Disciplina: O conceito de resiliência · Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala...
Transcript of Disciplina: O conceito de resiliência · Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala...
-
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRO PRETO
DEPARTAMENTO DE NEUROCINCIAS E CINCIAS DO COMPORTAMENTO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE MENTAL
LVIA LOOSLI
Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em
idade escolar
RIBEIRO PRETO-SP
2011
-
LVIA LOOSLI
Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em
idade escolar
Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de
Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para a
obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
rea de concentrao: Sade Mental.
Orientadora: Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro
RIBEIRO PRETO - SP
2011
-
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS
DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao da Publicao
Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo
Loosli, Lvia
Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade
escolar / Lvia Loosli; orientadora Sonia Regina Loureiro - Ribeiro Preto, 2011.
106 f.
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-graduao em Sade Mental. rea
de concentrao: Sade Mental) - Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da
Universidade de So Paulo.
1. Depresso. 2. Mes. 3. Gnero e sade. 4. Comportamento infantil.
-
FOLHA DE APROVAO
Nome: LOOSLI, Lvia
Ttulo: Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade escolar.
Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de
Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para a
obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
rea de concentrao: Sade Mental.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________
Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________
Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________
Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________
Prof. Dr. ___________________________________ Julgamento: _____________________
Instituio: _________________________________ Assinatura: ______________________
-
DEDICATRIA
minha famlia, que fundou em mim a base para o que sou hoje.
A todas as mes e crianas que colaboraram para a realizao deste trabalho.
-
AGRADECIMENTOS
minha orientadora, Profa. Dra. Sonia Regina Loureiro, pela oportunidade de aprendizado
constante que sempre me proporcionou, pela dedicao, disponibilidade e apoio em todos os
momentos da elaborao deste trabalho e pelo exemplo de competncia e seriedade que muito
me ajudou a me tornar a profissional que hoje sou.
psicloga Fernanda Aguiar Pizeta, pela generosidade em compartilhar os dados de seu
trabalho para a realizao deste estudo.
Profa. Dra. Maristela Schaufelberger Spanghero, Profa. Dra. Ana Maria Pimenta
Carvalho e Profa. Dra. Maria Beatriz Martins Linhares pelas valiosas contribuies no
Exame Geral de Qualificao, que muito me ajudaram para a melhoria deste trabalho.
Ao Geraldo Cssio dos Reis, pela ajuda quanto anlise estatstica.
A todas as mes e crianas participantes deste estudo que disponibilizaram seu tempo e
partilharam momentos de suas vidas.
s minhas queridas amigas, Fabiana, ngela, Melodi e Ana Paula, pela convivncia sempre
carinhosa e compreensiva.
Adriana Borges Tanns de Souza, pela escuta sempre atenta e sensvel, ajudando-me a
pensar, amadurecer e me tornar uma pessoa melhor.
minha famlia, especialmente minha me, meu pai e meus irmos, que sempre me
incentivaram, apoiaram e acreditaram no meu potencial.
Ao Luiz, meu querido e amado companheiro, por fazer parte da minha vida e ser sempre to
presente apesar da distncia.
-
(...) No, no tenho caminho novo.
O que tenho de novo
o jeito de caminhar (...)
Thiago de Mello
-
RESUMO
LOOSLI, L. Depresso materna e o perfil de socializao de meninos e meninas em idade
escolar. 2011. 106 f. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto,
Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.
A depresso materna tem sido considerada uma condio de adversidade ao desenvolvimento
infantil, observando-se quanto ao gnero peculiaridades e uma diversidade de achados em
relao ao comportamento, psicopatologia e ao perfil de socializao de crianas que
convivem com a depresso materna. Objetivou-se: a) caracterizar o perfil de socializao de
crianas em idade escolar que convivem com a depresso materna recorrente, identificando
recursos e dificuldades relativos ao desempenho escolar e ao comportamento; b) comparar
grupos separados pelo gnero; c) correlacionar desempenho escolar e comportamento. Foram
avaliadas 40 dades me-filho, tendo as mes diagnstico sistematicamente avaliado de
Transtorno Depressivo Recorrente, e as crianas, com idades entre sete e 12 anos, foram
distribudas em dois grupos diferenciados pelo gnero: G1-20 meninos e G2-20 meninas. As
crianas foram identificadas a partir da seleo das mes atendidas em servios pblicos de
Sade Mental da cidade de Ribeiro Preto - SP. Para a seleo dos participantes foram
utilizados: a Entrevista Clnica e Estruturada para o DSM-IV (SCID), para confirmao
diagnstica das mes; e o teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala
Especial, para avaliao cognitiva das crianas e excluso de dficit intelectual. Procedeu-se a
avaliao do comportamento infantil por meio do Questionrio de Capacidades de
Dificuldades (SDQ) respondido pelas mes, e do desempenho escolar por meio do Teste de
Desempenho Escolar (TDE) realizado pelas crianas. Os instrumentos foram aplicados
segundo as recomendaes tcnicas e as avaliaes foram realizadas em sesses individuais.
Os dados foram codificados segundo as proposies dos instrumentos. Para a anlise
procedeu-se comparao entre os grupos diferenciados pelo gnero em relao s variveis
desempenho escolar e comportamento e, na dependncia da distribuio das variveis,
utilizaram-se os testes de Mann Whitney, do Qui-Quadrado, Exato do Qui-quadrado, Exato de
Fisher, Anlise de Regresso Logstica Bivariada e Correlao de Spearman, adotando-se o
nvel de significncia p 0,05 em todas as comparaes. Em relao ao desempenho escolar,
no foram observadas diferenas significativas entre meninos e meninas. Aproximadamente
metade do total de crianas apresentou dificuldades, principalmente relacionadas s
habilidades aritmticas, e apresentaram indicadores de recursos nos domnios escrita e leitura.
No que se refere ao comportamento, 42,5% do total de crianas apresentou dificuldades
comportamentais, observando-se diferena estatisticamente significativa entre os gneros em
relao aos sintomas emocionais, com 80% das meninas apresentando indicadores de
prejuzos nesta escala em comparao a 50% dos meninos. Para o grupo das meninas foram
identificadas correlaes negativas entre desempenho escolar e comportamento. Conclui-se
que as crianas expostas depresso materna recorrente apresentam dificuldades escolares e
comportamentais independentemente do gnero, sendo que as meninas mostraram-se mais
vulnerveis do que os meninos em relao aos problemas emocionais relativos a queixas
somticas e de insegurana, prprias de comportamentos internalizantes, no diferindo dos
meninos quanto aos comportamentos externalizantes, os quais apresentaram mais recursos
para lidar com tal adversidade. Considera-se que tais dados podem contribuir para o
planejamento de intervenes teraputicas diferenciadas para meninos e meninas em idade
escolar que convivem com a depresso materna, com especial ateno para as meninas.
Palavras-chave: depresso, mes, gnero e sade, comportamento infantil.
-
ABSTRACT
LOOSLI, L. Maternal depression and the socialization profile of school-age boys and
girls. 2011. 106 f. Dissertation (Master) Faculty of Medicine of Ribeiro Preto, University
of So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.
Maternal depression has been considered a condition of adversity on child development,
observing regarding gender peculiarities and diversity of findings in relation to behavior,
psychopathology and the socialization profile of children living with maternal depression.
This study aimed to: a) characterize the socialization profile of school-age children living with
recurrent maternal depression, identifying resources and difficulties related to academic
performance and behavior; b) compare groups separated by gender; c) correlate school
performance and behavior. Were evaluated 40 mother-child dyads, with mothers diagnosis
systematically assessed of recurrent depressive disorder, and children aged between seven and
12 years, were divided into two groups differentiated by gender: G1- 20 boys and G2-20 girls.
Children were identified by the selection of mothers in treatment at public mental health
services in Ribeiro Preto - SP. For the selection of participants were used: Structured and
Clinical Interview for DSM-IV (SCID) for diagnostic confirmation of mothers, and the
Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial test, for cognitive assessment of
children and exclusion of intellectual deficit. Proceeded with the evaluation of child behavior
through Strenghts and Difficulties Questionnaire (SDQ) completed by the mothers, and
school performance through the Teste de Desempenho Escolar (TDE) performed by children.
The instruments were applied according to technical recommendations and evaluations were
conducted in individual sessions. Data were coded according to the propositions of the
instruments. For the analysis proceeded to compare the groups differentiated by gender for
school performance and behavior and, depending on the distribution of variables, were used
the tests Mann Whitney, Chi-square, Exact Chi-square, Fisher Exact, Bivariate Logistic
Regression Analysis and Spearman Correlation, adopting a significance level p0.05 for all
comparisons. In relation to school performance, there were no significant differences between
the profile of boys and girls. Approximately half of all children had difficulties, especially
those related to arithmetic skills, and presented resource indicators in writing and reading
areas. With regard to behavior, 42.5% of children had behavioral difficulties, observing a
statistically significant difference between genders in relation to emotional symptoms, with
80% of girls presenting indicators of losses on this scale compared to 50% boys. For the
group of girls were identified negative correlations between school performance and behavior.
Concludes that children exposed to recurrent maternal depression have difficulties on school
performance and behavioral regardless of gender, and girls were more vulnerable than boys in
relation to emotional problems related to somatic complains and insecurity, prevailing in
internalizing behaviors, not differing from boys with regard to externalizing behaviors, which
had more resources to deal with such adversity. It is considered that such data can contribute
to the planning of different therapeutic interventions for school age boys and girls living with
maternal depression, with special attention to girls.
Key-words: depression, mothers, gender and health, child behavior.
