo

de apoio recíproco entre as pessoas que participam dos grupos beneficiários da redistribuição

dos bens sociais.

Desta constatação emerge que a solidariedade implica o entendimento de que todos

são portadores de direitos que só são garantidos, porque sustentados por deveres, nem sempre

distribuídos igualmente a todos. Portanto, se é possível afirmar, com certo rigor, que não há

Estado sem direitos, pode-se também concluir que não haveria muitos direitos sem tributos.

Em certa medida, os direitos só existem em decorrência do financiamento advindo de

recursos públicos obtidos mediante as receitas tributárias, que são a fonte quase exclusiva de

rendas do Estado.

Nessa configuração, para subsistir o princípio da solidariedade social tributária, todos

devem contribuir para as despesas coletivas, de acordo com a capacidade de cada um, com

vistas a reduzir as desigualdades sociais. Assim, o ideário da solidariedade social tributária

compreende, de um lado, uma tributação diferenciada, elevando-se progressivamente com o

aumento da capacidade econômica de cada um e, de outro, a aplicação dos recursos

arrecadados de acordo com as necessidades sociais das pessoas com menor capacidade

econômica de subsistência.

Mas este não era o pensamento difundido por economistas e revolucionários no

século XVIII. Para Adam Smith, a justificação para se tributar desigualmente as pessoas e

seus bens, na proporção de suas riquezas e rendas, estava vinculada diretamente a uma maior

atuação estatal na preservação da propriedade e na garantia do processo de acumulação de

bens dos mais ricos. Significava que cada um deveria contribuir em valor proporcional aos

respectivos interesses que tinha na manutenção do seu patrimônio. Os ricos, em particular, se

interessavam em manter essa ordem das coisas, para assegurar-lhes a posse de suas próprias

vantagens contra o risco de usurpação pelos pobres. O mesmo ocorria com aqueles que

tinham alguma propriedade contra os que não possuíam propriedade alguma (SMITH, 1996,

p. 282)

Hodiernamente, a justificação para a instituição de tributos com incidência desigual,

especialmente através da utilização da progressividade, funda-se na ideia da mútua

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colaboração entre as pessoas. É que diante das adversidades que a todos pode acometer,

causadas por incontáveis motivos, como de ordem econômica (insolvência, desemprego, etc.),

ambientais (catástrofes naturais) e mesmo de situações existenciais (incapacidades, doenças,

velhice, morte, etc.), as diferenças materiais podem ser minoradas através do auxílio conjunto,

de forma que todos possam viver melhor e com dignidade.

Neste contexto, Rawls explica que as diferenças materiais dos indivíduos são

causadas por fatores de origem familiar ou de classe menos favorecida, de dotes naturais que

permitem a alguns um bem-estar menor que outros ou da própria sorte, que ao longo da vida

acabou por revelar-se menos feliz. Para reduzir essas diferenças aponta para a necessidade de

estabelecer-se uma justiça aproximativa das partes a serem distribuídas que pode se dar,

dentre outros mecanismos, por meio de uma tributação progressiva sobre as rendas e os bens

acumulados pelas pessoas. Não se trata de desestimular a acumulação da riqueza; contanto

que as desigualdades resultantes tragam vantagens para os menos afortunados. Assim,

estabelece um elo de ligação entre a solidariedade e a tributação, de forma que as

desigualdades na distribuição da renda e da riqueza serão consideradas justas, se contribuírem

também para a melhoria dos cidadãos despossuídos, especialmente através do oferecimento

de oportunidades iguais a todos (RAWLS, 2002, p. 64, 103, 306-307).

É na Teoria da distribuição dos encargos públicos, defendida pelos franceses

Laferrière e Waline, que essa concepção ganhou adeptos e é hoje aceita pela maioria da

doutrina, como apropriada para justificar a existência dos tributos. Como explica Villegas,

para esses autores:

[...] a obrigação impositiva é conseqüência da solidariedade social. Essa solidariedade é de todos os membros da comunidade, que têm o dever de sustentá-la. A obrigação individual não se mede pelas vantagens que o particular obtém do Estado, como preconizavam as teorias precedentemente analisadas. Tal obrigação se estabelece em virtude da capacidade pessoal do indivíduo de contribuir para os gastos da comunidade, como forma de fazer com que cada um participe dos mesmos, segundo suas possibilidades. Numa posição parecida, o mestre italiano Griziotti afirma que o indivíduo recebe benefícios gerais (por exemplo, a segurança) e particulares (por exemplo, agricultores que utilizam caminhos públicos) e que tanto uns como outros aumentam sua capacidade econômica, sem prejuízo do dever de solidariedade dos cidadãos em geral. (VILLEGAS, 1980, p. 11)

O sistema jurídico assim estruturado faz com que a tributação deixe de ser apenas um

instrumento de geração de recursos para o Estado, e amplia seu campo de abrangência, para

alcançar outros objetivos fundamentais definidos nos textos constitucionais. Dessa forma, a

ideia de um Estado que tributa manifestações de riqueza dos mais abastados para depois

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redistribuí-la a quem não detém os recursos suficientes para manter uma vida digna, está

fortemente ligada à noção de solidariedade social tributária.

Conclui-se que, se a convivência social só faz sentido quando há mútua colaboração

entre os indivíduos, a exigência de tributos só se justifica se contribui fortemente para a

concretização desse ideal solidário.

Conquanto tenha sido idealizada como instrumento para a consecução de fins a

serem concretizados no domínio do espaço territorial do Estado, não há óbice à criação de

meios que a permita transformá-la em mecanismo para a resolução de problemas sociais de

ordem transnacional8 ou que atingem comunidades residentes fora das fronteiras estatais.

3.2 Solidariedade social tributária interna e externa

Com a abertura das fronteiras e o crescente processo de globalização9 econômica,

cultural, política e social, os problemas que antes podiam ser resolvidos internamente, com

medidas aplicadas no território do Estado, agora, por vezes, exigem ações que transcendem

aos espaços nacionais. Evidencia-se que situações como as recentes crises econômicas e

questões ambientais não podem ser tratadas com instrumentos que se restringem aos limites

fronteiriços estatais, mas de forma conjugada e em cooperação com os Estados envolvidos.

Partindo da premissa de que, ainda que se viva localmente, seja necessário pensar

globalmente, UIrich Beck criou a expressão “glocales”, como uma referência às questões que

precisam ser enfrentadas conjuntamente em âmbito global e local (BECK, 2002, p. 23). Sob

este viés, há necessidade de se compartilhar ou socializar riscos, o que importa numa

responsabilidade interna e externa que outrora não era imaginada nos Estados Nacionais10.

Sob esta ótica, o debate que se estabelece em torno da solidariedade social tributária

precisa ser avaliado nestes dois contextos: internamente, no território do Estado e,

externamente, envolvendo os demais Estados. Portanto, do ponto de vista financeiro, a

responsabilização dos riscos exige que se amplie a abrangência da solidariedade social

tributária para contemplar também os espaços transnacionais.

8 Adota-se a expressão “transnacional” como referência aos territórios externos, não circunscritos aos limites das fronteiras nacionais. 9 Santos define Globalização como “conjuntos de relações sociais que se traduzem na intensificação das inteirações transnacionais, sejam elas práticas interestatais, práticas capitalistas globais ou práticas sociais e culturais transnacionais”. (SANTOS, Boaventura de Sousa. (org.) Globalização: Fatalidade ou Utopia. Porto: Edições Afrontamento, 2001, p. 90). 10 Adota-se a expressão “Estado nacional” como referência a um poder estatal soberano estabelecido numa área territorial delimitada por fronteiras.

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Quando se faz referência à solidariedade social tributária interna tem-se o propósito

de destacar que a tributação deve guiar-se pela busca da redução das desigualdades entre as

pessoas e entre o nível de desenvolvimento das regiões.

A desigualdade entre as pessoas se dá essencialmente no plano financeiro,

distinguindo a sociedade em classes de acordo com a capacidade econômica. A desigualdade

entre as regiões também pode ser medida, em especial, pela ótica financeira, mas circunscrita

a determinadas áreas que apresentam níveis de desenvolvimento abaixo da média do território

nacional.

Pode contribuir para a redução das desigualdades entre pessoas a consolidação de um

sistema tributário fundado no princípio da capacidade contributiva, porque pressupõe uma

tributação desigual, considerando-se a riqueza de cada um. A adoção desse modelo permite

atingir melhores resultados quando adotada a progressividade como instrumento

concretizador da capacidade contributiva.

A instituição da progressividade está em consonância com a ideia de que os tributos

não representam apenas mero sacrifício para os cidadãos, mas, sobretudo, o contributo

indispensável a uma vida em comum e próspera para todos os membros da sociedade

organizada. É que para cumprir as suas funções e proporcionar a fruição de grande parte dos

direitos fundamentais, o Estado tem de socorrer-se das receitas tributárias. A opção que se

amolda a esse modelo é o Estado Fiscal11, mas estruturado de forma que uns paguem mais e

outros menos. Assim, todos os cidadãos são portadores de direitos, mas somente as pessoas

com capacidade contributiva têm o dever de pagar tributos. Como assevera Nabais, esse é,

seguramente, um dos preços mais baratos a pagar pela manutenção da liberdade e de uma

sociedade civilizada (NABAIS, 2004, p. 185-186).

Disto resulta que as desigualdades entre as pessoas podem ser minimizadas por meio

de uma tributação que onere com maior intensidade aquelas com maior capacidade para

contribuir e, do ponto de vista da aplicação dos recursos públicos, que privilegie as demandas

sociais das classes excluídas, impedidas de fruir minimamente os direitos fundamentais

consagrados na Constituição Federal.

Do ponto de vista das desigualdades entre regiões do mesmo Estado, o equilíbrio

pode ser obtido por meio de uma repartição das receitas tributárias, considerando as

11 A expressão Estado fiscal é utilizada para caracterizar os países contemporâneos, cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por recursos oriundos dos impostos arrecadados. (NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004, p. 191-192).

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diferenças de desenvolvimento humano, de forma que as regiões mais ricas contribuam

indiretamente com recursos maiores para atender às mais pobres. Contudo, para a estruturação

de um sistema jurídico que permita o fortalecimento desse paradigma, faz-se necessário

fortalecer o sentimento de solidariedade no seio da própria sociedade.

Avaliando esta questão, Oliveira observa que a solidariedade deu lugar a um

crescente individualismo difuso, que se vai impondo no comportamento das pessoas em seu

convívio social. Cada vez mais, a sociedade emerge como uma associação mecânica de

indivíduos para a consecução de seus fins individuais. Perde-se a dimensão comunitária do ser

humano, e assumem o centro de preocupação, a felicidade e a auto-realização de cada um, em

que tudo é válido, desde que favoreça o interesse próprio. Essa configuração social resultou,

dentre outras causas, da forma de produção do capitalismo, na sua acepção selvagem,

radicado numa mentalidade calculista, voltado excessivamente para a obtenção de lucros

(OLIVEIRA, 1993, p. 41-43).

Apesar de o quadro social brasileiro ser dos mais contrastantes, quando confrontada a

riqueza das diversas classes sociais, não se pode arrefecer diante das dificuldades imensas que

se apresentam. Busca-se no entusiasmo de Becker, as palavras que demonstram o quão

relevante pode ser uma justa estruturação tributária para o estabelecimento de uma nova

ordem social.

A verdadeira revolução que gerará o novo Ser Social deverá ser obra de humanismo cristão e seu principal instrumento um Direito Positivo integralmente rejuvenescido. [...] Nesta obra de revolução humanista cristã, para instaurar a Democracia Social, um dos principais agentes revolucionários será o Direito Tributário que pelo impacto de seus tributos destruirá a antiga ordem social e, simultaneamente, financiará a sua reconstrução. (BECKER, 2002, p. 583-584)

Do ponto de vista da solidariedade social tributária externa, o que se pretende

destacar é a possibilidade do estabelecimento de mecanismos que permitam combater

problemas que não podem ser resolvidos no âmbito dos territórios nacionais ou que digam

respeito à dignidade da pessoa humana.

Evidencia-se que há uma crescente tendência à transnacionalização de problemas,

antes circunscritos ao território do Estado. A crise mundial que atingiu o mercado financeiro

de 2008 e os problemas ambientais que acometem o planeta são exemplos que demonstram a

necessidade da busca de soluções regionais ou mesmo globais. Por outro lado, do ponto de

vista da convivência humana, não se vislumbra uma redução dos conflitos entre povos,

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agrava-se a intolerância sob diversas formas e, em muitos países, milhões de seres humanos

vivem em condições de miserabilidade.

Uma proposta que está em sintonia com o ideal da solidariedade social tributária, e

que procura contribuir para o equilíbrio do planeta e harmonia entre os povos dos diferentes

Estados, pode ser vislumbrado no modelo de Estado Constitucional Cooperativo, de Peter

Häberle.

Se internamente os laços de coesão exigem o fortalecimento da solidariedade social,

Häberle parte do pressuposto que os Estados devem adequar seus modelos constitucionais,

com base num sistema que permita a cooperação externa. Segundo o autor, a cooperação deve

ser entendida como uma categoria dotada de abertura e espontaneidade que possibilite

escolher os processos e a amplitude de variação com que será aplicada por cada Estado, de

acordo com a sua capacidade.

Assim, um Estado Constitucional Cooperativo deveria: a) reconhecer a abertura para

o mundo, fundando suas relações na solidariedade, cooperação internacional, co-

responsabilidade e entendimento entre os povos; b) estabelecer formas especiais e graduais de

cooperação; c) seguir as normas expressas nas declarações gerais e universais de direitos

fundamentais e direitos humanos no plano interno e externo; d) contribuir em tarefas

comunitárias, auxiliando no desenvolvimento, na proteção do meio ambiente, na garantia de

matéria-prima, no combate ao terrorismo e na segurança da paz mundial . (HÄBERLE, 2007,

p. 14-15)

Uma alternativa para dar maior efetividade a estas prerrogativas do Estado

Constitucional Cooperativo pode ser implementada por meio de fundos internacionais

financiados por tributos arrecadados pelos Estados.

Nesse modelo, os Estados contribuiriam para fundos comuns de acordo com o seu

grau de desenvolvimento. Estados com maior desenvolvimento econômico e social

contribuiriam com valores substancialmente maiores que os países mais pobres. Do ponto de

vista da aplicação, os recursos seriam utilizados para a resolução de problemas que produzem

efeitos para além dos territórios dos Estados ou para financiar programas que oportunizem

reduzir as desigualdades dos povos nos diferentes países.

Portanto, o propósito de fortalecimento da solidariedade social tributária nesse

contexto visa uma dupla função que está intrinsecamente ligada. De um lado, busca propiciar

mecanismos para alcançar a sustentabilidade do planeta sob os aspectos humanos, ambientais

e econômicos e, por outro, intenta reduzir as desigualdades no mundo, de forma a permitir

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que todos os seres humanos tenham acesso a um mínimo de direitos sociais necessários a uma

vida com dignidade.

A concretização desse paradigma exige uma ampliação da noção de cidadania

nacional para uma cidadania mundial, o que está em consonância com o ideal solidário de que

os seres humanos devem se guiar pelo amor ao próximo, independente das suas diferenças ou

nacionalidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo procurou-se analisar a solidariedade social no contexto da tributação,

como uma possibilidade concreta de contribuição para o fortalecimento do Estado no presente

e no futuro.

O Estado, como uma criação da sociedade, tem como fim a consecução do bem

comum. Se a vivência em sociedade, sob a organização e controle de uma entidade estatal,

pressupõe como fim maior o desejo de atingir o bem comum, os tributos se afiguram como

um dever fundamental de contribuir para que o Estado possa atender esse desígnio.

A concretização do bem comum está umbilicalmente ligada ao ideário da

solidariedade social e, no âmbito da tributação, se afigura como o seu fundamento. A

solidariedade social se efetiva com maior intensidade, quando os tributos são exigidos de

acordo com a capacidade contributiva, de forma que seja levada em consideração a riqueza

das pessoas no momento de submetê-las ao cumprimento desta obrigação. Em sentido oposto,

por ocasião da aplicação dos recursos provenientes dos tributos, o Estado deve estabelecer

como prioridades o atendimento às demandas sociais das classes menos favorecidas.

Essa configuração da estrutura tributária e da gestão pública pode ser aplicada

internamente pelo Estado – razão porque se a denominou neste artigo de solidariedade social

tributária interna – como instrumento de redução das desigualdades entre pessoas e para

fomentar a redução das diferenças de desenvolvimento entre regiões no seu território.

Contudo, a solidariedade social tributária também pode ser adotada como paradigma

para contribuir na solução de problemas que transcendem aos espaços territoriais dos Estados.

Diante de um mundo globalizado, as questões de ordem ambiental, econômica e social, não

são problemas que afetam apenas localmente, mas em muitas situações, regionalmente ou

globalmente.

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A concretização desse modelo se efetivaria pela contribuição conjunta de todos os

Estados para fundos comuns, com receitas provenientes dos tributos, arrecadados na

proporção do grau de desenvolvimento econômico e social de cada um. Para a aplicação

destes recursos seria levado em consideração as necessidades de investimentos para a redução

das desigualdades sociais entre Estados e a resolução de problemas que exigem soluções

regionais ou globais.

Vislumbra-se que o caráter solidário da atuação estatal, pensado sob a ótica da

tributação, pode ser ampliado para contemplar, não apenas as questões circunscritas ao

Estado, mas, sobretudo, aos espaços territoriais dos demais Estados, pois a sustentabilidade do

planeta, a superação das desigualdades sociais e a promoção do bem-estar social são desígnios

que precisam ser alcançados e compartilhados por toda a humanidade. Afinal, o bem-estar do

planeta e do ser humano transcende os espaços delimitados por fronteiras. É, sobretudo, um

compromisso de toda a humanidade.

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GLOBALIZAÇÃO, DIREITO TRIBUTÁRIO E DESENVOLVIMENTO: tensões entre

direito e política no percurso do acordo para troca de informações tributárias entre Brasil e Estados

Unidos

GLOBALIZATION, TAX LAW AND DEVELOPMENT: tensions between law and politics involving the

exchange of tax information agreement between Brazil and the United States

Frederico Silva Bastos1

RESUMO:

O fenômeno da globalização possibilitou a internacionalização das empresas, a livre

movimentação de capitais e acirrou a competição global por novos mercados. Enquanto no

passado as políticas fiscais eram estabelecidas visando apenas à solução de problemas domésticos,

com a globalização exige-se que as administrações tributárias estejam preparadas para atuar e

planejar suas políticas também de maneira global. Para lidar com esse cenário, novas formas de

regulação são exigidas. Sob este ponto de vista, um esforço na celebração de tratados, convenções

e acordos tem sido realizado pela comunidade internacional. No âmbito tributário, um instrumento

valioso e viável na fiscalização e combate de crimes fiscais tem sido o intercâmbio de informações

entre administrações tributárias. O Brasil tem realizado esforços para adequar suas instituições e

legislações aos padrões internacionais no que tange a troca de informações tributárias, inclusive

conta com 34 convenções sobre dupla tributação com cláusula de troca de informações e um

acordo específico de intercâmbio de informações tributárias assinado com os Estados Unidos em

2007. Contudo, para que um tratado, convenção ou acordo internacional celebrado com outro

Estado seja aplicável, o ordenamento jurídico brasileiro exige-se que, depois de celebrado o

instrumento internacional venha a ser ratificado pelo Congresso Nacional, nos moldes do artigo

49, I da Constituição Federal. Assim, embora assinado em 2007, o debate sobre o acordo para

troca de informações se estendeu até o inicio de 2013, quando o texto do acordo foi aprovado pelo

Congresso. Para que esse passo importante fosse dado na administração tributária brasileira foram

realizados debates políticos e jurídicos sobre os PDC 413/207 e PDS 30/2010, na Câmara dos

Deputados e no Senado, respectivamente. A partir do estudo realizado foi possível compreender

algumas tensões, intenções, argumentos e, identificar falhas no processo de aprovação do acordo e

de harmonização com o sistema jurídico brasileiro que permearam a discussão legislativa desse

instrumento.

PALAVRAS-CHAVE: Troca de informações; Evasão Fiscal; Administração Tributária; Câmara

dos Deputados; Senado, Acordo Internacional.

1 Mestrando em Direito pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito GV) e Pesquisador do Núcleo de

Estudos Fiscais – NEF/FGV

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ABSTRACT:

The phenomenon of globalization has enabled the internationalization of companies, the free

movement of capital and the global competition for new markets. While in the past fiscal policies

were established aiming only to answering domestic problems with globalization tax

administrations must be prepared to act and plan their policies also globally. To handle this

scenario, new forms of regulation are required. Thus, an effort to conclude treaties, conventions

and agreements have been made by the international community. Under tax law, a valuable and

viable mechanism to monitor and combat tax crimes has been the exchange of information

between tax administrations. Brazil has made efforts to adapt their laws and institutions to

international standards regarding the exchange of tax information, including has 34 double

taxation treaties with information exchange clause and a specific agreement on exchange of tax

information signed with the United States in 2007. However, under Brazilian Constitution for a

treaty, convention or international agreement with another state becomes applicable, the law

requires that, after the signature of the international instrument the Congress must ratified as well.

Thus, although signed in 2007, the debate on the agreement to exchange information spread until

early 2013, when the text of the agreement was approved by Congress. For this important step was

taken in tax administration were performed Brazilian political and legal debates about the PDC

413/207 and PDS 30/2010, at the House of Representatives and Senate, respectively. From the

study it was possible to understand some tensions, intentions, arguments, and identify gaps in the

approval process of agreement and harmonization with the Brazilian legal system that permeated

the discussion of this legislative instrument.

KEYWORDS: Exchange of information; Tax Administration; House of representatives; Senate;

International Agreement.

I. INTRODUÇÃO

O mundo e as operações tributárias hoje atuam em um cenário onde as fronteiras

geográficas são cada vez menos importantes. O fenômeno da globalização permite que as

distâncias se aproximem e as informações se disseminem. Neste contexto, a competição global

entre empresas transnacionais se acirra, principalmente, em relação à redução de custos e

conquista de novos mercados1.

A tributação é um dos principais fatores que determinam a circulação de bens, capital e

pessoas2. Essa mobilidade aliada a busca de redução de custos possibilitou o surgimento práticas

competitivas em escala global3.

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Com efeito, a globalização e a internacionalização das empresas são fenômenos que

precisam ser considerados pelas modernas administrações tributárias. Enquanto no passado as

políticas fiscais eram estabelecidas em cada país visando apenas à solução de problemas

eminentemente internos, com a globalização e a livre movimentação de capitais houve uma

profunda mudança na forma como os diferentes sistemas tributários e, consequentemente, as

administrações tributárias, se relacionam.

Vivemos em uma sociedade em rede4, submetidos a um novo modelo de Direito com alto

nível de compartilhamento de informações. Nesse modelo, as ferramentas legais tradicionais são

colocadas em discussão devido a transformação das relações entre os Estados no cenário global5.

Em muitas situações, as leis domésticas revelam-se ineficientes diante da dimensão global de

determinadas questões jurídicas. Assim, novas formas de regulação e reguladores surgem,

“aumentando o leque de soluções jurídicas para a organização e funcionamento da

administração”6.

Soberania do Estado, cidadania, território e jurisdição são conceitos jurídicos que foram

construídos no passado e acompanharam o Direito até a modernidade, permitindo a construção de

vários sistemas jurídicos7. Estes conceitos tradicionais, no entanto, são desafiados pela constante

inovação científica e tecnológica, bem como por uma rede global que envolve e reduz

significativamente os limites geográficos8.

Sob este ponto de vista, um esforço na celebração de tratados internacionais, convenções

e acordos parece ser uma solução viável não só para adotar normas comuns e harmonizadas, mas

principalmente para regular particularidades que por si só, não podem ser concentradas apenas na

dimensão nacional, como é o caso do planejamento tributário abusivo, da dupla tributação e da

lavagem de dinheiro9.

Logo, responder a esses novos desafios através de medidas internas tende a ser inócuo10

,

haja vista que a globalização da atividade econômica inviabiliza intervenções legislativas isoladas

por parte de cada país e exigem uma ação mais harmônica e compartilhada da comunidade

internacional.

Assim, o principal caminho encontrado pela comunidade internacional para lidar com as

questões tributárias que extrapolam suas fronteiras foi por meio de tratados, convenções e acordos,

e organizações globais que contribuem para a padronização e harmonização de algumas práticas.

Nesse cenário de incentivo a cooperação internacional para fins de combate a evasão

fiscal é que se apresentam os mecanismos e os organismos internacionais voltados a troca de

informações em matéria tributária. Com a cooperação internacional por meio desses instrumentos

as nações se comprometem, entre outras coisas, a contribuir para uma maior eficiência da troca de

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informações entre administrações fiscais. Sobre a importância da informação para a atuação das

administrações tributárias, Marco A. Greco destaca que “para haver controle, fiscalização,

eficiência na aplicação da legislação a informação é indispensável”11

.

Algumas organizações, por já terem desenvolvido projetos importantes e fóruns

internacionais, podem ser identificados como relevantes na área de troca de informações em

matéria fiscal, nomeadamente: a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento

(OCDE), a Organização das Nações Unidas (ONU), o G20 - Ministros das Finanças, o Fórum

Global sobre Transparência e Troca de Informações, a Associação de Administradores de fiscais

do Pacífico (PATA), Centro Interamericano de Administradores Tributários (CIAT) e o Joint

International Tax Shelter Information Center (JITSIC).

Essas instituições vêm utilizando-se de um instrumento legal importante e complementar

para estabelecer um intercâmbio eficaz de informações em matéria tributária entre as nações. São

os Acordo sobre a Troca de Informações em Matéria Tributária (Tax Information Exchange

Agreement – TIEA). Esse tipo de acordo destina-se a estabelecer o padrão do que constitui a troca

eficaz de informações para determinada organização. É um instrumento mais específico do que

convenções sobre dupla tributação que preveem a troca de informações de maneira generalista e,

tem sido assinado por um número cada vez maior de países nos últimos anos12

.

Este panorama internacional é sugestivo, mas também é uma indicação de que a

administração tributária nacional, bem como a ordem jurídica pátria devem estar preparadas para

lidar com questões globais. O Brasil tem celebrado convenções sobre dupla tributação, que

incluem o intercâmbio de informações tributárias, desde os anos 196013

. No geral, o Brasil

concluiu 34 convenções sobre dupla tributação14

e um acordo de troca de informações

tributárias15

. Atualmente, negocia a assinatura de sete TIEAs adicionais com outros membros do

Fórum Global de Transparência e Intercâmbio de Informações16

.

II. A ORIGEM DOS ACORDOS PARA TROCA DE INFORMAÇÕES EM MATÉRIA

TRIBUTÁRIA E A ESCOLHA DO MODELO BRASILEIRO

A procura por uma maior cooperação internacional na solução de problemas comuns à

comunidade internacional demonstra a atual necessidade e importância da troca de informações

para a atuação das administrações tributárias ao redor do mundo. Para compreender melhor as

origens e o desenvolvimento desse mecanismo e como ele aparece no panorama brasileiro, é

preciso realizar um breve escorço histórico.

A primeira iniciativa em relação ao intercâmbio de informações tributárias entre países é

datada de 189917

, e foi celebrada entre o Império Austro-Húngaro e a Prússia, quando, por sua

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vez, foram criadas as convenções contra dupla tributação. Um pouco mais tarde, no período

compreendido entre 1921 e 1928, a Liga das Nações, predecessora das Organizações das Nações

Unidas - ONU elaborou também um modelo de convenção para evitar a dupla tributação,

conhecido como modelo de Genebra, que previa a troca de informações.

Durante o período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, houve um incremento

das relações comerciais entre os Estados e o consequente aumento da relevância de medidas para

evitar a dupla tributação. Assim, outras convenções surgiram, como por exemplo, em 1943 a

convenção modelo do México, em 1946 a convenção modelo de Londres, em 1971 - convenção

modelo do Pacto Andino, em 1976 - convenção modelo dos Estados Unidos, em 1986 a

Convenção Modelo Holandês, em 1987 a Convenção Modelo Asiático.

Ao final da Segunda Guerra Mundial e o surgimento da ONU, bem como da Organização

para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE intensificaram-se ainda mais os

trabalhos de elaboração de projetos para evitar a dupla tributação.

Observa-se que a OCDE, embora historicamente mais recente, tem sido uma das

instituições mais atuantes no âmbito dos tratados contra bitributação e o intercâmbio de

informações tributárias. Elaborou a primeira versão do Modelo de Convenção sobre a Renda e o

Capital 18

em 1963, incluindo a possibilidade da troca de informações, nos termos do artigo 26. A

partir de então, todas as versões subsequentes da Convenção Modelo preveem essa possibilidade.

Mais recentemente, a OCDE e o grupo de ministros do G20 criaram em 200019

, o Fórum

Global de Transparência e Intercâmbio de Informações Tributárias. Este Fórum tem 11720

países

membros, bem como nove organizações internacionais que atuam como observadoras21

. Ele tem

como objetivo estabelecer padrões internacionais para a cooperação fiscal e garantir que todas as

jurisdições participantes ofereçam o mesmo padrão de cooperação internacional em matéria

tributária.

É interessante notar que o histórico movimento internacional contra a bitributação deu luz

à da ferramenta de troca de informações para atingir o seu fim de evitar a dupla tributação da

renda. Todavia, essa ferramenta apresenta-se em um único dispositivo, na grande maioria dos

tratados celebrados e, possui um caráter geral. Atualmente, destaca-se a existência de uma nova

ferramenta, mais específica e detalhada para realizar o intercâmbio de informações em matéria

tributária, os denominados Tax Information Exchange Agreement – TIEA .

Embora esse modelo de TIEA elaborado pela OCDE seja o mais conhecido globalmente,

outro modelo merece ser observado atentamente, aquele criado, em 1999, pelo Centro

Interamericano de Administradores Tributários – CIAT.

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O CIAT é uma organização internacional pública, sem fins lucrativos e que oferece

assistência técnica especializada para a atualização e modernização de administrações tributárias

ao redor do globo22

. Teve início em 1967 e hoje conta com 39 países membros23

, dentre eles o

Brasil.

A importância da análise desse modelo advém do fato de que o acordo celebrado entre

Brasil e Estados Unidos para o intercâmbio de informações tributárias, em 2007, utiliza como base

o modelo elaborado por essa organização.

Conforme afirma o Sr. Marcus Vinicius Vidal Pontes, representante da Secretaria da

Receita Federal do Brasil – RFB24

“Existem alguns modelos que utilizamos na Receita Federal.

Nesse caso específico, o modelo utilizado foi o preconizado pelo Centro Interamericano de

Administrações Tributárias – CIAT.25

Continuando, a autoridade brasileira destaca que a iniciativa de utilizar o modelo de

acordo elaborado pelo CIAT, foi da Receita Federal do Brasil:

“O modelo de intercâmbio de informações do CIAT que teve a participação do

governo brasileiro na sua formulação. É o modelo que está aqui. Foi o modelo

inicial que propusemos ao governo americano para se iniciar a negociação do

acordo de intercâmbio de informações em matéria tributária. Essa é a gênese.

Foi uma iniciativa da Receita Federal, muito bem acolhida pela receita federal

americana.26

Observa-se também que o acordo entre Brasil e Estados Unidos foi celebrado em 20 de

março de 200727

, período em que o presidente do conselho diretivo do CIAT (2006/2007) era o

ex-secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Antonio Deher Rachid28

. Fato esse que corrobora

para a tese de que à época da assinatura do acordo, o Brasil, possuía grande influência na atuação

do Centro Interamericano de Administradores Tributários, bem como justifica a opção brasileira

pelo modelo elaborado por essa organização.

O acordo celebrado entre Brasil e Estados Unidos à luz do modelo elaborado pelo Centro

Interamericano de Administradores Tributários para o intercâmbio de informações tributárias trata

apenas de tributos federais e é constituído por 13 artigos. O documento determina como seu objeto

a troca de informações que possam ser pertinentes para a administração tributária e o cumprimento

de suas leis internas em relação a determinação, lançamento, execução ou cobrança, bem como

para investigação de crimes tributários.

O acordo postula que a troca de informações ocorrerá “independentemente de a pessoa a

quem as informações se referem, ou de quem as detém, ser residente ou nacional de uma Parte”29

.

Essa previsão não existe no modelo elaborado pelo CIAT e ensejou discussões como se verá mais

a frente.

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De acordo com a prática da troca de informações observada em relatórios e documentos

internacionais30

, é possível destacar cinco principais métodos utilizados para fazê-la em matéria

fiscal: (i) Troca de informações automática, (ii) Troca de informações espontânea, (iii) Troca de

informações mediante solicitação, (iv) Troca de informações simultânea; e (v) Troca de

informações por fiscalização estrangeira. O acordo celebrado entre Brasil e EUA prevê a

possibilidade de Troca de informações mediante solicitação31

que ocorre quando o Estado

requerente envia um pedido formal requisitando informações sobre um dado contribuinte e, a

Troca de informações por fiscalização estrangeira32

que possibilita a entrada e a participação de

funcionários do Estado requerente em investigações no território da Parte requerida. Cada um

desses métodos possui particularidades que possibilitaram posicionamentos diversos durante o

processo de ratificação do acordo no Congresso brasileiro.

O texto do acordo33

prevê algumas situações em que um Estado pode se recusar a prestar

informações ao outro. O pedido de informações pode ser recusado no caso de (i) o pedido não

observar as formalidades e os limites impostos pelo acordo; (ii) o Estado requerente não tiver

utilizado de todos os meios disponíveis em seu próprio território para obter as informações, exceto

quando o recurso para tais meios ocasionar custos desproporcionais e, (iii) a revelação das

informações requisitadas pelo Estado requerente forem contrárias ao interesse público do Estado

requerido. O mesmo dispositivo prevê ainda que não poderá ser imposta nenhuma obrigação que

enseje fornecimento de informações sujeitas a privilégio legal, segredo comercial, industrial,

empresarial, profissional ou processo comercial. Assim como não poderão ser tomadas medidas

administrativas em desacordo com as leis e práticas administrativas domésticas. Por fim, não

poderá ser imposta nenhuma obrigação de fornecer informações solicitadas pelo Estado requerente

para administrar ou dar cumprimento a um dispositivo da legislação desse Estado, caso ela seja

uma exigência que discrimine ou seja mais onerosa a Parte do Estado requerido.

Em relação aos custos realizados para a efetivação da troca de informações, o acordo

convencionou, à luz do que também dispõe o modelo do CIAT, de que salvo disposição em

contrário, os custos ordinários deverão ser suportados pelo país requerido, contudo, o país

requerente arcará com os custos extraordinários.

O documento dispõe também sobre a confidencialidade das informações intercambiadas.

Segundo o acordo e o modelo do CIAT, as informações deverão ser tidas como confidenciais, mas

poderão ser reveladas na medida necessária ao exercício da função, às autoridades envolvidas com

o lançamento, cobrança de tributos, investigação, instauração de processos e a órgãos de

supervisão, órgãos administrativos e tribunais. Destaca-se a previsão expressa34

de que as

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informações recebidas pelo Estado requerente não poderão ser retransmitidas ou reveladas a

pessoas ou autoridades de outra jurisdição sem o consentimento, por escrito, do Estado requerido.

Embora o número de artigos do acordo brasileiro 35

supere o do modelo do CIAT, o

conteúdo não se difere substancialmente. Alguns dispositivos foram combinados e outros

excluídos para adaptarem-se às pretensões de Brasil e Estados Unidos. Observada a origem,

estrutura e o conteúdo do acordo celebrado torna-se necessário voltar as atenções para as questões

políticas e argumentações jurídicas que permeiam a ratificação desse documento.

III. O DEBATE POLÍTICO E AS QUESTÕES JURÍDICAS ENVOLVENDO O ACORDO

PARA TROCA DE INFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS ENTRE BRASIL E ESTADOS

UNIDOS

Para que um tratado, convenção ou acordo internacional celebrado com outro Estado seja

aplicável, o ordenamento jurídico brasileiro exige que, depois de celebrado o instrumento

internacional venha a ser ratificado pelo Congresso Nacional, nos moldes do artigo 49, I da

Constituição Federal36

.

Assim, posteriormente à assinatura do acordo, o Presidente da República, deve enviar

mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de exposição de motivos do Ministro das

Relações Exteriores, encaminhando o texto do acordo ao conhecimento do Poder Legislativo.37

O

professor Heleno Tôrres observa que “a justificativa da necessária aprovação legislativa decorre

do entendimento de que o titular da soberania é o povo, não podendo o Estado comprometer-se

perante outras nações sem o seu respectivo conhecimento, pela representação popular”38

.

Destarte, se a matéria obtiver o assentimento da maioria dos representantes do povo, tanto

na Câmara, como no Senado, a forma legislativa própria é a do Decreto Legislativo. O acordo

celebrado entre Brasil e Estados Unidos para a troca de informações em matéria tributária foi

assinado em 20 de março de 2007 e, somente foi ratificado pelo Congresso brasileiro na data de

07/03/2013. Esse apartamento entre a assinatura e a ratificação é juridicamente possível, pois, “a

assinatura significa apenas o desfecho do processo e autenticação do texto avençado, sem

implicar consentimento definitivo. Este efeito vinculante advirá apenas com a ratificação, que

representa o comprometimento oficial dos Estados signatários ao cumprimento das cláusulas que

nele se contenham”.39

Ou seja, enquanto não houver a ratificação o acordo não produz efeitos

jurídicos válidos no ordenamento brasileiro. Observa-se também que o ato de ratificação é

irretratável, cabendo apenas a denúncia do tratado, caso o Estado deseje posteriormente afastar-se

do compromisso assumido40

.

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Pretende-se realizar o estudo das tensões, intenções, argumentos políticos e questões

jurídicas que veem permearam o processo de ratificação do acordo entre Brasil e Estados Unidos

desde a sua assinatura até a sua aprovação no Congresso Nacional. Assim, a pesquisa

desenvolvida nesse artigo teve como foco o debate sobre o Projeto de Decreto Legislativo – PDC

413 de 2007 (Câmara dos Deputados) e do Projeto de Decreto Legislativo - PDS 30 de 2010

(Senado). Ambos discutem o texto do acordo celebrado em 20 de março de 200741

, entre o

governo brasileiro e o governo norte-americano com o objetivo de viabilizar o intercâmbio de

informações em matéria tributária para fins de combate a evasão fiscal.

Em 09/10/2007, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva - PT remeteu ao

Poder Legislativo através da mensagem n. 741/2007, o texto do acordo sob a forma de Projeto de

Decreto Legislativo42

, acompanhado da recomendação de ratificação do então ministro das

Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Com efeito, o PDC-413/2007 foi

encaminhado a três comissões para análise, quais sejam: Comissão de Relações Exteriores e de

Defesa Nacional, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e Comissão de Finanças e

Tributação.

A primeira comissão a se manifestar foi a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa

Nacional, onde o relator e o parecer favorável a ratificação do acordo foi elaborado pelo deputado

João Almeida-PSDB. Segundo o deputado do PSDB existe a necessidade de que o Brasil expanda

sua rede de acordos e tratados internacionais, bem como a assinatura do acordo seria um

“importante mecanismo de combate a evasão fiscal e outros crimes contra a ordem tributária”43

,

nos mesmos moldes do acordo relativo à assistência mútua entre as administrações aduaneiras de

Brasil e EUA. Além disso, a melhora na relação entre Brasil e EUA advinda da assinatura desse

acordo poderia ser um incentivo para que o tratado contra bitributação que está em negociação há

mais de 40 anos por esses dois países possa vir a ser assinado. O deputado observa que à luz do

artigo 4º, IX da Constituição Federal44

e do artigo 199 do Código Tributário Nacional – CTN45

não há impedimentos ou ofensa à legalidade em relação ao intercâmbio de informações com

administrações tributárias estrangeiras. Por fim, o parlamentar destaca que o acordo “resguarda a

confidencialidade”46

das informações, assim como “respeita às leis e práticas administrativas das

Partes”47

, devendo ser ratificado pelo governo brasileiro48

. Com efeito, o texto do acordo restou

unanimemente aprovado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional49

na data de

19/12/2007.

Na Comissão de Finanças e Tributação, a relatoria e o parecer favorável foram

conduzidos pelo deputado Ciro Gomes-PSB, que limitou-se a observar “aspectos orçamentários e

financeiros”50

que a ratificação do acordo poderia impactar. Segundo o parecer do deputado, o

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PDC-413/2007 embora envolvesse custos na coleta de informações, “não importa na assunção de

custos adicionais pelos países contratantes”51

. Ciro Gomes também ratificou o parecer da

Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional no sentido de que o acordo configura um

importante instrumento no combate a evasão fiscal, bem como poderia facilitar as tratativas em

relação ao tratado contra bitributação entre Brasil e Estados Unidos. Sem outras manifestações, o

texto do acordo também foi unanimemente aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação52

em 18/06/2008.

Encerrando a rodada de debates para aprovação do PDC-413/2007, manifestou-se a

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde a relatoria foi realizada, cada um a seu

tempo, pelos deputados Regis Fernandes de Oliveira-PSC e Flávio Dino-PC do B e contou com

pareceres de ambos os relatores, contrário e favorável a ratificação do acordo respectivamente. O

deputado José Genoíno-PT, integrante da comissão, também elaborou parecer favorável a

ratificação do acordo para o intercâmbio de informações tributárias.

O relator, deputado Regis de Oliveira, contrário a ratificação do acordo entre Brasil e

Estados Unidos, apresentou na data de 03/07/2008, um parecer fundamentado que abordava

inúmeras questões jurídicas e inconstitucionalidades contidas no texto do acordo. O primeiro

ponto levantado pelo parlamentar foi o da incompetência do Secretário da Receita Federal do

Brasil para assinar o referido acordo, pois, segundo o artigo 84,VIII, da Constituição Federal53

, a

celebração de tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso

Nacional seria ato privativo do Presidente da República. Assim, “apenas e tão somente o

Presidente da República, na função de chefe de Estado e no exercício de sua competência

privativa é que pode firmar acordos internacionais visando a criação de obrigações”54

.

Outro ponto destacado pelo deputado Regis de Oliveira – PSC em seu parecer é o de uma

possível violação ao artigo 37, XXII da Constituição Federal55

. Para ele, as atividades do Fisco

estão incluídas dentre aquelas funções essenciais do Estado e, portanto, não podem suportar a

ingerência direta ou indireta de outros Estados. Nesse sentido, o acordo permitiria a ingerência de

fiscais americanos “no procedimento interno de fiscalização tributária criando obrigações ao

Brasil que não são costumeiras em nossa ordem jurídica”56

, podendo inclusive retransmitir as

informações recebidas a outros Estados. Além disso, esse intercâmbio de informações “onera a

administração tributária sem fundamento”57

.

Contudo, o problema central identificado pelo deputado Regis de Oliveira–PSC foram

ofensas às Garantias e Direitos Fundamentais assegurados na Constituição brasileira. Nesse

sentido, o autor do parecer entende que “não consta que um país da envergadura política,

econômica, populacional, territorial e social como o Brasil tenha a qualquer momento se

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submetido a tão amplas e devastadoras violações de Direitos e Garantias Fundamentais de seus

cidadãos”58

. O deputado defende que os direitos à intimidade e à privacidade elencados no artigo

5°, X e XII da CF59

, seriam violados pelo intercâmbio de informações na forma apresentada no

acordo. Além disso, garantias como ao devido processo legal60

, a ampla defesa e ao

contraditório61

também seriam ofendidas pelo texto do acordo. Para o deputado:

“o brasileiro, sem sequer conhecer o objeto da fiscalização – uma vez que, além

da confidencialidade exigida das autoridades fazendárias domésticas (art. VIII,

do acordo), o ato supostamente investigado não será necessariamente um ilícito

pela legislação pátria -, ficaria privado de garantias derivadas de preceitos

magnos da Constituição Brasileira garantidoras da ampla defesa e do

contraditório, em processo judicial ou administrativo (art. 5, LV, CF), bem como

o devido processo legal (art. 5, LIV, CF). a exigência de que as autoridades

fazendárias brasileiras (art. V,e, do acordo) forneçam livros e registros

originais e outros elementos materiais, inclusive, mas não limitados a,

informações de posse de bancos, outras instituições financeiras, e qualquer

pessoa, representa outra situação de perplexidade, uma vez que, mesmo que o

fato investigado fosse um ilícito no Brasil, o nível de exigência e de interferência

nas atividades privadas e sigilosas dos contribuintes brasileiros dependeria de

intervenção do Poder Judiciário, e nunca seriam perpetrados tão-somente a juízo

discricionário do agente fiscal”62

.

O parecer apresenta também o argumento de que o artigo V do acordo prevê que as

informações “deverão ser intercambiadas independentemente de a Parte requerida delas

necessitar para propósitos tributários próprios ou de a conduta sob investigação constituir crime

de acordo com as leis da Parte requerida”63

. Tal disposição violaria o princípio da legalidade64

e

o princípio da reserva legal65

.

O parlamentar afirma ainda, que o propósito a ser perseguido pelo Poder Executivo

deveria ser aquele que está há mais de 40 anos em tratativas, ou seja, o tratado para evitar a dupla

tributação com os Estados Unidos. Pois, esse tipo de instrumento permitiria a troca de informações

entre as administrações tributárias de forma eficiente e limitada aos atos negociais de ambas as

jurisdições e envolvendo a ordem tributária dos dois países.

Após a apresentação do parecer do deputado Régis de Oliveira-PSC, os Deputados Paulo

Bornhausen e Moreira Mendes requereram a realização de uma audiência pública para debater a

aprovação ou não do PDC-413/2007 pela Câmara dos Deputados. A audiência pública n. 1196/98,

presidida pelo deputado Eduardo Cunha foi organizada pela Comissão de Constituição e Justiça e

de Cidadania na data de 13/08/2008, e contou com a participação de autoridades convidadas:

Marcus Vinicius Vidal Pontes – Representante da Receita Federal do Brasil; Agostinho Toffoli

Tavolaro – Dirigente da Câmara Americana de Comércio; Heleno Taveira Torres – Professor de

Direito Tributário da Universidade de São Paulo; Antônio Carlos Rodrigues do Amaral –

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Representante da OAB; Talmon de Paula Freitas – Coordenador de assuntos tributários e

comerciais internacionais da assessoria de assuntos internacionais da Receita Federal do Brasil.

O primeiro a se manifestar na audiência pública foi o Dirigente da Câmara Americana de

Comércio, Agostinho Toffoli Tavolaro. Para ele a questão da inconstitucionalidade formal

levantada devido ao fato do acordo ter sido assinado pelo Secretário da Receita Federal não deve

prosperar, haja vista que existem precedentes dessa prática na ordem brasileira, tais como: “o

acordo entre o Governo da República do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América,

relativo à assistência mútua entre as suas administrações aduaneiras. Esse acordo foi aprovado

em 2005 e subscrito por Everardo de Almeida Maciel e pela Embaixadora Donna Hrinak”66

.

Outro ponto observado por Agostinho Tavolaro é o de que o tratado para eliminar dupla

tributação entre os Estados Unidos seria passo posterior do tratado de troca de informações fiscais.

Este é apresentado pelos Estados Unidos como pressuposto fundamental, sine qua non, para que

tenhamos o tratado para eliminar a dupla tributação, “e é exigência mesmo [...] Porque ali há

repressão ao narcotráfico e, principalmente, depois do 11 de setembro, ao terrorismo”67

.

Em relação as questões de ingerência da administração estrangeira levantadas pelo

deputado Régis de Oliveira–PSC, argumenta que a previsão de que outras administrações

tributárias possam participar de investigações no Brasil não é uma novidade trazida pelo acordo

entre Brasil e Estados Unidos. Assim, “o Brasil possui um sistema de troca espontânea com

Portugal há cinco anos, senão me engano. E temos também a possibilidade de haver um

observador do Fisco português na nossa administração”68

.

O Dirigente da Câmara Americana de Comércio finaliza seus argumentos apontando que,

do ponto de vista empresarial “é desejável, necessário e imprescindível que cheguemos a um

tratado com os Estados Unidos da América do Norte, seja o tratado para eliminar a dupla

tributação, seja o tratado para troca de informações fiscais”69

.

Também se manifestou favoravelmente a aprovação do acordo o Coordenador de

assuntos tributários e comerciais internacionais da assessoria de assuntos internacionais da Receita

Federal do Brasil, Talmon de Paula Freitas.

Começando pelo aspecto formal, se o Secretário poderia ou não ter assinado esse acordo,

o Coordenador da Receita Federal observa que o Itamaraty tem um manual de atos internacionais,

produzido com base na sua consultoria jurídica, no qual consta um item específico sobre

assinatura de instrumentos internacionais, que prevê a assinatura através da concessão de Carta de

Plenos Poderes pelo Presidente da República, referendado pelo Ministro das Relações Exteriores.

“Essa carta foi concedida na época e a assinatura deu-se com base nisso”70

.

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Quanto à menção ao art. 37, inciso XXII, da Constituição, Talmon de Paula entende

tratar-se de uma preocupação exagerada, tendo em vista que, na verdade, o acordo dispõe sobre a

definição da área de atuação dos fiscais e nada tem a ver com a eventual presença de fiscal

estrangeiro no Brasil que, estaria submetida à orientação do fiscal brasileiro.

No que tange ao fato de que o Brasil teria negociado um acordo de troca de informações

enquanto a eventual negociação de um acordo de dupla tributação se arrasta há décadas, Talmon

de Paula Freitas entende que a natureza e o escopo dos acordos são muito diferentes, uma vez que

o acordo de troca de informações tem o objetivo imediato e específico de combate à evasão fiscal.

“num acordo de dupla tributação, o artigo que trata da troca de informação

para os Estados Unidos não admitiria limitações. Em qualquer situação, a

informação teria que ser obtida e fornecida, enquanto aqui no nosso acordo de

troca de informação específica há a ressalva, novamente, de que a legislação

doméstica impõe limites à obtenção e ao fornecimento de determinadas

informações”71

.

Outro problema levantado, foi a eventual quebra de sigilo fiscal dos contribuintes. O

Coordenador de assuntos tributários e comerciais internacionais da Receita Federal não acredita

que exista esse problema, haja vista que as informações só seriam fornecidas, eventualmente,

naquelas situações em que a própria Receita Federal pudesse acessá-las, à luz da Lei

Complementar nº 105/2001 que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e

do Decreto-Lei nº 3.724/2001 que regulamenta a requisição, acesso e uso, pela Secretaria da

Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das

entidades a elas equiparadas. Destaca ainda que caso houvesse algum pedido de informação que

não se enquadrasse nessa legislação brasileira, a Receita Federal teria a faculdade de recusar a

solicitação da informação.

Diverso ponto mencionado foi que não haveria uma ressalva, um cuidado, em impedir

que informações obtidas pelo Estado requerente fossem repassadas a terceiros países. Contudo,

Talmon de Paula observa que o art. 8º, que trata da confidencialidade ou do sigilo das

informações, tem na parte final do seu § 1º a ressalva: “(...) As informações não poderão ser

reveladas para nenhuma outra pessoa, entidade, autoridade ou qualquer outra jurisdição sem o

consentimento expresso, por escrito, da Parte requerida”72

.

Por fim, a autoridade destaca que existe hoje um grande fluxos de investimentos e

rendimentos entre Brasil e Estados Unidos. Logo:

“um acordo de troca de informação para o Brasil é importante não só porque o

País também começa a investir no exterior com alguma expressividade mas

sobretudo porque a prática diária da Receita Federal já demonstrou que é muito

importante ter acesso a informações originárias dos Estados Unidos”73

.

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Após duas manifestações favoráveis à aprovação do acordo entre Brasil e Estados Unidos

para o intercâmbio de informações em matéria tributária, o professor de Direito Tributário da

Universidade de São Paulo, Heleno Taveira Torres fez as suas colocações no sentido de examinar

o teor e a constitucionalidade do acordo. Segundo o professor o acordo é importante, mas

“causam espécie alguns aspectos que não podem deixar de ser pontuados”74

.

O primeiro ponto questionado é o fato de o Brasil celebrar um acordo de trocas de

informações amplo, a pedido, com os Estados Unidos, país que há mais de 40 anos, negocia um

acordo de dupla tributação com o Brasil. Nesse sentido:

“É claro e evidente o fluxo de riqueza: pagamos 10 bilhões de dólares, por ano,

aos Estados Unidos de royalties, dividendos, juros e lucros das empresas aqui

situadas, mas o fluxo contrário não passa de 500 milhões de dólares.

Evidentemente, a troca de informações para os Estados Unidos é um instrumento

extremamente importante e, de fato, comparativamente com essa proporção de

volume de recursos, não tem a mesma importância e o mesmo interesse para o

Brasil”75

.

O professor destaca que os Estados Unidos, igualmente, firmaram esse tipo de acordo

para troca de informações tributárias com Antígua e Barbuda, Aruba, Bahamas, Barbados,

Bermuda, Colômbia, Costa Rica, Curaçao, Dominica, Granada, Guam, Guernsey, Guiana,

Honduras, Ilhas Cayman, Ilha do Homem, Ilhas Virgens, Jamaica, Jersey, República Dominicana,

Samoa Americana, Santa Lúcia, Trinidad e Tobago, Liechtenstein, México, Mônaco, Panamá e

Peru76

. Esses são países sem grande importância no cenário internacional, com a exceção do

México e da Colômbia. Segundo o professor Heleno Tôrres, “não acredito que, ao proporem um

acordo dessa natureza com o Brasil, os Estados Unidos estejam nos levando a sério,

sinceramente”77

.

A competência do Secretário da Receita Federal para assinar o acordo, novamente é

questionada. Contudo, o professor Heleno Torres apresenta uma possibilidade de convalidação:

“Só quem poderia firmar esse acordo seria o Presidente da República ou seu

imediato que tem essa função plenipotenciária por natureza, que é o Ministro das

Relações Exteriores. Qualquer autoridade inferior a essas só pode assinar um

acordo internacional numa condição: que esteja firmando aquele acordo junto

com o Ministro das Relações Exteriores e com o Presidente da República, porque

só este detém poderes reconhecidos pelo povo para representar a Nação. Isso

está até na Convenção de Viena e é até redundante. Há grave falha formal nesse

acordo que, evidentemente, pode ser resolvida facilmente. Basta que o Presidente

da República manifeste sua aquiescência de modo expresso e que firme o acordo,

mostrando ao concerto das nações, com esse ato, que o Brasil se compromete

com uma nação amiga, no caso, os Estados Unidos”78

.

