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Da distinção entre direitos reais e obrigacionais A partir do ordenamento jurídico português

Autoria : Dr. Leonardo Gomes de Aquino

Publicação: Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net | com | org)

Data de Publicação: Setembro de 2004.O download deste ficheiro implica a aceitação das regras de reprodução e de direitos de autor. Na transcrição deve ser citada a respectiva fonte.

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DA DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS E OBRIGACIONAIS

(A PARTIR DO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS)

Sumário:

Este paper foi elaborado para a conclusão da cadeira de direito reais para o curso de

mestrado na área de Ciências Jurídico Processuais na Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra e visa o estudo da diferenciação entre os direitos reais e os

de crédito, onde há abordagem das principais teorias existentes sobre o assunto.

Summary:

This paper it was elaborated for the conclusion of the chair of right in rem

for the master course of in the area of Procedural Sciences Legal in the Law school of

the University of Coimbra and aims at the study of the differentiation between the rights

in rem and of credit, where it has boarding of the main existing theories on the subject.

1- Introdução; 2- Distinção entre direitos obrigacionais e reais; 2.1- Teorias e suas

criticas; 2.2- Diferenças; 2.3- Afinidades; 3- Caracterização dos direitos obrigacionais e reais; 4-

Conclusão.

1- Introdução:

O homem, por ser um ser eminentemente social, coexiste numa vida em

sociedade, o que acaba por criar diversas relações humanas. E, de maneira diretamente

proporcional, na medida que as relações se intensificam, os conflitos sociais também

vão surgindo. O que leva à necessidade de se buscar um meio apto para regulamentar

essas relações. Ao Direito é transportado o destino de regular essas relações,

assegurando condições de equilíbrio na coexistência dos seres humanos na vida em

sociedade.

O direito civil, como um ramo do direito privado, dispõe dentre os demais

temas sobre os direitos obrigacionais e os reais. Deste modo, criaram-se institutos para

se tentar minimizar os conflitos por ventura existentes na vida em sociedade. Nesta

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conjuntura podemos enumerar as obrigações propter rem, as pretensões reais, o direito

do arrendatário, de servidão e de vizinhança.

Assim, desde a concepção romana da actio in rem e da actio in personam1,

passando pelas concepções Pandectas, até os dias atuais há institutos de natureza

jurídica duvidosa pois, ora são considerados direitos reais, ora são direitos

obrigacionais.

Ainda hoje, com relevância jurídica, discute-se sobre a definição e a

diferenciação entre os direitos reais e obrigacionais, independentemente do

ordenamento jurídico que servirá de base ao assunto.

O problema que o título deste trabalho coloca é muito amplo e de difícil caracterização, logo é necessária uma limitação dos pontos que iremos abordar. Iremos colocar em pauta a distinção dos direitos obrigacionais e reais, demonstrando as principais teorias existentes, as suas diferenças e afinidades, e, por último, a caracterização de ambos os direitos.

2- Distinção dos direitos obrigacionais e reais:

A partir do ponto de vista metodológico a doutrina, mediante teorias, tem

procurado caracterizar os direitos reais, ora distinguindo-os radicalmente do direito

obrigacional, ora negando tal distinção.

2.1- Teorias e criticas:

A teoria monista insere dentro de um único plano tanto o direito real como o

obrigacional, posto negar a distinção entre ambos. Unifica-os a partir do critério

patrimonial. Sendo assim, o Direito estaria dividido entre direitos patrimoniais (direitos

reais e obrigacionais) e os não patrimoniais (que são aqueles referentes à pessoa, tais

como: o direito à vida, à liberdade, à sucessão, etc.)2.

Contrapondo-se à teoria monista, também conhecida por unitária, temos a

teoria dualista que entende haver diferença entre direito real e obrigacional pois,

sustenta haver obstáculos na unificação destes direitos num único sistema.

1 Para uma análise pormenorizada da distinção da actio in rem e da actio in personam vide

MESQUITA,1997, p. 41 e ss.2 CORDEIRO, 1979, p. 169, prescreve que “o direito das obrigações constitui, conjuntamente com o

direito das coisas, o cerne do direito civil patrimonial”.

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2.1.1- Teoria Monista:

A teoria monista, aquela que nega a diferenciação entre direitos reais e

obrigacionais3, tem a sua origem na concepção que nestes direitos o elemento principal

é o patrimonial. Com isto, essa teoria concebe o direito real e obrigacional numa só

noção. Entretanto, apesar do direito real e do obrigacional serem considerados direitos

patrimoniais, há duas correntes que se contrapõem em razão da sua fundamentação, isto

é, a primeira entende que há a prevalência do elemento obrigacional e, a segunda

compreende que há uma prevalência do elemento real4:

a) Prevalência do elemento obrigacional:

Esta corrente, representada por René Demogue, deu prevalência ao

elemento obrigacional. Se brevemente podemos ter como idéia de obrigação como

sendo esta o vínculo jurídico entre indivíduos, no qual é conferido ao credor o direito de

exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação, desta maneira o elemento

obrigacional preponderante são as pessoas que integram o vínculo.

Para esta teoria, tanto o direito real como o obrigacional pressupõem

relações intersubjetivas possuidoras de validade erga omnes, mas entre ambos os

direitos há uma discrepância quantitativa e não jurídica.

Assim, esta teoria classifica os direitos reais como direitos fortes e os de

créditos como fracos, conforme a variação de pessoas vinculadas.

Nos direitos reais as relações estabelecem-se diretamente entre o titular do

direito e todas as demais pessoas vinculadas pela obrigação passiva universal. Já, nos

direitos de crédito só o devedor está adstrito ao cumprimento da prestação, posto que a

obrigação nasce entre o credor e o devedor, mas todas as demais pessoas estão

obrigadas a respeitar o direito de crédito por não poderem obstruir e nem atrapalhar o

seu cumprimento.

A critica que se levanta a esta teoria é que, em regra, os direitos

obrigacionais não têm eficácia absoluta, conforme pode ser constatado mediante a

análise dos arts. 406º, n.º 2, 413º e 421º, n.º 1, do C.C. Português.

