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DIREITOS FUNDAMENTAIS: DELIMITAÇÕES DA SUA INFLUÊNCIA NO DIREITO PRIVADO Jaqueline Hamester Dick 1 Desde a concepção do Estado, o homem já clamava pela proteção a direitos que considerava fundamentais 2 . No início, direito à liberdade e à igualdade, posteriormente os direitos sociais. As Constituições trataram, progressivamente, de positivar os principais anseios do homem, considerados como fundamento basilar da sua dignidade. Assim, aqueles considerados como direitos básicos, protegidos pela Declaração de Direitos do Homem de 1789, bem como os demais direitos humanos declarados em 1 Advogada, Mestre em Direito pela UNISC, professora de cursos de Especialização da UNISC e da UCS de Caxias do Sul, pesquisadora-membro do Grupo de Pesquisa: “A Constitucionalização do Direito Privado”. 2 Para fins do presente trabalho, importa a distinção utilizada entre direitos do homem e direitos fundamentais, segundo as conclusões dos componentes do Grupo de Pesquisa Constitucionalização do Direito Privado, coordenado pelo professor Jorge Renato dos Reis, do Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Direito Mestrado da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, nos seguintes termos: “direitos do homem são aqueles previstos em tratados e normas supra-nacionais e direitos fundamentais são direitos do homem positivados constitucionalmente”. Neste sentido: PEREZ LÛNO, Antonio E. Los derechos fundamentales. Madrid: Tecnos, 1993, p. 44, apud GARCIA, Maria. Mas quais são os direitos fundamentais? In: ______ (Org.). Revista de direito constitucional e internacional. n. 39, ano 10. São Paulo, abr./jun. de 2002, p. 115, [...]”ressaltando a tendência doutrinária e normativa de reservar o termo direitos fundamentais para designar los derechos positivados a nível interno e direitos humanos, a expressão mais própria a denominar los derechos naturales positivados em lãs declaraciones y convenciones internacionales, así como aquelas exigências básicas relacioandas com la dignidad, libertad y igualdad de la persona que no ha alcanzado um estatuto jurídico positivo.” ANDRADE, 2004, p. 32: “poderíamos convencionar que a expressão direitos fundamentais, sem deixar de ser um super-conceito, designaria em sentido estrito os direitos constitucionalmente protegidos; à perspectiva internacionalista atribuir-se-iam o termo de direitos do homem, ou, melhor ainda, o de direitos humanos e guardar-se-iam as fórmulas direitos naturais, direitos originários, e em geral as que transportam uma carga afectiva (direitos imprescritíveis, inalienáveis, invioláveis) para dimensão filosófica.”

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DIREITOS FUNDAMENTAIS: DELIMITAÇÕES DA SUA INFLUÊNCIA NO

DIREITO PRIVADO

Jaqueline Hamester Dick1

Desde a concepção do Estado, o homem já clamava pela proteção a direitos

que considerava fundamentais2. No início, direito à liberdade e à igualdade,

posteriormente os direitos sociais.

As Constituições trataram, progressivamente, de positivar os principais anseios

do homem, considerados como fundamento basilar da sua dignidade. Assim,

aqueles considerados como direitos básicos, protegidos pela Declaração de Direitos

do Homem de 1789, bem como os demais direitos humanos declarados em

1 Advogada, Mestre em Direito pela UNISC, professora de cursos de Especialização da UNISC e da

UCS de Caxias do Sul, pesquisadora-membro do Grupo de Pesquisa: “A Constitucionalização do Direito Privado”. 2 Para fins do presente trabalho, importa a distinção utilizada entre direitos do homem e direitos

fundamentais, segundo as conclusões dos componentes do Grupo de Pesquisa Constitucionalização do Direito Privado, coordenado pelo professor Jorge Renato dos Reis, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, nos seguintes termos: “direitos do homem são aqueles previstos em tratados e normas supra-nacionais e direitos fundamentais são direitos do homem positivados constitucionalmente”. Neste sentido: PEREZ LÛNO, Antonio E. Los derechos fundamentales. Madrid: Tecnos, 1993, p. 44, apud GARCIA, Maria. Mas quais são os direitos fundamentais? In: ______ (Org.). Revista de direito constitucional e internacional. n. 39, ano 10. São Paulo, abr./jun. de 2002, p. 115, [...]”ressaltando a tendência doutrinária e normativa de reservar o termo direitos fundamentais para designar los derechos positivados a nível interno e direitos humanos, a expressão mais própria a denominar los derechos naturales positivados em lãs declaraciones y convenciones internacionales, así como aquelas exigências básicas relacioandas com la dignidad, libertad y igualdad de la persona que no ha alcanzado um estatuto jurídico positivo.” ANDRADE, 2004, p. 32: “poderíamos convencionar que a expressão direitos fundamentais, sem deixar de ser um super-conceito, designaria em sentido estrito os direitos constitucionalmente protegidos; à perspectiva internacionalista atribuir-se-iam o termo de direitos do homem, ou, melhor ainda, o de direitos humanos e guardar-se-iam as fórmulas direitos naturais, direitos originários, e em geral as que transportam uma carga afectiva (direitos imprescritíveis, inalienáveis, invioláveis) para dimensão filosófica.”

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Tratados e Convenções Internacionais, foram inseridos nas Cartas Constitucionais

de quase todas as nações de origem cristã, e, portanto, conduzidos ao patamar de

direitos fundamentais do homem.

A transformação histórica experimentada nos últimos tempos, relativamente à

modificação do paradigma liberal para a proteção social, modificou a própria

concepção de direitos fundamentais, tornando-os a base vital de realização dos

novos anseios socializantes.

Na atualidade, os direitos fundamentais são dotados de tal importância, que se

atribui aos mesmos a condição de núcleo do direito constitucional. Assim,

considerando a força normativa da Constituição, os direitos fundamentais irradiam-

se por todo o ordenamento jurídico.

Neste sentido, é objeto do presente capítulo traçar algumas delimitações da

vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, iniciando-se pela exposição

da expressividade que os direitos fundamentais têm no sistema jurídico atual.

1 A força expansiva dos direitos fundamentais

A Constituição possui, na atualidade, como é notório, verdadeira força

normativa e, portanto, figura no ponto mais alto da pirâmide do sistema. Como eixo

central e fonte de valoração que norteia a Constituição, estão os direitos

fundamentais.

Estes constituem a essência do Estado democrático3 e verdadeiro núcleo da

Constituição material. E, por esta razão, os direitos fundamentais têm caracterização

3 SARLET, Ingo Wolgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 70: Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí o seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (e assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se

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especial, ligada a fundamentos distintos como: historicidade, inalienabilidade,

imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

Os direitos fundamentais, como qualquer direito, são históricos. Nascem, e se

modificam. A ascensão ocorreu com a revolução burguesa-liberal, tendo estes

evoluído no decorrer dos tempos e, portanto, não são estanques, mas têm a

característica de se adaptar aos anseios sociais de cada época.

São direitos intransferíveis e inalienáveis, porque não são de conteúdo

econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se

pode desfazer, pois são indisponíveis.

Consideram-se também imprescritíveis, ante a premissa de que o exercício de

boa parte dos direitos fundamentais ocorre só pelo fato de estarem reconhecidos na

ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua

prescrição, porque esta somente atinge a exigibilidade dos direitos patrimoniais, não

a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o

caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não

exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição. Vale dizer,

assim, que nunca deixam de ser exigíveis.

São também irrenunciáveis in abstrato. Alguns deles podem até não ser

exercidos, mas não se admite que sejam renunciados hipoteticamente.4 Assim,

pode-se dizer que os direitos fundamentais, enquanto normas-valores insertas na

Constituição, exercem função irradiativa em todo o sistema normativo.5

tornam necessárias (necessidade que se fez sentir mais contundente no período que sucedeu a Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.” 4 A possibilidade de renúncia dos direitos fundamentais in concreto será abordada no terceiro

capitulo.

5 UBILLOS, Juan Maria Bilbao. Em qué medida vinculam a los particulares los derechos

fundamentales. In: SARLET, Ivo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 306: El protagonismo o el êxito de los drechos fundamentales em la cultura jurídica actual radica en que lãs normas que los reconcem son de

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aplicación directa e inmedata, pero tienen um contenido principal, um sustrato um abierto, por lo que tiendem a expandirse, a penetrar y rellenar impetuosamente todos los interstícios del ordenamento”.

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Na conjuntura atual, os direitos fundamentais são garantias destinadas a todos

os cidadãos e, para assegurar a sua realização, as normas que os tutelam são

consideradas verdadeiras normas condutas de observância obrigatória, seja frente

ao Estado, seja frente aos particulares. Nas palavras de Steinmetz, os direitos

fundamentais compõe uma “categoria especial de direitos”,6 porque na condição de

direitos de defesa, são efetivos limites aos poderes públicos.

Em épocas passadas, quando o poder público era o único a ser controlado, a

plena eficácia dos direitos fundamentais vigentes limitava-se a conter a imposição de

regras provenientes do poder público. No contexto atual, “é um equívoco elementar,

próprio do liberalismo míope e dogmático associar o poder exclusivamente ao

Estado, como se o Estado tivesse o monopólio do poder ou fosse a única expressão

material e espiritual do poder”.7

A própria idéia de poder, antes ligada unicamente ao Estado, sofre rupturas. A

partir do momento em que se percebe a desigualdade material dos indivíduos,

admite-se que o poder pode ser exercido também na esfera privada, mediante a

imposição de vontade de um particular sobre o outro.

