Discipulado Como Metodo de Evangelizacao Julio Cesar

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    O Discipulado como mtodo de Evangelizaoum paralelo entre a Igreja das origens e a Igreja atual

    Julio Csar Fontoura

    O fato de fazermos profisso de f nele ainda no significa que sejamos

    seus discpulos. (Ernst Ksemann).

    O primeiro sculo da histria da Igreja no foi um perodo muito diferente da era em

    que vivemos. A mensagem da Igreja Primitiva no se processou unicamente de forma

    verbal. Apesar de ser uma instituio imperfeita, com compreenso limitada das

    implicaes da Palavra de Deus para a misso que tinha sido encomendada, a Igreja

    comunicou ao mundo de sua poca um estilo de vida radicalmente diferente. Vivendo e

    crescendo como um corpo ntegro, a Igreja se submeteu s ordens do seu Senhor.

    Fazendo uso de mtodos flexveis e adequados s oportunidades que surgiam, embora

    sem depender deles, este pequeno nmero de homens e mulheres, conseguiu no curto

    prazo de uma gerao levar o evangelho a todo o mundo conhecido.i

    A Igreja de hoje diferente da apresentada nos primeiros sculos. Cada membro,

    cada rgo, atua segundo seus prprios critrios, sem relao com o resto do corpo.

    Tristemente despedaada, a Igreja se comporta timidamente frente aos urgentes

    problemas do mundo. Perdeu muito da sua autoridade e vive das glrias do passado,

    procurando impor sua influncia atravs dos jogos polticos.ii Desiludida face ao seu

    pequeno crescimento e impotente perante os complexos problemas que enfrenta em um

    mundo em desintegrao outras vezes triunfalista, orgulhosa de seu ativismo e do seu

    crescimento numrico ambguo a comunidade que Jesus Cristo estabeleceu para

    continuar sua misso na terra tem procurado vrias solues. Separada do mundo em

    que vive, dedica a maior parte de suas energias e recursos na defesa de seus prprios

    interesses e instituies. Desorientada, a Igreja, ora recorre a quantos novos mtodos

    acha, ora se deixa seduzir por "evangelhos" estranhos, ora se lana procura de

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    solues extremas. Muitas vezes a Igreja vive num gueto, ignorante das angstias domundo e no percebe que a falta de pertinncia de sua mensagem tem fechado os

    coraes de muitos verdade do evangelho.iii

    Guilherme Cook observa que quando, no meio de nosso ativismo, paramos para

    pensar, perguntamo-nos o porqu da discrepncia to evidente entre a igreja dinmica do

    livro de Atos com seu crescimento e a triste realidade na qual muitos de ns vivemos.

    Notamos tambm a apatia dos membros de nossas igrejas, quando seus lderes

    impelidos por programas denominacionais em cujo planejamento provavelmente no

    participam, os instam a evangelizar. E quando os pastores so motivados a participar de

    um novo programa ou de um mtodo recm-elaborado, com promessas de xito

    garantido, se perguntam por que devem tent-lo, quando nenhum mtodo ou programa

    at agora obteve uma transformao permanente na vida de nossas igrejas.iv

    A evangelizao muito freqentemente aparece como atividade espordica tanto

    desligada da vida normal de muitas igrejas como mais uma das mais muitas coisas boas

    que a igreja deve fazer. Centraliza-se em especialistas, pastores, evangelistas e

    missionrios. Gasta-se muito tempo e dinheiro em esforos evangelsticos, inclusive

    usando poderosos satlites. Com freqncia os resultados so escassos se os medirmos

    no apenas em termos de novos membros nas igrejas, mas tambm pelo seu efeito na

    sociedade. Ainda que muitas igrejas cresam numericamente, freqentemente falta nelas

    o mesmo grau de crescimento na compreenso de suas implicaes finais da Palavra de

    Deus para seu estilo de vida, estrutura, proclamao, enfim, para a misso integral de

    Deus no mundo.v

    Os problemas que mencionamos acima sero resolvidos apenas com o

    reestabelecimento do discipulado aquele institudo por Jesus e praticado pelos primeiros

    cristos. No h outro meio pelo qual atingiremos a maturidade espiritual e religiosa a

    qual Jesus tanto almejou que seus contemporneos judeus chegassem. Na verdade, no

    deveramos estar almejando atingir a maturidade religiosa e espiritual dos primeiros

    cristos, deveramos sim, buscar super-los, pois estamos olhando a cruz de uma

    distncia maior do que eles, portanto, possumos uma viso bem mais ntida de todo o

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    processo ocorrido no sculo I do que os primeiros cristos. Eles estavam muito prximosao evento para que pudesse realmente visualizar a cruz sem que perdessem o foco.