3 MESQUITA, 1967, p. 6-7.

4 CORDEIRO, 1979, p. 256-261; MESQUITA, 1967, p. 6-7.

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O art. 406º, n.º 2, do C.C. Português demonstra que o princípio que rege as

relações contratuais tem eficácia relativa, isto é, em regra, os efeitos dos contratos

restringem-se às partes, consideram-se como tais os contratantes, os herdeiros, ou seus

sucessores5. Só produzirá efeitos em relação à terceira pessoa quando previsto em lei.

O art. 413º, do C. C. Português refere-se que o contrato de promessa,

inicialmente, possui eficácia obrigacional (eficácia relativa). Podendo, entretanto, lhe

ser atribuída eficácia real (eficácia absoluta) se no contrato constar uma declaração

expressa das partes e ocorrer à inscrição no registro.

Já, o art. 421º, n.º 1, do C. C. Português disciplina que o direito de

preferência pode vir a ter eficácia real, desde que as partes tenham convencionado e que

tenha os requisitos do art. 413º preenchidos6.

b) Prevalência ao elemento real:

O elemento real, ou seja, o elemento principal para esta corrente é a coisa.

Logo, os direitos reais e os obrigacionais fazem parte da categoria dos direitos sobre as

coisas. Assim, na relação obrigacional o credor tem direito sobre o patrimônio do

devedor7, pois se traduz no direito de executar o patrimônio do devedor.

A critica que se coloca é em relação a coisa pois, no direito obrigacional a

coisa pode ser genérica, alternativa e até inexistente. Já, no direito real é

individualizada, devendo ser certa e determinada e não pode incidir sobre mais de uma

coisa.

O objeto do direito obrigacional é sempre uma prestação do devedor,

enquanto que o do direito real é a coisa certa e determinada, por abranger somente uma

5 PINTO, 1970, p. 36.6 Aqui poderíamos levantar o problema da diferenciação entre a figura dos direitos legais de preferência e

a dos direitos convencionais de preferência a que se atribui eficácia erga omnes. Mas como este não é o

momento mais adequado, assim, para isto, remetemos para MESQUITA, 1997, p. 196 e ss.7 CORDEIRO, 1979, p. 257, “O direito de crédito não recai sobre o devedor (escravatura); recai sobre o

seu património, sendo por isso, um direito real”.

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coisa8. Deste modo, o titular do direito real tem o direito sobre uma coisa e, o credor da

relação obrigacional tem o direito a uma coisa (prestação)9.

A princípio, no direito das obrigações o credor tem o direito à prestação

avençada, podendo esta ser genérica, alternativa e até inexistente (ex. o caso do

empreiteiro que promete vender um prédio que irá ser construído em um terreno) e, não

ao patrimônio do devedor. Só passará a ter direito ao patrimônio se advir o

inadimplemento da obrigação. Já, no direito real a coisa é individualizada, ou seja, deve

ser certa e determinada, podendo inclusive o direito real recair sobre a totalidade do

objeto.

2.1.2- Teorias Dualistas:

Para esta teoria há a distinção entre os direitos reais e os obrigacionais.

Possui três vertentes, a primeira é a clássica, que afirma existir uma relação entre pessoa

e coisa. Já, a segunda é a personalista que entende não ser possível uma relação entre

pessoa e coisa, somente podendo existir relação entre pessoas. E, a terceira que adota

uma visão eclética onde são observados dois prismas: o lado interno e o lado externo da

relação.

a) Teoria Clássica:

A teoria clássica se inspirou na actio in rem, concebida pelos jurisconsultos

romanos, sendo que a partir da idade média ela evoluiu de maneira a cristalizar-se como

a conhecemos hoje.

Esta teoria vislumbra o direito real como sendo “aquele que cria entre a

pessoa e a coisa uma relação direta e imediata; de tal maneira que nela só se encontram

dois elementos, a saber, a pessoa que é sujeito ativo, e a coisa, que dele é objeto”10.

8 Consoante os ensinamentos de MESQUITA, 1967, p. 10, apesar da doutrina alemã denominar esta

individualização por Princípio da Especialidade, ele entende que melhor seria chamá-la de Princípio de

Unidade ou Unicidade do Objeto. Ainda, sobre este tema, leciona que para incidir um direito real sobre

uma universalidade, a lei teria que unificar os elementos que integram esse conjunto, ou seja, tratar

juridicamente os elementos como se fossem uma só coisa.9 Vide COSTA, p. 103, nota n.º 1; PEREIRA, 1992, p. 13. 10 DEMOLOMBE, apud RODRIGUES, 1991, p. 6.

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Logo, existe uma relação entre o titular e a coisa, que se caracteriza pelo poder direto e

imediato do titular do direito sobre a coisa.

O direito obrigacional caracteriza-se pela subjetividade de vontades, onde

existe de um lado o credor e de outro o devedor que buscam, através de uma relação de

cooperação, o objetivo que é a prestação. Logo, demonstra-se como sendo uma relação

jurídica entre pessoas.

A primeira crítica feita a esta teoria pela doutrina personalista11 é a questão

da relação jurídica pois, somente existe relação jurídica quando presente duas ou mais

vontades (intersubjectividade). E, como nos direitos reais a relação é entre pessoa e

coisa, não existe esta dupla vontade, vez que a coisa é desprovida desta. Sendo assim,

nos direitos reais não poderíamos falar em relação entre o titular e a coisa.

A segunda critica colocada é na questão do poder direto e imediato existente

entre o titular e a coisa, pois nas legislações, que adotaram a questão do numerus

clausus ou tipicidade12 (art. 1306 do C.C Português), existe alguns direitos reais, como é

o caso da hipoteca, que esse poder não ocorre com essas características, pois nestes

casos o titular do bem não tem o poder direto e imediato do bem.

