Direitos humanos trabalhista – perspectivas e aplicação no ordenamento jurídico nacional.

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1 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CURSO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITOS HUMANOS TRABALHISTA PERSPECTIVAS E APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL. FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA FORTALEZA 2007

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS HUMANOS TRABALHISTA – PERSPECTIVAS E APLICAÇÃO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL.

FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA

FORTALEZA – 2007

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FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA

DIREITOS HUMANOS TRABALHISTA – PERSPECTIVAS E APLICAÇÃO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL.

Monografia apresentada à cadeira de “Hermenêutica Constitucional”, para

obtenção de nota final.

Prof. Dr. Paulo Albuquerque

FORTALEZA - 2007

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APRESENTAÇÃO

O objetivo deste trabalho consiste em fazer uma apresentação sucinta dos

direitos humanos trabalhistas e a sua implementação na órbita do direito internacional.

Os documentos internacionais, principalmente os emanados da Organização

Internacional do Trabalho, estabeleceram, em suas recomendações e Convenções,

direitos e garantias individuais e sociais para todos os cidadãos, destacando-se

principalmente aqueles direitos específicos reconhecidos à classe trabalhadora, ou

seja, aqueles que se referem ao princípio da liberdade sindical.

A análise dos documentos internacionais referentes ao reconhecimento de

direitos e garantias individuais e sociais dos trabalhadores, permite observar as

influências que alguns documentos exerceram na ordem constitucional e legislação

ordinária sobre os países membros participantes das várias organizações que têm

procurado estabelecer o mais amplamente possível a universalidade dos direitos

fundamentais do homem.

Os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, bem como os

tribunais internacionais que visam a efetivar esses direitos, refletem não apenas as

necessidades do contexto mundial em que a sociedade se insere, mas, também, uma

grande evolução do pensamento humano, decorrente das lutas pelos direitos humanos

e pelos meios que viabilizem sua efetivação.

1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A expressão “direitos fundamentais” é utilizada para se referir aos direitos do

ser humano, reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de

determinado Estado.

Torna-se difícil a conceituação sintética e precisa dos direitos fundamentais

frente à ampliação e transformação destes durante a evolução histórica. Contudo,

segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA1:

“a expressão mais adequada para nos referirmos a esses direitos é “direitos

fundamentais do homem”, pois, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo, informando a ideologia política de cada ordenamento jurídico, designa, também, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas, sendo que, na expressão “fundamentais”, encontra-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa

1 DA SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional positivo, 16ª Ed: Malheiros

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humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser reconhecidos e materialmente efetivados; e, do homem, no sentido genérico, de pessoa humana.

Pode-se dizer, genericamente, que os direitos fundamentais, no Brasil, são

todos aqueles direitos previstos constitucionalmente, que tem por finalidade o

cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo a todos os

cidadãos uma vida digna.

Com a constitucionalização do direito privado, espera-se que os direitos

fundamentais do homem realmente sejam concretizados, por meio de uma releitura à

luz dos princípios constitucionais, mormente no que diz respeito à dignidade da pessoa

humana.

Quanto à delimitação do campo de abrangência dos chamados direitos

fundamentais do homem, há que se afirmar a dificuldade existente, tendo em vista o

caráter exemplificativo das disposições constitucionais a eles referentes. Entretanto, de

forma geral, segundo INGO WOLFGANG SARLET:

os direitos fundamentais do homem constituem um conceito materialmente aberto, já que a Constituição Federal de 1988 consagrou a idéia da abertura material do catálogo constitucional dos direitos e garantias fundamentais. Sendo assim, admite-se a existência de direitos fundamentais, positivados na Constituição Federal de 1988, fora do catálogo inicialmente proposto pelo seu Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 prevê os Direitos e Garantias Fundamentais,

no seu Título II, de forma que, em tese, todos os direitos ali inseridos são classificados

como direitos fundamentais. Entretanto, como já referido, os direitos fundamentais não

são apenas aqueles positivados no Título II, já que a Constituição Federal, no § 2º do

art. 5º, prevê:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Isto significa que, além dos direitos e das garantias fundamentais

expressamente reconhecidos no Título II da Constituição Federal de 1988, há outros

assegurados em outras partes do texto constitucional, e, inclusive, em tratados

internacionais em matéria de direitos humanos que o Brasil subscreve. Daí a dificuldade

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existente na classificação dos direitos fundamentais. Os direitos elencados no Título II

da Constituição Federal fazem parte, portanto, de um rol meramente exemplificativo,

não se esgotando em tal positivação a diversidade de direitos fundamentais existentes,

devendo ser analisado casuisticamente.

A melhor técnica para se identificar o caráter de norma fundamental das

disposições constitucionais que se encontram fora do catálogo do Título II da

Constituição Federal, embora não seja a única, é procurar identificar se a norma em

questão está embasada e relacionada à dignidade da pessoa humana, no sentido de

ser essencial à proteção jurídica da situação em exame. Caso se conclua pela

imprescindibilidade da proteção ao direito, por se tratar de elemento constitutivo do

princípio da dignidade da pessoa humana, sem dúvida nenhuma se estará diante de

uma norma que expressa um direito fundamental da pessoa humana.

2. DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PRINCÍPIO TUTELAR.

Santo Tomaz de Aquino foi quem primeiro utilizou expressamente a

expressão dignitas humana, seguido depois por diversos outros.