    O discipulado a nica forma de relacionamento que existe entre o cristo e Cristo.

    A retrica religiosa do cristianismo moderno, na maioria das vezes, nos leva a usar

    a palavra "discpulo" de forma um tanto vaga. No esforo de se mostrar pertinente, a

    oratria de plpito e os devaneios teolgicos tendem a empregar o termo "discpulo" em

    tantos significados ou em sentidos to amplos quanto possvel. Lucas, em Atos dos

    Apstolos, estende o uso do termo "discpulo" a todos os cristos de seu tempo. Os

    evangelhos, no entanto, restringem-se a usar o termo somente queles que realmente

    seguiramvi Jesus durante o seu ministrio pblico.

    Uma pergunta fica latente: O que ser um discpulo? Houaiss define discpulo

    como "aprendiz, aluno; aluno disposto a continuar o trabalho do seu mestre; seguidor de

    um ideal".vii Ser um discpulo no uma questo to simples como a princpio possa

    parecer. Ns cristos no podemos dizer apenas que "discipulo" significa "estudante" ou

    "aluno" e encerrar o assunto. O discipulado uma instituio de suma importncia para o

    ministrio pblico de Jesus. Sem o discipulado talvez hoje no teramos o cristianismo

    como uma religio de propores universais, pois, foi essa forma de relao entre os

    cristos e o seu Senhor de total exigncia que fez com que a mensagem de Jesus

    alcanasse as pessoas e os lugares mais distantes do mundo antigo. Ser que sem essa

    forma de relao to intensa e exigente, o cristianismo, em menos de trs sculos, teria

    se tornado a religio oficial do imprio romano? Ser que por exigir tanto de seus

    membros (dedicao exclusiva) que o cristianismo se expandiu to rapidamente?

    Essas questes so importantes a fim de que faamos um paralelo entre a situao

    da Igreja dos primrdios e a Igreja de hoje. Atravs da comparao entre as situaes

    dessas duas Igrejas poderemos constatar as falhas e as deficincias existentes na igreja

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    a qual frequentamos. Apresentaremos, tambm solues baseadas no modelo utilizadopelos primeiros cristos e por Jesus.

    1. O uso do termo discpulo

    O termo "discpulo" aparece 72 vezes em Mateus, 46 em Marcos, 37 em Lucas e

    78 em Joo. Em contraste, com exceo de Atos, com 28 ocorrncias jamais com

    referncia aos discpulos durante o ministrio de Jesus a palavra "discpulos" est

    ausente do restante do Novo Testamento, no aparecendo nas epstolas de Paulo, nas

    outras epstolas do Novo Testamento, na epstola aos Hebreus e no livro de Apocalipse.

    "Discpulos" no era a forma usual de os cristos da primeira ou segunda geraes

    falarem entre si ou a respeito dos outros. Portanto, o termo "discpulos" nos Evangelhos

    no deve ser explicado como uma retroprojeo anacrnicaviii da forma de falar dos

    membros da igreja primitiva para o tempo do ministrio pblico de Jesus. O critrio da

    descontinuidadeix tambm se verifica nesse caso. Meier comenta que esse julgamento

    corroborado pela total ausncia ou rara ocorrncia da palavra "discpulo" em grande parte

    dos mais antigos escritos cristos fora do Novo Testamento (pais apostlicos).x

    A palavra discpulo tambm no aparece em toda a Septuaginta, bem como nos

    deutero-cannicos e nos pseudepgrafos. John P. Meier observa que "o Antigo

    Testamento em grego no contm a palavra-chave (mathts) usada no sculo I a.D.

    para designar os discpulos de Jesus, da mesma forma que as Escrituras judaicas em

    hebraico e aramaico quase no apresentam a palavra-chave (talmd) usada pelo menos a

    partir do sculo II a.D. como termo tcnico para designar os discpulos dos rabinosxi".