A existência do poder direto e imediato sobre a coisa não é só característica

do direito real pois, também existe nos direitos pessoais de gozo13, que não são direitos

reais. Observemos o seguinte caso prático:

O direito pessoal de gozo emergente de um contrato de comodato:

Se alguém empresta uma coisa não fungível a outra, essa relação só se

estabelece após a entrega da coisa (negócio real), o comodante apenas fica vinculado à

obrigação de não perturbar o gozo da coisa a partir do momento em que esta é entregue.

A partir do momento em que o negócio se considera perfeito, o comodatário para

satisfazer o seu interesse tem que exercer esse poder direto e imediato sobre a coisa,

atuando sobre ela sem precisar da prestação de um terceiro. Isto mostra que este poder

11 Manuel de ANDRADE, 1966, é um dos defensores da teoria personalista.12 MESQUITA, 1967, p. 42-43. Comentário a este art. vide VARELA, 1987, p. 95-104.13 A doutrina civilista brasileira considera detentores de direito real o comodatário, o arrendatário e o

depositário pois, esta doutrina adotou a concepção de posse de Ihering, e não se preocupou com a

denominação de direitos pessoais de gozo e muito mesmo com a sua distinção em relação aos direitos

reais de gozo.

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direto e imediato pode acontecer no direito pessoal de gozo assim como se sucede no

direito real.

Portanto, a diferença reside no fato de nos direitos reais todas as demais

pessoas estão vinculadas à obrigação passiva universal, enquanto no direito pessoal de

gozo só comodante está obrigado a não interferir no uso e gozo da coisa pelo

comodatário. O comodato extingue-se, pois goza apenas de eficácia relativa.

Dependendo do cumprimento de uma obrigação por parte de outrém e, como tal não

pode impor-se ao novo proprietário que nada se obrigou.

A terceira critica colocada refere-se à questão que todo titular de um poder

tem como contraposição um dever logo, a teoria clássica não vislumbrou na sua

qualificação a questão destes deveres. Assim, nos casos de compropriedade, onde dois

ou mais indivíduos têm o mesmo bem, existe um dever de manutenção. Vamos pensar

no caso de uma quinta onde os vários proprietários são obrigados a contribuir para com

as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum (art. 1411 do C.C

Português), ou então, nos casos dos encargos de conservação e fruição (art. 1424 do C.C

Português). Todas estas obrigações são derivadas de imposição legal e não dos

contratos14.

No entanto, existem direitos reais que embora envolvam um poder direto e

imediato sobre a coisa, não é através desse poder que o titular satisfaz o seu interesse.

Podemos citar, como exemplo, o caso do penhor real de garantia onde uma pessoa

necessita de um empréstimo e recorre a “B”, que empresta mas quer que lhe seja dado

em penhor um anel. Sabemos que o penhor só é efetuado com a entrega da coisa.

Assim, “B” tendo o anel em seu poder como forma de garantia e, o devedor não

cumprindo a sua obrigação, poderá “B” ficar com a coisa? A resposta é negativa em

virtude dos arts. 678 c/c 694 do C. C. Português15.

b) A Teoria Personalista:

14 As obrigações referidas nestes artigos constituem exemplos típicos de obrigações propter rem, isto é, de

obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem é titular, vide sobre estas obrigações MESQUITA,

1997, p. 99 e ss.15 Cfr. art.678 c/c 694 do C. C. Português demonstra “é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à

constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor

não cumprir.”

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Esta teoria tem diversos seguidores dentre eles FERRARA, PLANIOL

RIPERT, WINDSCHEID, Manuel de ANDRADE que afirmam que o direito é uma

relação entre pessoas e não uma relação entre pessoa e coisa, tendo como fundamento

principal à idéia kantiana de que não pode ocorrer uma relação jurídica entre o

individuo e a própria coisa.

O núcleo de qualquer relação jurídica subjetiva traduz-se numa pretensão

necessariamente dirigida a um comportamento humano, pelo qual só poderá falar-se

numa relação entre pessoa e coisa em sentido figurado. Assim, se os defensores da

teoria clássica não observaram isto foi simplesmente porque a relação entre as pessoas

suposta pelo direito real passou despercebida, já que nos direitos obrigacionais

estabelece entre duas pessoas determinadas e concretas (credor e devedor). Deve ser por

isso que a relação entre o titular e a coletividade passa despercebida pois, esta

coletividade está vinculada pela obrigação de não praticar qualquer ato de ingerência

sobre a coisa, objeto de direitos, ou, pelo menos, a não praticar qualquer ingerência

contrária ao conteúdo dos direitos.

Portanto, esta teoria determina que o direito real é o poder de excluir todas

as demais pessoas de qualquer ingerência na coisa, que seja incompatível com o

conteúdo do direito do titular.

Estes autores passaram a compreender o direito real como uma obrigação

passiva universal, que na opinião de Orlando GOMES16 é um dever geral de abstenção,

de não interferir no bem que está em poder de alguém. Entretanto, quando alguém

desrespeita esta obrigação, esta coletividade perde espaço para a individualização.

Destarte, para esta teoria existiriam três elementos o sujeito ativo, o sujeito

passivo e a coisa certa e determinada.

O sujeito ativo da relação séria o titular do direito, o objeto deve ser certo e

determinado e o sujeito passivo a coletividade. Logo, esta relação estaria

consubstanciada entre o titular do direito (proprietário) e todas as pessoas (coletividade),

que teriam o direito de se absterem de perturbar o direito real do sujeito ativo, ou seja, o

próprio dever universal de respeito17.

16 GOMES, 1978, p. 11.17 Orlando de CARVALHO apud MESQUITA, 1997, p. 54, nota 29, afirma que esta obrigação passiva

universal “não vincula toda e qualquer pessoa (com excepção, obviamente, do titular de direito), mas

apenas as que se encontrem subordinadas ao ordenamento jurídico em cujo âmbito geográfico e a cuja

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Perante a doutrina personalista a distinção entre o direito real e o

obrigacional se consubstancia na questão de neste direito não haver a obrigação passiva

e universal pois, no direito obrigacional só o devedor está vinculado ao adimplemento

da obrigação.