Assim, a plena efetividade dos direitos fundamentais prescinde do efetivo

controle e limitação de todos os tipos de poderes, sejam aqueles provenientes da

esfera pública ou da particular. A força expansiva atribuída aos direitos fundamentais

vai além de limitar os poderes públicos, pois estão estes aptos a limitar qualquer tipo

de poder, seja emanado do ente público ou particular.

6 STEINMETZ. Vilson. A Vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros,

2004, p. 83.

7 Ibid., p. 85.

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1.1 Contextualização dos direitos fundamentais na Constituição Federal

As garantias constitucionais consistem nas instituições, determinações e

procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a observância ou, em

caso de inobservância, a reintegração dos direitos fundamentais.

A Constituição da República Federal Brasileira destinou um título próprio aos

direitos e garantias fundamentais8, protegendo, expressamente, no artigo 5º a vida,

igualdade, liberdade, a segurança e a propriedade, dos quais extrai-se uma gama

enorme de direitos previstos nos setenta e sete incisos do artigo 5º, todos

destinados a garantir os direitos básicos previstos no caput do artigo.

O título II, que trata dos direitos fundamentais, elenca, também, os direitos

sociais, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos

desamparados. E traz ainda um extensivo rol de direitos assegurados aos

trabalhadores (artigo 7º) e direitos políticos (artigos 14 a 16).

8 MORAES, 2005, p. 25, classifica os direitos fundamentais na Constituição de 1988 da seguinte

forma: a) direitos individuais: ligados ao conceito de pessoa humana, como a vida, dignidade, honra e liberdade; b)direitos sociais: liberdades positivas que vinculam o Estado; c) direitos de nacionalidade: vínculo jurídico que liga um indivíduo a um certo Estado; d) direitos políticos: direitos políticos subjetivos que disciplinam as formas de atuação estatal; e) direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: destinado a regulamentar a atuação partidária, enquanto instrumento da democracia.

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À primeira vista, pelo extenso rol de direitos previstos no Título II da

Constituição Brasileira, parece que os direitos fundamentais estariam de maneira

exaustiva lá elencados. Não é, entretanto, o que se extrai da leitura do § 2º do artigo

5º, que admite a existência de direitos fundamentais decorrentes de princípios

insertos na Constituição ou de tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.

Daí se extrai que o rol de direitos previstos no Título II da Carta Constitucional

não é exaustivo, pois além de admitir outros direitos previstos na própria

constituição9, inclusive na forma de princípios, consagra também como direitos

fundamentais àqueles previstos por tratados internacionais.10 Assim, o fato de serem

“garantias pontuais” reunidos em um catálogo, não lhes confere a possibilidade de

serem compreendidos como “sem lacunas”11. Isto decorre da premissa, aceita pelo

legislador constituinte brasileiro, de que os direitos considerados fundamentais estão

em constante transformação.

9 SARLET, 2004, p. 6: “Por derradeiro, também no nosso direito constitucional positivo não como há

como sustentar a idéia de um sistema distinto, no sentido de autônomo (independente) em relação ao restante do texto constitucional, seja no que concerne aos princípios fundamentais (dos quais podem ser deduzidos direitos fundamentais não-escritos), seja no que concerne a parte não-organizacional, bem como em relação às ordens econômica e social, nas quais, aliás, se encontra sediada a maior parte dos direitos fundamentais fora do catálogo”.

10 A Constituição ao expressamente mencionar que o catalogo de direitos fundamentais não é

exaustivo, admite a permanente transformação dos preceitos fundamentais, em razão da própria evolução das relações sociais.

11 HESSE, 1998, p. 244.

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Fica claro, assim, o caráter materialmente aberto das normas de Direitos

Fundamentais, admitindo-se, inclusive, a existência de direitos fundamentais não

positivados12, mas que estejam implicitamente consagrados no texto constitucional,

e via de regra, derivem de outros direitos expressamente positivados13.

Se por um lado, o legislador constituinte ressalvou a inclusão de outros Direitos

ao rol de fundamentais, impossibilitou a exclusão daqueles já positivados, consoante

determinação do inciso IV do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal.

Os Direitos Fundamentais insertos na Constituição Brasileira assumem a

condição de cláusulas pétreas, quando impõe ao legislador reformista verdadeiros

limites materiais. Ao assumir tal condição, percebe-se que os direitos fundamentais

representam mais do que direitos escritos, mas verdadeiros valores diretamente

ligados à identidade da Constituição.

A prova da intima relação entre limites materiais à reforma constitucional e a identidade da Constituição reside no fato de que, de regra, os princípios fundamentais, os direitos fundamentais, bem como a reforma do Estado e do governo se encontram sob o manto desta especial proteção contra sua alteração e esvaziamento por parte do Poder Constituinte Reformador, o que também decorre da nossa atual constituição.

14

12

SARLET, 2004, p. 100: “[...] já podemos sustentar a existência de dois grandes grupos de direitos fundamentais, notadamente os direitos expressamente positivados (ou escritos), no sentido de expressamente positivados, e os direitos fundamentais não escritos, aqui genericamente considerados aqueles que não foram objeto de previsão expressa pelo direito positivo (constitucional ou internacional).

13 Em que pese a aceitação pela doutrina de direitos fundamentais não positivados, no presente

estudo parte-se do pressuposto de que os direitos fundamentais são aqueles expressamente consagrados na Constituição. Assim, a interpretação que se ousa fazer de tais afirmações reside no sentido de que, eventuais direitos considerados fundamentais que não estejam expressamente positivados, devem ter como pressuposto um direito fundamental positivado. Neste contexto, admite-se como direitos fundamentais não positivados aqueles que visem proteger a liberdade, igualdade, à vida digna, enfim, que tenham como base a proteção final de um direito fundamental expressamente consagrado na Carta Maior. Tal interpretação, ao mesmo tempo que, não nega a própria definição de direitos fundamentais - como os direitos do homem positivados constitucionalmente – está em perfeita harmonia com a caracterização moderna dos direitos fundamentais, no que se refere à necessária evolução dos mesmos para adequar-se as transformações e necessidades sociais.

14 SARLET, 2004, p.382.

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A caracterização dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, talvez

tenha maior importância do que o próprio rol de direitos nela elencados. Isto porque,

o legislador, ao mesmo tempo que, de maneira especifica, define quais são os

direitos fundamentais, admite que outros direitos sejam elevados a tal condição, e se

assim o forem são regras de natureza absolutamente rígida, ante a impossibilidade

de absorção.

Entretanto, no âmbito da efetividade dos direitos fundamentais, o legislador

constituinte estabeleceu que as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata. Tal regramento, sem dúvida, tem suscitado

inúmeras divergências de posicionamento doutrinário e jurisprudencial, já que a

aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais requer algumas

definições preliminares, quais sejam: a) a efetiva aplicação dos direitos

fundamentais independe de regulamentação em todas as situações? b) os direitos

fundamentais vinculam ou não os particulares? c) os direitos fundamentais que

exigem uma autuação positiva do Estado ou do particular e podem ser sempre a

estes opostos?

Essas questões, meramente exemplificativas, deixam evidente que a

aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais não é questão tão

simplória como colocada pelo legislador e, portanto, merece cuidadosa construção

doutrinária.

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1.2 Dimensões jurídicas subjetivas e objetivas dos direitos fundamentais15

Segundo Canotilho, o fundamento subjetivo das normas de direito fundamental

refere-se ao “significado ou relevância da norma consagradora de um direito

fundamental para o indivíduo” e o fundamento objetivo tem em vista “o seu

significado para coletividade, para o interesse público e para a vida comunitária.”16

É consenso doutrinário que os direitos fundamentais são subjetivos, porque se

destinam à proteção do cidadão, “embora em certos aspectos eles possam ser

directamente encabeçados por pessoas colectivas privadas ou organizações

sociais.”17 São direitos subjetivos porque conferem ao indivíduo garantia de defesa

contra o Estado, e também a exigibilidade da atuação positiva deste para garantia

das liberdades.18

Se, por um lado, os direitos fundamentais são garantias aos particulares (plano

subjetivo), é verdadeiro que tais garantias surtem efeitos em um outro plano

(objetivo). Nas palavras de Andrade, “é precisamente a esses restantes efeitos, a

essa mais valia jurídica que se pode dar o nome de dimensão objetiva, que se

manifesta, quer em sentido valorativo ou funcional, quer em sentido estrutural.”19

A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais tem função “axiologicamente

vinculada”20, visto que o exercício dos direitos subjetivos depende do

reconhecimento pela coletividade da existência do referido direito.

15

O tema ora proposto pela complexidade que representa, demandaria profundo estudo. Entretanto, a abordagem proposta no presente trabalho tem como finalidade precípua diferenciar as dimensões subjetivas e objetivas para a compreensão da caracterização geral dos direitos fundamentais.

16 CANOTILHO, 2000, p. 1216.

17 ANDRADE, 2004, p. 133, passim.

18 HESSE, 1998, p. 235-238.

19 ANDRADE, 2004, p. 142.

20 SARLET, 2004, p. 155.

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Neste sentido, o reconhecimento no plano subjetivo dos direitos fundamentais

como direitos de defesa, requer a aceitação, no plano objetivo de restrições à

atuação estatal.21

Da concepção da dimensão objetiva dos direitos fundamentais resulta a idéia

de deveres fundamentais22, que acabam por fundamentar a limitação dos direitos

fundamentais em geral, especialmente concernentes à liberdade.

Percebe-se a dupla dimensão dos direitos fundamentais, já que do exercício de

um direito (no plano subjetivo) irradiam efeitos de oponibilidade aos demais sujeitos

– Estado ou particulares – evidenciando-se a esfera objetiva dos direitos

fundamentais.