O professor manifesta também sua preocupação em relação ao artigo V do acordo, uma

vez que o dispositivo diz que as informações deverão ser intercambiadas independentemente de a

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parte requerida delas necessitar para propósitos tributários próprios ou de a conduta sob

investigação constituir crime. Para Heleno Tôrres abre-se a possibilidade para utilizar a

informações tributárias para outros fins que não aqueles apresentados como objeto do acordo. Até

porque o Brasil é signatário de inúmeros tratados internacionais que possibilitam troca de

informações entre governos para outras finalidades79

.

Além disso, o professor destaca que “não há nenhuma regra que proíba os Estados

Unidos de transferirem para países terceiros as informações aqui obtidas. Os Estados Unidos

podem colher informações aqui e, em virtude de tratados com outros países, transferi-las para

outros!”80

.

Por fim, sob a perspectiva do sigilo bancário e consequente direitos à intimidade e

privacidade destaca-se que o artigo VII do acordo prevê a possibilidade de se “obter livros,

documentos, registros ordinais não alterados e outros elementos, materiais inclusive, mas não

limitados a informações de posse de bancos e outras instituições financeiras, de qualquer pessoa,

inclusive representantes e fiduciários”81

.

O professor Heleno Tôrres chama a atenção para o fato de que o art. 6º da Lei

complementar nº 10582

não confere esses poderes a Receita Federal, bem como muitas dessas

informações somente podem ser conseguidas através de ordem judicial, conforme já decidiu o

Supremo Tribunal Federal83

.

Prosseguindo no debate, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB,

Antônio Carlos Rodrigues do Amaral também se manifestou contrário à assinatura do acordo entre

Brasil e Estados Unidos. A autoridade entende que a troca de informações é importante para o

país, mas deve estar em harmonia com o sistema jurídico. Segundo ele:

“a fiscalização é positiva e, com transparência, concorre para a boa

competitividade, para a livre concorrência, para um mercado saudável, mas essa

troca de informações tem de estar contextualizada. Ela tem de ser vista dentro de

um plano constitucional, de uma moldura jurídica, que é um instrumento

civilizatório. Sempre que um ato viola essa moldura constitucional, essa moldura

jurídica, ele se transforma em ato de arbitrariedade, em ato de opressão”84

.

Nesse sentido, observa que além da inconstitucionalidade formal já mencionada ao longo

da audiência pública, existiriam também outras inconstitucionalidades substanciais no texto do

acordo. No que se refere à proteção da confidencialidade, a Receita Federal teria outorgado

poderes que não tem, tais como determinar quebra de sigilo. Além disso, é interessante perceber

que as informações que venham a ser obtidas ou intercambiadas entre as autoridades não têm

controle de nenhum órgão externo, a não ser a própria Receita Federal. Sob essa ótica, o

representante da OAB entende haver uma “violação substancial ao devido processo legal”85

.

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O advogado também ratifica a preocupação do professor Heleno Tôrres em relação ao

fato do acordo permitir que os Estados Unidos da América pudessem receber informações e

divulgá-las a quaisquer terceiros países ou até mesmo utiliza-las para outros fins. Para o

representante da OAB, lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de entorpecentes e crimes de

colarinho branco são matérias de polícia judiciária que não dizem respeito à Receita Federal. A

Receita Federal, por extensão, poderá estar envolvida nesse tipo de fiscalização para verificar

eventual prática de sonegação, mas como atividade subsidiária.

O acordo de troca de informações prevê que a autoridade brasileira obrigatoriamente

investigará aqueles indicados, mesmo que o fato investigado não seja matéria tributável no Brasil

e não represente ilícito penal no Brasil86

. Com efeito, Antônio Carlos Rodrigues do Amaral tece

severas críticas ao dispositivo:

“Ora, por que a autoridade brasileira se utilizará de recursos nacionais,

recursos de cada um de nós, brasileiros, para investigar um brasileiro, protegido

constitucionalmente no sentido de que não será extraditado? Quer dizer, o fato a

ser investigado pela autoridade tributária será investigado por interesse do

estrangeiro, a custos do cidadão brasileiro, por algo sem elemento de conexão

com a realidade brasileira, ou seja, que não é de interesse público. Por vias

oblíquas, garantimos o direito fundamental de que o brasileiro não será

extraditado, mas vamos dar todas as informações sobre ele, sem qualquer

interesse para a autoridade ou para a jurisdição brasileira, para fins da

fiscalização no exterior”87

.

Por fim, o representante da OAB argumenta que mecanismos para troca de informações

entre governos são importantes ferramentas de fiscalização, contudo, no caso brasileiro, seria

desejado que se contextualizasse a troca de informações dentro do almejado tratado para evitar a

bitributação, pois do modo como o acordo para intercâmbio de informações se apresenta “ficamos

com o ônus, que é justamente o de conceder ao Governo dos Estados Unidos a troca de

informações, mas não ficamos com o bônus de estabelecer um tratado para evitar a

bitributação”88

. Destarte, para a Ordem dos Advogados do Brasil, o acordo entre Brasil e Estados

Unidos enseja profundas violações ao nosso sistema de Direitos e Garantias fundamentais.

Os deputados requerentes da audiência pública, Moreira Mendes–PSD e Paulo

Bornhausen–PSD, também tiveram a oportunidade de se manifestarem. O deputado Moreira

Mendes-PSD, sucintamente, observou que a forma como está redigido o acordo é “[...] prejudicial

aos interesses nacionais, é prejudicial ao direito individual de cada cidadão brasileiro. E isso sem

se levar em conta o aspecto formal”89

. Embora breve, o parlamentar faz uma observação

interessante em relação a ausência dos demais congressistas para a discussão do acordo: “Lamento

que o plenário esteja tão vazio para a discussão de um tema tão importante”90

.

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O parlamentar Paulo Bornhausen–PSD manifestou-se no sentido de que não teria havido

a atenção devida a soberania brasileira e aos Direitos Fundamentais do cidadão brasileiro com

relação à Constituição Federal. Nas palavras do deputado “antes eu achava que ele era um tratado

duvidoso, mas aqui ele se vai transformando num acordo perverso, cheio de questões em aberto,

cheio de vírgulas e de entrelinhas”91

. Paulo Bornhausen–PSD finaliza expondo sua não aprovação

ao texto do acordo na forma apresentada, embora faça a ressalva de que caso haja uma reedição do

documento estaria disposto a rever sua posição.

Após a apresentação do parecer do deputado Régis de Oliveira–PSC, e da realização de

uma audiência pública, o deputado José Genoíno – PT também apresentou um sucinto parecer

contra argumentando algumas das violações ao ordenamento jurídico brasileiro levantadas pelo

relator Regis de Oliveira–PSC. Segundo o deputado petista a incompetência do Secretário da

Receita Federal para assinar o acordo não existiria, uma vez que a autoridade portava uma carta de

plenipotência, largamente utilizada na diplomacia brasileira, e que uma posterior concordância do

Presidente da República validaria qualquer irregularidade. O deputado explica que a

“plenipotência, por sua vez, não se confunde com nenhum dos dois institutos. O plenipotenciário,

ao firmar um ato internacional, não o faz em seu nome, mas sim como representante

extraordinário do Presidente da República”92

.

José Genoíno- PT também questiona a possibilidade de ofensa ao artigo 37, XXII da CF

devido a ingerência direta ou indireta de outro Estado na administração tributária brasileira. Para o

deputado, o que ocorre é a possibilidade de que solicitações de informações sejam feitas à

administração tributária brasileira, existindo, inclusive, a possibilidade de negativa de uma

solicitação de informação93

. No que tange a possíveis ofensas aos Direitos e Garantias

Fundamentais o parlamentar argumenta que o acordo determina que as autoridades devam agir na

extensão permitida por suas leis internas, bem como o artigo 199 do CTN, recepcionado pela

Constituição Federal, permite a troca de informações entre administrações tributárias. Por fim,

salienta que para que um Estado possa retransmitir as informações obtidas através da Parte

requerida, é necessária autorização escrita94

.

O deputado petista também se manifestou durante a audiência pública supramencionada.

Na oportunidade, o deputado chamou a atenção para três pontos principais em relação ao acordo

entre Brasil e Estados Unidos:

“Primeiro, quando se trata de acordo e de tratado internacional, tem de haver

reciprocidade, que está garantida na relação bilateral Brasil/Estados Unidos.

Não há um tratamento diferenciado para o Brasil em relação aos Estados

Unidos. Portanto, não estamos estabelecendo relação de subalternidade.

Segundo, há submissão à legislação pátria. Não estamos criando um tratamento

excepcional para as autoridades americanas em nosso País. Terceiro, as

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autoridades dos dois países terão sua soberania garantida, pelo que está aqui

escrito”95

.

O último parecer apresentado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania foi o do

deputado Flávio Dino – PC do B e também foi favorável a aprovação do acordo para intercâmbio

de informações tributárias entre Brasil e Estados Unidos. No parecer o deputado ratifica a

competência do Secretário da Receita Federal para assinar o acordo, uma vez que no caso em tela

trata-se de utilização de uma Carta de Plenos Poderes e não de delegação de poderes, sendo assim

“não há transferência do juízo de conveniência e oportunidade da realização do ato ao

plenipotenciário”96

. Além disso, o deputado defende que a Carta de Plenos Poderes é instrumento

jurídico previsto na Convenção de Viena de 1969, e é muito utilizada pela diplomacia brasileira.

Até porque, segundo o parlamentar, o Presidente da República não pode estar presente na

assinatura de todos os Tratados, Convenções e atos internacionais. Sob esse argumento, destaca

que entre os anos de 2000 e 2008, o Brasil assinou 2.169 documentos internacionais, sendo que

apenas 39 foram diretamente assinados pelo Presidente da República.

O deputado Flavio Dino–PC do B, também reitera a inexistência de violação aos Direitos

e Garantias Fundamentais haja vista que o acordo determina que as autoridades devam agir na

extensão permitida por suas leis internas existindo, inclusive, a possibilidade de negativa de uma

solicitação de informação97

.

O último ponto registrado pelo parlamentar é o de que as cláusulas de troca de

informações previstas nos acordos contra bitributação assinados pelo Brasil com outros países

seriam “muito similares ao pacto celebrado com os Estados Unidos98

” e, que essas cláusulas

nunca tiveram sua inconstitucionalidade ou injuridicidade questionadas. Por fim, o texto do acordo

foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania99

na data de 28/10/2009.

Por fim, o Projeto de Decreto Legislativo foi aprovado em 28/10/2009 e encaminhado na

data de 02/03/2010, sob a relatoria do senador Francisco Dornelles – PP, à Comissão de Relações

Exteriores e Defesa Nacional do Senado com a denominação de PDS-30/2010.

O senador, contrário a ratificação do acordo, argumenta em seu parecer que, “a eventual

aprovação do PDS representaria imensa probabilidade de se fazer tabula rasa de princípios e

garantias historicamente outorgadas ao contribuinte pátrio”100

. O parecer também destaca que o

artigo V, item I do acordo, prevê que as informações deverão ser intercambiadas

independentemente de a parte requerida necessitar para propósitos próprios ou de a conduta sob

investigação constituir crime. Além disso, no item II, prevê também que o Estado requerido deve

tomar todas as medidas relevantes para coletar as informações solicitadas. Nesse sentido o

Senador observa a ofensa à legalidade, no que tange ao item I do dispositivo e à razoabilidade em

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relação ao item II, haja vista que “o acesso as informações do contribuinte deve ser guiado pelo

interesse público”101

.

Francisco Dornelles também argumenta que em relação ao sigilo fiscal e bancário o

acordo conflita com a garantia do artigo 5°, XII da Constituição Federal. Para o senador, pela

lógica exposta no acordo seria possível concluir que “tais sigilos, para fins do tratado, deixam de

existir102

”. Também em relação ao sigilo de informações, Dornelles destaca que as informações

previstas no acordo vão além do campo meramente fiscal, podendo admitir a prestação de

informações que revelam segredos comerciais e industriais. Nas palavras do Senador:

“O pecado original do acordo está em estabelecer um arco demasiado amplo de

informações acerca dos tributos visados. Certo é que o referido Acordo está

direcionado ao rol de tributos federais elencados no art. III. Nesse âmbito

incluem-se dados acerca dos bens, direitos, dívidas, operações financeiras e

outras informações personalíssimas do contribuinte, como, por exemplo, as

prestadas por meio da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda e as

apuradas no cálculo do Imposto sobre Operações Financeiras. Ocorre que boa

parte dessas informações estão protegidas por sigilo fiscal, nos termos do art. 5º,

X e XII, da Constituição Federal. O Estado brasileiro não pode franqueá-las sem

a intermediação do Poder Judiciário, que se coloca na condição essencial de

garante dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo103

Dessa forma a decisão sobre qual informação é ou não sigilosa seria dada pelo Poder

Executivo, isto é, a Receita Federal do Brasil, e não o poder judiciário. O senador também destaca

que a exigência de ordem judicial não compromete a cooperação internacional.

Nesse sentido, Dornelles se diz favorável e consciente da necessidade de troca de

informações tributárias entre os governos. Contudo, essa cooperação internacional não poderia

surgir ao arrepio do ordenamento jurídico pátrio.

O Parecer do senador Francisco Dornelles – PP foi apresentado em 02/12/2012. Após a

apresentação do parecer, o senador militou, através da mídia,104

seu posicionamento contrário a

aprovação do acordo e, enquanto foi relator o texto do acordo não foi aprovado pelo Senado.

Contudo, devido a redistribuição de comissões, o senador Francisco Dornelles, em 28/02/2013,

afastou-se da relatoria do PDS 30/2010.

Recentemente, na data de 05/03/2013, o senador Jorge Viana –PT, assumiu relatoria do

PDS 30/2010, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Em discussão de turno

único, ocorrida em 07/03/2013, o senador relator apresentou seu parecer favorável a aprovação do

texto do acordo entre Brasil e Estados Unidos. Em sua sucinta manifestação, o senador destaca a

possibilidade jurídica de realização da troca de informações tributárias à luz do artigo 199 do

CTN, a resguarda dos direitos e garantias dos contribuintes e a convergência internacional no

sentido de efetivar a troca de informações tributárias como forma de combate a evasão fiscal e

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outros crimes. O sucinto parecer apresenta argumentos rasos e algumas informações conflitantes

com a prestada por outros atores do debate do texto do acordo, como por exemplo, o acordo “se

inspira em modelo produzido no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico – OCDE”105

. Além disso, o parecer limita-se a dizer que os direitos e garantias dos

contribuintes são respeitados pelo texto do acordo, não há a preocupação em analisar mais a fundo

os possíveis reflexos dos dispositivos do acordo em nosso ordenamento.

Na mesma oportunidade, o texto do acordo foi aprovado pelos demais senadores

integrantes da comissão106

. Assim, o PDS 30/2010 resta aprovado também pelo Senado Federal e

segue à promulgação para que possa ser ratificado e passe a ter vigência em nosso ordenamento.

CONCLUSÃO

A globalização e a facilidade de movimentação do capital alteraram a política fiscal e a

relação dos sistemas tributários dos países e entre os países. Através do cenário internacional

apresentado, percebe-se que a administração tributária nacional, bem como a ordem jurídica pátria

devem estar preparadas para lidar com questões tributárias globais. A regulação estritamente

doméstica já não é capaz de fornecer respostas aos desafios enfrentados pelas administrações

tributárias modernas.

O Brasil tem realizado grandes esforços para adequar suas instituições e legislações aos

padrões internacionais no que tange a troca de informações tributárias107

. Nesse sentido, a

conclusão da OCDE sobre a estrutura legal e regulatória brasileira apresentada através da

avaliação do Fórum Global de Transparência e Troca de Informações, é de que:

“The legal and regulatory framework for the availability of information is

in place in Brazil. Ownership and identity information is maintained by

relevant entities and arrangements. In addition, much information is filed

with governmental authorities, in particular the tax authorities and the

Public Trade Registrar. Similarly, a good framework exists which requires

full accounting records, including underlying documentation, to be kept

for at least five years (which corresponds to the statute of limitations

period). Full bank information, including all records pertaining to account

holders as well as related financial and transaction information, is

available in Brazil. In addition, the tax authorities also collect certain

bank data every year, such as the identity of all bank account holders and

the monthly global amounts in deposit or saving accounts”.108

Assim sendo, tanto a legislação brasileira como o quadro institucional brasileiro apoiam

as políticas de intercâmbio de informações, permitindo a disponibilidade de informações

confiáveis, o acesso e a autoridade para obter informações nos âmbitos civil, comercial, tributário,

regulatório, e criminal, sempre que necessário109

. Contudo, essa ferramenta de defesa do erário e

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as competências conferidas a Receita Federal do Brasil não pode servir de meio para que os

Direitos e Garantias Fundamentais dos contribuintes sejam violados no que tange particularmente

as disposições contidas no artigo 5º da Constituição Federal que tratam de privacidade, intimidade,

ampla defesa e contraditório.

Ao analisar os principais argumentos apresentados contra a ratificação do acordo extrai-

se: (i) a Incompetência do Secretário da RFB para assinar o acordo; (ii) O acordo ofenderia

Direitos e Garantias Fundamentais em relação ao direito à intimidade, privacidade, sigilo de

dados, contraditório, ampla defesa, legalidade e reserva legal; (iii) O foco do Brasil deveria ser na

assinatura de um Tratado contra bitributação e não em um acordo sobre troca de informações

tributárias; (iv) A assinatura do acordo permitiria que segredos industriais, comerciais e

profissionais fossem revelados; (v) O acordo possibilitaria a transmissão das informações obtidas

à terceiros Estados (vi) O leque de informações que podem ser fornecidas seria muito amplo e não

ficam restritas ao âmbito tributário; (vii) à luz do ordenamento jurídico atual, a ratificação do

acordo permitiria que a administração tributária estrangeira tivesse mais poderes do que órgãos

como o Ministério Público, que necessita de ordem judicial para ter acesso a determinadas

informações dos contribuintes, enquanto a administração estrangeira não necessitaria. (viii) Ao

ratificar o acordo o Brasil estaria incluindo-se em uma black list de países que possuem acordos

para troca de informações com os Estados Unidos, sendo a grande maioria desses países de pouca

expressão internacional; (ix) O intercâmbio de informações traria custos significativos a

administração tributária brasileira.

Verifica-se que a maioria dos argumentos contrários à ratificação do acordo foram

rebatidos, satisfatoriamente ou não, por aqueles que defendem a sua aprovação. No entanto,

algumas reflexões podem ser traçadas em relação a alguns desses pontos.

Em relação ao vício formal mencionado por todos aqueles que se manifestaram ao longo

do processo de ratificação do acordo entende-se que esse tenha sido um argumento primeiro na

tentativa de obstaculizar aprovação do acordo. Haja vista que é crível que o Presidente da

República não possa estar presente em todas as ocasiões em que um documento internacional é

assinado. Nesse sentido a Carta de Plenos Poderes é o documento utilizado diplomaticamente para

que uma outra autoridade represente o país no ato de assinatura de documentos internacionais. No

caso do acordo entre Brasil e Estados Unidos, o Secretário da Receita Federal realizou a assinatura

do documento legitimado pela Carta de Plenipotência. Ademais, tanto o deputado José Genoíno-

PT quanto o professor Heleno Tôrres deixaram claro que esse vício poderia ser sanado, bastando

que o Presidente da República manifeste sua aquiescência de modo expresso e que firme o acordo,

mostrando com esse ato, que o Brasil se compromete com os Estados Unidos.

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Em relação a queixa de que o leque de informações previstas é amplo e que permitiria

que as informações fossem utilizadas para outros fins, como por exemplo o combate ao

narcotráfico e ao terrorismo, como citados pelo representante da Receita Federal, Talmon de

Paula, seria possível exigir o fiel cumprimento do artigo V, item 4110

do acordo que exige que a

solicitação de informações seja devida e detalhadamente justificada. Justamente para que não

surjam inúmeras e desarrazoadas solicitações de informações.

Outro ponto de discussão que chama a atenção é o fato de pretender-se utilizar de um

acordo que possui inúmeros pontos de controvérsia para se alcançar a assinatura de um tratado

contra bitributação. Esse não parece um bom caminho a ser perseguido, haja vista que, cada um

dos instrumentos trata o intercâmbio de informações de maneira e com objetivos diferentes. Os

tratados para evitar dupla tributação apresentam um único dispositivo111

que, em geral, traça

diretrizes limitadas e norteadoras para que ocorra a troca de informações com a finalidade de se

evitar a bitributação. Já os acordos específicos para o intercâmbio de informações (Exchange of

Information Agreements) têm como objetivo o combate à evasão fiscal e de outros crimes

tributários e para isso utiliza-se de dispositivos particularmente voltados a esse fim. Tanto o

tratado contra a bitributação quanto o acordo para troca de informações tributárias são desejáveis e

oportunos, no entanto cada um deles utiliza suas próprias ferramentas e persegue objetivos

específicos. A assinatura de cada um desses documentos implica em consequências diferentes para

as partes envolvidas, portanto, a celebração desses instrumentos de cooperação internacional deve

ser feita com base nos objetivos das nações envolvidas, para que esse processo conjunto seja de

criação e não de frustração112

.

Alguns dispositivos113

do acordo conflitam ou ensejam discussão frente aos Direitos e

Garantias Fundamentais elencados em nossa Constituição Federal. Nesse sentido, o acordo é falho

em não alinhar-se com a legislação interna à respeito dos direitos dos contribuintes apontados

constitucionalmente, bem como das possibilidades em que o sigilo desses contribuintes poderia

ser quebrado114

e o atual entendimento do STF em relação ao tema. Desse modo, o acordo não foi

elaborado com a preocupação de harmonizar-se com o sistema jurídico brasileiro. Ademais, o

acordo ainda que aprovado terá a sua aplicabilidade mitigada haja vista as inconstitucionalidades

apontadas ao longo dos debates no Congresso Nacional.

Verifica-se que muitas questões jurídicas trazidas nos debates são relevantes e tem grande

impacto sobre os cidadãos brasileiros. No entanto algumas das questões jurídicas apresentadas

poderiam ser solucionadas através de um diálogo mais aberto entre Poder Executivo e Legislativo

no momento de elaboração do acordo. Através do percurso dos PDC 417/2007 e do PDS 30/2010,

percebe-se que o Poder Executivo enviou para a aprovação do Poder Legislativo um texto pronto,

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sem discussões prévias e sem abertura para revisões. Além do que, no Poder Legislativo, não se

percebeu muito interesse em discutir o tema, como se apreende das aprovações unânimes das

comissões, poucas participações nos debates e baixo quórum.

Em que pese o acordo celebrado ainda não produzir efeitos em nosso território é preciso

atentar-se par o fato de que o Brasil comprometeu-se através de um documento com

compromissos que não poderá cumprir sem que ofensas ao seu ordenamento jurídico aconteçam.

Embora a moldura legal e a estrutura institucional brasileira permitam o intercâmbio de

informações, o modo como o Brasil acordou seu primeiro documento sobre a troca de informações

tributárias, não foi compatível com o restante do ordenamento. Ou seja, o artigo 4° da

Constituição Federal que prevê a cooperação internacional e o artigo 199 do Código Tributário

Nacional que permite a troca de informações, não foram observados em conjunto com outros

dispositivos do sistema legal brasileiro.

No entanto, ao observar outras áreas do Direito brasileiro é possível perceber que a troca

de informações entre governos, instituições e organizações é cada vez maior. A título de

ilustração, o Brasil possui troca de informações em matéria penal, aduaneira, entre instituições

financeiras e entre instituições que controlam o mercado de capitais. Logo, resistir a esse

fenômeno informacional não parece ser a postura adequada a um país que cada vez mais se insere

em uma economia global. A troca de informações em matéria tributária, como ao longo das

discussões, é importante e positiva para o incremento da transparência e da fiscalização das

administrações tributárias. Contudo é preciso encontrar meios para que esse instrumento de

modernização das administrações tributárias possa estar alinhado ao ordenamento jurídico.

A adequação brasileira à essa ferramenta pode ser muito proveitosa e trazer maior

eficiência a administração tributária brasileira. Por exemplo, destaca-se que os Anais do Seminário

Internacional sobre Justiça Fiscal, organizado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico,

concluiu que cerca de $ 300 a $ 400 bilhões de dólares estão fora do país sem sofrer tributação115

.

Neste contexto, Marcus Vinicius Vidal Pontes observa que “administração tributária brasileira

não consegue avançar por falta de essas informações”. A administração tributária se vê diante do

desafio de equilibrar o engessamento e a rigidez das normas e a eficiência116

desejada na

administração pública para coibir a evasão fiscal e outros crimes tributários.

O conflito entre a maior eficiência da administração tributária e a proteção a Direitos e

Garantias dos contribuintes não é uma exclusividade brasileira. Outros países como Suíça,

França, Inglaterra, Canadá, o próprio Estados Unidos entre outros 117

tem discutido acadêmica e

legislativamente como realizar o intercâmbio de informações à luz de seus ordenamentos

jurídicos. O que não é adequado é que o Brasil demonstre interesse e necessidade em fazer uso da

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ferramenta de intercâmbio de informações e ao mesmo tempo se furte de debater o tema. São

atitudes antagônicas. Realizar discussões formais no âmbito legislativo quando o documento

internacional já foi elaborado e assinado por representantes do Poder Executivo não caracteriza

uma eficiente forma de buscar a melhor adequação de instrumentos de cooperação ao nosso

ordenamento, bem como celebrar tratados, convenções, acordos e outros atos internacionais e não

ratifica-los posteriormente implica custos políticos e diplomáticos para o Estado recalcitrante.

Se o Direito é uma ciência dinâmica, que acompanha o caminhar da sociedade, os

operadores e criadores do Direito devem posicionar-se na escolta da sociedade e do próprio

Direito. Não podendo padecer de comodismo ou fadiga pensante na criação do Direito

acreditando que as instituições e conceitos criados até hoje são suficientes para conduzir a

sociedade. É preciso lembrar o ensinamento de Gaston Morin118

, a respeito da tarefa do jurista:

“[...]cumpre-lhe, primeiramente, depreender, com precisão, as soluções positivas da lei e da

jurisprudência e, depois, confrontar essas soluções com as exigências econômicas do momento,

as necessidades sociais e as reclamações da consciência coletiva”. Assim, o Direito brasileiro

não pode se furtar de adaptar-se aos novos fenômenos sociais.

Para que esse passo importante seja dado na administração tributária brasileira sem que as

Garantias e Direitos Fundamentais sejam violadas, é preciso que haja um largo e amplo debate

sobre como a troca de informações poder ser harmonizada com o que prevê o ordenamento

jurídico brasileiro. As experiências e modelos propostos por organismos internacionais são

relevantes, mas não podem ser singelamente transplantadas para o nosso sistema, haja vista que o

texto constitucional impõe parâmetros inafastáveis a serem atendidos. É preciso adaptar e pensar

os modelos internacionalmente propostos sob a ótica do sistema brasileiro.

Relembrando a lição de ex-secretário do Tesouro Americano, Ive Baker Priest

(1953/1961): “O mundo é redondo, então o que parece ser o fim pode ser apenas o começo119

”.

Assim, é preciso aprender a lição deixada com o percurso, os debates e as questões jurídicas que

permearam o primeiro acordo celebrado pelo Brasil sobre troca de informações em matéria

tributária. Essa reflexão é importante e imprescindível para que os próximos acordos sobre

intercâmbio de informações negociados pelo Brasil120

, não padeçam da falta de debate prévio, de

imposição do Poder Executivo, da pouca participação do Poder Legislativo e da falta de

adequação ao ordenamento jurídico nacional.

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1 Cf. AVI-YONAH, Reuven S. Globalization and tax competition: implications for developing countries. Cepal Review n.

74. 2001. 2 BLOCH, Henry; HEILEMANN, Cyril. International Tax Relations. The Yale Law Journal, v. 55, n. 5, 1946, p. 1159.

3 Cf. OCDE - Harmful Tax Competition: an emerging global issue. 1998.

4 Cf. CASTELLS, Manuel. The rise of the Network Society. Oxford: Blackwell, 2000.

5 RODOTTÀ, Stefano. Conferência: Globalização e Direito. Procuradoria Geral Do Município do Rio de Janeiro – PGM,

11 de março de 2003, p. 1.

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6 SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. O que Melhorar o Direito Administrativo Brasileiro quanto à

estrutura da Gestão Pública?. p.7 (mimeo) 7 RODOTTÀ, Stefano, op. cit., p. 1.

8 Idem, p.1.

9 BLOCH, Henry; HEILEMANN, Cyril, op. cit., p. 1169.

10 RODOTTÀ, Stefano, op. cit., p. 1.

11 GRECO, Marco Aurélio. Troca de Informações Fiscais. In: Sigilo Bancário e Fiscal – Homenagem ao jurista José Carlos

Moreira Alves. Coord. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho e Vasco Branco Guimarães. Belo Horizonte: Forum, 2011. 12

Disponível em: http://www.oecd.org/tax/fightingtaxevasion.htm. Acesso em 27/12/2012. 13

OECD (2012), Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer Review: Brazil 2012:

Phase 1, op. cit., p.7. 14

Argentina; Áustria; Bélgica, o Canadá, Chile, China, República Checa e Eslováquia, Dinamarca, Equador, Finlândia,

França, Alemanha (acordo não está em vigor desde 1 de Dezembro de 2006), sendo Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão,

Coréia, Luxemburgo , México, Países Baixos, Noruega, Peru, Filipinas, Portugal, África do Sul, Espanha, Suécia, Ucrânia.

Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/principal/ingles/Acordo/DuplaTributDefault.htm 15

O acordo celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos da América ainda não encontra-se em vigor embora já tenha sido

aprovado pelo Congresso Nacional. 16

Reino Unido, Uruguai, Bermudas e duas Ilhas do Canal da Mancha, Jersey e Guernsey. Disponível em:

http://www.valor.com.br/brasil/2861766/brasil-negocia-novos-acordos-de-troca-de-informacoes-tributarias. Acesso em:

30/12/2012. 17

YAMASHITA, Douglas. Evolução da Convenção-Modelo da OCDE e a influência de suas alterações na interpretação de

tratados para evitar bitributação. In: AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (coord). Tratados Internacionais na Ordem

Jurídica Brasileira. São Paulo: Aduaneiras, 2005. P. 103-123. 18

OECD Draft Double Taxation Convention on Income and Capital (1963). 19

Disponível em: http://www.oecd.org/tax/transparency/. Acesso em 26/12/2012. 20

Idem. 21

Asian Development Bank, Commonwealth Secretariat, European Bank for Reconstruction and Development, European

Investment Bank, Inter-American Development Bank, International Finance Corporation, International Monetary Fund and

World Bank. Disponível em: www.oecd.org/tax/transparency/Information520Brief_27%20June%202012.pdf. 22

Disponível em: http://www.ciat.org/index.php/pt/acerca-del-ciat.html Acesso em 27/12/2012. 23

Aruba, Cuba, Honduras, Portugal, Argentina, Curaçao, Itália, República Bolivariana da Venezuela, Barbados, Equador,

Jamaica, República Dominicana, Bermudas, El Salvador, Quênia, Sint Maarten, Bolívia, Espanha, México, Suriname,

Brasil, EUA, Nicarágua, Trinidad e Tobago, Canadá, França, Holanda, Uruguai, Chile, Guiana, Panamá, Colômbia,

Guatemala, Paraguai, Costa Rica, Haiti, Peru. 24

Audiência Pública da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, realizada na data de 13/08/2008, para debate sobre

a aprovação do texto do acordo entre o governo brasileiro e o governo americano para o intercâmbio de informações em

matéria tributária – Projeto de Decreto Legislativo 413/2007. 25

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008 26

Idem. 27

O acordo é assinado pelo então Secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Antonio Deher Rachid e pelo embaixador

dos Estados Unidos da América, Clifford Michael Sobel. 28

Disponível em: http://www.ciat.org/index.php/acerca-del-ciat/nuestra-historia/informacion-historica-de-los-presidentes-

del-consejo-directivo.html. Acesso em 27/12/2012. 29

Artigo 2° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. 30

OECD – Agreement on Exchange of information on tax matters; OECD – The Global Forum on transparency and

Exchange of information for tax purpouses e Convenção sobre assistência mútua administrativa em matéria fiscal. 31

Artigo 5° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. 32

Artigo 6° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. 33

Artigo 7° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. 34

Artigo 8° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. 35

O acordo assinado pelo Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América possui

13 artigos, enquanto o modelo elaborado pelo Centro Interamericano de Administradores Tributários possui 10 artigos. 36

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos

internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; 37

TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001. p. 563.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 19 - Direito Tributário II

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38

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 39

REZEK, José Francisco. Direito dos Tratados. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, a984. 566, p. 38. Apud TÔRRES, Heleno.

Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

p. 560. 40

TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001. p. 566. 41

O acordo é assinado pelo então Secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Antonio Deher Rachid e pelo embaixador

dos Estados Unidos da América, Clifford Michael Sobel. 42

Projeto de Decreto Legislativo n. 413/2007. 43

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2007). Parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Relator:

Deputado João Almeida. Brasília, DF, 2007. 44

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: IX -

cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; 45

Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente

assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou

específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar

informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos. 46

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2007). Parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Relator:

Deputado João Almeida. Brasília, DF, 2007. 47

Idem. 48

Ibidem.. 49

Estiveram presentes os Senhores Deputados: Vieira da Cunha – Presidente, Augusto Carvalho – Vice-presidente, Aldo

Rebelo, André de Paula, Antônio Carlos Mendes Thame, Átila Lins, Carlito Merss, Claudio Cajado, Eduardo Lopes,

Fernando Gabeira, Flávio Bezerra, Francisco Rodrigues, Íris de Araújo, Jair Bolsonaro, João Almeida, João Carlos Bacelar,

Laerte Bessa, Nilson Mourão, Raul Jungmann, Takayama, William Woo, Arnaldo Madeira, Arnon Bezerra, Edio Lopes,

Geraldo Resende, Leonardo Monteiro e Regis de Oliveira. 50

Nos termos do art. 32, X, h do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 51

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Parecer da Comissão de Finanças e Tributação. Relator: Deputado Ciro Gomes.

Brasília, DF, 2008. 52

Estiveram presentes os Senhores Deputados: Pedro Eugênio – Presidente, João Magalhães, Felix Mendonça e Antonio

Palocci – Vice-Presidentes, Aelton Freitas, Alfredo Kaefer, Arnaldo Madeira, Carlito Merss, Carlos Melles, Eduardo

Amorim, Fernando Coruja, Guilherme Campos, João Dado, João Leão, Júlio Cesar, Luis Carlos Hauly, Manoel Júnior, Max

Rosenman, Mussa Demes, Paulo Renato Souza, Pedro Novais, Pepe Vargas, Rodrigo Rocha Loures, Silvio Costa, Vignatti,

Devanir Ribeiro, Duarte Nogueira, Fabio Ramalho, João Bittar, Marcelo Almeida, Nelson Marquezelli e Tonha Magalhães 53

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais,

sujeitos a referendo do Congresso Nacional; 54

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2009). Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Regis

Fernandes de Oliveira. Brasília, DF, 2008. 55

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

seguinte: XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades

essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a

realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações

fiscais, na forma da lei ou convênio. 56

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2009). Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Regis

Fernandes de Oliveira. Brasília, DF, 2008. 57

Idem. 58

Ibidem. 59

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das

comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas

hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 60

Artigo 5°, LIV da Constituição Federal. 61

Artigo 5°, LV da Constituição Federal. 62

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2009). Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Regis

Fernandes de Oliveira. Brasília, DF, 2008. 63

Idem. 64

Artigo 5°, II da Constituição Federal.

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65

Artigo 5°, XXXIX da Constituição Federal. 66

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 67

Idem. 68

Ibidem. 69

Ibidem. 70

Ibidem. 71

Ibidem. 72

Ibidem. 73

Ibidem. 74

Ibidem. 75

Ibidem. 76

Disponível em : http://eoi-tax.org/jurisdictions/US#agreements. Acesso em 29/12/2012. 77

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 78

Idem. 79

A título de exemplo cita-se a Convenção contra o Tráfego Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas; as

recomendações sobre lavagem de dinheiro do GAF, a Convenção sobre Combate e Corrupção de Funcionários Públicos

estrangeiros e o Acordo firmado com a ONU para combate de lavagem de dinheiro. 80

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 81

Idem. 82

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente

poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e

aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames

sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. 83

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 389.808. Relator. Min. Marco Aurélio. 15/12/2010. 84

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 85

Idem. 86

Artigo 5° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos 87

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 88

Idem. 89

Ibidem.. 90

Ibidem.. 91

Ibidem.. 92

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2009). Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Parecer Deputado

José Genoíno. Brasília, DF, 2008. 93

Artigo 7° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos. 94

Artigo 8° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos. 95

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2008). Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Audiência Pública N° 1196/08

da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado Flávio Dino. Brasília, DF, 2008. 96

Idem. 97

Artigo 7° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para

o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos. 98

CÂMARA DOS DEPUTADOS (2009). Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Relator: Deputado

Flávio Dino. Brasília, DF, 2009. 99

Estiveram presentes os Senhores Deputados: Tadeu Filippelli – Presidente, Eliseu Padilha, Bonifácio de Andrada e José

Maia Filho – Vice –Presidentes, Antonio Carlos Biscaia, Antonio Carlos Pannunzio, Augusto Farias, Carlos Bezerra,

Colbert Martins, Eduardo Cunha, Efraim Filho, Emiliano José, Felipe Maia, Fernando Coruja, Flávio Dino, Francisco

Tenorio, Geraldo pudim, Gerson Peres, Gonzaga Patriota, Indio da Costa, joao Almeida, João Paulo Cunha, Jose Carlos

Aleluia, Jose Eduardo Cardozo, José Genoíno, Jutahy Junior, Magela, Marçal Filho, Marcelo Itagiba, Marcelo Ortiz, Marcos

Medrado, Maurício Quintella, Mauro Benevides, Mendes Ribeiro Filho, Mendonça Prado, Osmar Serraglio, paes Landim,

Paulo Magalhães, Paulo Maluf, Regis de Oliveira, Robertos Magalhães, Sandra Rosado, Sérgio Barradas Carneiro, Valtenir

Pereira, Vicente Arruda, Vieira da Cunha, Vilson Covatti, Vital do Rêgo Filho, Wolney Queiroz, Zenaldo Coutinho,

Arnaldo Faria de Sá, Bispo Gê Tenuta, Jaime Martins, Jairo Ataide, João Magalhães, Leo Alcântara, Onyx Lorenzoni,

Pastor Pedro Ribeiro, Ricardo Barros, Sandro Mabel e Silvio Costa.

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100

SENADO (2010). Parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Relator: Senador: Francisco

Dornelles. Brasília, DF, 2010. 101

Idem. 102

Ibidem. 103

Ibidem.. 104

AGÊNCIA SENADO. Francisco Dornelles pede que Receita acate acordos internacionais para evitar dupla tributação.

Disponível em:

http://www.dornelles.com.br/inicio/index.php?option=com_content&task=view&id=1067&Itemid=113. Acesso em

21/12/2012.

AGÊNCIA SENADO. Dornelles cobra posição do governo sobre lei norte-americana criada para evitar evasão fiscal.

Disponível em: http://www.dornelles.com.br/inicio/index.php?option=com_content&task=view&id=1134&Itemid=113.

Acesso em 21/12/2012.

O GLOBO. O desprezo ao sigilo fiscal. Disponível em:

http://www.dornelles.com.br/inicio/index.php?option=com_content&task=view&id=1168&Itemid=113. Acesso em

21/12/2012.

AGÊNCIA SENADO. Dornelles critica medida proposta em acordo fiscal Brasil-EUA. Disponível em:

http://www.dornelles.com.br/inicio/index.php?option=com_content&task=view&id=1169&Itemid=113. Acesso em

21/12/2012. 105

SENADO (2013). Parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Relator: Senador: Jorge Viana.

Brasília, DF, 2013. 106

Estiveram presentes os Senhores Senadores: Anibal Diniz, Jorge Viana, Eduardo Suplicy, Lidice da Mata, Ricardo

Ferraço, Sergio Souza, Pedro Simon, Francisco Dornelles, Ana Amélia, Álvaro Dias e Aloysio Nunes Ferreira. 107

Os esforços brasileiros para adequar-se aos padrões internacionais encontram-se no relatório: OECD (2012), Global

Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer Review: Brazil 2012: Phase 1. 108

OECD (2012), Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer Review: Brazil 2012:

Phase 1, op. cit., p. 7. 109

Decreto-Lei n. 486/69, artigo 4; CTN, artigos 173, 174, 195, e 197; Lei Complementar n. 123/06, artigo 26, II; Instrução

Normativa RFB n. 983/09, artigo 27; Lei n. 9.613/98. 110

Qualquer pedido de informações feito por uma parte deverá conter o maior grau de especificidade possível. Em todos os

casos, os pedidos deverão especificar, por escrito, o seguinte: a) a identidade do contribuinte cuja responsabilidade tributária

ou penal está em questão; b) o período de tempo a que se referem as informações requeridas; c)a natureza das informações

requeridas e a forma pela qual a Parte requerente preferiria recebe-las; os motivos que levam a crer que as informações

solicitadas podem ser pertinentes para a administração e o cumprimento da legislação tributária da Parte requerente, com

relação à pessoa identificada na alínea (a) desse parágrafo; e) na medida do possível, o nome e endereço de qualquer pessoa

que se acredite estar na posse ou controle das informações solicitadas; f)uma declaração quanto à possibilidade de a Parte

requerente poder obter e fornecer as informações solicitadas caso um pedido similar fosse formulado pela Parte requerida;

g)uma declaração que a Parte requerente se utilizou de todos os meios razoáveis disponíveis em seu próprio território a fim

de obter as informações, exceto quando isso daria origem a dificuldades desproporcionais. 111

Artigo 26(Exchange of Information) no Modelo de Tratado da OCDE - Double Taxation Convention on Income and

Capital. 112

GOMES, Orlando. A evolução do direito privado e o atraso da técnica jurídica (1955). Disponível em:

http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_01_p121_134.pdf). Acesso em:29/12/2012. 113

Artigos 5°, 6° e 8° do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da

América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos. 114

Lei Complementar 105/2001 – Art. 1°, § 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de

ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

V – contra o sistema financeiro nacional; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; 115

Conselho de Desenvolvimento Econômico. Anais do Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal. Agosto 10, 2011, p.34. 116

SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. O que Melhorar o Direito Administrativo Brasileiro quanto

à estrutura da Gestão Pública? (mimeo).p.13. 117

MCINTYRE, Michael J. How to End the Charade of Information Exchange. Tax Notes, November 9, 2009 e

COCKFIELD, Arthur - Protecting taxpayer privacy rights under cross-border tax information exchange. Disponível em:

http://ssrn.com/abstract=1356841. Acesso em: 01/01/2013. 118

GOMES, Orlando. A evolução do direito privado e o atraso da técnica jurídica (1955). p.132. Disponível em:

http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_01_p121_134.pdf). Acesso em: 29/12/2012. 119

The World is round and the place which may seem like the end may also be the beginning – Ivy Baker Priest (Parade,

1958) 120

Reino Unido, Uruguai, Bermudas e duas Ilhas do Canal da Mancha, Jersey e Guernsey. Disponível em:

http://www.valor.com.br/brasil/2861766/brasil-negocia-novos-acordos-de-troca-de-informacoes-tributarias. Acesso em:

30/12/2012.

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GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO E A NOVA ORDEM TRIBUTÁRIA

GLOBALIZATION, NEOLIBERALISM AND THE NEW TAX ORDER

WILLAME PARENTE MAZZA1

RESUMO

O presente artigo pretende mostrar os impactos do novo modelo de globalização construída a

partir de uma concepção neoliberal na nova ordem tributária o que força uma reestruturação

desse sistema. O processo de globalização gera um conceito instável e incerto por atingir os

diversos níveis e contextos, na esfera econômica, social, política, militar, cultural e

educacional. Procede-se a uma crescente redução das fronteiras, com a intensificação do fluxo

de pessoas, bens e serviços, e o aparecimento de novos atores no mundo global, que, somado

à pressão dos setores vinculados ao sistema capitalista, provocam a relativização e expansão

da soberania estatal. Dessa forma a soberania como o poder absoluto, perpétuo, inalienável e

indivisível de uma república já não faz parte do centro do seu conceito, não podendo mais ser

exercida de forma unilateral e independente das decisões de outros países. Dentro desse

contexto neoliberal, que se tem um novo condicionamento das relações estruturais

internacionais e a consequente reestruturação dos modelos tributários internos. Dessa forma

os Estados procuram adaptar suas estruturas jurídicas a fim de se inserirem em melhores

condições nessa nova ordem econômica ao tempo em que buscam manter um sistema

tributário justo e igualitário.

PALAVRAS-CHAVE: Globalização; Soberania; Ordem Tributária; Neoliberalismo

ABSTRACT

This article intends to show the impacts of the new model of globalization built from an

neoliberal conception in the new the tax order thus forcing a restructuring of this system. The

globalization process creates a unstable and uncertain concept by attain the different levels

and contexts, in the economic sphere, social, political, military, cultural and educational. One

proceeds to a growing reduction of borders, with the intensification of the flow of people,

goods and services, and the appearance of new actors in the global world, which, together

with pressure from the sectors linked to the capitalist system, leads to expansion and

relativization of sovereignty state. This way sovereignty as absolute power, perpetual,

inalienable and indivisible, of a Republic no longer forms part of the center of its concept and

can no longer be exercised unilaterally and independent of the decisions of other countries.

Within that neoliberal context, that if has a new structural conditioning of international

relations and the consequent restructuring of the tax internal models. This way the states seek

to adapt their legal structures in order to insert in better conditions on this new economic

order seeking to maintaining a fair and equalitarian tax system.

1 Doutorando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS – RS), Mestre em Direito

com ênfase em Tributário pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Especialização em Direito tributário e

Fiscal, Especialização em Direito Público e Especialização em Controle na Administração Pública. Auditor

Fiscal da Fazenda Estadual do Estado do Piauí, Professor no curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí

e FACID. Email: [email protected].

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KEYWORDS: Globalization; Sovereignty; Tax Order; Neoliberalism

1 INTRODUÇÃO

O fenômeno da globalização passou a assumir uma importância central nas relações

sociais e econômicas no espaço mundial. É um tema de grande discussão principalmente pelas

transformações geradas no papel do Estado e no poder público, em todos os níveis, tanto no

aspecto econômico, cultural, político, militar e educacional.

Com essa nova dinâmica mundial, intensificou-se a internacionalização das relações

sociais, comerciais, o fluxo de pessoas e o encurtamento das distancias, o que forçou uma

relativização da soberania estatal, não no sentido de uma perda, mas de uma necessidade para

a inclusão do Estado no mundo globalizado, internacionalizado.

Diante dessas transformações no contexto global e na busca da solidariedade mundial

por meio da tributação é que se discutirá as mudanças e impactos no âmbito do direito

tributário e o papel da tributação na redução das desigualdades.

2 O CONTEXTO DA SOBERANIA NO MUNDO GLOBALIZADO

Nas palavras de Paupério (1958), a soberania, em um sentido vulgar, significa o

poder incontrastável do Estado, acima do qual nenhum outro poder se encontra. Afirma ainda

que a soberania é a causa formal do Estado.

A soberania, tradicionalmente concebida, reflete o poder característico da autoridade

estatal. Trazia, como principal característica, a ideia de absolutização e perpetuidade. Dessa

forma, a soberania, historicamente, se apresenta como um poder incontrastável, no sentido do

poder de impor, em determinado espaço geográfico, o conteúdo e aplicação das normas. Ela

passa a ser caracterizada por uma estrutura de poder centralizado, exercendo o monopólio da

força e da política legislativa, executiva e judicial sobre um determinado território, podendo

assim, defini-la como una, indivisível, inalienável e imprescritível (MORAIS, 2005).

Essa ideia de absoluto e perpétuo da soberania já tinha sido definida por Boldin que

traz um caráter de absolutismo da sua teoria. Ele traz uma noção superlativa da soberania, de

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um poder supremo. Dessa forma a soberania tinha como características distintivas o poder de

impor lei a todos, de decretar a guerra ou declarar a paz, de instituir cargos, de resolver em

última instância e de outorgar graças aos condenados. Para o autor o poder soberano é

condição de existência do Estado. A soberania seria, portanto, o poder absoluto, perpétuo,

inalienável e indivisível de uma república (PAUPÉRIO, 1958).

Bonavides (2003) fala da soberania sobre seu aspecto interno, como conceito jurídico

e social, afirma que é da essência do ordenamento estatal uma superioridade e supremacia, a

qual subordina os poderes sociais ao poder do Estado. Assim, a soberania interna se

caracteriza pelo predomínio que o Estado exerce num território e em uma determinada

população sobre os demais ordenamentos sociais. Já no ponto de vista externo ela seria apenas

qualidade do poder, que a organização social poderá adotar ou não. Para o autor a crise

contemporânea desse conceito está na dificuldade de conciliar a noção de soberania do Estado

com a ordem internacional, no sentido de uma desproporção entre a soberania do Estado e

ordenamento internacional, de modo que a ênfase em uma delas implica sacrifício maior ou

menor na outra.

Essa dificuldade de conciliação entre soberania do Estado e a ordem internacional

está caracterizada principalmente na crise do Estado Moderno em apresentar-se

“tradicionalmente como centro único e autônomo de poder, sujeito exclusivo da política,

único protagonista na arena internacional e ator supremo no âmbito do espaço territorial de

um determinado ente estatal nacional” (MORAIS, 2005, p.12).

Isso se verifica principalmente no aparecimento de novos atores no cenário

internacional, as chamadas comunidades supranacionais, que impuseram uma nova lógica às

relações internacionais. Na verdade, com o crescimento e autonomização do poder

econômico, fragilizou-se o modelo democrático moderno, no qual o poder político,

representado pelos seus agentes, encontra-se submetido por agentes econômicos que não

possuem visibilidade pública, impondo direcionamentos à ação estatal (MORAIS, 2005).

Portanto, a soberania não pode mais ser caracterizada como absoluta, mas pode ser

entendida como relativa, permeável e expansiva. Assim, surge a ideia de uma soberania

compartilhada onde cada Estado cede parcela de seu poder, que passa a ser exercida,

conjuntamente por todos os Estados que formam a comunidade (MOREIRA, 2002).

Höffe (2005) também discute esta questão do Estado dentro do cenário internacional,

quando trata da destituição do Estado, mas que prefere dizer, transformações estruturais do

Estado. Dentre essas transformações ele destaca as erosões externas que provocam perdas de

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poder2, caracterizando um déficit de soberania. No entanto a soberania sempre existe. Embora

grandes potências tenham mais poder do que as pequenas, estas não deixam de possuir

soberania (HÖFFE, 2005).

Para o autor o conceito de soberania nunca excluiu dependências econômicas,

culturais e nem políticas. Na verdade o foco é a não-submissão dos poderes públicos de um

Estado a poderes públicos estrangeiros, ou melhor, o legislativo, o governo e o judiciário não

devem estar submetidos a nenhum dos órgãos respectivos estrangeiros. Nos últimos anos

ocorreram um aumento das relações internacionais e o crescimento das interdependências

econômicas e nem por isso não foi o suficiente para anular o conceito de soberania. Houve

sim, uma perda de soberania, mas uma perda baseada no livre consentimento. Essas perdas

ocorreram muito mais por meio do reconhecimento dos tratados ou através de declarações de

adesão. Assim, mesmo as renúncias à soberania são um ato de soberania. Dito de outra forma,

não seria uma mera renúncia, pois, como bem explica Höffe (2005, p. 190-192):

Além disso, não se deve entendê-las como meras renúncias. Da

mesma maneira que os direitos humanos simplesmente não restringem um

ordenamento de poder, mas, inversamente, emprestam-lhe a forma positiva

de uma democracia qualificada, ao se reconhecerem acordos internacionais

sobre direitos humanos e os respectivos tribunais competentes, não se está

processando uma renúncia à soberania. Ao contrário, está-se fortalencendo

seu conceito característico de Estado – o comportamento com princípios pré-

positivos e suprapositivos, como os direitos humanos; aceita-se, em

contrapartida, que uma eventual violação destes direitos representará uma

injustiça que, caso seja perpetrada pelo Estado, poderá ser mais bem avaliada

por uma instância terceira imparcial, ou seja, por um foro externo.

A soberania nasceu com o Estado Moderno. Ela faz parte de uma série de atributos

estáveis que fixam os elementos constitutivos do modelo estatal indispensáveis à forma estatal

necessária para a entrada na sociedade internacional. A especificidade do modelo estatal

resulta da conjugação de cinco elementos essenciais: nação, a figura abstrata do próprio

2 “Dentre os possíveis tipos de perda de soberania, podem-se apontar três atuais. (1) Por meio do Direito

Internacional, por exemplo, através das Declarações dos Direitos Humanos tanto relativas a grandes regiões,

como é o caso europeu, quanto ao âmbito internacional mais vasto, o legislador público vê-se comprometido.

Alem disso, os Tribunais – europeus ou internacionais – impõem vinculações à ordem judiciária de cada Estado

envolvido. (2) A adesão a determinadas organizações internacionais, como as Nações Unidas, implica

determinadas renúncias de soberania, que ainda se fazem sentir mais fortes quando se trata de aderir a uma

Comunidade como a União Européia. (3) Um renúncia considerável de soberania normalmente acontece ao se

aderir a alianças militares e de segurança, tais como a Otan, o antigo Pacto de Varsóvia ou a Osce. Tais perdas

de soberanias podem ser explicadas pelo fato de uma grande parte da tarefa central de soberania – a competência

deliberatória em questões de segurança externa – ser transferida para a organização supra-estatal.” (HÖFFE,

2005, p. 192).