Decorrendo desta obrigação passiva e universal temos o respeito ao efeito

erga omnes dos direitos reais e sua eficácia absoluta, uma vez que este direito vincula

todos os indivíduos de forma que qualquer destes está apto a violá-lo. Já, o direito

obrigacional só pode ser violado pelas pessoas que fazem parte do contrato, vez que tem

eficácia relativa.

A critica que se coloca é em relação ao efeito externo das obrigações. O

direito real tem eficácia erga omnes e o direito de crédito tem eficácia inter partes.

Nos termos da teoria do efeito externo das obrigações, um terceito que

ponha em causa a consistência pratica do crédito impedindo a sua realização, pode

responder perante o credor.

Esta teoria é repudiada pela maioria da doutrina, mas mesmo quem a

defenda não tem dificuldade em distinguir o direito real do obrigacional.

Os primeiros permitem ao seu titular afastar toda e qualquer ingerência do

qualquer terceiro, bastando que defenda o seu direito alegado e prova-lo, não sendo

necessário provar a culpa daquele.

Quanto aos direitos de crédito, o seu titular só poderá exigir de um terceiro a

reparação do primeiro dono, se alegar e provar a culpa (má-fé) desse terceiro.

O direito real não é uma relação de cooperação e sim uma relação atributiva.

Tomando como base o lado prático e econômico do problema esta teoria

acaba por se esquecer do elemento primordial do direito real, que é o poder de domínio

ou soberania sobre uma coisa (eu sou dono), através da qual o titular satisfaz o seu

interesse18. E, isto se dá não porque a coletividade cumpriu a obrigação passiva e

universal, mas porque o titular atuou sobre a coisa com este poder.

sombra o direito real nasceu, ou aos ordenamentos que reconheçam o poder que atribui ao respectivo

titular e com os quais o objecto do direito, sempre que isso seja material ou juridicamente possível (caso,

respectivamente, das coisas móveis corpóreas e das coisas imateriais), venha a entrar em contacto”.18 MESQUITA, 1997, p. 56.

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c) Teoria Eclética:

Diante da fragilidade das concepções no que se referem ao problema de

autonomizar os direitos reais dos obrigacionais, os juristas enunciaram uma concepção

eclética na qual deve se observar por dois prismas, ou seja, o lado interno e o lado

externo das relações jurídicas reais.

Assim, Mota PINTO prescreve o direito real como “o poder de exigir de

todos os outros uma atitude de respeito pela utilização da coisa em certos termos por

parte do titular activo”19. Logo, para haver sentido esta concepção impõe a necessidade

de delimitar a esfera de aplicação, para isto devemos observar os vários direitos reais

pois este poder é variável.

A relação vista pelo lado interno seria o poder direto e imediato sobre a

coisa e, pelo lado externo é o poder de exclusão de todos os demais membros da

comunidade de perturbar o direito, que nada mais é do que a obrigação passiva

universal20. A obrigação passiva universal é erga omnes, onde qualquer indivíduo deve

se abster de molestar o direito do titular.

Desta forma, os direitos reais se distinguem dos direitos obrigacionais que

se caracterizam pelo lado interno, por ser um poder de exigir de outrem uma dada

prestação, e lado externo, pelo fato de gozarem de uma tutela meramente relativa, uma

vez que se impõem perante a pessoa do devedor.

A critica que se coloca é que os defensores desta tese não conseguiram

demonstrar a ligação entre o elemento interno e o elemento externo de um direito real.

Assim, observando a partir do ponto de vista da relação jurídica o lado interno

corresponde a um poder sem relação.

Apesar das diversas posições e divisões existentes sobre o ius in re,

oportunas são as linhas perfilhadas pelo prof. Dr. Henrique MESQUITA, onde afirma

que “ninguém põe em causa a imprescindibilidade deste conceito”21.

É certo que existe uma autonomia das relações patrimoniais existentes entre indivíduo e coisa e os efeitos próprios destas.

2.2- Diferenças:19 PINTO, 1970, p. 38-39.20 ALARÇÃO, 1983, p. 33; CARVALHO, 1977, p. 139; PINTO, 1970, p. 41.21 MESQUITA, 1997, p. 45, nota n.º 14.

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Como vimos existem teorias que negam a distinção entre os direitos reais e

os obrigacionais e, outras que a afirmam. Assim, passaremos a levantar as principais

diferenças entre ambos os direitos.

a) Em relação ao sujeito: Nos direitos obrigacionais há pluralidade de

sujeitos. Já, nos reais, de acordo com o posicionamento da escola clássica, há somente o

sujeito ativo, enquanto que para as demais teorias dualistas existem dois sujeitos, sendo

que neste caso o sujeito passivo é a comunidade como um todo.

b) Quanto ao objeto: O objeto do direito obrigacional é sempre uma

prestação do devedor, enquanto que o do direito real é a coisa certa e determinada, por

abranger somente uma coisa. O direito obrigacional pode incidir sobre coisa

conflituante, o mesmo não pode acontecer com os direitos reais. Deste modo, o titular

do direito real tem o direito sobre uma coisa e, o credor da relação obrigacional tem o

direito a uma coisa (prestação).

c) Em relação ao limite: O direito obrigacional é ilimitado, sensível à

autonomia privada, vez que permite a criação de novas figuras contratuais que não têm

correspondente na legislação. O direito real, por sua vez, não pode ser livremente

convencionado por estar limitado e regulamentado, expressamente, na norma jurídica,

configurando-se como numerus clausus.

d) Efeito: O efeito erga omnes dos direitos reais faz como estes sejam

absolutos, impondo a todos da coletividade o respeito ao poder do titular sobre a coisa,

isto é, a obrigação geral de abstenção que nas palavras de Orlando de CARVALHO é

“um direito seguro, ou se se prefere, mais seguro, em face da zona de ataques exteriores,

um direito provido de segurança que lhe confere uma maior estabilidade”. Diverso disto

é o direito obrigacional que “não compromete por si só a esfera jurídica de terceiros,

tem zona de segurança reduzida à pessoa (ao património) do devedor”22.