Observa-se, portanto, que a dificuldade, em muitas situações, da eficácia

imediata das normas de direitos fundamentais, provem dos efeitos que tal aplicação

trará para a comunidade em geral. Aliás, se por um lado andou muito bem a

Constituição ao estabelecer um rol extenso de princípios de proteção à dignidade

humana, por outro, deixou de indicar instrumentos capazes de garantir tal

observância, ante a premissa de que o direito de um, requer uma atuação positiva

ou negativa de outrem, e deste “dever-jurídico” nem sempre cuidou o legislador de

tutelar.

2 O problema da eficácia dos direitos fundamentais frente aos particulares

A efetividade das normas constitucionais ao longo dos anos, evoluiu

juntamente com os sistemas políticos dos Estados soberanos, superando, no

21

HESSE, 1998, p. 239.

22A Constituição Federal Brasileira estabelece no inciso II, artigo 5º que ninguém será obrigado a

fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Parte-se assim, da premissa de que os deveres fundamentais, não partem unicamente dos direitos fundamentais, já que exigem imposição legal para sua observância. Nisso reside a discussão acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, enquanto que em inúmeras situações a observância e respeito de um direito fundamental de uma particular, demanda do outro um dever, que nem sempre encontra-se na lei.

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decorrer dos tempos, a fase do constitucionalismo meramente formal e abstrato,

evoluindo para um constitucionalismo material e histórico.

Neste sentido, o legislador brasileiro, ao tratar do tema direitos fundamentais e

em decorrência da relevância da matéria frente à sociedade, concedeu a estes

direitos de plena operatividade, consagrando de maneira expressa, a “aplicabilidade

imediata” das normas de direitos fundamentais, nos termos do artigo 5º, § 1º, da

Constituição Federal de 1988.

Como antes mencionado, a questão não é simplória como posta pelo

legislador; ao contrário, é tema extremamente controvertido na doutrina e de difícil

solução prática, ante aos efeitos que impõe ao Estado e, não poucas vezes, aos

particulares.

Para melhor compreensão da questão, convém enunciar os pressupostos da

norma, para que esta possa produzir efeitos no mundo jurídico, e fazer algumas

distinções terminológicas acerca da existência, validade, vigência, eficácia jurídica a

social (efetividade) da norma.

A existência da norma pressupõe uma manifestação no mundo dos fatos, a

ocorrência dos elementos constitutivos, quais sejam: agente, forma, e objeto.23 A

partir do momento em que a norma ingressa no plano da existência, passa a se

sujeitar a um segundo requisito: o da validade24.

Para Barroso, a validade da norma está condicionada aos requisitos de

competência, forma adequada e licitude, elementos estes que não interferem na

existência da norma, segundo conclui Sarlet, pois a norma pode ter ingressado na

ordem jurídica, independentemente de sua validade.25

23

BARROSO, 2003, p. 82.

24 BARROSO, op. cit., p. 83: “[...] uma lei que contraria a Constituição, por vício formal ou material,

não é inexistente” 25 SARLET, 2004, p. 227.

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A norma existente e válida é, então, norma dotada de vigência, já que em

virtude de tais circunstâncias (existência e validade) torna-se de “observância

obrigatória”, constituindo pressuposto da eficácia, “na medida em que apenas a

norma vigente pode ser eficaz”.26

Para Kelsen, norma válida é aquela que, num contexto geral, é eficaz.

Entretanto, a norma não perde a sua validade “pelo fato de uma norma jurídica

singular perder a sua eficácia, isto é, pelo fato dela não ser aplicada em geral, ou em

casos isolados”27. Não é, no entanto, válida a norma jurídica que nunca for ou que

deixar de ser aplicada.

Kelsen não atribui à validade e à eficácia a mesma condição, mas sim situação

de complementaridade - somente a norma válida pode ser eficaz, mas nem sempre

a norma válida será dotada de integral e permanente eficácia. A eficácia28 diz

respeito à aplicabilidade. Segundo Barroso, “a eficácia dos atos jurídicos consiste na

sua aptidão para produção de efeitos, para irradiação das conseqüências que lhe

são próprias”29.

Percebe-se que o conceito delineado por Barroso consiste na condição da

norma de gerar os efeitos – plano formal – e não na necessária configuração prática

destes efeitos – plano material. Por esta razão, a doutrina tratou a eficácia em dois

planos distintos: eficácia jurídica e eficácia social da norma, também denominada de

efetividade, as quais Silva distingue:

26

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 42.

27 KELSEN, 2000, p. 237.

28 Segundo DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2001, p. 30: “A eficácia vem a ser a qualidade do texto normativo vigente de produzir, ou irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos, supondo, portanto, não só a questão de sua condição técnica de aplicação, observância, ou não, pelas pessoas a quem se dirige, mas também de sua adequação em face da realidade social, por ele disciplinada e aos valores vigentes na sociedade, o que conduziria ao seu sucesso.”

29 BARROSO, 2003, p. 83: “A eficácia dos atos jurídicos consiste na sua aptidão para produção de

efeitos, para irradiação das conseqüências que lhe são próprias.”

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Eficácia é a capacidade de atingir os objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de traduzir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. Por isso é que se diz que a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir; em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que se cogita; nesse sentido a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade. Esta é, portanto, a medida de extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se ao produto final objetivado pela norma se consubstancia no produto social que ela pretende, enquanto a eficácia a jurídica é apenas a possibilidade de que isso venha a

acontecer.30

O caráter efetivo da norma jurídica tem força normativa em toda a sua

integridade, partes e conteúdos, inclusive em suas implicitudes.

Feitas estas considerações preliminares, sem, contudo, tentar exaurir as

distinções e definições existentes, delimitar-se-á o objeto do presente estudo na

extensão eficacial das normas de direitos fundamentais frente aos particulares.

Neste aspecto, convém mencionar que, inicialmente, houve a negação da

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, sob o argumento de que

estes representavam, exclusivamente, direitos de defesa do cidadão perante o

Estado.31 De tal forma, não poderiam os particulares invocar a Constituição na

defesa de seus direitos perante outros particulares, mas tão somente as normas de

direito privado.

Entretanto, por todas as razões que caracterizam a evolução do sistema liberal

para o social, acabaram por derrubar os argumentos contrários à eficácia das

normas de direitos fundamentais nas relações privadas. Na Europa, tal concepção

foi construída pelas Cortes Constitucionais que, em decisões inéditas, acabaram

reconhecendo a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

30 SILVA, 2001, p. 66. 31

Conforme SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 226: A negação da eficácia dos direitos fundamentais frente aos particulares retrata a concepção liberalistas e teve como defensores Mangoldt e Ermst Forsthoff.

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Hoje é possível dizer que a Teoria da negação absoluta da vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais encontra-se absolutamente superada. A

discussão hoje existente diz respeito aos limites e efeitos da eficácia de tais normas

frente aos particulares, sendo defensáveis as teorias da “Eficácia Mediata ou

Indireta” e da “Eficácia Imediata ou Direta” dos Direitos Fundamentais, além de

outras teorias alternativas baseadas nos “deveres de proteção”.

2.1 Teoria da Eficácia Mediata32 ou Indireta dos Direitos Fundamentais

A teoria da eficácia mediata ou indireta tem como referência Günther Dürig, e

como principiais defensores os doutrinadores alemães. Segundo Dürig a “proteção

constitucional da autonomia privada pressupõe a possibilidade dos indivíduos

renunciarem a direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.”33 A

vinculação deve ocorrer em virtude do acolhimento pelo legislador dos direitos

fundamentais na ordem privada, através de cláusulas gerais. A teoria tem como

pressuposto condicionar “la operatividad de los derechos fundamentales em el

campo de las relaciones privadas a la mediación de um organo del Estado.”34

Isto porque os direitos fundamentais “não se destinam a solver diretamente

conflitos de direito privado, devendo a sua aplicação realizar-se mediante os meios

colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico”35, o que condiciona a aplicação

das regras de direitos fundamentais a uma atividade legislativa.

32

É difundido o termo Mittelbare Drittwirkung, trazido para o direito brasileiro do direito alemão, que inegavelmente influenciou as teorias existentes sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, e, com muita ênfase, a doutrina brasileira.

33 DÜRIG, Günter. “Grundrechte und Zivilrechtsprechung”, en MAUZ, Theodor (Hrsg.) Von, en

Festschrift für Hans Nawiaski. München: Beck, 1956, p. 157/190, apud SARMENTO, 2004, p. 238. 34

UBILLOS, 2003, p. 309.

35 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de

direito constitucional. 3.d. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 125.

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16

A teoria da eficácia mediata tem alguns contornos bem delimitados

doutrinariamente.36 A primeira característica parte da idéia de que os direitos

fundamentais produzem efeitos nas relações particulares, mediante a aplicação de

parâmetros hermenêuticos próprios do direito privado. Assim, a aplicação dos

direitos fundamentais ocorre mediatamente, via regra interpretativa de direito

privado.

O segundo pressuposto é que a eficácia dos direitos fundamentais nas

relações privadas condiciona-se à mediação concretizadora do legislador em

primeiro plano, e dos juizes em segundo plano. Ou seja, não ocorre de maneira

direta, mas exige uma atividade mediadora dos poderes incumbidos de criar a

aplicar o direito.

Ainda, Steimetz elenca como atributo da teoria da eficácia mediata, a função do

legislador de criar regulamentações normativas específicas que delimitem o

conteúdo, as condições do exercício dos direitos fundamentais.

Por fim, no caso de ausência deste instrumento legislativo, cabe ao juiz dar

eficácia aos direitos fundamentais, por meio da atividade interpretativa, ou seja,

aplicação dos direitos fundamentais, mediante a interpretação das normas de direito

privado, especialmente as cláusulas gerais, como boa-fé, bons costumes, etc.