-
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Percurso amostral ............................................................................................... 42
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a
variveis scio-demogrficas das mes e famlias .................................................................. 51
Tabela 2. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a
variveis clnicas das mes ...................................................................................................... 53
Tabela 3. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a
variveis demogrficas referentes idade e escolaridade das crianas ................................... 54
Tabela 4. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto
avaliao cognitiva (Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Escala
Especial), classificao em percentil ....................................................................................... 55
Tabela 5. Comparaes entre grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto ao
desempenho escolar (Teste de Desempenho Escolar - TDE) segundo a escolaridade e a
idade, classificado como Sem Dificuldades e Com Dificuldades ........................................... 56
Tabela 6. Comparaes entre os grupos diferenciados pelo gnero das crianas quanto a
avaliao do comportamento (Questionrio de Capacidades e Dificuldades - SDQ),
classificado como Sem Dificuldades e Com Dificuldade ....................................................... 58
Tabela 7. Comparaes entre grupos diferenciados pelo gnero das crianas em relao
aos itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades (SDQ) que
apresentaram diferenas significativas quanto ao comportamento ......................................... 60
Tabela 8. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a
escolaridade materna e o escore total da Escala de Sintomas Emocionais do Questionrio
de Capacidades e Dificuldades (SDQ), e como varivel dependente o gnero das crianas .. 61
Tabela 9. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a
escolaridade materna e os itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades
(SDQ) que apresentaram diferena significativa, e como varivel dependente o gnero das
crianas .................................................................................................................................... 62
Tabela 10. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a
idade materna e o escore total da Escala de Sintomas Emocionais do Questionrio de
Capacidades e Dificuldades (SDQ), e como varivel dependente o gnero das crianas ........ 63
Tabela 11. Anlise de regresso logstica bivariada, tendo como variveis independentes a
idade materna e os itens das escalas do Questionrio de Capacidades e Dificuldades
(SDQ) que apresentaram diferena significativa, e como varivel dependente o gnero das
crianas ..................................................................................................................................... 64
Tabela 12. Correlaes significativas entre o desempenho escolar (TDE) e as dificuldades
comportamentais (SDQ) para os grupos de meninos e meninas ............................................. 65
-
SUMRIO
I) INTRODUO ................................................................................................................. 12
1.1) Desenvolvimento infantil e a abordagem da psicopatologia do desenvolvimento. .......... 13
1.2) O perodo escolar e as tarefas de desenvolvimento........................................................... 16
1.3) Depresso materna e seu impacto para crianas em idade escolar. .................................. 19
1.4) Depresso materna e as diferenas de gnero de crianas em idade escolar. ................... 26
II) OBJETIVOS ...................................................................................................................... 34
III) MTODO ......................................................................................................................... 36
3.1 - Aspectos ticos ................................................................................................................. 37
3.2 Participantes .................................................................................................................... 38
3.2.1 - Processo de seleo dos participantes ....................................................................... 38
3.3 Instrumentos .................................................................................................................... 42
3.4 - Procedimento .................................................................................................................... 46
3.4.1 - Coleta de dados ......................................................................................................... 46
3.4.2 - Tratamento dos dados................................................................................................ 47
3.4.2.1 Codificao ............................................................................................................ 47
3.4.2.2 - Anlise dos dados ................................................................................................... 48
IV) RESULTADOS ................................................................................................................ 49
4.1- Caracterizao da amostra ................................................................................................. 50
4.2- Indicadores de desempenho escolar e comportamento das crianas- comparao entre
grupos diferenciados pelo gnero. ............................................................................................ 55
4.3- Correlaes entre o comportamento e o desempenho escolar das crianas. ..................... 65
V) DISCUSSO ...................................................................................................................... 67
5.1- Caracterizao do perfil de socializao de crianas em idade escolar ............................ 68
5.2- Indicadores de desempenho escolar e comportamento comparao entre grupos
separados pelo gnero. .............................................................................................................. 72
5.3- Correlaes entre o desempenho escolar e comportamento de crianas ........................... 79
5.4- Hipteses, limites e alcances do estudo ............................................................................ 80
VI) CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................... 84
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 86
ANEXOS ................................................................................................................................. 97
-
I) INTRODUO
-
Introduo | 13
A introduo do presente trabalho ser constituda por quatro tpicos. No primeiro
sero abordadas consideraes relativas ao desenvolvimento infantil sob a perspectiva terica
da psicopatologia do desenvolvimento. No segundo tpico discorrer-se- sobre o perodo
escolar e as tarefas tpicas de desenvolvimento. O terceiro abordar a depresso materna e seu
impacto para crianas em idade escolar. E no quarto e ltimo tpico ser abordada a questo
das diferenas de gnero entre escolares expostos depresso materna.
1.1) Desenvolvimento infantil e a abordagem da psicopatologia do desenvolvimento.
O desenvolvimento humano um processo complexo e contnuo que ocorre entre o
indivduo em crescimento e seu meio ambiente durante todo o ciclo vital. Tal processo
envolve mudanas em vrios domnios, tais como, fsico, cognitivo e psicossocial. Estes
domnios ou dimenses encontram-se inter-relacionados, influenciando-se mutuamente, sendo
que em cada fase ou estgio do ciclo de vida assumem caractersticas especficas, prprias das
tarefas de desenvolvimento tpicas daquele perodo. Na infncia as mudanas no
desenvolvimento so mais aparentes, caracterizando extensas aquisies que influenciaro os
prximos perodos de vida (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).
O estudo cientfico do desenvolvimento humano sob diferentes abordagens tericas
tem por objetivo descrever, explicar e prever os comportamentos e suas mudanas que podem
assumir caractersticas adaptativas ou de dificuldades (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).
Dentre as diversas abordagens tericas que se ocupam do estudo cientfico do
desenvolvimento humano, destacar-se- as proposies de Bronfenbrenner a respeito da teoria
ecolgica. Nesta abordagem, o processo de desenvolvimento considerado como bidirecional
e caracterizado pela reciprocidade na interao entre o meio ambiente e o indivduo, que
considerado ativo neste processo. A concepo de meio ambiente ampliada por meio do
conceito de meio ambiente ecolgico, um sistema composto por quatro estruturas
socialmente organizadas, cada uma contida na seguinte: o microsistema, considerado como
padro de atividades, papis e relaes interpessoais vivenciado pelo indivduo em um
determinado ambiente com caractersticas especficas; o mesossistema, constitudo pelas
inter-relaes entre dois ou mais microssistemas nos quais o indivduo participa ativamente; o
exosistema, referente a ambientes que afetam a pessoa indiretamente, apesar desta no ter
participao ativa no mesmo; e o macrossistema, que se refere s sub-culturas ou culturas
-
Introduo | 14
onde vive o indivduo (BRONFENBRENNER,1996). Tal perspectiva leva em conta a
complexidade de interaes interpessoais, temporais e espaciais.
Com pressupostos semelhantes quanto a considerar os processos dinmicos e contnuos, a
Psicopatologia do Desenvolvimento destaca-se como um campo cientfico interdisciplinar que
visa investigar o interjogo entre os aspectos biolgicos, psicolgicos e sociais e como tais
processos favorecem o desenvolvimento normal e atpico durante o ciclo vital. Para essa
abordagem terica e emprica o foco central se coloca nas trajetrias desenvolvimentais e em
como estes diversos caminhos podem levar a comportamentos adaptativos ou desadaptativos,
postulando que as mudanas so influenciadas por eventos e fatores ambientais, assim como pelas
caractersticas individuais e pelo significado particular atribudo s experincias (TOTH;
CICCHETTI, 2010; CICCHETTI; TOTH, 2009; BEE, 2003).
Tal abordagem prope para o entendimento das trajetrias de desenvolvimento alguns
conceitos bsicos como risco, proteo, adversidade, estressor, vulnerabilidade e resilincia,
os quais sero abordados de forma breve, a seguir.
Os fatores ou eventos que ameaam o curso normal do desenvolvimento so
conceituados como riscos, sendo que a presena de tal condio implica em elevada
probabilidade de conseqncias negativas ou indesejadas no futuro (MASTEN; GEWIRTZ,
2006). Os fatores de risco constituem-se em caractersticas identificveis e mensurveis para
um grupo de indivduos ou para seu contexto, sendo associados a conseqncias negativas,
no podendo ser confundidos com a complexidade dos mecanismos de risco, que so
processos que ligam os riscos s suas conseqncias, destacando-se que um fator de risco
isolado, no necessariamente implicar em patologia (YUNES; SZYMANSKI, 2001).
Em contraposio ao risco se colocam os fatores de proteo ao desenvolvimento,
conceituados como recursos e qualidades do indivduo, do contexto ou da interao destes que
se relacionam a conseqncias positivas, particularmente em situaes de risco ou
adversidade, podendo alterar a trajetria desviante do desenvolvimento. As adversidades
relacionam-se s condies ambientais, experincias repetidas ou permanentes que interferem
ou ameaam a realizao de modo apropriado das tarefas desenvolvimentais, favorecendo
efeitos negativos significativos para a adaptao, envolvendo mltiplos estressores.
Considera-se estressor, uma experincia temporria ou evento transitrio que opera na medida
em que sobrecarrega ou excede os recursos adaptativos da pessoa, podendo levar a efeitos
negativos quanto adaptao do indivduo ou outros sistemas, como a famlia (MASTEN;
GEWIRTZ, 2006; WRIGHT; MASTEN, 2006).
-
Introduo | 15
Outros conceitos que desempenham papel central para a Psicopatologia do
Desenvolvimento so os de vulnerabilidade e resilincia. A vulnerabilidade refere-se
predisposio individual a desordens e conseqncias negativas e ocorre na presena de risco
ou adversidade, de modo que tais susceptibilidades potencializam os efeitos dos estressores e
impedem o desenvolvimento satisfatrio do indivduo (YUNES; SZYMANSKI, 2001;
WRIGHT; MASTEN, 2006). Segundo Bee (2003), as vulnerabilidades podem ser inatas, ou
surgirem durante o desenvolvimento. Como condies de vulnerabilidade biolgica pode se
destacar as anormalidades fsicas, trauma ou m nutrio pr-natal, a exposio a doenas in
utero, o nascimento pr-termo e a tendncia a um temperamento difcil. Como condies de
vulnerabilidade que acompanham o desenvolvimento pode-se exemplificar o apego inseguro
na infncia inicial e, ao longo do ciclo vital, a exposio a ambientes de extrema pobreza.