Maria Garcia afirma que “a dignidade da pessoa humana corresponde à compreensão

do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantida moral

e juridicamente2”.

A dignidade da pessoa humana não é algo concedido a alguém, mas uma

qualidade intrínseca da pessoa, irrenunciável e inalienável. A dignidade da pessoa não

depende do reconhecimento do Direito para existir por ser dado prévio, independente.

Entretanto, o Direito deverá proteger e promover a dignidade da pessoa humana. A

dignidade da pessoa é valor próprio, da natureza do ser humano como tal. Assim,

todos, mesmo os maiores criminosos, possuem dignidade, pela sua condição de seres

humanos.

Todavia, a dignidade da pessoa não deve ser considerada exclusivamente

como algo inerente à natureza humana, já que possui um sentido cultural, que depende

do meio em que a pessoa está inserida, cujas dimensões natural e cultural da dignidade

da pessoa se complementam e interagem mutuamente. Diante disso, ao Estado cabe a

2 05Maria Garcia, Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade, São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2004, p. 196/197

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tarefa de preservar a dignidade humana existente e promovê-la, criando condições que

possibilitem o seu pleno exercício e fruição pelas pessoas.

O art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948) expressa que “todos os

seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é ressaltado pelo constituinte

nacional no texto normativo no art. 1º, inciso III, restando inarredável a decisão de

contemplar o respeito ao homem pelo só fato de ser “humano”, beneficiado pelo direito

de levar uma vida digna de ser humano, não podendo conseqüentemente ser usado

como instrumento para algo, sendo por isso mesmo pessoa dotada de dignidade.

Assim, a dignidade da pessoa humana é a reafirmação expressa do valor da

pessoa humana como fundamento de uma ordem jurídica. Sintetiza em si todos os

direitos humanos fundamentais.

A constitucionalização dos direitos fundamentais não significou mera

enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais

qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela.

Os direitos humanos fundamentais colocam-se como uma das previsões

absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o

respeito à dignidade humano, garantir a limitação de poder e visar o pleno

desenvolvimento da personalidade humana.

3. DOS DIREITOS HUMANOS.

3.1 DA NOÇÃO JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS

A definição do que sejam direitos humanos, aponta para a uma pluralidade de

significados. Assim, para delimitar o trabalho, acolhe-se a definição de direitos humanos

externa por Norberto Bobbio que assevera que "são os direitos cujo reconhecimento é

condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o

desenvolvimento da civilização3".

A expressão “direitos humanos” possui contornos amplos, possuindo relação

com os documentos de direito internacional que difundem os direitos do homem em

âmbito mundial. A dignidade da pessoa humana é a essência a ser tutelada pelos

direitos humanos.

3 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: campus, 1992

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Outra definição, muito usual, é a que classifica ou identifica os direitos

humanos como fundamentais. Ingo Sarlet4 entende que os direitos fundamentais são

sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular será sempre o ser humano,

ainda que representado por entes coletivos, embora os termos direitos humanos e

direitos fundamentais seja comumente utilizados como expressão sinônimas, os direitos

fundamentais são aqueles positivados na Constituição dos estados, enquanto direitos

humanos são aqueles reconhecidos internacionalmente, em documento internacional.

3.2. DAS GERAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS

Em matéria de direitos humanos, o mais importante documento jurídico

produzido pelo Homem provavelmente seja mesmo a Declaração Universal dos Direitos

do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 e

referida supra. Em seu preâmbulo, os Estados soberanos reconheceram que "o

reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e

inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo". No considerando

seguinte, registrou-se que:

"o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade", sendo fundamental que "os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão"

Os Direitos Humanos consagrados nas primeiras declarações foram

chamados "de primeira geração" e assinalam, particularmente, uma separação entre

Estado e não-Estado. Trata-se de um conjunto de direitos individuais universalizados

pela doutrina liberal que marcam a emancipação do poder político, a superação do

Estado absoluto e religioso e a liberação do poder econômico diante dos entraves

feudais. A estes direitos se fez acrescentar os direitos individuais exercidos

coletivamente; a liberdade de associação, reconhecida na primeira emenda da

constituição norte-americana, que amparou o processo histórico de criação dos partidos

políticos e dos sindicatos.

Os direitos humanos de primeira geração são basicamente aqueles

consagrados na Declaração de 1948, os direitos civis e políticos, relacionados ao valor

liberdade. Tais direitos reclamam, da parte de terceiros, notadamente os poderes e

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª Ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2001

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órgãos públicos, uma série de deveres puramente negativos que implicam a abstenção

de determinados comportamentos cerceadores. São, pois, as liberdades públicas.

Os direitos humanos de segunda geração são os direitos sociais, econômicos

e culturais. Entre nós, vejam-se todos os direitos sociais inscritos nos artigos 6º e 7º da

Constituição Federal, esses últimos atrelados umbilicalmente às origens históricas do

Direito do Trabalho. Os direitos de segunda geração só podem ser satisfeitos se forem

impostos aos terceiros, principalmente aos poderes e órgãos públicos, imputando-lhes

um arcabouço de deveres positivos sindicáveis em juízo. Alguns os chamam poderes,

porque embora ligados ao valor fundamental da igualdade enfeixam as possibilidades

de exercício das chamadas liberdades positivas, reais ou concretas, ao contrário dos

direitos de primeira geração, que dizem com as liberdades clássicas, negativas ou

formais, as quais demandam prestações e não abstenções do Estado.