Segundo esta teoria, os direitos fundamentais nas relações privadas não

incidem de maneira direta, mas constituem um sistema de valores utilizado para

interpretação das normas de direitos fundamentais. Sem dúvida, a lei é o

instrumento mais apropriado para delimitar a influência dos direitos fundamentais

nas relações privadas, inclusive, para minimizar o conflito de direitos.

Hesse, um dos principais expoentes da teoria da eficácia mediata, explica que

a incidência direta das regras protetivas de direitos fundamentais nas relações

36

STEINMETZ, 2004, p. 139.

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17

privadas pode significar um prejuízo à liberdade de um particular, em face da

proteção concedida, diante dele, a outro particular.37

Neste sentido, a submissão dos sujeitos privados aos mesmos vínculos e na

mesma extensão a que está submetido o Estado, poderia significar a transformação

de direitos em deveres.38 Em muitas situações, a observância do direito fundamental

de um particular impõe ao outro uma obrigação negativa, restritiva de liberdade, ou

até uma obrigação positiva, caso a teoria da eficácia imediata seja aplicada também

em relação aos direitos sociais.

É dever do Estado proteger os particulares contra a violação de direitos

fundamentais de outros particulares, mas defensável é que tal proteção deve ocorrer

via direito privado.

Com ênfase em tal idéia, defendem os expositores da teoria da eficácia

mediata que a vinculação imediata e direta das regras de direitos fundamentais nas

relações privadas teria como decorrência lógica a supressão de todos os

pressupostos da teoria da eficácia mediata antes expostos, sintetizados na

intervenção legislativa e interpretativa para aplicação das regras de direitos

fundamentais nas relações privadas. Seguindo esta lógica, seria absolutamente

desnecessária a implementação dos direitos fundamentais no sistema de regras de

direito privado, visto que se aplicaria diretamente a Constituição, afirmando-se,

inclusive, que a aplicação da doutrina da eficácia imediata “poderia destruir tanto o

37

HESSE, 1998, p. 285, “os direitos fundamentais em geral não podem vincular diretamente os particulares. Ter em conta sua influência sobre o direito privado como parte da ordem jurídica total é, com vista à problemática exposta, em primeiro lugar, tarefa do legislador de direito privado – vinculado aos direitos fundamentais – a quem cabe, em suas regulações, concretizar o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais, em especial, demarcar reciprocamente posições de privados afiançadas jurídico-fundamentalmente. Os tribunais não devem corrigir as decisões e ponderações do legislador em intervenção sobre direitos fundamentais ou com apoio em suas próprias ponderações.”

38 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre

particulares. In: SARLET, Ingo Wolgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 276.

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direito contratual quanto também o direito extracontratual, pois ambos seriam, em

larga escala, substituídos pelo direito constitucional”39.

Assim, defendem os expoentes da Teoria da Eficácia Mediata que os direitos

fundamentais devem ser considerados “na concretização das cláusulas gerais

juscivilistas,”40 já que não vinculam, por si só, os particulares, ante a impossibilidade

de aplicação direta.

É competência do legislador proteger os direitos fundamentais nas relações

privadas, sem desvincular-se do princípio da autonomia privada. Deve este

“proceder uma ponderação de interesses constitucionais em conflito, no qual lhe é

concedida certa liberdade para acomodar os valores contrastantes, em

consonância com a consciência social de cada época”41.

É função originária do legislador resguardar os direitos fundamentais frente à

violação de terceiros, mediante edição de normas que impeçam os abusos sociais e

econômicos, na seara do direito privado.42

No entanto, seria irreal crer que o legislador poderia prever todas as situações,

esgotando, no âmbito privado, a matéria atinente a proteção das garantias

fundamentais, sendo imprescindível, em um segundo plano, a atuação do Poder

Judiciário.

A este caberia preencher as lacunas deixadas pelo legislador, e rejeitar, por

inconstitucionalidade, as normas incompatíveis com os direitos fundamentais.

Mesmo assim, não se estaria admitindo a eficácia direta ou imediata das normas de

direitos fundamentais nas relações privadas. Ao contrário, o juiz, utilizando-se de

39

CANARIS, Claus Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. Tradução de Peter Naumann. In: SARLET, Ingo Wolganf (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 235.

40 Ibid., p. 236. 41

SARMENTO, 2004, p. 241.

42 VALE, André Rufino: Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris Editor, 2005, p. 141.

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19

cláusulas gerais próprias do direito privado, interpreta a questão em consonância

com a Constituição.

Os direitos fundamentais apenas tratam de preencher o conteúdo das

cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, os quais são criados pelo

legislador privado, para permitir a ponderação diante do caso concreto.

Para a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais somente poderiam

ser aplicados no âmbito das relações entre particulares “após um processo de

transmutação, caracterizado pela aplicação, interpretação e integração das

cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados do direito privado, à luz dos direitos

fundamentais”43.

Assim, é indispensável à aplicação dos direitos fundamentais nas relações

privadas, o processo de mediação, pela atividade legislativa e, num segundo

momento, pela atuação do Poder Judiciário. De acordo com os mananciais teóricos

que fundamentam a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais não

vinculam diretamente os particulares, mas têm sua eficácia condicionada à

mediação legislativa e interpretativa.

43

SARLET, 2004, p. 366.

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20

2.2 A Teoria da Eficácia Imediata44 ou Direta dos Direitos Fundamentais

Assim como a Teoria da Eficácia Mediata, também a Teoria da Eficácia

Imediata teve seus pressupostos teóricos construídos por um alemão, Nipperdey45.

Segundo ele, os direitos fundamentais não somente são aplicados diretamente

nas relações privadas, como têm o efeito de modificar as normas de direito privado

existentes46, independentemente de serem elas cláusulas gerais, ou determinadas.

Assim, a aplicação direta dos direitos fundamentais implica a

inconstitucionalidade de todas as leis contrárias à Constituição. Isto porque a

constituição, como fonte normativa, e em face do princípio da unicidade jurídica, não

poderia ser violada por norma de direito privado devendo, o caso concreto ser

interpretado em estrita consonância com os ditames das regras de direitos

fundamentais.

Os direitos fundamentais têm oponibilidade erga omnes e “podem ser

invocados diretamente nas relações privadas, independentemente de qualquer

mediação por parte do legislador”.47 Tal concepção provêm da idéia de proteção

máxima aos direitos fundamentais, os quais, portanto, devem ser resguardados,

inclusive, frente aos demais particulares.

44

A teoria da eficácia imediata é conhecida no direito alemão como Unmittelbare Drittwirkung.

45 A teoria de Nipperdey acabou por influenciar o Tribunal do Trabalho alemão, que em decisão

inédita, ponderou: “Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais destinam-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado, mas também a estabelecer as bases essenciais da vida social. Isso significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais devem ter aplicação direta nas relações privadas entre indivíduos. Assim, os acordos de direito privado, os negócios e atos jurídicos não podem contrariar aquilo que se convencionou chamar de ordem básica ou ordem pública. STC 38/1986, 21/03/1986.”

46 NIPPERDEY, Hans Carl, apud. STEINMETZ, 2004, p. 163.

47 SARMENTO, 2004, p. 245.

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21

A Teoria da Eficácia Imediata dos direitos fundamentais ampara-se na

realidade fática de que existem relações de desigualdade entre os particulares, e,

assim, poderiam estes violar os direitos fundamentais, como freqüentemente o faz o

Estado.

As premissas básicas da eficácia imediata dos direitos fundamentais são, com

propriedade, pontuadas por Steinmetz: a) as normas de direitos fundamentais são

oponíveis ao Estado e aos particulares; b) os direitos fundamentais são e atuam

como direitos subjetivos constitucionais, independentemente de serem públicos ou

privados; c) por terem natureza de direitos subjetivos constitucionais, tem eficácia

imediata, independentemente de regulação legislativa, salvo se o legislador

constituinte de maneira diversa estabelecer48.

A aplicação irrestrita e imediata das normas de direitos fundamentais

conduzem “a proibições de intervenções no âmbito das relações jurisprivatistas e a

direitos de defesa em face de outros sujeitos jusprivatistas”49, admitindo-se, assim,

a existência de deveres fundamentais, não só atribuídos ao Estado, mas também

aos particulares.

Neste aspecto Alexy ensina que o efeito imediato:

[...] consiste en que, por razones iusfundamentales, en la relacion ciudadano/ciudadano existen determinados derechos y no-derechos, liberdadies y no liberdadies, competencias y no-competencias que, sin estas razones, no existirían.

50

Por certo que, enquanto integrante da vida em sociedade, o cidadão, por ser

dotado de direitos, é titular de deveres sem os quais seria inconcebível a vida em

comunidade. Em se tratando de direitos fundamentais, a observância destes pelos

entes particulares acaba por gerar deveres diante daqueles que são obrigados a

respeitá-los. Quando a observância dos direitos fundamentais acarretar dever para o

48

STEINMETZ, 2004, p. 168-169.

49 CANARIS, 2003, p. 235.

50 ALEXY, 2002, p. 521.

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outro particular, argumentam os defensores da teoria da eficácia mediata, que tal

imposição tem que, necessariamente, decorrer da lei e, portanto, a aplicação dos

direitos fundamentais, neste caso, não poderia ser direta.

A aplicação direta dos direitos fundamentais leva, sem dúvida, a um conflito

permanente de direitos, já que a relação ocorre entre dois titulares de direitos

fundamentais e, em muitas situações, a proteção a um direito, acaba por ferir outro

direito fundamental.

Ademais, é bom lembrar que o Constituinte Brasileiro não previu

expressamente a vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais. Em

que pese tal situação, grande parte da doutrina não nega, em pelo menos algumas

situações, a eficácia imediata dos direitos fundamentais.