Devemos nos atentar ao fato deste efeito para os clássicos ser uma

conseqüência da própria realidade do direito real, enquanto que para as demais teorias

dualistas este efeito faz parte da relação jurídica.

e) Eficácia: Os direitos reais têm eficácia absoluta23 e os direitos

obrigacionais têm eficácia relativa.

22 CARVALHO, 1977, p. 145.23 MESQUITA, 1997, p. 63-66, em especial na nota nº. 51, demonstra no que há exceções a esta eficácia

absoluta.

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e.1) Conseqüências: Da eficácia absoluta dos direitos reais surge como

conseqüência o direito de seqüela ou jus persequendi, isto é, o direito de perseguir e de

reivindicar a coisa em poder de quem quer que ela esteja, ou seja, este direito é uma

prerrogativa concedida ao titular do direito real de pôr em movimento o exercício de seu

direito sobre a coisa a ele vinculada. O direito real dá-lhe a legitimidade para perseguir a

coisa onde quer que ela se encontre, pois o vínculo se prende de forma permanente à

coisa e dela não se desliga pelo mero fato de ocorrerem alienações subseqüentes.

Diferentemente do direito obrigacional que não confere de plano ao credor a

possibilidade de perseguir os bens que saem da esfera do patrimônio do devedor.

Outra conseqüência é o direito de preferência ou prevalência, que em

sentido amplo significa a prioridade do direito real primeiramente constituído ou

registrado sobre o direito obrigacional, o que não impossibilita a constituição sucessiva

de mais de um direito real compatível sobre a mesma coisa.

Entretanto, não estaremos perante um caso de prevalência quando ocorrer a situação onde “A”, proprietário de um imóvel, vende este para “B” e, logo depois, também para “C”. Estaremos perante um conflito de direito de aquisição e não de prevalência pois, quando “A” efetuou a venda a “C”, vendeu coisa alheia e, logo, não podia transmitir um direito que já não estava na sua esfera jurídica.

No direito obrigacional, entretanto, pode ocorrer o concurso de credores

pois, neste não existe hierarquia ou privilégios decorrentes da ordem de constituição ou

de registro, isto sobrevêm porque a lei determina (art. 604, do C.C. Português) que

sejam todos pagos proporcionalmente, sem preferência alguma, quando não houver

causas legitimas de preferência.

Nesta perspectiva, há casos de exceção de preferência nos direitos reais de

garantia, pois há circunstâncias que ficam privadas da preferência. É o caso da hipoteca

judicial que não concede preferência verificado o processo de falência ou de

insolvência.

Outra exceção é o privilégio creditório imobiliário (art. 746 a 748 do C.C

Português). Nestes arts. está estabelecida a graduação dos privilégios creditórios que

incidem sobre a mesma coisa, devendo atender-se não a data da sua constituição mas, a

causa ou a origem do crédito.

2.3- Afinidades:

Não há só diferença entre os dois direitos há, também, pontos de contato.

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a) Tanto os direitos reais como os obrigacionais podem ter origem em um

contrato pois, quem compra certa coisa móvel ou imóvel se torna dono dela sem

qualquer ato posterior de transmissão do domínio24. A questão do registro só será

necessária para que o ato produza efeitos perante terceiros25.

b) A característica comum entre as obrigações reais e os ônus reais é que o

devedor delas é a pessoa titular de um direito real26.

c) Ambos os direitos concebem o acesso a bens.

d) A violação de um direito real dá origem a uma pretensão real e esta é uma

relação obrigacional27.24 Cfr. art. 408 do C.C Português, MESQUITA, 1967, p. 43-44.25 Cfr. art. 5º, 1, 2 e 3 do Cód. Reg. Predial.

26 Podemos afirmar que as obrigações reais ou proptem rem são os vínculos jurídicos em virtude dos

quais o titular de um direito real fica adstrito para com outrem à realização de um prestação, que na

opinião de MESQUITA, 1997, p.265 e ss, em especial p. 266, só ocorre em uma prestação de conteúdo

positivo e, esta pode ser uma obrigação de dare ou de facere. Em outras palavras, são obrigações que se

impõem aos titulares de direitos reais não podendo assim abranger os comportamentos de abstenção. Os

ônus reais também são “obrigações geralmente de prestação periódica ou reiterada relacionada com

certa coisa que acompanha na sua transmissão” – VARELA, 2000, p. 202. Tradicionalmente, os ônus

reais surgem nos casos em que o proprietário de um imóvel se encontra obrigado, nessa qualidade de

proprietário, ao cumprimento de certa prestação, reiterada ou periodicamente, em gêneros ou em dinheiro

e, por esse pagamento responde sempre o imóvel, seja quem for o respectivo proprietário à execução. Os

ônus reais englobam duas figuras, a obrigação real e a garantia real (neste caso a garantia imobiliária),

isto não quer dizer que estas duas relações se fundam em uma única, ou seja, em cada uma destas relações

mantêm-se a sua natureza, não se alterando para constituírem uma nova, mas entretanto elas se

entrelaçam. Os ônus reais não são uma mera obrigação real porque naqueles se o direito de propriedade

for transmitido, a coisa continua a responder pelas prestações anteriormente vencidas podendo o credor

promover a execução de coisa certa, assim, logo, o credor tem o direito de preferência face aos demais

credores – ANDRADE, 1966, p. 70. No entanto, nas obrigações reais isto não acontece porque “a coisa

só fica vinculada às obrigações constituídas na vigência do seu direito” – VARELA, 2000, p. 203. Na

opinião de VARELA, 2000, p. 200, estas figuras são consideradas como híbridas, para um estudo

minucioso das obrigações reais e ônus reais vide MESQUITA, 1997, p. 99 e ss, e para uma distinção

entre estas duas figuras vide MESQUITA, 1997, p. 420 e ss.27 Poderia se confundir aqui as obrigações reais com as pretensões reais, no entanto MESQUITA, 1997, p.

104-113, distingue estas relações obrigacionais com base no estatuto dos direitos reais. Mas, enquanto as

obrigações proptem rem vinculam o titular do direito real, obrigando-o a realizar uma prestação em

benefício de outra, nas pretensões reais o titular do direito real é que assume o lado ativo da prestação.