Em contrapartida, a resilincia conceituada como a capacidade de superao de crises e
adversidades, segundo Yunes (2003). Mais recentemente, os estudos relativos resilincia vm
focando no s o indivduo, mas os recursos da rede relacional dentro da famlia e da
comunidade, como condies que favorecem o enfrentamento das crises de maneira ativa,
conseguindo super-las no de forma invulnervel, mas com aquisies que em um processo
dinmico podem ser experienciadas de maneira diversa por diferentes pessoas (YUNES, 2003).
A literatura aponta que a pesquisa emprica em resilincia relativamente recente,
sendo observadas variaes na definio deste constructo e no uso de tal terminologia. Luthar,
Cicchetti e Becker (2000) chamam a ateno para a importncia de se considerar a resilincia
como um processo dinmico que envolve adaptao positiva num contexto de adversidade, e
no como uma qualidade ou trao individual da pessoa. No mesmo sentido, muitos estudos
levam em conta mltiplos indicadores ao invs de um nico, considerando-se que a resilincia
pode se apresentar em alguns domnios de funcionamento e em determinados perodos de vida
da pessoa, mas no necessariamente nos outros (RUTTER, 2006; MASTEN; REED, 2002;
LUTHAR; CICCHETTI; BECKER, 2000).
O processo de resilincia depende do peso relativo dos riscos a que o indivduo est
submetido, dos fatores de proteo e dos seus recursos pessoais disponveis para o
enfrentamento das adversidades, sendo essencial considerar-se a quantidade de eventos
estressores a que a pessoa est exposta (BEE, 2003; RUTTER; SROUFE, 2000).
As investigaes relativas resilincia no campo da Psicopatologia do
Desenvolvimento podem acrescentar conhecimentos sobre os processos adaptativos e
desadaptativos que ocorrem durante o desenvolvimento, podendo tambm proporcionar
informaes importantes no sentido da preveno e promoo de sade mental, por meio da
-
Introduo | 16
identificao de indicadores de recursos e competncias que podem ser utilizados em
programas de intervenes e nas propostas de polticas pblicas de sade (CICCHETTI;
TOTH, 2009; MASTEN; REED, 2002).
Para que ocorra a resilincia so necessrias duas condies: a presena de uma
situao adversa ao desenvolvimento e indicadores de uma adaptao satisfatria frente a tal
ameaa. Para se avaliar a qualidade desta adaptao, pode-se utilizar critrios como a ausncia
de patologia, a realizao de tarefas de desenvolvimento prprias ao perodo e o bem estar
subjetivo do indivduo (WRIGHT; MASTEN, 2006).
Para os objetivos deste estudo, abordar-se- nos dois prximos tpicos, respectivamente: a)
os indicadores de adaptao satisfatria ou positiva para a realizao das tarefas de desenvolvimento
prprias do perodo escolar, o qual pelas suas particularidades tem um papel relevante para o
desenvolvimento da criana no que diz respeito produtividade e a socializao; e b) a convivncia
com a depresso materna como situao de adversidade ao desenvolvimento infantil.
1.2) O perodo escolar e as tarefas de desenvolvimento
Definem-se como parmetros para as tarefas desenvolvimentais, as expectativas de uma
sociedade quanto aos padres de desempenho dos indivduos em diferentes reas da vida durante
o estgio de desenvolvimento em que se encontram, podendo variar de acordo com a cultura, o
gnero e o contexto histrico (WRIGHT; MASTEN, 2006). Por meio deste conjunto de critrios
possvel avaliar o ajustamento do indivduo frente s demandas da sociedade, identificando-se a
presena de adaptao positiva ou de dificuldades nas trajetrias de desenvolvimento, tendo por
referncia o momento especfico do ciclo vital e as tarefas esperadas para aquele perodo, sendo
que tais tarefas so tpicas para cada fase desenvolvimental.
Para as crianas que se encontram no perodo escolar, que se inicia aos seis ou sete
anos e se estende at os 12 anos de idade, a realizao das tarefas prprias desta fase se
expressa por meio de dois domnios especficos, a saber: a) a aprendizagem escolar e o
desempenho acadmico; e b) a capacidade de socializao e de estabelecimento de
relacionamentos de amizade com seus pares, caracterizando assim, a adaptao ao ambiente
escolar e s regras da famlia e da sociedade. Nessa faixa etria, que corresponde ao incio da
escolarizao formal e da alfabetizao, a criana encontra-se voltada realizao de tarefas
intelectuais e sociais, experimentando a necessidade de aprender com os adultos e de mostrar-
se competente e com capacidade produtiva (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).
-
Introduo | 17
Erikson (1976) situou entre seis e 12 anos a crise evolutiva decorrente do desafio entre
a produtividade versus inferioridade, na qual a criana deve aprender as habilidades
produtivas valorizadas em sua cultura ou enfrentar sentimentos de inferioridade. Em tal fase, a
criana adquire reconhecimento social por meio de sua produtividade, que nas sociedades
industrializadas, exercida primordialmente no mbito escolar, como preparao para
ingressar e produzir no mundo adulto.
O sucesso diante das tarefas escolares, neste perodo, proporciona criana um senso
de competncia, ou seja, uma percepo de si mesma como capaz de realizar tarefas
utilizando certas habilidades (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009). Por outro lado,
situaes de fracasso podem favorecer dificuldades relacionadas ao autoconceito, auto-
estima e ao senso de auto-eficcia da criana, que por sua vez podem promover o
desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento, em decorrncia do impacto
das percepes e avaliaes negativas que fazem sobre si mesmas. Em contrapartida,
problemas scio-emocionais e comportamentais prvios podem levar a dificuldades escolares.
A co-ocorrncia de dificuldades emocionais e de comportamento e queixas escolares um
fenmeno reconhecido na literatura, embora permaneam questionamentos quanto direo
causal dessa associao (MARTURANO; LOUREIRO, 2003; SANTOS, 2006).
As associaes entre dificuldades comportamentais e acadmicas foram estudadas por
Bandeira et al. (2006) que identificaram correlaes entre habilidades sociais, problemas de
comportamento e dificuldades de aprendizagem em crianas de 1. a 4. srie do ensino
fundamental de duas escolas pblicas e uma particular de uma cidade de mdio porte do
interior de Minas Gerais. Os autores apontaram que quanto menor o nvel de habilidades
sociais dos estudantes, maior a ocorrncia de problemas de comportamento, maior a presena
de dificuldades de aprendizagem e menor o grau de competncia acadmica dos alunos.
As dificuldades emocionais, comportamentais e de desempenho acadmico
identificadas no perodo escolar, se no forem consideradas e receberem intervenes
adequadas, podem favorecer prejuzos nas prximas etapas do ciclo vital. Neste sentido,
Masten et al. (2005), em um estudo longitudinal abrangendo um perodo de 20 anos e iniciado
com crianas entre oito e 12 anos, constataram que problemas externalizantes identificados na
infncia prejudicaram o desempenho escolar na adolescncia, o que por sua vez contribuiu
para a emergncia de problemas internalizantes no incio da idade adulta. J os problemas
internalizantes identificados na infncia no foram preditores de dificuldades escolares na
adolescncia, sendo mais relacionados a dficits no funcionamento social, segundo os autores.
-
Introduo | 18
Os problemas comportamentais externalizantes so aqueles nos quais os desvios de
comportamento so dirigidos para o meio, incluindo hiperatividade, impulsividade,
agressividade, manifestaes anti-sociais e comportamento ameaador, de oposio e desafio.
J os problemas internalizantes, envolvem as manifestaes emocionais, como a depresso, a
ansiedade e os transtornos alimentares, nos quais os desvios se configuram como voltados
para o indivduo (BEE, 2003).
O ingresso na escolarizao formal constitui-se como um ponto de transio importante
que proporciona criana diversas experincias e desafios. A motivao para o enfrentamento
dessas experincias tambm est sujeita s influncias do ambiente familiar, que pode contribuir
para a promoo do desenvolvimento ou como fator de risco para as crianas.
Recursos do ambiente familiar tais como, suporte para o desenvolvimento e
aprendizagem, interao pais-filho prxima e amigvel, clima emocional positivo no lar e
prticas educativas adequadas podem afetar diretamente o desempenho escolar e a motivao
da criana em relao escolaridade. O nvel socioeconmico da famlia e a escolaridade
materna tambm so relacionados positivamente com o desempenho escolar da criana, j que
podem promover recursos tais como o estabelecimento de rotinas para organizao da vida
familiar e um maior acesso a brinquedos, livros e atividades de cultura e lazer
(MARTURANO; FERREIRA, 2004). Por outro lado, famlias com elevados ndices de
conflito, que utilizam prticas educativas coercitivas e punitivas e com vnculo afetivo frgil
entre pais e filhos aumentam o risco para o desenvolvimento de problemas emocionais e
comportamentais alm de dificuldades escolares (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).
Neste sentido, Ferreira e Marturano (2002) desenvolveram estudo com objetivo de
identificar, em crianas com dificuldade de aprendizagem encaminhadas para atendimento
psicolgico, associaes entre problemas de comportamento e variveis do ambiente familiar.