Os direitos humanos de terceira geração definem-se como "direitos de

solidariedade: direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao patrimônio comum da

humanidade, ao meio ambiente5". Tais direitos estão ligados ao valor da fraternidade e

solidariedade.

Os direitos humanos de quarta geração6 resultariam da globalização da

Economia e dos direitos fundamentais, bem como da universalização desses últimos no

plano institucional, com vistas à fundação do Estado Social e à composição de uma

trincheira de direitos antagônicos à globalização neoliberal. Essa classe inclui, o direito

à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

4. DO DIREITO INTERNACIONAL E DOS DIREITOS HUMANOS DO TRABALHO.

A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egito

e Mesopotâmia, no terceiro milênio A.C., em que já eram previstos alguns mecanismos

para proteção individual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1960 a.C.)

talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os

homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo,

igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes. (...) na obra Antígona –

441 a.C. – Sófocles defende a existência de normas não escritas e imutáveis,

5 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 4a edição, São Paulo, Ed. Malheiros, 1993, p.474-482)

6 idem

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superiores aos direitos escritos pelo homem. Contudo, foi o Direito Romano quem

estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos

individuais em relação aos arbítrios estatais.

A proteção dos direitos humanos foi concebida em diversos documentos na

Antigüidade ainda (como a lei das XII Tábuas), na Idade Média, e segue na

modernidade, chegando a Idade Contemporânea em 1789 quando a Assembléia

Nacional Francesa promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com

17 artigos, proclamando direitos humanos fundamentais.

A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos do

trabalhador possibilitou, em nível internacional, o surgimento da Organização

Internacional do Trabalho OIT, cuja finalidade é promover padrões internacionais de

condições de trabalho e bem estar do trabalhador. Tem esta organização três motivos

inspirados, conforme Durat e Jaussaud7 : a)um sentimento de justiça social; b) o perigo

da injustiça social; c) a similaridade das condições de trabalho na ordem internacional.

Assim, o trabalhador passou a ser encarado não como um objeto, mas como

um sujeito do direito internacional, começando a consolidar a capacidade processual

internacional do indivíduo, acabando com a concepção de que o ser humano está

limitado à jurisdição doméstica do estado.

5. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Segundo JOSÉ FRANCISCO RESEK8, no livro “Direito Internacional Público”,

tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e

destinado a produzir efeitos jurídicos. Segundo estudioso, há, em português, diversas

palavras sinônimas de tratado, ilustrando com as seguintes palavras sinônimas:

estatuto, memorando, pacto, protocolo, convenção e concordata (quando se tratar de

acordo com a Santa Sé).

As normas convencionais, em regra, decorrem de um processo prévio de

negociação, para só então serem reduzidas a termo, propiciando oportunidade de

assinatura e ratificação pelos Estados-membros que concordem com o seu conteúdo.

7 SUSSEKIND, Arnaldo . Instituições de Direito do Trabalho. Ed. São Paulo:LTR, 2002, p.1475

8 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.

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JÜRGEN HÄBERMAS somente atribui validade à norma oriunda de um

processo argumentativo fruto da participação dos agentes sociais, que neste exercício

deixariam a posição de meros destinatários para assumir a posição de verdadeiros co-

autores de referidas normas. Noutras palavras:

“... à medida que os cidadãos são entendidos como membros de uma comunidade jurídica, a posição de destinatários é substituída pela posição de co-autores da normatividade proveniente do Direito. Ou seja, a ordem jurídica não é heterônoma, mas emana da produção discursiva da vontade política dos membros da comunidade jurídica. Essa é a primeira questão. A segunda é que, embora os cidadãos sejam autores do sistema jurídico, a produção discursiva da vontade democrática dos cidadãos exige um processo de institucionalização. Ora, como emana discursivamente da vontade dos cidadãos, a normatividade do Direito não é fechada sobre si mesma, antes precisa comprovar-se na factualidade das decisões democráticas.

9”

Assim, os membros da sociedade internacional só devem se sujeitar às

normas internacionais se tiver garantida a oportunidade de participarem do seu

processo de criação. É que a coesão social somente se alcança pela participação dos

membros no processo de elaboração normativa, sendo esta sua principal fonte de

legitimidade. A outra fonte de legitimidade se consubstancia na observância do devido

processo legislativo. Decorre, daí, a possibilidade dos seus sujeitos discordarem do

argumento que dá validade à norma e não aderirem à mesma. Por outro lado, há a

probabilidade desses mesmos sujeitos reconhecerem a autoridade normativa do melhor

argumento. Contudo, é importante ressaltar que a legitimidade do ordenamento jurídico

(interno ou internacional) encontra-se exatamente no reconhecimento da falibilidade do

sistema normativo. Cria-se a abertura para uma constante revisão, revogação e

reconstrução dos preceitos normativos.

Desta forma, o simples fato da norma ser fruto de um processo legislativo não

lhe confere autoridade absoluta. Estando esta aberta à comprovação fática, sua

legitimidade decorrerá de sua vinculação a processos democráticos. Nas palavras de

HABERMAS:

“à luz dessa idéia da autoconstituição de uma comunidade de pessoas livres e iguais, as práticas usuais de criação, de aplicação e de imposição do direito são expostas inevitavelmente à crítica e autocrítica. Sob a forma de direitos subjetivos, as energias do livre-arbítrio, do agir estratégico e da auto-realização são liberadas e, ao mesmo tempo, canalizadas através de uma imposição normativa, sobre a qual as pessoas têm que entender-se, utilizando

9 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1997.