Entretanto, grande parte da doutrina impõe algumas limitações e restrições.

Neste sentido, a aplicabilidade imediata nas relações interprivadas estaria afastada

nos casos em que o destinatário final dos direitos fundamentais é o Estado como,

por exemplo, os direitos políticos, garantias fundamentais na esfera processual e

alguns direitos sociais, como assistência social e previdência social51.

O doutrinador português, Andrade, posiciona-se no sentido de que a vinculação

direta deve ocorrer quando se tratar de relações privadas desiguais, quando se

verifica a imposição de poder de um particular perante o outro:

Quanto a nós, para além dos casos já referenciados em que a Constituição expressamente concebe os direitos perante privados, só deverá acertar-se esta transposição directa dos direitos fundamentais, enquanto direitos subjectivos, para as relações entre particulares quando se trate de situações em que pessoas colectivas (ou excepcionalmente, indivíduos) disponham de poder especial de caráter privado sobre (outros) indivíduos.

52

51

Conforme SARLET, 2004, p. 364.

52 ANDRADE, 2004, p. 263.

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Nestas situações, de acordo com a intensidade de poder impingido na relação,

o particular poderá invocar perante o outro particular, direitos fundamentais que

assegurem a sua liberdade e a sua igualdade.

Canotilho condiciona a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações

privadas à determinabilidade53 das normas, ou seja, que as mesmas contenham

conteúdo em que se defina o âmbito de proteção de um direito fundamental e os

respectivos efeitos jurídicos, enquanto assenta que “as normas garantidoras de

direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis desde que possuam

suficiente determinabilidade”54.

Assim, percebe-se que a teoria da eficácia imediata não é irrestrita e nem

aplicável em todas as situações. Por outro lado, o seu afastamento absoluto poderia

permitir, em determinados casos, interpretações contrárias aos ditames

constitucionais, o que colocaria em risco a concepção do ordenamento jurídico atual,

no que se refere a força normativa da constituição e unicidade do sistema jurídico.

2.3 Teoria dos Deveres de Proteção

Além das teorias da Eficácia Imediata e Mediata, outras são defensáveis. Estão

embasadas na idéia do dever de proteção, por parte do Estado, de maneira que este

é o responsável por zelar pela observância dos direitos fundamentais.

É conhecida, assim, a “Teoria dos Deveres de Proteção”, defendida por um

segmento importante da doutrina alemã, como Claus-Wilhelm Canaris, Joseph

Isensee, Stefan Oeter e Klaus Stern. O pensamento destes juristas direciona os

53

CANOTILHO, J.J, Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2004, p. 149, “Sem determinabilidade não há aplicabilidade directa; sem aplicabilidade directa não há positividade ou normatividade reforçada; sem normatividade reforçada fica perturbada a mensagem directiva da Constituição, no sentido de se transitar definitivamente para um sistema no qual são as leis que se movem dentro dos direitos fundamentais e não os direitos fundamentais que se movem no âmbito das leis.”

54 Ibid., p. 147.

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direitos fundamentais apenas para o Estado, e o faz sob duas óticas distintas. Em

primeiro lugar, a vinculação do Estado aos direitos fundamentais reside na idéia de

dever de prestação deste, ou seja, de praticar os atos necessários – seja de

abstenção ou prestação – para realização dos diretos fundamentais a si opostos.

Num segundo plano, o dever do Estado implicaria o dever de “promoção e de

procteção dos direitos perante quaisquer ameaças, a fim de assegurar a sua

efectividade”.55

Neste aspecto, é atribuição do Estado estabelecer as regras de direito privado,

protetivas de direitos fundamentais:

O legislador privado, como órgão do Estado, encontra-se plenamente vinculado aos direitos fundamentais. Não pode atentar contra eles, sob pena de inconstitucionalidade das suas normas, e, mais do que isso, tem a obrigação de defendê-los.

56

O particular, em contrapartida, não está submetido diretamente aos direitos

fundamentais, mas sim ao regramento que, disciplinado os direitos fundamentais,

especifica as condições em que tal vinculação ocorre.57 Ao Estado, como

destinatário final dos direitos fundamentais, compete editar normas necessárias,

organizar e realizar todas as atuações, seja no âmbito legislativo ou judicial, a fim de

assegurar o respeito às ordens fundamentais.58

É claro que a atuação estatal esbarra nos direitos de liberdade, de maneira que

a interferência do Estado, enquanto guardião dos direitos fundamentais, deve estar

pautada em critérios como proporcionalidade, levando-se em consideração que a

proteção máxima de determinados direitos fundamentais acaba por violar outros

55

ANDRADE, 2004, p 147.

56 SARMENTO, 2004, p. 259, com base no pensamento da Claus Wilhelm Canaris.

57 NEUNER, Jörg. O Código Civil da Alemanha e a Lei Fundamental. Tradução de Peter Naumann.

In: SARLET, Ingo Wolganf (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 261, “Diferentemente de uma eficácia externa e imediata, não devemos examinar aqui a intervenção do terceiro com base na proibição do excesso (übermassgebot); isto é, o terceiro não necessita justificar o seu comportamento, mas os órgãos estatais devem observar os deveres de proteção conexos aos direitos fundamentais de acordo com as exigências do dever de proporcionalidade.”

58 ANDRADE, op. cit., p 147.

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25

direitos. Neste sentido, construiu-se, doutrinariamente, o que o jurista português

Carlos Vieira de Andrade denomina de principio de proibição de défice, mediante o

qual o Estado está obrigado a assegurar um “nível mínimo adequado de proteção

dos direitos fundamentais, sendo responsável pelas omissões legislativas que não

assegurem o cumprimento desta imposição genérica”59.

Os limites da atuação do legislador jusprivatista esbarram nas proibições de

excesso e de défice, o que configura limitação à doutrina dos deveres de proteção. A

concepção extremada desta teoria é defendida por Schwabe, designada como

“Teoria da Convergência Estatista”, porque atribui ao Estado a responsabilidade pela

proteção dos direitos fundamentais e, em conseqüência, pela sua violação.

Esta teoria parte do pressuposto que cabe ao Estado proibir comportamentos

ou impedir a prática de atos que infrinjam direitos fundamentais. Considerando que

cabe ao Estado disciplinar e tutelar as relações privadas, “ele se torna responsável

pelos atentados aos direitos fundamentais cometidos contra particulares, sempre

que não os impedir60”.

A teoria atribui responsabilidade máxima ao Estado, como se fosse este capaz

de prever, legislativamente, todas as possibilidades de lesão aos direitos

fundamentais, e impedir, via atividade judiciária, a prática de atos que afrontem

esses direitos.

O ponto fundamental das teorias de imputação ao Estado é que, a violação de

qualquer dever fundamental é atribuída ao Estado, em face da obrigação de

proteção imposta a este.

Rejeitando a teoria extremada de Schwabe, Canaris explica que o efeito

produzido pelos direitos fundamentais no âmbito privado decorre de imperativos de

59

ANDRADE, 2004, p 148.

60 SCHWABE, Jurgen. Die sorgennante Drittwirkung der Grundrechte. Munich, Beck, 1971, apud

SARMENTO, 2004, p. 262.

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26

tutela e proibições de intervenção.61 Isto porque, apesar do Estado ser o único

destinatário dos direitos fundamentais, estes acabam por influenciar as relações

privadas, enquanto é dever do Estado prestar tutela, fazendo-o dentro dos limites

especificados pela proibição de intervenção, a fim de impedir a violação.

Esta teoria mantém a idéia de que o Estado é o único destinatário dos direitos

fundamentais, e ao mesmo tempo explica o motivo pelo qual o comportamento dos

sujeitos privados sofre a interferência dos direitos fundamentais,62 no sentido de que

tal interferência decorre do dever de tutela atribuído ao Estado, enquanto guardião

dos direitos fundamentais.

3 A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais

Resta indiscutível, portanto, que os particulares estão vinculados à observância

dos direitos fundamentais nos negócios entre si celebrados. Isto porque a

concepção atual de Constituição não está limitada a interceder somente nas

relações entre Estado e particulares, já que se trata de verdadeira Lei Fundamental

do Estado e da sociedade, e se destina a regulamentar todas as relações sociais,

mesmo quando estabelecidas entre sujeitos privados.

Assim, a resposta à indagação acerca da vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais é, naturalmente, positiva. O que resta duvidoso e controverso

é a extensão desta vinculação e os efeitos nos negócios jurídicos celebrados entre

particulares.

Da mesma forma, pode-se concluir que nenhuma das teorias acerca da

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas pode ser afastada, já que é

perfeitamente possível a aplicação de todas elas, de acordo com o caso concreto.

61

CANARIS, 2003, p. 53-54.

62 CANARIS, 2003, p. 133.

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27

Nesta seara, conclui Steimetz ao mencionar que “eficácia mediata e eficácia

imediata não são incompatíveis. Onde termina [ou não há] a possibilidade de

viabilização da primeira inicia a atuação da segunda.”63

No mesmo sentido, é o pensamento de Ubillos: “admitir a possibilidade de uma

vigência imediata dos direitos fundamentais nas relações inter privatos em

determinados supostos não significa negar ou subestimar o efeito de irradiação

desses direitos por meio da lei.”64

Diante do pressuposto, aqui admitido, de aceitação de diversas teorias de

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, a problemática está então

em definir, no caso concreto, as situações em que haverá a incidência direta das

normas constitucionais, e as situações em que a aplicação deverá ocorrer através

da mediação legislativa.

De acordo com a categoria de direitos fundamentais em questão, haverá maior

ou menor grau de vinculatividade. Existem direitos, como liberdade, igualdade, que,

pela sua própria natureza, são de observância obrigatória. Entretanto, admite-se que

outros direitos devem ser atribuídos em primeiro plano ao Estado, e aos particulares,

tão somente quando legislação específica assim o determinar, já que a sua

observância gera deveres.