Foram avaliadas 67 crianas entre sete e 11 anos que foram divididas em dois grupos: com e
sem problemas de comportamento. Os resultados apontaram que as crianas com problemas
de comportamento acabam recebendo mais suspenso na escola e tm seu ambiente de
desenvolvimento mais prejudicado, seja pela presena de mais eventos adversos, seja pelo
menor acesso a recursos favorecedores do desenvolvimento. Dentre as adversidades, foram
identificados mais indicadores de instabilidade familiar, prticas educativas com uso de
ameaa e agresso fsica e relacionamento distante ou conflituoso com os pais.
Em concordncia a tais achados Ferriolli, Marturano e Puntel (2007) identificaram
associao entre variveis do contexto familiar e o risco para problemas emocionais e
comportamentais em crianas de seis a 12 anos, cadastradas em um Programa Sade da
-
Introduo | 19
Famlia. Os resultados apontaram que o estresse materno mostrou-se associado a problemas
de sade mental das crianas e, por outro lado, todos os indicadores de estabilidade ambiental,
tais como rotina diria com horrios definidos e maior acesso a atividades para preencher o
tempo livre, foram relacionadas ausncia de tais problemas, sendo consideradas variveis
protetoras para as crianas.
Outro fator importante a ser considerado o relacionamento da criana com seus
pares, pois o contato com os colegas no contexto da aprendizagem acadmica intenso. Criss
et al. (2002), em um estudo com 585 famlias de crianas ingressando na pr escola,
concluram que os relacionamentos positivos com pares no contexto escolar podem agir como
fator protetor na predio de problemas de comportamento externalizantes de crianas que
vivem num ambiente familiar adverso, envolvendo baixo nvel socioeconmico, alto estresse
familiar, conflitos conjugais violentos e prticas parentais educativas coercitivas e punitivas.
Os autores apontam que a qualidade positiva de socializao e adaptao da criana no
ambiente escolar pode agir como moderador na relao entre adversidade familiar e
problemas comportamentais externalizantes, o que pode implicar tambm em conseqncias
positivas para o rendimento acadmico da criana.
Pode-se considerar deste modo, que o interjogo entre as diversas variveis do
ambiente familiar, do contexto escolar e da prpria criana, com suas caractersticas
individuais, pode influenciar o perodo do ciclo vital em que se encontra, levando a uma
adaptao positiva ou negativa considerando-se as tarefas de desenvolvimento, sendo que tais
processos podem exercer influncia tambm nas etapas posteriores de sua trajetria de vida.
Buscar-se- neste estudo, descrever o perfil de socializao de crianas em idade
escolar com base na realizao das tarefas de desenvolvimento tpicas desta fase, frente a uma
condio reconhecida como fator de risco ao desenvolvimento infantil, ou seja, o convvio
com o transtorno psiquitrico na famlia, mais especificamente, com a depresso materna, que
ser abordada no prximo tpico.
1.3) Depresso materna e seu impacto para crianas em idade escolar.
De acordo com a Classificao estatstica Internacional de Doenas e problemas
relacionados sade 10. reviso (CID-10) publicada pela Organizao Mundial de Sade
(OMS, 2008), a depresso um transtorno mental no qual h significativa alterao do humor
ou afeto. Est freqentemente associada incapacitao funcional e prejuzo na qualidade de
-
Introduo | 20
vida, em razo de sua sintomatologia caracterizada por tristeza, apatia, reduo da energia,
perda de interesse nas atividades, diminuio da capacidade de concentrao, fadiga,
alteraes no apetite e no sono, culpabilidade, diminuio da auto-estima e da autoconfiana.
Estudos epidemiolgicos em pases ocidentais apontam que a prevalncia anual da
depresso na populao geral varia de trs a 11%, sendo um dos transtornos mentais mais
freqentes, caracterizando-se, na maioria dos casos, pela recorrncia e cronicidade, pois a taxa
de reincidncia da depresso alta, com cerca de 80% de pacientes tratados devido a um
episdio depressivo apresentando uma nova crise ao longo da vida, com mdia de quatro
episdios (FLECK et al., 2009; ANDRADE; VIANA; SILVEIRA, 2006).
No que se refere ao Brasil, o levantamento epidemiolgico realizado na cidade de So
Paulo apontou uma prevalncia de episdios depressivos de 7% ao ano, e 17% durante o
curso de vida do indivduo, sendo que as mulheres tm maior probabilidade que os homens de
apresentarem depresso (ANDRADE et al., 2002). Dados semelhantes foram encontrados no
estudo realizado na cidade de Petrpolis, Rio de Janeiro, que apontou prevalncia de 37% de
transtornos mentais em pacientes atendidos num Programa de Sade da Famlia, sendo a
depresso o distrbio mais freqente (45%), com prevalncia de 6,5% ao ano e 13,5% ao
longo da vida (FORTES, VILLANO, LOPES, 2008).
A depresso atinge principalmente as mulheres, numa proporo duas a trs vezes
maior do que os homens, sendo comprovadamente a doena que mais causa incapacitao em
mulheres, tanto em pases desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. observada
maior vulnerabilidade das mulheres a sintomas ansiosos e depressivos, principalmente
associados ao perodo reprodutivo. As mulheres casadas parecem mais susceptveis a
apresentarem depresso do que as solteiras, sendo que a idade de incio situa-se entre 20 e 40
anos, com mdia de 27 anos, e sua freqncia tende a elevar-se com o aumento da idade
(ANDRADE; VIANA; SILVEIRA, 2006; ANGST et al., 2002; JUSTO; CALIL, 2006;
LIMA, 1999).
A faixa etria de maior ocorrncia do incio dos sintomas depressivos coincidente
para as mulheres com a idade frtil, onde tm a possibilidade de tornarem-se mes ou mesmo
de j terem seus filhos. A recorrncia deste transtorno ao longo da vida para as mulheres/mes
pode trazer implicaes diversas para o exerccio da maternidade, para a interao entre me-
criana e para o ambiente familiar.
Uma caracterstica importante a ser considerada nos estudos sobre depresso materna
a recorrncia e cronicidade deste transtorno, fazendo com que os filhos convivam por mais
tempo num ambiente de estresse crnico, o que favorece a presena de maiores dificuldades
-
Introduo | 21
para o ajustamento da criana, no sentido de que quanto maior o nmero de episdios
depressivos, piores so as conseqncias para as crianas (LUOMA et al., 2001).
Diversos estudos ressaltam que a convivncia das crianas com pais que apresentem
problemas de sade mental, incluindo a depresso, configura-se como condio pouco
favorecedora ao desenvolvimento infantil (ELGAR et al., 2007; LEWINSOHN; OLINO;
KLEIN, 2005; VITOLO et al., 2005; KAHN; BRANDT; WHITAKER, 2004; ANSELMI et
al., 2004). A necessidade de compreenso do impacto especfico do transtorno psiquitrico
materno para o desenvolvimento das crianas relevante tendo em vista que, na maioria das
culturas a me exerce o papel principal de cuidadora dos filhos, sendo a sua presena
considerada de fundamental importncia para a promoo do desenvolvimento da criana.
Nesta perspectiva, problemas de sade mental maternos, especificamente a depresso, podem
trazer impacto negativo para diversos domnios do funcionamento infantil, por meio de
complexos mecanismos (GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et al., 2004b).
Dentre tais mecanismos, os biolgicos podem exercer influncia, sendo que as
crianas filhas de mes com depresso encontram-se em situao de maior risco para
desenvolver este transtorno do humor devido transmisso hereditria e predisposio
gentica, aumentando a vulnerabilidade para o desenvolvimento da depresso em comparao
aos descendentes de mes sem tal psicopatologia (GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et
al., 2004b). Em um estudo com gmeos aos sete e oito anos de idade, Lau et al. (2007)
identificaram que os fatores genticos podem ser preditores moderados para o
desenvolvimento de sintomas depressivos nos filhos de mes com depresso, sugerindo que
tais riscos biolgicos associados presena de eventos de vida negativos aumentam a
probabilidade de ocorrncia de tal psicopatologia na criana.
Considerando ainda os fatores biolgicos, os filhos de mes depressivas podem
apresentar disfunes nos mecanismos neuroregulatrios que interferem no processamento da
regulao emocional e podem aumentar a vulnerabilidade para o desenvolvimento da
depresso (GOODMAN; GOTLIB, 1999). Motta, Lucian e Manfro (2005) em uma reviso
sobre a influncia da depresso materna para o desenvolvimento neurobiolgico da criana,
destacaram diversos estudos que identificaram a presena de alteraes no nvel de cortisol,
no sistema nervoso vegetativo e no eixo hipotlamo-pituitria-adrenal, bem como assimetria
frontal no eletro-encefalograma de crianas filhas de mes com depresso ps-parto, em
diversas fases do desenvolvimento. Confirmando tais evidncias, Forbes et al. (2006), com
base em um estudo emprico, identificaram associao entre assimetria frontal no eletro-
encefalograma e problemas de comportamento internalizantes e externalizantes de crianas
-
Introduo | 22
filhas de mes com depresso, considerando tal assimetria como um bom marcador
fisiolgico sobre as dificuldades de regulao afetiva e comportamental dos filhos de mes
deprimidas.
Alm dos aspectos biolgicos, os mecanismos psicossociais devem ser considerados
no interjogo entre fatores inatos e ambientais. Nesta perspectiva, as mes depressivas podem
expor seus filhos a comportamentos, afetos e pensamentos negativos ou desadaptados, e
convivncia em um ambiente onde predomina a hostilidade, desesperana e humor disfrico
(GOODMAN; GOTLIB, 1999; ELGAR et al., 2004b). Alm destes fatores, as mes
deprimidas podem demonstrar menor disponibilidade para o contato, podendo afastar-se
afetivamente de seus filhos. Neste sentido, Shaw et al. (2006) identificaram que as mes com
diagnstico clnico confirmado de depresso demonstraram menor responsividade s emoes
negativas de seus filhos, sendo observada maior negligncia por parte das mes em relao
tristeza e ao medo apresentado pelas crianas.