    Somente em Flon (c.a. 25 a.C 50 a.D.) que encontramos um autor judeu,

    escrevendo em grego, e que usa mathts em suas obras. Embora Flon por vezes (14

    ocorrncias em toda a sua obra literria 12 volumes) use a palavra no sentido geral de

    um estudante, ou algum que recebe instruo de um professor, tpico seu emprego de

    mathts dentro do contexto de sua concepo mstica sobre a pessoa "perfeita" que

    recebe ensinamentos diretamente de Deusxii.

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    Flvio Josefo (c.a. 37 100 a.D) a exemplo de Flon, tambm utiliza pouco o termomathts (15 ocorrncias em toda a sua obra literria 10 volumes). Em Josefo a palavra

    tem o sentido geral de algum que aprende com o exemplo do outro (Ant. 1.11.3 200).

    Mais importante, Josefo usa mathts para descrever vrias figuras do Antigo

    Testamento, colocadas em uma relao mestre-discpulo. Meier comenta que " revelador

    que o mais prximo paralelo judaico do sculo I que conseguimos encontrar para o uso de

    mathts nos Evangelhos com relao aos discpulos de Jesus venha dos escritos de

    Josefo, um judeu culto da Palestina que acabou imerso na cultura grego-romana, embora

    asseverasse (pelo menos j no fim da vida) ter sido um fariseu.xiii

    Wilkinsxiv sustenta que no grego clssico possvel distinguir os seguintes

    significados de mathts: (1) Uso geral inicial: "aprendiz", "estudante diligente da matria

    sob considerao"; (2) Uso tcnico, com um sentido de dependncia direta de uma

    autoridade superior: (3) Uso tcnico no especfico: "adepto", algum que adota o modo

    de vida de um meio cultural e (4) Sentido tcnico-especializado: "aluno institucional".

    Apesar de esses significados se terem mantido no mundo helnico, ocorreu uma

    tendncia de se usar mathts sobretudo no sentido de adepto de um filsofo, de um

    grande pensador do passado, ou de uma figura religiosa. Pode-se perceber que, para os

    primeiros cristos de fala grega, mathts se adaptaria naturalmente aos devotados

    adeptos do grande mestre, Jesus.

    O termo talmdque, brevemente seria o termo tcnico para um estudante da Tor

    entre os rabinos, tambm no ocorre nos escritos no-bblicos descobertos em Qumran.

    Isso estranho em vista da grande quantidade de escribas em atividade em Qumran e do

    intenso estudo das Escrituras. Mais estranho ainda que, a ausncia no hebraico e

    aramaico acompanhada da ausncia no grego, ou seja, nos registros pseudepgrafos

    que, como sabemos, so manuscritos datados entre o sculo II a.C. e o sculo I a.D.

    Podemos concluir tambm que ao que parece o uso macio de mathts para os

    discpulos de Jesus nos quatro Evangelhos no seria nem uma projeo de um emprego

    encontrado no Antigo Testamento (massortico ou Septuaginta), na literatura

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    intertestamental ou de Qumran, nem uma retroprojeo da designao usada comumentepara crentes cristos no sculo I a.D.

    Paralelos de Relacionamentos Mestre-Discpulo

    Depois de estudar as grandes escolas do perodo grego-romano, R. Alan

    Culpeppperxv tenta isolar nove caractersticas das vrias escolas que analisou:

    1. nfase na amizade ou no companheirismo entre os discpulos.

    2. Origens em um fundador reverenciado como sbio exemplar.

    3. Ensinamentos e tradies do fundador prezados pelos discpulos.

    4. Participao na escola, participao baseada na condio de discpulo do

    fundador.

    5. Atividades comuns, tais como ensino, aprendizado, estuo e escrita.

    6. Refeies comunais.

    7. Regras prticas relativas admisso, permenncia e progresso na escola.

    8. Algum grau de distncia da sociedade.

    9. Meios organizacionais de assegurar a existncia continuada da escola.

    Em seguida compar-las com a "escola" de Jesus e conclui que "a exigncia

    absoluta deste, como condio para o discipulado, a nica nas antigas tradies

    escolsticas; em nenhuma outra tradio a exigncia de compromisso levada a um nvel

    comparvel".xvi Porm, Culpepper observa certo paradoxo na "escola" de Jesus,

    construda sobre as exigncias to cruis. Muitas vezes, um grupo vivendo um etos

    radical em torno de um lder carismtico pode ter limtes rgidos, apartando-o dos que

    levam uma vida menos radical. No mundo antigo, tais limites eram em geral mais claras

    nas refeies comunitrias conduzidas por algum grupo religioso ou filosfico especial.