“A” titular de um direito de propriedade (poder de soberania) impõe neste caso somente uma obrigação

de não fazer. Mas se ocorrer a violação o proprietário pode intentar uma ação própria (ação de

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Distinção entre direitos reais e obrigacionais - 15

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Se procurarmos mais diferenças, provavelmente encontraríamos, pois dentro

do campo doutrinário cada autor traz as suas percepções sobre as diferenças e

similitudes entre o direito real e obrigacional, o que poderia nos trazer prejuízos sem, no

entanto, podermos firmar a nossa posição e, é por isto que não é possível emprestar a

muitos desses pontos de diferenças e afinidades valor absoluto28.

3- Caracterização dos direitos obrigacionais e reais:

Após a exposição das diversas teorias sobre a distinção ou não entre direitos

reais e obrigacionais, é chegado o momento de esboçarmos a nossa posição mas, para

isto será necessário perfilharmos algumas linhas sobre a questão do direito obrigacional.

3.1) Direitos obrigacionais:

O direito obrigacional é aquele que regula as relações jurídicas que

envolvem obrigações, também qualificado por direito de crédito ou pessoal. Mas o que

vem a ser obrigação?

O C.C Português em seu art. 397 consagra a obrigação como sendo “o

vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à

realização de uma prestação”. Assim, este conceito mostra que existem dois sujeitos o

credor (sujeito ativo) e o devedor (sujeito passivo), onde é conferido a um sujeito o

poder de exigir de outro a realização de uma prestação. Esta relação é exercida a partir

de um caráter de colaboração ou cooperação entre as partes.

O legislador optou em sua definição por evidenciar o lado passivo da

relação, mostrando a subordinação do devedor em face do credor. O devedor tem o ônus

jurídico “de adoptar certa conduta para a obtenção ou conservação de uma vantagem

própria”29, não sendo esta conduta imposta por lei.

reivindicação) para voltar a situação anterior, ou seja, é ele que assume a posição de credor, podendo

exigir uma prestação de outrem que violou o dever geral de abstenção a que está obrigado. A diferença

fundamental entre as figuras concentra-se na titularidade ativa da obrigação. Enquanto nas obrigações

reais é o titular do direito real que tem a obrigação de realizar uma prestação, nas prestações reais a

obrigação de realização da prestação é do titular passivo da relação.28 GOMES, 1999, p. 14.29 COSTA, 4ª ed., p. 40.

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Em síntese, o termo obrigação abrange tanto o lado ativo como o passivo da

relação que giram em torno de uma prestação. Desta forma os elementos essenciais

desta relação são o credor, o devedor e a prestação.

Esta prestação é o objeto da obrigação, isto é, o elo que une as partes da

relação obrigacional. A lei portuguesa não exige que a prestação seja certa ou ao mesmo

determinada, basta que corresponda ao interesse do credor e seja digna de proteção

legal30, podendo ser obrigações de dar, de fazer e de não fazer.

Todas as relações obrigacionais devem ser pontualmente cumpridas, sob

pena da parte inadimplente vir à responsabilizada pelo seu não cumprimento. Logo, na

relação obrigacional é necessária à cooperação entre os indivíduos que fazem parte da

relação. O ponto preponderante é o aspecto subjetivo da relação.

3.2) Direitos reais:

Os direitos reais constituem uma relação jurídica de subordinação de uma

coisa à soberania ou domínio de uma pessoa – relação fundamental. Assim, não

concordamos com as teorias que pregam a existência de uma relação jurídica

intersubjetiva pois, uma “relação jurídica em geral, é uma relação da vida social de

qualquer modo reconhecida e tutelada pelo direito, e nas relações de natureza real não

pode negar-se (…) que exista uma relação directa e imediata do titular do direito com a

coisa que constitui o respectivo objecto”31. Se, desmembramos a expressão – relação

jurídica – obteremos as palavras relação e jurídica, a primeira significa “ligação,

conexão”, já, a segunda exprime “do direito ou a ele relativo”32 assim, a expressão

relação jurídica pode ser usada para indicar “um vínculo jurídico que une uma pessoa,

como titular de direito, ao objeto deste mesmo direito”33.

O núcleo da relação jurídica é a relação entre o titular do direito e a coisa na

medida e intensidade do próprio direito, porque é ela o conteúdo dele, marcando-lhe o

seu valor e importância e, definindo o seu elemento mais significativo. Por isso ao se

romper esse liame ou se interromper a comunicação produzida por ele, entre o sujeito e

30 Cfr. nº. 2, do art. 398, do C.C.31 MESQUITA, 1997, p. 58, nota n.º 35.32 Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa.

33 Cfr. DE PLÁCIDO E SILVA, 1999.

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a coisa, há uma ofensa ao direito do titular tendo que se recorrer à justiça para reintegrá-

lo à sua situação anterior.

Esta relação entre titular e coisa é um vínculo de soberania ou de domínio

no qual o indivíduo encontrar-se empossado sobre determinada coisa, e que na opinião

de ARARUNA é chamada de “objetividade potencializada”34 pois são materializadas

pelo próprio Direito.

Esta materialização pelo Direito da relação jurídica de direito real faz com

surjam não apenas poderes mas, também, limites ou restrições e deveres, o que não faz

com que exista, também, uma relação jurídica intersubjetiva – obrigação passiva

universal. A relação jurídica intersubjetiva surge como reflexo da relação de soberania

ou domínio do titular sobre a coisa decorrente do efeito erga omnes.

Tanto os poderes, como os limites ou as restrições e os deveres podem ser

impostos pela lei35, como, também, convencionados pelas partes ao abrigo da lei.

Podendo ser impostos por normas de direito público, como o Regulamento Geral das

Edificações Urbanas – RGEU – (DL 38382 de 07/08/51), por normas de direito privado,

como as normas que dizem respeito ao direito de superfície (art. 1530º36), ao direito real

de habitação periódica (art. 22, nº 1, do DL 275/93, de 05/0837), a compropriedade (art.