A sintomatologia depressiva pode interferir nos cuidados e nas prticas educativas
parentais, que por sua vez, podem favorecer problemas comportamentais nas crianas, como
apontaram Herwig, Wirtz e Bengel (2004), ao identificarem que a depresso materna pode
contribuir para uma maior disfuno nos cuidados oferecidos pela me criana, interagindo
negativamente com problemas de comportamento infantil. Neste mesmo sentido, Foster et al.
(2008) apontaram relao negativa significativa entre depresso materna e quantidade de
controle parental exercido no lar, de maneira que quanto maior a recorrncia de episdios
depressivos da me, menor o controle exercido por ela.
Em concordncia com tais achados, Elgar et al. (2004a) identificaram que as mes
com relato de mais cansao e ansiedade demonstraram mais dificuldades de comunicao
com seus filhos e em disciplin-los. Os autores apontaram que a depresso materna,
juntamente com fadiga, raiva e ansiedade foram preditores de problemas de hiperatividade,
impulsividade e desateno nas crianas, sendo observada relao temporal e influncia
mtua entre humor materno e comportamento disruptivo da criana.
Os sintomas depressivos maternos podem tambm afetar o funcionamento familiar, o
que por sua vez, exerce influncia sobre o ajustamento da criana, numa relao de
reciprocidade (ELGAR, 2004b). Em um estudo emprico, McCarty e McMahon (2003)
identificaram associao entre depresso materna e dificuldades no ambiente familiar. Os
autores apontaram que as mes depressivas apresentaram comunicao pobre e pior
relacionamento com os filhos, maior insatisfao com o suporte social e ocorrncia de mais
eventos estressantes na famlia, sendo que a influncia familiar negativa aumentava o risco
-
Introduo | 23
para o desenvolvimento de psicopatologia nas crianas. Corroborando tais achados, Park et al.
(2008) identificaram que um ambiente familiar negativo, caracterizado por conflitos,
hostilidade, controle coercitivo e rgido, no engajamento e distanciamento afetivo parental,
foi associado com depresso em mes e crianas.
A depresso materna pode afetar tambm as relaes conjugais, influenciando o
ambiente familiar em que a criana se desenvolve. Neste sentido, Low e Stocker (2005)
identificaram que hostilidade e conflitos maritais de pais com humor depressivo foram
associados hostilidade na relao dos pais e mes para com seus filhos, o que por sua vez foi
relacionado a problemas internalizantes e externalizantes das crianas. Na mesma direo de
tais achados, Whiffen, Kerr e Kallos-Lilly (2005) constataram que mes deprimidas relataram
pior qualidade no relacionamento conjugal e demonstraram menos cuidados e suporte
emocional aos filhos, relacionando a baixa qualidade no relacionamento conjugal a um
aumento de estresse por parte da criana.
Outro aspecto a ser considerado o perodo de desenvolvimento em que a criana se
encontra quando exposta depresso materna, principalmente a ocasio do primeiro episdio.
De acordo com Elgar et al. (2004b) e Goodman e Gotlib (1999), nos primeiros anos de vida, a
psicopatologia materna parece comprometer mais a interao me-filho, em razo do
estabelecimento de um apego inseguro, o que influencia as etapas subseqentes do
desenvolvimento da criana. No perodo pr-escolar, Goodman e Gotlib (1999) apontaram
que a depresso materna pode comprometer o suporte necessrio para prover a criana com
conhecimentos para a aquisio de linguagem emocional e socializao que facilite os
relacionamentos com os pares e outros adultos. Para as crianas em idade escolar, os referidos
autores apontaram o comprometimento quanto proviso de suporte social e ajuda no
enfrentamento de estressores, podendo ocorrer dificuldade da me no auxlio criana para a
manuteno do foco nos ambientes cognitivo/intelectual e social e tambm para monitorar o
comportamento do filho com disciplina consistente e adequada.
Em uma recente reviso da literatura, Mendes, Loureiro e Crippa (2008) analisaram
estudos empricos relativos ao impacto da depresso materna para a sade mental de crianas
em idade escolar, relatando que independentemente dos delineamentos, os resultados
demonstraram o impacto negativo que tal psicopatologia materna exerce para a sade mental
dos filhos, favorecendo a presena de problemas de comportamento, psicopatologia infantil,
rebaixamento cognitivo, prejuzos no auto-conceito, no desempenho social e na regulao
emocional das crianas, independente do momento da primeira exposio depresso
materna, configurando-se assim, como fator de risco ao desenvolvimento infantil.
-
Introduo | 24
Em relao ao comportamento, diversos estudos apontam a presena de problemas
tanto internalizantes quanto externalizantes em crianas que convivem com a depresso
materna (FOSTER et al., 2008; MOWBRAY et al., 2005; LEVE; KIM; PEARS, 2005). Por
outro lado, os sintomas depressivos maternos podem influenciar no relato de mais problemas
de comportamento para as crianas, de maneira que a percepo das mes pode estar
distorcida em funo de sua sintomatologia, levando a um exagero no relato materno sobre as
dificuldades de seus filhos (NAJMAN et al., 2000; NAJMAN et al., 2001).
Em um estudo brasileiro, Mian et al. (2009) investigaram o perfil comportamental e o
auto-conceito de crianas em idade escolar que convivem com a depresso materna, em
comparao a crianas filhas de mes sem histria psiquitrica, tendo por fonte de
informaes tanto as mes quanto as crianas. As autoras constataram que as crianas que
convivem com a depresso materna foram apontadas por suas mes como tendo mais
problemas de comportamento em comparao ao grupo controle. No que diz respeito auto-
percepo das prprias crianas, aquelas que convivem com a depresso materna relataram
auto-conceito mais negativo na rea relativa ao comportamento do que o grupo controle,
confirmando a associao entre depresso materna e problemas de comportamento das
crianas segundo ambas as fontes de relato.
Outro ponto a ser destacado diz respeito regulao emocional. Em geral as mes
depressivas so menos responsivas aos estados afetivos de seus filhos, o que pode influenciar
a adaptao das crianas e o desenvolvimento da competncia de regulao emocional das
mesmas, ou seja, a capacidade de modular ou regular as prprias emoes. Silk et al. (2006a)
compararam as estratgias de regulao emocional utilizadas por crianas filhas de mes com
depresso a um grupo controle. Os filhos de mes deprimidas demonstraram maior utilizao
de espera passiva ou foco na fonte de estresse, alm de apresentarem dificuldades em se
distrair ativamente mudando o foco de sua ateno durante a espera de um objeto prometido.
As dificuldades em regular as prprias emoes podem implicar em conseqncias como
dificuldades de socializao, depresso, ansiedade e problemas de comportamento para as
crianas.
Tais dificuldades comportamentais e de regulao emocional podem promover o
desenvolvimento de psicopatologias por parte das crianas. Dentre os estudos sobre
psicopatologia infantil, destaca-se o de Pilowsky et al. (2006) que verificaram a prevalncia
de transtornos psiquitricos em crianas filhas de mes com depresso. Os autores observaram
que 34% das crianas avaliadas apresentavam alguma desordem psiquitrica, sendo 10% de
depresso infantil. Entre as crianas com diagnstico de depresso, 50% apresentaram
-
Introduo | 25
comorbidade com transtorno de ansiedade e 31% com problemas de conduta. Ressaltaram que
as crianas filhas de me deprimidas possuem maior risco para uma variedade de dificuldades
comportamentais e emocionais, sendo tal risco elevado na presena de comorbidades alm da
depresso materna.
Por outro lado, o risco para problemas emocionais e comportamentais em filhos de
mes deprimidas pode ser reduzido em funo da melhora aps tratamento das mes.
Weissman et al. (2006) verificaram que a melhora dos sintomas depressivos das mes aps
tratamento medicamentoso foi associada reduo dos sintomas apresentados pelas crianas,
ao controlar variveis socio-demogrficas, caractersticas clnicas da depresso materna e
status de tratamento da criana. A melhora da sintomatologia da criana, relacionada
principalmente a comportamento disruptivo, depresso e ansiedade, esteve diretamente
relacionada ao grau de resposta ao tratamento da depresso apresentada pela me. Os autores
destacaram a importncia de se considerar a influncia mtua entre sade mental materna e da
criana, j que observaram que a melhora das crianas tambm surtiu efeito positivo para as
mes.
Tal fenmeno bidirecional deve ser considerado tambm em relao s dificuldades na
relao me-filho, j que o estado depressivo materno pode favorecer a presena de
problemas comportamentais das crianas, os quais as mes depressivas tero dificuldades de
manejo, agravando ainda mais os sintomas da me e os problemas da criana, estabelecendo-
se um crculo vicioso (ELGAR et al., 2004a; ELGAR et al., 2004b). De modo semelhante,
Gross et al. (2009) identificaram tais processos transacionais entre depresso materna e
comportamentos disruptivos das crianas e anti-sociais dos adolescentes.
No que se refere ao desempenho escolar das crianas, os estudos tm constatado
influncia negativa da depresso materna sobre tal domnio. Ao estudar o impacto da
depresso materna para o funcionamento psicolgico das crianas, Murray et al. (2006)
investigaram a associao entre a comunicao pais-filhos durante o suporte para a realizao
das tarefas escolares e o desempenho escolar, nvel cognitivo e auto-estima das crianas.