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publicamente suas liberdades comunicativas, garantidas pelo direito, ou seja, através de processos democráticos. A realização paradoxal do direito consiste, pois, em domesticar o potencial de conflito embutido em liberdades subjetivas desencadeadas, utilizando normas cuja força coercitiva só sobrevive durante o tempo em que forem reconhecidas como legítimas na corda bamba das liberdades comunicativas desencadeadas.

10”

Numa sociedade internacional que se proponha democrática, a ordem jurídica

deve surgir como resultante da vontade consciente e discutida de seus membros. A

validade da norma não decorrerá dos mecanismos sancionatórios, mas de sua

legitimidade.

A inexistência de mecanismos eficazes de sanção, contudo, não faz com que

as normas internacionais se caracterizem como democráticas e, conseqüentemente,

legítimas, posto faltar-lhes o pressuposto básico, qual seja, a oportunidade de

discursividade entre as partes em simétrica paridade. O princípio da igualdade, embora

formalmente reconhecido como regente das relações internacionais entre os Estados-

membros da ONU, na prática não se verifica.

Frise-se, que os tratados podem se constituir sob a forma de tratado-lei, “que

se propõe a fixar normas de direito internacional de caráter geral e abstrato, que os

Estados aceitam como normas de conduta; caracteriza-se por ser predominantemente

multilateral e por possuir cláusulas de adesão”11. As convenções multilaterais como as

de Viena soa um exemplo perfeito deste tipo de tratado; sob a forma de tratado-

contrato, “que rege de um modo concreto os interesses divergentes dos Estados e pode

ser considerado um acordo de vontades entre as partes produtivas de efeitos

obrigacionais12”. E, finalmente, sob a forma de tratado-constituição, “que traduz um

acordo entre pessoas de direito internacional e tem por principal objetivo criar uma

organização internacional munindo-a de uma carta constitutiva13” sendo essa última a

conformação da Carta das Nações Unidas.

5.1. SISTEMÁTICA DE INCORPORAÇÃODOS TRATADOS NO DIREITO

BRASILEIRO

10

HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1997. 11

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direito e processo do trabalho na perspectiva dos direitos humanos. Rio de

Janeiro: Ed. Renovar, 2003. 12

idem 13

idem

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12

Até a Emenda Constitucional nº 45/2004 os acordos internacionais (tratados),

ou seja, aqueles celebrados entre as nações e organismos internacionais, quando

incorporados ao direito interno, tinham duas naturezas jurídicas distintas, conforme a

sua regulamentação na Constituição. Ou tinham natureza jurídica de lei ordinária ou de

lei complementar. Atente-se que para a aprovação de lei ordinária é necessária a

maioria simples dos votos, e, para a aprovação da lei complementar, é necessária a

maioria absoluta dos parlamentares. Não se devendo confundir com a aprovação do

decreto legislativo que versa sobre tratados, neste, quanto à votação, deve-se observar

o regimento interno do Congresso Nacional.

O Congresso Nacional detém a competência legislativa exclusiva para

resolver sobre tratados (art. 49, I, da Norma Ápice). A norma legal que incorpora o

tratado no direito nacional é o decreto legislativo (inciso VI do art. 59 da CF), sendo que

são três as fases para a incorporação de acordo internacional (tratado) em nosso

ordenamento interno: na 1ª etapa, o Presidente da República celebra o tratado (art. 84,

inciso VIII, da CF); na 2ª fase, a norma internacional é enviada ao Congresso Nacional

para ser aprovada ou rejeitada e, caso aprovada, o Congresso Nacional edita o decreto

legislativo e; na 3ª e última fase um segundo decreto, desta vez presidencial dá vida ao

tratado.

Como exemplo de tratado com natureza jurídica de lei ordinária tem-se a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 (Pacto de San José da Costa

Rica), promulgada pelo Decreto presidencial nº 678/1992.

5.2 DA NATUREZA JURÍDICA DOS TRATADOS FRENTE A EMENDA N. 45

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, o tratado passou a ter

mais uma natureza jurídica, a de emenda constitucional, conforme preceitua o § 3º, do

art. 5º, da Norma Fundamental, verbis:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Note-se que o processo legislativo de equiparação de norma internacional do

§ 3º do art. 5º é idêntico ao processo legislativo das emendas constitucionais (art. 60, §

2º, da CF).

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Ressalte-se, contudo, que a inclusão dos §§ 3º e 4º no artigo dos direitos

fundamentais individuais e coletivos significou que, doravante, os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada

Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Além disto, o

Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha

manifestado adesão.

Essas duas novas normas constitucionais representam a disposição da

República Federativa do Brasil em marcar uma posição de país com objetividade e boa

vontade nas suas relações internacionais e demonstrar que o Brasil está se

empenhando na luta pelo respeito aos direitos humanos.

Neste sentido, os ensinamentos de FLÁVIA PIOVESAN:

“(...) A partir da Constituição de 1988 intensificam-se a interação e a conjugação do direito internacional e do direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. Testemunha-se o processo de internacionalização do direito constitucional somado ao processo de constitucionalização do direito internacional

14.”

Ressalte-se que os tratados de direitos humanos contemplam parâmetros

protetivos mínimos, buscando resguardar um “mínimo ético irredutível” concernente à

dignidade da pessoa humana.