1408, nº 138), ao direito de vizinhança (art. 1344º e 1346º), dentre outras normas.

Assim, os elementos essenciais dessa relação são o titular do direito, a coisa

e o nexo que as liga. O indivíduo deve ser pessoa singular ou coletiva, já a coisa deve

ser certa e determinada, mas qual é o nexo que a une?

34 ARARUNA, 2001/2002, p. 10.35 Vide MESQUITA, 1997, p. 11-26. 36 Esta norma consagra a possibilidade de ser imposto ao superficiário um certo dever. O direito de

superfície é um direito real de gozo que atribui ao seu titular a faculdade de construir ou de manter a obra

em terreno alheio, ou de fazer ou manter plantação em terreno alheio. De acordo com este artigo, no título

constitutivo do direito de superfície pode ser convencionado que o superficiário seja obrigado a pagar ao

proprietário do solo uma prestação anual, periódica ou temporária, em beneficio do titular do outro direito

real (direito de propriedade).37 Nesta norma o titular é obrigado a pagar anualmente ao proprietário do imóvel a prestação pecuniária

que for fixada no título constitutivo, ou que é calculada de acordo com um critério fixado nesse titulo.38 Onde os comproprietarios têm o dever de comunicar a intenção de alienação do imóvel. Trata-se pois

de um dever que é imposto aos titulares de um direito real a favor dos contitulares do mesmo direito real.

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Este nexo é a soberania jurídica39 e consiste na originalidade do poder: é o

próprio poder do titular sobre uma coisa não dependendo de terceiros para exercê-la. E,

este poder vária consoante o direito real em causa40. Atinge a sua plenitude no direito de

propriedade, ou seja, o proprietário se beneficia da soberania no seu limite máximo –

direito real de gozo pleno –, isto é, como pode tudo o legislador não estabeleceu o

conteúdo do direito de propriedade, limitando-se a dizer que “o proprietário goza de

modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe

pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela

impostas”41.

Os direitos reais além de abarcarem o direito de propriedade, que é o direito

máximo, engloba os direitos reais limitados ou sobre coisa alheia. Estes direitos reais

limitados oneram a propriedade de outrem e surgem quando o direito de propriedade se

contrai, ocorrendo um nexo de causalidade entre a contração do direito de propriedade e

surgimento do direito real limitado, assim desaparecendo o direito real limitado o direito

ilimitado volta a ser como antes.

Ora, ao contrário do direito de propriedade, os direitos reais limitados

atribuem apenas ao seu respectivo titular uma parcela da soberania ou domínio, por isso

em caso de ingerência por terceiro o titular do direito real limitado nada pode fazer a

não ser que essa ingerência afete o conteúdo ou substância do seu direito, caso

contrário, cabe ao proprietário da coisa reagir.

Os direitos reais limitados são três: de gozo, de garantia e de aquisição.

Assim, nos direitos reais de gozo42 a soberania só atinge o poder de praticar

sobre a coisa os atos de uso ou fruição, é o que podemos dizer de direitos finais, não

visam à aquisição ou a garantia de outros direitos, mas puramente o gozo, atos esses que

estão expressos na lei.

39 Vide MESQUITA, 1997, p. 63, nota 50.40 Vide MESQUITA, 1997 p. 74-81.41 Cfr. art. 1305º, do C. C Português.42 A doutrina civilista portuguesa enumera como direitos reais de gozo; Direito de usufruto (art. 1439 do

C. C Português); Direito de uso e habitação (art. 1484 do C. C Português); Direito de superfície (art. 1524

do C. C Português); Direito de Servidão (art. 1543 do C. C Português); Direito real de habitação periódica

(DL 275/93 de 05/09).

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Tomemos como base uma servidão onde o seu titular só pode praticar certos

atos de uso e fruição, neste caso o proprietário do edifício (direito real ilimitado) não

pode obstruir o uso ou fruição desta servidão.

O proprietário do prédio “A” tem o direito de servidão de passagem sobre o

prédio “B”, assim o proprietário do prédio “B” não pode construir nada que impeça “A”

de gozar desta servidão.

Diferentemente é o comportamento da soberania nos direitos reais de

garantia43. Estes conferem ao seu titular o direito de se satisfazer à custa do valor ou dos

rendimentos de certos bens, com preferência sobre os demais credores comuns do

devedor. Este direito não confere ao titular do direito um poder de uso e gozo, mas sim

a prerrogativa de dispor da coisa para garantir o seu crédito, com preferência sobre

outros credores que não gozem de privilégio especial, podemos chamar de direitos

instrumentais, por assegurarem ao seu titular o direito a aquisição de outro direito.

Podemos ter como exemplo o caso em que o credor tenha a seu favor uma

hipoteca sobre um imóvel do devedor, não pode ele, pelo fato de não ver satisfeito o seu

crédito, ocupar a casa e fruí-la, o que pode é desencadear a venda judicial para a

satisfação do seu crédito.

Os direitos reais de aquisição44, como o próprio nome expõe, se referem ao

poder do titular de adquirir, em certos termos, um direito real limitado (de gozo ou de

43 Apesar do legislador não incluir os direitos reais limitados de garantia no livro das coisas, estes direitos

possuem o status de direitos reais e eles são os seguintes; Penhor (art. 566 do C. C Português); Hipoteca

(art. 686 do C. C Português); Privilégios creditórios mobiliários especiais (art. 738 a 742 do C. C

Português); Privilégios creditórios imobiliários especiais (art. 743 e 742 do C. C Português); Direito de

retenção (art. 754 do C. C Português); Consignação de rendimentos (art. 656 do C. C Português).44 Na opinião de MESQUITA, 1997, p. 240, “estaremos perante um direito real de aquisição sempre que

uma pessoa, mediante o exercício de um direito subjectivo (de natureza potestativa), eficaz erga omnes,

possa adquirir directa e imediatamente, em regra através de uma decisão judicial, mas sem necessidade

de cooperação de outrem, um direito real de gozo ou de garantia”. Em virtude destas limitações são

muito poucos os direitos reais de aquisição, em geral só os previsto na lei. Logo, para podemos

caracterizar um direito real de aquisição temos que estar perante um direito subjetivo, assim não existirá

um verdadeiro direito real de aquisição se a aquisição derivar do exercício de um poder legal que a lei

atribui indiscriminadamente a todas as pessoas, tomemos como exemplo o caso da coisa achada não tiver

dono ou que foi abandonada. E tampouco estaremos perante este mesmo direito de aquisição quando a

aquisição derivar da força de um exercício de uma faculdade secundária derivada de outro direito real.