Apontaram que a qualidade da comunicao pais-filhos e o engajamento dos pais durante as
tarefas escolares foram significativamente associados ao ajustamento escolar, nvel cognitivo
e auto-estima das crianas. Ressaltaram que as mes costumam se envolver mais do que os
pais na superviso das atividades escolares de seus filhos, e que a presena da depresso
materna na vida das crianas em fase escolar mostrou-se associada pobreza no suporte dado
pelas mes s tarefas escolares realizadas pelos filhos em casa, com mais controle coercitivo,
-
Introduo | 26
menos suporte emocional e uma comunicao com menos estimulao e motivao para o
aprendizado.
No mesmo sentido, Kohl et al. (2000) constataram que a depresso materna foi
preditora de dificuldades no envolvimento das mes em relao escolaridade dos filhos,
apresentando associao em cinco dos seis domnios avaliados: envolvimento parental nas
atividades relacionadas escola, qualidade do relacionamento entre pais e professores,
percepo do professor sobre a importncia que os pais atribuem educao, envolvimento
dos pais em casa com as atividades relacionadas escola e aprovao dos pais em relao
escola. Os autores consideraram a depresso materna como fator de risco para o engajamento
das mes com as rotinas escolares de seus filhos, sendo que prejuzos neste domnio
mostraram-se associados a dificuldades acadmicas das crianas.
Outro estudo que avaliou o funcionamento escolar de crianas expostas depresso
materna e violncia, tanto domstica quanto na comunidade, foi o de Silverstein et al.
(2006). Os autores constataram que as crianas expostas apenas depresso materna
obtiveram escores mdios mais baixos em leitura, matemtica e conhecimentos gerais, alm
de dificuldades nas habilidades interpessoais. Quando coexistia na mesma famlia depresso
materna e exposio violncia os resultados apontaram ainda mais prejuzos, denotando que
o efeito combinado destes dois fatores de risco traz um o impacto mais negativo sobre o
desempenho escolar e comportamento da criana do que cada fator isoladamente.
Na mesma direo de tais achados, Essex et al. (2006) constataram que famlias de
baixo nvel socioeconmico e com mes deprimidas sofrem uma maior exposio a estresse
crnico, podendo favorecer um padro de desregulao emocional da criana na pr-escola e
subseqentes dificuldades escolares e sociais no incio da fase escolar, aumentando o risco
para o desenvolvimento de problemas mais graves posteriormente.
O impacto negativo da depresso materna tem sido amplamente relatado; destacar-se-
a seguir algumas peculiaridades associadas ao gnero das crianas expostas a tal transtorno
materno.
1.4) Depresso materna e as diferenas de gnero de crianas em idade escolar.
Nos estudos sobre psicopatologia do desenvolvimento importante atentar para a
varivel gnero. Tal varivel, essencialmente biolgica, tem tambm uma dimenso
psicossocial relacionada percepo do indivduo em considerar corretamente o prprio sexo
-
Introduo | 27
e identific-lo nas outras pessoas, envolvendo diferenas psicolgicas, comportamentais e
sociais, e no apenas as diferenas fisiolgicas da varivel sexo. A identidade de gnero
desenvolvida na primeira infncia, aproximadamente entre dois e quatro anos de idade, e
constitui-se num aspecto importante do desenvolvimento do auto-conceito, envolvendo
aspectos relacionados tipificao, aos esteretipos e aos papis sociais de gnero. Os papis
sociais de gnero constituem-se nos comportamentos, habilidades, interesses e traos de
personalidade considerados apropriados para cada sexo em uma determinada cultura,
assinalando diferenas entre homens e mulheres. A tipificao de gnero o processo de
socializao pelo qual a criana aprende a se apropriar dos papeis de gnero, e os esteretipos
so as generalizaes preconcebidas sobre o comportamento masculino e feminino (BEE,
2003; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2009).
Sob tal perspectiva utilizar-se- a nomenclatura gnero no presente estudo,
considerando-se suas caractersticas relativas aos aspectos psicossociais, dada a idade das
crianas estudadas e as peculiaridades do perodo de desenvolvimento em que se encontram,
caracterizado por uma clara aprendizagem social de papis e interaes.
No que se refere s diferenas de gnero relativas ao desenvolvimento de crianas em
geral, a literatura aponta que, durante a fase pr-escolar e nos anos escolares, os meninos
apresentam significativamente mais problemas de comportamento do que as meninas,
principalmente distrbios relacionados externalizao, tais como transtorno de conduta,
oposicional-desafiante, dficit de ateno, hiperatividade e agressividade fsica. J na
adolescncia, as moas possuem duas vezes mais chances de apresentarem transtornos
internalizantes tais como depresso, ansiedade e distrbios alimentares em comparao aos
rapazes (CRICK; ZAHN-WAXLER, 2003; ZAHN-WAXLER; SHIRTCLIFF; MARCEAU,
2008).
Em concordncia a tais achados, o estudo de Verhulst et al. (2003), com adolescentes
provindos de sete pases (Austrlia, China, Israel, Jamaica, Holanda, Turquia e Estados
Unidos), identificaram que as moas obtiveram escores mais altos para os problemas
internalizantes e mais baixos para as dificuldades externalizantes em comparao aos rapazes,
de modo consistente nas diferentes culturas. Na mesma direo de tais evidncias, o estudo
transcultural de Crijnen, Achenbach e Verhulst (1999), com amostras representativas de 12
pases (Austrlia, Blgica, China, Alemanha, Grcia, Israel, Jamaica, Holanda, Porto Rico,
Sucia, Tailndia e Estados Unidos), identificaram que os meninos em idade escolar
apresentaram escores mais baixos para queixas somticas, depresso e ansiedade, prprias de
dificuldades internalizantes, e escores mais altos para problemas de ateno, comportamento
-
Introduo | 28
agressivo e delinqente, indicadores de problemas externalizantes, em comparao s
meninas.
Estudos nacionais conduzidos com a populao geral tambm identificaram presena
de mais problemas comportamentais para os meninos em idade escolar. Assis, Avanci e
Oliveira (2009), em estudo desenvolvido em So Gonalo, estado do Rio de Janeiro, com 479
crianas entre seis e 13 anos, identificaram menos competncia social e mais problemas de
comportamento para os meninos, em comparao s meninas. No mesmo sentido, Vitolo et al.
(2005) identificaram a presena de mais problemas de hiperatividade para os meninos em uma
amostra de 454 crianas entre sete e 11 anos de idade, em estudo conduzido em Taubat,
estado de So Paulo. O estudo de Bandeira et al. (2006) desenvolvido em uma cidade do
interior de Minas Gerais, tambm identificou maior ocorrncia de problemas
comportamentais externalizantes para os meninos do que para as meninas, em uma amostra de
257 alunos de 1. a 4. srie do ensino fundamental.
No que se refere ao desenvolvimento infantil, considerando-se a exposio ao fator de
risco da depresso materna, diversos estudos apontam que tal transtorno materno traz
prejuzos ao comportamento e sade mental dos filhos, porm com diferentes formas de
manifestao da problemtica, dependendo do gnero da criana. Contudo, a literatura aponta
para a presena de inconsistncia em relao a tais achados, reconhecendo que meninos e
meninas diferem no desenvolvimento de problemas comportamentais e apontando para a
necessidade de mais estudos sobre como tais diferenas so manifestadas em funo do
gnero (GOODMAN et al., 2011; ELGAR et al., 2004b).
A maioria dos estudos aponta que os meninos evidenciam mais problemas de
comportamento externalizantes do que as meninas, que apresentam mais dificuldades
internalizantes, considerando-se a exposio depresso materna (ESSEX et al., 2003;
NAJMAN et al., 2001).
Foster et al. (2008) identificaram forte relao entre a durao do episdio depressivo
atual da me e problemas de comportamento internalizantes para as meninas e externalizantes
para os meninos em idade escolar. Jenkins e Curwen (2008) tambm identificaram associao
entre altos nveis de sintomas depressivos maternos e o aumento dos problemas
internalizantes para as meninas entre 10 e 14 anos de idade, mas com diminuio destes
mesmos prejuzos para os meninos, com o passar do tempo.
Em direo semelhante, o estudo de Silk et al. (2006b), com o objetivo de verificar o
papel moderador da regulao emocional para problemas de internalizao em crianas filhas
de me depressivas, apontou que as meninas entre quatro e sete anos de idade apresentaram
-
Introduo | 29
mais problemas de internalizao e mais emoes negativas do que os meninos. No mesmo
sentido, Garai et al. (2009) examinaram o papel moderador da sensibilidade das mes na
relao entre sintomas depressivos maternos e problemas internalizantes e externalizantes de
crianas entre nove e 15 anos. Os autores apontaram que a sensibilidade materna foi
considerada fator de proteo para a relao entre depresso materna e sintomas
externalizantes de crianas de ambos os gneros. Contudo, a sensibilidade materna no foi
moderadora da relao entre sintomas depressivos maternos e problemas internalizantes para
o gnero feminino, sugerindo que as meninas expostas depresso materna esto em situao
de maior risco para apresentarem problemas de comportamento internalizantes em
comparao aos meninos.
Outra dimenso estudada alm dos problemas de comportamento est relacionada
presena de psicopatologias para as crianas. O estudo de Drabick et al. (2006), desenvolvido
com o objetivo de verificar fatores de risco, incluindo a depresso materna, para problemas de
conduta e sintomas depressivos em uma coorte de crianas ucranianas entre 10 e 12 anos de
idade, apontou que tanto para meninos quanto para meninas, os problemas de conduta e os
sintomas depressivos foram correlacionados positivamente com a depresso materna. Os
autores identificaram diferenas relativas ao gnero, j que os meninos apresentaram mais
problemas de conduta, labilidade emocional, problemas de ateno e exposio punio
materna do que as meninas, que apresentaram mais indicadores de sintomas depressivos e
melhor comunicao com as mes.
