DIREITO TRIBUTÁRIO (livro)

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DIREITO TRIBUTÁRIO 1. Noções Introdutórias 1.1. O Direito Tributário como ramo do Direito Público Em direito privado, portanto, pela subjacência sempre presente do interesse privado, a regra é a livre manifestação da vontade, a liberdade contratual, a igualdade entre as partes da relação jurídica (os interesses privados são vislumbrados como equivalentes). Além disso, a regra em direito privado é a disponibilidade dos interesses, podendo os particulares abrir mão de seus direitos, ressalvados aqueles considerados indisponíveis, pois, como já destacado, a necessária subjacência do interesse privado não exclui a existência de disposições cogentes relativas à ordem pública. COGENTE é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente Quando se passa a tratar de direito público, a análise parte de premissas bastante diferentes, quase que diametralmente opostas. Os princípios fundamentais do regime jurídico de direito público são: a) a supremacia do interesse público sobre o interesse privado; e b) a indisponibilidade do interesse público. Nessa linha, em virtude do primeiro princípio , quando há, numa relação jurídica, um polo ocupado pelo Estado, agindo nesta qualidade (como ente estatal buscando a consecução de fins públicos), e outro ocupado por particular defendendo seus direitos individuais, é considerada normal a atribuição de vantagens ao Estado. Há um desnivelamento, uma verticalização na relação jurídica. O Estado comparece um pouco acima; o particular, um pouco abaixo.

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Livro Ricardo Alexandre

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DIREITO TRIBUTÁRIO

1. Noções Introdutórias

1.1. O Direito Tributário como ramo do Direito Público

Em direito privado, portanto, pela subjacência sempre presente do interesse privado, a regra é a livre manifestação da vontade, a liberdade contratual, a igualdade entre as partes da relação jurídica (os interesses privados são vislumbrados como equivalentes). Além disso, a regra em direito privado é a disponibilidade dos interesses, podendo os particulares abrir mão de seus direitos, ressalvados aqueles considerados indisponíveis, pois, como já destacado, a necessária subjacência do interesse privado não exclui a existência de disposições cogentes relativas à ordem pública.

COGENTE é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente

Quando se passa a tratar de direito público, a análise parte de premissas bastante diferentes, quase que diametralmente opostas.Os princípios fundamentais do regime jurídico de direito público são:a) a supremacia do interesse público sobre o interesse privado; eb) a indisponibilidade do interesse público.

Nessa linha, em virtude do primeiro princípio, quando há, numa relação jurídica, um polo ocupado pelo Estado, agindo nesta qualidade (como ente estatal buscando a consecução de fins públicos), e outro ocupado por particular defendendo seus direitos individuais, é considerada normal a atribuição de vantagens ao Estado. Há um desnivelamento, uma verticalização na relação jurídica. O Estado comparece um pouco acima; o particular, um pouco abaixo.

Quando ambos são particulares: Ambos defendem seus interesses individuais.A relação jurídica é horizontalizada, e nenhum deles pode impor sua vontade ao outro, pois o ordenamento jurídico não assegura a preponderância de quaisquer dos interesses em jogo.

Imagine-se agora a duplicação de uma rodovia entre as cidades “A” e “B”. Suponha-se que, num determinado ponto do trajeto da nova pista, exista um imóvel pertencente a um particular que é utilizado como residência familiar. Novamente, há uma pessoa (o Estado) precisando de um imóvel pertencente a outra (o particular). Nesse caso, a inexistência de acordo não impedirá que o Estado adquira a propriedade. Mesmo com a possível discordância do particular, o ordenamento jurídico possibilita ao Estado utilizar-se do instituto da desapropriação. Aqui a relação jurídica é verticalizada, ou seja, o Estado comparece numa situação de supremacia, pois a duplicação da rodovia atende aos interesses de toda a coletividade.Dessa forma, o interesse do particular, embora legítimo, cederá em homenagem à supremacia do interesse público sobre o privado.

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O segundo princípio, a indisponibilidade do interesse público, traz como consectário a impossibilidade de os agentes públicos praticarem atos que possam menoscabar (deixar incompleto) o patrimônio público ou o interesse público.

Assim, se um particular “A” conta para um particular “B” a história de sua desditosa vida, com todas as nuances possíveis e imagináveis de sofrimento e penúria, para, ao fim, arrematar com um pedido de perdão de uma determinada dívida, “B” poderá livremente tomar a decisão que melhor lhe aprouver. Seu patrimônio (o crédito) é plenamente disponível, não havendo qualquer restrição à concessão do perdão (remissão).