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Estado, monopólio da coerção e a articulação de burocracias funcionais. A soberania - no

sentido do Estado com um poder supremo de dominação, um poderio irresistível e

incondicional - é que legitima essa coerção (CHEVALLIER, 2009).

No entanto esta construção do modelo estatal tem a força, mas também as limitações

de um modelo, que foram situações que bem ou mal contribuíram para a construção desse

modelo. Dessa forma têm-se quatro corolários: primeiramente a edificação do Estado passa

por etapas sucessivas3. Esse Estado prosperou graças a um conjunto de mutações econômicas

(o desenvolvimento das relações de mercado), sociais (a decomposição das estruturas

feudais), políticas (a vontade de dominação dos príncipes), ideológicas (o individualismo, a

secularização, o racionalismo). O segundo corolário se baseia nas variantes que

acompanharam o processo de construção do Estado. As formas e os graus de “estatização”

variaram de acordo com cada país, que apresentaram trajetórias diversificadas. O terceiro

corolário é que a forma estatal em muitas vezes passou a ser um “simples envelope recobrindo

a existência de um poder absoluto”. Isso se consagrou com o totalitarismo do século XX,

fazendo com que princípios de constituição do Estado sofressem uma completa desnaturação.

O ultimo corolário são as distorções do modelo Estatal fora do seu berço ocidental de origem

que são aquelas do Estado autoritário e do Estado patrimonial (CHEVALLIER, 2009).

Após esse período de construção o Estado passa por um movimento de expansão

pelo qual o Estado estabeleceu uma rede cada vez mais fechada de coerções e controles sobre

a sociedade. Tal expansão apresentou-se em formas diferentes, como nos países socialistas,

em desenvolvimento e os liberais e se deu principalmente após a primeira guerra mundial

através de uma ampliação contínua na espera de intervenção. Destacou-se a importância do

Estado, mormente os aparelhos de Estado que ocuparam um lugar central na sociedade,

assegurando a regulação da vida econômica e as necessidades sociais. Conquanto, essa

concepção de Estado tutor da sociedade entrou em Crise no final do século XX com o fim do

protetorado estatal e a crise do Estado-Providência. Como diz Chevallier essa expansão estatal

foi superada pela influência das dinâmicas internas e externas. De um lado o Estado sofre

influências que pesam na reavaliação da relação Estado/sociedade e de outro a

internacionalização, na figura da globalização, contribuíram para “minar certas posições

conquistadas pelo Estado” (CHEVALLIER, 2009).

3 São nove etapas sucessivas, “separadas por dois limites: prmeiramente, indiferenciado e difuso (1), o poder

político vai emergir através de dispositivos de mediação (2), papeis políticos derivados (3) depois especializados

(4); a implementação de governantes (5) marca a passagem de um limite, com o complemento de uma hierarquia

de poderes (6); o segundo limite é ultrapassado com a consagração do monopólio do uso da violência física (7) –

elemento capital na formação do Estado – seguido pela adoção de um aparelho de governo (8) e o surgimento de

um sistema de dominação impessoal (9). (CHEVALLIER, 2009, p.25)

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Portanto, essa concepção originária de soberania sofreu forte abalo com a

globalização, o que nos leva a afirmar:

Ora, se de fato a humanidade vive em uma sociedade

mundializada, globalizada, em que as fronteiras perdem nitidez; se de fato a

humanidade está frente ao enfraquecimento da Soberania estatal ou ao

redimensionamento rumo a uma identidade mundial, em que todos são ao

mesmo tempo daqui e de toda a parte e de lugar algum. De certo modo, a

globalização prega um processo de uniformização do mundo (ESPINDOLA,

2005, p.11).

Daí que a globalização4, com a internacionalização das relações sociais, comerciais,

aumento do fluxo de pessoas, o encurtamento das distancias, forçou uma flexibilização da

soberania estatal, não no sentido de uma perda, mas de uma necessidade para a inclusão do

Estado no mundo globalizado, internacionalizado.

3 UM BREVE ESBOÇO SOBRE A GLOBALIZAÇÃO

A palavra “globalização” pode trazer uma confusão conceitual por poder ser

empregada em diversos contextos. Assim tal fenômeno se desenvolveu com maior

significância nos contextos econômicos, políticos, militar e cultural-educacional (TEIXEIRA,

2011).

A globalização5 é um fenômeno antigo que se prefigura desde a antiguidade com a

dominação de Atenas, depois de Roma, sobre a bacia mediterrânea e, mais ainda, a

constituição dos grandes impérios. Com a expansão do comércio internacional, ligada à

revolução industrial e ao desenvolvimento dos transportes, ainda no século XIX, coloca a

4 Segundo Anderson Teixeira, “a noção de soberania nacional perdeu seu aspecto notadamente territorialista, ao

longo do século XX, para ainda neste mesmo século, após o sucesso dos diversos processos de globalização,

sobretudo na economia e na política internacional, iniciar uma tácita relativização que caminha para uma

possível descaracterização completa da mais elementar prerrogativa do Estado-nação”. (TEIXEIRA, 2011, p.70). 5 No entanto alguns doutrinadores consideram que o processo de globalização já se iniciara desde as caravelas

portuguesas, do século XIV e XV, seguidas pelas espanholas e inglesas. “Não iam fazer guerra de conquista

como as excursões dos gregos e romanos das centúrias antes e depois do nascimento de Cristo. Iam fazer

negócios, o objetivo primordial era o comércio, e buscar a aquisição de terras desconhecidas foi conseqüência. E

é o comércio que impulsiona a globalização. Em alguns momentos o processo se arrefece, em outros ganha mais

impulso, mas sem dúvida, e aqui fazendo um salto de quinhentos anos, as décadas de 80 e 90 do último quartel

do século XX foram permeadas por uma interpenetração crescente e irreversível da atividade comercial

internacional, ao lado da internacionalização dos mercados financeiros, da expansão das corporações

transnacionais, e de outros fatores como colonização cultural e dominação econômica (embora esses dois últimos

fatores tenham evoluído de maneira paulatina a partir do fim da II Revolução Industrial)”.( VALADÃO, 2012.)

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Europa no centro das trocas mundiais. No entanto depois da Segunda Guerra Mundial é que o

processo de internacionalização se intensificou tomando uma nova dimensão ao longo dos

anos 1990. As fronteiras dos Estados se tornaram porosas tomadas pelos fluxos de todas as

ordens, refletindo a incapacidade dos Estados de conter, de controlar e de canalizar tais

fluxos. Assim os Estados se tornaram incapazes de controlar as variantes principais que

comandam o desenvolvimento econômico e social, prejudicando a sua capacidade de

regulação (CHEVALLIER, 2009).

Dessa forma, como afirma Arnaud (1999, p.37), “é forçoso constatar que não

podemos mais falar de regulação social, de regulação jurídica, de produção normativa, de

produção do direito, de tomada de decisão política”, sem considerar, continua o autor “a

fragmentação da soberania e a segmentação do poder que caracterizam as sociedades

contemporâneas”.

A capacidade de regulação do Estado há muito já vem sendo comprometida. Com a

evolução do Estado moderno, ele tomou duas formas principais, de Estado Liberal e Estado

Social. O liberalismo favoreceu ao desenvolvimento da econômica capitalista, baseado no

princípio da limitação da intervenção estatal, da liberdade do indivíduo e da crença na

superioridade da regulação “espontânea” da sociedade. Já o Estado Social desenvolvido sob a

raiz da Revolução Industrial, se caracterizou pela intervenção cada vez maior do Estado na

regulação da questão social e da economia, se convertendo em um instrumento de

transformação e de regulação social. No entanto, com a crise atual do Estado, os mecanismos

econômicos, sociais e jurídicos de regulação, já não funcionam como antes. Dessa forma o

Estado já não responde a soluções dos problemas sociais e econômicos, justamente pela

dificuldade em buscar essas soluções com os principais atores sócio-políticos nacionais. Daí

que a principal causa dessa crise de regulação é a globalização, que traz essa interdependência

dos Estados que influi na definição das políticas públicas internas de cada Estado (ROTH,

1998).

Dunn distingue quatro rupturas com a ordem mundial passada, são elas: A

capacidade estatal de garantir a segurança dos cidadãos e a integridade territorial; a

mundialização da economia que diminui o poder de coação dos Estados Nacionais sobre as

forças econômicas, já que estas se desenvolveram a um nível planetário; a internacionalização

do Estado com a sua participação em um grande número de organizações internacionais,

fazendo com que isso influencie sobre os processos políticos internos; a última ruptura é o

direito internacional, no qual com seu desenvolvimento aparece como um princípio normativo

superior, que permite aos cidadãos reivindicar sua aplicação ou denunciar sua violação pelo

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Estado. Daí que, com essas rupturas, tem-se por consequência a “perda” da soberania e da

autonomia dos Estados Nacionais na formulação de políticas internas (ROTH, 1998).

O que se percebe é que a globalização provoca uma recomposição do sistema de

poder e a ruptura da soberania formal do Estado e sua autonomia decisória substantiva. É

posto em questionamento toda essa engrenagem institucional fundada no Estado-nação e o

pensamento jurídico constituído a partir dos princípios da soberania, da autonomia do

político, da separação dos poderes, dos direitos individuais e das garantias fundamentais,

devido a diversidade, heterogeneidade e complexidade do processo de transnacionalização

dos mercados de insumo, produção, finanças e consumo. Os Estados-nação encontram-se

limitados em sua autonomia decisória de tal sorte que a política monetária, fiscal, cambial e

previdenciária já não podem mais ser implementadas de modo independente. Como bem

afirma José Eduardo Faria, “numa situação extrema, os Estados chegam ao ponto de não mais

conseguirem estabelecer os tributos a serem aplicados sobre a riqueza – esta é que,

transnacionalizando-se, passa a escolher onde pagá-los” (FARIA, 2004, p. 23-24).

Assim os Estados são forçados, de certa forma, ao participarem dessa mundialização,

a melhorar e ampliar as condições de “competitividade sistêmica”, já que são pressionados

pelos setores vinculados ao sistema capitalista transnacional e que atuam na “economia-

mundo”. Setores estes situados em posições-chave do sistema produtivo, com poderes de

influência nas políticas públicas (FARIA, 2004).

Diante desse espaço de fragilidade do Estado-nacional, as instituições transnacionais

se sobressaem e impõem interesses que balizam a regulação social daquele setor de

intervenção, ou melhor:

Sem uma instituição legítima, capaz de monopolizar um poder de

coação jurídica efetiva ao nível internacional, são as empresas transnacionais

que vão promulgando o quadro jurídico, em conformidade com seus

interesses, a partir do qual dar-se-á a regulação social. Isso significa a

emergência de uma forma de neofeudalismo onde as normas de regulação de

um setor econômico estão definidas por empresas comerciais dominantes no

setor. O conteúdo das regras negociadas na periferia limitar-se-ia a um

“ajuste de detalhes”, não podendo ultrapassar o quadro geral da regulação

fixado a um nível superior e percebido, pelos níveis de negociações

inferiores, como uma realidade insuperável. Com efeito, a capacidade de

perceber uma situação como injusta, base da luta em favor de uma maior

emancipação, depende em grande parte da posição ocupada dentro do espaço

social (ROTH, 1998, p.26).

No entanto, embora exista uma forte influência das instituições transnacionais na

regulação social, Beck (1999) acredita que não há um poder hegemônico ou regime

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internacional econômico ou político. Para o autor, a globalização significa uma negação do

Estado mundial. “Mais precisamente: sociedade mundial sem Estado mundial e sem governo

mundial”. Esta sociedade mundial significa, então, “o conjunto das relações sociais, que não

estão integradas à política do Estado nacional ou que não são determinadas (determináveis)

por ela”.

Sob a ideologia do neoliberalismo, a pluridimensionalidade da globalização é

reduzida a uma única dimensão – a econômica – deixando todas as outras, a ecológica,

cultural, política e a sociedade civil, sob o domínio do mercado mundial. Fala-se em uma

segunda modernidade distinta da primeira pela irreversibilidade do surgimento da

globalização6. Dessa forma daqui para frente, nada que aconteça no planeta será um fenômeno

espacialmente delimitado, mas, ao contrário, todas as descobertas, trunfos e catástrofes afetam

todo o planeta, fazendo com que haja a necessidade de reorganização em torno do eixo

global-local (BECK, 1999).

O neoliberalismo caracteriza esse modelo econômico de globalização. Atores globais

como o Fundo Monetário Nacional e o Banco mundial7 procuram garantir condições propícias

para o desenvolvimento do capitalismo, causando, no entanto, um ambiente de instabilidade

financeira. A crise fiscal assola os Estados vinculados a empréstimos internacionais, que,

pressionados pelo FMI, necessitam aumentar suas bases de imposição tributária sem a

elevação dos serviços que podem prestar e das funções que podem desenvolver (GODOY,

2004).

A crise fiscal, consequência do neoliberalismo e da globalização, traz implicações da

ordem tributária. Como afirma o professor Morais (2011, p.44):

Os anos 1970 irão aprofundar este desequilíbrio econômico, na

medida em que o aumento da atividade e das demandas em face do Estado e

a crise econômica mundial – explicitada a partir da crise da matriz energética

6 Segundo o Beck são oito os motivos da irreversibilidade da globalização: “1. A ampliação geográfica e

crescente interação do comércio internacional, a conexão global dos mercados financeiros e o crescimento do

porder das companhias transnacionais. 2. A interrupta revolução dos meios tecnológicos de informação e

comunicação. 3. A exigência, universalmente imposta, por direitos humanos – ou seja, o princípio (do discurso)

democrático. 4. As correntes icônicas da indústria cultural global. 5. À política mundial pós-internacional e

policêntrica – em poder e número – fazem par aos governos uma quantidade cada vê maior de atores

transnacionais (companhias, organizações não-governamentais, uniões nacionais). 6. A questão da pobreza

mundial. 7. A destruição ambiental mundial. 8. Conflitos transculturais localizados.”( BECK, 1999, p. 30-31).

7 Essa garantia de condições propícias para o desenvolvimento do capitalismo passa pela preocupação, por esses

atores com o sistema jurídico dos países periféricos. Isso porque a “globalização não pode prescindir de um

sistema jurídico que garanta a canalização dos conflitos, sua procedimentalização e a estabilização no tempo de

expectativas normativas. Dito de outro modo: quanto mais complexo o sistema social maior a importância do

direito moderno. Não é por acaso, que os recentes estudos sobre a reforma do Estado – que, ingênua ou

maliciosamente, acreditam na capacidade de se induzir transformações a partir do sistema político -, sempre

sublinham a urgência de uma reforma no aparato judiciário.”. (CAMPILONGO,1999, p.90).

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de base petroquímica -, com os reflexos inexoráveis sobre o cotidiano das

pessoas, impondo-lhes necessidades e retirando-lhes capacidade de suportá-

las, implicam um acréscimo ainda maior de despesas públicas, o que

redundará no crescimento do déficit público na medida em que o jogo de

tensões sociais sugere uma menor incidência tributária ou estratégias de

fugas – seja via sonegação, seja via administração tributária -, projetando,

por consequência, uma menor arrecadação fiscal, por um lado e, de outro, as

necessidades sociais, muitas delas, inerentes a um momento de crise

econômica e das atividades produtivas, avolumam-se formando um círculo

vicioso entre crise econômica, debilidade pública e necessidades sociais.

Assim para superar tal situação, Morais (2011) aponta para o aumento da carga fiscal

ou a redução dos custos via diminuição da ação estatal, sujeitando o aumento da tributação,

“seja pelo crescimento das alíquotas, seja pela quantificação subjetiva do papel de agente

passivo da relação tributária”.

No entanto, embora as pressões das forças econômicas e políticas dominantes,

nacionais e transnacionais oriundas do capitalismo globalizado, Gomez (2000) entende que

não se dá o “fim do Estado-nação”. O Estado continua a ser uma potência política, jurídica,

material e simbólica, tenaz e insubstituível8. Isso se dá porque o modelo econômico neoliberal

requer um Estado forte para introduzir as reformas “pró-mercado na sociedade, para evitar a

mobilidade das pessoas através das fronteiras e, antes de mais nada, para assegurar a ordem

interna”. É esse Estado, capaz de impor o poder de tributar, que se chama de Estado fiscal

cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos e que é a

característica dominante do estado moderno (NABAIS, 2012).

4 AS TRANSFORMAÇÕES TRIBUTÁRIAS NO ÂMBITO DA GLOBALIZAÇÃO

A tributação se desenvolve dentro de um contexto que tem como pano de fundo um

modelo neoliberal que condiciona um novo ritmo nas relações estruturais internacionais e

consequentemente uma reestruturação dos modelos conjunturais locais (GODOY, 2004). E,

como já explicitado, umas das consequências desse neoliberalismo foi o processo de

globalização. Essa mundialização das relações, proporcionada pelos avanços nas tecnologias

de comunicação e transporte, faz com que os Estados procurem realizar reformas a fim de

participar em melhores condições desse novo rearranjo econômico em que o comércio

8 Por isso o autor afirma que a soberania não está sendo solapada e sim transformada.

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internacional se insere. Assim o Estado procura, através de alterações na sua legislação

tributária, e devido a um aumento da integração e dos fluxos de capitais, se inserir nesse

contexto global (VALADÃO, SILVA, 2008).

Em matéria de direito econômico, a globalização tem proporcionado forte impacto na

estrutura econômica e tributária dos Estados. Primeiro pela necessidade de um realinhamento

dos Estados em função da relativização de sua soberania sentida principalmente pela pressão

de novos atores transnacionais e pelas políticas neoliberais.

Criou-se assim uma desconexão entre “as políticas nacionais de controle dos fatos

econômicos e as forças econômicas internacionais a serem controladas”. Daí, numa economia

global, tem-se um mundo onde as forças transnacionais passam a ditar as políticas

econômicas nacionais, ao invés das instituições nacionais guiarem as forças econômicas

(PINHEIRO, 2001, p.15-16).

Economicamente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial

tiveram ou têm uma forte influência nas políticas públicas econômicas de cada País,

mormente os chamados “emergentes” que dependem de recursos financeiros emergenciais

dessas organizações financeiras internacionais para combater a volatilidade de mercados

financeiros expostos à corrida internacional de capitais (AGUILLAR, 1999).

O aparecimento desses atores se deu em um contexto de reestruturação econômica.

Após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de reconstruir a economia mundial, foi

estabelecida a conferência de Bretton Woods, realizada em New Hampshire (Estados Unidos),

entre julho e agosto de 1944, que lançou as novas bases do sistema econômico internacional.

Nessa conferência tentou-se, com os quarenta e quatro países que tomaram assento

no evento, a criação de três organizações internacionais que viabilizassem a nova ordem

econômica internacional. Foram elas, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco

Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a Organização Internacional do

Comércio (OIC). Dessas organizações, apenas o FMI e o BIRD prosperaram na proposta

inicial.

Segundo Lupi (2001, p.130), o FMI seria um fundo de auxílio dos países em épocas

de crises no balanço de pagamentos, e o BIRD “contribuiria para a reconstrução dos países

atingidos pela guerra, incentivando políticas de desenvolvimento de longo prazo e atacando

prioritariamente a questão do desemprego”.

Além das influências desses atores internacionais, fruto do processo de globalização,

um dos maiores impactos causados por esta onda é o deslocamento da base econômica e

consequente ruptura da ordem jurídica tradicional. Dessa forma a ordem jurídica nacional é

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questionada à medida que a Economia dos Estados nacionais tender a se integrar nos espaços

regionais e planetário proporcionando a adequação do novo ordenamento jurídico que se torna

absolutamente necessário (NOGUEIRA, 2000).

A globalização, portanto, em todo seu contexto de relativização da soberania estatal

para realização dos acordos econômicos e a inserção do Estado no mundo global, necessita da

adequação de suas estruturas:

Assim, a globalização, em sua forma mais recente, vem impondo a

todos os países do mundo, e em especial aos países em desenvolvimento,

novos desafios de adaptação/evolução, daí a necessidade da modernização

de estruturas, o que inclui a regulação e fiscalização dos agentes econômicos

e também modificação das estruturas tributárias – instrumento estatal de

captação de recursos e de intervenção no domínio econômico

(estrafiscalidade). Dá-se um exemplo: o aumento do número de formas

negociais e sua complexidade e o crescimento da possibilidade de praticar

tais atos em ambientes transnacionais dificulta para Administração

Tributária a persecução das fontes de imposição tributária. Da quase infinita

possibilidade das formas negociais, como resultado do processo

globalizante, decorre a facilidade de dissimular a ocorrência do fato gerador,

levando à necessidade da chamada norma geral anti-elisiva, além das

tradicionais normas anti-elisivas específicas (VALADÃO, 2012).

Dentre os impactos da globalização na tributação dos Estados nacionais, pode-se

citar, e aí coloca-se o caso do Brasil, a necessidade da União cumprir seus compromissos

internacionais, mormente o pagamente de empréstimos. Daí que, para a União chegar a tal

desiderato, necessita acumular receitas tributárias administradas por ela - fazendo isso através

das contribuições para seguridade, já que não compartilha com outros entes federativos – a

fim de demonstrar solidez nos compromissos internos, principalmente o pagamento do

serviço da dívida (VALADÃO, 2012).

Os Estados, em função da evolução do conceito clássico de soberania e da

necessidade de integração econômica, não podem se fechar às realidades políticas do globo.

Assim, necessitam manter suas transações internacionais, o que os fazem deparar com normas

internacionais de tributação, mormente as normas que tratam da dupla tributação ou bi-

tributação internacional9, que é um outro fator oriundo da abertura econômica dos Estados

inseridos no processo global.

9 A bi-tributação em linhas gerais é a imposição de tributos de diferentes Estados sobre uma mesma base

econômica.

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No entanto, essa característica da aplicação de tributos em operações internacionais e

a intensa rede de tratados de dupla tributação não era tão intenso no mundo antes da

globalização. Assim anteriormente10

a imposição fiscal tinha liberdade absoluta, sem

conhecer os limites internacionais. O comércio entre os países era controlado e limitado não

havendo grandes movimentos de capitais. O Gatt ( Acordo Geral de Tarifas e Comércio )

cobria apenas o comercio de mercadorias não abrangendo serviços e intangíveis que hoje é

fruto de uma imensa malha de tributação. No mundo de ontem, quase não existia necessidade

de trocas de informações entre as administrações fiscais e os preços de transferência se

referiam muito mais aos controles cambiais do que à tributação (TAVOLARO, 2005).

Por outro lado, no mundo de hoje, e com a internacionalização da tributação,

apareceram problemas que no passado não existiam ou que não tinham relevância. Hoje, em

função da internet, por exemplo, desapareceu a movimentação física das mercadorias.

Aparecem problemas quanto ao comércio eletrônico na aquisição de produtos de conteúdo

digitalizáveis. A prestação de serviços se intensificou fazendo com que o Gatt abrangesse

também essa base econômica, buscando-se ainda na União Européia a tributação dos serviços

no destino por meio do sistema IVA (Imposto sobre o valor agregado) (TAVOLARO, 2005).

Pinheiro traz os efeitos da globalização econômica no direito tributário em dois

planos: um primeiro sobre a dimensão quantitativa das receitas tributárias, que pode ser

caracterizado, por exemplo, pelas isenções fiscais em favor das corporações transnacionais

que condicionam a instalação das suas unidades produtivas no território do país em função

10

Charles E. Mclure JR dá um retrato do mundo de ontem, tendo como principais características: a) o comércio

internacional consistia principalmente de bens trangíveis; b) a maior parte do comércio internacional era feita

entre empresas sem vinculação entre si; c) os serviços de telecomunicações eram operados por monopólios

estatais ou por concessões, operando os prestadores desses serviços em um único país; d) as comunicações eram

lentas; e) a presença física era geralmente exigida para a condução dos negócios e prestação de quase todos os

serviços; f) os bens intangíveis eram relativamente sem importância; g) embora existisse o investimento

internacional, o capital tinha pouca mobilidade internacional; h) havia certeza quanto ao país de residência de

uma empresa; i) Quase a totalidade dos investimentos eram feitos no país do investidor; j) Juros e dividendos

eram perfeitamente distinguíveis uns dos outros; k) os paraísos fiscais eram, quando muito, um incômodo; l) os

Estados Unidos detinham a incontestável liderança econômica e política do mundo; a União Européia ainda não

existia e o Japão ainda estava se recuperando da devastação da guerra.

Quanto ao mundo de hoje, Mclure caracteriza: a) O aumento substancial do comercio de intangíveis e serviços;

b) A maior parte do comercio internacional ocorre entre empresas vinculadas; c) A presença física deixa de ser

necessária para a condução dos negócios,principalmente no que se refere a intangíveis e serviços que podem ser

digitalizados; d) os intangíveis toranram-se essenciais para as empresas, muitas vezes específicos para elas, sem

mercado externo (software dedicado, por exemplo); e) os serviços de telecomunicações passaram por

privatizações e são operados transfronteiras; f) As comunicações são instantâneas;g) O capital internacional tem

uma grande mobilidade; h) Em razão do desenvolvimento e dos derivativos financeiros juros e dividendos

muitas vezes são difíceis de distinção; i) O país de residência de uma empresa pode não mais ser facilmente

determinável ou ser facilmente mudado; j) Muitos investidores fazem seus investimentos fora de seus países de

residência e em empresas situadas em outros locais que não são o local de domicílio putativo dessas empresas; k)

os paraísos fiscais passaram a representar um séria ameaça à tributação das rendas e à equidade e neutralidade de

países com tributação efetiva; l) Os Estados Unidos, ainda que única superpotência, não mais detém liderança

incontestável política e econômica, face a ascendência da União Européia. (TAVOLARO, 2005, p. 295)

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dessas renúncias, sendo que essas isenções, na sua maior tendência, não seguem um critério

igualitário de concessão. O segundo plano seria o lado virtual da economia, caracterizado pelo

crescente especulação financeira por parte das corporações transnacionais, que operam numa

zona cinzenta da tributação fazendo com que essa imposição tributária seja reduzida

(PINHEIRO, 2001). O autor destaca como outro fator a elisão fiscal no plano internacional.

Ademais, com a elisão11

percebe-se a dificuldade de se mensurar o seu verdadeiro impacto

sobre as receitas tributárias (PINHEIRO, 2001).

Os “paraísos fiscais” (países com tributação favorecida)12

aparecem como

outro impacto do processo de globalização no direito tributário. Na verdade, com a quebra de

barreiras entre os Estados e o aumento do fluxo de capital, de pessoas e bens, aparecem

também essas alternativas que objetivam atrair investidores estrangeiros oferecendo

benefícios fiscais, com uma redução de tributação, fruto também da concorrência tributária

internacional.

Com a concorrência tributária aparece também o planejamento tributário, que

possibilita a análise dos custos e benefícios fiscais da carga fiscal a ser suportada pelos

agentes econômicos (VALADÃO, 2008). Nas palavras de Torres (2001, p.99-100) o

planejamento tributário internacional seria:

Sendo o planejamento tributário um procedimento de interpretação

do sistema de normas, visando à criação de um modelo de ação para o

contribuinte, caracterizado pela otimização da organização como forma de

economia tributária, num agir voltado imediatamente para o sucesso, em

termos pragmáticos, o planejamento tributário internacional não será mais do

que uma qualificação desse procedimento, pela presença do elemento de

estraneidade que se apresenta (operações de não-residentes ou atuações

ultraterritoriais de residentes).

11

Conforme Valadão “De lembrar que as normas anti-elisivas gerais da primeira metade do século XX tinham

como fundamento e objetivo acobertar abusos do Estado, abrindo a possibilidade de o Estado “inventar”, no

sentido de criar de maneira arbitrária, os fatos geradores dos tributos para satisfazer os caprichos dos governantes

autoritários. Modernamente não mais existe este odioso fundamento. A necessidade atual de uma norma geral

anti-elisiva decorre da impossibilidade prática do Estado de desenvolver normas anti-elisivas especificas para

todas as possibilidades de elisão, pois essas possibilidades tiveram crescimento exponencial com a globalização,

tanto em número quanto em complexidade, especialmente devido à explosão das variedades de formas

negociais.” (VALADÃO, 2012). 12

“A definição de “países com tributação favorecida”, como vem sendo apresentada pela doutrina, designa

aqueles países que, para o tratamento fiscal dos rendimentos de não-residentes ou equiparados a residentes,

aplicam uma “reduzida” ou “nula” tributação sobre os rendimentos e que contam ainda com segredo bancário,

falta de controle de câmbios e mantêm uma grande flexibilidade para a constituição e administração de

sociedades locais. Mas sua manifestações variam caso a caso. Mister, pois, separar os países com tributação

favorecida (“paraísos fiscais”) dos países com regime societário favorecido (“paraísos societários”), daqueles

com regimes bancários e financeiros favorecidos (“paraísos bancários”) e dos países com regime penal

favorecido (“paraísos penais”), mesmo sendo impossível encontrar uma forma exclusiva de um ou de outro,

prevalecendo Sprem as forma híbridas, segundo a vocação preponderante de cada um deles. (TÔRRES, 2001,

p.79-80).

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Tratando-se do uso de países com tributação favorecida, o

planejamento tributário internacional consistirá na seleção do melhor país ou

da melhor operação efetuada por sujeitos residentes interessados em atuar

nestes, com o objetivo de reduzir o ônus fiscal suportado, internamente, no

país de residência, ou de um modo global, pelas várias unidades da pessoa

jurídica localizadas em outras jurisdições.

Além do planejamento tributário internacional, dos paraísos fiscais, as principais

marcas do processo de globalização no direito tributário, acrescentam-se: a tendência de

redução das cargas tributárias nacionais; “os preços de transferências”; o papel dos tratados

internacionais; a tributação da renda em bases universais; a aproximação tributária observada

no processo de formação dos blocos econômicos; a taxa Tobin e a tributação das transações

financeiras internacionais; e o nomadismo fiscal (CASTRO, 2006).

Dentro desse contexto da globalização tributária com os efeitos na tributação interna

de cada país produto de uma internacionalização das suas operações e a necessidade de

inserção nesse mundo global é que se verificam as desigualdades tributárias entre os Estados

oriundas do processo neoliberal caracterizadas pela concorrência tributária internacional e as

“guerras fiscais” no âmbito interno.

Portanto, o processo neoliberal deu origem ao modelo tributário, instrumentos de

redistribuição de renda, que ampliou as desigualdades por meio da tributação. Tal modelo

caracteriza o cenário de crise do Estado de Bem-Estar Social, construído a partir do

paradigma do neoliberalismo econômico (BUFFON, 2005).

Segundo Bouvier (2001 apud DERZI, 2004) o imposto em suas origens foi

representado como instrumento de submissão ou como meio de solidariedade do grupo social.

Com a noção de Estado-nação unificado, com fronteiras determinadas é que se construiu a

ideia de imposto realizador do bem comum. Tal concepção, em função dos processos já

explicitados, não é mais a visão atual. Hoje tem-se uma tese da fiscalidade mínima que

favorece o retorno do imposto-troca. Intensifica-se o corporativismo que reclama privilégios

fiscais e está na origem “de uma série de favores e regimes derrogatórios, tomados

notadamente em direção do setor econômico e financeiro, que dão à fiscalidade nacional e

local atual a estrutura de um verdadeiro mosaico”. Continua o autor:

Em tal quadro, o poder fiscal se tornou um jogo para os múltiplos

centros de decisão públicos e privados que formam o tecido social, enquanto

ele é cada vez menos um atributo de um poder universal, representado até

agora pelo Estado. Os organismos profissionais (sindicatos patronais ou de

empregados), as associações profissionais de interesses de tal ou qual parte

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da população, as coletividades territoriais, as instituições internacionais,

todos intervêm de maneira ativa no processo de decisão fiscal, reivindicam a

fiscalização de certa renda ou o poder de modular a carga fiscal, ou criá-la,

suprimi-la ou modificá-la. Assim presenciamos um retorno à idade mediam

com extrema diversificação da arrecadação, associada a inúmeras diferenças

de estatutos (BOUVIER, 2001 apud DERZI, 2004, p. 69).

Com globalização neoliberal se intensificam essas desigualdades, mormente nos

países periféricos, nos quais a concentração de renda, a pobreza e a miséria configuram

fatores de exclusão social. Daí que, entre outros meios para redução da pobreza, a tributação

aparece como instrumento de redistribuição de renda, através de princípios e meios de

intervenção na economia de forma a atenuar as diferenças pessoais e regionais.

Misabel Derzi (2004) afirma que muitas dessas distorções podem ser resolvidas por

meio de ações afirmativas, que no âmbito tributário, podem ser chamadas de isenções ou

incentivos. Assim, em uma análise do ordenamento jurídico nacional, a Constituição adota a

“concepção de tributo como solidariedade, graduado de acordo com a capacidade econômica,

e não meramente troca entre os serviços públicos prestados e o imposto pago”. A Constituição

aparece então como norma autorizativa para redução dessas diferenças econômico-material,

utilizando-se de princípios como seletividade, progressividade e capacidade contributiva para

manter o compromisso da liberdade e igualdade inerente ao Estado Democrático de Direito.

No entanto, com a complexidade13

do Sistema tributário a realidade na redistribuição

de rendas e redução da pobreza é outra. Tem-se no Brasil um sistema tributário regressivo,

com o registro da elevação da carga tributária ao longo do tempo, onde, quem ganha mais

paga menos tributo e vice-versa. Dito de outro modo quem ganha até dois salários mínimos

paga 49% dos seus rendimentos em tributos e quem ganha acima de trinta salários paga 26%,

13

A complexidade do sistema tributário tem diversas fontes, são elas: “a diferenciação em razão da necessidade

de se graduar o imposto de acordo com a capacidade econômica de cada contribuinte e de se redistribuir a renda

por meio da progressividade do imposto de renda, da progressividade do imposto sobre a propriedade predial e

territorial urbana, do imposto sobre a fortuna etc; a utilização de métodos destinados a corrigir as desigualdades

regionais e sociais ou a praticar intervenção estatal (multiplicação de exações obrigatórias setoriais, por meio de

contribuições) embora se enfraqueça o Estado paralelamente; o abuso desencadeado por pressões corporativas,

que criam miríades de regimes especiais e excepcionais de tributação, escondidos sob o manto da justiça e da

inclusão social; a democracia participativa e plural facilita a intervenção legítima ou ilegítima de sindicatos,

organismos profissionais, econômicos, internos e internacionais no processo legislativo; nesse cenário assim

projetado, a descrença e o ceticismo em relação a valores e princípios até então inquestionáveis, levam muitos

países a experimentar simplificações e tentativas de aumento da base dos impostos, que arranham aqueles

mesmos valores e princípios.” (DERZI, 2004, p.72)

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o que mostra a regressividade do sistema e a contradição quanto aos princípios da equidade,

capacidade contributiva e progressividade14

.

Já no âmbito extraterritorial as desigualdades ocorrem fruto da dominação

econômica decorrente da liberalização financeira que fragiliza a economia dos países que

dependem do fluxo de capital. Essa globalização torna marginais os países que não interessam

ao processo de acumulação de capitais (ANDRADE, 2007). Dessa forma, os Estados sentem

a necessidade de se inserem no mercado global para uma maior abertura econômica por parte

dos Estados a fim de proporcionar uma estrutura institucional eficiente que propicie o fluxo

de investimento a baixo custo para o mercado mundial. E a tributação tem um papel essencial

já que em termos competitivos, os tributos representam custos que reduzem a margem de

lucros nas transações internacionais (VALADÃO, 2008).

Percebe-se que esse modelo de globalização construído a partir de uma concepção

neoliberal, embora todas suas vantagens no acesso mais rápido à informação, apresenta-se

extremamente desigual, injusto, excludente, mormente os aspectos econômicos-tributários.

Em vista disso é preciso resgatar o tributo como instrumento de solidariedade, não só no

âmbito interno, mas agora internacionalmente, em busca de um compromisso de uma

solidariedade mundial, a fim de redução dessas desigualdades.

Uma das formas de diminuição da assimetria global é a “taxa Tobin”, que foi

concebido para tributar o capital financeiro internacional de forma a “transferir recursos dos

ricos para os pobres”15

. Assim detalhando:

O tributo Tobin – idealizado em 1972 pelo norte-americano James

Tobin – sugere a incidência de alíquotas que vão de 0,01% a 0,5% sobre

operações financeiras de curto prazo (hot Money), destinando-se o dinheiro

arrecadado para um fundo mundial de combate à pobreza, tudo isto realizado

pela instituição do FMI.

Os números mostrados por James Tobin estimam que esse fundo

poderia conseguir cerca de US$ 170 bilhões por ano (Rousset, 2006).

O princípio do tributo é simples. A especulação financeira consiste

basicamente em vender uma moeda e comprá-la novamente por menor

preço, de modo a obter lucro. Cada vez que o especulador vende e volta a

14

“Uma das principais distorções do sistema tributário no Brasil é a excessiva tributação indireta sobre a

produção e o consumo, e a baixa tributação direta sobre a renda e o patrimônio. O resultado dessa insensatez

fiscal é que mais da metade da arrecadação tributária prevista para 2008 incide sobre o consumo (51,4%). Se

juntarmos a renda do trabalho (14,6% de toda a receita tributária) o percentual se eleva para 66%. Enquanto isso,

capital e patrimônio representam apenas 18,6% dessas mesmas receitas. A tributação sobre o patrimônio, em

particular, é absurdamente irrisória, pois representa apenas 1% do PIB.” (FENAFISCO, 2010, p. 08.) 15

Na opinião de Maria da Conceição Tavares “a taxa Tobin é um imposto “moral”, não é difícil de ser cobrado,

mas há o problema de quem cobra. O positivo é que ele coloca a discussão sobre a necessidade de regular e taxar

minimamente os rentistas do mundo e, por outro lado, faria uma transferência dos ricos para os pobres, pois a

transferência que tem ocorrido desde os anos 80 é dos pobres para os ricos”. (CHESNAIS, 1999, p. 08-09).

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comprar uma moeda, este deveria pagar uma taxa equivalente ao lucro que

espera obter.

Deste modo, o tributo assumirá uma nítida feição extrafiscal, pois

terá o escopo de reduzir a especulação financeira em paraísos fiscais e,

consequentemente, suprimir tais zonas de baixa tributação. Por outro lado,

sua finalidade fiscal também é acentuada na medida em que poderá arrecadar

um montante suficiente para reduzir a desigualdade entre o primeiro e

terceiro mundo, revelando a finalidade última em buscar dar um fim à

pobreza por meio da redistribuição de renda (ANDRADE, 2007, p.309-310).

Portanto, a ideia do tributo Tobin16

é a necessidade de atingir o poder do capital

financeiro e de restabelecer uma regulamentação pública internacional, inaugurando, assim,

uma forma de relação entre o público e o privado, significando fazer uma série de advertência

política aos principais agentes econômicos e afirmar que o interesse geral deve preponderar

sobre o interesse privado e a necessidade de desenvolvimento sobre a especulação

internacional (CHESNAIS, 1999).

Alternativas outras são postas para redução das desigualdades, tais como a

implementação de tratados multilaterais, como bem afirma Valadão (2008). Tratados estes

que contemplem um tratamento adequado dando “neutralidade às transações internacionais

sob o ponto de vista tributário, com exceções aos países não desenvolvidos que precisam

atrair investimentos e não detém os mesmos instrumentos dos países desenvolvidos”

(VALADÃO, 2008, p. 57).

Dentro dessa perspectiva de redução da pobreza é que se busca as alternativas no

âmbito tributário. A grande dificuldade é em criar mecanismos de tributação internacional

igualitário dentro de um ambiente competitivo e excludente imposto pela globalização. E

como construir esses instrumentos tributários igualitários no âmbito internacional dentro de

Estados com uma soberania fiscal17

ainda com um aspecto supremo, embora limitado, já que

supremo não significa ilimitado.

16

Segundo Agostinho Toffoli Tavolaro o imposto CTT – Currency Transaction Tax, imposto sobre transações

monetárias, é a nova denominação do imposto Tobin, que busca assegurar a estabilidade dos mercados

financeiros (TAVOLARO, 2009, p.217). 17

Na concepção de José Casalta Nabais a soberania pode ser entendida como poder jurídico supremo, mas não

pode ser entendida em termos absolutos, “seja à maneira de T. Hobbes, que nela vê um poder absoluto sem

limites de qualquer ordem, seja à maneira mais moderada de diversos autores que, reconduzindo-a um conceito

estritamente político, aceitam para ela tão-so limites de caráter não jurídico. Efectivamente, como poder jurídico,

a soberania é por natureza um poder com limites, o que não afecta o seu aspecto supremo, já que supremo não

significa ilimitado. Tais limites consubstanciam-se, internamente, em princípios superiores da justiça, que

integram o direito constitucional e, em parte, o direito internacional (como o relativo à tutela internacional dos

direitos do homem) e, extremamente, no direito internacional.” (NABAIS, 2007, p. 263).

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5 CONCLUSÃO

A ideia de soberania como o poder absoluto, perpétuo, inalienável e indivisível de

uma república já não faz parte do centro do seu conceito. Com a crise do Estado moderno e o

aparecimento de novos atores no cenário internacional, a soberania passa por um processo de

relativização e expansão, não podendo mais ser exercida de forma unilateral e independente

das decisões de outros países.

Para autores como Höffe a soberania não se perde, o Estado não está destituído, mas

a soberania é relativizada por um livre consentimento dos Estados por meio do

reconhecimento de tratados ou declarações de adesão. Esta concepção de soberania sofreu

forte abalo com a globalização, com a internacionalização das relações econômicas entre

Estados e a permeabilidades de suas fronteiras, aumentando o fluxo de pessoas, bens e

informações.

Com a globalização os Estados prejudicam sua capacidade de regulação em função

das variantes que comandam o desenvolvimento econômico e social. Dessa forma o Estado já

não responde internamente pelas soluções dos problemas sociais e econômicos, devido a

diversidade, heterogeneidade e complexidade do processo de transnacionalização dos

mercados de insumo, produção, finanças e consumo, derivados desse processo de

mundialização.

Passa a existir assim uma forte influência das instituições transnacionais, que, no

ambiente do neoliberalismo, caracteriza esse modelo econômico de globalização. Dentro

desse contexto neoliberal que se tem um novo condicionamento das relações estruturais

internacionais e a consequente reestruturação dos modelos tributários internos.

Dessa forma os Estados procuram adaptar suas estruturas jurídicas a fim de se

inserirem em melhores condições nessa nova ordem econômica e ao mesmo tempo manter um

sistema tributário justo e igualitário. Dentre os impactos do processo de globalização e da

flexibilização da soberania estatal, guiados pela necessidade de relacionamento político e

econômico entre os Estados, tem-se uma intensa rede de tratados internacionais de dupla

tributação. Percebe-se também, em função da internet e o desaparecimento da movimentação

física das mercadorias, uma rede de comércio eletrônico, que dificulta a fiscalização e facilita

a sonegação.

Outro aspecto levantado no trabalho são os “paraísos fiscais”, fruto da quebra de

barreiras entre os Estados e o aumento do fluxo de capital, pessoas e bens, são países que

objetivam atrair investidores estrangeiros através de uma tributação favorecida, oferecendo

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incentivos fiscais, com uma redução de tributos, produto também da concorrência tributária

internacional.

Esse modelo de globalização construído a partir de uma concepção neoliberal,

embora todas suas vantagens no acesso mais rápido à informação, apresenta-se extremamente

desigual, injusto, excludente, mormente os aspectos econômicos-tributários. Em vista disso é

preciso resgatar o tributo como instrumento de solidariedade, não só no âmbito interno, mas

agora internacionalmente, em busca de um compromisso de uma solidariedade mundial, a fim

de redução dessas desigualdades.

Nesse sentido é que apareceram alternativas no âmbito da tributação a fim de reduzir

as desigualdades, como a taxa Tobin que foi concebida para tributar o capital financeiro

internacional de forma a “transferir recurso dos ricos para os pobres”. Assim como a

implementação de tratados multilaterais a fim dar um tratamento adequado às transações

multilaterais.

No entanto, diante de todos os meios citados, percebe-se a dificuldade de se

implementar a solidariedade mundial, tendo em vista a resistência por parte dos Estados em

relativizar suas soberanias - embora as alterações sofridas por tal conceito no aspecto da

globalização neoliberal.

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A IMPORTÂNCIA DE UM PROCESSO HERMENÊUTICO ADEQUADO NA

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LIVROS COMO FORMA DE BUSCAR O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

THE IMPORTANCE OF A PROPER HERMENEUTICAL PROCESS ON

BOOKS TAX IMMUNITY AS A MEANS OF PURSUE SUSTAINABLE

DEVELOPMENT

Os que não adaptam o sentido do texto ao fim atual, além de afastarem o Direito da

sua missão de amparar os interesses patrimoniais e o bem estar psíquico do

indivíduo consociado, revertem ao quarto século antes de Cristo, quando Teodósio II

promulgou a sua célebre Constituição1.(MAXIMILIANO,1994, p.155)

Luiz Gustavo Levate2

Paulo Adyr Dias do Amaral3

RESUMO: O Direito como sistema de limites prevê limitações constitucionais ao poder de

tributar, e por ser um conjunto racionalmente organizado por regras e princípios exige uma

interpretação constitucional evolutiva e sistemática, o que demonstra a importância da

hermenêutica no ordenamento jurídico. A imunidade tributária de livros não pode ser

restritiva ao ponto de abranger apenas aqueles impressos. A interface entre o Direito

Tributário e o Desenvolvimento Sustentável em seus pilares econômico, social e ambiental

vai revelar a necessidade de uma imunidade ampla dos livros em suas diversas modalidades

1Nota: Essa célebre Constituição impôs aos juízes a observância exclusiva e literal dos escritos de Papiniano,

Paulo, Gaio, Ulpiano e Modestino – todos já falecidos à época. A Carta, desse modo, instituiu autoridade

científica única: um órgão colegiado que ficou conhecido como TRIBUNAL DOS MORTOS (sob a presidência

de Papiniano, que tinha o “voto de Minerva”. O pensamento científico desse colegiado, por razões óbvias, jamais

poderia evoluir. Estava engessado no tempo.

2 [email protected]

3 [email protected]

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como meio de propagação da cultura e da educação, de forma que o equilíbrio intergeracional

seja alcançado com a formação de cidadãos e de profissionais qualificados, aptos, assim, a

promover a sustentabilidade em suas diversas manifestações. A Educação se mostrou um dos

principais programas de ação apontado no documento final da Rio + 20 a ser perseguido pelos

Estados Nacionais. O Direito Tributário se apresenta como instrumento adequado a promover

o Desenvolvimento Sustentável no aspecto sócio-econômico, porque a imunidade de livros

eletrônicos auxilia na propagação de idéias como forma de promover uma educação formal de

qualidade capaz de formar cidadãos que possam gozar de vida digna, tarefa essa que deve ser

garantida pelo Poder Judiciário em seu papel de intérprete maior e guardião da Constituição.

Palavras-chave: imunidade – livro – educação – sustentabilidade.

ABSTRACT: Law as a limitation system provides constitutional restrictions to the power to

tax, and being a rational organized group by rules and principles, it requires a constitutional

evolutionary and systematic interpretation, what demonstrates the importance of hermeneutics

in legal planning. The books taxes immunity can not be estricted to include only those

written. The interface between Tributary Law and Sustainable Development in the economic,

social and ambient pillars will show a large books immunity necessity in its several

arrangements as a way to propagate culture and education, so that the intergeracional balance

can be reached by the education of citizens and of qualified professionals, who will be able to

promote sustainability in its several aspects. Education proved to be one of the main projects,

pointed out in the Rio +20 final documents, to be pursued by the National States. Tributary

Law is the adequate instrument to promote the Sustainable Development in the social-

economic aspect because electronic books immunity helps on the propagation of ideas in

order to promote a formal quality education, capable of educating citizens which will be able

to have a worthy life, and this task must be assured by the Judiciary as it is the greatest

interpreter and guardian of the Constitution.

Kye words: immunity – book – education - sustainability

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUTÁRIO. 3.INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA: SOCIEDADE

MODERNA – PROBLEMAS ANTIGOS. 4. A CONSIDERAÇÃO DO ELEMENTO

TELEOLÓGICO – A QUESTÃO DOS VALORES. 5 CONJUGAÇÃO DO MÉTODO

HISTÓRICO-EVOLUTIVO COM A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA . 6 A

EDUCAÇÃO E OS PILARES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENBTÁVEL. 7 POR QUE

MOTIVO A ESPERANÇA DE LIBERDADE REPOUSA SOBRE O PODER JUDICIÁRIO?

8. JURISPRUDÊNCIA. 9. CONCLUSÃO

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1. INTRODUÇÃO

Certa feita, Hugo de Brito Machado abriu seu discurso conceituando o Direito

como SISTEMA DE LIMITES, fruto e instrumento da racionalidade humana, assim se

expressando

Eu disse a vocês que amo o Direito. Mas, que é o Direito? O Direito, meus amigos,

eu vejo como um sistema de limites, que é fruto e instrumento da racionalidade

humana. Eu sei que, dizendo isso, estou ingressando num cipoal enorme de

controvérsias, de opiniões, mas eu garanto a vocês que sinto com muita força essa

convicção: que o direito é um sistema de limites, que ele é fruto e instrumento da

racionalidade humana. Por quê? Porque não conheço direito que não seja de

humanos e, portanto, de racionais. Eu não conheço Código Tributário das onças e

dos elefantes, nem o Código Civil, nem o Código Penal. Eu só conheço de seres

humanos! Portanto, o Direito é fruto e instrumento da racionalidade humana. E

porque é um sistema de limites? Porque o Direito só existe para limitar! Não existe

para mais nada, só para limitar. E por quê? Porque as relações entre os seres vivos

desembocam ou no instinto, na força física, na sagacidade. Entre os seres humanos é

que nós tentamos resolver os nossos conflitos racionalmente através do Direito. É

esta a razão essencial de ser do Direito. O Direito Tributário é para limitar o

exercício do poder estatal de arrecadar tributo – só serve para isso. Não serve para

mais nada. (MACHADO, 2004, p. 138-139, grifos nossos)

Se Direito é LIMITE, a limitação ao Poder de Tributar começa na própria

Constituição. Foi somente com a Emenda Constitucional 18/1965 (vigente a Carta Política de

1946), inspirada nos estudos de Aliomar Baleeiro, que os Textos Constitucionais brasileiros

passaram a contar com todo um capítulo dedicado às limitações ao Poder de Tributar. E por

dois caminhos a Constituição brasileira limita o exercício do poder de tributar: (i) o caminho

dos princípios e (ii) o caminho das imunidades. Princípios e imunidades cumprem o mesmo

propósito: limitar o poder de tributar. Todavia, não se confundem (seja no plano conceitual,

seja no plano procedimental). Princípios são mandamentos nucleares e estruturantes do

sistema, normas jurídicas impositivas de uma otimização, dotados de eficácia normativa.

Imunidade, por sua vez, é a supressão parcial da competência tributária.

E se Direito é SISTEMA é porque possui um conjunto de elementos racionalmente

organizados e interligados por normas (regras e princípios) que, no caso da ciência jurídica,

irão retirar seu fundamento de validade na Constituição. Consoante Paulo de Barros Carvalho

(2004, p.43-44), o sistema aparece como “objeto formado de porções que se vinculam

debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor

comum”, para em seguida a sua descrição concluir que “onde houver um conjunto de

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elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a

noção fundamental de sistema”.

Dentro dessa lógica, a problematização do presente artigo cuida de uma das espécies

imunitórias: aquela atinente aos livros (art. 150, VI, d, da Constituição) e sua relação com a

temática do Desenvolvimento Sustentável, para que seja possível a concretização sustentável

dos objetivos da República estampados no artigo 3º da Constituição Cidadã, que atinge, neste

ano, um quarto de século. A opção pelo tema se justifica pela reafirmação da Sustentabilidade

como supra-princípio do Direito Ambiental na recente Conferência da ONU realizada no

Brasil sobre o tema em 2012, quando foram destacados seus três pilares: o econômico, o

ambiental e o social.

Como o Direito Tributário acaba por induzir comportamentos, que têm o condão de

modificar realidades econômicas e sociais, a oxigenação da temática sobre a imunidade dos

livros e sua extensão, terão inegáveis reflexos no campo da educação e da cultura, devendo o

tema ser analisado, portanto, sob a ótica da ordem econômica e social, que tem por objetivo

garantir a todos uma existência digna, segundos os ditames da justiça social, e cujos

princípios estão umbilicalmente ligados com a noção de Sustentabilidade.

A metodologia de trabalho se faz sob enfoque hermenêutico, tendo como fios

condutores os métodos histórico-evolutivo e sistemático de interpretação, haja vista tratar-se

de norma que, tomada em seu aspecto meramente literal (notadamente no que tange a

insumos), está perdida no passado, e, por isso mesmo, não pode (a não ser pelo processo

hermenêutico) lançar luzes sobre o futuro. Ademais, tratar da ordem econômica sob o enfoque

do Desenvolvimento Sustentável exige do jurista, segundo Eros Grau (2004, p.15), “uma

análise não exclusivamente dogmática, porém funcional. Mais ainda, é adequado, também,

que tal análise seja empreendida desde uma perspectiva crítica”.

Para se atingir seu objetivo de demonstrar a inter-relação entre a imunidade dos

livros e o Desenvolvimento Sustentável nos seus diversos aspectos, mormente utilizando da

educação para atingir a desejada equidade inter-geracional e um desenvolvimento humano

não somente econômico, mas igualmente social (inclusivo), será necessário estudar a questão

da interpretação no Direito Tributário e os métodos adequados de realizá-la, a fim de se

superar obstáculos antigos da hermenêutica para se compreender a abrangência e o

significado do vocábulo “livro”, bem como compreender a noção de desenvolvimento e de

sustentabilidade, demonstrando, à derradeira, a importância do Poder Judiciário como

guardião da Constituição e da cidadania (Estado Democrático de Direito), apontando o

posicionamento jurisprudencial sobre a matéria.

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2. INTERPRETAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Operadores açodados do Direito costumam dizer que todas as hipóteses de

desoneração tributária (inclusive imunidades) devem ser interpretadas estrita e literalmente. E

o fazem com desastrado apoio no Capítulo IV (Interpretação e Integração da Legislação

Tributária), do Título I (Legislação Tributária), do Livro Segundo (Normas Gerais de Direito

Tributário) do Código Tributário Nacional, especialmente o art. 1114.