Tais achados relativos s evidncias de que o gnero masculino apresenta mais
problemas externalizantes e o feminino mais internalizantes, quando expostos depresso
materna, no so confirmados por outros estudos. O trabalho de Bureau, Easterbrooks e
Lyons-Ruth (2009), com objetivo de examinar a relao entre sintomas depressivos maternos
e sintomas depressivos das crianas, no constatou diferenas entre os gneros aos oito anos
de idade das crianas, mas na adolescncia, aos 19 anos, identificou mais sintomas
depressivos para os rapazes do que para as moas, segundo os relatos das prprias crianas e
jovens.
Observou-se resultado divergente tambm no estudo de Blatt-Eisengart et al. (2009),
que detectou predomnio de problemas externalizantes para as meninas na idade escolar. Os
autores investigaram as diferenas de gnero na relao entre sintomas depressivos maternos
e problemas de comportamento externalizantes de crianas, utilizando uma amostra
proveniente da comunidade. Os resultados apontaram que, aos dois anos de idade, a depresso
materna foi preditora de sintomas externalizantes para os meninos de maneira mais forte do
-
Introduo | 30
que para as meninas. Esta relao diminuiu para os meninos com o passar do tempo e tornou-
se mais forte para as meninas, sugerindo que os meninos mais novos, aos dois anos, e as
meninas mais velhas, aos sete anos, podem ser mais afetados pela depresso materna,
apresentando problemas de comportamento externalizantes. Os autores concluram que
meninos e meninas podem ser vulnerveis depresso materna em idades diferentes e de
formas diversas.
Com base em uma recente reviso da literatura, que analisou 21 artigos empricos
identificados nas principais bases de dados indexadas no perodo de 2004 a 2009, Loosli e
Loureiro (2010) relataram a presena de diferenas entre os gneros em crianas expostas
depresso materna, sendo observado o predomnio de problemas de comportamento
externalizantes para os meninos no perodo pr-escolar; dificuldades externalizantes para os
meninos, e internalizantes para as meninas na fase escolar; e na adolescncia, predomnio de
problemas internalizantes para as meninas. Tais achados foram constatados na anlise de
estudos com delineamentos transversais e longitudinais que incluram crianas em idade
escolar expostas depresso materna.
Por outro lado, em uma recente metanlise realizada por Goodman et al. (2011) os
autores relataram que no foram identificadas diferenas entre os gneros quanto aos
problemas externalizantes de comportamento das crianas. Os autores analisaram 193 artigos
empricos que incluam a associao entre depresso materna e problemas de comportamento
e psicopatologia para participantes com idades entre nove dias a 20 anos. Em relao s
dificuldades internalizantes, os autores relataram uma associao mais forte e significativa
entre depresso materna e problemas internalizantes de comportamento para as meninas do
que para os meninos, sendo que tais diferenas no foram especficas para as amostras de
adolescentes.
Tais diferenas de achados observadas entre os levantamentos bibliogrficos
anteriormente citados podem ser explicadas em funo dos diferentes universos de artigos
includos e analisados em cada um deles e tambm de diferenas entre as metodologias de
reviso e metanlise. Alm disso, os referidos autores de ambas as revises ressaltaram que ao
se investigar as diferenas de gnero de crianas que convivem com a depresso materna,
deve-se tambm considerar as fontes de relato sobre as variveis das crianas, o que nem
sempre diferenciado nos dados.
Neste sentido, Gartstein et al. (2009) compararam os relatos de mes e de professores
sobre o comportamento de crianas, tendo como fonte uma amostra da comunidade. Os
autores identificaram que o relato de mes e professores foi concordante ao identificar mais
-
Introduo | 31
sintomas externalizantes nos meninos do que nas meninas. Porm, detectaram distoro no
relato materno, sendo que quanto maior era o nmero de sintomas depressivos apresentados
pelas mes, mais problemas internalizantes e externalizantes eram relatados para os meninos,
e internalizantes para as meninas.
Em outro estudo de Luoma, Koivisto e Tamminen (2004), realizado com uma amostra
da comunidade, a comparao teve por foco o relato independente de ambos os pais. Os
autores verificaram que a depresso materna foi associada a mais problemas comportamentais
para as crianas, segundo mes e pais, sugerindo que as percepes das mes depressivas
sobre os problemas de seus filhos foram confirmadas pelos pais. Porm, em relao ao gnero
observaram diferenas, pois as mes relataram mais problemas externalizantes para os
meninos e internalizantes para as meninas, em comparao ao relato dos pais.
Considerando apenas os problemas internalizantes, o estudo de Kiss et al. (2007)
comparou o relato de mes e filhos em uma amostra de crianas com diagnstico confirmado
de Transtorno Depressivo Maior, apontando diferenas de gnero segundo o relato das
prprias crianas, sendo que as meninas relataram mais sintomas depressivos do que os
meninos. No que se refere ao relato das mes, estas informaram mais sintomas depressivos
em comparao ao relato dos meninos, no se observando diferenas entre os relatos das mes
e das filhas. Os autores concluram que mes e filhas tm maior probabilidade de concordar a
respeito da presena de sintomas depressivos das crianas do que mes e filhos.
Em relao aos problemas externalizantes, Fossum et al. (2007) compararam o relato
de mes, pais e professores em uma amostra de crianas com diagnstico confirmado de
Transtorno de Conduta ou Transtorno Oposicional Desafiante. Os autores no detectaram
diferenas de gnero de acordo com o relato dos pais e mes, porm identificaram tais
diferenas segundo o relato dos professores, que perceberam os meninos como
significativamente mais agressivos e menos competentes socialmente do que as meninas.
Confirmando tais achados com uma amostra normativa da populao dos Estados
Unidos, Miner e Clarke-Stewart (2008) investigaram as diferenas na trajetria de
comportamentos externalizantes das crianas desde os seis meses at os nove anos de idade,
em funo de variveis preditoras, incluindo a depresso materna. Os autores apontaram
diferenas de gnero segundo o relato dos professores, que identificaram que os meninos
exibiram mais problemas externalizantes do que as meninas, aos nove anos. Nenhuma
diferena de gnero foi observada com relao ao relato das mes, porm estas referiram mais
comportamentos externalizantes para as crianas do que os professores.
-
Introduo | 32
Considera-se importante ressaltar que nos trabalhos onde se utilizam mltiplas fontes
de relato, as discordncias observadas em relao s informaes de pais, mes e professores
so sugestivas de que as crianas podem apresentar um repertrio comportamental varivel de
acordo com quem interagem e com o ambiente em que se encontram, o que pode favorecer
variaes no relato, dependendo das fontes de informaes consideradas.
Em relao a recursos de socializao, Essex et al. (2006), ao avaliarem problemas
comportamentais internalizantes e externalizantes em crianas pr-escolares e escolares
expostas a diversos fatores de risco, incluindo a depresso materna, identificaram apenas
diferenas entre os gneros relativas a recursos, sendo que as meninas apresentaram mais
comportamentos pr-sociais do que os meninos durante a transio para a fase escolar,
sugerindo que a direcionalidade dos sintomas pode estar associada s regras sociais dos
gneros.
Em divergncia a tais achados, Hay e Pawlby (2003), no identificaram diferenas
entre os gneros ao investigarem a associao entre comportamento pr-social das crianas,
presena de problemas psicolgicos infantis e depresso materna.
Outros estudos tambm no identificaram diferenas de gnero entre escolares
expostos depresso materna. Lau et al. (2007) no verificaram diferenas relativas a
sintomas depressivos relatados por irmos gmeos de ambos os gneros, avaliados aos sete e
oito anos e expostos a diversos fatores de risco, incluindo a depresso materna. No mesmo
sentido, Cortes et al. (2006), assim como Bureau, Easterbrooks e Lyons-Ruth (2009), no
verificaram diferenas relativas a sintomas depressivos relatados por meninos e meninas em
idade escolar, filhos de mes com depresso. Porm, Cortes et al. (2006) identificaram que as
diferenas de gnero relativas aos sintomas depressivos comeam a aparecer no incio da
adolescncia, fase na qual as meninas mostram-se mais vulnerveis ao impacto da depresso
materna. Tal achado no foi confirmado por Bureau, Easterbrooks e Lyons-Ruth (2009) que
identificaram mais sintomas depressivos em rapazes aos 19 anos, segundo os relatos dos
prprios jovens.
Em relao literatura nacional, apenas um estudo desenvolvido por Bordin et al.
(2009) abordou a questo das diferenas de gnero na sade mental de crianas expostas a
diversos fatores de risco, incluindo sintomas depressivos maternos. O objetivo principal do
estudo foi examinar a relao entre exposio punio fsica severa e problemas de sade
mental em crianas de seis a 17 anos que viviam em uma rea urbana empobrecida e violenta
na cidade de Embu no estado de So Paulo. Apesar de no abordar diretamente a associao
entre depresso materna e diferenas de gnero das crianas, os autores apontaram que os
-
Introduo | 33
sintomas depressivos e ansiosos das mes foram correlacionados com problemas
internalizantes e externalizantes para as crianas, e que as meninas apresentaram maior risco
para problemas internalizantes do que os meninos, sendo que adolescentes de 11 a 17 anos
apresentaram duas vezes mais chance de apresentarem problemas internalizantes do que
crianas de seis a 10 anos. Em tal estudo foi utilizada uma amostra da comunidade e no
houve confirmao diagnstica para a depresso materna, sendo apenas identificados
sintomas depressivos por meio de instrumento de rastreamento.
Ao se analisar a literatura, considerando-se as diferenas entre os gneros, observa-se
peculiaridades e uma diversidade de achados em relao ao comportamento, psicopatologia
e ao perfil de socializao de crianas que convivem com a depresso materna. Alm disso,
foi observada escassez de estudos em nosso meio com foco na depresso materna associada s
diferenas de gnero de crianas em idade escolar. Neste contexto, justifica-se a relevncia do
presente trabalho, que pretende contribuir para a compreenso do perfil comportamental e de
socializao das crianas em idade escolar de ambos os gneros, o que poder subsidiar a
promoo de aes preventivas e de interveno em sade mental para meninos e meninas
que convivem com a depresso materna.