Todavia, se “B” é um fiscal de tributos e o crédito que “A” deseja ver perdoado é um crédito tributário, o perdão NÃO poderá ser concedido. O crédito tributário é parte do patrimônio público e, justamente por isso, indisponível.

OBS: Alguns poderiam se perguntar como é possível, diante da indisponibilidade do interesse público, a concessão de perdão por intermédio de lei,algo tão comum no direito brasileiro. Ocorre que, nessa situação, o perdão está sendo concedido pelo próprio Estado ou, em face do princípio democrático, pelo próprio povo, verdadeiro destinatário teórico de todas as ações estatais.

A supremacia do interesse público sobre o interesse privado é facilmente vista pelo fato de a obrigação de pagar tributo decorrer diretamente da lei, sem manifestação de vontade autônoma do contribuinte (foi proprietário de um imóvel na área urbana, tem que pagar IPTU, querendo ou não) e pelas diversas prerrogativas estatais que colocam o particular num degrau abaixo do ente público nas relações jurídicas, como, por exemplo, o poder de fiscalizar, de aplicar unilateralmente punições e apreender mercadorias, entre tantos outros.

Já a indisponibilidade do interesse e do patrimônio público é visualizada, de maneira cristalina, na sempre presente exigência de lei para a concessão de quaisquer benefícios fiscais.

art. 150, § 6.º, da CF:“§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.

São claros os termos do dispositivo. Todos os institutos citados enquadram-se na definição de “benefícios fiscais”, dependendo da edição de lei específica a implementação de quaisquer deles, afinal, como já afirmado, só o povo pode dispor do patrimônio público.

1.2. Atividade Financeira do Estado

O Estado existe para a consecução do bem comum. Para atingir tal mister, precisa obter recursos financeiros, o que faz, basicamente, de duas formas, que dão origem a uma famosa classificação dada pelos financistas às receitas públicas.

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Para obter Receitas Originárias, o Estado se despe das tradicionais vantagens que o regime jurídico de direito público lhe proporciona e, de maneira semelhante a um particular, obtém Receitas Patrimoniais ou Empresariais . A título de exemplo, cite-se um contrato de aluguel em que o locatário é um particular e o locador é o Estado. O particular somente se obriga a pagar o aluguel porque manifesta sua vontade ao assinar o contrato, não havendo manifestação de qualquer parcela do poder de império estatal.

Na obtenção de Receitas Derivadas, o Estado, agindo como tal, utilizasse das suas prerrogativas de direito público, edita uma lei obrigando o particular que pratique determinados atos ou se ponha em certas situações a entregar valores aos cofres públicos, independentemente de sua vontade.Como exemplo, aquele que auferiu rendimento será devedor do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (imposto de renda) independentemente de qualquer manifestação volitiva.

Registre-se, por oportuno, que tanto nas receitas originárias quanto nas derivadas existem hipóteses em que o sujeito passivo (devedor) também é ente estatal, sendo a nota distintiva entre as espécies de receita ora estudadas o regime jurídico a que estão essencialmente submetidas (direito público ou privado) e não os polos da respectiva relação jurídica.A classificação ora analisada pode ser esquematizada da seguinte forma:

Atualmente, com a concepção de Estado mínimo que tem sido globalmente adotada, tornando excepcional a exploração de atividade econômica por parte do Estado, perderam importância as receitas originárias, tendo como consequência a concentração da arrecadação estatal precipuamente nas receitas derivadas.

A excepcionalidade da exploração de atividade econômica por parte do Estado é decorrente de previsão constitucional expressa (CF, art. 173):“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Nesta obra, o objeto de estudo serão as receitas derivadas, especificamente a modalidade tributos. Antes, entretanto, um esclarecimento extremamente necessário.

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É lugar-comum se afirmar que o Estado tributa para conseguir carrear recursos para os cofres públicos, possibilitando o desempenho de sua atividade financeira, tudo em busca do seu desígnio maior: o bem comum → Essa visão é correta, mas incompleta.

No período clássico das finanças públicas, o liberalismo entendia que o Estado não deveria intervir no domínio econômico, de forma que os tributos deveriam ser neutros, ou seja, apenas uma forma de obtenção de meios materiais para as atividades típicas do Estado (Estado Polícia), jamais um instrumento de mudança social ou econômica. Nesse período, não se tinha como princípio da tributação a isonomia. Os desiguais eram tratados igualmente, de forma que cada contribuinte estava sujeito à mesma carga tributária, sem se cogitar a possibilidade de aferição individual da capacidade.