Nada mais equivocado, data venia.

Geraldo Ataliba (1975), de há muito, desfez esse equívoco, em obra que resultou dos

debates levados a efeito durante o Segundo Curso de Especialização em Direito Tributário

promovido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Deixou claro, naquela

oportunidade, que a Constituição somente se interpreta por intermédio da própria Constituição

(nunca por meio da legislação infraconstitucional). Assim, primeiramente, cabe rememorar:

imunidade é supressão parcial de competência tributária. O tema situa-se, pois, na

Constituição (e somente nela), de tal sorte que suas dúvidas serão resolvidas pelos métodos de

hermenêutica constitucional (e não pelo Código Tributário, nem tampouco por qualquer outra

lei infraconstitucional). Em suas palavras

Não se pode estudar sistema constitucional tributário pelo Código Tributário

Nacional. É um vezo, um vício que todos temos, pretender estudar o sistema

tributário nacional brasileiro pelo Código Tributário Nacional. Há livros, artigos,

pareceres, sentenças, que tratam do sistema tributário brasileiro, onde o critério de

referência que se toma é o Código Tributário Nacional, o que é um despropósito,

um absurdo, uma falta de logicidade, uma indisciplina mental. Em linguagem bem

atual: isso é subversão. Por quê? Porque o legislador nacional, o Congresso

Nacional recebe a competência para fazer o Código Tributário Nacional, as normas

gerais de direito tributário e ao exercê-la está limitado pela Constituição; é obrigado

a obedecer aos padrões constitucionais, ao regime constitucional destas normas,

que, aliás, é um regime muito estrito. Ele pode errar, contrariar ou desobedecer a

Constituição. Pode, portanto, incidir em inconstitucionalidade. Como, então,

estudar a Constituição, por meio de uma lei que pode obedecê-la, mas que pode não

tê-la obedecido? Como encontrar critério, na lei menor, para estudar a lei maior?

Há uma comparação, que gostamos de fazer, lembrando a lenda do Barão de

Munchausen, que todos lemos na infância. Este, num certo momento, vê-se numa

situação crítica, porque sem saber nadar, cai num lago, afunda e vai morrer

afogado. Então, o único recurso que lhe resta é agarrar os próprios cabelos e se

puxar de dentro da água. Está ótimo para história infantil, mas é exatamente o que

4 Art. 111 CTN. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II – outorga de isenção;

III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

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faz o jurista quando quer interpretar a Constituição examinando as leis. A

Constituição nós interpretamos com os critérios constitucionais, conhecendo os

princípios constitucionais e fazendo a exegese das normas constitucionais. Aí

sabemos qual é a situação. Assim teremos critério para examinar as leis e estaremos

em condições de dizer esta lei é inconstitucional ou aquela não é. Mas se já

aceitarmos a lei como constitucional, não precisaremos de Constituição. Em

segundo lugar, é absolutamente inidôneo procurar estudar a Constituição,

estudando o que se fez com base na mesma. É querer estudar um objeto mediante a

análise de outro objeto, o que é, evidentemente, um absurdo. (ATALIBA, , 1975,

p.18, grifos nossos)

Ainda que assim não fosse, a Ciência Jurídica, também de há muito, assentou a

premissa de que não existe nenhuma peculiaridade, sob o prisma hermenêutico, que distinga o

Direito Tributário dos demais ramos do Direito, até porque o Direito é uno, incindível e

indecomponível, sob qualquer pretexto que não seja o didático. Aliás, discutir isso hoje chega

a ser até bizantino. Cite-se, por todos, Alfredo Augusto Becker em sua obra Mitos e

Superstições na Interpretação das Leis Tributárias.

Por outro lado, inserir a imunidade no art. 111 do Código Tributário seria

contradição intrínseca. Aquele preceito legal dispõe que se interpreta estritamente a lei

tributária que trate de algumas espécies de desoneração tributária, elencadas numerus clausus:

suspensão ou exclusão do crédito tributário; isenção; dispensa do cumprimento de obrigações

acessórias. Somente seria possível inserir a imunidade nesse contexto por meio de

interpretação extensiva – o que é vedado pela própria redação do caput daquele preceito. Por

derradeiro, cabe invocar, a posição de Machado:

Não obstante o art. 111 do Código Tributário estabeleça que devem ser interpretadas

literalmente as normas que indica, na verdade, o próprio art. 111 não pode ser

interpretado literalmente. (...) a norma do art. 111 do Código Tributário Nacional

deve ser entendida simplesmente como recomendação ao intérprete das normas que

indica no sentido de evitar, nos assuntos que elas tratam, a denominada integração.

Em outras palavras, o que esse dispositivo quer dizer é que nos assuntos nele

referidos deve sempre haver norma expressa .(MACHADO,2004, p.261)

3. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA: SOCIEDADE MODERNA –

PROBLEMAS ANTIGOS

Carlos Maximiliano, em seu clássico HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO

DIREITO (cuja primeira edição data de 1924), aludiu ao sistema histórico-evolutivo, ou

evolutivo apenas, referindo-se à tentativa de conciliação do passado com o presente. Admitiu

a exegese progressiva sobre a base da dogmática, cabendo seja observado não apenas o que o

legislador quis, mas também o que ele quereria, se vivesse no meio atual, enfrentasse

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determinado caso concreto hodierno, ou se compenetrasse das necessidades contemporâneas

de garantias, não suspeitadas pelos antepassados.

Com a autoridade de quem exerceu, entre inúmeras atividades jurídicas, a de

legislador, argumentou que, diante da impossibilidade de alterar com intervalos breves os

textos positivos, há de se seguir vereda segura: plasmado o Direito numa forma ampla, dúctil,

há de ser adaptado, pela interpretação, às exigências sociais imprevistas, às variações

sucessivas do meio. Acrescentou (1994, p.47), citando JANDOLI e DUALDE, que “compete

à exegese construtora fecundar a letra da lei na sua imobilidade, de maneira que se torne esta

a expressão real da vida do Direito”. Asseverou (1994, p.48) que “o intérprete não cria

prescrições, nem posterga as existentes; deduz a nova regra, para um caso concreto, do

conjunto das disposições vigentes, consentâneas com o progresso em geral”.

Prosseguindo em seu raciocínio, Maximiliano deixou claro que, nessa ordem de

idéias, o principal agente da evolução do Direito é o Poder Judiciário:

O juiz, esse ente inanimado, de que falava Montesquieu, tem sido na realidade a

alma do progresso jurídico, o artífice laborioso do Direito novo contra as fórmulas

caducas do Direito tradicional. Esta participação do juiz na renovação do Direito é,

em certo grau, um fenômeno constante, podia-se dizer uma lei natural da evolução

jurídica: nascido da jurisprudência, o Direito vive pela jurisprudência, e é pela

jurisprudência que vemos muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação imóvel.

(...) o bem, ora proclamado, não é moderno, vem de longe; a grande força criadora

do Direito Romano foi menos o legislador do que a jurisprudência, outrora mais

poderosa do que na atualidade. (...): O dever de decidir os litígios, sejam quais forem

as deficiências da lei escrita, força a magistratura a reivindicar, em parte, a sua velha

competência e assim tornar-se, de fato, uma dilatadora e aperfeiçoadora das normas

rígidas”.(MAXIMILIANO, 1994, p.48)

Curioso notar que, em 1924, MAXIMILIANO, este ícone da hermenêutica, já

profetizava que não se pode deter a marcha avassaladora e inelutável do progresso e todos,

mais cedo ou mais tarde, a ela sucumbirão. E destacou, uma vez mais, o papel do Poder

Judiciário nesse contexto:

Apelidam de sociológico o sistema que obriga o juiz a aplicar o texto de acordo com

as necessidades da sociedade contemporânea, a olhar menos para o passado do que

para o futuro, a tornar-se um obreiro, inconsciente ou consciente, do progresso.

Entretanto, o elemento moderado, conservador, se detém em um meio-termo

discreto, tira as deduções exigidas pelo meio social, porém compatíveis com a letra

da lei; evita os exageros dos revolucionários, mas também não se conforma com a

imobilidade emperrada, produto lógico da dogmática (MAXIMILIANO, 1994, p.

48-49)

Nunca as palavras de Carlos Maximiliano, proferidas há quase um século, foram tão

atuais, mormente quando, em pleno terceiro milênio (a era da tecnologia), volvemos o olhar

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para a seguinte regra imunitória, constante da alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da

constituição da República na seção das Limitações do Poder de Tributar5.

Cabe destacar que essa regra tem sido inserida em nossos textos constitucionais, com

alguma (inexpressiva) variação de redação, desde a Constituição de 19466-7-

8. Foi repetida

(este é o termo correto), pela última vez, em algum momento do período compreendido entre

01º-2-1987 (data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte) e 05-10-1988 (dia da

promulgação da vigente Carta Política). Trata-se de interregno de dezoito meses, situado no

século passado, no qual todos os livros (ainda) eram de papel e nem sequer se cogitava do

advento do livro digital ou eletrônico (que hoje é uma realidade já corriqueira em nossa

sociedade). Aliás, quando se cuida de evolução tecnológica, o transcurso de mais de duas

décadas significa confrontar o presente com a pré-história. Daí a necessidade de que a leitura

desse dispositivo se faça com os olhos voltados para o presente (e não para o passado), de tal

sorte que a imunidade em questão seja entendida como imunidade de qualquer tipo de livro –

eletrônico ou impresso.

E tal argumento se valida até mesmo pelas regras de semântica. LIVRO é

substantivo. Impresso ou digital são adjetivos. A regra imunitória conferiu imunidade ao

LIVRO – sem adjetivá-lo. Livro impresso é LIVRO. Livro digital é LIVRO. Assim, qualquer

tipo de livro é imune, independentemente de seu suporte físico.

4. A CONSIDERAÇÃO DO ELEMENTO TELEOLÓGICO – A QUESTÃO DOS

VALORES

Carlos Maximiliano também ensinou que a riqueza do processo interpretativo advém

da conjugação dos diversos métodos, que se completam reciprocamente, para concluir que “é

em tirar de cada processo o maior proveito possível, conforme as circunstâncias do caso em

5 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel

destinado à sua impressão.

6 Art. 31 [CR 1946] – À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: (...) V – lançar

impostos sobre: (...) c) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.

7 Art. 20 [CR 1967] – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – criar

imposto sobre: (...) d) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão. (...) 8 Art. 19 [EC 1/1969] – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – instituir

impôsto sôbre: (...) d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão. (...)

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apreço, que se revela a habilidade e a clarividência do intérprete”. (MAXIMILIANO, 1994, p.

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Dessa forma, embora a linha condutora do presente trabalho seja a interpretação

histórico-evolutiva, outros métodos a ela se associarão, notadamente o teleológico e o

sistemático. Carlos Maximiliano considerou o método teleológico como o melhor, o mais

seguro, na maioria das hipóteses, pois toda norma busca a realização de um valor ou de um

fim, impossível de se extrair de sua estruturação gramatical. Ademais, chama atenção o fato

de o ilustre jurista compreender o Direito como uma ciência “primariamente normativa ou

finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O

hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua

atuação prática”. (MAXIMILIANO, 1994, p. 151-152)

Nesse passo, quando, ao método hermenêutico histórico-evolutivo, se associa a busca

do elemento teleológico, a necessidade de leitura atualizada do preceito constitucional em

questão exsurge com mais evidência. Toda imunidade tem sua carga axiológica. Vale dizer: a

imunidade não existe senão para tutelar valores. Não há imunidade que não tenha como fim

proteger e garantir valores caros à sociedade. Essa é sua única finalidade. A imunidade é

simplesmente meio. Os valores são o fim. O saudoso Miguel Reale dizia que o fim é sempre

valor quando razão de ser da conduta humana. Quando a conduta humana aponta para um fim,

este fim é valor. Não existe imunidade per se. Não. Só há imunidade por que há um valor a

ser protegido por seu intermédio. Se o juiz ou tribunal desprezar o valor e apegar-se tão-

somente à literalidade da regra imunitória estará dizendo algo como, v.g.: “o importante é

apenas preservar a estrada, ainda que ela não leve a lugar algum; preservando-se a estrada

(ainda que ela conduza ao precipício), estará garantida a integridade da ordem jurídica”.

É óbvio que tal raciocínio não pode prevalecer. Isso significaria ter a literalidade

como único norte na interpretação da norma. Sabe-se, contudo, que a norma jurídica é

composta de dois planos: (i) o plano da expressão; e (ii) o plano do conteúdo.

O plano do conteúdo não aparece. Ele será construído pelo intérprete. Mas esse

aspecto construído é constitutivo do texto (tanto quanto o aspecto literal). É por isso que a

interpretação literal é vista, hoje, como contradictio in terminis. Interpretar literalmente o

texto significa não ingressar no plano do conteúdo e, portanto, não fazer a interpretação

(porquanto o leitor se manteve no plano da expressão). Aliás, se a chamada interpretação

literal fosse mesmo interpretação, qualquer indivíduo humano alfabetizado seria intérprete da

lei. E seria inexplicável que o jurista, após cinco anos de estudos universitários, não estivesse

capacitado a ler a norma senão como o cidadão leigo.

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Nessa ordem de idéias, sempre que estivermos diante de uma imunidade, logo caberá

a pergunta: que valores essa imunidade busca proteger? Na hipótese em exame, o raciocínio é

claro: quando o legislador constituinte estabeleceu a imunidade dos livros, buscou proteger,

evidentemente, a liberdade, sob diversas de suas formas: liberdade de expressão, liberdade de

idéias, liberdade cultural, liberdade científica, liberdade ideológica, liberdade de divulgação

de pensamento etc. Seria muito fácil para os governos sufocar e neutralizar essas espécies de

liberdade, essas manifestações de cultura, por meio da incidência tributária (e sua crescente

majoração) sobre os livros e periódicos, bem como sobre os insumos (qualquer insumo – não

somente o papel) destinados à sua produção.

Não bastasse isso, é de se destacar que sem liberdade não há educação e sem

educação não há cidadania, pois esta é eliminada. Ao lado da miséria, o outro artifício

utilizado para manter um povo dominado e com sua cidadania tutelada é retirar dele o saber.

Nas palavras de Calmon de Passos (2002, s/p) “destarte, é correto afirma-se inexistir

cidadania onde inexiste educação. Manter grandes camadas da população sem acesso à

educação é dominação; e educá-las inadequadamente, é, por igual, forma indireta, e perversa,

de dominar”. Ainda segundo o autor (2002, s/p) ao tratar da liberdade, não pode haver

dúvidas de que ela se efetiva “mediante comportamentos queridos, isto é, atos de vontade.

Liberdade e vontade reclamam-se mutuamente. E assim é em todos os campos da atividade

humana, no econômico ou no político, e por igual no jurídico. Sem um querer não há direito”.

Nesta senda, um dos principais aspectos do Desenvolvimento Sustentável reside

justamente na liberdade. Um dos grandes problemas da humanidade está na educação, que,

segundo José Eli da Veiga (2008, p. 33-34), convive com outros como a miséria, não-

satisfação de necessidades essenciais, fome e “a violação de liberdades políticas elementares e

de liberdades formais básicas”. Para o autor (VEIGA, 2004, p.33-34), a superação deste

quadro exige tratar a liberdade individual como um comprometimento social, vale dizer “a

expansão da liberdade é vista por Amartya Sen como o principal fim e o principal meio do

desenvolvimento. Consiste na eliminação de tudo o que limita as escolhas e as oportunidades

das pessoas”.

É assim que se firmou, no Direito Comparado, o princípio no Tax on Knowledge,

pois este tipo de tributação reduz a liberdade das pessoas, e, em razão disso, a forma como a

educação é veiculada (papel ou meio digital) independe para a aplicação da imunidade.

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5. CONJUGAÇÃO DO MÉTODO HISTÓRICO-EVOLUTIVO COM A

INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA

Também ensinou Carlos MAXIMILIANO, com a graça de seu estilo que os

princípios, em um sistema, se encontram interconectados e organizados, para demonstrar que

“de princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se

condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem

elementos autônomos operando em campos diversos”. (MAXIMILIANO, 1994, p. 128)

Quando ao método hermenêutico histórico-evolutivo se associa a interpretação

sistemática, a conclusão também é a de que o art. 150, VI, d, da vigente Constituição reclama

leitura atualizada pelo intérprete. É que a mesma Constituição dedica um de seus capítulos à

CIÊNCIA E TECNOLOGIA (Capítulo IV), situado no TÍTULO VIII – DA ORDEM

SOCIAL. O art. 218, caput, dispõe expressamente: “O Estado promoverá e incentivará o

desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas”. O § 2º desse preceito

dita que a tecnologia voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros

(a difusão de cultura é um deles). O § 4º acrescenta que a lei apoiará e estimulará as empresas

que invistam em tecnologia adequada ao País (e não há tecnologia mais “adequada” que

aquela que se ocupa da difusão da cultura) (BRASIL 1988).

A restrição da imunidade ao papel é incompatível com qualquer idéia de incentivo à

tecnologia (expressamente colocada no texto constitucional). Por outro lado, há, também, uma

Seção da Constituição de 1988 dedicada à Cultura (arts. 215/216). Trata-se da Seção II do

Capítulo III (DA EDUÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO) do TÍTULO VIII (DA

ORDEM SOCIAL). O caput do art. 215 é expresso: “O Estado garantirá a todos o pleno

exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais”. O inciso II, do § 3º, desse mesmo artigo

cuida do incentivo a ações que conduzam à produção, promoção e difusão de bens culturais.

O inciso IV proclama a “democratização do acesso aos bens de cultura”. E o art. 216, § 3º,

adiciona: “A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores

culturais”. (BRASIL, 1988)

Novamente, a restrição da imunidade em questão ao papel, dela afastando-se o livro

eletrônico, é incompatível com os seguintes valores expressamente colocados nesse Capítulo

da Constituição: (i) Acesso a fontes de cultura (art. 215, caput); (ii) Valorização e difusão das

manifestações culturais (art. 215, caput); (iii) Desenvolvimento cultural do país (art. 215, §

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3º); (iv) Produção, promoção e difusão de bens culturais (art. 215, § 3º, inciso II); (v)

Democratização do acesso aos bens de cultura (art. 215, § 3º, inciso IV); (vi) Incentivo à

produção e conhecimento de bens e valores culturais (art. 216, § 3º). (vii) Desenvolvimento

Sustentável (art. 225, caput). (BRASIL, 1988)

O acerto destas observações fica mais claro com os dizeres de Ataliba quando ensina

que

Qualquer proposta exegética, objetiva e imparcial, como convém a um trabalho

científico, deve considerar as normas a serem estudadas, em harmonia com o

contexto geral do sistema jurídico. Os preceitos normativos não podem ser

corretamente entendidos isoladamente, mas, pelo contrário, haverão de ser

considerados à luz das exigências globais do sistema, conspicuamente fixados em

seus princípios. Em suma: somente a compreensão sistemática, poderá conduzir a

resultados seguros. É principalmente a circunstância de muitos intérpretes

desprezarem tais postulados metodológicos que gera as disparidades constantemente

registradas em matéria de propostas de interpretação. (ATALIBA,1985,p.152)

Assim, a presente construção se torna incensurável diante de, nos dizeres de Eros

Grau (2004, p.200), uma “Constituição dirigente, que é a de 1988, [e] reclama – e não apenas

autoriza – interpretação dinâmica. Volta-se à transformação da sociedade (...)”, o que, no

caso, se dá com a adequada compreensão do mandamento constitucional com a permeação de

valores como liberdade e democracia, por meio dos instrumentos educação e cultura, que

serão atingidos com a extensão imunitória que ora se defende. Feito isto é preciso especular

mais profundamente sobre o desenvolvimento sustentável para se fazer uma nova “ponte de

ouro” entre tributação, liberdade, educação, cidadania e sustentabilidade.

6. A EDUCAÇÃO E OS PILARES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Antes de se fazer a relação que se pretende, é necessário desvendar um dos termos

de significação mais equivocada e de emprego indiscriminado na atualidade:

Desenvolvimento Sustentável, o que gera conflitos entre os atores sociais, pois a falta de

clareza do termo gera disputas quanto a escolha de “projetos de desenvolvimento e suas

respectivas dimensões políticas, sociais, econômicas, científicas, tecnológicas, jurídicas,

culturais, educacionais e ambientais”, consoante os apontamentos de Martins, Soler e Soares

(2001, p. 159). E isso, porque a utilização da expressão faz crer que, para maioria das pessoas,

seu uso é restrito ao Direito Ambiental, como se este, outrossim, se limitasse a tratar da fauna

e da flora.

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A consagração deste termo é feito primeiramente em 1987 no Relatório Brundtland,

mais conhecido como “Our Common Future” ( Nosso Futuro Comum), onde desde sua

origem revela a associação entre as preocupações ambientais, econômicas e sociais sendo

definido como aquele “que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem

comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias

necessidades”, permitindo que a raça humana atinja “um nível satisfatório de

desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo

tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats

naturais”.

Tal princípio é consagrado, ainda, na constituição da República Brasileira de 1988 no

artigo 225, caput ao dispor que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado [...], impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações,” (BRASIL, 1988, grifo nosso.),

dispositivo que deve ser lido conjugado com o artigo 170 e que trata da ordem econômica,

conforme já referido anteriormente Na Conferência da ONU realizada no Brasil em 1992,

conhecida como Rio-92 este termo foi empregado em onze dos vinte e sete princípios de sua

declaração.

Carla Daniela Leite e Ela Volkner, sintetizam com maestria os pilares da

Sustentabilidade

Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas

ambientais nos lindes de um processo contínuo do planejamento, atendendo-se

adequadamente às exigências de ambos e observando as suas interrelações

particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, numa

dimensão tempo/espaço.(NEGÓCIO; CASTILHO, 2008, p.49)

Durante séculos, houve grande disputa pela utilização dos termos crescimento e

desenvolvimento. Entretanto, de certa forma se formou na atualidade o consenso de que o

primeiro está diretamente ligado com aspectos quantitativos , enquanto que este últimos se

refere à aspectos qualitativos. Inegável que o crescimento é um dos indicadores do

crescimento, mas aquele não pode se resumir a este, pois é notório, v.g., que o crescimento

experimentado por diversas nações do mundo, dentre elas o Brasil na época do seu “Milagre

Econômico”, não reverteu para a população um maior acesso a bens e serviços públicos,

notadamente no campo da educação. Segundo José Eli da Veiga (2008, p.23), “ o principal

vírus que dissemina a inviabilidade econômica da grande maioria dos países “em

desenvolvimento”, atende pelo nome de miséria científico-tecnológica”. Ainda de acordo com

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o autor (VEIGA, 2008,p. 30) “ o tema central do estudo do desenvolvimento é a criatividade

cultural e a morfogênese social, assuntos que permanecem praticamente intocados”.

Um dos grandes entraves ao desenvolvimento se dá ainda pelo seu método de

aferição. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é resultado de uma média aritmética

entre renda per capita, educação e longevidade. Mas por ser uma média é possível encontrar

locais com elevas renda e longevidade, mas com baixo grau de instrução, o que fez surgir

sugestões de substituição deste índice por outros que acrescentassem outros fatores que

revelariam um maior nível de desenvolvimento de determinada localidade, como bem estar e

competitividade econômicos, condições sócios ambientais, saúde, educação, proteção social

básica, coesão social, nível cultural fruição de direitos, grau de participação na sociedade e na

formação da vontade estatal, enfim vários fatores que têm como elemento propulsor a

educação. Desta forma, uma sociedade desenvolvida é aquela que, além do crescimento

econômico, é capaz de proporcionar a fruição destes outros bens para a sua população.

Neste diapasão, faz mister, para descobrirmos o alcance da expressão

“Desenvolvimento Sustentável”, a pesquisa do significado do seu último vocábulo.

Sustentabilidade está diretamente relacionada com o princípio da equidade intergeracional,

vale dizer, sustentável é aquilo que permite a fruição de um bem de modo a permitir uma

vida digna tanto para a presente quanto para a futura gerações. Desta forma, o garantir uma

vida digna não significa apenas o uso responsável dos recursos ecológicos, mas

principalmente permitir uma inclusão social e política, evitando-se, com isso, a defesa de um

ambientalismo pueril. A medida da “sustentabilidade”, ad instar do que ocorre com o

“desenvolvimento” exige a consideração de outros valores e elementos.

Portanto, conceitualmente o campo do desenvolvimento sustentável está dividido em

três componentes: sustentabilidade ambiental, sustentabilidade econômica e sustentabilidade

sócio-política.

A educação, como elemento referencial no presente trabalho, no recente documento

final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em

junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro (R+20) denominado “The Future we want” (O

Futuro que queremos), ganhou destaque especial no quadro de ações que norteará as ações

dos países na busca da sustentabilidade. Assim consta no referido documento

Reafirmamos nosso compromisso com o direito à educação, e neste sentido, nos

comprometemos a fortalecer a cooperação internacional para atingir o acesso à

educação primária, em particular para os países em desenvolvimento. Reafirmamos,

também, que o acesso pleno a uma educação de qualidade em todos os níveis é uma

condição essencial para atingir o desenvolvimento sustentável, a erradicação da

pobreza, a igualdade entre os gêneros, o avanço da mulher e o desenvolvimento

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humano, e os objetivos de desenvolvimento acordados internacionalmente, em

particular os objetivos de desenvolvimento do Milênio, e a plena participação das

mulheres e dos homens, em particular os jovens. (...) Reconhecemos que as gerações

mais jovens são donas do futuro, assim como a necessidade de uma melhor

qualidade de acesso à educação depois do nível primário. Portanto, decidimos

melhorar a capacidade de nossos sistemas educacionais a fim de preparar as

pessoas para que possam atingir o desenvolvimento sustentável (...) e fazer um

uso mais efetivo da tecnologia da informação e as comunicações para melhorar

os resultados do aprendizado.(...). (grifos nossos) (NACÕES UNIDAS, 2012)

Fica evidente, assim, o compromisso firmado entre todas as nações para, através, da

educação promover o desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza e promover a

igualdade. Como forma de atingir esse objetivo os países se comprometem a fazer o uso mais

efetivo de tecnologias da informação como forma de melhorar o aprendizado, sendo que o elo

entre meios e fins é realizado pela cidadania.

Juarez de Freitas, em obra atual sobre o tema, identifica quatro grandes premissas

essenciais a uma educação sustentável apresentando suas diversas inter-relações da seguinte

maneira

(a)a visão da causalidade de longo prazo, com o reconhecimento dos efeitos que se

propagam para depois de nossas existências, o que leva a valorizar o elemento

imaterial da sustentabilidade; (b) a visão da multidimensionalidade do

desenvolvimento durável, em termos éticos, sociais, econômicos, ambientais e

jurídico-políticos, algo que reclama, a par da cognitiva formação multifacetada, a

habilidade de sentir a unidade dialética da vida, com abertura e senso integrativo; (c)

a visão da sustentabilidade como causa poderosa, porque somente uma grande

causa é capaz de desalojar vícios e patologias arraigadas e fazer crescer a coluna dos

ativos no livro contábil da evolução; e (d) a visão cuidadosa da sustentabilidade

como fonte de homeostase, entendida, para os nossos propósitos, como capacidade

biológica e institucional de promover o reequilíbrio dinâmico e propício ao bem-

estar no presente e no futuro.(FREITAS, 2011, p. 200)

Diante disso já se torna óbvia a resposta à pergunta a respeito da aplicação da

imunidade tributária sobre “livros digitais”. É através da educação que se atingirá uma

cidadania feita de pessoas livres para se promover um desenvolvimento sustentável. Uma

cidadania ampla e independente engloba a titularidade de direitos na esfera social

(prestacional), política, civil. Para o Calmon de Passos (2002,s/p) ser considerado um cidadão

em sua plenitude “significa poder de participação efetiva na vida política e participação com

preservação do poder de autodeterminação pessoal, seja em termos de impor abstenções ao

Estado, seja em termos de lhe exigir prestações.”, fim este só atingível por meio de uma

educação de qualidade, e o Direito Tributário como instrumento apto a induzir

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comportamentos deve ser aplicado de acordo com a vontade constitucional, que se revelou

através uma interpretação evolutiva e sistemática.

7. POR QUE MOTIVO A ESPERANÇA DE LIBERDADE REPOUSA SOBRE O

PODER JUDICIÁRIO?

O leitor açodado poderia argumentar de modo simplista: “ora, se a regra está

desatualizada, que o legislador a mude”. Referir-se-ia à possibilidade de Emenda à

Constituição que colocasse a redação do dispositivo constitucional em termos consentâneos

com o terceiro milênio.

É óbvio que tal não ocorrerá (como efetivamente não ocorreu, no transcurso das

últimas décadas).

É verdade que, em Estados Soberanos verdadeiramente democráticos, a Emenda

Constitucional se destina, precipuamente, a ampliar o espectro de direitos e garantias do

cidadão. Por isso mesmo, ocorre raramente (a Constituição americana, v.g., sofreu 27

Emendas ao longo destes 224 anos de vigência). Quando o Estado percebe que determinada

lacuna, ou obscuridade no texto constitucional, dificulta o exercício de determinados direitos,

ou impede a efetivação de certas garantias, edita a Emenda. Suprida a lacuna, ou afastada a

obscuridade, o sistema jurídico-constitucional se restabelece em sua inteireza – garantindo

segurança ao cidadão. E, a cada vez que a lei é declarada inconstitucional, o diploma em

questão é simplesmente retirado – para sempre – da ordem jurídica.

Mas o que acontece no Brasil é precisamente o inverso! Tivemos, em 25 anos, 71

Emendas – muitas delas em matéria tributária. Dificilmente encontraremos, entre elas, alguma

que tenha se preocupado com a ampliação e efetivação de direitos e garantias fundamentais.

Ao revés, o exame dessas Emendas mostra que elas têm sido editadas, sucessivamente, com o

fito de:

Restringir direitos do cidadão, notadamente em matéria tributária;

Criar novos tributos e aumentar a carga tributária;

Driblar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, a cada vez que esta

Corte proclama (de forma que desagrade aos interesses arrecadatórios do

Governo) a inconstitucionalidade da lei tributária.

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Decididamente, nosso Regime Político, no plano da Constituição Material, não é

democrático. Democracia exige, pelo menos, dois pressupostos no plano jurídico: a)

elaboração da lei pelos representantes do povo, com efetiva atuação do Parlamento; b)

tripartição do Poder.

O primeiro desses pressupostos não é observado no Brasil. A lei tributária não é

elaborada, verdadeiramente, pelo Parlamento. O Fisco é o verdadeiro autor de tudo. São os

técnicos do Ministério da Fazenda que encaminham seus estudos e projetos ao Presidente da

República. Este os converte em Medida Provisória. E, assim, uma verdadeira avalanche de

Medidas Provisórias é encaminhada ao Congresso, que tem sua pauta trancada, e as converte

em lei no sistema de “rolo compressor”, sem reflexão nem debate algum com a sociedade.

O segundo pressuposto – tripartição de Poder – é igualmente desrespeitado. O

Poder Legislativo está neutralizado pela avalanche de Medidas Provisórias. E o Poder

Judiciário tem sua Corte mais alta neutralizada pelo mecanismo das Emendas à Constituição.

É necessário se fazer uma reflexão acadêmica: quantas Emendas Constitucionais ainda

ocorrerão no Brasil?

A resposta é simples: tantas quantas forem as declarações de inconstitucionalidade

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (em sentido contrário aos interesses arrecadatórios

governamentais).

Ora, se os Poderes da República são apenas três, e dois deles estão neutralizados,

não é necessário esforço mental para concluir que, no Brasil, já retornamos ao tempo do Poder

Uno, no qual uma só autoridade exerce todas as prerrogativas: legisla, administra, governa e

intervém no julgamento posto.

Dentro desse quadro desolador, será ingênuo, concessa maxima venia, o cidadão

que venha a aguardar o advento de Emenda Constitucional que atualize a redação da regra

imunitória em questão. Por isso, todas as esperanças repousam no Poder Judiciário – o

intérprete definitivo da lei. E o instrumento de que deve se valer, a fim de proceder à leitura

atualizada do dispositivo constitucional, é, indubitavelmente, a hermenêutica, com seus

processos interpretativos.

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8. JURISPRUDÊNCIA

Realizada a reflexão doutrinária pode se avançar para a investigação de como a

jurisprudência tem tratado do tema. Em 05-3-2010, foi publicada decisão no RE 330.817 (Dje

– 040), na qual o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, fundamentou, tão-

somente na interpretação gramatical ao decidir de acordo com a jurisprudência pacífica da

Corte Suprema Brasileira que “a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da

Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros insumos que

não os compreendidos na acepção da expressão “papel destinado a sua impressão”.

(BRASIL,2010)

Em seguida, o ínclito magistrado se reporta a três precedentes da Corte, além de três

decisões monocráticas. Ocorre que cada um desses precedentes, por sua vez, também faz

remissão à “jurisprudência anteriormente firmada”. Até mesmo o primeiro de tais

precedentes, e, portanto, o mais antigo (AI nº 307.932/SP-AgR, 2ª Turma, Relator Ministro

Néri da Silveira, DJ de 31-8-2001), limita-se a afirmar: “A jurisprudência da Corte é no

sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por essa

imunidade tributária”.

Porém, na medida em que se avança nessa busca jurisprudencial, percebe-se que os

primeiros precedentes do Supremo Tribunal Federal prolatados na vigência da Constituição de

1988, e que serviram de base para os precedentes hoje invocados por aquela Corte, discutiam

questão absolutamente diversa. Quando se lê, por exemplo, o Acórdão RE 193.883/SP (1ª

Turma, julg. 22-4-1997, Rel. Min. Ilmar Galvão), o fundamento ali é no sentido de que

insumos que não pudessem ser identificados fisicamente como “papel” não poderiam ser

abrangidos pela imunidade.

Aqui, porém, a discussão é outra. Não está mais em questão se este ou aquele insumo

pode (ou não) ser abrangido pela imunidade. O que se discute, agora, é se o próprio LIVRO

está alcançado pela imunidade. E isso não foi discutido em precedente algum daquela Corte.

Portanto, já é hora de a Suprema Corte deixar de se reportar a precedentes e reconhecer que

está diante de questão nova – a reclamar fundamentação própria.

Em sentido diametralmente oposto, sustenta Hugo de Brito Machado, delineando,

com maestria, o próprio conceito de livro – aspecto jamais trabalhado pela jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal

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Antes de recorrermos a outros métodos hermenêuticos, porém, parece-nos

necessário compreender o que é um livro, encontrando a sua essência: aquilo que,

presente, faz da coisa um livro e retirado, faz com que a coisa deixe de ser livro.

Determinada a essência, todo o resto será elemento acidental, que poderá

perfeitamente ser alterado sem que o objeto deixe de ser um livro. O mesmo

raciocínio vale para os jornais e para os periódicos. Inicialmente, o homem

desenhava nas paredes de cavernas. Enormes animais com flechas atravessadas

simbolizavam uma caçada proveitosa. (...) Surgiu, então, a escrita, cujo primeiro

suporte físico foi a tábua de argila. A tábua de argila, com o tempo, mostrou-se

pesada e volumosa. Este estudo, se escrito em tal suporte físico, poderia estar

pesando algumas dezenas de quilos. Para contornar esse inconveniente, outros

materiais foram empregados: papiro, pergaminho, papel etc. (...) O essencial ao

livro, portanto, não é o papel, cujo emprego foi difundido apenas nos fins da Idade

Média. Também não é essencial a forma com que o papel, o pergaminho, o papiro

ou as tábuas de argila são enfeixados ou montados. Na verdade, tais suportes físicos

apenas se tornam livros na medida em que veiculam determinado conteúdo, sendo –

como toda concreção de uma idéia – constantemente aperfeiçoados na infinita busca

do homem pela perfeição (argila → papiro → pergaminho → papel → disquete →

CD-ROM → CD-R → CD-RW → ?). (...) Todavia, sabe-se que até a Idade Média

os livros eram em sua maioria rolos de pergaminho, e não folhas ou cadernos soltos,

cosidos e montados em capa flexível ou rígida. Não seriam, então, livros? Caso não

o fossem, surpresos ficaríamos em saber que Platão, Aristóteles e Santo Agostinho

nenhum livro escreveram. Por outro lado, e esse aspecto é da maior relevância, um

livro caixa, destinado a registrar a movimentação contábil de uma empresa, vendido

em branco, mas devidamente impresso com pautas e outros campos para

preenchimento, é uma reunião de folhas ou cadernos soltos, cosidos ou por qualquer

outra forma presos por um dos lados e enfeixados ou montados em capa flexível ou

rígida. O mesmo se pode dizer de um livro de ponto, ou de atas. (...) Tudo isso

mostra que uma determinada forma não é da essência do livro, que pode,

atualmente, ser veiculado em meio eletrônico, através de qualquer suporte físico,

sem deixar de ser livro. (...) Tanto é assim que dicionários atuais, como é o caso do

Dicionário Houaiss da língua portuguesa, cuja primeira edição é do ano de 2001, já

conceituam livro não apenas como “coleção de folhas de papel, impressas ou não,

cortadas, dobradas e reunidas em cadernos cujos dorsos são unidos por meio de cola,

costura etc., formando volume que se recobre com capa resistente”, mas, também,

“considerado do ponto de vista de seu conteúdo: obra de cunho literário, artístico,

científico, técnico, documentativo etc., que constitui um volume”, e, ainda, “em

qualquer suporte (p.ex. papiro, disquete etc.)”. Modernamente, portanto, mesmo do

ponto de vista gramatical, o “livro eletrônico” é um livro, em face da evolução que

se operou no objeto ao qual a expressão “livro” se refere. (MACHADO, 2008,

p.100-102)

Enfim, longe de se tratar de questão repetitiva ou bizantina, como o STF pretende

fazer crer, a matéria impõe novas reflexões. E isso já foi percebido por outras instâncias do

Poder Judiciário, como, v.g., no julgamento do Mandado de Segurança nº 2009.61.00.025856-

1 (22ª Vara Federal de São Paulo – 11-12-2009), acerca da imunidade tributária do KINDLE,

que ao interpretar o art. 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Cidadã reforçou a

vinculação da imunidade dos livros com a liberdade de pensamento, de expressão, de crença e

de consciência, bem como com o direito à educação e à cultura, com a necessidade da norma

se adequar às transformações tecnológicas. (SÃO PAULO, 2009) Na sentença de mérito, em

20-7-2010, foram acrescentados os seguintes fundamentos:

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Evidente que o texto constitucional em foco não pretende incentivar o consumo de

papel. Claro está que a intenção do legislador foi promover o acesso dos cidadãos

aos vários meios de divulgação da informação, da cultura e viabilizar o exercício da

liberdade de expressão do pensamento, reduzindo os respectivos custos. Nota-se, por

uma singela interpretação literal do texto constitucional, que os livros, jornais e

periódicos são imunes de tributos (entenda-se impostos), independentemente do

respectivo suporte de exteriorização. Seja em papel, seja em plástico, seja em pele

de carneiro etc. (...) Veja que a questão objeto dos autos não se confunde com

equipamentos e insumos que possam ter destinações diversas (caso do precedente do

E. STF, mencionado nas informações da autoridade impetrada, à f. 119). Assim há

de ser interpretada a norma constitucional para que nossa Carta Magna tenha vida

longa, ou seja, que não precise ser emendada a cada evolução tecnológica que surja,

o que vem ocorrendo com espantosa velocidade, a ponto de se dizer que estamos

atravessando a era da tecnologia. Nesse sentido observo que o papel como suporte

de comunicação tem seus dias contados, registrando-se que a própria Justiça, que

sempre é a última a aderir às novas tecnologias, já está promovendo a gradativa

substituição dos autos físicos (em papel) por autos virtuais (eletrônicos). A respeito

confira, a título de exemplo, os JEF’s de São Paulo. (SÃO PAULO, 2010)

Portanto, sendo a imunidade uma regra de intributabilidade absoluta ditada pelas

liberdades pré-existentes, com sede na Constituição, cuja tônica atual é se apresentar como

uma regra objetiva de valores, consagradora da liberdade de expressão, de idéias, liberdade

cultural, científica, ideológica e liberdade de divulgação de pensamento, que encontra na

educação seu principal meio de difusão, todos os empecilhos para sua realização, seja ele o

tributo, devem ser removidos para se promover um desenvolvimento sustentável tanto em seu

aspecto ambiental, quanto econômico e social. O Judiciário como guardião da Constituição,

dos direitos e garantias fundamentais e do Estado Democrático de Direito deve interpretar a

Lei Maior de forma a realizar estes valores.

9. CONCLUSÃO

O tema da imunidade é de natureza constitucional (supressão parcial de competência

tributária). No que tange ao instrumento normativo, a Constituição somente se interpreta pela

própria Constituição (e nunca por intermédio da legislação infraconstitucional).

Não existe nenhuma peculiaridade, sob o prisma hermenêutico, que distinga o

Direito Tributário dos demais ramos do Direito, mesmo porque o Direito é uno. A imunidade

como hipótese de não-incidência tributária constitucionalmente qualificada consiste na

intributabilidade absoluta de determinados bens e instituições como forma de garantir as

liberdades públicas pré-existentes ao próprio Estado.

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A norma do art. 150, VI, d, da Constituição, até mesmo pelo seu elemento literal,

imuniza qualquer tipo de livro, sem restrição, independentemente do suporte físico pelo qual

ele se exteriorize (argila, papiro, papel, lã de carneiro, meio eletrônico). E isso não se

confunde, de forma alguma, com imunidade deste ou daquele insumo necessário à produção

ou fabricação do livro. Não há que se confundir imunidade de insumos com imunidade do

próprio produto.

Quando ao elemento literal se associa a interpretação histórico-evolutiva, esta, por

sua vez, conjugada com os métodos teleológico e sistemático, a imunidade de qualquer tipo

de livro se afigura ainda mais clara. Se é verdade a afirmativa que “ civilização e educação

estão cada vez mais ligadas à redução da agressão ambiental. Mas educação e civilização não

têm correlação necessária com riqueza material (...)”, de acordo com Resende citado por

Freitas ( 2011, p.190) o Direito Tributário não pode ter nos dias atuais uma finalidade

exclusivamente arrecadatória ou estar somente voltado para a economia.

A educação é uma das formas de se promover o desenvolvimento sustentável, pois

este exige um equilíbrio entre gerações e a fruição de bens e serviços de forma a garantir uma

vida digna, porque a sustentabilidade possui , além do ambiental, um viés sócio-econômico.

Não há esperança alguma, para o sofrido cidadão-contribuinte brasileiro, de que

venha a ser produzida alguma Emenda Constitucional que coloque a redação da regra

imunitória enfocada em termos consentâneos com o terceiro milênio. Todas as chances de que

os valores, tutelados pelo preceito constitucional em questão, venham a ser efetivados

repousam sobre seu intérprete definitivo: o Poder Judiciário. E, nesse campo, temos assistido

a verdadeiro descompasso: enquanto as instâncias ordinárias avançam em seu raciocínio, a

Suprema Corte insiste em se apegar a precedentes, que, por sua vez, se reportam a outros

precedentes ainda mais remotos – todos impertinentes à discussão que ora se trava, porquanto

abordam tão-somente a questão do insumo (e não do produto).

A relação entre Direito Tributário (imunidade) e sustentabilidade (educação), permite

um desenvolvimento econômico, social, político e ambiental.

Somente uma hermenêutica adequada será capaz de fazer com que a imunidade dos

livros digitais seja uma forma de se atingir um desenvolvimento sustentável que observe os

objetivos da Constituição Cidadã nestes seus 25 anos.

Portanto, em uma época de informatização e de comunicação instantâneas, a

exclusão do custo tributário sobre o livro digital permite promover a cultura e a educação

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como forma de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, escopos fundamentais da

República Brasileira.

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A INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO TAXATIVA DA LISTA DE

DOENÇAS GRAVES PARA ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA

THE UNCONSTITUTIONALITY OF THE LITERAL INTERPRETATION OF THE LIST

OF MAJOR DISEASES FOR INCOME TAX EXEMPTION

MARCELO LUIZ HILLE *

PAUL JÜRGEN KELTER **

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo identificar alguns princípios relacionados à dignidade humana e destacar a relevância da promoção de políticas públicas no que tange à saúde, em especial, destinada aos portadores de doenças graves e incuráveis. Busca-se ainda ressaltar a previsão legal de isenção do recolhimento do imposto de renda para aposentados portadores de doenças graves e incuráveis, analisando a inconstitucionalidade da interpretação literal da lista de doenças graves prevista legalmente, inclusive, comparando-se decisões judiciais referentes à forma de interpretação de listas de doenças em outras áreas do direito. Outro enfoque do trabalho diz respeito à observação dos conceitos sobre a reserva do possível e do mínimo existencial, sob o prisma da preservação ao direito fundamental à saúde. O aparente choque entre o interesse público na arrecadação de impostos e a proteção constitucional à dignidade humana pelo Estado Democrático de Direito, como analisado no presente estudo, demonstra uma provável solução por meio de política pública para alteração legislativa compreendendo uma interpretação extensiva da referida lista de doenças, ou ainda, pela obrigatória atualização daquela, para inclusão de forma constante de novas patologias graves e incuráveis. Palavras-chave: dignidade da pessoa humana; lista de doenças graves e incuráveis; interpretação extensiva; isenção de imposto de renda. Abstract: This paper aims to identify some principles related to human dignity and highlight the importance of promoting public policies with regard to health, in particular, intended for patients with serious and incurable diseases. Searching is also underscore the legal provision for exemption from payment of income tax for retirees suffering from serious and incurable diseases by analyzing the constitutionality of the literal interpretation of the list of serious illnesses legally provided, including comparing court decisions concerning the form of interpretation of lists of diseases in other areas of law. Another focus of the study concerns the observation of the concepts on the reserve as possible and existential minimum, through the prism of preserving the fundamental right to health. The apparent clash between the public interest in the collection of taxes and the constitutional protection of human dignity by the democratic rule of law, as analyzed in this study, demonstrates a probable solution through * Mestrando no Centro Universitário de Maringá. Advogado e professor universitário. Graduado pela

Universidade Estadual de Londrina. Pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. [email protected]

** Mestrando do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR; professor do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná; Advogado. E-mail: [email protected]

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legislative changes to public policy comprising a broad interpretation of the list of diseases or, for that mandatory update for inclusion steadily new serious illnesses and incurable. Keywords: human dignity; the list of serious and incurable; broad interpretation; exemption from income tax.

INTRODUÇÃO

A discussão a respeito de determinados princípios constitucionais tem se

mostrado em voga atualmente, merecendo destaque as questões que compreendem a

dignidade da pessoa humana em seus mais amplos aspectos.

Pode-se dizer que a proteção à dignidade encontra amparo e sofre influência

em relação aos princípios da proporcionalidade, da isonomia e da capacidade econômica que

cada contribuinte tem para pagamento de tributos, capazes de atenuar a tributação excessiva

do cidadão.

Os princípios mencionados podem servir para balizar a questão da

tributação no tocante à pessoa física portadora de doenças graves, no desiderato de preservar

os seus direitos da personalidade, tais como a vida, a liberdade, a saúde e, em especial, a

dignidade humana.

Analisando o imposto de renda, é possível identificar a existência de

legislação que prevê isenção para aposentados portadores de doenças graves e incuráveis. No

entanto, a lei que regulamenta tal questão traz uma lista taxativa de doenças, enquanto que a

discussão ora proposta se mostra no intuito de estender os seus efeitos para outras doenças

não previstas legalmente, desde que sejam igualmente graves e incuráveis.

Após a identificação de certos princípios vinculados à dignidade humana,

busca-se destacar a relevância da promoção de políticas públicas no que tange à saúde, em

especial, destinada aos portadores de doenças graves e incuráveis.

No caso específico da isenção do imposto de renda para portadores de

doenças graves e incuráveis, estuda-se a previsão legal já existente, analisando-a com base

nos princípios constitucionais e quanto à possibilidade ou não de interpretação literal da

referida lista de doenças graves.

Verificar-se-á se a leitura estrita da lista não configura discriminação

injustificada do doente que, mesmo sendo vítima de sintomas ou agruras idênticas, ou mesmo

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piores, que àqueles que padecem com as doenças listadas nos regulamentos, não tem direito

às isenções previstas em lei.

Também, com base no argumento da escassez de recursos públicos para

efetivação de políticas públicas ou sociais, observar-se-á também a contraposição dos

conceitos da reserva do possível e do mínimo existencial, sob o prisma da preservação ao

direito fundamental à saúde.

1 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E DIGNIDADE HUMANA

Através da evolução do pensamento humano a respeito do que significa este

ser humano se fazem possíveis o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa pelo

Direito1. A dignidade humana abrange valores relacionados à vida e tem caráter de valor

fundamental, protegendo todos os direitos fundamentais e suas dimensões.2

Os direitos de personalidade apresentam a sua base no princípio da dignidade da pessoa

humana, o que faz com que se aproximem as noções sobre personalidade e dignidade:

O sentido de dignidade enquanto princípio básico do ordenamento jurídico se aproxima das noções de respeito à essência da pessoa humana, respeito às características e sentimentos da pessoa humana, distinção da pessoa humana em relação aos demais seres. É um sentido subjetivo, pois o conteúdo da dignidade depende do próprio sujeito, depende de seus sentimentos de respeito, da consciência de seus sentimentos, das suas características físicas, culturais, sociais. Na atual concepção jurídica de pessoa humana, basta ter a qualidade de ser humano para o ordenamento jurídico reconhecer a qualidade de digno. Adquire-se, juridicamente, dignidade com o simples fato de ser humano, mesmo ainda não tendo nascido. 3

Por sua vez, afirma que “a personalidade constitui a precondição, o

fundamento e o pressuposto dos direitos e das obrigações jurídicas.” 4 Enquanto que Fernanda

Borghetti Cantali define “O princípio da dignidade humana é considerado um princípio

matriz, do qual erradicam todos os direitos fundamentais do ser humano.”5

A existência digna da pessoa se faz mediante o reconhecimento e a proteção

dos direitos fundamentais, sendo que a defesa do princípio da dignidade da pessoa humana

1 SARLET, Ingo Wolfgang, Dimensões da dignidade. 2. ed. Porto Alegre: Revista do Advogado, 2009, p. 16. 2 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de

1988, 7. Ed. Porto Alegre: Revista do Advogado, 2009, p. 94. 3 Ibidem, p. 22. 4 Ibidem, p. 21. 5 CANTALI, Fernanda Borghetti. op. cit., p. 88..

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compreende o respeito à vida, bem como à integridade física e moral: “É no valor da

dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu

ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa.”6

JJ. Gomes Canotilho diferencia os direitos do homem dos direitos

fundamentais:

As expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’ são frequentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. 7

O direito à saúde se mostra como primordial à proteção ao direito à vida,

estando intimamente ligados entre si, não há como se falar em vida digna sem o amparo ao

direito à saúde da pessoa:

O direito à saúde não significa, apenas, o direito de ser são e de se manter são. Não significa apenas o direito a tratamento de saúde para manter-se bem. O direito à saúde engloba o direito à habilitação e à reabilitação, devendo-se entender a saúde como o estado físico e mental que possibilita ao indivíduo ter uma vida normal, integrada socialmente. 8

Neste ínterim, se evidencia também a responsabilidade do Estado:

Como conseqüência primeira do direito à saúde (direito de estar são), deve-se agregar o direito à prevenção de doenças (direito de permanecer são). Assim, o Estado é responsável, tanto por manter o indivíduo são, desenvolvendo políticas de saúde, como para evitar que ele se torne doente. O direito à prevenção de doenças é, conseqüentemente, parte do direito à saúde9.

Tanto que José Afonso da Silva entende existirem duas vertentes no tocante

ao direito à saúde, sendo uma primeira negativa, segundo a qual o Estado se abstém de ações

6 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4 ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 54. 7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina. 8 ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 2. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997, p. 47. 9 Ibidem.

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que prejudiquem a saúde e, uma segunda vertente positiva, pela qual se exige do Estado

prestações de medidas que previnam e tratem doenças.10

2 ISONOMIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A capacidade contributiva como princípio tributário determina que os

tributos devam ser recolhidos de acordo com a capacidade que cada pessoa tem para

pagamento:

A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas de direito tributário. 11

Não são todas as pessoas que detém, por si só, capacidade de exercer

plenamente todos os seus direitos fundamentais, o que demanda ações afirmativas por parte

do Estado, tanto que Norberto Bobbio dispõe que “A sociedade de livres e iguais é um estado

hipotético, apenas imaginado.” 12

Ingo Wolfgang Sarlet defende que a dignidade humana é tarefa tanto dos

Poderes Estatais, quanto da comunidade em geral: “Como tarefa da previsão constitucional

decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a

dignidade de todos, assegurando também por meio de medidas positivas o devido respeito e

promoção”. 13

Voltando-se à máxima de tratamentos desiguais àqueles em condições de

desigualdade:

As discriminações que tenha objetivo de suprimir direitos das pessoas não devem ser admitidas, à luz da Constituição Federal. Elas têm um sentido negativo. Devem-se admitir, no entanto, discriminações positivas, ou seja, tratamentos diferenciados que permitem as pessoas usufruírem desses direitos.14

10 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 308. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 215. 12 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 7 ed., Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 8. 13 SARLET, op.cit., p. 135. 14 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Método, 2008, p. 259.

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Hugo de Brito Machado ressalta que a capacidade contributiva ou

capacidade econômica se refere aos tributos em geral e não apenas aos impostos, como

previsto no texto constitucional. 15

Quanto a sua aplicação, destaca a importância de que a legislação

infraconstitucional se coadune com o princípio em análise: “Não é razoável entender-se que o

legislador tem ampla liberdade para resolver quando é e quando não é possível exigir-se

obediência ao principio da capacidade contributiva porque tal compreensão anula

inteiramente a sua supremacia”. 16

O princípio acima referido ainda demonstra proximidade com o princípio da

isonomia, como enfoca Eduardo Sabbag:

Neste sentido, diz-se que o princípio da capacidade contributiva está profundamente ligado ao da igualdade, mas neste não se esgota. Enquanto a isonomia avoca um caráter relacional, o bojo do confronto entre situações jurídicas, o princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de justiça para o Direito Tributário. A busca da justiça avoca a noção de “equidade” na tributação. 17

O Estado não deve se eximir de tributar para obter recursos financeiros,

contudo, não há como se admitir uma tributação excessiva, sob pena de violação do princípio

da capacidade contributiva e também dos direitos da personalidade, em especial, o direito à

vida, à liberdade, e à saúde.