Assim, a delimitação do problema, não escapa à analise da questão frente às

categorias de direitos fundamentais, o que acaba por revelar, justamente, que para

cada categoria de direito, a extensão eficacial das normas de direito fundamental dá-

se em planos distintos.

63

STEINMETZ, 2004, p. 266.

64 UBILLOS, Juan Maria Bilbao. La eficácia de los derechos fundqamentales frente a particulares:

analisis de la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid, Boletin Oficial del Estado, Centro de Estúdios Políticos Y Constitucionales, 1997, apud STEINMETZ, 2004, p. 267.

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28

3.1 A vinculação dos particulares aos Direitos Individuais e Coletivos

Os direitos Individuais e coletivos estão diretamente ligados ao conceito de

pessoa humana, pois visam proteger a vida, a liberdade, a dignidade, a igualdade, a

honra, etc. Assim, são direitos básicos de todo ser humano que merece máxima

proteção do Estado.

Com a evolução das relações sociais, e gradativo aumento das desigualdades,

a imposição de vontades, deixou de estar limitada às relações entre Estado e

indivíduos e passou a ocorrer nas relações entre sujeitos privados, ameaçando,

assim, a liberdade e demais direitos básicos.

Percebe-se que a lesão aos direitos fundamentais não é somente proveniente

do Estado, mas decorrente de agrupamentos de sujeitos privados, que passam a

exercer verdadeiro poder sobre outros sujeitos privados. Esta ameaça, por óbvio,

traz à tona a discussão acerca da vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais, questionando-se a autonomia privada nas relações entre particulares

e, especialmente, se é possível o titular de direitos fundamentais renunciar a tais

direitos.65

65

ANDRADE, 2004, p. 249-250: “É assim que se pergunta se ou até que ponto as liberdades (religiosa, de residência, de associação, por exemplo) ou bens pessoais (integridade física e moral, intimidade, imagem) podem ser limitados por contrato, com o acordo ou o consentimento do titular; se é licito o apelo público ao boicote de um filme ou de um livro; se é válido um contrato em que os empregadores se obrigam a não admitir trabalhadores não inscritos num certo sindicato; até que ponto é admissível a restrição da liberdade de expressão (e de outras liberdades) dos jogadores de um clube desportivo, dos membros de um partido político ou de uma ordem religiosa; quais os poderes de sancionamento que os pais ou tutores podem exercer sobre os menores; se é admissível juridicamente que alguém contrate uma agência privada de detectives para vigiar determinada pessoa, ou alguém publique um livro com um personagem obviamente baseado na vida intima de uma pessoa. Ou se é licito a um empregador contratar ou deixar de contratar um trabalhador por causa da confissão religiosa, sexo, ou opção política dele; se o senhorio pode despejar um inquilino por não pagamento da renda, quando tolera a permanência de outro que também não paga; se uma pessoa pode legitimamente deixar os seus bens por testamento apenas a familiares de um dos sexos, excluindo intencionalmente os do outro; se os donos de hotéis, táxis ou restaurantes, bem como os de escola ou de clubes privados, podem recusar a permanência, o transporte, o sérvio ou uma freqüência a certas categorias de pessoas (estrangeiras, pessoas de raça diferente ou determinado sexo.”

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29

A doutrina acerca da aplicabilidade direta ou não das normas fundamentais

garantidoras de direitos individuais e coletivos é absolutamente divergente, assim

como o é a doutrina acerca dos efeitos da vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais em geral.

Dürig, defensor extremista da eficácia mediata, também no que se refere aos

direitos fundamentais que garantem liberdades e direitos individuais e coletivos,

defende que não há justificativa para uma vinculação direta66, enquanto compete ao

Estado proteger os direitos fundamentais contra violação de particulares.

Nipperdey, em sentido oposto, defende a vinculação absoluta, fundamentada

na ordem normativa da Constituição.

Entretanto, a vinculação dos particulares às garantias fundamentais individuais

e coletivas está vinculada à origem histórica do seu surgimento, qual seja, o poder.

Ora, quando o Estado era o único sujeito capaz de impor poder, as garantias

fundamentais eram destinadas a este. No momento em que os sujeitos privados

passam a ser detentores de poder perante outros sujeitos privados, concebe-se a

imposição dos direitos fundamentais aos particulares, enquanto é premissa que os

entes providos de poder é que tendem a violar direitos fundamentais. Assim, Carlos

Vieira de Andrade defende que deverá ser aceita a transposição direta dos direitos

fundamentais para as relações entre particulares “quando se trate de situações em

que pessoas colectivas (ou excepcionalmente indivíduos) disponham de poder

especial de caráter privado sobre (outros) indivíduos.”67

Quando as relações forem entre iguais, defende o autor português que não

deve ocorrer esta transposição.68 No entanto, isso não significa que os direitos

fundamentais possam ser violados pelos particulares, como se absolutamente

66

DÜRIG, Günter. “Grundrechte und Zivilrechtsprechung”, en MAUZ, Theodor (Hrsg.) Von), en Festschrift für Hans Nawiaski. München: Beck, 1956, p. 157/190, apud ANDRADE, 2004, p. 251.

67 ANDRADE, op. cit, p. 263.

68 ANDRADE, op. cit., p. 268, ”nas relações entre iguais, parece-nos que os particulares não devem

ser considerados sujeitos passivos dos direitos fundamentais, enquanto direitos subjectivos, com os deveres típicos correspondentes.”

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inaplicáveis às relações privadas. Cabe ao Estado impor regras a serem observadas

por todos, como meio de garantia de observância dos direitos fundamentais.

Ademais, na condição de “princípios de valor objectivo”, os direitos fundamentais

têm efeito irradiativo em todo o ordenamento jurídico, inclusive, nas relações

privadas. Por mais autônomo que seja o direito privado, este não é independente da

Constituição e se submete aos valores nela inseridos. Assim, como já dito, o próprio

direito privado passa a ser elaborado e interpretado de acordo com a Constituição, e

com fim a satisfazer os direitos fundamentais de todo cidadão.

Por esta razão, admite-se que, mesmo tendo em vista os direitos e garantias

individuais e coletivas, em um primeiro plano, a aplicabilidade de tais normas é

indireta, já que se dá via aplicação de norma de direito privado, desde que esta

esteja conforme a Constituição. Em um segundo, plano, quando inexistente ou

inaplicável norma de direito privado, a incidência das normas fundamentais se dá de

maneira direta.69

No que se refere ao direito de liberdade, percebe-se que desta resulta também

a exigência de não intervenção estatal, de maneira que as partes têm absoluta

liberdade para contratar e negociar. É crível, no entanto, que nas relações entre

sujeitos privados desiguais, a liberdade deve sofrer limitações de maneira a garantir

a proteção aos demais direitos fundamentais e limitar a imposição de poderes. Neste

sentido, o legislador privado brasileiro, mediante princípios inerentes ao direito

privado como boa-fé, bons costumes, função social do contrato, bem como por

legislações especiais, limita a liberdade das partes a fim de garantir a equivalência

das obrigações assumidas. Também o juiz pode impor limitações à liberdade,

quando tal for necessário para garantir a observância de outras normas

fundamentais, inclusive, a própria liberdade. Assim, a aplicação imediata e irrestrita

do direito à liberdade nas relações privadas pode implicar na imposição de vontades

e desrespeito aos direitos fundamentais.

69

Esta é a posição de José Carlos Vieira de Andrade.

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Compete ao legislador privado impor limites ao direito de liberdade, nas

relações desiguais, com a finalidade de garanti-la, de maneira equivalente às partes

contratantes.

Outro exemplo é o direito à igualdade, que em inúmeras situações confronta

com o princípio da liberdade. No caso de doação e testamento, a lei brasileira

admite que filhos sejam tratados de maneira desigual, o que, em tese, fere o

princípio da igualdade, mas garante a liberdade70, dentro de limites que o legislador

privado entendeu razoável.

O princípio da igualdade não tem força jurídica para se sobrepor ao predomínio

da vontade individual71. Pela generalidade dos direitos à liberdade e à igualdade, na

maioria das situações tais normas estão em conflito, sendo, desse modo, o

legislador privado, a instituição mais indicada, para, fazendo a ponderação desses

princípios, definir qual deve prevalecer diante de determinadas situações, mediante

o que a regra de direito privado se revela o meio mais adequado a solucionar os

conflitos.

O direito à igualdade se opera em diversos níveis nas relações privadas – ora

como princípio objetivo, ora como direito fundamental, ora como norma de proibição

discriminatória, ou como ordem de tratamento igual ou tratamento diferenciado72 - e

dele decorrem outros direitos fundamentais.

Na condição de norma de proibição discriminatória, é quase consenso que

opera eficácia imediata. A própria Constituição, regulando o direito fundamental à

igualdade, proíbe a discriminação de cor, idade, sexo, religião.

Entretanto, quando atua como ordem de tratamento igual, a vinculação se dá

de maneira mais comedida, já que vige no direito privado, em primeiro plano, o

70

ANDRADE, 2004, p. 278.

71 STEINMETZ, 2004, p. 249.

72 STEINMETZ, op. cit., 2004, p. 259.

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direito à liberdade, e exigir dos particulares sempre um tratamento igual, acabaria

por restringir sobremaneira a autonomia da vontade.