-
II) OBJETIVOS
-
Objetivos | 35
O presente estudo teve como objetivos:
1) Caracterizar o perfil de socializao de crianas em idade escolar que convivem
com a depresso materna recorrente, identificando os recursos e as dificuldades
relativos ao desempenho escolar e ao comportamento.
2) Comparar grupos, separados pelo gnero, de crianas em idade escolar que
convivem com a depresso materna recorrente, considerando-se o desempenho
escolar e o comportamento.
3) Correlacionar os dois domnios das tarefas de desenvolvimento tpicas da idade
escolar: o desempenho escolar e o comportamento das crianas expostas
depresso materna recorrente.
-
III) MTODO
-
Mtodo | 37
Trata-se de um estudo descritivo-comparativo com delineamento transversal, tendo
por suporte a hiptese que meninos e meninas que convivem com a depresso materna
recorrente apresentaro dificuldades de comportamento com perfis diferentes. Com base na
literatura, tem-se por hipteses: a) que para os meninos sero identificados mais problemas
comportamentais externalizantes, e para as meninas mais problemas internalizantes; b) dada a
reconhecida associao entre comportamento infantil e desempenho escolar, supe-se que os
meninos e as meninas que apresentarem dificuldades comportamentais, apresentaro prejuzo
no desempenho escolar.
3.1 - Aspectos ticos
O presente estudo faz parte de um projeto maior intitulado Depresso Materna: Risco
Psicossocial e Recursos de Proteo para Crianas em Idade Escolar, coordenado pela Profa.
Dra. Sonia Regina Loureiro. Tal projeto foi apreciado e aprovado pelo Comit de tica em
Pesquisa da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Ribeiro Preto da Universidade de
So Paulo (FFCLRP-USP), de acordo com o Processo CEP-FFCLRP n 267/2006.1.1179.59.1
(Anexo A), tendo como estudo principal o Mestrado da psicloga Fernanda Aguiar Pizeta,
defendido junto ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da FFCLRP-USP.
O projeto maior foi tambm apresentado Secretaria de Sade da Prefeitura Municipal
de Ribeiro Preto, que aprovou sua realizao no Ambulatrio Regional de Sade Mental
(Anexo B), e Direo Acadmica de Ensino e Pesquisa do Centro de Sade Escola (CSE) da
Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (FMRP-USP), que tambm autorizou a coleta de
dados no Ncleo de Sade Mental do CSE (Liberao de Pesquisa n 002/2007) (Anexo C).
Na ocasio da aprovao do projeto, as equipes multiprofissionais dos referidos
servios foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e tambm sobre o incio da coleta
de dados. Uma cpia do projeto de pesquisa foi disponibilizada aos profissionais sendo
oferecida a oportunidade para esclarecimento de dvidas sobre o objetivo e a coleta de dados.
Aps tais trmites, as mes foram identificadas, contatadas e informadas a respeito dos
objetivos do estudo, bem como da ausncia de prejuzo ou danos decorrentes de sua
participao e de seu filho(a), alm da possibilidade de desistncia a qualquer momento, sem
implicaes para seu atendimento clnico, esclarecendo-se que a participao era voluntria.
Ressaltou-se tambm o compromisso do sigilo em relao s informaes que pudessem
identific-las. O consentimento foi solicitado mediante assinatura do Termo de
-
Mtodo | 38
Consentimento Livre e Esclarecido pelas mes, confirmando sua participao e a da criana.
Foram elaborados dois Termos de Consentimento, um para os usurios do Ambulatrio de
Sade Mental (Anexo D) e outro para os usurios do Ncleo de Sade Mental do CSE (Anexo
E).
Aps a concordncia das mes, as crianas foram convidadas a participarem do estudo
tambm de forma voluntria, sendo informadas a respeito da ausncia de prejuzos
decorrentes de sua participao ou desistncia. Ao trmino das avaliaes, foi oferecida
entrevista devolutiva s mes, conforme o interesse das mesmas, sendo disponibilizadas as
principais informaes quanto aos recursos cognitivos e de socializao da criana, e quanto
s dificuldades relativas ao desempenho escolar e comportamento da mesma quando
presentes, procedendo-se ao encaminhamento e orientao, desde que as mes tivessem
demonstrado interesse na devolutiva dos dados.
3.2 Participantes
Os participantes foram 40 dades mes-crianas. As crianas contavam com idades
entre sete e 12 anos e residiam com suas mes biolgicas, as quais apresentaram histria
clnica psiquitrica de depresso recorrente, com diagnstico sistematicamente confirmado.
As crianas foram distribudas pelo gnero em dois grupos, a saber: G1 - 20 meninos e G2 -
20 meninas.
3.2.1 - Processo de seleo dos participantes
A seleo dos participantes foi realizada conjuntamente pela pesquisadora responsvel
pelo estudo maior, por uma psicloga e por mais duas estudantes de Psicologia,
respectivamente bolsistas de Apoio Tcnico e de Iniciao Cientfica (CNPq), tanto no
Ambulatrio Regional de Sade Mental, quanto no Ncleo de Sade Mental do CSE. A
mestranda, responsvel pelo presente estudo, participou da seleo dos participantes junto ao
Ncleo de Sade Mental do CSE.
Seleo das mulheres/mes com depresso
Participaram do estudo mulheres com filhos em idade escolar, na faixa dos sete aos 12
anos de idade. As mulheres/mes estavam na faixa etria de 25 a 45 anos e apresentavam
-
Mtodo | 39
diagnstico de depresso recorrente, tendo por referncia os critrios da Classificao
Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade CID 10 (OMS,
2008), com pelo menos um episdio depressivo moderado (F33.1) ou grave (F33.2/F33.3) nos
ltimos dois anos, e sem episdios nos ltimos seis meses. Tais mulheres foram ou estavam
sendo acompanhadas no Ncleo de Sade Mental do Centro de Sade Escola (CSE) da
Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP, ou no Ambulatrio Regional de Sade
Mental da Secretaria Municipal de Ribeiro Preto.
Foram excludas do estudo mulheres que apresentaram diagnstico de transtorno
afetivo bipolar (F31), depresso com episdio nico (F32), transtorno depressivo recorrente
com episdios leves (F33.0), transtorno depressivo recorrente com episdios moderados
(F33.1) ou graves (F33.2/F33.3) nos ltimos seis meses e mulheres com comorbidade de
outros transtornos, tais como: esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtornos da
personalidade e transtornos comportamentais decorrentes do uso de substncias psicoativas,
de forma a evitar interferncia de outras condies psicopatolgicas alm das associadas
depresso. As mulheres com depresso e transtornos de ansiedade no foram excludas devido
a elevada freqncia destas comorbidades.
A identificao das mulheres/mes foi realizada por meio das informaes do Sistema
Hygia (sistema informatizado e em rede, utilizado pelos servios de sade na poca da coleta)
e dos pronturios dos usurios dos servios.
No Ambulatrio Regional de Sade Mental, por meio do sistema Hygia, foram
selecionados, em uma primeira etapa, todos os pronturios referentes a pacientes mulheres
que estiveram ou estavam em tratamento junto a este servio, entre maro de 2004 e maro de
2006, cujos diagnsticos eram de depresso recorrente, depresso moderada e/ou depresso
grave. Numa segunda etapa, dentre as mulheres com os referidos diagnsticos, foram
selecionadas as que estavam na faixa etria de 25 a 45 anos. Em uma terceira etapa, foram
identificadas com base nos pronturios, aquelas com filhos na faixa etria de sete a 12 anos.
Na quarta etapa, dentre estas mulheres, foram selecionadas aquelas que tinham diagnstico de
Transtorno depressivo recorrente, com episdios moderados ou graves nos ltimos dois anos
de atendimento psiquitrico, mas sem tais episdios nos ltimos seis meses, com o objetivo de
evitar que a sintomatologia interferisse nas informaes fornecidas.
No Ncleo de Sade Mental do CSE foram consultados todos os pronturios de
pacientes ativos no perodo de 2001 a 2008, procedendo-se a seleo conforme a segunda e
quarta etapas descritas anteriormente. Foi necessrio ainda, neste servio, entrar em contato
-
Mtodo | 40
com algumas mulheres selecionadas para confirmar se tinham filhos e a idade dos mesmos,
pois tais informaes no constavam em todos os pronturios pesquisados.
O levantamento dos pronturios realizado nos dois servios referidos permitiu o
acesso a informaes sobre a clientela atendida, totalizando 2.626 pronturios pesquisados.
Tais servios so responsveis atualmente pelos distritos Leste, Sul, Norte e Oeste,
abrangendo juntos quatro dos cinco distritos de sade mental existentes no municpio de
Ribeiro Preto. Identificou-se 1921 usurios do gnero feminino (73%) e 705 do masculino.
Dos 1921 pronturios de mulheres criteriosamente pesquisados, 699 (36%) possuam o
diagnstico de depresso recorrente (F33), depresso maior moderada (F32.1) ou depresso
maior grave (F32.2).
Verificando-se o perfil da clientela atendida com relao idade e presena de filhos
constatou-se que 323 mulheres (46%) tinham idade entre 25 e 45 anos e 122 destas (37%)
eram mes com filhos em idade escolar.
Para a seleo das participantes foi elaborada uma lista numerada aleatoriamente com
os nomes das 122 mulheres com idade entre 25 e 45 anos, que apresentaram histria de
depresso e que tinham filhos na faixa etria de sete a 12 anos. A partir desta lista de possveis
participantes, realizou-se a leitura minuciosa dos pro