Sem sombra de dúvidas, pessoas aposentadas e portadoras de doenças

graves e incuráveis tem uma diminuta capacidade contributiva e estão em situação de

disparidade com relação aos demais contribuintes ativos profissionalmente e em perfeito

estado de saúde. O que demanda uma intervenção estatal para equilibrar esta situação social e

garantir uma vida digna aos portadores de doenças graves.

2.1 PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. A IMPORTÂNCIA DA PONDERAÇÃO

Para a doutrina alemã, a proporcionalidade representa a proibição de

excesso, representando a ideia de harmonia e equilíbrio:

15 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 39. 16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 40 17 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 151.

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No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade ou ao princípio da proibição de excesso qualidade de norma constitucional não escrita, derivada do Estado de Direito. Cuida-se, fundamentalmente, de aferir a compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais.18

O princípio da proporcionalidade busca uma solução para o caso concreto,

coibindo arbitrariedades ou excesso de poder do Estado. Raquel Denize Stumm cita a

evidência dada ao referido princípio na existência de conflito ou colisão de direitos:

A precedência ou relação de preferência de um direito ou bem em relação a outro só pode ser avaliada perante circunstâncias concretas, através de um juízo de ponderação. Os direitos prima facie devem sofrer uma adequação às necessidades de cada caso, dependendo a sua aplicação definitiva da ponderação e da concordância prática que atenda determinadas circunstâncias concretas. 19

A expressão proporcionalidade ou razoabilidade é observada nos tribunais

brasileiros. Mesmo na doutrina pátria é possível se deparar com diversas significações para o

mesmo princípio, como demonstra Leonardo de Araújo Ferraz:

Nesse sentido, sob o rótulo ou roupagem padrão de ‘princípio da proporcionalidade’ – mesmo em julgados recentíssimos – podem ser derivadas diversas significações: ora não é sequer mencionada a palavra proporcionalidade; ora o princípio é tratado como um mero recurso a um topoi, com caráter retórico e não sistemático, apenas para afastar alguma conduta considerada abusiva; ora é tratado como sinônimo de igualdade (isonomia) e, mais frequentemente, como razoabilidade; ora invocado como devido processo legal. 20

Suzana de Toledo Barros ressalta o conceito dos subprincípios da

proporcionalidade, desenvolvido pela doutrina alemã, como forma de concepção estrutural do

princípio da proporcionalidade. A adequação teria referência ao controle da relação entre

meio e fim da medida a ser adotada. Conforme o subprincípio da necessidade, a medida não

poderia ser substituída por outra igualmente eficaz. No que se refere ao terceiro subprincípio,

18 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 43. 19 STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 77. 20 Ibidem, p. 103.

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proporcionalidade em sentido estrito, deve-se observar que o meio utilizado deve encontrar-se

em razoável proporção com o fim perseguido. 21

De acordo com a sua formação, os magistrados possuem ideologias

diferentes, podendo desenvolver um entendimento positivista ou mais humanista, o que

influencia primordialmente a sua interpretação e o seu julgamento de cada caso concreto.

Deste modo, é possível ao julgador, balizando-se pelo princípio da

proporcionalidade, estender os efeitos de uma isenção para casos análogos aos já previsto em

lei, inclusive, com declaração incidental de inconstitucionalidade, se for o necessário.

3 RESERVA DO POSSÍVEL EM RELAÇÃO À SAÚDE

Um dos papéis constitucionais do Estado Democrático de Direito é

justamente reverter parte da arrecadação de tributos para o bem-estar da população, seja por

meio de políticas públicas ou por outros meios, sempre no intuito de resguardar o direito à

vida digna, à moradia, educação, à saúde, dentre outros direitos.

A efetivação dos direitos sociais, entretanto, estaria condicionada a obtenção

de recursos suficientes, arrecadados por meio de tributos, à materialização dos referidos

direitos. Considerando que as prestações públicas podem ter impossibilidades materiais, as

despesas públicas devem ser limitadas à receita obtida pelo Estado. A propósito, Ricardo

Lobo Torres leciona que “o tributo nasce no espaço aberto pela autolimitação da liberdade e

constitui o preço da liberdade”. 22

Flavio Galdino23 destaca entre os vários modelos teóricos dos direitos

positivos e negativos, o modelo da verificação do limite de recursos. Consoante tal teoria, a

efetividade dos direitos sociais dependeria da reserva do possível, ou seja, o custo tem caráter

fundamental e limita a aplicação do direito positivo.

Entretanto, não há como se admitir a impossibilidade de efetivação de

direitos fundamentais por insuficiência, por parte do Estado, de recursos financeiros ou de

outra ordem, principalmente quando se fala em preservação ao direito à vida ou à saúde, como

bem observado por José Joaquim Gomes Canotilho:

21 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 77. 22 TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 3. 23 Ibidem, p. 243.

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Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale na prática, a nenhuma vinculação jurídica, sustentando que os direitos fundamentais sociais consagrados em normas da Constituição dispõem de vinculatividade normativo-constitucional; e que as normas garantidoras de direitos sociais devem servir de parâmetro de controle judicial quanto esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais ou regulamentares restritivas destes direitos.24

Não há que se perder de vista que os recursos financeiros são considerados

escassos, o que enseja um planejamento cada vez mais aprimorado no que diz respeito às

políticas públicas:

Como dá conta a problemática posta pelo custo dos direitos, por sua vez, indissociável da assim designada “reserva do possível” (que não pode servir como barreira intransponível à realização dos direitos a prestações sociais), a crise da efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público. 25

No entanto, a teoria da reserva do possível pode ser usada no intuito de

efetivação dos direitos fundamentais, estabelecendo parâmetros para orientar ordens judiciais

e medidas da Administração Pública, em vista da escassez de recursos do Estado.

A reserva do possível tenta limitar as providências do Estado que

efetivamente poderão ser cumpridas, seja pelo planejamento mais eficaz do orçamento

público, seja pela possibilidade de redirecionamento de recursos de outras áreas não tão

primordiais naquele determinado momento.

Fabiana Okchstein Kelbert alerta “que a reserva do possível assume maior

importância, uma vez que não há como negar que a escassez de recursos efetivamente se

apresenta como obstáculo à realização de todos os direitos sociais a todas as pessoas.” 26

A autora menciona a ponderação de valores frente à reserva do possível:

Assim, a questão do mínimo existencial diz respeito a um mínimo em conteúdo que deve ser realizado ou protegido, de modo que sobre ele não

24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ed. Coimbra: Almedina, p. 481 25 Ibidem, p. 355 26 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.18.

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recaiam os limites impostos pela reserva do possível, o que se torna problemático quando estiver em causa a existência física do indivíduo.27

Para garantir que seja assegurada a liberdade do indivíduo e uma vida digna,

Luis Roberto Barroso também trata da questão do princípio da dignidade humana e do

mínimo existencial em contraposição à ideia da reserva do possível:

O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõe o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos. 28

Portanto, mesmo diante da escassez de recurso públicos, sempre levantada

pela doutrina, não cabe ao Estado deixar de prover meios para satisfação dos direitos

fundamentais, principalmente no tocante à vida e à saúde, como tratado no presente estudo.

As condições mínimas de existência humana digna devem ser respeitadas

diante das prestações estatais positivas, mediante o exercício da razoabilidade dos atos do

legislador, do julgador ou do administrador público.

A Suprema Corte ao analisar temas como relacionados ao direito à saúde, já

demonstrou entendimento no sentido de serem observadas as condições financeiras do Estado

para que o mesmo cumpra com a obrigação de prestações sociais:

O art. 6º da Constituição Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos. 29

Entretanto, verifica-se uma mudança de paradigma após a ADPF 45/DF:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário

27 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 102. 28 BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações

privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 38. 29 STF, RMS 28962 / MG RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA DJe 03/09/2009

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em tema de implementação de Políticas Públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do possível”. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do “mínimo existencial”. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração). 30

Portanto, cabe o Poder Estatal elaborar políticas públicas para a

concretização de direitos sociais, conforme as possibilidades financeiras do Estado, contudo,

garantindo preferência à preservação de direitos mais essenciais, como o direito à vida e o

direito à saúde.

Do mesmo modo, quando se fala em ponderação de valores entre o direito à

saúde e o interesse estatal, verifica-se uma judicialização da política, por meio da intervenção

do Poder Judiciário, no desiderato de proteger direitos fundamentais. Ou seja, sendo discutível

a aceitação da ideia da reserva do possível quando se trata de direito à saúde.

4 A ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA

O caso da isenção tratado no presente estudo se refere ao denominado

Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza, de competência da União Federal e

previsto no artigo 153, III da Constituição Federal e artigos 43 e seguintes do Código

Tributário Nacional.

Apesar da possibilidade de incidência do imposto de renda também às

pessoas jurídicas, o tema proposto se limita à aplicabilidade do referido imposto incidente

sobre pessoas físicas e, mais especificamente, aquelas aposentadas e portadores de doenças

graves e incuráveis.

Segundo Hugo de Brito Machado, “o imposto de renda é de enorme

importância no orçamento da União Federal, onde hoje figura como a principal fonte de

receita tributária. Tem, portanto, função nitidamente fiscal.” Entretanto, complementa o

30 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 45/DF.

Disponível em: HTTP://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14800508/medida-cautelar-em-arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-45-df-stf . Acesso em 21 jan. 2013.

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aludido Autor, “pode-se afirmar que o imposto de renda, embora tenha função

predominantemente fiscal, tem também função extrafiscal altamente relevante.” 31

A questão da extrafiscalidade está ligada ao fato que o imposto em análise

pode ser utilizado como instrumento de redistribuição de renda, buscando um equilíbrio entre

o arrecadado dos contribuintes e as prestações estatais aos cidadãos com maiores

necessidades.

A Carta Constitucional ainda traz no § 1º de seu artigo 145, que os impostos

terão caráter pessoal, ou seja, sempre que possível devem se adequar às circunstâncias

específicas de cada contribuinte. Do mesmo modo, os impostos serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, analisando-se as condições de quanto cada

contribuinte consegue pagar de impostos.

Portanto, pela natureza do imposto de renda, pode concluir que a sua

arrecadação deve ser adequada à capacidade de cada contribuinte quanto ao pagamento.

Considerando que o presente trabalho aborda pessoas aposentadas e portadoras de doenças

graves e incuráveis, que detém elevadas despesas com sua saúde e não mantém mais a mesma

capacidade laborativa anterior à doença da qual foram acometidas, nada parece mais lógico do

que permitir uma redução drástica do imposto cobrado, ou mesmo, a isenção total.

4.1 ISENÇÃO PREVISTA NA LEI Nº 11.052/2004

A isenção está prevista dentre as causas de exclusão do crédito tributário e

está prevista nos artigos 175 e seguintes do Código Tributário Nacional. É considerada por

alguns autores como um favor legal ou como uma exceção legal à regra de tributação:

Embora tributaristas de renome sustentem que a isenção é a dispensa legal do tributo devido, pressupondo, assim, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributaria, na verdade ela exclui o próprio fato gerador. A lei isentiva retira uma parcela da hipótese de incidência da Lei de tributação. Isenção, portanto, não é propriamente dispensa de tributo devido.32

Nos dizeres de Eduardo Sabbag, a isenção consiste na inviabilidade da

constituição do crédito tributário e constitui norma desonerativa de deveres patrimoniais do

contribuinte33. A isenção para Aliomar Baleeiro “não é privilégio de classe ou de pessoas,

31 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 317. 32 Ibidem, p. 229. 33 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 881.

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mas uma política de aplicação da regra da capacidade contributiva ou de incentivos de

determinadas atividades, que o Estado visa incrementar pela conveniência publica”34.

Desde modo, o instituto da isenção do imposto de renda no presente caso

detém o intuito de desonerar determinado grupo de pessoas que apresentam diminuta

capacidade contributiva:

O mecanismo das isenções é um forte instrumento da extrafiscalidade. Dosando equilibradamente a carga tributaria, a autoridade legislativa enfrenta as situações mais agudas, em que vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase desaparecer a capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social. A par disso, fomenta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa a produção, o comércio e o consumo, manejando de modo adequado o recurso jurídico das isenções. 35

A Lei nº 11052, de 29 de dezembro de 2004 alterou o inciso XIV, do artigo

6º da Lei nº 7.713/88, resultando o seguinte texto relativo aos rendimentos isentos do imposto

de renda percebidos pelos portadores de doenças graves:

Art. 1o O inciso XIV do art. 6o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pela Lei no 8.541, de 23 de dezembro de 1992, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 6o (...) XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

4.2 INTERPRETAÇÃO LITERAL

No desiderato de melhor compreender a aplicação da referida Lei nº

11.052/2004, adentra-se na análise das normas de interpretação, tendo em vista que o artigo

111 do Código Tributário Nacional determina expressamente a interpretação literal da

legislação que dispõe sobre isenção.

34 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, 931. 35 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 559.

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Não se trata de uma solução simples e percebe-se que doutrina reconhece a

dificuldade na interpretação mais adequada da norma:

As normas sobre interpretação e a integração do Direito são ambíguas, insuficientes ou redundantes. Necessitam elas próprias de interpretação. A polissemia não se restringe ao conteúdo das normas sobre a interpretação e a integração, posto que igualmente ocorre com referencia aos métodos prescritos por aquelas normas. A relativa indeterminação dos conceitos de interpretação extensiva e analogia, de interpretação literal e interpretação extensiva, de interpretação e integração, etc., torna ambíguas as normas que as recomendam, o que leva frequentemente o juiz a atuar de acordo com a sua consciência, apelidando de interpretação extensiva aquilo que é analogia e dizendo que respeita os limites da atividade interpretativa quando na realidade já esta procedendo a integração do ordenamento jurídico.36

Contudo, como observa Ricardo Lobo Torres a respeito do artigo 111 do

Código Tributário Nacional: “O dispositivo seria perfeitamente dispensável, em virtude da

ambiguidade, imprecisão e redundância do próprio conceito de interpretação literal.” 37 E

explica:

O problema da interpretação literal, sempre esteve muito ligado ao das fontes do Direito e ao dos valores jurídicos. O apego à literalidade era forma de prestigiar o legislador em detrimento do juiz. As proibições de interpretar, desde Justiniano, não tinham outro alcance que o de obrigar o intérprete a se manter vinculado à letra do texto legal, com o que se evitavam as interpretações extensivas, com as suas conotações políticas, bem como as interpretações objetivas ou evolutivas, com o esquecimento da vontade do legislador. A defesa exagerada da interpretação literal implica também a recusa das valorações jurídicas, com a preponderância da forma sobre o conteúdo e da segurança sobre a justiça. 38

Ao tratar do conceito da interpretação literal, o mencionado Autor leciona

que há três abordagens distintas no tocante ao início, limite ou resultado da interpretação,

entretanto, entende que o artigo 111 do Código Tributário Nacional seria dispensável em

qualquer das referidas acepções em que se possa ter a interpretação literal:

A linguagem do direito se abre para os conceitos indeterminados e para os tipos, está intimamente ligada às fontes e à ciência do Direito, segrega valores e se apresenta como união de forma e conteúdo, o que a torna em larga medida polissêmica, ambígua e vaga, inclusive no Direito Tributário. A interpretação literal, em outro sentido, significa um limite para a atividade do intérprete. Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão linguística.

36 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de interpretação e integração do direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 21. 37 Ibidem, p. 195 38 Ibidem, p. 196.

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Quando o art. 111 do CTN prescreve a interpretação literal das isenções esta apenas impedindo, em homenagem ao principio da legalidade, o recurso à analogia e à equidade, como formas de integração, mas não esta impondo qualquer método específico de interpretação. A interpretação literal no direito tributário pode também ter o sentido de interpretação restritiva ou de interpretação subjetiva, que são dois aspectos do mesmo problema. A temática, aí, já não é de métodos, mas de resultado, ou, como preferem outros, de cânones ou de objetivos do conhecimento. O texto do art. 111 do CTN, conseguintemente, tornou-se confuso, ambíguo, contraditório ou redundante. Se interpretado literalmente significara que a interpretação literal das concessões deve ser restritiva e não extensiva, o que e infundado como regra geral. Se interpretado no sentido que não impõe a interpretação restritiva nem condena a extensiva, é uma demasia.39

No entanto, os Tribunais Superiores vem aplicando a interpretação literal

para dirimir eventuais dúvidas sobre a aplicação da isenção em comento, utilizando como

base da fundamentação o artigo 111 do Código Tributário Nacional.

Por exemplo, no caso abaixo o paciente foi acometido por cegueira em um

dos olhos e pleiteou a isenção do imposto de renda, nos termos do artigo 6º, inciso XIV da Lei

nº 7.713/1988 e a sua pretensão foi acolhida, posto que a prestação jurisdicional foi dada no

sentido de que a aludida isenção beneficiaria tanto a pessoa que tem cegueira de um olho,

como também dos dois olhos:

1. Hipótese em que o recorrido foi aposentado por invalidez permanente em razão de cegueira irreversível no olho esquerdo e pleiteou, na via judicial, o reconhecimento de isenção do Imposto de Renda em relação aos proventos recebidos, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988. 2. As normas instituidoras de isenção devem ser interpretadas literalmente (art. 111 do Código Tributário Nacional). Sendo assim, não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão da incidência do Imposto de Renda, incabível que seja feita por analogia. 3. De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, que é adotada pelo SUS e estabelece as definições médicas das patologias, a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos, podendo ser diagnosticada a partir do comprometimento da visão em apenas um olho. Assim, mesmo que a pessoa possua visão normal em um dos olhos, poderá ser diagnosticada como portadora de cegueira. 4. A lei não distingue, para efeitos da isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão, não cabendo ao intérprete fazê-lo. 5. Assim, numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 favorece o portador de qualquer tipo de cegueira, desde que assim caracterizada por definição médica.40

39 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de interpretação e integração do direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 196. 40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial nº 1.196.500. Relator Ministro Herman Benjamin. Brasília, 02 de dezembro de 2010. Disponível em:

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Contudo, o que se pode verificar é que a mesma interpretação literal acaba

por excluir doença grave da possibilidade da isenção, pois não está prevista no rol taxativo da

Lei nº 11.052/2004, justamente sobre o argumento do discutido artigo 111 do Código

Tributário Nacional:

1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: (...), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. 4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa desconhecida, que se carcateriza por dores e contrações musculares involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. 41

4.3 INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

Analisando o artigo 111 do Código Tributário Nacional, mencionado acima,

vislumbra-se que se trata de norma de interpretação, entretanto, sua ineficácia parece ser

evidente no caso de isenção em questão, como ocorre com outras hipóteses de normas

interpretativas: “A falta de efetividade ou eficácia social das normas de interpretação e

integração decorre das ambiguidades e insuficiências, que as fazem carecer de

interpretação.”42

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000976900&dt_publicacao=04/02/2011. Acesso em 24 de janeiro de 2013. 41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Recurso Especial nº 1.116.620. Relator Ministro Luiz Fux. Brasília, 25 de agosto de 2010. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200900068267&data=25/8/2010. Acesso em 24 de janeiro de 2013. 42 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de interpretação e integração do direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 323

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Por outro lado, a norma isentiva pode, e até deve, ser analisada à luz do

atual contexto social e em consonância com outras legislações, como referido por Ricardo

Lobo Torres:

Mas a interpretação, embora se vincule ao texto da norma, nele não se deixa aprisionar, eis que o texto da norma não se confunde com a própria norma. A interpretação jurídica não esta ligada apenas ao texto, mas também ao problema. A interpretação se vincula aos valores que informam a norma jurídica, bem como aos princípios deles derivados, expressos ou implícitos. 43

O artigo 6º da Constituição Federal contém um rol de direitos que

constituem que são essenciais para que o ser humano desfrute de uma vida digna. A seu turno,

o artigo 196 do Texto Constitucional prevê o dever do Estado no tocante às políticas sociais

para redução do risco de doença, bem como para garantir a promoção, proteção e recuperação

da saúde.

No mesmo sentido, o artigo 3º e seu parágrafo único da Lei n. 8.080, de 19

de setembro de 1990 prescrevem a garantia ao bem estar físico, mental e social, como escopo

das ações relacionadas à saúde:

“Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.”

A Constituição Federal prescreve que a saúde constitui um piso vital

mínimo de forma que deve ser implementado e concretizado pelo Estado, propiciando aos

seres humanos uma vida com dignidade e em condições de igualdade. Portanto, o referido

artigo 111 do Código Tributário Nacional poderia ser declarado inconstitucional, pois ao

limitar a isenção do imposto de renda para pessoas doentes, viola o dever do Estado de

garantir a saúde e uma vida digna, como preceituam o artigo 1º, inciso III, o artigo 6º, o artigo

196 da Carta Magna.

43 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de interpretação e integração do direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 323.

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Por meio de uma maior flexibilidade, é possível ao intérprete da Lei nº

11.052/2004 ampliar as doenças previstas para concessão de isenção do imposto de renda,

visando garantir uma proteção ao direito fundamental à saúde, como já decidiu o Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná em casos de aposentadoria integral por invalidez, por doença

grave e incurável:

APELAÇÃO CÍVEL – PREVIDENCIÁRIO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA – AFASTAMENTO – ATO COMPLEXO – APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COM PROVENTOS INTEGRAIS – ROL TAXATIVO PREVISTO EM LEI – FLEXIBILIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DE NORMA GARANTISTA DE DIREITOS – APELO PROCEDENTE. 44

Do referido julgado, destaca-se alguns trechos interessantes:

(...) o texto legal, ainda que contenha um rol taxativo, deve ser interpretado de forma extensiva, ante à qualidade de garantia de direitos. (...) a questão previdenciária, pelo seu claro papel social e de tutela do segurado que demonstrar necessidade, vê-se que possui por fundo o fundamento do princípio da solidariedade, insculpido no art. 3º da Constituição Federal. Isto apenas para reforçar o seguinte ponto: a legislação previdenciária é garantista. Ela tem por objeto tutelar o cidadão que, em dado momento de sua vida, passa por um momento severo que lhe cause incapacidade tanto física como social – e por essa ótica, as normas garantistas devem ser interpretadas de uma forma extensiva, não restritiva (pois a interpretação restritiva é apenas dirigida ao texto legal que restringe a eficácia dos direitos do cidadão). 45

Da referida decisão conclui-se que não se pode esperar que a lei encerrasse

de forma definitiva em seu texto a definição das causas incapacitantes. Por outro lado, a

análise específica das causas incapacitantes derivaria de opinião médica, que é apta a elaborar

um parecer definitivo. E mais, se o intento da lei seria assegurar o agente incapaz, entende-se

que qualquer causa incapacitante poderia ensejar a aposentadoria por invalidez com os

proventos integrais, mediante interpretação extensiva da norma.

Em analogia aos casos de aposentadoria por invalidez, se mostra viável a

ampliação da lista de doenças previstas legalmente, que permita uma interpretação ampla e

extensiva para todas as doenças descritas como graves e incuráveis, diagnosticadas por

profissionais capacitados, médico ou junta médica.

44 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível nº 907.907-0. Relator Desembargador Luiz Antonio Barry. Curitiba, 08 de julho de 2012. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/consulta. Acesso em 24 de janeiro de 2013. 45 Ibidem.

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Outros casos similares também são verificados nos demais Tribunais:

Concluindo o perito judicial, especialista em reumatologia, que a autora é portadora de artrite reumatóide, doença inflamatória crônica das articulações, altamente incapacitante, para a qual não há cura, e estando a autora incapaz para o trabalho, é de ser concedido o benefício de aposentadoria por invalidez, porque é improvável que possa reabilitar-se, conforme prescreve o art. 62, Lei 8.213/91. Acresce-se o parecer no mesmo sentido, emanado do INSS. 46 A Autora preenche os requisitos previstos no art. 20 da Lei 8.742/93. A invalidez é comprovada através dos laudos médicos-periciais, emitidos pela Junta Médica da própria autarquia, que concluem ser ela incapaz permanentemente para o trabalho, por ser portadora de artrite reumatóide e espondilite. 47 Se o risco de irreversibilidade está presente, tanto na concessão, quanto no indeferimento da medida, os valores envolvidos devem ser sopesados, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. E, no caso, o interesse patrimonial do Estado nunca pode se sobrepor aos direitos fundamentais à saúde, ao bem-estar e à dignidade. 48

Assim, mostra-se claro que no conflito entre a saúde e a o interesse público

de arrecadação, deve sempre prevalecer aquela, como visto nas decisões anteriores expostas.

Ainda que não conste especificamente na lista de doenças graves, algumas patologias, tais

como Artrite Reumatóide e a Osteoporose também são doenças graves, degenerativas e

incuráveis.

O que se verifica pela análise das recentes decisões dos Tribunais pátrios é

que a pessoa portadora de doença grave pode até conseguir uma aposentadoria integral, mas

dificilmente conseguirá isenção do imposto de renda, se a doença grave não estiver catalogada

no inciso 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88, alterado pela Lei 11.052/2004.

Verifica-se uma afronta a diversos princípios, dentre os quais o da isonomia,

da proporcionalidade, da capacidade contributiva. A tributação ocorre em relação ao portador

de determinada doença grave e incurável, porém de outras não, justamente quando mais

precisa dos proventos que estaria auferindo se fosse capaz de trabalhar.

46 TRF-2 - REMESSA EX OFFICIO 349717, Processo: 199651010117743, UF: RJ, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA Decisão: 09/11/2005, Relatora Desembargadora Federal MÁRCIA HELENA NUNES 47 TRF-1, APELAÇÃO CIVEL 9601418938, UF: MG Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Decisão: 19/05/2000, Relator: JUIZ RICARDO MACHADO RABELO. 48 TJ-PR: Agravo de Instrumento nº 326.514-5, 3ª Câmara Cível Suplementar, Relatora Desembargadora Dilmari Helena Kessler, DJ 25/08/2006.

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Não se admite, portanto, haver um rol taxativo de doenças graves, sob o

risco de se discriminar doentes cujas enfermidades, embora graves e incuráveis, não constem

da curta lista, convenientemente jamais atualizada, o que feriria de morte o princípio da

igualdade, fazendo uns serem tributados pelo Imposto de Renda e outros, cujas enfermidades

tem a mesma gravidade e impossibilidade de cura não o serem.

5 POLÍTICAS PÚBLICAS

O Estado Democrático de Direito, como determinado constitucionalmente,

deve suprir as necessidades básicas do cidadão, sendo que uma das formas utilizadas para

tanto é a criação de políticas públicas assistenciais ou prestacionais.

Como já referido, há possibilidade de declaração incidental de

inconstitucionalidade, seja da legislação acima ou do artigo 111 do Código Tributário

Nacional, pelo magistrado em cada caso concreto.

No entanto, também se vislumbra que poderia ser viável a iniciativa de

desenvolver uma política pública para solucionar o problema em debate de forma mais eficaz,

com a criação de um sistema para identificação das doenças graves e incuráveis em cada caso

concreto, por meio de uma junta médica e de outros profissionais, com acompanhamento de

cada paciente e da respectiva família em cada estágio da doença.

Pensando na finalidade social do Estado, para compreender a sua realização,

é necessária a alusão às normas de caráter programático, às quais tem os seus princípios

traçados pelo constituinte para serem cumpridos pelos órgãos Estatais, ao invés de regular

diretamente certos interesses.

Contudo, a interpretação de tais normas programáticas não pode acarretar

efeitos inócuos na análise do caso concreto, principalmente se tratando do direito à saúde, o

qual cabe a garantia pelo Estado e a efetivação através de políticas públicas:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional

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indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõe, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. 49

A seu turno, o artigo 196 da Constitucional Federal, a exemplo de outras

legislações infraconstitucionais, como ocorre com o artigo 2º da Lei 8.080/90, traz previsão

expressa quanto ao dever do Estado na promoção, proteção e recuperação da saúde, por meio

de políticas sociais e econômicas. Da mesma forma, o texto constitucional tem como escopo

reduzir o risco de doença, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços

sociais:

As políticas públicas constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública. Seu campo de interesse — as relações entre a política a ação do Poder Público — tem sido tratado até hoje, na Ciência do Direito, no âmbito da Teoria do Estado, do direito constitucional, do direito administrativo ou do direito financeiro. Na verdade, o fenômeno do direito, especialmente o direito público, é inteiramente permeado pelos valores e pela dinâmica da política. 50

Ao tratar da ciência da política pública, Michael Howllet identifica certa

dificuldade no tocante aos instrumentos de políticas públicas:

A discussão neste capítulo indica que se pode gerar um esquema parcimonioso para categorizar instrumentos de política pelo exame do número limitado de ‘recursos básicos’ que os governos podem empregar. Enquanto esta discussão ajuda a esboçar os tipos de decisões que os policy-

makers têm que fazer sobre o modo exato como eles tentarão atingir seus objetivos políticos, ela nos diz pouco sobre como ou por que estas decisões são tomadas. 51

A política pública se mostra relacionada a identificação de um problema

proposto e algumas etapas para solução daquele problema, podendo ser dividida em cinco

49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286-8. Relator Ministro Celso de Mello. Brasília, 12 de setembro de 2000. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538. Acesso em 24 de janeiro de 2013. 50 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 10. 51 HOWLETT, Michael, A ciência da política pública: ciclos e subsistemas político-administrativos. Tradução Francisco G. Heidemann. Toronto:Oxford University Press, 2003, p. 116.

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estágios do ciclo da política pública: montagem da agenda (reconhecimento do problema);

formulação da política pública (proposta de solução); tomada de decisão (escolha da solução);

implementação da política (efetivação da solução); e avaliação da política (monitoramento

dos resultados).52

Entretanto, Howllet alerta quanto à primeira etapa da política pública:

Os governos, em particular, podem praticar diferentes estratégias não somente para montar a agenda, mas para inibi-la. Isto é, como revelou a discussão no capítulo anterior, os governos têm diferentes ferramentas de procedimento à disposição que lhes permitem controlar muitos aspectos do comportamento do subsistema político, inclusive o seu conjunto de membros e as relações entre esses membros, o que pode ajudá-los a canalizarem os discursos políticos no sentido desejado. 53

Portanto, independente dos inúmeros desafios que podem surgir, propõe-se

a criação de uma política pública para garantir isenção de imposto de renda a todos os

aposentados portadores de doenças graves e incuráveis, independente da lista prevista no

inciso 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88, alterado pela Lei 11.052/2004.

CONCLUSÃO

Ao assumir o papel constitucional de provedor e garantidor de direitos

fundamentais, o Estado muitas vezes se depara com conflitos entre interesses, direitos, normas

e princípios. Dentre os quais se destaca o conflito entre o interesse público na arrecadação por

meio de impostos e a garantia da dignidade da pessoa humana.

O imposto de renda, como uma das maiores fontes de arrecadação da União

Federal, tem como forma de exclusão do crédito tributário a isenção para os rendimentos

percebidos por pessoas físicas aposentadas e portadoras de doenças graves e incuráveis. Para

tanto, a Lei nº 11.052/2004 delimita quais são as respectivas doenças para fins de isenção do

imposto de renda.

Por sua vez, a interpretação taxativa da referida lista de doenças graves para

isenção de imposto de renda pode ser tida como inconstitucional, diante da análise de diversos

princípios constitucionais, bem como de precedentes da jurisprudência de alguns Tribunais

brasileiros, que tratam da aposentadoria integral por invalidez.

52 HOWLETT, Michael, A ciência da política pública: ciclos e subsistemas político-administrativos. Tradução Francisco G. Heidemann. Toronto:Oxford University Press, 2003, p. 119 et seq. 53 Ibidem. p. 140.

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A exemplo do que pode-se verificar em algumas decisões sobre

aposentadoria por invalidez, em matéria tributária também demonstra-se pertinente a extensão

dos efeitos da isenção para o imposto de renda para outras doenças graves e incuráveis além

daquelas descritas expressamente na Lei nº 11.052/2004.

Como garantir a dignidade humana em face de interpretações restritivas de

doenças? Qual é a importância da isenção do imposto de renda para aposentados portadores

de outras doenças graves e incuráveis?

O presente estudo demonstra a importância da isenção, em especial do imposto de renda para

pessoas físicas, como forma de promoção da dignidade humana para portadores de doenças

graves e incuráveis.

A observância aos princípios da proporcionalidade, da capacidade

contributiva e da igualdade no presente caso evidencia forma de proteção aos direitos

fundamentais à dignidade da pessoa humana e, em especial, à saúde.

Enquanto o princípio da dignidade é diretamente ligado à própria condição

humana da pessoa, o princípio da capacidade contributiva pode ser observado no momento de

elaboração da legislação tributária, mas também tem aplicação no caso concreto. Apresenta

proximidade com o principio da isonomia, no sentido de buscar uma tributação mais

equânime entre os contribuintes, de forma a delimitar até que ponto a pessoa poderia ser

tributada, de modo mais justo. Já o princípio da proporcionalidade norteia a efetivação da

dignidade da pessoa humana, no intuito de proibir arbitrariedades e excessos.

Por meio de uma análise das normas tributárias em face dos princípios

constitucionais, pode-se evidenciar a inconstitucionalidade de uma interpretação literal da

lista de doenças graves e incuráveis para fins de isenção de imposto de renda, principalmente

quando se compara com o entendimento jurisprudencial para casos de aposentadoria por

invalidez, cuja lista de doenças é praticamente a mesma.

A tributação pelo imposto de renda para pessoas físicas onera de forma

significante o aposentado portador de doença grave, justamente no momento de sua vida em

que grande parte de seus rendimentos ou proventos são destinados a sua saúde, seja por meio

de medicamentos, tratamentos ou outras despesas.

Uma das formas de garantir a dignidade humana para tais pessoas seria em

face de interpretações mais amplas de doenças graves, para que referida isenção não atinja

apenas doenças previamente catalogadas em lei.

O presente trabalho também propõe a aplicação de políticas públicas para

promoção humana, por meio de alterações legislativas a respeito do tema e criação de um

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sistema para identificação das doenças graves em cada caso concreto e promover o

acompanhamento do paciente.

Tanto o sistema proposto, quanto a necessidade de uma interpretação

extensiva da lista de doenças definidas pela Lei nº 11.052/2004, possibilitam a desoneração

tributária de portadores de doenças graves não previstas legalmente.

O aparente choque entre o interesse público na arrecadação de impostos e a

proteção constitucional à dignidade humana pelo Estado Democrático de Direito, demonstra

uma provável solução por meio de política pública para alteração legislativa compreendendo

uma interpretação extensiva da referida lista de doenças, ou ainda, pela obrigatória

atualização daquela, para inclusão de forma constante de novas patologias graves e

incuráveis.

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A interpretação extensiva em matéria de isenção tributária relacionada à

preservação da dignidade da pessoa humana. Uma tentativa de desconstrução do

entendimento jurisprudencial predominante à luz das lições de Alexy e Dworkin.

The broad interpretation regarding tax exemption related to the preservation of human

dignity. An attempt to deconstruct the prevailing jurisprudential understanding in light

of the lessons from Alexy and Dworkin.

Thiago Antonio Nascimento Diniz1

RESUMO

O presente estudo tem por objeto, à luz das doutrinas de Robert Alexy (no que tange à

definição de princípios e regras e a as formas de solução de conflitos entre eles) e

Ronald Dworkin (no que concerne ao ativismo judicial) analisar, frente a um caso

concreto – acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do

Ministro Luiz Fux, referente ao Recurso Especial 1.116.620-BA –, a possibilidade de

interpretação extensiva à regra de isenção fiscal a aposentados e pensionistas a

portadores de patologias incapacitantes além daquelas previstas no inciso XIV do artigo

6.º da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1998, em que pese a determinação expressa do

Artigo 111 do Código Tributário Nacional, que prevê a interpretação literal para normas

concessivas de benefícios fiscais. A regra de isenção, ao evitar a tributação sobre a

renda, reconhecendo uma redução em sua capacidade contributiva daqueles portadores

de patologias incapacitantes. Tal entendimento, portanto, mostra impar relevância na

busca da máxima efetividade constitucional e na plena garantia de proteção à dignidade

da pessoa humana.

PALAVRAS CHAVES: Isenção Tributária. Interpretação Extensiva. Dignidade da

pessoa humana.

1 Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia do Programa de Mestrado das Faculdades

Integradas do Brasil – Unibrasil. MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RIO.

Livre Especialista em Gestão Tributária pelo Centro Europeu. Professor de Direito Tributário da

Academia de Direito do Centro Europeu. Advogado militante na área do Direito Tributário.

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ABSTRACT

This study's purpose, in light of the doctrines of Robert Alexy (regarding the definition

of principles and rules and ways of resolving conflicts between them) and Ronald

Dworkin (with regard to judicial activism) analyze, facing a case - judgment of the

Superior Court of Justice under the Minister Luiz Fux, referring to the Special Appeal

1116620-BA - the possibility of a broad interpretation to the rule of tax exemption to

retirees to people with disabling conditions beyond those provided for in item XIV of

Article 6. of Law 7713, of December 22, 1998, despite the expressed determination of

Article 111 of the National Tax Code, which provides standards for the literal

interpretation of concessive tax benefits. The exemption rule, to avoid taxation on

income, recognizing a reduction in their ability to pay those suffering from debilitating

diseases. This understanding thus shows odd relevance in search for maximum

effectiveness and full constitutional guarantee to protect human dignity.

KEY WORDS. Tax Exemption. Extensive interpretation. Human dignity.

INTRODUÇÃO

O advento do Código Tributário Nacional brasileiro, Lei 5.172, de 25 de

outubro de 1966, se deu sob a vigência da Constituição Federal de 1946, durante o

governo de Castelo Branco, período marcado por um contexto político de exceção, de

ditadura militar, marcado pela supressão de direitos e garantias.

De outro lado, sua estruturação se deu na iniciativa governamental em

recuperar a capacidade fiscal do Estado2, construindo-se do período de excepcional

crescimento econômico, que ficou conhecido como o “milagre econômico brasileiro.”

Sob este paradigma, toda a doutrina, hoje tida com clássica, do Direito

Tributário, que se debruçou à questão após o advento do CTN, com precedência

destacada dos autores egressos da Escola de Direito Tributário da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho e

Roque Antonio Carraza, de leitura obrigatória em qualquer curso de direito tributário no

2 Na exposição de motivos nº 910, dirigida ao Presidente Castelo Branco, o Ministro Otávio Gouveia de

Bulhões, então Ministro da Fazenda, asseverou: “o País está a caminho de uma fase de progresso que

depende, para a segurança de seu êxito, da adoção de impostos econominamente sobre a renda distribuída

e não, de maneira antieconômica, sobre a formação do produto nacional como ocorre hoje, de maneira

acentuada” (1966 apud BALEEIRO, 1983, p. 43/44).

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país, partindo de uma premissa fortemente positivista (Kelseniana)3, reconhece o caráter

“fechado” do Sistema Tributário Nacional.

Pretendeu-se com Código a “sistematização” das normas tributárias em vigor,

estabelecendo e reafirmando o vínculo entre o indivíduo e o Estado sob o manto da

legalidade estrita. Desta forma, visava-se assegurar diretos e deveres recíprocos, não

permitindo a completa sujeição patrimonial, porém garantindo o (necessário)

incremento da arrecadação fiscal do Estado.

O próprio CTN, dos artigos 107 a 112, trouxe em seu bojo normas específicas

para a interpretação do direito tributário, criando um sistema hermenêutico próprio.

Desta constatação emerge o entendimento, conforme o próprio Paulo de Barros

Carvalho (2011, p. 191), de que “o quadro das imposições tributárias, no Brasil,

encontra-se sob o influxo de muitos preceitos constitucionais genéricos, que irradiam

por toda a ordem jurídica, ativando e ao mesmo tempo tolhendo o Estado nas relações

com seus súditos.” Destaca-se, pois, a ideia de legalidade.

Neste sentido, encontra-se a regra disposta no artigo 97 do CTN, segundo o

qual somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção, que

traduz e concretiza a estrita legalidade (tipicidade fechada/reserva absoluta da lei), que

foi confirmado, posteriormente, no artigo 150, I, da Constituição Federal de 1988.

Paulo de Barros Carvalho, abordando este Sistema4 Constitucional Tributário,

comparando-o a sistemas estrangeiros, reafirma o caráter cerrado:

O Estudo do Direito Comparado oferece-nos material valioso para

percebermos aspectos da fisionomia particular do nosso sistema

constitucional tributário [...], foi abundante, dispensando à matéria tributária

farta messe de preceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário,

em termos de exercitar seu gênio criativo. Esse tratamento amplo e

minucioso, encartado numa constituição rígida, acarreta como

conseqüência inevitável, um sistema tributário de acentuada rigidez,

como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema constitucional

tributário brasileiro. (CARVALHO, 2011, p. 191/191, grifo nosso).

O que se extrai da lição de Paulo de Barros Carvalho é que a legalidade estrita

apresenta-se (em sua origem) como fundamental forma de estabelecimento de confiança

no Sistema Tributário (de caráter fechado), possibilitando o resgate do passado e,

3 “Como sistema nomoempírico teorético que é, a Ciência do Direito tem de ter uma hipótese-limite,

sobre a qual posa construir suas estruturas, Do mesmo modo que as outras ciências, vê-se o estudioso do

direito na contingência de fixar um axioma que sirva de base última para o desenvolvimento do seu

discursos descritivo, evitando assim o regressus ad infinitum. A descoberta da norma hipotética

fundamental, empreendida por Hans Kelsen, é o postulado capaz de dar sustentação à Ciência do Direito,

demarcando-lhe o campo especulativo e atribuindo unidade ao objeto de investigação.” (CARVALHO,

2011, p. 177).

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sobretudo, a projeção e prevenção do futuro. Este modelo permite ao contribuinte atuar

frente ao fisco com maior previsibilidade e segurança jurídica.

O “valor”, portanto, protegido por este sistema tributário fechado e a

“segurança jurídica”, pois busca, em última ratio, garantir a não extrapolação do Estado

no seu poder/dever de tributar, conferindo maior proteção ao contribuinte e, também,

garantindo a arrecadação tributária.

Esta compreensão de um sistema tributário fechado, restritivo, blindado no

bojo da integração e interpretação das normas tributárias da influência de valores (e

princípios amplos), repita-se, mostrou-se extremamente relevante dado o contexto

histórico em que se desenvolveu o processo de codificação.

Porém, o País evoluiu. A sociedade, as relações interpessoais e empresariais

estão cada vez mais dinâmicas e céleres. A arrecadação tributária encontra-se mais

eficiente e abrangente. A Constituição Federal de 1988, com sua forte proteção aos

direitos fundamentais do indivíduo trouxe uma nova moldura para a relação indivíduo e

Estado.

Neste contexto, impõe-se ao legislador a imprescindível missão de coadunar os

interesses arrecadatórios (necessários) do Estado com a salvaguarda dos direitos

fundamentais consagrados, vedando qualquer prática lesiva ao patrimônio público (e.g.

evasão fiscal), porém preservando as liberdades individuais. (TÔRRES, H., 2003, p.

15).

Assim, modernamente, sob forte influência da doutrina de Ricardo Lobo

Torres (e outros doutrinadores da Escola de Direito da Universidade Estadual do Rio de

Janeiro – UERJ), consubstanciado, basilarmente, nas doutrinas Alemã e Portuguesa,

verifica-se certa relativização, um afastamento, da plena aplicação do princípio da

legalidade restrita de forma a admitir-se a interpretação da legislação tributária à luz dos

princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, sobretudo quando relacionado

a direitos fundamentais e a não tributação do mínimo existencial.

Retomando. Dentro da ideia de sistema tributário fechado, positivista como

visto, o artigo 111 do CTN previu que a norma que verse sobre isenção, suspensão ou

exclusão do crédito tributário e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias deve

ser interpretada literalmente. Retira-se, pois, do intérprete qualquer possibilidade de

alargamento da “benesse” tributária concedida pelo legislador.

4 Para os fins pretendidos neste estudo, não se abordará a questão relativa à definição de sistema.

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Em análise à esta regra, Hugo de Brito Machado (2010, p. 121) afirma: “o

direito excepcional (como é a isenção tributária), deve ser interpretado literalmente, e

este princípio de hermenêutica justifica a regra do art. 111 do CTN, impondo a

interpretação literal.”

Examinando tal dispositivo, em sentido que demonstra bem o entendimento

clássico a respeito do tema, Aliomar Baleeiro (1983, p. 447) afirma: “tais dispositivos

são taxativos: - só abrangem os casos especificados, sem ampliações”.

Em mesmo sentido lição de Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 139) “Na

análise literal prepondera a investigação sintática, ficando impedido o intérprete de

aprofundar-se nos planos semânticos e pragmáticos”.

Porém, como adverte o próprio Hugo de Brito Machado (2010, p. 121) “o

elemento literal é de pobreza franciscana, e utilizado isoladamente pode levar a

verdadeiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve utilizar todos os

elementos da interpretação.”

É isso o que se pretende analisar neste estudo.

1. LEI 7.713/1998 – NORMA DE ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA E O

CASO SOB EXAME.

A decisão judicial paradigmática, a ser aqui tratada, refere-se à interpretação do

inciso XIV do artigo 6.º, da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1998, que concede isenção

de Imposto de Renda para aposentados (ou reformados) portadores de (algumas)

moléstias incapacitantes, a saber: acidente em serviço; moléstia profissional;

tuberculose ativa; alienação mental; esclerose múltipla; neoplasia maligna; cegueira;

hanseníase; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de

Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; hepatopatia grave; estados

avançados da doença de Paget (osteíte deformante); contaminação por radiação;

síndrome da imunodeficiência adquirida.

Diante da apresentação desta lista, fechada no entender da Receita Federal do

Brasil, portadores de patologias igualmente severas, não incluídas no rol, mas que de

igual forma se “enquadram” nos demais requisitos legais, ou seja, reconhecida por

órgão oficial e que impeçam a realização de qualquer atividade laboral a ponto de

ensejar sua aposentadoria ou reforma, pleiteiam ao Poder Judiciário, evocando,

sobretudo, o princípio da isonomia, a extensão do benefício fiscal.

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O Superior Tribunal de Justiça enfrentou esta questão no julgamento do

Recurso Especial 1.116.620-BA.

Em síntese, versou o Recuso Especial a cerca de pedido de extensão do

benefício fiscal previsto no inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/1998 à pessoa

portadora de Distonia Cervical, doença grave, incurável, incapacitante, porém não

especificada na referida lei.

Como fundamento de seu pedido, invocou a autora/recorrente a aplicação do

princípio da isonomia, que veda às entidades políticas instituir tratamento desigual entre

contribuintes em igual situação, conforme preceituado no artigo 150, II, da CF, de modo

a ser afastada a regra de interpretação literal de norma concessiva de benefício fiscal.

Em primeiro grau, proferiu-se sentença de procedência, com a concessão da

isenção. Este entendimento foi compartilhado pelo Tribunal Regional Federal da 01ª

Região, que manteve integralmente a sentença, conforme a ementa:

IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO PREVISTA NO

ARTIGO 6º, INCISO XIV, DA LEI 7.713/1988. PESSOA PORTADORA DE

DISTONIA CERVICAL. DOENÇA GRAVE E INCURÁVEL, NÃO

ESPECIFICADA EM LEI. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

ISONOMIA TRIBUTÁRIA, EM DETRIMENTO DA REGRA DA

INTERPRETAÇÃO LITERAL, DA LEI QUE OUTORGA ISENÇÃO, E DO

ENTENDIMENTO DE QUE A RELAÇÃO LEGAL É EXAUSTIVA. 1. Conclusão da perícia oficial, ratificada pelo assistente técnico da Fazenda

Nacional, no sentido de que a autora padece de distonia cervical, doença grave e incurável, porém não especificada na Lei 7.713/1988 (Artigo 6º, inciso XIV). 2. No confronto entre princípios e regras, deve ser dada prevalência aos primeiros. Precedentes desta Corte. 3. Aplicação do princípio da isonomia tributária, que veda às entidades

políticas “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em

situação equivalente” (Carta Magna, artigo 150, inciso II), em detrimento das

regras legais da interpretação literal da lei que outorga isenção (Código

Tributário Nacional, artigo 111, inciso II), e da enumeração exaustiva das

doenças graves, para esta finalidade, uma vez que, segundo o laudo pericial, a

autora padece de patologia incurável, e de gravidade similar à daquelas

relacionadas na Lei 7.713/1988 (Artigo 6º, inciso XIV), a fim de que ela passe a

gozar da isenção requerida. 4. Apelação a que se nega provimento. (TRF1- 08ª Turma Recursal. Apelação Cível. 2004.33.00.008237-1/BA. Rel.: Juiz Federal Convocado Leão Aparecido Alves. Julgamento: 01/04/2008)

No voto condutor do acórdão, o Juiz Federal Convocado, Leão Aparecido

Alves, identificou a existência de conflito entre o princípio (isonomia) e regra

(interpretação literal da legislação de isenção). Neste passo, estabelecida sua premissa, o

Juiz relator expressamente asseverou: “no confronto entre princípios e regras, deve ser

dada prevalência aos primeiro”.

O Tribunal, importante ressaltar, não cogitou da existência de colisão entre

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princípios, pela qual de um lado estaria a isonomia e do outro a legalidade tributária.

Contra esta decisão, a União interpôs Recurso Especial, com fundamento no

artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da CF/88 perante o Superior Tribunal de Justiça,

alegando que a decisão recorrida “contrariou diretamente os artigos 97, VI c/c 175, I,

108, §2 e 111, inciso II, ambos do CTN e artigo 6º, inciso XIV da Lei 7.719/88”.

2. DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL (STJ E STF) –

PREVALÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO LITERAL PARA NORMA DE

ISENÇÃO TRIBUTÁRIA.

O feito foi recebido pelo Superior Tribunal de Justiça como representativo de

controvérsia e processado segundo o rito estabelecido no artigo 543-C do CPC, razão

pela qual foi apreciado pela 01ª Seção de Julgamento da Corte.

Eis como restou ementada a decisão, na qual, sob relatoria do Ministro Luiz

Fux, se reconheceu como “taxativo” o rol de patologias disposto na norma de isenção,

sendo vedada a interpretação extensiva, à luz da regra do artigo 111 do CTN.

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO.

SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART.

111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.

1 A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-

se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor

fiscal

2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações

promovidas pela Lei 11.052/2004, é em conceder o benefício fiscal em favor dos

aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional,

tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna,

cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave,

doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,

hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante),

contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base

em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido

contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no

referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a

concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas

concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado

entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido

benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF:

RE 233652 / DF [...]. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp 957.455/RS

[...]; REsp 1187832/RJ [...]; REsp 1035266/PR [...]; AR 4.071/CE [...]; REsp

1007031/RS [...]; REsp 819.747/CE [...].

4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica

incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações

musculares involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não

encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88.

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5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

(STJ. 1ª Seção de Julgamento. REsp 1.116.620/BA. Relator: Ministro Luiz Fux.

Julgamento: 09/08/2010).

Embora não tenha sido posta em questão relativa à suposta colusão de

princípios, in casu, segurança jurídica (do sistema tributário) X isonomia, tampouco

aventado o confronto de princípios e regras, verifica-se que o Ministro Relator, no que

foi acompanhado pelo colegiado, limitou-se a dar prevalência à interpretação literal.

É o que se extrai, também, da leitura do voto condutor: Cinge-se a controvérsia à possibilidade de concessão de isenção de imposto de

renda a aposentados portadores de outras doenças graves e incuráveis, que não as

elencadas no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, vale dizer, se o rol previsto neste

dispositivo legal tem natureza taxativa ou exemplificativa. [...] É cediço que tanto a competência para tributar quanto para isentar são

estreitamente vinculadas ao princípio da legalidade, consoante se dessume dos

arts. 5º, II e 150, I, da Carta Maior, e do art. 97, VI, do CTN. Portanto, é mister a

edição de lei formal para a concessão de isenções, devendo-se verificar o

cumprimento de todos os requisitos estabelecidos pela respectiva lei, para que se

efetive a renúncia fiscal.

Neste diapasão, o conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7713/88, é

explícito ao conceder o benefício fiscal tão-somente em favor dos aposentados

portadores de moléstia grave às situações nele enumeradas [...]. Destarte, como consectário lógico, tem-se a impossibilidade de interpretação das

normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando

consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido

benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. [...] In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica

incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações musculares involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/98. Com essas considerações, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial.

Verifica-se, que o Ministro Relator deixou de lado em seu julgamento a

questão relacionada à eventual colisão de princípios ou mesmo o confronto entre

princípios e regras para, tão somente, negar a concessão da isenção fiscal à autora da

demanda, assentado na ideia da legalidade estrita do artigo 111, inciso II, do CTN e,

consequentemente do reconhecido da taxatividade do rol apresentado no inciso XIV do

artigo 6º da Lei 7.713/98.

Este entendimento, como relatou o Ministro Fux, é compartilhado pelo

Supremo Tribunal Federal, que entende que não há possibilidade de extensão de favor

fiscal baseado nas seguintes premissas: 1) a isenção por ser norma excepcional deve ser

interpretada restritivamente; 2) a concessão de isenção depende de um juízo de

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conveniência e oportunidade pelo Executivo ou Legislativo; 3) depende de uma lei

específica para sua concessão; e 4) o Judiciário, ao estender o benefício, estaria agindo

como legislador positivo.

No julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 360.461/MG

(STF, 2.ª Turma, DJU de 27-03-2008), o Ministro Celso de Mello, asseverou em seu

voto:

é preciso não perder de perspectiva, de outro lado – tal como já decidiu a

colenda 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal –, que a isenção fiscal

decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo Estado, tendo em

vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle de Poder

Judiciário e envolve juízo de conveniência e oportunidade do Poder

Executivo.