    Essas refeies representavam a camaradagem ntima e a vida compartilhada; por isso,

    eram com frequncia vedadas a forasteiros. Era esse o caso, ao que parece, dos fariseus

    por volta do tempo de Jesus. Tanto nas refeies como na vida diria, Qumran levava ao

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    extremo a separao exigida pela regras judaicas de pureza, criando uma comunidadeem forma de seita na margem noroeste do mar Morto.

    Tanto mais surpreendente, portanto, uma prtica caracterstica de Jesus e seus

    discpulos (junto com os que o apoiavam sem deixar suas casas), a saber, a

    confraternizao mesa aberta a forasteiros, mesmo aos desprezveis publicanos e

    pecadores. Comenta Meier que justamente nesse ponto que Culpepper v mais uma

    extraordinria diferena em relao s outras escolas da antigidade, vrias das quais

    tambm realizavam refeies comunais, mas apenas dentro do grupo. Destarte,

    contemplamos mais uma caracterstica bsica de um verdadeiro discpulo de Jesus: ele

    no exclui os que so marginalizados pela sociedade, pelo contrrio, os trazem para a

    comunho mesa.

    Ao longo de todo o perodo greco-romano, vrias figuras filosficas e religiosas

    reuniram ao seu redor pessoas que poderiam ser classificadas como seguidores,

    partidrios, estudantes ou discpulos. Tais pblicos receptivos sorviam e cultivavam os

    ensinamentos de seu lder, iniciando assim a formao de vrias tradies intelectuais ou

    religiosas, que eram ento passadas de gerao em gerao. Algumas dessas "escolas"

    podem ser citadas: pitagricos, platnicos, aristotlicos, epicuristas, esticos, "escola de

    Qumran", "casa de Hilel", "escola de Flon".

    No apenas as condies socioeconmicas, polticas e intelectuais de uma

    sociedade em particular, mas tambm o talento e impacto pessoal do grande mestre

    fundador moldavam a "escola" em contornos especficos. Como figura religiosa no

    perodo grego-romano, no surpresa que Jesus tivesse algumas semelhanas com

    outros mestres filosficos ou religiosos de seu tempo, notadamente no tocante a seu

    desejo de cercar-se de seguidores ou estudantes. Todavia, tambm no podemos ignorar

    as caractersticas distintivas dos discpulos reunidos em torno do Jesus histricoxvii.

    A forma de relao mestre-discpulo mais prxima da instituda por Jesus

    encontrada no Antigo Testamento. No por no aparecer o termo talmd que no

    possumos a relao mestre-discpulo figurada no Antigo Testamento. WilKins assinala

    apropriadamente que a realidade social de um relacionamento mestre-discipulado vai

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    muito alm do limitado vocabulrio sobre o discipulado no Antigo Testamento

    xviii

    . Notamosque talmdocorre apenas em 1 Cr 25.8 referindo-se a um msico aprendiz estudando seu

    ofcio. O adjetivo e substantivo verbal limmd ("instrudo", "habituado" e, como

    substantivo, "discpulo") ocorre seis vezes no Antigo Testamento, sempre na literatura

    proftica. Otto Kaiser observa que "meus discpulos" em Is 8.16 se refere aos discpulos

    reunidos em torno do profeta Isaas, discpulos que ouvem e testemunham suas

    profeciasxix. Alm da mera terminologia, a realidade social do relacionamento mestre-

    discpulo em Israel existia sob vrias formas em crculos de profetas, escribas e sbios.

    Devemos ressaltar tambm que havia muita semelhana entre Jesus e os rabinos

    judeus posteriores e seus discpulos. Shaye Cohen observa que "os discpulos dos

    rabinos do sculo II a.D. tinham muitas caractersticas em comum com os discpulos de

    Jesus. Os discpulos dos rabinos, como os de Jesus, estavam sempre com seu mestre".