Segundo FLÁVIA PIOVESAN :

“(...) Reitere-se que, por força do art. 5º, § 2º, todos os tratados de direitos humanos, independentemente do ‘quorum’ de sua aprovação, são materialmente constitucionais. O ‘quorum’ qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza constitucional, ao adicionar um lastro formalmente constitucional. (...) Ao admitir a natureza constitucional de todos os tratados de direitos humanos, há que ressaltar que os direitos constantes nos tratados internacionais, como os demais direitos e garantias individuais consagrados pela Constituição, constituem cláusula pétrea e não podem ser abolidos por meio de emenda à Constituição, nos termos do art. 60, § 4º, da Constituição (...)”

Nesta mesma linha de raciocínio, tal é a visão de CELSO LAFER:

“(...) entendo que ao tratados internacionais de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionados pelo

14

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad,

2002.

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§ 2º do art. 5º não só pela referência nele contida aos tratados como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados. (...) Penso que os dispositivos destes e de outros tratados recepcionados pela ordem jurídica nacional sem o quorum de uma emenda constitucional não podem ser encarados como tendo apenas a mera hierarquia de leis ordinárias.”

A Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, trouxe importe

inovação no tocante aos tratados e convenção internacionais que versem sobre Direitos

Humanos, quando estabeleceu que se aprovados, em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais.

Assim, a ordem constitucional contempla duas formas de incorporação da

ordem interna do país dos tratados e convenções internacionais. A primeira

estabelecida no art. 49, I e art. 84, VIII da Carta recepciona os tratados como norma

infraconstitucional, e a segunda decorrente da inovação prevista na Emenda

Constitucional n. 45, a qual confere o status de normas constitucionais.

Sendo referida norma proveniente do poder constituinte derivado, esta

possui a característica de limitada e condicionada aos parâmetros do poder constituinte

originário. Assim, os tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados à

ordem interna em decorrência do art. 5º, §3º, da CF/88, devem estar em consonância

com a própria Carta Constitucional, sob pena de serem declarados inconstitucionais.

Destaque-se que a incorporação dos tratados internacionais que tratam dos

direitos humanos passaram a ser mais rigorosos, estipulando o mesmo critério adotado

para a incorporação das emendas constitucionais.

Referidos tratados tem aplicação imediata, à luz da sistemática constitucional

de incorporação automática. Este também é o entendimento de FLÁVIA PIOVESAN:

Eis o sistema misto propugnado pela Constituição brasileira de 1988, que combina regimes jurídico diversos – um aplicável aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e o outro aos tratados em geral. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos apresentam status constitucional e aplicação imediata (por força do art. 5º§§ 1º e 2º, da Carta de 1988) os tratados tradicionais apresentam status infraconstitucionais e aplicação não imediata (por força do art. 102, III, b, da Carta de 1988 e da inexistência de dispositivo constitucional que lhes assegure aplicação imediata.) Acrescente-se que a sistemática de incorporação automática, adotada pela Constituição brasileira no que tange aos tratados de direitos humanos, tem sido

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uma tendência de algumas Cartas contemporâneas15

”. (Incluir nota de referência)

Destaque-se que com o advento do § 3º do art. 5º surgem duas categorias de

tratados internacionais de proteção de direitos humanos: os materialmente

constitucionais – art. 5º, §2º -, que se equiparam as normas infraconstitucionais e, os

material e formalmente constitucionais – art. 5º, § 3º - que equivalem às emendas

constitucionais. Essa diferenciação terá relevante importância quando o Estado busca

se retirar de um tratado. Enquanto os tratados materialmente constitucionais podem ser

suscetíveis de denúncia, os tratados material e formalmente constitucionais, por sua

vez, não podem ser denunciados. Neste caminho, mais uma vez FLÁVIA PIOVESAN:

Ao admitir a natureza constitucional de todos os tratados de direitos humanos, há que ressaltar que os direitos constantes nos tratados internacionais, como os demais direitos e garantias individuais consagrados pela Constituição, constituem cláusula pétrea e não podem ser abolidos por meio de emenda à Constituição, nos termos do art. 60, § 4º, Atente-Se que as cláusulas pétreas resguardam o núcleo material da Constituição, que compõe os valores fundamentais da ordem constitucional. Neste sentido, os valores da separação dos Poderes e da federação – valores que asseguram a descentralização orgânica e espacial do poder político – o valor do voto direto, universal e periódico e dos direitos e garantias individuais p valores que asseguram o princípio democrático -, compõem a tônica do constitucionalismo inaugurado com a transição democrática. Os direitos enunciados em tratados internacionais em que o Brasil seja parte ficam assegurados pelas cláusulas pétreas “direito e garantias individuais”, prevista no art. 60,§4º, IV, da Carta.

Diversamente dos tratados materialmente constitucionais, os tratados

material e formalmente constitucionais não podem ser objeto de denúncia. Isto porque

os direitos neles enunciados recebem assento no Texto Constitucional, não apenas

pela matéria que veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo

especial e dificultoso processo de sua aprovação, concernente à maioria de três quinto

dos votos dos membros, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de

votação. Ora, se tais direitos internacionais passam a compor o quadro constitucional,

não só no campo material, mas também no formal, não há como admitir que um ato

isolado e solitário do Poder Executivo subtraia tais direitos do patrimônio popular –

ainda que a possibilidade de denúncia esteja prevista nos próprios tratados de direitos

humanos ratificados, como já apontados. É como se o Estado houvesse renunciado a

15

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad,

2002.