Como fundamento jurisprudencial para seu posicionamento, o Ministro Relator

traz à luz o entendimento firmado, em 03 de maio de 1994, quando do julgamento do

Recurso Extraordinário 157.228/SP (STF, 2.ª Turma, DJU 03-06-1994), de relatoria do

Ministro Paulo Brossard.

Segue, em seu voto, pontuando o Ministro Celso de Mello:

Impende destacar, neste ponto, que a exigência constitucional de lei formal

para a veiculação de isenções em matéria tributária atua como insuperável

obstáculo à postulação da parte recorrente, eis que a extensão dos benefícios

isencionais, por via jurisdicional, encontra na espécie destes autos, limitação

absoluta no dogma da separação de poderes.

[...]

Os Magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não

podem conceder, por isso mesmo, ainda que sob fundamento de isonomia, o

benefício da isenção em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em

critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a

vantagem desse favor legis.

E conclui:

A eventual inconstitucionalidade relativa ou parcial das leis, decorrente da

exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia, não permite, em

nosso sistema de direito positivo, que se estendam, aos grupos ou categorias

supostamente discriminados em virtude de injusta preterição, as vantagens

legalmente concedidas a terceiros.

O Recurso Extraordinário citado pelo Ministro Luiz Fuz em seu voto (RE

233652-DF, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa) como precedente jurisprudencial

para também fundamentar o seu entendimento quanto a impossibilidade de extensão da

isenção tributária foi julgado em 20-08-2002, em verdade, em que pese aborde

lateralmente a questão em tela, sequer foi conhecido pela Corte Suprema.

No caso, ao contrário do feito em foco, no qual se pleiteou a extensão do

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benefício fiscal em razão da isonomia, no caso tratado no RE 233652 (STF. 2.ª Turma,

DJU 18-10-2002), que também versa sobre a isenção concedida no artigo 6.º da Lei

7.713/88, o fundamento empregado foi a ofensa à garantia da irredutibilidade de

vencimentos ou proventos dos servidores públicos.

Abordando especificamente a questão das isenções, assim tratou o Ministro

Corrêa em sua decisão:

Com efeito, a isenção, como preleciona Ruy Barbosa Negueira, é dispensa do

pagamento do tributo; é uma parte excepcionada ou liberada do campo da

incidência, que poderá ser aumentada ou diminuída ela lei, dentro do campo

da respectiva incidência. Assim sendo, cuidando-se de favor que depende

especificamente de lei, não se pode ter como isenta da imposição situação

distinta daquela que originariamente previu a lei, como é a presente hipótese.

Vê-se, pois, em ambos os julgados pelo Supremo Tribunal, relativamente

“antigos”, a ideia bastante arraigada na doutrina e na jurisprudência em matéria

tributária da prevalência da estrita legalidade, marcadamente positivista.

É preciso, pois, oxigenar o entendimento.

Assim, com a devida vênia ao brilhantismo de Luiz Fux – hoje Ministro na

Corte Suprema Brasileira – e dos demais integrantes da colenda 1.ª Seção do Superior

Tribunal de Justiça que participaram do julgamento, além, por evidente, dos demais

Ministros que “firmaram” o entendimento semelhante no Supremo Tribunal Federal,

parece equivocado tal posicionamento, sobretudo em vistas ao tratamento normativo

traçado na Constituição Federal de 1988, e a busca pela sua máxima efetividade.

3. EXAME DA DECISÃ À LUZ DAS TEORIAS DE ALEXY E DWORKIN

3.1 Conflito de normas

O primeiro aspecto relevante a ser analisado na decisão paradigmática, refere-

se ao conflito de normas aventado tanto pela autora em sua petição inicial (Princípio da

Isonomia X Regra de Interpretação restritiva) quanto pela União (no Recurso Especial,

Princípio da Isonomia X Regra de Interpretação restritiva; no Recurso Extraordinário,

Princípio da Separação dos Poderes X Princípio da Isonomia).

Para delimitar a questão relativa ao conflito entre princípios, entre princípios e

regras e confronto entre regras e regras, buscar-se-á o suporte teórico de Robert Alexy.

3.2 Norma de direito fundamental

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Antes de se aprofundar em sua análise, defende Alexy (2008, p. 51) que

“Normas de direitos fundamentais (antes de tudo) são normas. Por isso, o conceito de

norma de direito fundamental compartilha de todos os problemas que dizem respeito ao

conceito de norma.” Daí a pertinência da compreensão prévia da própria estrutura da

norma.

A primeira diferenciação apresentada pelo autor (2008, p. 53) diz respeito à

distinção entre norma e enunciado normativo, demonstrando que a norma pode ser

expressa por diferentes enunciados normativos.

É como sustenta:

Uma norma é [...] o significado de um enunciado normativo. A necessidade de se

diferenciar entre enunciado normativo e norma pode ser percebida pelo fato de

que a norma pode ser expressa por meio de diferentes enunciados normativos.

[...] Além disso [...], normas podem ser também expressas sem utilização do

enunciado (ex.: semáforo). [...] Isso faz com que fique claro eu o conceito de

norma é, em face do conceito de enunciado normativo, o conceito primário. É

recomendável, portanto, que os critérios para identificação de normas sejam

buscados no nível da norma, e não no nível do enunciado normativo. (2008, p.

54, grifo nosso).

No caso objeto deste estudo, a norma (regra) indicada pelo STJ para

fundamentar a vedação da extensão do benefício (aqui, repita-se, sem adentrar-se nas

questões próximas ao ativismo judicial), prevista no XIV do artigo 6º da Lei 7.713/98.

Neste sentido, ao se aplicar a norma estabelecida no Artigo 111, II, do CTN,

pelo qual se deve interpretar literalmente a legislação tributária que disponha sobre a

outorga de isenção, o Legislador permite ao intérprete tão somente extrair o enunciado

da referida norma, não, porém, seu verdadeiro significado.

As normas de direito fundamental guardam mais que uma relação causal com o

texto da Constituição. Elas são necessárias quando a norma expressa pelo texto

constitucional deve ser aplicada ao caso concreto.

Nas palavras de Alexy:

Normas de direito fundamentais são aquelas que são expressas por disposições

de direitos fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são enunciados presentes no texto da Constituição [...], e somente esses enunciados. Essa

resposta apresenta dois problemas. O primeiro consiste na pressuposição da

existência de um critério que permita dividir os enunciados da Constituição [...] entre aqueles que expressam normas de direitos fundamentais e aqueles que não

as expressam, já que nem todos os enunciados da Constituição [...] expressam

direitos fundamentais. O segundo problema consiste em saber se, de fato, aos direitos fundamentais da Constituição [...] pertencem somente aquelas normas

expressas diretamente por enunciados da própria Constituição. (2008, p. 65/66).

Assim exige-se uma relação de refinamento, ou seja, uma fundamentação entre

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a norma a ser refinada e a norma que refina.

Alexy elege o critério formal como o mais conveniente para estruturar o

conceito de norma de direito fundamental (2008, p. 68).

Por este critério, tais normas são, antes de qualquer coisa, disposições de

direitos fundamentais previstas nas disposições do capítulo da Constituição intitulado

como tal. Poder-se-ia, assim, com base no entendimento de Alexy, definir os conceitos

de disposição e de uma norma de direitos fundamentais da seguinte maneira: normas de

direitos fundamentais são as normas diretamente expressas por essas disposições de

direitos fundamentais. (ALEXY, 2008, p. 90)

Assim, pode-se se estabelecer a primeira premissa para o entendimento aqui

defendido: por estar prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal Brasileira,

inserida no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, ao afirmar que “todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, conforme este critério

formal defendido por Alexy, a isonomia configura-se como verdadeira norma de

direito fundamental.

3.3 Distinção entre princípios e regras

São vários critérios para se distinguir regras de princípios, como critério de

generalidade, pelo qual, os princípios são normas com grau de generalidade

relativamente alto, enquanto as normas, um grau de generalidade baixo (ALEXY, 2008,

p. 90).

Outra diferença destacada pelo Autor refere-se à natureza qualitativa, e não

gradual.

Assim, princípios “são normas que ordenam que algo maior seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”

(ALEXY, 2008, p. 90). Princípios são, portanto, verdadeiro mandamentos de

otimização, “caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de

que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades jurídicas

e fáticas existentes” (ALEXY, 2008, p. 91).

De outro turno, as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não

satisfeitas. Conforme Alexy (2008, p. 93), “se uma regra vale, então, deve se fazer

exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto,

determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.”

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Estabelece-se, pois, a segunda premissa: 1) a norma de direito fundamental

da isonomia é um princípio; e 2) a norma estabelecida pelo CTN, segundo a qual se

interpreta literalmente a lei tributária que outorga a isenção, é uma regra.

3.4. Colisão Princípio X Princípio

Destaca o autor que a contrariedade evidenciada reside nas situações em que há

colisão de dois princípios, “se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo,

quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –

, um dos princípios terá que ceder” (ALEXY, 2008, p. 93).

Isso não significa, porém, nem que o principio que cede deva ser declarado

invalido, nem mesmo criada uma cláusula de exceção.

Nestes casos, em verdade, um dos princípios em colisão tem precedência ante

ao outro, mas sob determinadas condições. Alteradas as condições, a questão da

precedência pode ser resolvida de forma oposta – sem que isso retire a validade de

qualquer uma delas. (ALEXY, 2008, p. 94).

Isto equivale a dizer que no exame do caso concreto os princípios têm pesos

distintos, sendo que o de maior peso prevalecerá (ALEXY, 2008, p. 95).

Impõe-se, assim, como solução a chamada lei da colisão, pela qual o conflito

deve ser resolvido por meio de um sopesamento entre os interesses e circunstâncias

conflitantes. Haverá, assim, a definição de qual dos interesses tem maior peso no caso

concreto. (ALEXY, 2008, p. 96).

Nas palavras de Alexy:

a solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstancias do caso concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento

de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária. (2008, p. 95).

A regra da ponderação, por seu turno, consubstancia a estrutura do chamado

princípio da proporcionalidade, apontado pelo autor como critério racional para a

solução entre conflito de princípios. (ALEXY, 2008, p. 116).

Isso porque, nas palavras de Alexy:

afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade

significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da

adequação, da necessidade (mandamento menos gravoso) e da

proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento

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propriamente dito, decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja,

que a proporcionalidade é dedutível dessa natureza. (2008, p. 117).

A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, como

ressalta Alexy (2008, p. 117), não são sopesadas contra algo. O que se busca aferir é se

tais máximas parciais foram satisfeitas ou não (o que acarretaria em uma ilegalidade).

Estas três máximas parciais, portanto, à luz da teoria aqui trata devem ser

consideradas com verdadeiras regras. (DA SILVA, 2002, p. 26).

3.4.1 Repartição de Poderes X Isonomia – A problemática do Ativismo Judicial

Esta questão ainda não foi objeto de exame pelo Poder Judiciário, haja vista,

ante a reforma de decisão na via Especial pelo Superior Tribunal de Justiça, a discussão

não foi levada ao Supremo Tribunal Federal.

Socorre-se, aqui, primordialmente, para enfrentar esta questão, ainda que com

certa superficialidade, já que não é o escopo deste estudo, à lição de Ronald Dworkin.

A alegação da União de que a extensão do benefício fiscal a aposentado

portador de doença incapacitante além daqueles previstas na lei de regência acarreta

ofensa ao princípio da Separação dos Poderes tão somente foi aventada em sede o

Recurso Extraordinário, que restou prejudicado pelo provimento do Especial.

Assim, em verdade, este tema não foi debatido pela Corte Superiora.

Ronald Dworkin é reconhecido, dentre os teóricos contemporâneos, como um

dos principais defensores do controle judicial de constitucionalidade das leis, bem como

de uma perspectiva de atuação positiva que reconhece nos tribunais a competência para

fundamentar suas decisões em juízos de moralidade. É o que o autor denominou “leitura

moral” (moral reading) da Constituição.

Ao lado disso, até com substrato nesta ideia, Dworkin figura, também, como

um dos mais destacados defensores do ativismo judicial, pois esta leitura moral da

Constituição, que em um estado democrático de direito é marcada pela incorporação de

princípios morais e abstratos, deve, de igual forma ser feita pelo Poder Judiciário.

Em sua obra “Levando os Direitos a Sério”, enfrentando a discussão entre

defensores do ativismo judicial e aqueles que preconizam uma maior “moderação

judicial”, Dworkin afirma:

o programa do ativismo judicial sustenta que os tribunais devem aceitar a

orientação das chamadas cláusulas constitucionais vagas […]. Devem

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desenvolver princípios de legalidade, igualdade e assim por diante, revê-los de

tempos em tempos à luz do que parece ser a visão moral recente da Suprema

Corte, e julgar os atos do Congresso, dos Estados e do presidente de acordo com

isso. […] Ao contrário, o programa da moderação judicial afirma que os

tribunais deveriam permitir a manutenção das decisões dos outros setores do

governo, mesmo quando elas ofendam a própria percepção que os juízes têm dos

princípios exigidos pelas doutrinas constitucionais amplas, excetuando-se,

contudo, os casos nos quais essas decisões sejam tão ofensivas à moralidade

política a ponto de violar as estipulações de qualquer interpretação plausível, ou,

talvez, nos casos em que uma decisão contrária for exigida por um precedente

inequívoco. (2002, p. 215).

Mais adiante, nesta mesma obra, Dworkin (2008, p. 231) deixa claro sua

preferência pelo ativismo:

Nosso sistema constitucional baseia-se em uma teoria moral específica, a saber, a

de que os homens têm direitos morais contra o Estado. As cláusulas difíceis (…)

como as cláusulas do devido processo legal e da igual proteção, devem ser

entendidas como um apelo a conceitos morais (…). Portanto, um tribunal que

assume o ônus de aplicar tais cláusulas plenamente como lei deve ser um tribunal

ativista, no sentido de que ele deve estar preparado para formular questões de

moralidade política e dar-lhes uma resposta.

Há que se frisar, desde logo, que esta é justamente a questão enfrentada pelo

Poder Judiciário no caso observado neste estudo, pois, se está diante de situação em que

o legislador ordinário, por razões óbvias, não detinhas condições materiais para antever

todas aquelas patologias de caráter incapacitante.

Dando continuidade.

Evidentemente, que não é de qualquer forma, ou justificativa que o poder

judiciário pode “exorbitar” de sua esfera de atuação tal como classicamente

desenvolvida. Há que se ter uma racionalidade da atuação jurisdicional positiva.

Para Dworkin, em sua obra “O Império do Direito”, frente à necessidade de

fornecer os fundamentos racionais para as decisões, os juízes devem buscar “apresentar

o conjunto da jurisdição em sua melhor luz, para alcançar o equilíbrio entre a jurisdição

tal como o encontram e a melhor justificativa dessa prática.” (1999, p. 112).

O modelo do direito como “integridade”, tratado pelo autor, afirma que a

comunidade política está submetida não apenas às decisões políticas particulares

explicitamente adotadas pelo legislativo e executivo, mas também pelo “sistema de

princípios que essas decisões pressupõem e endossam” (1999, p. 225).

Pois bem, tais princípios, ainda que sejam implícitos, devem ser empregados

pelos Magistrados, destacadamente nos chamados “hard cases”, ou casos difíceis, em

língua portuguesa, para fundamentar suas decisões.

É como expressamente defende Dworkin:

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Um juiz que aceitar a integridade pensará que o direito que esta define estabelece

os direitos genuínos que os litigantes têm a uma decisão dele. Eles têm o direito,

em princípio, de ter seus atos e assuntos julgados de acordo com a melhor

concepção daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigiam ou permitiam

na época em que se deram os fatos, e a integridade exige que essas normas sejam

consideradas coerentes, como se o Estado tivesse uma única voz. (1999, p. 263).

O ativismo pressupõe, portanto, a atuação de magistrados não apenas

observando “cegamente” (e muitas vezes preguiçosamente) a lei em sua moldura

kelseniana formal, embora, evidentemente, não se considere que no ativismo haja uma

exclusão do critério de subsunção do fato concreto à norma, sobretudo, aqui recorrendo

à doutrina de Alexy, quando se está diante de uma regra.

O ativismo judicial implica, em verdade, em que os Magistrados devem

assumir uma conduta mais implica, influenciados por valores constitucionais, na

interpretação de princípios abstratos tais como “dignidade da pessoa humana”,

“igualdade”, “liberdade de expressão”, avocando para si a competência institucional, a

capacidade intelectiva e a sensibilidade necessária na solução das atuais demandas

judiciais.

Em um caso controverso, como o em voga neste trabalho, conforme apregoa

Dworking, que o Juiz deverá “estruturar algum princípio que, para ele, capta no nível

adequado de abstração, os direitos morais das partes que são pertinentes às questões

levantadas pelo caso” (2000, p. 15). Contudo, como alerta o autor:

não pode aplicar tal princípio a menos que este, como princípio, seja

compatível com a legislação, no seguinte sentido: o princípio não deve estar

em conflito com os outros princípios que devem ser pressupostos para

justificar a regra que está aplicando ou com qualquer parte considerável das

outras regras. (2000, p. 15).

Vê-se, desta maneira, que, sob a luz da doutrina de Dworkin a decisão judicial

que estendesse os benefícios da lei de isenção tributária a todos os demais portadores de

patologias incapacitantes de atividade laborativa passaria no teste de racionalidade, pois

que fundamentado no princípio da isonomia como garantia de iguais condições em

especial no âmbito da proteção do princípio da dignidade da pessoa humana.

3.5. Confronto Princípio X Regra

Alexy distingue em sua teoria o caráter prima facie das regras e dos princípios.

No caso dos princípios, exigem que algo seja realizado na maior medida

possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, portanto,

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os princípios não contêm um mandamento definitivo, mas prima facie.

O caso das regras, porém, é distinto, pois determinam que seja feito exatamente

aquilo que elas comandam. Nas regras, há uma determinação da extensão de seu

conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode

falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas, mas se isto ocorre, vale o que a

regra prescreve.

Em uma primeira leitura, pode-se chegar a conclusão, no que tange a

hierarquia entre regras e princípios, segundo a teoria de Alexy, diametralmente oposta à

acima indicada, ou seja, de que, sob o ponto de vista da vinculação à Constituição, em

verdade, há uma primazia de regras.

Assim, em uma primeira vista, no caso aqui em análise, querem parecer, à luz

da teoria desenvolvida por Alexy, equivocadas as decisões exaradas tanto em primeiro

grau quanto pelo TRF-1, vez que ao identificarem suposto conflito entre Princípio e

Regra defenderam, em razão de suposta hierarquia, a prevalência do primeiro.

Alexy, porém, adverte que, aplica-se, em verdade, a chamada regra de

precedência, pela qual se tem que o nível das regras tem primazia em face do nível dos

princípios, “a não ser que as razões para outras determinações que não aquelas definidas

no nível das regras sejam tão fortes que também o principio da vinculação ao teor literal

da Constituição possa ser afastado.” (2008, p. 111).

3.6 Afastamento da “regra de precedência” das regras sobre princípios.

É aqui que se evidencia, à luz da teoria de Alexy, o desacerto da decisão do

Superior Tribunal de Justiça, embora, repita-se, não tenha a Corte adentrado à discussão

acerca da colisão entre princípios e regras.

In casu, dadas as suas particularidades, há razões para outras determinações

que não aquelas definidas no nível das regras e que por serem tão fortes que o princípio

da vinculação ao teor literal da Constituição possa ser afastado.

Tratam-se do direito fundamental à saúde (e à vida, consequentemente) e,

sobretudo, à norma da dignidade da pessoa humana.

Alexy (2008, p. 110-113) não defende a existência de um princípio absoluto,

contudo, no que tange à questão relacionada à dignidade humana, sustenta que sua

precedência decorre do fato de a norma ser tratada tanto como princípio quanto como

regra.

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Nas palavras do autor, (2008, p. 113) “é necessário que se pressuponha a

existência de duas normas da dignidade humana. A relação de preferência do princípio

da dignidade humana em face de outros princípios determina o conteúdo da regra da

dignidade humana”.

Deste modo, conclui Alexy (2008, p. 112), “não é o princípio que é absoluto,

mas a regra, a qual, em razão da abertura semântica, não necessita de limitação em face

de alguma possível relação de preferência”.

Pois bem, com base nessa doutrina, verifica-se que nos casos em que a norma

da dignidade é relevante, como o que ora se apresenta, sua natureza de regra pode ser

percebida pela simples constatação de que não se questiona sua prevalência sobre outras

normas (tanto regras quanto princípios), mas tão somente se ela foi violada.

Ora, evidentemente, o objetivo da norma de isenção é justamente, ao se

reconhecer a fragilidade do estado de saúde daquele que é acometido por patologia

grave e incapacitante, conferir-lhe uma condição financeira melhor para adquiri os

medicamentos necessários e custear o tratamento (que nestes casos são de caráter

contínuo, permanente e vitalício).

Há, pois, por parte do Estado, o reconhecimento que aqueles acometidos por

patologias graves e incapacitantes, por serem impedidos de exercitar (e até mesmo

incrementar) sua produtividade laboral necessitam deste auxílio financeiro, que se dá

com a garantia de não tributação do quantum necessário à proteção do mínimo

existencial.

Tanto assim o é, que a Constituição Federal no parágrafo 21 (incluído pela

Emenda Constitucional 47/05) do artigo 40, que trata do regime geral de previdência

social, estabelecer a não incidência de contribuição sobre proventos de aposentadorias e

pensões – nos percentuais ali estabelecidos – percebidos por aposentados e pensionistas

portadores de doenças incapacitantes.

Portanto, à interpretação literal da norma trazida no inciso XIV do artigo 6º da

Lei 7.713/98, sob fundamento de estrita observância do comando do artigo 111, inciso

II, do CTN, de fato, não somente atenta contra o princípio da isonomia (conforme

defendido nos autos), mas afronta diretamente a dignidade da pessoa humana, por

afastar o âmbito de proteção do mínimo existencial.

O mínimo existencial, como condição de liberdade, postula as prestações

positivas estatais de natureza assistencial e ainda exibe o status negativus, das

imunidades fiscais: o poder de imposição do Estado não pode invadir a esfera da

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liberdade mínima do cidadão representada pelo direito à subsistência. (TORRES, R.,

2004, p. 68).

Como assevera expressamente Ricardo Lobo Torres:

As imunidades ou isenções, como limitações do poder de tributar, encontram

nos direitos humanos o seu fundamento e devem garantir o mínimo

existencial, que compreende os direitos dos pobres e idosos, as deduções

familiares do imposto de renda, a cesta básica, as prestações gratuitas de

saúde e educação e os demais direitos que possam garantir as condições da

liberdade ou a igualdade de chances. (2004, p. 19).

Assim, para finalizar o entendimento, evoca-se o magistério de Betina Treiger

Grupenmacher:

em um Estado Democrático de Direito só é admissível, observados os direitos

fundamentais do cidadão, a tributação incidente sobre as manifestações de

capacidade contributiva, ficando vedada a incidência tributária

indiscriminada sobre a capacidade econômica. [...] a capacidade contributiva

tem como limite mínimo o mínimo existencial, vinculado à dignidade da

pessoa humana, e como limite máximo a vedação da cobrança de tributos

com efeito de confisco. (2004, p. 15).

Evidenciada, pois, a íntima correlação entre a não tributação daqueles

portadores de patologias incapacitantes para atividades laborais e a garantia do mínimo

existencial do indivíduo e, consequentemente, a proteção da preservação da dignidade

da pessoa humana.

Cabe ao Estado, sob o manto constitucional, esta proteção, in casu, com a

garantia da não tributação, ou redução, àqueles que, em razão da patologia

incapacitante, não mais detêm a mesma capacidade contributiva, necessitando destes

recursos (que deixam de serem-lhe subtraídos) para garantir seus sustento.

Como ressalta Casalta Nabais:

Um estado baseado na liberdade e na correspondente responsabilidade

individual, em que cabe, em primeira linha, a cada um, angariar os meios

de sustento para si e para sua família. O Estado apenas será chamado a

intervir, através da realização de prestações sociais (monetárias ou em

espécie), se e na medida em que o indivíduo, por quaisquer motivos,

estruturais ou conjunturais, não esteja em condição de prover esse mesmo

sustento. (...) o que significa que somente relativamente àqueles cidadãos

que não consigam atingir os mínimos existenciais dos referidos direitos

sociais, o Estado tem o dever de atuar. (2004, p. 491-492)

Pois bem, o julgador, em exercício hermenêutico, deve completar a norma – in

casu, constitucional – dando-lhe sentido, buscando sua máxima efetividade, com as

particularidades e peculiaridades do caso que se lhe apresenta.

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É o que se extrai da lição de Konrad Hesse:

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e

preservação da força normativa da Constituição. A interpretação

constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma

("Gebot optimaler Verklichung der Norm"). Evidentemente, esse princípio

não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e

pela construção conceitual. Se o Direito e, sobretudo a Constituição, têm a

sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura

possível que a interpretação faça desta tábula rasa. Ela há de contemplar

essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da

Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de

forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das

condições reais dominantes numa determina da situação. (1991, p. 22).

A concretização e a compreensão, portanto, da Norma Constitucional, só são

possíveis em face do problema concreto, de forma que a determinação do sentido da

norma constitucional e a sua aplicação ao caso concreto constituem um processo

unitário.

Conforme ensina o Ministro Gilmar Mendes, em obra escrita com Inocêncio

Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

Não raro, a definição do âmbito de proteção de determinado direito depende

de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições

constitucionais. Muitas vezes, a definição do âmbito de proteção somente há

de ser obtida em conflito com eventual restrição a esse direito. (2002, p. 212).

O julgador, em exercício hermenêutico, deve completar a norma – in casu

constitucional – dando-lhe sentido, buscando máxima efetividade, com as

particularidade e peculiaridades do caso que se lhe apresenta.

Inocêncio Mártires Coelho aborda o tema com propriedade:

Se é verdade, como em geral se afirma, que o problema fundamental para o

operador do direito não é a distância cronológica entre a elaboração da

normal e sua aplicação, mas a distância material existente entre a

generalidade do seu enunciado e a singularidade do caso a decidir – uma

distância que alguns juristas, ao limite, consideram irredutível -, então o

trabalho do interprete apresenta-se não apenas como uma tarefa de

desocultamento ou de fixação de significados que, até certo ponto,

permanecem escondidos, mas também como uma tentativa de mediação e de

superação daquela distância real, daquele abismo que separa o geral e o

particular, o abstrato do concreto.

[...]

o maior problema para o intérprete-aplicador do direito consiste,

precisamente, em traduzir – na verdade, em trazer – para a sua situação

histórica e para a sua condição de sujeito por ela afetado, uma norma que é

enunciada sempre em termos genéricos e a partir de supostos típicos. (2000,

p. 56).

[...]

Por tudo isso, acreditamos assistir razão a Martin Kriele, quando afirma que

não se pode interpretar nenhum texto jurídico senão colocando-o em

relação com problemas jurídicos concretos – reais ou imaginários -, com

soluções que se procuram para os casos ocorrentes, porque é somente na sua

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aplicação aos fatos da vida e na concretização, que assim necessariamente

se processa, que se revela completamente o conteúdo significativo de uma

norma e esta cumpre a sua função de regular situações concretas. (2000, p.

55-56, grifo nosso).

Deste modo, evidente mostrar-se, in casu, a interpretação restritiva, mesmo que

se esteja diante de norma de isenção tributária, mostra-se insuficiência para garantir a

máxima efetividade constitucional e a proteção da dignidade da pessoa humana

daqueles que, acometidos de patologia incapacitante, reconhecida por órgão oficial, e

que em razão da moléstia não mais podem desenvolver atividade laborar, o que reduz,

também, sua capacidade contributiva.

CONCLUSÃO

Constata-se, pois, ante ao exame elaborado, que a decisão proferida pelo

Superior Tribunal de Justiça no acórdão paradigma, assim como o entendimento

exarado pelo Supremo Tribunal Federal, não refletem a melhor resposta à discussão

posta, à luz da Constituição Federal, sua máxima efetividade e à proteção à dignidade

da pessoa humana.

Como visto, se confrontados à teoria defendida por Alexy no que se refere à

definição de regras e princípios, bem como aos conflitos entre eles estabelecidos, bem

como ao ativismo judicial conforme sustentado por Dworkin, as decisões comentadas

não passam pelo teste de racionalidade.

Isso porque, em que pese se estar diante de um conflito entre princípio e regra,

o princípio confrontante refere-se, em última ratio, não à isonomia, não a

irredutibilidade de vencimentos, mas sim, in casu, à própria dignidade da pessoa

humana.

Na visão de Alexy, a o princípio da dignidade da pessoa humana possui um

caráter duplo (de princípio e regra), tendo, pois, que prevalecer frente a uma regra de

interpretação restritiva.

De outro turno, a busca pela garantia da plena satisfação e proteção do

princípio da dignidade da pessoa humana, que, neste caso, seria concretizado mediante a

prevalência do outro princípio constitucional envolvido, a isonomia – ambos, ressalte-

se, com caráter de direitos fundamentais – autorizaria o Poder Judiciário a afastar o

âmbito de incidência da regra prevista no incido II do artigo 111 do CTN.

Portanto, deve-se afastar da ideia engessada da legalidade estrita e buscar no

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caso concreto a melhor solução que garanta a máxima efetividade constitucional e a

plena proteção à dignidade da pessoa humana, ou seja, estendendo a isenção tributária a

todos aqueles portadores de patologias incapacitantes, reconhecida por órgão oficial e

preenchidos os demais requisitos legais, independentemente de suas doenças constarem

no rol trazido no inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/98.

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A OMISSÃO INCONSTITUCIONAL DO CONGRESSO NACIONAL NA

REGULAMENTAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS

E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

THE UNCONSTITUCIONAL OMISSION OF THE NATIONAL CONGRESS

IN THE REGULATION OF THE STATES PARTICIPATION FUND AND THE

FEDERAL SUPREME COURT

Armando Zanin Neto*

José Luiz Crivelli Filho**

RESUMO

O artigo tem por objetivo analisar a omissão inconstitucional do Congresso Nacional no tocante à regulamentação do Fundo de Participação dos Estados, mesmo após o vencimento do prazo fixado pelo STF em decisão judicial anteriormente proferida em sede de ADI. Analisar-se-á o instituto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, seu procedimento e os efeitos da decisão nela proferida, bem como as correntes denominadas “concretista” e “não-concretista”, para, ao final, criticarmos a decisão liminar proferida nos autos da ADO nº 23, que estendeu a vigência de dispositivos da LC nº 62/1989, cuja inconstitucionalidade já havia sido reconhecida pela Corte Suprema.

PALAVRAS CHAVE: OMISSÃO; FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS; CONGRESSO NACIONAL; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ABSTRACT

This article aims to analyze the unconstitucional omission of the National Congress about the regulation of the participation fund of the States, even after the deadline set by Federal Supreme Court in previous judgment of a action of unconstitutionality. We will analyze the institute of the “direct action of unconstitucionality by omission”, the procedure and the effects of the decision and the positions called “concretist”and “non-concretist”, to criticize, in the end, the given decision in the ADO nº 23, that extended the lifetime of some devices of the LC nº 62/1989, whose constitutionality had already been recognized by the Supreme Court.

KEYWORDS: OMISSION; STATES PARTICIPATION FUND; NATIONAL CONGRESS;

* Advogado e Professor de graduação e pós graduação em direito tributário (IBET), Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Mestre em Direito Público pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

* * Graduado em Ciências Jurídicas pela UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba. Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Mestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP – Universidade de São Paulo. Advogado. E-mail: [email protected]

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FEDERAL SUPREME COURT

INTRODUÇÃO

O ano de 2013 começou com a tensão entre os poderes legislativo e judiciário em

razão da questão do repasse de recursos ao FPE – Fundo de Participação dos Estados.

No ano de 2010, o Supremo Tribunal Federal analisou as ADIs – Ações Diretas de

Inconstitucionalidade nºs 875, 1.987, 2.727 e 3.243, ajuizadas respectivamente pelos Estados

do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Em tais ações, questionou-se a constitucionalidade de todo o art. 2º da Lei

Complementar nº 62/89, que cuidou de definir os critérios de rateio do FPE, tendo havido

decisão positiva da Corte Suprema, no sentido de que a regra era, de fato, inconstitucional por

violar o art. 161, II, da Constituição Federal de 1988.

Decidiu ainda aquele Tribunal não suprimir imediatamente o referido dispositivo da

ordem jurídica, eis que a ausência de norma regulamentar traria inegáveis prejuízos ao

interesse público e notadamente aos Estados. A ausência de repasse de tais recursos,

constitucionalmente assegurados, poderia trazer caos e insegurança jurídica para todo o país,

bem como a completa “paralisação” e quebra dos Estados-membros.

Nesta senda, o STF decidiu, com base no art. 27 da Lei nº 9.868/99, modular os

efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mantendo a vigência dos critérios

estabelecidos pelo art. 2º da LC nº 62/89 até o ano fiscal de 2012, concedendo uma margem

de tempo para que o Congresso Nacional expedisse uma nova norma geral e abstrata que

suplantasse os critérios julgados inconstitucionais.

Chega-se ao ano de 2013 e, até o momento, não houve promulgação da referida Lei

Complementar, conquanto existam Projetos de Lei relacionados à matéria em trâmite. A

omissão do Congresso Nacional em cumprir o prazo fixado pelo STF, fez com que os Estados

da Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco, ajuizassem a ADO – Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão nº 23, cujo relator é o Ministro Dias Toffoli, no Supremo

Tribunal Federal.

Completou-se o quadro com a recente decisão liminar do presidente em exercício do

STF, Ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a continuidade da aplicação dos

critérios outrora declarados inconstitucionais pelo prazo suplementar de 150 (cento e

cinqüenta dias), o equivalente a 5 (cinco) meses, concedendo novo prazo para que o

Congresso Nacional preencha o vazio normativo existente.

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A discussão jurídica acerca da omissão do Poder Legislativo em exercer a sua função

de regulamentar a Constituição Federal e os limites do ativismo judicial não é nova. A

revisitação do tema, no entanto, ganha importância em face de tão importante questão

envolvendo o Pacto Federativo.

O presente artigo objetiva analisar a decisão do STF, bem como refletir sobre a

conduta deste Tribunal nos caso em que há omissão inconstitucional do legislativo, buscando

lançar, ao final, uma solução para a questão.

Para tanto, o trabalho será dividido em 03 (três) partes.

Na primeira parte, analisaremos o instituto jurídico da Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão, sua previsão constitucional, seus procedimentos e os

efeitos da decisão do STF que reconhece a omissão do poder legislativo, trazendo à lume as

teorias existentes na doutrina nacional e comparada, bem como as tendências jurisprudenciais

Na segunda parte, traçaremos um breve escorço histórico acerca do FPE, que vai da

criação do Fundo, passando pela contestação dos critérios estabelecidos pela Lei

Complementar nº 62/89, até o ajuizamento da ADO nº 23 e a decisão liminar proferida pelo

Vice-Presidente da Corte Suprema, o Ministro Ricardo Lewandowski.

Por fim, na terceira e última parte deste trabalho, traremos nossas considerações

finais, lançando críticas à decisão liminar referida, bem como sugerindo solução que melhor

se adequa ao caso e que melhor atenda as normas constitucionais postas.

1 A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

1.1 Conceito

A ADO é inovação da Constituição Federal de 1988, inspirada na experiência

jurídica de outros países como, por exemplo, Portugal, cujo Texto Constitucional, em seu art.

2831, prevê a possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão.

Estabelece o art. 103, §2º, da Carta Magna de 1988:

1 1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas, dos presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.

2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente.

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Art. 103. [...]

[...]

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

A omissão inconstitucional se verifica quando determinada norma constitucional, de

eficácia limitada, não possui regulamentação infraconstitucional ou infralegal exigida para

produzir seus regulares efeitos. Quando o Poder Legislativo ou órgão administrativo deixar de

exercer a sua função, regulamentando estas normas de eficácia limitada, surge a patologia, a

omissão que impede a aplicação da norma constitucional.

José Afonso da Silva (2005, p. 47-48), com sua clareza peculiar, conceitua a

inconstitucionalidade por omissão:

Verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem uma leia ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. A Constituição, por exemplo, prevê o direito de participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das empresas, conforme definido em lei, mas, se esse direito não se realizar, por omissão do legislador em produzir a lei aí referida e necessária à plena aplicação da norma, tal omissão se caracterizará como inconstitucional. Ocorre, então, o pressuposto para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, visando obter do legislador a elaboração da lei em causa.

Conforme a doutrina de Pedro Lenza (2012, p. 363-364), identificamos três

possibilidade de omissão inconstitucional: (i) absoluta: quando inexiste qualquer lei

regulamentando a norma constitucional de eficácia limitada; (ii) parcial propriamente dita:

nos casos em que a lei existe, mas regula a norma constitucional de maneira deficiente; e (iii)

parcial relativa: ocorrente quando a lei existe e atende a determinado grupo de pessoas, mas

não atende a outros grupos, que também deveriam ser beneficiados pela norma.

Isto posto, passemos a analisar, de maneira breve, referida ação constitucional.

1.2 Objeto da ADO

A ADO tem por objeto a omissão inconstitucional normativa em sentido amplo,

abrangendo não apenas a omissão do Poder Legislativo, mas também de órgãos

administrativos e do próprio Judiciário.

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Tal interpretação é possível pelo fato de o §2 do art. 103 da Lei Maior de 1988

utiliza-se da expressão “omissão de medida”, não se cingindo, como se vê, à simples

regulamentação legislativa.

Certo afirmar, portanto, que a omissão de quaisquer dos poderes (Executivo,

Legislativo ou Judiciário), que frustrar a aplicação de norma constitucional de eficácia

limitada, poderá ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Ainda acerca do objeto de referida ação constitucional, duas questões abordadas por

Pedro Lenza (2012, p.364-365) devem ser trazidas à baila, por refletirem o atual

posicionamento jurisprudencial do STF.

Quando do julgamento da ADI nº 1.836/SP, de relatoria do Ministro Moreira Alves,

em 18.06.1998, entendeu a Corte Suprema que, se pende ADO e a norma constitucional não

havia sido regulamentada, há perda do objeto da ação.

Nesse diapasão, também fixou entendimento no sentido de que o encaminhamento de

Projeto de Lei sobre a matéria ao legislativo ou o desencadeamento do processo legislativo,

não permitiria o ajuizamento de ADO.2

O STF modificou sua jurisprudência, no julgamento da ADO nº 3.682, entendendo

que a demora do legislativo na apreciação de Projetos de Lei não possui justificativa, de modo

que a conduta negligente colocaria em risco a ordem constitucional.

Desta feita, a mudança de posicionamento da corte suprema é salutar para a

efetividade do texto constitucional brasileiro pois os procedimentos tendentes a

regulamentação do texto, quais sejam a deliberação legislativa e executiva do Projeto de Lei,

não sanam a omissão legislativa e portanto, não devem ser considerados no juízo de

admissibilidade do Supremo Tribunal na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por

Omissão.

Uma segunda questão é a infungibilidade da ADO com o Mandado de Injunção, por

entender que os pedidos realizados são diversos3, eis que na primeira o que se questiona é a lei

em tese, não diretamente ligada em um primeiro momento à negação da aplicação do texto

constitucional a um cidadão ou categoria de cidadãos; já no segundo caso, trata-se de situação

concreta de não aplicação da norma constitucional invocada por beneficiários do texto. A

nosso ver, apesar da distinção realizada no que tange ao pedido das diferentes ações, ambas

ensejariam a aplicação da corrente hermenêutica denominada concretista em seu julgamento,

corrente esta que será analisada amiúde no decorrer deste trabalho.

2 Nesse sentido ver ADI nº 130-2/DF e ADI nº 2.495.3 Conforme MI 395-QO.

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1.3 Legitimidade para propositura

O art. 103, I a IX, da Carta Magna de 1988 traz o rol taxativo de legitimados a

propositura da ADO que são os mesmos da ADI. A única ressalva a ser feita é a divisão dos

legitimados em “universais” e “especiais”.

Entende o Supremo Tribunal Federal que os legitimados citados nos incisos IV (a

Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal), V (o

Governador do Estado ou do Distrito Federal) e IX (Confederação Sindical ou entidade de

classe em âmbito nacional), devem demonstrar o interesse no ajuizamento da ADO e

instauração do controle de constitucionalidade em face de normas jurídicas que atinjam aos

interesses de sua classe.

1.4 Procedimento

Até o advento da Lei nº 12.063/2.009, utilizava-se o procedimento adotado na ADI.

O novel diploma, contudo, acrescentou à Lei nº 9.868/99 os arts. 12-A a 12-H, especificando

o procedimento da ADO.

Nos termos do art. 12-B, a petição inicial deverá indicar (i) qual é a omissão

inconstitucional (total ou parcial) e qual é o órgão que não cumpre a sua função constitucional

(o legislativo de legislar e as providências administrativas do poder executivo) e (ii) o pedido,

com suas especificações.

Sem prejuízo, deverão ser anexados à petição o instrumento de procuração e cópias

dos documentos que comprovem a omissão atacada, apresentando-a em 02 (duas) vias,

conforme o parágrafo único do artigo citado.

No caso de inépcia, ausência de fundamentação ou improcedência manifesta, deverá

o relator indeferir a petição inicial, cabendo recurso de agravo da decisão. É este o teor do art.

12-C, caput e seu parágrafo único.

Os legitimados para a ação poderão se manifestar por escrito, sobre o objeto da ação,

e requerer a juntada de documentos que reputem úteis para o exame da matéria, no prazo das

informações, bem como apresentar memoriais.

O relator poderá solicitar a manifestação da Advocacia Geral da União, no prazo de

15 (quinze) dias. Mesmo prazo será conferido ao Procurador-Geral da República, quando não

for autor, para vistas dos autos, após o decurso do prazo para informações pela AGU.

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O art. 12-H, caput e seus §§1º e 2º da lei em análise, trata da decisão proferida na

ADO. Declarada a inconstitucionalidade por omissão é dada ciência ao Poder competente

para que adote as providências necessárias no sentido de sanar o vício.

Se a omissão é imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser

adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente

pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público

envolvido.

Analisaremos os efeitos da decisão no tópico a seguir.

1.5 Efeitos da decisão proferida em sede de ADO

Questão de extrema importância se dá no âmbito dos efeitos da decisão proferida

pelo STF em sede de ADO, reconhecendo a inconstitucionalidade por omissão do poder

competente para a edição do ato normativo que atribua eficácia à norma constitucional

pendente de regulamentação.

Tanto nos julgamentos de mandado de injunção (remédio constitucional similar a

ADO) quando das ações diretas de inconstitucionalidade, nota-se na jurisprudência do STF a

existência de duas posições: (i) a concretista e a (ii) não concretista. A primeira subdivide-se,

segundo, Pedro Lenza (2012, p. 1054) em geral e individual e esta última ainda se divide em

direta ou intermediária.

Vejamos cada uma das posições, de maneira sintetizada:

I. Posição concretista geral: o STF cria a norma para o caso concreto, com efeitos

erga omnes, que vigerá até norma do Poder competente ser editada com o fito de

regulamentar o texto constitucional;

II. Posição concretista individual direta: implementa-se o direito, que somente

valeria para o autor da ação mandamental (no caso do mandado de injunção);

III. Posição concretista individual intermediária: há a fixação de prazo pelo

Judiciário ao Legislativo para que elabore a norma regulamentadora do direito constitucional

violado. Se mantida a inércia do poder competente, o autor passa a ter seu direito

constitucional resguardado;

IV. Posição não concretista: nesta última hipótese, a decisão reconhece a

inconstitucionalidade e constitui em mora o poder omisso, não gerando ao requerente

qualquer efeito prático quanto ao exercício dos direitos ventilados na norma constitucional.

Por muitos anos, a posição não concretista dominou a jurisprudência do Supremo

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Tribunal Federal. Entendia o Tribunal, que a omissão do órgão competente ensejaria tão

somente uma reclamação por parte do judiciário para que editasse a norma concretizadora,

não lhe cabendo tal mister.

Esse posicionamento, todavia, modificou-se – e vem se modificando – na

jurisprudência do STF. No julgamento do MI nº 232-1/RJ4, o Ministro Néri da Silveira,

adotou a posição concretista individual intermediária.

Tratava-se de mandado de injunção questionando a omissão do Congresso Nacional

na regulamentação da imunidade das entidades beneficentes de assistência social, prevista no

§7º do art. 195 da Constituição Federal de 1988. Nesta oportunidade, o Tribunal reconheceu a

mora do legislador e lhe fixou o prazo de seis meses para que regulamentasse referida norma

de eficácia limitada sob pena de, desrespeitado o prazo, passar o contribuinte a fruir da

referida imunidade. A decisão somente possuiria efeitos inter partes.

Avançando ainda mais em sua jurisprudência, o STF adotou a posição concretista

geral nos MIs nº 670, 708 e 712, que buscavam assegurar o direito de greve dos servidores

públicos, ante a ausência de lei regulamentadora exigida pelo art. 37, VII, da Lei Maior de

1988.

No julgamento do MI nº 631/MS – cujo objeto era o mesmo – decidiu-se pela

aplicação da Lei nº 7.783/89 que regulamentou o direito de greve dos empregados do setor

privado, destacando excerto do voto do Ministro Carlos Velloso:

Assim, Sr. Presidente, passo a fazer aquilo que a Constituição determina que eu faça, como juiz: elaborar a norma para o caso concreto, a norma que viabilizará, na forma do disposto no art. 5º, LXXI, da Lei Maior, o exercício do direito de greve do servidor público.

A norma para o caso concreto será a lei de greve dos trabalhadores, a Lei 7.783 de 28.6.89. É dizer, determino que seja aplicada, no caso concreto, a lei que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, que define as atividades essenciais e que regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores públicos. Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que

4 Mandado de injunção. - Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal. - Ocorrencia, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impoem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7., da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida. (STF – Tribunal Pleno. MI nº 232-1/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira. DJU: 02/08/1991).

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dispõe a respeito do direito de greve.5

A aplicação da lei voltada ao setor privado para o setor público recebeu efeitos erga

omnes pelo STF. Tal posicionamento abriu a discussão acerca do ativismo judicial e suas

consequências no ordenamento jurídico. Se de um lado, a omissão (inconstitucional) é suprida

pelo Judiciário, na qualidade de “legislador positivo”; de outro, haveria suposta intervenção

de um poder sobre o outro, o que feriria o princípio da tripartição dos poderes, insculpido no

art. 2º da Carta Magna de 1988.

Nos autos do MI nº 670, o Ministro Gilmar Mendes sugeriu que o Supremo Tribunal

Federal adotasse uma postura concretista, fazendo menção à “sentença aditiva”, instituto que

advém do direito italiano. Por sentença aditiva, entenda-se aquela decisão judicial que

reconhece a inconstitucionalidade de determinada norma e lhe adequa ou adita à interpretação

da norma constitucional. Ela amplia o âmbito de alcance da norma inconstitucional tornando-

a constitucional.

Vaticina o ilustre autor português Rui Medeiros (1999 apud MENDES; COELHO;

BRANCO, 2010, p. 1368), sobre o assunto:

A atribuição de uma função positiva ao juiz constitucional harmoniza-se, desde logo, com a tendência hodierna para a acentuação da importância e criatividade da função jurisdicional: as decisões modificativas integram-se, coerentemente, no movimento de valorização do momento jurisprudencial do direito.

O alargamento dos poderes normativos do tribunal constitucional constitui, outrossim, uma resposta a crise das instituições democráticas.

Enfim, e este terceiro aspecto é particularmente importante, a reivindicação de um papel positivo para o tribunal constitucional é um corolário da falência do Estado Liberal. Se na época liberal, bastava cassar a Lei, no período do Estado Social, em que se reconhece que a própria omissão das medidas de medidas soberanas pode pôr em causa o ordenamento constitucional, torna-se necessário a intervenção activa do Tribunal Constitucional. Efectivamente, enquanto para eliminar um limite normativo (v.g. uma proibição ou um ônus), e restabelecer plenamente uma liberdade, basta invalidar uma norma em causa, o mesmo não se pode dizer quando se trata de afastar uma omissão legislativa inconstitucional. Neste segundo caso, se seguir o modelo clássico de justiça constitucional, a capacidade de intervenção do juiz das leis será muito reduzida. Urge, por isso, criar um sistema de justiça constitucional adequado ao moderno Estado Social. Numa palavra: a configuração actual das constituições, não permite qualquer veleidade aos tribunais constitucionais em actuarem de forma meramente negativa, antes lhe exige uma esforçada atividade que muitas vezes se pode confundir com um indirizzo político na efectiva concretização e desenvolvimento do programa constitucional. Daí o falhanço de todas as

5 STF – Tribunal Pleno. MI nº 631/MS. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJU: 02.08.2002.

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teses que pretendiam arrumar os tribunais constitucionais numa atitude meramente contemplativa perante as tarefas constitucionais e o esbatimento, claro em Itália, dos limites a admissibilidade de decisões modificativas.

O ministro da Suprema Corte Gilmar Ferreira Mendes, bem como Inocêncio Mártires

Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 1369) lecionam nesse sentido:

Especialmente no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas, esclarece Rui Medeiros, que ela são em geral aceitas quando integram ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou ainda quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora ´solução constitucionalmente obrigatória´.

[…]

De resto, uma sistemática conduta omissiva do Legislativo pode e deve ser submetida à apreciação do Judiciário (e por ele deve ser censurada), de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos. Trata-se de uma garantia de proteção judicial efetiva que não pode ser negligenciada na vivência democrática de um Estado de Direito (artigo 1º da CF/88).

As sentenças de perfil aditivo não se confundem com a técnica da interpretação

conforme a Constituição, embora se possa afirmar que aquela decorre desta. Na interpretação

conforme a Constituição, várias interpretações são possíveis, mas o julgador elege aquela que

se compatibiliza com o Texto, declarando a nulidade das demais interpretações; já na sentença

de perfil aditivo, o julgador modifica a norma em seu conteúdo, podendo até mesmo incluir

novas regras.

O autor espanhol Joaquín Brage Camazano (2005 apud MENDES; COELHO;

BRANCO, 2010, p. 1370), afirma que:

La raíz essencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de la constitucionalidad hace suponer que su uso es praticamente inevitable, com uma o outra denominación y con unas o otras particularidades, por cualquier órgano de la inconstitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen de TC con una suerte de legislador negativo. Si alguna vez, los tribunales constitucionales fueram legisladores negativos, sea como sea, hoy és obvio que ya no lo son; y justamente el rico arsenal sentenciador de que despoen para fiscalizar la constitucionalidad de la ley, más allá del planteiamento demasiado simple 'constitucionalidade/inconstitucionalidad' és un elemento más, y de importância, que viene a poner de relieve hasta que el punto és así. Y és que, como Fernandez Segado destaca, `la praxe de los tribunales constitucionales no há hecho sino avanzar en esta dirección, de la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, certificando así, la quebra del modelo Kelseniano del legislador negativo.

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Em conclusão deste item, podemos afirmar que a mudança de posicionamento da

jurisprudência de nossa Suprema Corte em relação à interpretação e concretização das normas

constitucionais, é digna de elogios.

Após vinte e cinco anos de vigência do texto constitucional, muitos dos direitos ali

consubstanciados ainda não possuem aplicabilidade plena. A vontade do poder constituinte

originário é negligenciada pelo Poder Legislativo e a posição não concretista adotada até bem

pouco tempo atrás pela jurisprudência constitucional, fazia tabula rasa da carta magna. Por

conseguinte, a alteração do padrão hermenêutico para a posição concretista, efetiva o texto

constitucional e, principalmente, garante aos cidadãos o país a aplicação da constituição

federal de 1988, como na forma em que promulgada.

2. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO

DOS ESTADOS

2.1 Surgimento

Como se sabe, o pacto federativo brasileiro tem como um de seus objetivos

fundamentais a redução das desigualdades formais, o que permite o tratamento desigual entre

os entes, a despeito de sua igualdade formal. Daí justificar-se que alguns Estados recebam

maiores transferências da União em detrimento de outros, atendendo ao disposto no artigo

161, inciso II da Constituição Federal de 1988.

O primeiro arquétipo daquilo que viria a ser conhecida por Fundo de Participação

dos Estados apareceu pela primeira vez na Constituição de 1946, que em seu art. 15, §2º, ao

outorgar competência para que a União instituísse impostos sobre a “produção, comércio,

distribuição e consumo, bem assim importação e exportação de lubrificantes e de

combustíveis liquides ou gasosos”, previu no mencionado parágrafo que do valor arrecadado

60% (sessenta por cento), no mínimo, seriam entregues aos Estados, Distrito Federal e aos

Municípios de maneira proporcional “à sua superfície, população, consumo e produção, nos

termos e para os fins estabelecidos em lei federal”.

O Fundo de Participação dos Estados propriamente dito surgiu no ordenamento

jurídico brasileiro com a Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965, que em

seu art. 21, previu que:

Art. 21. Do produto da arrecadação dos impostos a que se referem o artigo

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8º, nº II, e o art. 11, 80% (oitenta por cento) constituem receita da União e o restante distribuir-se-á à razão de 10% (dez por cento) ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, e 10% (dez por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios.

Da arrecadação do IR – Imposto de Renda e do IPI – Imposto sobre Produtos de

Industrializados, 10% (dez por cento) seriam destinados ao Fundo de Participação dos

Estados. A posteriori, houve modificação na regra constitucional por meio do Ato

Complementar nº 40, de 1968, que reduziu o percentual do repasse para 5% (cinco por cento)

a participação do indigitado Fundo.

No plano infraconstitucional, coube ao CTN – Código Tributário Nacional, em seus

arts. 88 a 90, regulamentar como se daria a repartição dos valores entre os Estados-membros.

O art. 88 previa que (i) 5% (cinco por cento) dos recursos seriam distribuídos

proporcionalmente à superfície (área) de cada ente participante e (ii) 95% (noventa e cinco

por cento) seria proporcionalmente distribuído de acordo com o coeficiente individual de

participação, resultante do produto do fator representativo da população pelo fator

representativo do inverso da renda per capita, de cada entidade participante, como definidos

nos artigos seguintes, em suma: quanto maior o território do Estado e menor a sua renda per

capita, maior haveria de ser o seu repasse.