No Brasil, onde a tendência é admitir a eficácia imediata das normas de direito

privado, especialmente no que se refere às garantias e liberdades individuais e

coletivas, determina-se a aplicação direta das normas constitucionais, especialmente

“na interpretação de cláusulas contratuais ou de outras declarações de vontade, de

sentido duvidoso, independentemente da invocação de qualquer conceito jurídico

indeterminado, formulado pelo legislador privado.73

Neste aspecto, impõem-se a todos os particulares o dever de respeito aos

direitos fundamentais, seja comissiva ou omissivamente. Em muitas situações, o

respeito a igualdade ou a não discriminação, não se resolve por uma não ação, mas

requer uma ação humana, a fim de igualar a prestação concedida por uma

determinada pessoa à outra pessoa que se encontre em situação jurídica de

igualdade.

A doutrina brasileira que defende a eficácia direta das normas constitucionais

estende esta modalidade de eficácia às relações paritárias, argumentando que

“mesmo em relações de tendencial igualdade, impõe-se uma proteção direta dos

direitos fundamentais, sob pena de se proporcionar uma garantia incompleta à

dignidade da pessoa humana.”74

Mesmo longe de um consenso doutrinário, o que se percebe é que, nas

relações entre particulares, as garantias individuais e coletivas geralmente estarão

em confronto diante do caso concreto. Por isso, é prudente que o legislador privado

atue de maneira a dirimir tais conflitos, determinando, mediante a edição de leis,

qual a norma fundamental deve prevalecer, sem, no entanto, afastar totalmente as

demais. Os direitos à liberdade e à igualdade, dentro do direito privado, em regra,

são conflitantes, devendo prevalecer um diante do outro, de acordo com cada

73

SARMENTO, 2004, p. 299.

74 SARMENTO, 2004, p. 306.

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33

situação específica. Por óbvio, quando inexistente ou inaplicável a norma de direito

privado, deve o juiz julgar o caso concreto aplicando diretamente as garantias

fundamentais, fazendo a ponderação, no caso de conflito.

3.2 A vinculação dos particulares aos direitos sociais e aos direitos

transindividuais

Além dos direitos considerados de primeira dimensão, é controversa a

aplicabilidade das normas fundamentais de segunda e terceira dimensão frente aos

particulares75.

A concretização dos direitos de segunda dimensão – os direitos sociais -

requer, em regra, uma prestação, e por isso são denominados também de direitos

prestacionais em sentido estrito, já que, em regra, exigem uma conduta positiva do

seu destinatário76.

Por se tratarem também de direitos fundamentais, vige a regra do artigo 5º, §

1º, da Constituição Federal Brasileira, que determina a aplicabilidade imediata de

tais regras. Assim, não obstante a controvérsia doutrinária acerca do nível de

eficácia desses direitos frente ao Estado77, é majoritária a construção no sentido de

serem regras de eficácia direta e imediata e de observância obrigatória frente ao

Estado.

75

Para estudo da conceituação das diferentes dimensões dos direitos fundamentais vê REIS, Jorge Renato dos. A concretização e a efetivação dos direitos fundamentais no direito privado. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas – Desafios Contemporâneos. Leal, Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato dos (org.). Santa Cruz do Sul – Edunisc. Tomo 4. 2004. 76

SARLET, 2004, p. 275.

77 O presente estudo não tem como objeto da análise da aplicabilidade das normas de direitos

fundamentais frente ao Estado, mas tão somente em relação aos particulares, não sendo, portanto, desenvolvida a questão dos níveis de eficácia frente ao Estado e as controvérsias acerca da questão.

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São, portanto, direitos do indivíduo frente ao Estado, e por isso não podem, em

tese, serem exigidos dos particulares78. A vinculação dos particulares e a

possibilidade de exigir, perante estes, prestações positivas, fere os princípios que

decorrem do direito à liberdade e à propriedade. Portanto, trata-se de colisão de

direitos fundamentais e, em regra, neste caso, prevalecem os direitos inerentes à

liberdade frente aos direitos sociais “porque não são suficientemente fortes para

afastar os princípios da livre iniciativa e da autonomia privada e os direitos

fundamentais de liberdade e de propriedade.”79

Isso não quer dizer que em situação alguma podem ser opostos aos

particulares. Estes não estão obrigados a ações positivas para garantir a eficácia

dos direitos fundamentais, salvo quando a legislação privada – que não seja

inconstitucional – assim o exigir, ou quando, em decorrência de outros institutos

normativos constitucionais, ocorra esta vinculação, como por exemplo, as

obrigações familiares, impostas aos pais em relação aos seus filhos, nos termos dos

artigos 227 e seguintes da Constituição Federal.

Pode-se concluir então, que os particulares somente estão obrigados a

prestações positivas quando a lei – seja a constituição ou a legislação

infraconstitucional – expressamente lhe atribuir esta obrigação, e desde que tal

atribuição não colida expressamente com os direitos fundamentais, especialmente,

os de primeira dimensão, caso em que deverá ocorrer a ponderação. Ademais, caso

o Estado efetivamente fosse capaz de prover os direitos sociais, as desigualdades

seriam mínimas, e os particulares não precisariam atuar como concretizadores de

78

Há entendimentos no sentido de que, em algumas situações de relevante valor social, os direitos sociais são oponíveis aos particulares, mesmo que deles emane uma conduta positiva. Neste sentido DE ASIS, Rafael. Las paradojas de los derechos fundamentales como limites al poder. Madrid: Instituto de Derechos Humanos Barotlomé de las casas (Universidad Carlos III de Madrid), Dykinson, 2000, apud STEINMETZ, 2004, p. 277: “[...] supõe que a extensão de obrigações positivas a determinados grupos privados cuja relevância para o ordenamento jurídico é evidente favoreceria o exercício de direitos e de liberdades. Esses dois lados da questão apontam para isto: eventuais tensões entre obrigações positivas e direitos fundamentais constituiriam colisões de direitos fundamentais e como tal deveriam ser resolvidas. [...] determinadas obrigações positivas ou de fazer, entendidas como promoção de direitos fundamentais, devem incidir sobre certos poderes de indubitável relevância social. A extensão dessas obrigações que tome em consideração os direito afetados.”

79 STEINMETZ, 2004, p. 280.

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direitos sociais, como por diversas vezes o fazem, por sua livre consciência de

responsabilidade social.

Em determinadas situações, a observância dos direitos sociais não exige

prestação positiva, mas apenas um dever de abstenção e, neste caso, sustenta-se

que os direitos podem ser opostos frente aos particulares80. É o caso, por exemplo,

do dever de não violação ao direito à moradia, que obriga o Estado e os particulares

a não lesarem direito à moradia digna, tratando-se, aqui, como exemplificado por

Sarlet, da impossibilidade de penhora do único imóvel do devedor, mesmo nas

situações em que a legislação privada, expressamente admite.81

Mesmo em se tratando de direitos de defesa frente aos particulares, os

mesmos não são absolutos, já que a sua irrestrita aplicabilidade pode ferir outros

direitos fundamentais como a própria liberdade, igualdade e autonomia privada.

Assim, a ponderação de direitos fundamentais, diante do caso concreto, e

considerando sempre que nas relações privadas ambas as partes são titulares de

direitos fundamentais, é requisito essencial para segurança jurídica dos negócios

privados.

No que se refere aos direitos de terceira dimensão – os direitos transindividuais

–, pela sua caracterização, a doutrina brasileira tem considerado estes como direitos

que vinculam os particulares, já que a sua inobservância acarreta lesão a um grupo

de pessoas.

Entretanto, como explica Steinmetz, esta vinculação tende a ser indireta e

mediata, especialmente considerando que: a) o texto constitucional, em regra, exige

80

QUADRA-SALCEDO, Tomás. El recurso de ampro y los derechos fundamentales em las relaciones entre particulares. Madrid, Civilitas, 1981, apud STEINMETZ, 2004, p. 275, “há direitos fundamentais à prestações cujo único sujeito obrigado é o Estado e, por isso, não podem ser exigidos dos particulares. Contudo, isso não implica que os particulares, sob qualquer aspecto, estão, necessariamente desobrigados diante de direitos fundamentais a prestações. O particular não está obrigado a cumprir com um dever de prestações – não está na mesma posição do Estado -, contudo pode ser obrigado a não interferir no desenvolvimento e na efetivação de um direito a prestações.”

81 SARLET, 2004, p 324.

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36

a mediação estatal para aplicação destes direitos82; b) os bens objeto de proteção

possuem complexidade, e, portanto, necessitam de regulação legislativa para

especificação dos deveres dos particulares; c) a observância dos direitos

transindividuais, requer, além de omissões, ações de proteção, que por vezes

representam ônus financeiro.

Sarmento, contrariamente, defende a eficácia imediata e direta destes direitos

em relação aos particulares, sob argumento de que se tais direitos vinculassem

exclusivamente o Estado, a sua inclusão como direitos fundamentais seria inócua,

enquanto é necessária a cooperação de todos os sujeitos privados para a efetiva

concretização desta categoria de direitos, especialmente no que se refere aos

direitos de proteção. Admite, também, que é possível o “reconhecimento de

obrigações positivas, de caráter prestacional, inferidas diretamente da

Constituição”83.

Pondera, entretanto, que, inicialmente, é obrigação do Estado a conservação e

recuperação do meio ambiente, bem como a promoção e proteção do patrimônio

histórico, artístico e cultural. A obrigação dos particulares é subsidiária e não pode

ser equiparada ao regime de vinculação vigente em relação ao Estado, já que o

particular, além de não ter o poder de polícia necessário para garantir a preservação

de tais bens, não pode ser compelido a arcar, de maneira direta, com o ônus

financeiro inerente à efetivação de tais direitos. 84

No que se refere aos direitos transindividuais, pela vasta gama de bens a

serem protegidos, não se pode, em tese, adotar uma solução única quanto ao

regime de vinculação dos particulares. Primeiro, porque devem ser levadas em

consideração as diferentes obrigações decorrentes de tais direitos, tais como

deveres de abstenção e deveres que exigem prestações positivas. Assim, o ideal é

que ocorra, como em todas as hipóteses, a mediação legislativa, a fim de assegurar

82

São exemplos de situações em que a aplicabilidade das normas constitucionais requer regulamentação legislativa: a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), a proteção ao meio ambiente (§1º do artigo 225).