    Cohen indica tambm a diferena vital entre Jesus e os rabinos, diz ele: "Jesus no era

    apenas um professor (...) era tambm um profeta e fazia curas, e as tradies a seu

    respeito claramente se originam em parte do relato bblico sobre Elias e seu discpulo

    Eliseu. Em contraste, os rabinos do sculo II no afirmavam ser homens santos ou

    taumaturgos (...)"xx.

    Cohen, corretamente, aponta para Elias e Eliseu, pois essa relao a que mais

    se parece com aquela mantida entre Jesus e seus discpulos. Elias, como sabemos, entre

    os profetas do Antigo Testamento apresentado como (1) Um profeta e taumaturgo

    itinerante, atuando no Norte de Israel e (2) que faz um chamado peremptrio a outro

    indivduo (Eliseu) para abandonar casa, famlia e o trabalho comum para segui-lo, servi-lo

    e, por fim, suceder-lhe no ministrio do profeta.

    Josefo, por exemplo, em sua autobiografia (Vida de Josefo, 2 11,12) nos fornece

    algumas informaes sobre as formas de discipulados os quais ele se submeteu durante

    a sua vida. Ele conta que por volta dos 16 anos de idade (c.a. 53-54 a.D.), ele decidiu

    sozinho adquirir algum conhecimento sobre os principais movimentos religiosos existentes

    no judasmo da Palestina de seu tempo: os fariseus, os saduceus e os essnios. Alm de

    experimentar cada um desses movimentos sucessivamente, ele ouviu falar de um asceta

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    solitrio judeu chamado Bannus, que praticava ablues rituais no deserto.Aparentemente por sua prpria iniciativa, Josefo veio a ser seguidor zeloso e viveu com

    ele durante trs anos. Por fim retornou a Jerusalm com a idade de 19 anos e comeou a

    viver como fariseu. Todavia, pode se dizer que, nenhuma dessas formas de "discipulado"

    semelhantes quela vista entre Jesus e seus discpulos.

    Os Discpulos de Joo Batista

    7

    Marcos, Q, a tradio especial de Lucas, Joo e Josefo, afirmam que Joo Batista

    tinha discpulos. Entretanto, existem algumas diferenas entre o discipulado de Jesus e o

    "discipulado"xxi do Batista. Primeiro; Joo no exigiu nenhum tipo de discipulado. Joo, ao

    contrrio de Jesus, no "chamava" os indivduos diretamente para serem seus discpulos,

    nem exigia que vivessem por um perodo prolongado em um crculo ao seu redor.

    Segundo; a ampla maioria dos que eram batizados, retornavam aos seus lares e mesmo

    aqueles que optavam em permanecer ali algum tempo poderiam abandonar o grupo

    quando lhes aprouvesse. Os seguidores de Joo no compartilhavam dos momentos

    mais ntimos de Joo, ou seja, no havia um ensino integral, tanto por atos quanto por

    palavras.

    Pelos dados que foram mostrados acima, conclui-se que, antes da vida de Jesus,

    no encontramos nenhum autor judeu que fale de discpulos ao menos de forma

    semelhante aos que Jesus rene em torno de si.xxii Se o discipulado de Jesus

    totalmente sem paralelos no mundo grego-romano contemporneo a ele e a relao

    anloga mais prxima, aquela mantida entre Elias-Eliseu, no reflete todos os aspectos

    do discipulado de Jesus, ento pergunta-se: "Quais eram os traos distintivos que

    definiam uma pessoa como discpulo de Jesus no sentido estrito?"

    Quem pode ser discpulo de Jesus?

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    Com sua mensagem Jesus dirige-se ao pblico, ao povo em geral. Mas para ele oestar voltado para o povo ainda no era o bastante. Nos Evangelhos vemos um grupo de

    pessoas que lhe eram mais prximas. Esse fato esclarecedor para conhecermos sua

    personalidade, pois mostra que ele queria estar perto das pessoas, que no queria

    percorrer seu caminho como um grande solitrio.

    Na Igreja de hoje, Jesus se encontra mais solitrio do que nunca. Muitos esto na

    multido apenas como meros espectadores atnitos. No estamos sendo mais aquele

    grupo mais ntimo de Jesus, estamos afastados. Para haver aproximao s pelo

    discipulado isso possvel. A pergunta chave : Quantos esto dispostos a ser discpulos

    de Jesus?