O grande trunfo da regra do CTN era o de permitir que as cotas do Fundo de

Participação dos Estados variassem de acordo com o tempo. Isso favorecia os Estados com

maior área territorial, crescimento acelerado da população e pior desempenho na renda per

capita, que refletia em sua arrecadação tributária.

2.2 O FPE na atual Constituição Federal

O Texto Constitucional de 1988 manteve a previsão de entrega pela União de

recursos ao FPE, nos termos do art. 159, II, a:

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal.

Manteve-se a previsão de que parte do produto da arrecadação do IR e do IPI fosse

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destinado ao FPE e aumentou-se o percentual destinado (21,5%).

O art. 161, II, da Carta Magna de 1988, por sua vez, outorgou competência à Lei

Complementar para “estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159,

especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando

“promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e entre Municípios”. A norma

constitucional recepcionou o Código Tributário Nacional – lei formalmente ordinária – com o

status de lei complementar, mantendo os critérios ali adotados.

2.3 A edição da Lei Complementar nº 62/1989 e a declaração de sua

inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade

Em 28 de dezembro de 1989, foi sancionada a Lei Complementar nº 62/1989, que

alterou os critérios de repasse ao FPE, revogando tacitamente as normas do CTN e buscando

dar eficácia aos arts. 159, I, a e 161, II, do Texto Supremo.

O art. 2º do referido diploma previu um critério de repartição dos recursos do FPE

que toma por premissa o estágio de desenvolvimento de cada região do País, assim,

estabeleceu que dos valores repassados pela União, 85% (oitenta e cinco por cento) seriam

distribuídos aos Estados integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15%

(quinze por cento) seriam distribuídos aos Estados das regiões Sul e Sudeste.

O §1º menciona os coeficientes individuais de participação dos Estados e Distrito

Federal, constantes no anexo único da Lei, que seriam aplicados até o exercício de 1991. A

partir do exercício de 1992, os critérios de rateio deveriam ser fixados por lei específica, que

jamais veio a ser promulgada.

Por fim, o §3º, prevendo a possível omissão do legislador, determinou que até a

aprovação dos critérios previstos no §2º, seria mantida a aplicação dos coeficientes

individuais trazidos pelo Anexo Único citado. Cumpre salientar, que a ausência de votação de

uma lei específica, que estabelecesse os critérios para repartição do FPE a partir do ano de

1992, jamais foi votada por não convir aos maiores interessados, mormente pelo fato de que

os coeficientes determinados no Anexo único tiveram como origem a celebração de acordos

políticos entre as partes envolvidas.

Traçado o desenho normativo do FPE no ordenamento jurídico atual, coube ao STF

apreciar quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionaram a

constitucionalidade dos critérios de repasse no ano de 2010, como mencionamos em nossa

introdução.

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O argumento central das referidas ações foi o de que, congelados os coeficientes dos

Estados nos anos seguintes, criou-se desequilíbrio entre os entes, desrespeitando a parte final

do art. 161, II, da Lei Maior de 1988, que exigia que a Lei Complementar fixasse critérios de

rateio que promovessem o equilíbrio socioeconômico dos Estados. Ademais, referidos

coeficientes teriam sido eleitos de forma arbitrária, com base em acordos políticos firmados

entre o Governo Federal e os Governos Estaduais.

Em 24.02.2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade,

sem pronúncia de nulidade, do art. 2º, I e II, §§1º a 3º e Anexo Único da Lei Complementar nº

62/1989, conforme ementa abaixo transcrita:

Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI nº 875/DF, ADI nº 1.987/DF, ADI nº 2.727/DF e ADI nº 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão Fundo de Participação dos Estados – FPE (art. 161, inciso II, da Constituição). Lei Complementar nº 62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do art. 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do art. 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar n.º 62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012.6

Para evitar vazio legislativo que a declaração de inconstitucionalidade desse causa,

impedindo o repasse de tais recursos pela União, bem como para conferir segurança jurídica,

optou-se pela declaração de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, assegurando a

aplicação da lei tida por inconstitucional até 31.12.2012.

2.4 O ajuizamento da ADO nº 23

Em 21.01.2013, tendo em vista o transcurso do lapso temporal definido na decisão

das ADINs supramencionadas, qual seja, 31.12.2012, os governadores dos Estados da Bahia,

Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Omissão, com pedido de medida cautelar, em face de suposta omissão legislativa do

Congresso Nacional, quando ao dever de legislar previsto no art. 161, II, da Constituição

Federal, in verbis:

Art. 161. Cabe à lei complementar:6 STF – Tribunal Pleno. ADIs nº 875/DF, 1.987/DF, 2.727/DF e 3.243/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJU: 24.02.2010.

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[...]

II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios.

Registram, na sequência, que o prazo estipulado pela Suprema Corte expirou sem

que o Congresso Nacional tenha suprido a lacuna derivada da declaração de

inconstitucionalidade, sustentando que tal situação origina um estado de insegurança jurídica

ainda mais grave do que aquele constatado no julgamento mencionado.

Por fim, pedem sejam compensados os valores entregues pela União aos Estados-

membros e ao Distrito Federal, com base nos critérios adotados pela decisão cautelar, e os

valores apurados de acordo com os critérios fixados em nova lei a ser editada pelo Congresso

Nacional, na eventualidade disso não ocorrer em 2013.

Nas informações, acompanhadas de manifestação subscrita pela Advocacia do

Senado Federal, o Presidente do Congresso Nacional argumenta, em síntese, que inexiste

omissão do Congresso Nacional, tendo em conta que tramitam regularmente em ambas as

Casas Legislativas diversos Projetos de Lei Complementar, destinados a disciplinar a forma

de distribuição dos recursos do FPE.

Afirma mais às fls. 7 da ADO nº 23, que:

[…] a realidade fática demonstrou que o prazo de manutenção da vigência da norma (até 31/12/2012), fixado pelo STF, foi exíguo para debate, aprovação, vigência e eficácia de uma nova Lei Complementar que substituísse os critérios adotados desde 1989, ante as inúmeras atividades desenvolvidas pelo Congresso Nacional nos últimos dois anos, associada ao fato de que em 2010 ocorreram eleições federais, conforme expressamente mencionado no acórdão do STF.

Na decisão da medida liminar expedida no recesso do Supremo Tribunal

Federal de Janeiro de 2013, o Ministro Ricardo Lewandowski exercendo provisoriamente as

funções de presidente da corte, decidiu que:

Com efeito, a Constituição garante, de forma inequívoca, a percepção das referidas verbas pelos entes federados, cuja distribuição entre eles depende apenas do rateio daquelas em conformidade com determinado critério, o qual deixou de existir com a declaração de inconstitucionalidade de parte da Lei Complementar 62/1989.

Desse modo, constato que eventual indeferimento da medida cautelar pleiteada poderá ensejar o descumprimento integral do art. 159, I, a, da

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Constituição, situação que provocaria grave desequilíbrio econômico para os Estados requerentes, com prejuízos irreparáveis à respectiva população.

Ora, sabe-se que parte substantiva do orçamento de muitos Estados é composta pelas mencionadas verbas, podendo a cessação dos repasses, pela ausência de critérios de rateio, ensejar não apenas a superveniência de severa crise orçamentária em alguns membros da Federação como, também, muito possivelmente, a intolerável paralisação de serviços públicos essenciais.

A situação exposta na inicial, portanto, caracteriza, inequívoca situação emergencial, que impõe a urgência no exame da medida liminar pleiteada, uma vez que os Estados e o Distrito Federal contavam, efetivamente, com o repasse das verbas no ano de 2013, em conformidade com os prazos originalmente estabelecidos art. 4º da LC62/1989, abaixo discriminados:

“Art. 4° A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação:

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia;

III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subsequente”.

Por todas essas razões, observo que o Plenário do Tribunal de Contas da União, no estrito cumprimento de sua competência de calcular as quotas referentes aos fundos de participação, a teor do art. 161, parágrafo único, da Constituição, aplicou, em caráter emergencial e precário, os critérios da LC 62/1989 com relação à verbas concernentes a 2013, com base nos argumentos articulados no voto condutor do Acórdão 3135/2012-TCU:

“Diante desse quadro de indefinição e considerando que o parágrafo único do art. 161 da Constituição Federal atribui ao TCU a responsabilidade pelo cálculo das quotas referentes aos fundos de participação, e mais, considerando, ainda, a exigência contida no art. 92 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), no sentido de esta Corte de Contas encaminhar os coeficientes ao Banco do Brasil até o último dia útil de cada exercício, determinei à Secretaria de Macroavaliação Governamental a imediata realização do cálculo dos coeficientes de FPE.

Ao ordenar a instrução definitiva do feito, ponderei o fato de a União não poder reter os aludidos recursos, os quais pertencem constitucionalmente aos Estados e ao Distrito Federal e pautei-me, sobretudo, nos princípios da segurança jurídica e da prudência por entender que os dispositivos da LC 62/1989 questionados pelo STF ainda estarão em vigor até 31/12/2012. Dessa forma, até que sobrevenha nova disciplina legal, devem ser mantidos os coeficientes para o exercício de 2013 com base no Anexo Único da LC 62/1989”.

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E prossegue o ilustre ministro em sua decisão liminar:

Isso posto, ante o vácuo legislativo decorrente das decisões desta Suprema Corte, prolatadas nas ADIs 875, 1.987, 2.727 e 3.243, que declararam a inconstitucionalidade do art. 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, bem assim do Anexo Único da Lei Complementar 62/1989, protraindo a eficácia do julgado por 24 (vinte e quatro) meses, já transcorridos, sem que tivesse o Congresso Nacional, nesse lapso de tempo, colmatado a lacuna normativa, e considerando, ainda, as informações do Poder Legislativo no sentido de que se encontram tramitado, em regime de urgência, diversos projetos com vistas a substituir o mencionado diploma legal, autorizado pelo art. 13, inc. VIII, combinado com o art. 21, inc. V, ambos do do Regimento Interno desta Suprema Corte, defiro em parte a liminar pleiteada na presente ação, ad referendum do egrégio Plenário, para garantir aos Estados e ao Distrito Federal o repasse, pela União, das verbas do fundo a que alude o art. 159, I, a, da Constituição da República, no percentual nele estabelecido, em conformidade com os critérios anteriormente vigentes, por mais 150 (cento e cinquenta dias), a contar da intimação desta medida cautelar, desde que não sobrevenha nova disciplina jurídica, sem prejuízo de eventuais compensações financeiras, entre os entes federados, a serem eventualmente definidas em lei complementar. (Lewandowski s.d.)

Resta concluir, em face do deferimento da medida liminar acima transcrita, que

temos no Brasil um caso sui generis, qual seja, a extensão da vigência de uma norma já

declarada inconstitucional.

Em outras palavras, a modulação de efeitos realizada quando do julgamento das

Ações Diretas de Inconstitucionalidades ADI nº 875/DF, ADI nº 1.987/DF, ADI nº 2.727/DF e

ADI nº 3.243/DF, que reconheceu a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, do art.

2º, I e II, §§1º a 3º e Anexo Único da Lei Complementar nº 62/1989, e que conservou sua

vigência por mais dez meses (até 31.12.2012), fora novamente utilizada para modular os

efeitos da decisão de inconstitucionalidade por mais 150 (cento e cinquenta) dias.

Com efeito, temos no ordenamento jurídico brasileiro, uma Lei Complementar que

possui dispositivos declarados inconstitucionais, mas que, em face da inércia legislativa, têm

o seu vigor estendido pelo tribunal constitucional.

Para nós, tal situação caracteriza verdadeira teratologia jurídica, pois o Supremo

Tribunal Federal haveria de posicionar-se pró-ativamente, ou seja, lançando mão da sentença

aditiva pois, a sistemática conduta omissiva do Legislativo pode e deve ser submetida à

apreciação do Judiciário, de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais

reconhecidos. Trata-se de uma garantia de proteção judicial efetiva que não pode ser

negligenciada na vivência democrática de um Estado de Direito (artigo 1º da CF/88).

Assim, a nosso ver, caberia ao STF em sua decisão na ADO nº 23, regulamentar

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provisoriamente (enquanto não sobrevenha legislação regulamentar posterior), a aplicação de

novos critérios equânimes e respeitadores da ordem constitucional atual, a confirmar a

hodierna posição hermenêutica concretista da Corte, a fim de promover a concretização do

texto constitucional de 1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se, no presente trabalho, que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

é instituto novo trazido pelo Texto Constitucional de 1988, que busca combater a omissão do

Poder Legislativo na regulamentação de normas constitucionais, de eficácia limitada.

A grande questão do instituto são os efeitos que a decisão proferida pode produzir.

Há no STF decisões que adotaram a posição concretista e outros em que se adotou a posição

não-concretista. Na primeira caberia ao STF criar norma para o caso concreto, até que

sobrevenha nova norma expedida pelo Legislativo ou fixar prazo para que este Poder

regulamente a norma constitucional, sob pena de o autor passar a ter resguardado o seu

direito; na segunda, o Tribunal apenas constitui em mora o Legislativo e determina a

regulamentação da norma, sem gerar qualquer efeito prático na decisão.

Do caso analisado – a repartição dos recursos oriundos do FPE – verifica-se que

andou bem o Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade na forma de

repasse dos recursos do FPE, haja vista o desequilíbrio entre os entes federativos, incorrendo

em violação ao disposto no art. 161, II, do Texto Maior.

Como foi visto, quando do julgamento das ADIs nº 875/DF, 1.987/DF, 2.727/DF e

3.243/DF, a Corte estendeu os efeitos da norma constitucional até o dia 31.12.2012, a fim de

evitar o vazio legislativo e a consequente impossibilidade de se efetuarem os repasses do FPE,

até que o Poder competente promulgasse uma nova lei, que regulamentasse a contento a

norma constitucional do art. 161, II.

Passado o prazo fixado e mantida a omissão inconstitucional do Congresso Nacional,

os Estados do Maranhão, Bahia, Pernambuco e Minas Gerais ajuizaram a ADO nº 23, com o

intuito de manter os critérios da lei anterior declarada inconstitucional, pois do contrário,

restaria tecnicamente impossível a repartição das receitas entre os estados.

A decisão liminar proferida pelo Ministro Lewandowski acolheu parcialmente o

pedido, determinando que a norma tivesse seus efeitos estendidos por mais 150 (cento e

cinquenta) dias, até a regulamentação pelo Congresso Nacional.

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A teratologia é evidente. Verifica-se que a decisão em análise viola a coisa julgada

formada nas ADIs acima mencionadas, que fixou prazo para que a regulamentação fosse

realizada pelo Congresso Nacional. Ao estender os efeitos da norma e “esticar” o prazo para

regulamentação, o Ministro deixou de observar a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Lei Maior

de 1988).

Outrossim, a decisão liminar contraria a própria decisão definitiva dada pelo STF há

dois anos atrás, esvaziando-a.

A omissão inconstitucional é tão grave quanto a ação inconstitucional. Se nesta cabe

ao STF declarar a inconstitucionalidade da ação do Poder que expediu a norma e da própria

norma; naquela cabe a Corte declarar a inconstitucionalidade da omissão e criar um ambiente

favorável a aplicação da norma constitucional.

A posição não-concretista nos parece vazia e destituída de qualquer fundamento.

Constituir em mora o Poder competente e determinar a regulamentação de determinada norma

não transmite a ideia de decisão judicial eficaz e solucionadora de conflitos. Ademais, não há

eficácia sem a sanção pelo descumprimento da ordem. O que se verifica, nestes casos, é que a

não regulamentação da norma pelo Congresso Nacional, não lhe trouxe qualquer sanção,

tornando a decisão não-concretista inócua.

Dai assumirmos a posição de que a teoria concretista deva ser adotada integralmente,

o que propiciaria uma melhor solução da questão. No julgamento das ADIs, limitou-se o STF

a reconhecer a inconstitucionalidade na repartição das receitas entre os Estados, modulando os

efeitos desta declaração, a fim de que a norma produzisse efeitos até 31.12.2012, propiciando

tempo necessário ao Congresso Nacional para que aprovasse uma nova lei.

Diante da inércia e do ajuizamento da ADO nº 23, entendemos que andou mal o

Ministro Lewandowski na decisão liminar proferida, pelos motivos acima expostos.

Furtar-se do dever de regulamentação provisória da norma constitucional violada por

omissão, através da analogia, dos costumes e princípios gerais do direito não se coaduna com

a função do Judiciário. É muito mais grave deixar um direito constitucional sem

regulamentação do que regulamentá-lo provisoriamente, permitindo que irradie a sua eficácia.

O uso da sentença aditiva é o modo que nos parece mais acertado para que o Tribunal

Constitucional, ao reconhecer uma omissão inconstitucional, regulamente provisoriamente a

norma de eficácia limitada. Esta regulamentação, frise-se, não viola a separação dos Poderes,

muito menos tolhe o Poder competente (em regra, o Legislativo) de exercitar a sua função

típica. Expedida norma geral e abstrata, esta suplantará aquela provisoriamente criada pelo

STF em sua decisão de cunho aditivo.

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No caso em concreto, entendemos serem plenamente aplicáveis as normas do CTN

(arts. 88 a 90), que regulamentaram, até a edição da Lei Complementar nº 62/1989, os

critérios para o repasse de receitas para os Estados. Embora referidos dispositivos tenham sido

revogados tacitamente pelo diploma complementar, sua declaração de inconstitucionalidade

restaurou a vigência daqueles dispositivos do CTN, não se falando em repristinação.

Os critérios do CTN até podem se mostrar desarrazoados ou insuficientes, mas

parecem propiciar maior isonomia na distribuição, que variaria em função do tempo,

porquanto levam em conta a área territorial e a renda per capita. Quanto maior a área

territorial e menor a renda per capita do Estado, maior a sua participação no FPE.

Ainda que não se utilizassem as normas do CTN, certo é que caberia ao STF proferir

uma decisão concretista, na qual regulamentasse ou determinasse a norma aplicável ao caso,

até que o Legislativo regulamente o tema. Absurdo é estender os efeitos de uma norma já

declarada inconstitucional, perpetrando a desigualdade nos repasses entre os Estados e

mantendo a violação ao Texto Constitucional.

Desta forma, concluímos que o ativismo judicial se faz necessário em casos de

omissão inconstitucional, respeitadas as demais normas do sistema e a possibilidade de

posterior ato do Legislativo suplantar a regulamentação provisória do Judiciário.

No caso do repasse das receitas ao FPE, cremos ter havido retrocesso na decisão

liminar proferida pelo Ministro Lewandowski, eis que além de contrariar a coisa julgada e a

própria decisão judicial do STF, estendeu os efeitos de uma norma reconhecidamente

inconstitucional, quando o mais correto seria a regulamentação provisória da norma

constitucional de eficácia limitada. Sem prejuízo, a tomada de posição do Ilustre Ministro

desequilibra os Poderes, vez que o Judiciário, mesmo tendo ordenando ao Legislativo que

regulamentasse a norma do art. 161, II, curvou-se a sua omissão e estendeu os efeitos da LC

nº 62/1989.

Espera-se que, caso superado o prazo de 150 (cento e cinquenta) dias fixados em

decisão liminar, o STF adote a posição concretista e regulamente a questão, sem ter de

recorrer à normas que viola o Texto Constitucional, afinal, sua função precípua é a de proteger

a Constituição e não violá-la.

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FEDERALISMO FISCAL: DISTRIBUIÇÃO DE RECEITAS E A ISENÇÃO DE TRIBUTOS QUE COMPÕEM A RECEITA DE OUTROS

ENTES POLÍTICOS

FISCAL FEDERALISM: DISTRIBUTION OF INCOME AND TAX EXEMPTION COMPOSING REVENUES FROM OTHER POLITICAL

ENTITIES

Renan Moreira de Norões Brito1

Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça2

RESUMO

O presente trabalho trata do federalismo fiscal brasileiro e algumas de suas manifestações no âmbito tributário que são: as limitações constitucionais ao poder de tributar, a repartição direta e indireta de receita entre os entes políticos e a delimitação constitucional das competências tributárias. Fala-se do federalismo como forma de estado bem como das suas principais características e consequências e mostra-se como se dá a repartição direta e indireta das receitas tributárias, discriminando-se os repasses de impostos da União para os demais entes federados. O objetivo deste trabalho é verificar se o federalismo fiscal brasileiro é harmônico e, para tanto, parte-se do pressuposto de que existem algumas incongruências no sistema tributário nacional que acabam por desequilibrar o federalismo. Foi elaborada uma pesquisa bibliográfica através de autores que tratam do Estado federal bem como de tributaristas. Percebeu-se algumas incongruências no tocante, principalmente, às repartições de receitas tributárias e as isenções ou reduções de alíquotas de tributos que impactam nas receitas de outros entes políticos, pois não há atualmente uma forma de compensação das receitas que estes entes perdem quando a União isenta ou reduz as alíquotas de tributos cuja receita não lhe pertence exclusivamente. Constatou-se que, embora esses tributos, em regra, possuam forte função extra-fiscal e atuem como importante mecanismo regulatório da economia, os entes políticos financeiramente menos abastados é que acabam sofrendo os efeitos dessas reduções de repasses, devendo-se pensar em formas de compensação das receitas que estes deixaram de perceber.

PALAVRAS-CHAVE

Federalismo fiscal. Entes políticos. Isenções.

ABSTRACT

This paper deals with the brazilian fiscal federalism and some of its manifestations in the tax sphere, which are: the constitutional restrictions about the power to tax, the direct and indirect distribution of revenues among political entities and the constitutional delimitation of the

1 Advogado, pós-graduando em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza, mestrando

em Direito Constitucional e Teoria Política pela Universidade de Fortaleza. 2 Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (1976), mestrado em Direito

pela Universidade Federal do Ceará (1988), doutorado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004) e pós-doutorado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E professor aposentada da Universidade Estadual do Ceará e adjunto da Universidade de Fortaleza, da graduação, especialização e professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional Mestrado e Doutorado da UNIFOR . Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito, tributario, administrativo, administração pública e contratos.

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taxing competences. It speaks of the federalism as a state form as well as its main characteristics and consequences and demonstrates how the tax revenues are direct and indirectly distributed, discriminating the Union taxes’ transfers for the other federal entities. This paper aims to verify if the brazilian fiscal federalism is harmonic and, therefore, assumes that there are some inconsistencies in the national tax system that ultimately unbalance the federalism. A bibliographic research through authors who deal with the federal state as well as tax lawyers was developed. Some inconsistencies were noticed, with regard, mainly, to allocations of the tax revenues and the exemptions or reductions of the taxes’ aliquots that impact on others political entities’ incomes, because there isn’t, currently, a way to compensate the revenues that these entities are deprived of when the Union exempts or reduces the aliquots of tributes which revenue doesn’t belong exclusively to it. It was found that, even though these tributes, normally possess a strong extra-fiscal function and act as an important regulatory mechanism of the economy, political entities which are financially less privileged are the ones that end up suffering the effects brought up by these reductions and distributions, being necessary to think about ways to compensate the revenues that these political entities failed to receive.

KEYWORDS

Fiscal federalism. Political entities. Exemptions.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 adotou a forma federativa de Estado, inclusive

determinando em seu artigo 60, §4º que o princípio federativo é cláusula pétrea e não pode ser

objeto de emenda constitucional tendente a aboli-lo. Como conseqüência, União, Estados,

Distrito Federal e Municípios são independentes e autônomos entre si e cada um dos entes

políticos tem competências próprias embora estejam todos ligados a um ente central, a União

Federal.

O presente trabalho tem por objetivo analisar o federalismo fiscal brasileiro e verificar

se existem incongruências no sistema tributário nacional que atentem contra a forma

federativa de Estado ou que a enfraqueçam. Utiliza-se a pesquisa bibliográfica para

fundamentar os argumentos expostos, com amparo em grandes autores da doutrina tributária

do nosso país. Procura-se trabalhar o federalismo analisando as particularidades do sistema

pátrio e as características que lhe são peculiares.

No primeiro tópico trata-se do federalismo como forma de Estado e quais as suas

implicações dentro do panorama político brasileiro. Trata-se do federalismo fiscal e

demonstra-se a sua importância para o equilíbrio do pacto federativo. Explicita-se que no

Brasil não assiste aos entes políticos o direito de secessão e que, portanto, nenhum dos entes

pode renunciar ao pacto federativo. Mostra-se a tendência a uma União mais forte do que os

demais entes em razão da própria origem do nosso federalismo que surgiu de um Estado

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unitário que deu origem aos demais entes e que deve-se buscar os caminhos que levem a um

equilíbrio entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

No segundo tópico abordam-se as principais manifestações do federalismo fiscal na

Constituição Federal de 1988, quais sejam, algumas das limitações constitucionais ao poder

de tributar, as repartições diretas e indiretas das receitas tributárias e a delimitação de

competências tributárias para cada um dos entes políticos que compõem a federação

brasileira. Mostra-se a importância da repartição de receitas de modo a possibilitar que todos

os entes tenham autonomia financeira e possam exercer plenamente sua auto-organização, vê-

se que a imunidade tributária recíproca entre os entes políticos e o princípio da não limitação

de tráfego são ferramentas que visam estabelecer uma unidade nacional. Ademais, a

Constituição assegurou competência tributária para todos os entes políticos justamente para

assegurar a cada um a garantia de obtenção de recursos próprios, ficando claro, porém, que os

entes menores dependem do repasse de recursos para se manter.

No terceiro tópico aborda-se a incongruência de alguns dos dispositivos que regulam o

sistema tributário nacional. Isto porque a Constituição Federal assegura o princípio federativo

e, portanto, este deve ser respeitado. Ocorre que em determinadas ocasiões em que a mesma

Constituição permite a isenção ou redução de alíquotas de alguns tributos isto acaba por

enfraquecer Estados e Municípios que dependem dos repasses desses tributos e não

conseguem ser auto-sustentáveis, razão pela qual tais desonerações enfraquecem o

federalismo brasileiro na medida em que os entes menores não recebem nenhuma

compensação do montante que deixam de receber por meio dos repasses constitucionais e dos

fundos de participação.

1 FEDERALISMO FISCAL

A República Federativa do Brasil adota, como o próprio nome sugere, a forma Federal

de Estado. Nisto consiste que nosso país é formado pela união indissolúvel da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios conforme redação do artigo 1º da Constituição

Federal de 1988. E é este último ente político que torna a nossa federação um pouco diferente

das demais, pois no caso brasileiro, reconhece-se o Município como ente federativo dotado

das mesmas características dos demais, qual sejam, autogoverno, autonomia, autocontrole e

competência legislativa, inclusive tributária, e executiva, diferindo-se dos demais entes apenas

por não possuir Poder Judiciário próprio.

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O federalismo brasileiro é centrífugo quanto a sua origem, pois o Brasil era um Estado

unitário cunhado pela Constituição do Império de 1824, ou seja, um Estado com apenas um

ente emissor de normas e extremamente centralizador. Com a proclamação da república e a

partir da Constituição de 1891 surge o federalismo. É também chamado de federalismo de

segregação, justamente pela difusão da autonomia do Estado unitário para os estados

federados. Daí decorre uma União centralizadora, com uma extensa gama de competências

atribuídas pela Constituição, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, por

exemplo, em que os diversos Estados Federados aceitaram se unir, sendo uma federação

centrípeta em sua origem e, portanto, os Estados são dotados de maior autonomia. O grande

objetivo do federalismo brasileiro é alcançar um ponto de equilíbrio em que todos os entes

sejam efetivamente independentes e autônomos, porém dotados de objetivos em comum.

A importância do federalismo fiscal se dá na medida em que através dele se faz possível

que todos os entes possam contribuir para um Estado forte. Através da repartição das receitas,

por exemplo, torna-se possível que todos os entes tenham condições de arcar com seus custos

de manutenção, servidores, dentre outros, e assim possam efetivamente exercer o papel

constitucional da busca pelo bem comum da sociedade. Ademais, os cidadãos têm a garantia

de que, em tese, só serão tributados de acordo com sua capacidade contributiva, pois os entes

não têm liberdade para instituir qualquer tributo como bem entendam, tendo em vista que a

Constituição delimita a competência tributária de cada um dos quatro entes políticos (União,

Estados, Distrito Federal e Municípios).

A Carta Magna elenca em seu artigo 153 os impostos de competência da União, em seu

artigo 155 os impostos dos Estados e do Distrito Federal e no artigo 156 os impostos

municipais. Além disso, existem alguns outros tributos de competência da União também

previstos pela Constituição, como as contribuições, e aqueles que podem ser criados por

qualquer dos entes haja vista seu caráter vinculado, quais sejam, as taxas e a contribuição de

melhoria decorrente da realização de obras públicas. Portanto, temos que no Brasil os

impostos de cada ente federado são privativos e somente este ente os pode criar, não podendo

invadir a competência tributária de outro ente sob pena de violação do pacto federativo e,

consequentemente, da Constitição.

Na Federação, existe uma repartição de competências, de forma que a União compete os

assuntos mais gerais, de interesse de toda a nação, aos Estados-membros cabem as questões

de interesse regional e aos Municípios competem as questões de interesse local. Sacha

Calmon Navarro Coêlho, tratando do assunto, (2008, p.64) nos ensina que:

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Por tais razões, é essencial à estrutura federal de Estado, a repartição de

competência, de modo que cada ordem jurídica parcial, que somente vale dentro do

âmbito territorial de cada ente descentralizado, possa nascer de Poder Legislativo

próprio daquele ente estatal descentralizado.

Isto porque de nada adiantaria determinado ente possuir autonomia se não tivesse um

Poder Legislativo próprio e independente para criar a sua própria ordem jurídica, visando

atender as necessidades locais e os aspectos particulares de cada território, respeitando aos

princípios estabelecidos na Constituição Federal e as normas de âmbito nacional produzidas

pelo Poder Legislativo da União. Por isso a distribuição de competências é extremamente

importante no Estado Federal, tendo em vista que somente através dela é que se pode

conceber entes efetivamente autônomos e independentes.

Falar em federalismo fiscal significa dizer que os tributos arrecadados pelos diversos

entes federativos devem ser repartidos de forma a concretizar a independência de todos eles.

Sabido que o Brasil possui uma vasta extensão territorial e, portanto, existem entes que

possuem capacidade econômica bem superior a outros, deve a receita dos entes maiores serem

repartidas com os menores a fim de possibilitar a existência, autonomia e independência

desses. Daí porque a nossa Carta Magna elenca diversas formas de repartição de receitas de

forma direta e indireta entre os entes políticos, mormente no que tange aos tributos da União e

dos Estados-membros, já que os municípios são os menores membros da federação.

Uma dificuldade encontrada dentro do sistema tributário nacional no que tange ao

federalismo fiscal é a de garantir autonomia financeira e orçamentária aos diversos entes

políticos que compõem a federação e ao mesmo tempo se ter um poder central, no caso

brasileiro a União, forte e com capacidade de organizar adequadamente a política fiscal em

todo o território nacional. Nota-se no Brasil uma dificuldade em adequar-se a esses aspectos,

mormente pelo fato de ser a União por demais centralizadora além de detentora de vasta gama

de competência tributária através da qual é a responsável pela mantença dos demais entes

federados.

Ainda no que concerne ao federalismo fiscal, a Constituição Federal de 1988, no título

VI, tratou de disciplinar os tributos que competem a cada ente federativo, delimitando a

competência de cada um deles e discriminando quais tributos cada um pode criar no exercício

de sua competência legislativa. Interessante destacar que as taxas e a contribuição de melhoria

podem ser criadas por qualquer dos entes, por se tratar de tributo vinculado a uma atuação

estatal específica. No tocante à independência na criação de seus tributos, Alexander

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Hamilton (O Federalista), já em 1973, defendia a autonomia dos Estados no tocante à

disciplina de seus tributos (1984, p.283):

Embora eu seja da opinião de que não haveria qualquer perigo real de ocorrerem as consequências temidas pelos governos estaduais, em virtude de a União exercer sobre eles o controle nas arrecadações – pois estou convencido de que a sensibilidade do povo, o enorme risco de provocar ressentimento nos governos estaduais e a convicção da utilidade e da necessidade das administrações locais para atenderem as respectivas jurisdições seriam uma sólida barreira contra o uso abusivo daquele controle – ainda assim estou disposto a admitir, integralmente, a procedência do raciocínio segundo o qual os Estados , isoladamente, deveriam desfrutar uma autoridade independente, não sujeita a controles, para arrecadar seus impostos a fim de atender às próprias necessidades. Ao fazer esta concessão, afirmo que (com a única exceção dos direitos sobre importações e exportações) eles poderiam, segundo o plano da convenção, conservar aquela autoridade em seu sentido mais aboluto e irrestrito; e que uma tentativa de parte do governo nacional para reduzi-la seria considerada uma violenta usurpação de poder, não autorizada por qualquer artigo ou dispositivo de sua constituição. (Grifou-se).

Portanto é essencial que os entes detenham autonomia na sua tributação e detenham

fontes de arrecadação próprias para garantirem a sua subsistência. Ocorre que como os

municípios muitas vezes têm extensão territorial muito pequenas e habitantes com pouca ou

nenhuma capacidade contributiva, faz-se necessário que se haja uma repartição de receitas. E

assim a nossa Constituição diz que pertencem aos Estados a receita decorrente do imposto

sobre a renda cobrado pela União dos servidores estaduais bem como vinte por cento do

produto da arrecadação dos impostos residuais que porventura a União venha a criar (art. 157

da CF/88). Já aos municípios compete receber o produto da arrecadação decorrente do

imposto sobre a renda cobrado pela União dos servidores municipais, metade do imposto

sobre a propriedade territorial rural (da União) referente aos imóveis situados no território do

município, metade do valor arrecadado com o IPVA (dos Estados) dentro do território

municipal e vinte e cinco por cento do valor arrecadado a título de ICMS (dos Estados) sobre

prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (art. 158

da CF/88).

Esta divisão de competências tributárias é a consagração do princípio do federalismo em

matéria fiscal. Isto porque o referido princípio determina que se estabeleçam competências

diversas para cada ente político em diversas matérias, inclusive a tributária. Sobre o tema,

interessantes as considerações de Lucíola Maria de Aquino Cabral (2010, p.495) que diz:

O princípio federativo impõe a delimitação das competências tributárias. Em conseqüência, o constituinte de 1988 optou por um sistema tributário rígido, no qual se encontram definidas as competências da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal para instituir, cobrar e arrecadar seus tributos. Relativamente aos Municípios e ao Distrito Federal, a Carta da República ampliou a autonomia municipal e distrital, em consonância com os preceitos constitucionais ali consagrados. Os limites de toda competência tributária encontram-se rigidamente

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traçados pela Constituição de 1988, que prevê também os remédios jurídicos adequados para afastar eventuais conflitos, considerando-se que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal encontram-se no mesmo patamar de igualdade.

Outro ponto importante do federalismo é que este deve ter uma constituição rígida como

fundamento jurídico. Isto porque somente assim se é capaz de assegurar que os entes

respeitarão as suas esferas de competência e não invadirão as áreas de atuação de outros entes

políticos sob pena de sofrerem as sanções estabelecidas pela própria Carta Magna, como a

intervenção. Ademais, no caso brasileiro, é vedado o direito de secessão, ou seja, nenhum ente

político tem a faculdade de se retirar do pacto federativo, inclusive é vedada a criação até de

emendas constitucionais tendentes a abolir a forma federativa de Estado, nos termos do artigo

60, §4º da Constituição Federal. Portanto, o vínculo que une União, Estados, Distrito Federal

e Municípios é indissolúvel.

A República Federativa do Brasil é o ente soberano, haja vista que os demais entes

políticos são dotados de autonomia, mas não de soberania, pois esta é perdida quando do

ingresso na federação. Ademais, cumpre ao Supremo Tribunal Federal a guarda da

Constituição, devendo este tribunal assegurar o cumprimento de seus dispositivos, inclusive

no tocante ao respeito ao federalismo, razão pela qual cumpre função primordial em um

Estado Federal forte, pois assegura que não haverão abusos do legislador no sentido de

desrespeitar as delimitações de competência e as áreas de atuação de cada ente político.

A opção do constituinte pelo sistema federal importa na adoção de princípios e valores

invioláveis pelo legislador e pelo intérprete que asseguram a proteção jurídica do Estado

federal e do próprio indivíduo em suas liberdades e direitos individuais. O poder público está

vinculado a cumprir o que foi estabelecido pela Carta Magna e os entes políticos devem

respeitar a sua área de atuação bem como concretizar aquilo que está dentro de sua esfera de

competência de forma a dar efetividade aos mandamentos constitucionais. Este sistema traz

uma série de vantagens do ponto de vista político, pois o Estado tende a ficar mais forte e

capaz de realizar uma justiça social na medida em que a União, através da repartição das

receitas tributárias e dos planos de governo, repassa aos Municípios menores as verbas

constitucionais, sem as quais muitos desses Municípios jamais conseguiriam manter uma

estrutura administrativa e prover o mínimo existencial aos seus habitantes.

Ademais, no plano internacional, o Estado também ganha força pois a sua representação

é fortalecida pelo conjunto de interesses dos Estados-membros, que tendem a não aceitar

tiranias, decisões de interesse puramente local. Ademais, o federalismo caminha lado a lado

com a democracia, tendo em vista que a descentralização do poder aproxima o cidadão das

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tomadas de decisões bem como propicia a diversidade política, na medida em que cada

Estado-membro tem seus representantes nas duas casas do Congresso Nacional, Câmara dos

Deputados e Senado Federal, defendendo os interesses e as peculiaridades de sua região, o

que não teria tanta efetividade em um estado unitário em que só existe um centro de poder e

este tende a ser centralizador.

Portanto, essas são algumas das características importantes do Estado federal. Fernando

L. Lobo d´Eça (2005,p.478) nos traz um interessante conceito do federalismo em que aponta

características essenciais a todos os Estados que adotam esse sistema, embora com suas

peculiaridades locais:

Assim, guardadas as diferenças históricas e institucionais específicas de cada Estado, pode-se definir o Estado Federal como aquele inserido no domínio tipológico do estado de composição complexa, formado por uma pluralidade de entes constitutivos e caracterizado essencialmente por uma descentralização e coordenação constitucional de poderes, a partir de um governo central (governo federal), que convive paralelamente sobre um mesmo território, com um ou mais centros de poder (entes federados); estes últimos dispõem de autonomia para se auto-organizar, criar ordenamento jurídico e tributos próprios, detendo cada qual, um aparato legislativo, executivo e judicial para poder exigir o cumprimento das normas por eles editadas e cujas competências se exercem diretamente, dentro da esfera outorgada pela Constituição Federal, sobre as pessoas e propriedades que se encontrem dentro de seus respectivos limites territoriais. (Grifo original).

Portanto, para o autor citado, o Estado federal deve ser formado por uma pluralidade de

entes políticos, caracterizando o que ele chama de composição complexa, deve Haber uma

descentralização política e uma coordenação de poderes disciplinada constitucionalmente, ou

seja, as competências de cada ente devem estar expressas no texto constitucional. Estes entes

políticos devem estar ligados a um governo central (no caso do Brasil, a União). Os entes

devem ter autonomia para estabelecer seu ordenamento jurídico, para se auto-organizar e para

instituir os seus próprios tributos dentro dos limites de competência impostos pela Lei Maior.

Para o autor, cada ente deveria ter Poder legislativo, Executivo e Judiciário próprios, o que, no

Brasil, não ocorre com os municípios que não possuem Poder Judiciário, para fazer valer seu

ordenamento dentro de seus limites territoriais. Essas seriam, portanto, as características

gerais do Estado federal, guardadas as diferenças existentes entre os diversos países,

mormente porque cada um vem de uma formação histórica diferente e, portanto, tem suas

peculiaridades.

Interessante destacar que em um país com dimensões continentais como o Brasil, é

bastante notória a heterogeneidade dos entes políticos, razão pela qual aqui não se defende

uma total simetria no modelo de federalismo, mas sim uma constante busca para que os

desequilíbrios e as desigualdades regionais de cunho social e econômicas sejam minimizadas

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para que se tenha uma União forte e que todos os componentes da federação caminhem em

prol de objetivos comuns. Vale destacar que existe atualmente a proposta de um modelo

assimétrico de federalismo, que propugna pelo tratamento jurídico diferenciado entre entes

que tem enormes discrepâncias, seja do ponto de vista territorial, populacional, econômico,

dentre outros e que, por isso, manter uma simetria de competência entre entes tão diversos não

seria razoável, razão pela qual não haveria razão para as competências serem iguais. Vejamos

o que diz Ricardo Victalino de Oliveira (2012, p. 36):

Propugnar a assimetria no âmbito dos Estados federais, em geral, demonstra ser a chave para o contorno de tensões cuja fonte está na pressuposição da igualdade formal entre as unidades federadas de igual enquadramento governamental. O conceito de simetria refere-se, pois, às atribuições comuns (leia-se padronizadas) de competências partilhadas entre os entes, bem como ao tratamento e à representação invariável que esses gozam perante o poder central da Federação. Tratar simetricamente os entes federados importa adotar a insustentável ficção de que as unidades subnacionais são, em aspectos jurídicos, todas iguais, e esperar que essa manobra não deflagre movimentos de contestação do espírito federalista.

Portanto o autor propugna a tese da assimetria federativa em que não haveria razão para

tratar simetricamente todos os entes federados na medida em que estes não são iguais e esta

pretensa simetria poderia acabar por ensejar tensões entre as unidades federadas e entre estas

e o poder central. No Brasil há uma divisão de competências entre os entes federados e, para o

que nos interessa, no âmbito tributário, os diferentes entes gozam de diferentes tributos a que

lhes compete instituir e cobrar. Longe de ser uma justa divisão, a própria constituição tratou

de compensar os entes políticos menores através de repasse de recursos além da criação de

fundos constitucionais para repartição de receitas. A teoria do federalismo assimétrico foi aqui

apresentada apenas para demonstrar a efetiva falta de simetria entre os entes políticos,

mormente quando se trata do federalismo fiscal, razão pela qual se faz necessário um ajuste

bem elaborado a fim de compensar os entes políticos menores para que estes possam gozar de

autonomia financeira.

2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS MANIFESTAÇÕES DO FEDERALISMO FISCAL

A Constituição Federal brasileira de 1988 traz uma série de manifestações do

federalismo fiscal. São instrumentos que possibilitam um Estado forte, onde todos os entes

possam dispor de autonomia financeira e onde os entes territorialmente e financeiramente

menores possam ser compensados pelos maiores para conseguiram manter sua estrutura

político-administrativa. Dentre as manifestações do federalismo fiscal em nossa Carta Magna,

são as mais evidentes: as imunidades, as repartições das receitas tributárias, a delimitação das

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competências dos entes políticos e a participação direta e indireta de entes menores nas

receitas de entes políticos de maior poder arrecadatório.

2.1 Das imunidades

Como manifestação do federalismo fiscal na forma de limitação constitucional ao poder

de tributar dos entes políticos, as chamadas imunidades, a Constituição Federal assim dispôs,

em seu artigo 150, V e VI, a:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

O princípio constitucional da não limitação ao tráfego de pessoas e bens é uma

manifestação que visa assegurar a unidade da República Federativa do Brasil. Portanto, não

poderá constituir fato gerador de tributo algum o fato de uma pessoa ou coisas transpassarem

a fronteira de um município a outro, ou de um Estado-membro para outro. Quanto a ressalva

estabelecida no próprio dispositivo acerca do pedágio, impende destacar que para haver a

cobrança deste pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público deve existir mais de

uma rota de saída do Município ou do Estado-membro, sob pena de haver uma violação do

princípio ora em comento.

O mandamento constitucional assegura a liberdade de locomoção dos indivíduos, além

de garantir o respeito ao pacto federativo na medida em que impede, por exemplo, que o

Estado de São Paulo estabeleça determinado tributo incidente sobre bens oriundos do Estado

do Rio de Janeiro. Exemplo de tributo flagrantemente inconstitucional por ferir o dispositivo

em análise seria a instituição de uma taxa municipal de visitação criada por uma cidade

serrana turística cujo fato gerador fosse a entrada do indivíduo em seu território. Ademais, a

liberdade de locomoção é um princípio constitucional assegurado no artigo 5º, XV da Carta

Magna.

A imunidade recíproca prevista no artigo 150,VI, a, da Constituição Federal é uma das

mais importantes manifestações do federalismo fiscal em nossa carta política. Isto porque

assegura que nenhum dos entes políticos poderá onerar outro com impostos. Cumpre destacar

que esta imunidade se refere somente aos impostos, justamente pelo seu caráter não

contraprestacional, razão pela qual nada obsta a cobrança de outros tributos entre entes

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políticos. O princípio federativo é tão consistente, que na opinião de Eduardo Sabbag (2011,

p. 292):

Como é cediço, o princípio federativo indica que existe mais de uma esfera de poder dentro do mesmo território, dele decorrendo a indissolubilidade do pacto federativo. É bastante crível a ideia segundo a qual, ainda que não estivesse contemplada tal imunidade em norma expressa, a imunidade recíproca defluiria logicamente do equilíbrio federativo, irradiando-lhe assim o timbre de uma norma ontologicamente imunizante. (Grifou-se).

Portanto, entende o autor citado que mesmo que não houvesse disposição expressa da

não cobrança de impostos entre os entes políticos estes não poderiam ser cobrados em razão

do princípio do pacto federativo, que constitui cláusula pétrea do ordenamento constitucional

pátrio, o que lhe assegura a não modificação nem mesmo através de emenda constitucional.

Ademais, existe uma isonomia entre os entes políticos, uma não hierarquia entre eles, razão

pela qual estes devem estar em situação de igualdade, o que corrobora para a não imposição

de impostos de uns sobre os outros.

O artigo 150,VI, a, da Constituição fala da imunidade recíproca dos impostos sobre

patrimônio, renda e serviços. Por uma interpretação literal do dispositivo poder-se-ia entender

que os demais impostos (imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre circulação de

mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação e imposto sobre operações financeiras) que não incidem sobre patrimônio, renda

ou serviços poderiam ser cobrados entre entes políticos. Ocorre que esta é uma leitura

apressada do dispositivo, tendo em vista que a intenção do legislador constitucional foi

justamente a de evitar conflitos entre os entes políticos e assegurar a manutenção do pacto

federativo, razão pela qual o dispositivo estende-se para todos os impostos previstos no texto

constitucional.

Esta imunidade também se estende às autarquias e fundações instituídas e mantidas

pelo Poder Público, conforme disposição expressa do artigo 150, §1º da Constituição Federal.

Embora não estejam expressamente incluídas no texto constitucional no que se refere a

imunidade recíproca, esta estende-se as autarquias de regime especial que são as agências

reguladoras e as agências executivas, além das associações públicas com personalidade

jurídica de direito público. É o entendimento de Eduardo Sabbag (2011, p.297). Por fim,

cumpre salientar que a imunidade prevista para as autarquias e fundações é condicionada ao

atendimento de suas finalidades essenciais e as dela decorrentes.

2.2 Da Repartição das receitas tributárias

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Em um país federalista, se faz de grande importância que haja uma delimitação

constitucional das receitas tributárias. E é o que ocorre no Brasil, pois a Constituição Federal

de 1988, na seção VI do título VI (Da Tributação e do Orçamento) trata da repartição das

receitas tributárias entre os entes políticos do artigo 157 à 162. Isso ocorre para que todos os

entes possam exercer plenamente a sua autonomia, sua capacidade de auto-organização, tendo

em vista que em um país de dimensões continentais como o Brasil existem enormes

diferenças territoriais e socioeconômicas entre as diferentes regiões, razão pela qual a

repartição de receitas funciona de forma a garantir que os entes menos abastados receberão

uma certa quantia de dinheiro que, em tese, será suficiente para manter a sua estrutura

organizacional e garantir o exercício de sua autonomia.

Passa-se a analisar como se dá essa repartição de receitas tributárias entre os diversos

entes federados. Aos Estados e ao Distrito Federal, a Constituição Federal garante, no artigo

157, que a estes pertence cem por cento do produto da arrecadação do imposto sobre a renda

de competência da União incidente na fonte sobre rendimentos pagos pelos Estados e Distrito

Federal aos seus servidores bem como de suas autarquias e fundações públicas. Fica também

com os Estados-membros e o Distrito Federal vinte por cento do produto da arrecadação dos

impostos residuais que porventura a União venha a instituir.

Aos Municípios a Carta Magna de 1988 estabeleceu que pertencem a estes cem por

cento do produto da arrecadação do imposto sobre a renda de competência da União incidente

na fonte sobre rendimentos pagos por aqueles aos seus servidores bem como de suas

autarquias e fundações públicas. Receberá também o Município a metade do valor arrecadado

pela União com o Imposto Territorial Rural incidente sobre propriedades que estejam em seu

território ou cem por cento no caso de aquele optar por fiscalizar e cobrar o imposto. Também

receberá a metade do valor arrecadado pelos Estados-membros incidentes sobre a propriedade

de veículos automotores licenciados em território do município. Ademais, aos Municípios

cabe receber vinte e cinco por cento do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços

de competência dos Estados-membros.

Além desses repasses previstos nos artigos 157 e 158 da Carta Política, também

existem o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios que

assegura o repasse de determinadas receitas da União aos demais entes políticos. A repartição

de receitas tributárias se divide em: direta e indireta. Direta quando os recursos são repassados

diretamente ao outro ente político e indireta quando o repasse se dá através de fundos

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instituídos para esse fim. Ricardo Lobo Torres (2007, p. 366-367), com a clareza que lhe é

peculiar aduz que:

A CF 88 ampliou e refinou o sistema de repartição das receitas tributárias (vide p.357). Iniciada com a Emenda Constitucional nº 18/65, as participações sobre a arrecadação constituem instrumento importante para o equilíbrio financeiro do Estado Federal, desde que estabelecidos os meios de controle para a entrega correta e pontual dos recursos. A nova disciplina assegura aos Estados e municípios volume maior de recursos e, ao mesmo tempo, alivia o sistema dos condicionamentos e das restrições anteriormente aplicáveis [...]. Do ponto de vista constitucional os ajustes intergovernamentais se fazem principalmente pela repartição das receitas tributárias ou, melhor, pela participação sobre a arrecadação de impostos alheios. É instrumento financeiro, e não tributário, que cria para os entes políticos menores o direito a uma parcela da arrecadação do ente maior. As participações podem ser diretas ou indiretas; a diferença consiste em que as indiretas se realizam através de fundos e a lei complementar pode estabelecer condições para o rateio, enquanto as outras são entregues diretamente aos entes menores ou por eles apropriadas mediante mera transferência orçamentária. (Grifo original).

Como demonstrado, os fundos de participação têm o objetivo de garantir a

sobrevivência do ponto de vista financeiro dos entes políticos menores. Passa-se a analisar a

forma de distribuição do fundo de participação dos Estados-membros e do fundo de

participação dos Municípios, ambos previstos no artigo 159 da Constituição Federal.

Portanto, nos termos deste artigo, a União entregará quarenta e oito por cento do

produto da arrecadação do imposto sobre a renda e do imposto sobre produtos

industrializados, sendo vinte um inteiro e cinco décimos por cento devidos ao Fundo de

Participação dos Estados e do Distrito Federal e vinte e dois inteiros e cinco décimos por

cento ao Fundo de Participação dos Municípios. Três por cento para aplicação em programas

de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por serem historicamente as

que mais necessitam de apoio para se desenvolver. Um por cento ao FPM.

A União repassará dez por cento do valor arrecadado com o imposto sobre produtos

industrializados aos Estados e ao Distrito federal, de forma proporcional ao valor das suas

exportações de produtos industrializados. Entregará também vinte e nove por cento do valor

arrecadado com a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa as atividades de

importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e

álcool combustível aos Estados e ao Distrito Federal.

3 A CONGRUÊNCIA DOS DISPOSITIVOS QUE REGULAM O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

A doutrina constitucional se manifesta no sentido de que os artigos originários da

Constituição, ou seja, aqueles inseridos no texto constitucional elaborado pela Assembléia

Nacional Constituinte, não poderiam estar eivados de inconstitucionalidade. Isto porque o

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poder constituinte originário é ilimitado, não devendo respeito a nenhuma ordem jurídica

anterior, devendo respeitar, para os jusnaturalistas, o direito natural e, para os juspositivistas,

nem isto. Nas palavras do ilustre professor Pedro Lenza (2008, p.164):

[...] As normas constitucionais fruto do trabalho do poder constituinte originário serão sempre constitucionais, não se podendo falar em controle de sua constitucionalidade. Os aparentes conflitos devem ser harmonizados através da atividade interpretativa, de forma sistêmica. Já o trabalho dos poderes derivados, como estudado, pode ser declarado inconstitucional, uma vez que referido poder é condicionado aos limites e parâmetros impostos pelo originário.

Acontece que, embora os preceitos originários da Constituição Federal não possam ser

declarados inconstitucionais, certas vezes determinados artigos entram em choque com

princípios constitucionais. Como proceder? Deve ser feita uma interpretação harmoniosa do

texto constitucional com o fim de se alcançar o sentido da norma, sempre em prol do interesse

da nação e privilegiando os princípios constitucionais fundamentais. Conforme já dito, o

princípio federativo é imutável e não pode ser sequer objeto de emenda tendente a abolir a

forma federativa de Estado. Ocorre que alguns artigos do sistema tributário nacional entram

em aparente conflito, pois acabam por enfraquecer a forma federativa de Estado.

Conforme explicado no tópico anterior os Estados membros e os municípios recebem,

através dos respectivos Fundos de Participação, parte da receita arrecadada pela União com o

imposto sobre produtos industrializados. Ocorre que a própria Constituição, em seu artigo

153, §1º permite que a União federal reduza as alíquotas por meio de ato do chefe do Poder

Executivo por tratar-se de tributo extrafiscal. Ocorre que, ao proceder dessa maneira, os

Estados e os Municípios saem extremamente prejudicados, pois dependem economicamente

dos repasses dos fundos de participação e tem sua receita por demais reduzida quando a União

resolve deixar a alíquota do IPI em valores irrisórios como forma de incentivar determinado

setor específico da economia que porventura se encontre em dificuldades.