Page 16: Direitos humanos trabalhista – perspectivas e aplicação no ordenamento jurídico nacional.

16

essa prerrogativa de denúncia, em virtude da “constitucionalização formal” do tratado

no âmbito jurídico interno.

Conclui a citada doutrinadora que o §3º, do art. 5º da Constituição

“inseriu no ordenamento jurídico nacional a categoria de tratados internacionais de direitos humanos material e formalmente constitucionais; material por força do §2º, do art. 5º da CF/88 e formalmente constitucional em decorrência do processo de incorporação de tais tratados na ordem interna, equiparando-se às emendas constitucionais

16.“

A propósito do tema, as reflexões de INGO WOLFGANG SARLET:

“Um primeiro ponto digno de nota diz respeito ao caráter compulsório ou facultativo da adoção do procedimento mais rigoroso das emendas constitucionais, especialmente em face da redação do dispositivo, que, no mínimo, dá ensejo a tal dúvida e permite a adoção do entendimento que a incorporação mediante o procedimento das emendas poderia ser opcional. Tal argumento assume ainda maior relevo em se considerando que – sob o ponto de vista da forma – a incorporação dos tratados em matéria de direitos humanos se tornou mais dificultada, o que, em princípio, poderia ser considerada como contraditório, considerando a abertura material consagrada no art. 5º,§2º e a prevalência dos direitos humanos no plano das relações internacionais do Brasil estabelecida no art. 4º da nossa Lei Fundamental.

De outra parte, parece-nos que há espaço para uma interpretação teleológica e sistemática em prol da compulsoriedade do procedimento reforçado das emendas constitucionais, igualmente calcada nos arts. 4º (princípio da prevalência dos direitos humanos) e 5º, §2º, da nossa Constituição. Com efeito, tendo em mente que a introdução do novo § 3º teve por objetivo (ao menos cuida-se da interpretação mais afinada com a ratio e o telos do § 2º) resolver – ainda que remanescentes alguns problemas – de modo substancial o problema da controvérsia sobre a hierarquia dos tratados em matéria de direitos humanos, antes incorporados por Decreto Legislativo e assegurar aos direitos neles consagrados em status jurídico diferenciado, compatível com sua fundamentalidade, poder-se-á sustenta que a partir da promulgação da Emenda n. 45/2004 a incorporação destes tratados deverá ocorrer pelo processo mais rigoroso das reformas constitucionais via emenda.

Assim, o direito brasileiro opta por um sistema misto, combinando regimes

jurídicos distintos: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro

aplicável aos tratados tradicionais.

Neste contexto, a inclusão do § 3º do art. 5º à CF/88, objetiva, ao seu modo,

responder à polêmica doutrinária e jurisprudencial concernente à hierarquia dos

tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.

16

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad,

2002.

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17

5.3 DA INTEGRAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

Entende-se que daqui para frente duas correntes se formarão a respeito da

inserção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio, com sólidos

argumentos a fundamentarem os seus pontos de vista:

A primeira corrente defenderá que os tratados internacionais que tratam dos

direitos humanos assinados antes da promulgação da Emenda Constitucional nº

45/2004 possuem a natureza jurídica de lei ordinária ou complementar, não constituindo

emenda à Constituição posto que quando da sua aprovação não foi obedecido o

quorum qualificado de emenda constitucional, como previsto no art. 5º, § 3º, da CF.

Aduzirão que inexiste o número de ordem de emenda constitucional, exigência contida

no art. 60, § 3º, da CF e que, em decorrência da anterioridade da promulgação dos

pactos à Emenda Constitucional nº 45/2004, não serão recepcionados como Emenda

Constitucional.

Uma segunda corrente sustentará que os susoreferidos tratados

internacionais que tratam de direitos humanos, a exemplo da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos e as das Convenções da Organização Internacional do

Trabalho, possuem natureza jurídica de Emenda Constitucional, em razão de seu

objeto intrínseco, e assim, sendo dispensável o processo legislativo. A propósito deste

entendimento, calha aduzir que no ordenamento jurídico pátrio já restaram configurados

exemplos desta acomodação. Cita-se o caso do Código Tributário Nacional - Lei nº

5.172/1966 combinado com art. 146, da Constituição da Constituição Federal- e a

Consolidação das Leis Trabalhistas - Decreto-Lei nº 5.452/1943 combinado com o art.

7º, inciso I, da CF - que foram alçados à condição de leis complementares, embora

anteriores à Constituição Federal de 1988, e sem nova votação no processo legislativo

para aprovação de lei complementar, sob o fundamento de que à época de sua

aprovação e promulgação não existia o processo legislativo atual.

Entende-se que em respeito a Carta vigente há de ser respeitado o

procedimento formal de aprovação do tratado, ratificando-se o entendimento de que as

normas de direitos humanos, contidas nas convenções internacionais, anteriores a

promulgação da Emenda nº 45/2004, não tem natureza jurídica de emenda

constitucional.

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18

6. DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT

A preocupação da comunidade internacional com a degradação das relações

entre as pessoas e o reiterado desrespeito aos seus direitos fundamentais ocasionou o

surgimento de vários tratados, no intuito de reprimir e prevenir opressões aos direitos

fundamentais do ser humano. Neste contexto se insere a Organização Internacional do

Trabalho, que fora criada pelo Tratado de Versalhes, em 1919, com objetivo de

proteger e promover mundialmente os direitos humanos no campo das relações de

trabalho.