Com o Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) o tributo passa a ser, sempre que possível, graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ressalte-se que, na Constituição atual, o princípio vincula apenas a instituição de impostos, o que, conforme será explicitado no momento oportuno, não impede sua aplicação no tocante às demais espécies tributárias.

Nessa nova fase, o Estado também percebe que nenhum tributo é completamente neutro, pois, mesmo que objetive exclusivamente arrecadar, acaba gerando impactos sobre o funcionamento da economia.Assim, o Estado passa a aproveitar esses efeitos colaterais dos tributos, instituindo-os com o objetivo de intervir no domínio econômico e na ordem social.

Assim, existem tributos cuja finalidade principal é fiscal, ou seja, arrecadar, carrear recursos para os cofres públicos (ex.: ISS, ICMS, IR etc.).Há tributos, contudo, que têm por finalidade precípua intervir numa situação social ou econômica. É a finalidade extrafiscal (como nos exemplos citados, no IOF, no IE, no ITR etc. – em momento oportuno, será detalhada a maneira como estes e outros tributos são utilizados de forma extrafiscal).

Também nos casos de tributos com finalidade fiscal, a finalidade extrafiscal, não obstante secundária, far-se-á presente. Analise-se, a título de exemplo, o imposto de renda. Trata-se um tributo claramente fiscal, mas a progressividade das alíquotas, apesar de ter uma finalidade arrecadatória (exigir mais de quem pode contribuir mais) acaba trazendo um efeito social interessante.

Quem ganha “pouco” nada paga (isenção); quem ganha “muito” contribui sob uma alíquota de 27,5%. Em contrapartida, parte da arrecadação é utilizada para prestar serviços públicos e, em regra, quem usa tais serviços (educação e saúde, por exemplo) são as pessoas isentas, uma vez que as que possuem maior renda normalmente têm planos privados de saúde e pagam por educação particular. Dessa forma, o IR acaba tendo uma função extrafiscal embutida: redistribuir renda (alguns, mais românticos, chamam-no, por isso, de imposto Robin Hood – tira dos ricos para dar aos pobres).

Ao lado dessas duas finalidades (fiscal e extrafiscal), a doutrina cita uma terceira, em que, na realidade, objetiva-se também a arrecadação. A diferença reside no fato de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos arrecadados para o implemento de seus objetivos.

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Como exemplo, podem ser citadas as contribuições previdenciárias, que, antes da criação da Secretaria da Receita Previdenciária (hoje parte da Receita Federal do Brasil), eram cobradas pelo INSS (autarquia federal), que passava a ter, também, a disponibilidade dos recursos auferidos. Tem-se aí a finalidade parafiscal da tributação. É possível concluir, portanto, que, na parafiscalidade, o objetivo da cobrança de tributo é arrecadar, mas o produto da arrecadação é destinado a ente diverso daquele que institui a exação. Por óbvio, o beneficiário dos recursos sempre será uma instituição que desempenhe uma atividade tipicamente estatal (como o caso do INSS) ou de interesse do Estado, como os denominados serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI, SEBRAE, SEST, dentre outros).

Hoje em dia, a maioria dos tributos tradicionalmente definidos como “contribuições parafiscais” tem por sujeito ativo a própria União, não se enquadrando na tradicional definição de parafiscalidade (em virtude da não atribuição da condição de sujeito ativo ao beneficiário).Assim, é possível se afirmar que, atualmente, o fenômeno da parafiscalidade somente se caracteriza pelo destino do produto da arrecadação a pessoa diversa da competente para a criação do tributo. Não obstante, em concursos públicos tem-se adotado o entendimento clássico, considerando corretas as assertivas que incluem como elemento do conceito de parafiscalidade a delegação da capacidade tributária ativa.

A título de exemplo, no concurso para Auditor do Estado de Minas Gerais, realizado em 2005, a ESAF considerou correta assertiva que afirmava textualmente o seguinte: “Quando a lei atribui a capacidade tributária ativa a ente diverso daquele que detém a competência tributária, estar-se-á diante do fenômeno da parafiscalidade”.Registre-se que a banca não afirmou ser a parafiscalidade dependente da delegação da capacidade tributária ativa, mas asseverou que quando a delegação está presente existe parafiscalidade.