83 SARMENTO, 2004, p. 367.

84 SARMENTO, op. cit., p. 367.

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37

a correta aplicação e interpretação dos direitos fundamentais de terceira geração

nas relações privadas.

No Brasil, a doutrina acerca da vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais ainda é escassa e requer amadurecimento. A maioria dos

doutrinadores que prega uma eficácia imediata e irrestrita demonstra uma clara

cultura social, já que por aqui ainda é necessária a ruptura da cultura liberal clássica.

Talvez por isso seja necessário defender-se o extremo, para ser possível garantir,

na prática, um mínimo de vigência dos direitos fundamentais.

De tal sorte, especialmente no que se refere às categorias específicas de

direitos fundamentais, está-se absolutamente longe de qualquer consenso, mas

algumas considerações merecem ser feitas.

No que se refere às garantias e liberdades, por serem estes direitos

considerados basilares, e dos quais decorreram todos os demais, é necessário que

sejam levados em consideração na interpretação de qualquer relação jurídica.

Ademais, são direitos que, em tese, não acarretam uma obrigação positiva ou ônus

financeiro ao seu destinatário. Assim, a doutrina em geral, brasileira e estrangeira,

tem admitido uma vinculação direta dos particulares a esses direitos.

A solução já não é a mesma no que se refere aos direitos sociais e

transindividuais. Isto porque a observância dos direitos sociais e transindividuais, em

regra, requer uma atuação positiva do seu destinatário e acarreta ônus econômico a

este. Assim, impõe um dever ao destinatário que, em se tratando de sujeito privado,

também é um titular de direitos fundamentais, acarretando, na maioria das

situações, colisão de direitos fundamentais.

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Portanto, a apreciação acerca da aplicabilidade mediata ou imediata dos

direitos fundamentais nas relações privadas não foge da análise do caso concreto,

pois ao se fazer a ponderação dos direitos fundamentais em questão, optar-se-á por

aquele que deve prevalecer.

Também considerando a multiculturalidade do Estado brasileiro, e as

diferenças sociais, “a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas

travadas no interior de comunidades étnicas culturais minoritárias não poderá

prescindir de considerações acerca da identidade dessas comunidades.”85

Por fim, não é possível, ainda, se chegar a uma clara conclusão ou regra geral

acerca da extensão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, mas é

possível afirmar, entretanto, que86: a) os direitos fundamentais vinculam os

particulares; b) esta vinculação pode ser, em alguns casos imediata e, em outras

situações mediata; c) quando houver normas de direito privado aplicáveis ao caso

concreto, em consonância com os direitos fundamentais, estas deverão ser

aplicadas; d) quando as normas de direitos fundamentais referirem-se a meros

direitos de abstenção, e não implicarem em obrigação positiva e ônus econômico, a

tendência é de aceitação de uma vinculação imediata; d) quando a observância dos

direitos fundamentais exigir do particular uma prestação positiva, da qual decorra

ônus financeiro, a tendência é admitir que a vinculação do particular dependa de

uma mediação legislativa.

85

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação aos particulares dos direitos fundamentais. In: ______. A Constituição concretizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 283.

86 Tais afirmações não são consenso na doutrina estrangeira ou brasileira, mas tão somente posições

já afirmadas no presente estudo, as quais entende-se como aquelas que melhor solucionariam a divergência acerca da extensão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

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39

CONCLUSÃO

Sem a pretensão de esgotar o tema, ou sequer de traçar conclusões inéditas, o

presente trabalho teve como objetivo compilar idéias e teses acerca da influência

dos direitos fundamentais nas relações privadas, e das conseqüências da

normatividade constitucional na interpretação dos contratos celebrados entre

particulares.

Com a vigência da Carta Constitucional de 1988, inaugurou-se no Brasil uma

nova era jurídica, não mais preocupada unicamente com o indivíduo proprietário,

mas, também e especialmente, com o indivíduo como pessoa, dotado de direitos

mínimos assecuratórios da dignidade, concebida pelo legislador como direito

fundamental maior do Estado democrático de direito.

A Constituição de 1988, além de estabelecer direitos e garantias a todos os

cidadãos brasileiros, passa a estar dotada de normatividade ímpar, assumindo a

condição de fonte ordenadora do sistema jurídico, de maneira que todas as regras

infra-constitucionais devem estar em consonância com os preceitos socializantes

estabelecidos pela Carta Maior.

Surgem, assim, as legislações especiais bem mais protetivas e restritivas da

autonomia da vontade, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor. A influência

da ordem constitucional restou evidenciada no contexto legislativo constante do

Código Civil de 2002 que, apesar de repetir muitas das regras constantes no

diploma de 1916, estabeleceu inúmeras regras abertas – as chamadas cláusulas

gerais – como boa-fé, função social do contrato, equidade, que exigem do intérprete

sensibilidade em relação à observância dos direitos fundamentais.

Percebe-se, assim, a irradiação das normas constitucionais, especialmente dos

Direitos Fundamentais a todo sistema jurídico. Desta forma, é inegável que todas as

regras de direito privado, inclusive, aquelas relativas aos contratos, devem ser

interpretadas de acordo com a Constituição.

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Os direitos fundamentais não têm como destinatário exclusivo o Estado, mas

vinculam todos os particulares, uma vez que é indispensável que a interpretação dos

litígios entre estes deve ocorrer com observância dos direitos fundamentais.

A discussão doutrinária abordada no presente estudo, da qual não se obteve

uma solução definitiva, tem como enfoque os limites da influência constitucional nas

relações entre particulares. Uma regra de direito fundamental, pode ser aplicada de

maneira direta para solucionar um conflito estabelecido em uma relação contratual

privada? O particular, enquanto titular de direito fundamental pode ser obrigado a

uma prestação para assegurar a observância de direito fundamental de outro

particular?

As diversas teorias existentes sobre a vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais – teoria da incidência direta, teoria da incidência indireta e teoria

integradora – conduzem à conclusão de que, em determinadas situações, a

incidência ocorrerá de maneira direta; e em outras, de maneira indireta, de acordo

com a menor ou maior equivalência da relação contratual, de acordo com a

modalidade de direito fundamental a ser violado e, ainda, de acordo com a restrição

que essa observância causar ao direito fundamental do outro particular.

Entretanto, estando as normas de direito privado em harmonia com o sistema

constitucional, dispensável é a aplicação direta das normas constitucionais, pois a

simples aplicação das regras e princípios de direito privado possibilitará a solução do

conflito, com observância dos direitos constitucionais, sem que seja necessária a

aplicação direta de tais regras, preservando assim, a função própria de cada lei

integradora do ordenamento jurídico.

Por certo que nada melhor que o próprio legislador ordinário ao editar a norma

de direito privado, faça a ponderação e crie e norma, com a finalidade maior de

garantir a observância dos direitos e valores constitucionalmente protegidos.

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No entanto, quando efetivamente o legislador privado não houver feito tal

ponderação, admissível seria a aplicação direta da norma constitucional para dirimir

o conflito. Defende-se, então, que a aplicação direta dos direitos fundamentais para

dirimir os conflitos privados seria residual, a fim de garantir a própria estabilidade do

sistema jurídico e também a fim de impedir que todas as questões de direito privado

se tornem questões de cunho constitucional, passível de apreciação pelo Tribunal

Constitucional.

A contrário sensu, percebe-se uma nítida tendência dos julgadores em

fundamentar suas decisões, no caso de litígio decorrente de relação contratual, nos

direitos fundamentais, especialmente na dignidade humana, o que tem elevado

consideravelmente as demandas judiciais apreciadas pelo Supremo Tribunal

Federal.

Ocorre que muitas destas decisões carecem de fundamento jurídico, e são

direcionadas muito mais por senso subjetivo de justiça, limitado exclusivamente à

questão concreta. É bom lembrar, entretanto, que a massificação das relações e

repetição de decisões não gera efeitos somente para as partes contratantes, mas

para toda a sociedade, evidenciando-se aqui a verdadeira função social do contrato.

Não raras vezes, percebe-se que o julgador simplesmente ignora o comando

legislativo ordinário, apto a dirimir o conflito e aplica diretamente a norma

constitucional, ao entender, que naquele caso concreto, a aplicação da norma

ordinária violaria direito constitucionalmente protegido.

O intérprete deixa de considerar, entretanto, que a norma ordinária tem como

finalidade proteger direito constitucional da coletividade, o que muitas vezes, implica

a não-observância de alguns direitos fundamentais individuais.

A Constituição tem ênfase comunitária, e como cerne a proteção do individuo

como ser integrante de uma vida em sociedade, de maneira que o respeito aos

direitos fundamentais da coletividade implica em algumas situações, a renúncia de

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alguns direitos individuais. Neste aspecto, além da ponderação de bens, da

utilização de critérios de adequação, de necessidade, é necessário que seja

observada a função social do contrato e ponderadas as conseqüências da decisão

para as partes e para a coletividade.

Talvez o grande desafio desse novo modelo contratual seja racionalizar o

resultado da decisão, de maneira que seja esta coerente para as partes contratantes

e para a coletividade em geral, com o intuito de dar máxima eficácia ao direito

fundamental de todos os indivíduos que sofrem os efeitos da decisão, sem afastar

completamente o direito de um, para dar eficácia ao de outro.

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