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garantia). São direitos que asseguram ao seu titular a aquisição de outro direito real, por

isso também serem direitos instrumentais.

Poderia se levantar uma critica a este direito real de aquisição quando na sua

origem tiver um contrato entre partes. Portanto, existe uma relação jurídica

intersubjetiva entre o proprietário da coisa e o titular do direito real limitado, essa

relação existe apenas no momento constitutivo desse direito, logo esta relação tem

apenas uma função material ou genética, pois a partir do momento em que se constitui

esse direito real limitado este se desvincula da sua origem. Assim, a partir deste

momento de desvinculação o direito real limitado passa a existir e a exercer nos termos

conformes os limites impostos na lei, ficando o proprietário vinculado à obrigação

passiva universal da mesma maneira que a coletividade45.

Os direitos reais podem ser adquiridos pela usucapião. Já o direito

obrigacional não pode ser adquirido desta forma.

4- Conclusão:

Suscitadas as primordiais idéias acerca dos direitos reais e obrigacionais, é

importante que concentremos, nesta parte da pesquisa, os pontos que devem ser

considerados para uma conclusão geral do tema.

a) As teorias apresentadas que buscaram explicar a existência ou não de

diferenças entre os direitos reais e os obrigacionais não obtiveram êxito, visto serem

passíveis de críticas. As teorias monistas não subsistiram, pois como vimos existem

vários aspectos que diferem os direitos reais dos obrigacionais. E, as teorias dualistas

também trazem imperfeições, já que a teoria personalista se esquece do essencial da

relação real que é o seu núcleo, ou seja, a relação do titular do direito para com a coisa

que se dá através do poder de soberania ou domínio sobre ela, através do qual o titular

do direito satisfaz os seus próprios interesses. Já, os realistas (Teoria Clássica) se

esqueceram de demonstrar o fundamento jurídico do poder, ou seja, faltou o

embasamento do próprio poder direto e imediato, uma vez que os direitos pessoais de

gozo possuem este poder (comodato). A teoria eclética não soube demonstrar a

existência de uma relação entre o lado interno e o lado externo da obrigação.

45 MESQUITA, 1997, p. 82 e ss.

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b) O direito obrigacional é uma relação jurídica intersubjetiva, onde os seus

sujeitos são determinados (credor e devedor) e o seu objeto é uma prestação digna de

proteção legal. Assim, neste direito existe uma relação de cooperação entre os

indivíduos.

c) Em síntese, os direitos reais constituem relações jurídicas autônomas

entre o indivíduo e a coisa, onde há um vínculo de soberania ou domínio daquele

perante esta de acordo com o ordenamento jurídico que impõe deveres e limites ao seu

exercício.

d) O nexo entre o titular do direito real e a coisa é a soberania jurídica e, esta

consiste na originalidade do próprio poder do titular sobre a coisa que não depende de

terceiros para exercê-la.

e) Esta soberania jurídica do titular sobre a coisa é um poder variável,

podendo ocorrer em diversas intensidades conforme o direito real em causa. Manifesta-

se em seu grau máximo no direito de propriedade entretanto, nos direitos reais limitados

este poder de soberania é parcial, posto nos direitos reais de gozo esta soberania só

atingir o poder de praticar sobre a coisa os atos de uso e fruição, nos de garantia só

englobar o poder de dispor da coisa para garantir o seu crédito e, por último, nos de

aquisição envolver o poder de adquirir, em certos termos, um outro direito real limitado.

f) A relação jurídica existente entre o titular e a coisa está inserida dentro de

um ordenamento jurídico que impõe ao titular não só poderes, mas também deveres e

limites.

g) Esta relação jurídica que cria um vínculo de soberania entre o titular do

direito e a coisa constitui, consequentemente, uma obrigação passiva universal.

h) O direito real visa ou realiza a ordenação direta de bens tendo que fazê-lo

com rigor e pode bastar-se com a mera enunciação dos tipos de direitos, tem que dizer

qual o conteúdo e quais o poderes de que o respectivo titular dispõe e quais os limites

dentro dos quais esses poderes podem ser exercidos. Assim o legislador fixa limites ao

exercício de maneira a coexistirem. A legislação fixa o estatuto de ordenação juridica

dos bens, limitando-se a ordenar os termos em que os bens são postos a disposição das

pessoas fixando o conteúdo e os limites do direito, isto não estabelece qualquer relação

entre as partes.

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Distinção entre direitos reais e obrigacionais - 22

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Page 24: Direitos Reais

Distinção entre direitos reais e obrigacionais - 24

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Título do trabalho

 DA DISTINÇÃO ENTRE

DIREITOS REAIS E

OBRIGACIONAIS

(A PARTIR DO ORDENAMENTO

JURÍDICO PORTUGUÊS)

Mês e ano da elaboração ou atualização do trabalho

 Atualizado em Julho de 2004

Nome completo do autor  Leonardo Gomes de Aquino

Profissão e qualificações do autor

 Advogado, Pós-Graduado em

Ciências Jurídico-Empresariais,

Mestrando em Ciências Jurídico-

Empresariais 2001/2003, também,

em Ciências Jurídico-Processuais

2003/2005, pela Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra

e Pós-Graduado em Direito

Empresarial pela Faculdade de

Direito do Oeste de Minas.

Cidade de domicílio do autor  Divinopólis- Minas Gerais -BrasilEndereço completo e telefone do autor Rua Itapecerica, 1429

E-mail do autor [email protected] ou [email protected]

Área: Direito Comparado, Direito Civil, Direitos Reais e Obrigacionais Português.