A respeito da competência institucional da OIT, leciona CARLOS HENRIQUE

BEZERRA LEITE17:

Vê-se, pois, que a competência da Organização Internacional do Trabalho não se restringe a questões específicas do Direito do Trabalho e da Previdência Social, já que lhe cabe, entre outras atribuições, fomentar a plenitude do emprego e a elevação de níveis de vida; formação profissional e a garantia de iguais oportunidades educativas e profissionais, a proteção à infância e `maternidade e a promoção de alimentos, cultura, habitação, recreação; colaborar com os demais organismos internacionais visando à melhoria da saúde, ao aperfeiçoamento da educação, enfim, à promoção do bem-estar a todos os povos.

(.....) A organização Internacional do Trabalho é regida por uma Constituição e possui uma composição tripartite, isto é, dela participam representantes dos governos dos Estados-Membros, dos trabalhadores e dos empregadores.

No exercício de sua vigência, ao longo de sua existência, a OIT editou várias

Convenções18 e Recomendações19 relacionadas aos direitos fundamentais do

trabalho, muitos deles verdadeiros direitos humanos trabalhistas, a saber:

Convenção sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização (n.87); Convenção sobre o direit5o de sindicalização e de negociação coletiva (n. 98); Convenção sobre idade mínima (n. 138); Convenção sobre o trabalho forçado (n. 29); Convenção sobre a abolição de trabalho forçado (n. 105); Convenção sobre a erradicação do trabalho infantil (n. 182); Convenção (n. 100) e Recomendação (n. 90) sobre a igualdade de remuneração e a Convenção e Recomendação sobre a discriminação (emprego e ocupação) (n. 111).

A comunidade internacional exige que as declarações internacionais relativas

aos princípios fundamentais, como direitos humanos trabalhista, devem ser observadas

17

BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho, direito

internacional do trabalho 18

São tratados-leis firmados entre os Estados-Membros no intuito de regular relações sociais laborais 19

São dirigidas aos Estados-Membros e têm por finalidade o fomento e a orientação das atividades nacionais em área

determinadas

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19

por todos os países, independentemente de tê-los ratificados, sob pena de serem

responsabilizados pelos órgãos de controle da OIT.

A Constituição brasileira elenca em seu artigo 1º, como um dos fundamentos

da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais

do trabalho e a da livre iniciativa. Assim, sendo os valores sociais do trabalho princípio

fundamental, os direitos trabalhistas inerentes à dignidade da pessoa humana do

trabalhador é Direito Fundamental, ou seja é o direito humano “positivado”. Daí deflui o

Direito Humano Trabalhista brasileiro.

Nesta mesma senda, chega JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, o qual, após referir

o art. 7º do Protocolo de San Salvador, de 1998, leciona que “não se pode, portanto,

negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica pertencente aos direitos

humanos. O direito do trabalho, portanto, sob um prisma internacional, é,

inegavelmente, uma face importante, e até mais visível, dos direitos humanos.20..”

7. DA APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL

No Direito do Trabalho, a exemplo dos demais ramos do direito, deve-se

observar certa hierarquização entre suas diversas fontes de produção. Nada obstante,

face as suas características especiais, o clássico sistema piramidal kelseniano nem

sempre prevalece, em respeito à regra da norma mais favorável, imanente ao Princípio

da Proteção do Trabalhador. Este estatuto, nas palavras de PLÁ RODRIGUEZ21:

"tem como preocupação central - ao contrário do que ocorre normalmente no direito comum - o estabelecimento da desigualdade jurídica, privilegiando o empregado, tido por hipossuficiente, para 'alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes'".

Lembra o autor uruguaio, "entre normas de hierarquia diferente, dever-se-ia

considerar aplicável a de grau superior e, entre as de igual hierarquia, dever-se-ia fazer

prevalecer a promulgada mais recentemente". Entretanto, a aplicação da regra da

norma mais favorável é "que torna questionável o pressuposto e que outorga ao Direito

do Trabalho, sob este aspecto, caráter peculiar". E arremata: "Não se aplicará a norma

20

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Em defesa da ampliação da Justiça do Trabalho, RDT, 11-08 – Brasília, 2005, pg.15 21

PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Tomo V, trad. de Wagner D. Giglio, São Paulo:

LTr, 1997.

Page 20: Direitos humanos trabalhista – perspectivas e aplicação no ordenamento jurídico nacional.

20

correspondente dentro de uma ordem hierárquica predeterminada, mas se aplicará, em

cada caso, a norma mais favorável ao trabalhador"22.

Assim, a incorporação de tratados e convenções internacionais no

ordenamento jurídico interno, com a qualidade de norma infraconstitucional ou

constitucional, não revoga ou altera normas jurídicas que garantam aos trabalhadores

condições mais favoráveis.

Este entendimento resta comungado pelo doutrinador CARLOS HENRIQUE

BEZERRA LEITE23:

“É oportuno registrar que a ratificação e a vigência no plano doméstico de uma

convenção da OIT não retiram a eficácia de “qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis” vez, que também no campo do Direito Internacional do Trabalho prevalecem os princípios da norma mais favorável e da condição mais benéfica em favor do trabalhador”.