Por certo que tal procedimento vai de encontro ao equilíbrio do pacto federativo, pois os

entes políticos menores, que não possuem grandes montas de recursos e dependem fortemente

dos repasses dos fundos ficam limitados em seu orçamento e acabam por não conseguir

desenvolver-se, isso quando conseguem pagar suas contas. Sem a pretensão de esgotar o

tema, sugere-se que os municípios e os estados deveriam ser compensados em suas perdas a

fim de que possam manter suas finanças equilibradas e consigam cumprir com as atribuições

constitucionais que lhes são impostas.

Como o imposto sobre produtos industrializados é exceção à anterioridade anual e tem a

legalidade estrita mitigada, a alteração de suas alíquotas produz efeitos em noventa dias após

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a publicação do decreto do chefe do Poder Executivo, o que faz com que não haja tempo para

que os entes que dependem dos repasses desse tributo se planejem para uma diminuição nas

suas receitas, razão pela qual se faz necessário que se estabeleça uma forma de compensação

para estes entes como forma de garantir o equilíbrio do federalismo fiscal. A título de

exemplo de como o federalismo fiscal é prejudicado com a redução das alíquotas do IPI, a

Confederação Nacional dos Municípios, em matéria publicada em outubro de 2012 em seu

sítio eletrônico, disse que: “neste ano de 2012, em razão da desoneração do IPI praticada pelo

governo, os Municípios já deixaram de receber mais de R$ 1,5 bilhão em FPM e enfrentam

uma difícil crise financeira”. Em contrapartida, as despesas com pessoal, com o custo fixo de

manutenção de prédios, dentre outros custos fixos inevitáveis dos municípios, os maiores

prejudicados, são os mesmos e estes acabam por entrar em crises financeiras ficando sem

recursos para outros projetos.

Levando em conta que o IPI tem forte função extrafiscal, servindo para regular a

economia e incentivar ou deixar de incentivar o consumo de determinados tipos de produtos,

este cumpre um importante papel na economia do país, razão pela qual aqui não se questiona

esta sua importante função, mas sim a necessidade de compensação dos demais entes, mais

fracos financeiramente do que a União, como forma de preservação do equilíbrio do pacto

federativo. Considerando ainda o importante papel do IPI na economia, os Estados membros

são menos prejudicados do que os municípios com a redução deste imposto, tendo em vista

que aqueles acabam sendo compensados com o incremento das vendas que acarreta no

aumento na arrecadação do ICMS, de competência estadual, enquanto que os municípios não

têm nenhuma forma de compensarem-se das perdas.

Outro tributo que tem importante papel no equilíbrio do federalismo fiscal é a

contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no artigo 177, §4º da

Constituição Federal. Isto porque vinte e nove por cento do valor arrecadado com esta

contribuição é destinado aos Estados membros. Ocorre que, como o IPI, referida contribuição

tem função regulatória importante na economia e pode ter sua alíquota reduzida e

restabelecida por ato do Poder Executivo, sem respeitar a noventena, ou seja, entrando a

alteração em vigor noventa e um dias após a publicação do decreto, não há como os Estados

membros se prepararem para a queda brusca nas receitas do fundo de participação dos

estados.

O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativo a títulos ou valores

mobiliários previsto no artigo 153 da Constituição Federal, de competência da União, também

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tem a legalidade mitigada e pode ter suas alíquotas alteradas por decreto do chefe do Poder

Executivo. Levando em consideração que, quando se trata do ouro definido em lei como ativo

financeiro, trinta por cento do valor da arrecadação pertence ao Estado membro de origem ou

Distrito Federal e setenta por cento para o Município de origem a redução das alíquotas deste

imposto tem forte repercussão nas receitas destes entes políticos.

Todo o exposto nos faz refletir acerca do federalismo fiscal e de suas incongruências.

Sem a pretensão de esgotar o tema, sugere-se aqui a adoção, por meio de emenda

constitucional, de medidas que assegurem a redução do impacto de isenções nos entes

políticos menores, assegurando formas de compensação quando se faça necessário reduzir

alguns tributos como forma de controle da economia nacional, mormente nos casos de

tributos que são exceção ao princípio da não surpresa e que tem a legalidade mitigada, pois

estes são alterados rapidamente sem que haja um lapso temporal para que os entes menores

que dependem destes recursos possam estruturar-se e prepararem-se para a diminuição dos

repasses que receberiam.

CONCLUSÃO

Neste trabalho algumas características do federalismo foram abordadas, sendo esta a

forma de Estado da República Federativa do Brasil e foram tecidas algumas considerações

acerca das especificidades desse tipo de Estado no que tange à tributação e a repartição de

receitas entre os entes federados. Portanto, conseguiu-se perceber que as principais

manifestações do chamado federalismo fiscal são as limitações constitucionais ao poder de

tributar dos entes políticos que atingem outros membros da federação, a definição da

competência tributária privativa de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e também a

repartição constitucional das receitas arrecadas com tributos entre os entes que participam da

federação brasileira.

Foram analisadas algumas das dificuldades enfrentadas pelos Estados que adotam o

modelo do federalismo, mormente no que tange ao federalismo fiscal. A grande gama de

competências tributárias em nosso país pertence ao poder central, a União, e esta é

responsável por repassar as receitas decorrentes da arrecadação de alguns desses tributos aos

demais entes federados. Em decorrência disso, dá-se a dificuldade dos entes políticos menores

de prover sua subsistência pelos próprios meios, dificultando a auto-administração, razão pela

qual sua autonomia resta prejudicada tendo em vista que estes se encontram sempre sob a

dependência da União que, por vezes, acaba os prejudicando com decisões, visando regular a

economia nacional, que afetam os repasses devidos.

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O objetivo deste trabalho, qual seja, verificar a congruência dos dispositivos que

regulamentam o sistema tributário nacional com o federalismo que deve ter um equilíbrio

satisfatório entre todos os membros da federação, embora aqui não se defenda que deva ser

totalmente simétrico, foi estudado ao longo dos tópicos e, sem a pretensão de esgotar o tema

ou apontar uma conclusão definitiva, entende-se que os dispositivos constitucionais que

regulam o sistema tributário nacional por diversas vezes se mostram incongruentes pois

acabam por enfraquecer os membros da federação com territórios menores ou economias mais

fracas na medida em que deixam ao alvedrio da União isentar, ou reduzir alíquotas de alguns

tributos, mediante simples decreto do chefe do Poder Executivo federal, que repercutem na

receita de outros entes federados e compõem fundos destinados a repasses a estes entes.

REFERÊNCIAS

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______________, FPM: prorrogação do IPI para veículos terá reflexo direto no valor do fundo. Confederação Nacional de Municípios. Publicado em 24 out 2012. Disponível em <http://www.cnm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21109&catid=34&Itemid=186>. Acesso em 27/11/2012.

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A DESONERAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES E O REMICEX: POSSIBILIDADE

DE EVASÃO TRIBUTÁRIA DE ICMS E INVASÃO DE COMPETÊNCIA

THE EXEMPTION EXPORTS AND REMICEX: TAX EVASION OF THE

POSSIBILITY OF INVASION AND RACING ICMS

Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba 1

Tânia Luíza Calou de Araújo e Mendonça 2

RESUMO

As atividades de importação e de exportação, compreendidas na definição de comércio exterior, alavancaram-se consideravelmente no Brasil nos últimos anos. Assim, a partir de uma posição de maior destaque do país no cenário internacional, o Estado e a sociedade vêm empreendendo maiores esforços para inserir os produtos nacionais na pauta internacional. Para tanto, necessário se fez um esforço para desonerar os produtos a serem exportados. No âmbito federal, foi instituído o Regime de Entrega de Embalagens no Mercado Interno em Razão da Comercialização a Empresa sediada no Exterior (Remicex), que implica, ao final, na isenção das contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS quando da operação de remessa de embalagens a serem utilizadas no acondicionamento de mercadorias a serem exportadas. Contudo, a redação da Instrução Normativa SRF nº 773/2007 peca pela falta de rigor no emprego de termos técnicos, extrapolando a competência federal, que podem induzir o contribuinte ao não recolhimento do ICMS devido. O objetivo do presente trabalho é analisar o Remicex e seus impactos na legislação afeta ao ICMS. Propõe-se desenhar o sistema jurídico aplicável ao tributo estadual e sua afetação pela legislação federal. A metodologia é bibliográfica, descritiva e exploratória. A importância da análise de tal tema ressurge, em última análise, pelo equívoco que pode ser gerado na atuação do contribuinte frente ao ente estadual e as consequências disso para a empresa.

PALAVRAS-CHAVE

COMÉRCIO EXTERIOR; EXPORTAÇÃO; REMICEX; HIPÓTESE DE

INCIDÊNCIA DO ICMS.

ABSTRACT

The activities of import and export, included in the definition of foreign trade, leveraged up considerably in Brazil in recent years. Thus, from a position of greater prominence

1 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Analista jurídica da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará. Professora universitária. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail: [email protected]

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on the international scene in the country, the state and society have undertaken major efforts to enter the domestic products on the international agenda. Therefore, it was necessary an effort to relieve the products to be exported. At the federal level, the Scheme was instituted Delivery Packaging Market in Internal Reason for the Marketing Company headquartered abroad (Remicex), which implies, in the end, the exemption of PIS/PASEP and Cofins. However, the wording of the Normative Instruction nº 773/2007 suffers from the lack of rigor in the use of technical terms, extrapolating the federal jurisdiction, which may induce taxpayers to non-payment of ICMS. The objective of this study is to analyze the Remicex and their impact on legislation affecting the ICMS. It is proposed to draw the legal system applicable to state tax and his affectation by federal law. The methodology is bibliographic, descriptive and exploratory. The importance of analyzing this issue resurfaces, ultimately, by mistake that can be generated in the action against the taxpayer's entity state and the consequences for the company. KEY-WORDS

FOREIGN TRADE, EXPORT; REMICEX; EVENT OF IMPACT OF ICMS.

INTRODUÇÃO

Ao se iniciar um estudo mais aprofundado sobre o comércio exterior, percebe-

se o quanto se trata de atividade complexa, bem como o quanto é importante a atuação

governamental no sentido de estimular as trocas internacionais. Assim, às importações e

às exportações são reservadas atenções especiais, a depender da estratégia adotada pelo

Estado.

Contudo, especialmente em um país como o Brasil, no qual a tributação

indireta repousa severa sobre mercadorias e serviços, torna-se extremamente difícil

obter sucesso nas políticas desoneratórias, posto que os tributos “incrustam-se” de tal

forma no preço final que parece impossível retirá-los.

Assim, medidas desoneratórias, aplicáveis aos mais variados tributos,

notadamente os de competência federal, vêm sendo operacionalizadas com bastante

intensidade, destacando-se a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Dentre outras

disposições, tal lei instituiu o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de

Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de

Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de

Inclusão Digital, dispondo, por fim, sobre uma série de incentivos fiscais federais para a

inovação tecnológica.

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Dentre os incentivos contidos nessa lei, destaca-se a instituição do Regime de

Entrega de Embalagens no Mercado Interno em Razão da Comercialização a Empresa

sediada no Exterior (Remicex), o qual concede aos habilitados, ao se comprovar a

exportação, isenção sobre as Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS nas

operações de vendas de embalagens que comporão produto final a ser exportado.

Nesses termos, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRF) editou a

Instrução Normativa nº 773/2007, que estabelece os procedimentos a serem adotados

pelas empresas para fazerem jus ao Remicex. Tais procedimentos foram por demais

minudentes e, especialmente no tocante à operação de remessa de embalagens entre as

empresas situadas aqui no Brasil, utilizou-se da expressão “simples remessa”, que

representa, normalmente, operações não tributadas pelo ICMS.

Assim, apesar de se tratar de operação com incidência normal do ICMS, qual

seja, a comercialização de embalagens, a expressão acima pode induzir o contribuinte a

crer se tratar de isenção, também, de ICMS, o que contraria a legislação aplicável a este

imposto.

Com isso, a falta de rigor técnico federal poderia indicar, também, a

possibilidade da empresa realizar planejamento tributário em sede de ICMS, quando,

em verdade, não há outro caminho para essa operação que não a incidência do imposto

estadual, a ser recolhido aos cofres do ente tributante estadual quando da saída do

Estado no qual se localize a remetente das embalagens.

Nesse sentido, o presente artigo, a partir do destaque do comércio

internacional, passará a elucidar os aspectos primordiais do Remicex, chegando ao

confronto com a legislação do ICMS, e excluindo qualquer possibilidade de

reconhecimento de benefício fiscal deste tributo, por falta de convênio específico,

aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

1 A POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR E A NECESSÁRIA

DESONERAÇÃO TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES

O comércio exterior, representado pelas atividades de importação e de

exportação, tornou-se um fator de diferenciação dos países no cenário internacional,

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especialmente no Brasil. É bem verdade que o próprio fenômeno da globalização, cuja

discussão acerca de quando se inicia esse fenômeno não será aqui aprofundada, estimula

a busca por novos mercados, em uma recolonização do mundo tendo por finalidade

auferir maiores lucros.

Outro fator que fez com que as discussões nacionais girassem ainda mais em

torno dessa temática se deu após a criação do acrônimo BRICS, em 2001, no Global

Economics Paper nº 06 (Building Better Global Aconomic BRICs), da agência Goldman

Sachs, e que se tornou popular a partir de 2003, quando Brasil, Rússia, Índia, China e

África do Sul, países anteriormente julgados secundários, foram destacados dos demais

em virtude de um suposto deslocamento fundamental da dinâmica de acumulação global

(POCHMANN, 2012, p. 139).

Nesse contexto, em meio à crise que assolou o mundo a partir de 2008 e cujos

reflexos ainda hoje são sentidos, o grupo BRICS foi o responsável por “2/3 do

crescimento da demanda global, com a expectativa de que sigam contribuindo de

maneira majoritária para os próximos dez anos” (POCHMANN, 2012, p. 139).

Nesse contexto, despontam as multinacionais e a volatilidade do capital é

exposta nas primeiras páginas dos jornais. Contudo, pode-se destacar alguns fatores que

estimulam esse comércio exterior e o torna uma necessidade para a sobrevivência da de

cada nação em particular e do mundo como um todo.

Há de se destacar que a influência do crescimento sobre o comércio está

presente nas discussões sobre a abundância de fatores, notadamente os naturais, como a

terra, a tecnologia e a capacidade de transformação (KINDLEBERGER, 1968, p. 159),

os quais, mesmo com aproximações um pouco distintas, são as mesmas questões que

serão abordadas a seguir.

Assim, a começar pela desigualdade dos recursos naturais, que representa um

dos vieses dessa abundância de fatores, a questão da disponibilidade de jazidas minerais

destaca o Brasil pela evidente grandiosidade de seus recursos naturais, incluindo os

recursos minerais e hídricos, que tanto fazem os olhos do mundo voltarem-se a este

país.

Aqui, então, o papel de destaque para a exportação desses itens para os grandes

mercados consumidores, notadamente a China que, em sua sede devoradora por

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recursos, abocanha grande parte dos recursos exportados no mundo todo. Friedman

(2010, p. 504) dá notícias dessa fome por recursos da China, indicando a nova

vanguarda do planeta:

Está tudo nos números: a China possui 1/5 da humanidade; é hoje o país que mais emite carbono; é o segundo maior importador de petróleo, depois dos Estados Unidos; e, de acordo com uma reportagem do Times, de Londres (28 de janeiro de 2008), já é o maior importador mundial de níquel, cobre, alumínio, aço, carvão e minério de ferro. As importações de madeira também são muito altas. Não é um exagero dizer: para onde vai a China, vai o planeta Terra.

Outro aspecto a ser apontado como estimulador da política de comércio exterior,

e que segue a linha acima apontada, refere-se à diferença de solos e climas (MAIA,

2010, p. 2), o que também torna o Brasil um país privilegiado no contexto internacional.

Nesse sentido, “o Brasil tem terras disponíveis em uma escala que nenhum outro país

tem hoje” (CORRÊA, 2009).

Por fim, mas não menos importante, a diferença de estágios de desenvolvimento

econômico (MAIA, 2010, p. 2) e social, que acaba por perpetuar a balança comercial

favorável àqueles países que possuem um alto valor agregado para suas exportações, a

exemplo dos Estados Unidos, nas quais predominam os bens de conteúdo tecnológico

relevante. Nesse tocante, o Brasil ainda caminha a passos lentos.

Com tudo isso, várias medidas foram adotadas pelo Governo Federal brasileiro,

especialmente na última década, com vistas a impulsionar ainda mais a consolidação do

país no cenário internacional de comércio. Sabe-se que as grandes deficiências

brasileiras estão justamente quanto ao desenvolvimento econômico e social acima

apontados e que, ao serem confrontados com os países em um nível de desenvolvimento

aproximado do brasileiro, este possui índices aquém do desejado.

Um exemplo desse estímulo pode ser verificado com a promulgação da Lei nº

11.196, de 21 de novembro de 2005. Dentre outras disposições, tal lei instituiu o

Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de

Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de

Capital para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital,

dispondo, por fim, sobre uma série de incentivos fiscais federais para a inovação

tecnológica.

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Mais recentemente, em um plano plurianual, com execução prevista para os anos

de 2011 a 2014, denominado Brasil Maior, foram estabelecidas uma série de medidas

notadamente desoneratórias que visam a reduzir os custos do capital e do trabalho e que

impactam diretamente no preço do produto final ofertado no estrangeiro.

Tais medidas foram espalhadas na legislação tributária federal a partir da

alteração de leis já existentes (como a Lei Complementar nº 123/2006 e a Lei nº

12.546/2011), bem como a edição de diplomas novos, como a Lei nº 12.715, de 17 de

setembro de 2012, e cujo foco foi direcionado no sentido de eliminar ao máximo a

tributação sobre os bens exportados pelo país.

Dentre essas medidas, pode-se citar: desoneração de quarenta e dois setores

produtivos, incluindo indústria, comércio e prestação de serviços; eliminação da

contribuição patronal do INSS com compensação parcial da nova alíquota de 1% sobre

faturamento bruto, excluídas as receitas brutas provenientes de exportação e ampliação

das faixas do Simples Nacional, com vistas a abarcar uma maior quantidade de

empresas no regime tributário diferenciado e favorecido conferido às microempresas

(ME) e às empresas de pequeno porte (EPP).

Aqui, então, no tocante às ME e às EPP, deu-se uma verdadeira revolução em

termos de estímulo às exportações posto que o limite de R$ 3.600.000,00 (três milhões e

seiscentos mil reais) foi dobrado, conferindo uma margem de R$ 3.600.000,00 (três

milhões e seiscentos mil reais) apenas para exportações de mercadorias, inclusive

quando realizada por comercial exportadora ou por sociedade com propósito específico

(§ 14, art. 3º, LC nº 123/2006), o que representa a possibilidade dessas empresas terem

uma receita bruta anual de até R$ 7.200.000,00 (sete milhões e duzentos mil reais).

Contudo, ultrapassada as questões político-econômicas, necessário se faz

observar o comércio internacional enquanto dinâmica estrutural apropriada pelo Direito

e ordenada segundo regras e princípios contidos na legislação pátria ou mesmo

espalhados no ordenamento internacional e que disciplinam o modus operandi dessa

atividade lucrativa.

Ratificando esse enunciado e apresentando definição sobre o tema, Lopez (2011,

p. 179) define o comércio internacional:

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(...) como o conjunto de operações realizadas entre países onde há intercâmbio de bens e serviços ou movimento de capitais. Este comércio é regido por regras e normas, resultantes de acordos negociados, em órgãos internacionais, a exemplo da OMC, da OMA e da CCI (Câmara de Comércio Internacional), e que são adotadas pelos governos dos países signatários. (...)

De outro modo, comércio exterior representa a relação comercial de um país específico com os demais, expressa em termos, regras e normas internas (legislação), em função de propósitos, prioridades, limitações e exigências, visando resguardar os interesses do país, preferencialmente sem colidir com as normas de comércio internacional.

Isto posto, enquanto dinâmica, tal comércio ocorre por meio de importações e de

exportações, sendo relevante para o presente estudo o foco sobre estas. Contudo, apenas

a título informativo, faz-se necessário definir a importação como sendo “a entrada de

mercadoria em um país, procedente do exterior” (LOPEZ, 2011, p. 303).

Quanto à exportação, pode-se ter três conceitos distintos, a depender do critério

pelo qual se orienta: a exportação sob o aspecto comercial, a exportação sob o aspecto

aduaneiro e a exportação sob o aspecto cambial (LOPEZ, 2011, p. 215). Cada um

desses aspectos representa um olhar diferente sob o mesmo fenômeno, não

representando uma independência entre eles.

Quanto ao aspecto comercial, configura-se a exportação quando uma

determinada mercadoria

(...) é disponibilizada ao comprador estrangeiro em local e prazo estipulados em contrato de compra e venda internacional. Inclusive, esse local de entrega é chamado de fronteira comercial, pois, a partir dele, no tempo aprazado, ocorre a transferência de riscos de perdas e danos do vendedor para o comprador (traditio ou transferência de responsabilidade), assim como o comprador assume todas as despesas posteriores. (LOPEZ, 2011, p. 215)

No tocante ao aspecto aduaneiro, o cerne está na saída do território aduaneiro, o

qual compreende todo o território nacional. Nesse sentido, a constatação dessa saída irá

variar em função do modal de transporte utilizado sendo, para as vias aérea e marítima,

o momento do ingresso no veículo de transporte internacional e, caso a saída se dê pela

via terrestre, rodoviária ou ferroviária, quando ocorrer a ultrapassagem da fronteira do

país (LOPEZ, 2011, p. 215).

Por fim, quanto ao aspecto cambial, muitas vezes de difícil constatação pela

volatilidade que já foi apontada acima, a exportação se configura com “o ingresso da

divisa pertinente em pagamento (liquidação do contrato de câmbio)” (LOPEZ, 2011, p.

215).

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Com isso, a partir da tomada desses aspectos, os Estados passaram, desde os

tempos mais remotos, a visualizar oportunidades de tributação sobre esse comércio

exterior, integrando a essa atividade caracteres especiais, notadamente por refletir as

estratégias adotadas por cada um dos países. Exemplos históricos podem ser extraídos

ainda em Roma:

Mesmo sem ter a intenção de utilizar mecanismos aduaneiros para proteger a sua economia, Roma instituiu, durante a República – mantendo-a em vigor durante toda a duração do Império –, a portoria. Trata-se de uma imposição fiscal que em diferentes aspectos se aproxima das atuais taxas alfandegárias. Tal fenômeno se dá principalmente em virtude do aumento no volume do tráfico mercantil entre as Urbs e seus parceiros comerciais, tendo por objetivo única e exclusivamente o aumento de renda para os cofres do Estado. À portoria somavam-se, ainda, outras contribuições de caráter indireto que incidiam sobre a importação e a exportação, tais como a taxa cobrada sobre o comércio de sal, garantindo entradas imponentes ao Estado romano. (RI JUNIOR, 2006, p. 39-40)

Dessa forma, políticas de crescimento que intentam estimular determinadas

atividades industriais internas podem, a priori, impedir a importação desses produtos do

exterior, por meio de forte taxação ou mesmo reduzir ou eliminar a tributação sobre os

bens de capital necessários para aparelhar o parque industrial.

Daí, a correlação justa e necessária entre os objetivos a serem alcançados por

uma nação com o comércio exterior, em um panorama estratégico e individualizado de

cada país ou mesmo de um bloco econômico, sendo a tributação instituída sobre a

entrada de mercadorias ou sobre suas saídas do território aduaneiro.

Ademais, especialmente no tocante à formação dos blocos, podem-se estabelecer

preferências entre os intervenientes desse comércio, sob a forma de parcerias, com

tributação menos gravosa ou mesmo com a concessão de isenções, como forma de

alcançar objetivos outros, como o fortalecimento de políticas de segurança nacional ou

mesmo de políticas imigratórias.

Por fim, a preocupação do Brasil em desonerar os tributos, notadamente os

indiretos, que incidem sobre toda a cadeia de produção de mercadorias, com vistas a que

estes alcancem o mercado internacional com preços mais competitivos, justifica-se

plenamente, em face de um sistema tributário que prestigia a tributação disfarçada e sem

transparência.

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Nesse tocante, apenas em comparação aos parceiros do MERCOSUL, o Brasil

possui uma carga tributária 20% mais elevada, além de uma complexidade do sistema

tributário exponencialmente maior: enquanto a maior parte dos integrantes do bloco sul-

americano possui taxação única, por meio do Imposto sobre Valor Agregado (IVA),

aqui são mais de noventa tributos distintos, das mais variadas espécies, e que compõem

uma orquestra desastrosa para a economia local ao enfrentar a economia internacional3.

Com tudo isso, a tônica a ser adotada no tocante às exportações não pode ser

outra senão a desoneração da cadeia produtiva visto que o princípio a ser observado, e

que rege a seara internacional nesse tocante, é o de que a tributação há de ser embutida a

partir da entrada no país de destino, como forma de estimular as trocas e evitar que

custos operacionais sejam trespassados indiretamente ao valor final.

Diante disso, e em consonância com essa meta, como já visto, o Governo federal

alterou a legislação visando a essa desoneração. Contudo, as medidas operacionais que

refletem essa política foram sendo adotadas, notadamente pela Receita Federal do Brasil

(RFB), a partir da edição de instruções normativas ou documentos congêneres e que

tratam dos procedimentos a serem adotados pelas empresas para alcançar uma

tributação menos gravosa ou mesmo a isenção, o que será analisado pontualmente a

partir de agora com a discussão em torno do Remicex.

2 A ATUAÇÃO FEDERAL NA DESONERAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES: O

REGIME DE ENTREGA DE EMBALAGENS NO MERCADO INTERNO EM

RAZÃO DA COMERCIALIZAÇÃO A EMPRESA SEDIADA NO EXTERIOR

(REMICEX)

O Remicex é um regime especial de tributação estabelecido na esfera federal,

criado pela Lei federal nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, regulamentado pelo

Decreto nº 6.127, de 18 de junho de 2007 e cujo procedimento operacional encontra-se

disposto na Instrução Normativa RFB nº 773, de 28 de agosto de 2007. Trata-se, em

essência, conforme estabelecido no art. 1º da IN RFB nº 773/2007, do “Regime de

3 Disponível em: http://www.impostometro.com.br/noticias/carga-tributaria-brasileira-diminui-competitividade-com-vizinhos-do-mercosul. Acesso em 13 mar. 2013.

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Entrega de Embalagens no Mercado Interno em Razão da Comercialização a Empresa

sediada no Exterior (Remicex)”.

Representa uma medida apta a amenizar a carga tributária dos bens que são

exportados, tendo em vista a dificuldade de se extrair os tributos que, indiretamente,

impactam no preço final dos produtos e que geram graves distorções no custo final,

tornando os produtos nacionais pouco competitivos no mercado internacional, como já

abordado no capítulo anterior.

Tal regime especial concede, ao final de sua operacionalização, isenção da

Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de

Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), bem como da Contribuição

para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), quando das operações de

remessa de embalagens entre as empresas habilitadas ao regime.

Deve-se fazer a ressalva de que tal isenção, ou nos termos da Lei nº

11.196/2005, atribuição de alíquota zero (§ 1º, art. 49, Lei nº 11.196/2005), só é

concedida ao final do processo de exportação, pois, antes que seja comprovada a efetiva

saída da mercadoria acondicionada para o exterior, há mera suspensão das contribuições

federais suprarreferenciadas (art. 49, Lei nº 11.196/2005 e parágrafo único do art. 9º, IN

RFB nº 773/2007).

Acerca da utilização desse artifício da alíquota zero e não diretamente a

utilização da palavra isenção, com toda a carga semântica que lhe é inerente, tem-se, de

fato, os mesmos efeitos matemáticos (SCHOUERI, 2011, p. 234). Assim, ao final, o

consequente da norma, a partir do critério quantitativo (alíquota e base de cálculo),

indicará que não há tributo a ser recolhido aos cofres públicos.

Contudo, em um olhar mais crítico sobre a norma que concede diretamente a

isenção e sobre a que concede alíquota zero, percebe-se que nesta o aspecto quantitativo

será o diretamente afetado, em virtude da atribuição do valor zero à alíquota, o que

fulmina o resultado de qualquer operação que se tenha com a base de cálculo. O

resultado, ao fim e ao cabo, será sempre zero, o que desobriga o sujeito passivo frente

ao ente estatal.

Contudo, a isenção possui uma abrangência mais ampla, posto que a

“mutilação se dá no aspecto material, temporal, pessoal ou espacial” (SCHOUERI,

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2011, p. 234). Aqui, então, a atribuição de especificidade com vistas ao não

recolhimento do tributo pode estar contida na hipótese (material, espacial e temporal) ou

no consequente da norma (pessoal) (CARVALHO, 2012, p. 135).

A fim de se compreender melhor o regime, faz-se necessária a conceituação de

alguns termos criados na própria IN RFB nº 773/2007. Dentre esses termos, destacam-

se aqueles que devem identificar as pessoas jurídicas que podem se habilitar ao regime e

qual o papel de cada uma das categorias.

Assim, conforme o art. 3º da IN RFB nº 773/2007, pode-se ter pessoas

jurídicas que se enquadrem como fabricante de embalagens ou como exportadoras dos

produtos finais acondicionados com essas embalagens. Conforme parágrafo único desse

mesmo artigo está indicado que, àquelas que fabriquem embalagens será atribuído o

perfil “entregador”, sendo enquadrada no perfil “embalador” aquela pessoa jurídica que

se utilize das embalagens para acondicionar produtos finais a serem exportados.

Ademais, como somente pessoas previamente habilitadas pela SRF podem ser

beneficiárias do regime, nos termos do art. 1º da IN RFB nº 773/2007, a concessão de

tal habilitação, em ambos os perfis, há de ser formalizada em “Ato Declaratório

Executivo (ADE)”, editado pelo Delegado das Delegacias da Receita Federal do Brasil

(DRF) ou das Delegacias da Receita Federal de Administração Tributária (Derat), e

publicado no Diário Oficial da União (DOU), em nome do estabelecimento matriz da

pessoa jurídica requerente (art. 6º, caput e parágrafo único da IN RFB nº 773/2007).

Continuando a análise estritamente a partir dos enunciados contidos na IN

RFB nº 773/2007, constata-se que esta dispõe acerca de uma série de deveres e de

obrigações a serem observados por aquele que se sujeita ao regime, notadamente ao

disciplinar a sua aplicação, indicando detalhes a serem observados, inclusive, na

emissão das notas fiscais que acobertarão as operações. Nesse sentido, apesar de

extensos, faz-se necessário transcrever os art. 10 a 124 da IN RFB nº 773/2007 para que

se consiga apreender o alcance do presente estudo.

4 Art. 10. Nas notas fiscais de simples remessa, emitidas pelo contribuinte habilitado ao Remicex, perfil entregador, e destinadas a acompanhar as embalagens até o estabelecimento da pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil embalador, deverá constar a expressão "saída com suspensão da exigência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins", com menção expressa ao art. 49 da Lei nº 11.196, de 2005 . Parágrafo único. Também deverá constar da nota fiscal de que trata o caput os números dos ADE relativos aos perfis entregador e embalador, bem assim o número da nota fiscal de venda que instruiu a

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Assim, a partir de uma leitura circunstanciada desses dispositivos, depreende-

se que a RFB foi deveras minudente quanto aos procedimentos operacionais do regime,

notadamente quanto à forma que deve ser adotada na emissão das notas fiscais que

remetam embalagens sob o regime Remicex. Por motivos óbvios, não se pode olvidar

que o cumprimento dessas disposições há de ser verificado pelos agentes federais, por

se tratar de norma federal.

Nesse tocante, a instrução normativa determina a emissão de duas notas fiscais

distintas para acobertar as operações pretendidas no regime: a primeira delas, de

“simples remessa”, emitida pela fabricante de embalagens, perfil “entregador”, e que

servirá para acompanhar estas mercadorias de seu estabelecimento industrial até a

pessoa jurídica que efetivará a exportação, enquadrada no perfil “embalador”.

A seguir, a segunda dessas notas fiscais corresponde à venda das embalagens,

a ser emitida pela empresa enquadrada no perfil “entregador”, quando da exportação

para a empresa destinatária, localizada no exterior. Ocorre que, em virtude da emissão

dessa segunda nota fiscal, a SRF criou uma modalidade de exportação “ficta”, posto que

esta, de fato, apenas ocorre na documentação, em virtude de que o destino das

Declaração de Exportação (DE) elaborada pelo entregador quando da exportação das embalagens para a empresa no exterior. Art. 11. A pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil entregador, deverá: I- manter registro de estoques que discrimine as saídas de embalagens, registrando se as mesmas saíram para o mercado interno, diretamente para exportação ou foram entregues à pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil embalador, segregando, neste último caso, por pessoas jurídicas; II- no caso de embalagens exportadas ao abrigo do Remicex, manter registro do número da DE bem como o correspondente Registro de Exportação (RE) das embalagens exportadas; e III- manter, em seus arquivos, demonstrativo de todas as vendas efetuadas a pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil embalador, ao abrigo do referido regime, que deverá conter: a) data de emissão e número das notas fiscais, de venda e de simples remessa; b) a identificação da empresa do exterior destinatária da venda, bem como a nota fiscal de venda e os demais documentos comprobatórios da exportação; e c) demonstrativo das quantidades e tipos de embalagens vendidas para empresa no exterior, bem como as embalagens efetivamente entregues. Art.12. A pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil embalador, deverá: I-manter, em seus arquivos, demonstrativo de todas as exportações efetuadas ao abrigo do Remicex, que deverá conter: a) data de emissão e número da nota fiscal de venda que instruiu cada uma das DE efetuadas; b) identificação da empresa adquirente no exterior, destinatária da exportação; e c) os documentos relacionados a cada uma das DE efetuadas; II- informar a concretização da exportação à pessoa jurídica habilitada ao Remicex, perfil entregador, para poder evidenciar a conversão do regime de suspensão em alíquota zero; III-manter registro de estoques, segregado por pessoas jurídicas habilitadas ao Remicex, perfil entregador, que discrimine os ingressos e as saídas de embalagens, onde se verifique: a) os tipos e as quantidades das embalagens recebidas e utilizadas nas exportações efetuadas ao abrigo do Remicex; b) as embalagens adquiridas, não beneficiadas pelo regime e destinadas ao acondicionamento de produtos a serem revendidos no mercado interno; c) as embalagens adquiridas e destinadas ao acondicionamento de produtos a serem exportados, mas que não são de propriedade de pessoa jurídica sediada no exterior; e d) as embalagens recebidas que são de propriedade de pessoa jurídica sediada no exterior e destinadas ao acondicionamento de produtos a serem exportados.

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embalagens é a pessoa jurídica perfil “embalador”, que as utilizará para compor o

produto final, o qual terá uma saída regular para o exterior do país.

Na primeira dessas notas fiscais, que transitará pelo território nacional, seja em

operação interna, no Estado de origem da empresa enquadrada no perfil “entregador”,

seja em operação interestadual, alcançando outras unidades federativas, a IN SRF nº

773/2007 determina que há de se fazer destacar a seguinte expressão (art. 10): “saída

com suspensão da exigência da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins”.

Tal expressão se faz necessária, e representa o cerne da habilitação ao

Remicex, posto que tais contribuições incidiriam normalmente sobre essa operação, que

a IN SRF nº 773/2007 denomina de “simples remessa”, e que representa a primeira das

notas fiscais acima delineadas.

Dessa forma, a Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidem sobre o

faturamento das empresas, nos termos dos art. 195, inciso I, alínea b e inciso IV, da

CF/88. Nesse caso, ao vender as embalagens, a empresa “entregadora” teria de fazer

constar em sua contabilidade o valor de tal operação e incluí-lo em seu faturamento,

recolhendo as contribuições devidas, calculadas tendo por base este valor.

O conceito de faturamento, então, é estabelecido no art. 2º da Lei

Complementar nº 70/91, que o considera como sendo “a receita bruta das vendas de

mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”, bem como

no art. 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, que enuncia que ele corresponde

à receita bruta da pessoa jurídica.

Contudo, efetuado todos os trâmites acima, caso a empresa enquadrada no

perfil “embalador” não efetue a exportação das mercadorias acondicionadas nas

embalagens recebidas no prazo de 180 dias, ficará sujeita ao recolhimento das

contribuições federais devidas pela empresa enquadrada no perfil “entregador”, na

qualidade de responsável, nos termos do § 4º do art. 49 da Lei nº 11.169/2005.

Tal redação, então, em conformidade com o inciso II do art. 121 do CTN,

coloca o “entregador” na condição de responsável pelo pagamento das contribuições

devidas, o que gera graves conseqüências no caso de descumprimento da obrigação

principal pelo contribuinte. Assim, conforme Baleeiro (2005, p. 724):

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Entretanto, se o legislador, ao invés de eleger um contribuinte, coloca no pólo passivo da norma tributária uma outra pessoa, diferente daquela partícipe do pressuposto, estaremos diante do responsável. O responsável integra o aspecto subjetivo da consequência, mas não o aspecto pessoal da hipótese. (...) Portanto, o sujeito passivo, da espécie responsável, não tem relação pessoal e direta com o fato descrito no aspecto material da hipótese. Não reveste a condição de contribuinte, mas sua obrigação decorre de disposição expressa de lei. (...) Toda vez que estamos diante da eleição de um responsável por lei, estamos diante de duas normas jurídicas interligadas. A primeira é a norma básica ou matriz, (...), que disciplina a obrigação tributária principal ou acessória. A segunda é a norma complementar ou secundária, dependente da primeira, que se presta a alterar apenas o aspecto subjetivo da consequencia da norma anterior, uma vez ocorrido o fato descrito em sua hipótese.

Entretanto, curiosamente, a redação do inciso II, art. 13, da IN SRF nº

773/2007 amplia a dicção legal ao atribuir a responsabilidade à empresa enquadrada no

perfil “embalador” quando da internalização das embalagens, isto é, quando, por

qualquer forma, revender no mercado interno as embalagens recebidas ao amparo do

Remicex.

Neste caso, por afronta direta ao inciso II do art. 121 do CTN, o qual requer

disposição expressa em lei para atribuição da responsabilidade, inexistirá a obrigação do

responsável tributário, restando apenas a empresa enquadrada no perfil “entregadora” na

qualidade de sujeito passivo das contribuições suspensas.

Por fim, caso a empresa não tenha mais interesse em permanecer no Remicex,

deve protocolizar pedido de desabilitação, nos termos do art. 7º da IN SRF nº 773/2007,

o qual será encaminhado às mesmas autoridades que analisaram a inclusão no regime,

com a consequente publicação no DOU do ato.

Com tudo isso, analisados os aspectos basilares da legislação federal no tocante

ao Remicex, buscar-se-á identificar de que forma o regime tangencia o ICMS,

invadindo competência do ente estadual e induzindo os contribuintes deste imposto à

evasão tributária.

3 A INAPLICABILIDADE DO REMICEX AO ICMS: INDUÇÃO À EVASÃO E

INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO ENTE FEDERAL

O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços

de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) é tributo de

competência estadual e do Distrito Federal, e cuja incidência está definida na sequência

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de signos que formam o seu extenso nome. Assim, “os elementos integrantes da regra-

matriz de incidência do ICMS (…) devem ser analisados e aplicados de modo coerente,

e harmônico, para poder se encontrar a essência tributária; em especial a materialidade

de sua hipótese de incidência” (MELO, 2009, p. 11).

Trata-se de importante instrumento fiscal à disposição desses entes federados e

cujo caráter extrafiscal pode ser extremamente enaltecido, buscando atingir fins outros,

sociais, políticos ou econômicos. A fiscalidade e a extrafiscalidade, então, para

Carvalho (2011, p. 291), encontram-se presentes em todas as imposições tributárias:

Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos como os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico utilizado é invariavelmente o mesmo, modificando-se tão somente a finalidade do seu manejo.

Nesse sentido, o ICMS já compõe o rol de tributos incidentes sobre o comércio

exterior, o que representa, especialmente no tocante às importações, um importante fator

de equalização do valor dos produtos importados com a carga tributária paga desde a

indústria nacional até o consumidor final aqui no país. Em sede de exportações,

contudo, a partir da promulgação da EC nº 42/2003, a CF/88 passou a excluir estas

operações do âmbito de incidência do tributo (art. 155, § 2º, inciso X, alínea a) o que, na

Lei Kandir (LC nº 87/96) encontra-se disposto nos termos do inciso II do art. 3º, em um

esforço de desoneração tributária, com vistas a tornar o produto nacional mais

competitivo internacionalmente.

Outro ponto que merece destaque e que encontra previsão na própria

Constituição Federal de 1988 e na LC nº 87/96 refere-se à possibilidade de manutenção

dos créditos relativamente às operações que antecedem a exportação. Nesse disposto,

ainda mais uma vez, o esforço por desoneração, já que a natureza não-cumulativa

(inciso I, § 2º, art. 155, CF/88) do tributo cria cadeias de tributação que se auto-compõe,

em um esforço contábil de geração de débitos e aproveitamento de créditos, que torna o

ciclo extremamente difícil de ser operacionalizado.

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Acerca do método de não-cumulatividade, Bergamini (2012, p. 54) afirma que

“a redação constitucional deixa claro que o método da não cumulatividade adotado é o

método crédito de tributo, que se diferencia e muito do método adotado a outros

tributos, a exemplo do método subtrativo indireto aplicado ao PIS e à COFINS”.

A CF/88 dispõe que, no tocante ao ICMS, nas operações que destinem

mercadorias para o exterior, será assegurada “a manutenção e o aproveitamento do

montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores” (art. 155, § 2º,

inciso X, alínea a), o que indica que, apesar das operações internas serem tributadas

normalmente, quando assim incluir a legislação na sua incidência, os créditos

acumulados em virtude de uma saída final para o mercado exterior será mantido e

poderá ser aproveitado pela empresa.

Estabelecidos esses pontos iniciais, passar-se-á agora a confrontá-lo com a

legislação instituidora do Remicex, com vistas a averiguar a conformidade entre o

sistema estabelecido no plano federal e a legislação afeta ao ICMS. Não se pode olvidar,

contudo, que a competência de cada um dos entes representa “uma das parcelas entre as

prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na

possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”

(CARVALHO, 2011, p. 270).

Com isso, fica evidenciado que o traçado estabelecido no sistema tributário

contido na CF/88 representa um todo harmônico, com entes com competência

legislativa tributária plena em sede dos tributos cuja atribuição para instituição lhe foi

conferida, e nos exatos limites postos no diploma maior.

A primeira observação, então, no tocante ao Remicex, e que não pode ser

esquecida pelos intérpretes, é de que se trata de norma federal instituidora de isenção

das contribuições do PIS/PASEP e da COFINS. Portanto, descabe qualquer pretensão

de estabelecer benefício fiscal em sede de ICMS, por meio desse diploma.

Nos termos do art. 1º da LC nº 24/75, “as isenções do imposto sobre operações

relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de

convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal”. Nesse mister,

a Lei nº 11.196/05 não poderia ter a pretensão de estabelecer isenção também do ICMS

nas operações que descreve, posto que, apenas a atuação do Conselho Nacional de

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Política Fazendária (CONFAZ), no exercício de sua competência, e nos termos do art.

155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da CF/88, é capaz de celebrar convênios, para efeitos

de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais (inciso I, art. 3º,

Convênio ICMS nº 133/97).

Analisando-se a legislação de ICMS vigente, e buscando permissivos que

tratem de um item individualizado, qual seja, “embalagem”, para compor produto final

a ser exportado para o exterior do país, não existe qualquer previsão especial no tocante

à não-incidência do ICMS ou mesmo relativa à concessão de outros incentivos ou

benefícios fiscais.

Nesse sentido, a tomar-se como sinônimas as expressões “incentivos fiscais” e

“benefícios fiscais”, resta a configuração desenhada ao Poder Público de atuar com o

objetivo de estimular o contribuinte a adotar determinados comportamentos, tendo

como meta a realização de diferentes interesses públicos (MELO, 2009, p. 333), em

expressão direta do caráter extrafiscal dos tributos. A importância desses instrumentos é

apontada por Grupenmacher (2012, p. 13):

Os benefícios e incentivos fiscais devem ser reconhecidos como instrumentos idôneos, sobretudo, quando, buscam a redistribuição da carga tributária, o desenvolvimento econômico e social, a promoção do bem estar familiar e a preservação do meio ambiente e de suas riquezas.

Contudo, o que se pretende aqui é esclarecer as operações ocorridas sob o

Remicex, notadamente para se perquirir sobre a ocorrência de fatos geradores de ICMS

e se, em uma leitura ampla da CF/88, seria possível o enquadramento destas operações

nas hipóteses de não incidência previstas na CF/88 e na Lei Kandir.

Assim, o disposto no art. 10 da IN RFB nº 773/2007, indicando a emissão das

duas notas fiscais acima estudadas, cria uma verdadeira operação triangular, sem

supedâneo nas normas de ICMS, e que a estas não se amolda. Como exemplos de

operações triangulares pode-se indicar a “venda à ordem ou para entrega futura” e a

“industrialização por conta e ordem de terceiros”, as quais se encontram previstas,

respectivamente, nos arts. 40 e 42 do Convênio SINIEF s/nº, de 15 de dezembro de

1970.

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Destas operações, a que mais tangencia o Remicex é a industrialização por

conta e ordem de terceiros, cuja redação do art. 42 indica a operacionalização do

destaque de ICMS nas notas fiscais:

Art. 42. Nas operações em que um estabelecimento mandar industrializar mercadorias, com fornecimento de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens, adquiridos de outro, os quais, sem transitar pelo estabelecimento adquirente, forem entregues pelo fornecedor diretamente ao industrializador, observar-se-á o disposto neste artigo. § 1º O estabelecimento fornecedor deverá: (...) 3. emitir Nota Fiscal, sem destaque de impostos, para acompanhar o transporte das mercadorias ao estabelecimento industrializador, mencionando, além das exigências previstas no art. 19, número, série e subsérie e data da Nota Fiscal referida no item 1 e nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do adquirente, por cuja conta e ordem a mercadoria será industrializada. § 2º O estabelecimento industrializador deverá: (…) 2. efetuar na Nota Fiscal referida no item anterior, sobre o valor total cobrado do autor da encomenda, o lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados e o destaque do Imposto de Circulação de Mercadorias, se exigidos, que serão aproveitados como crédito pelo autor da encomenda, se for o caso. (destacado)

Contudo, voltando ao art. 10 da IN SRF nº 443/2007, ter-se-ia uma operação

triangular entre a empresa habilitada ao Remicex, perfil “entregador”, a empresa

habilitada ao Remicex, perfil “embalador” e a empresa situada no estrangeiro. Tal

operação não guarda consonância com a legislação do ICMS em sentido amplo (desde

os dispositivos constitucionais, passando pela LC nº 87/96 e chegando aos convênios e

protocolos do CONFAZ).

Entretanto, em uma análise mais aprofundada, por se tratar de uma exportação,

faz-se necessário tentar conformar a operação de saída para o exterior amparada pelo

Remicex, a uma das modalidades de exportação. Na primeira delas, exportação direta,

“o próprio fabricante, produtor ou revendedor remete (geralmente vende) a mercadoria

para o destinatário (importador) situado no exterior, sem utilizar intermediários”

(ASHIKAGA, 2001, p. 170).

No segundo caso, exportação indireta, ocorre uma “remessa com fim específico

de exportação, o fabricante, produtor ou revendedor (fornecedor) do bem o remete

(geralmente, o vende) a uma empresa comercial exportadora, com o fim específico de

exportação, com benefícios e incentivos fiscais equivalentes a uma exportação”

(ASHIKAGA, 2001, p. 171).

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No Remicex, não há que se falar em exportação direta visto que existe uma

empresa interveniente, enquadrada no perfil “embalador”, que recebe as embalagens no

território nacional para empregá-las em mercadorias a serem exportadas. Assim, há

quebra da relação linear caracterizadora da exportação direta.

Quanto à exportação indireta, esta fica afastada de pronto pois não existe o

papel da empresa comercial exportadora, inclusive trading company, posto que a

empresa para a qual estas embalagens são enviadas não recebe produto final, a ser

exportado, mas as embalagens a serem utilizadas na mercadoria que, ao fim, há de ser

enviada ao exterior.

Isto posto, não há como se enquadrar a triangulação operada nessa relação

como análoga àquela ocorrida na “industrialização por conta e ordem de terceiros” até

porque, sem maiores delongas, implicaria em aplicar a analogia para alargar as

hipóteses de não-incidência do imposto, o que contraria o inciso II do art. 111 do CTN.

O que se percebe, então, é a ocorrência de impropriedades técnicas na IN RFB

nº 773/2007, e que podem induzir os contribuintes de ICMS a acreditar que se trata de

uma operação de “simples remessa”, não tributada. Tal expressão, para os operadores da

legislação tributária estadual, possui um conteúdo semântico carregada de conteúdo

desoneratório para aqueles que operam com a legislação do ICMS, em virtude das

operações triangulares acima previstas.

Contudo, a despeito do nome indevidamente colocado na legislação federal,

que desceu às minúcias, estabelecendo, inclusive, a forma como deveriam ser emitidas

as notas fiscais pelo habilitado ao Remicex, não têm o condão de desconstituir a

situação dos fatos, os quais, se observados com maior rigor, espelham a incidência

normal do ICMS na operação de “simples remessa” descrita no art. 10 da IN SRF nº

773/2007.

Trata-se, então, de criação de uma “simples remessa” sui generis, posto que é

devido o ICMS para o Estado de origem das embalagens e, como estas serão utilizadas

em produto final destinado ao exterior, quando da saída efetiva do produto final, será

passível de acúmulo de créditos no Estado onde se processar tal saída, nos termos do

art. 155, inc. X, alínea “a” da Constituição Federal de 1988, que dispõe acerca da

manutenção dos créditos nas exportações.

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Por último, para não restarem dúvidas de que a não tributação da operação de

“simples remessa”, conforme descrita no art. 10 da IN RFB nº 773/2007, entre as

empresas habilitadas no Remicex, não se trata de planejamento tributário,mas, em casos

mais graves, pode representar verdadeira evasão fiscal do ICMS, vale enunciar a

importante diferença entre os institutos, conforme revelado por Paulsen (2005, p. 950):

Planejamento tributário x evasão fiscal – 'Como fixar a economia lícita do tributo e o campo da evasão? (…) Rubens Gomes de Souza pôs uma premissa que me parece inquestionável. Ele disse que a diferença entre a economia de imposto e a evasão se resolve com a pesquisa para determinar se os atos ou negócios praticados evitaram a ocorrência do fato gerador (e aí teríamos a legítima economia do tributo) ou se eles ocultaram o fato gerador ocorrido (hipótese na qual estaria figurada a evasão)'.

Assim deve-se concluir que Remicex, nos termos da Lei nº 11.196/05,

representa apenas a isenção das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS,

devendo ser tributada normalmente pelo ICMS a operação de “simples remessa” de

embalagens que ocorre entre a empresa enquadrada no perfil “entregador” e aquela

enquadrada no perfil “embalador”.

Tal se dá, por fim, pela absoluta falta de disposição normativa, por meio de

convênio do CONFAZ, que conceda isenção de ICMS nesta operação. Caso a empresa

deixe de efetuar o destaque do ICMS na nota fiscal e, consequentemente, não recolha o

ICMS devido ao Estado de origem das embalagens, estará se furtando ao pagamento de

tributo devido, com a ocultação do fato gerador, o que, em posição extrema, pode

representar evasão tributária.

Nesse sentido, a legislação federal descurou dos cuidados com os termos

técnicos ao se utilizar, no art. 10 da IN SRF nº 773/2007, da expressão “simples

remessa”, a qual possui um conteúdo semântico que habilita o intérprete à conclusão de

que não haveria tributação de ICMS, o que desborda da competência federal.

Como forma de resolver o imbróglio criado, necessário se faz que os Estados e

o Distrito Federal disciplinem as operações acobertadas pelo Remicex em suas

respectivas legislações, desfazendo quaisquer dúvidas quanto à incidência do ICMS e

estabelecendo os procedimentos para emissão das respectivas notas fiscais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A importância do comércio exterior é algo inconteste no mundo globalizado e a

tributação, nessa atividade, desempenha importante papel para realizar a estratégia

adotada por um determinado Estado. Nesse sentido, cresce o interesse do Brasil em

reduzir a tributação, especialmente a indireta, que recai sobre produtos e serviços que

são exportados.

Para tanto, novos regimes tributários vêm sendo aprovados e que concedem

isenções de tributos, notadamente aqueles de competência federal. Dentre esses

regimes, destaca-se o Remicex, o qual prevê a isenção das Contribuições para o

PIS/PASEP e da COFINS nas operações que remetam embalagens a serem utilizadas

em produtos finais que se destinam ao exterior.

Contudo, o que se viu, é que os dispositivos infralegais, notadamente a IN SRF

nº 773/2007, utilizou-se de expressões com conteúdo que, para a legislação estadual do

ICMS, representam desoneração deste imposto, apesar de se tratar de diploma instituído

pelo ente federal.

Assim, por descurar do emprego de expressões técnicas, a instrução normativa

finda por induzir o contribuinte do ICMS em erro, notadamente por parecer isentiva no

tocante a esse tributo estadual, o que não teria a possibilidade de ocorrer na hipótese,

por falta de manifestação do CONFAZ, por meio do instrumento pertinente (convênio).

Ademais, atesta-se, ainda, que não há qualquer possibilidade de enquadramento

dessas operações no conceito de planejamento tributário, como forma de, licitamente,

furtar-se ao pagamento do imposto estadual. A falta de recolhimento, no caso, pode sim,

configurar-se em verdadeira evasão tributária, posto que os fatos demonstram

claramente serem fatos geradores do tributo.

Conclui-se, assim, que para se eliminar quaisquer equívocos, cabe aos Estados

regulamentarem as operações ocorrentes no Remicex, em sede de ICMS, utilizando-se

da linguagem adequada a estabelecer o tratamento tributário pertinente e eliminando

quaisquer dúvidas quanto à existência de crédito tributário a ser perseguido pelos fiscos.

REFERÊNCIAS

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