Os tratados internacionais, no âmbito do direito laboral, buscam estabelecer

regras trabalhistas ou a regulamentação mínima de certas situações de trabalho. É

mediante tais tratados que a comunidade internacional pretende evitar e combater

abusos e ilegalidades cometidas contra os trabalhadores em todo o mundo. Contudo,

os direitos e garantias já conquistados pelos trabalhadores dentro de seu território,

quando mais favoráveis, devem prevalecer a qualquer tratado ou convenção

internacional.

8. DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL PARA SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS

As disposições constitucionais acerca dos direitos humanos ensejam instigante

discussão acerca do status normativo dos tratados e convenções internacionais sobre o

tema. Sobressaindo quatro principais correntes interpretativas. A primeira reconhece a

natureza supraconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos

humanos . A segunda atribui caráter constitucional a esses diplomas internacionais . A

terceira que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional .

A quarta, a interpretação atribui caráter supralegal aos tratados e convenções sobre

direitos humanos .

22

idem 23

Op. Cit., p. 101

Page 21: Direitos humanos trabalhista – perspectivas e aplicação no ordenamento jurídico nacional.

21

Comungamos com os ensinamentos de Celso de Albuquerque Mello que

sustenta a preponderância dos tratados internacionais de direitos humanos em relação

às normas constitucionais, que não tem, no seu entender, poderes revogatórios em

relação às normas internacionais. Neste sentido, nem mesmo a emenda constitucional

tem o condão de suprimir a normativa internacional subscrita pelo Estado em tema de

direitos humanos.

Calhe lembrar que eventuais conflitos entre os tratados internacionais de

direitos humanos e a Constituição haverão de ser resolvidos pela aplicação da norma

mais favorável à vítima, titular do direito, tarefa hermenêutica da qual estariam

incumbidos os tribunais nacionais e outros órgãos de aplicação do direito. Dessa forma,

o Direito interno e o Direito Internacional estariam em constantes interações na

realização do propósito convergente e comum de proteção dos direitos e interesse do

ser humano.

A propósito, Nestor Pedro Sagues, assevera que:

“Na solução de problemas relacionados com a interpretação dos direitos

humanos, o juiz nacional e os juízes internacionais devem procurar fazer uma

interpretação orgânica e sistemática, que liga a norma relativa a um direito humano com

as restantes contidas no mesmo documento e com outras fontes judiciais que estão

relacionadas com o direito em jogo, seguindo o princípio pró homini, que aconselha

interpretar regra relativa a um direito humano da forma mais favorável ao indivíduo, ou

seja, os beneficiários de proteção”.

No ordenamento jurídico nacional há necessidade de se assumir uma postura

jurisdicional mais adequada à realidade emergente em âmbitos supranacionais,

voltados a proteção dos direitos humanos.

O Supremo Tribunal Federal, analisando o recurso extraordinário de n.

466.343-1 – São Paulo - tende a decidir, vez que já tem maioria de sete votos a favor,

por declarar o caráter supralegal dos diplomas normativos internacionais e, determinar

que a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem

sua eficácia paralisada. Neste sentido, a teor do Pacto Internacional dos Direitos Civil e

Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da

Costa Rica, ratificados pelo Brasil, não se aplicaria a parte final do art. 5º, inciso LXVII,

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22

da Constituição, ou seja, impossibilitaria a prisão civil do devedor-fiduciante, albergando

o ordenamento jurídico pátrio, com as mais avançadas legislação internacionais.

Mutatis mutantes, nesta mesma saga, haverá o STF de acolher o entendimento

de que as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo

Brasil, integram o ordenamento jurídico nacional como norma supranacional, devendo

compor o ordenamento jurídico nacional trabalhista em todos os seus termos.

CONCLUSÃO

Tratando-se de acesso à justiça em matéria de direitos e garantias

constitucionais, isto é, em matéria de direitos humanos do trabalhador, cabe enfatizar a

importância de uma jurisdição no plano internacional. Aliás, no caso pátrio, o artigo 5º, §

2º, da Constituição de 1988 - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte - já

reconhece "status" constitucional aos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte.

Assim, o Brasil elevou a dignidade da pessoa humana, em particular do

trabalhador, ao patamar de fundamento constitucional, bem como elencou a

prevalência dos direitos humanos no rol de seus princípios.

Ressalte-se, ainda, que a Constituição brasileira consagrou um sistema

aberto de direitos e garantias fundamentais, posto que não excluem outros direitos

“decorrentes do regime e dos princípios adotados por ela, ou tratados internacionais em

que seja parte”. Outra importante inovação é que os direitos e garantias individuais têm

aplicação imediata.

Deflui da análise sistêmica da Constituição que o constituinte originário

pretendeu proteger constitucionalmente os direitos humanos, como norma

constitucional. Neste sentido, a Emenda Constitucional n. 45 põe termo a esta

discussão, textualizando o status constitucional da norma internacional de direitos

humanos.

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23

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed.

Coimbra: Ed. Almedina, 1998.

HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo II. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

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direitos humanos. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2003.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 12. ed.

Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000.

MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. Belo Horizonte: Ed.

Mandamentos, 1999.

QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores na

Constituição de 1988. São Paulo: Ed. LTr, 2006

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva,

2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª Ed. Porto Alegre.

Livraria do Advogado. 2001.

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1993.

SUSSEWKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2ª Ed. São Paulo: LTr