    Veremos quais so as exigncias do discipulado afim de que possamos "calcular o

    preo" (Lc 14.28) e decidir qual atitude tomaremos.

    O Chamado ao discipulado

    Somente Jesus pode chamar ao discipulado. Uma das caractersticas mais

    evidentes no discipulado de Jesus o fato de ele prprio chamar seus discpulos

    esse um direito exclusivo e personalssimo de Jesus.xxiii Analisando os casos

    paralelos de relao mestre-discpulo do mundo greco-romano, bem como no

    prprio judasmo, no presenciamos nenhum caso similar ao discipulado de Jesus,

    onde o mestre escolhe seu prprio aluno. Scrates, por exemplo, ia por toda parte

    persuadindo a todos (Apologia, XVI), Josefo que escolhe seus mestres e a quem

    seguir (Vida de Josefo, 2 11,12), e Joo Batista jamais exigiu um discipulado.

    Joachim Gnilka observa que o fato de Jesus mesmo tomar a iniciativa de chamar

    seu discpulo, faz com que sua forma de discipulado se distancie das praticadas

    pelos rabinos. A relao mestre-discpulo entre os rabinos judeus, diz Gnilka, o

    discpulo quem escolhia seu mestre, por via de regra aquele quem esperava

    aprender mais, podendo tambm passar para outro, e como Jesus se deixa

    associar idia proftica do seguimento. No porque Jesus fosse um rabino

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    conhecido que o seguimento se inicia e se torna possvel, mas porque ele chamana plenitude do seu poder carismtico. O carter nico deste seguimento se

    expressa em que no caso de Elias no o profeta quem chama, mas em ltima

    anlise Deus, o que representado pelo ato simblico de lanar o manto sobre

    quem chamado (cf. 1 Rs 19.19-21). Em Jesus falta um smbolo deste tipo. Ele

    chama por sua palavra.xxiv

    John Meier observou que em vrias fontes diferentes dos Evangelhos, Jesus

    sempre toma iniciativa de chamar as pessoas para segui-lo. O chamado de Jesus

    peremptrio (decisivo), dirigido a pessoas que no tomaram a iniciativa de pedir para

    segui-lo. O ser humano que foi chamado, larga tudo quanto tem, no para fazer algo que

    tenha valor especial, mas simplesmente por causa daquele chamado, porque, de outro

    modo, no pode seguir os passos de Jesus. A esse ato no se atribui o menor valor. Uma

    vez chamada para fora, a pessoa tem que abandonar a existncia anterior; tem que

    simplesmente "existir" no sentido rigoroso da palavra. O que velho fica para trs,

    totalmente abandonado. O discpulo arrancado de sua relativa segurana de vida e

    lanado incerteza completa; de uma situao previsvel e calculvel para dentro do

    imprevisvel e fortuito; do domnio das possibilidades finitas para o domnio das

    possibilidades infinitasxxv.

    O melhor exemplo de chamado ao discipulado aquele onde Jesus comissiona

    Mateus para ser seu discpulo. Jesus viu Mateus sentado diante da mesa dos impostos e

    disse-lhe: "Segue-me". Mateus se levantou e o seguiu. Esse chamado muito

    semelhante com os comissionamentos dos profetas do Antigo Testamento (cf. Gen 22.1;

    x 3.4; 1 Sm 3.4; Is 6.8; Jr 1.4,5; Ez 2.1-8; Os 1.2; Am 7.15; Jn 1.1,2). A resposta dos

    chamados no foi outra que essa: "Eis-me aqui" (Gen 22.1; x 3.4; 1 Sm 3.4,6,8).

    Existe uma situao em Q onde um homem declara a Jesus que ir segui-lo,

    entretanto, Jesus lhe mostra que a condio de que, ser um de seus seguidores no

    uma atividade gloriosa. O entusiasmo suscitado pelo ensinamento e pelos milagres no

    deve iludir, pois o seguimento de Jesus exigente. Em suma: a resposta de Jesus chama

    a ateno do entusiasta para o fato de que este no sabe o que faz.

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    Q EvT

    Quando Jesus viu a multido ao seu redor,

    deu ordens para que atravessassem para o

    outro lado do mar. Ento, um mestre da lei

    aproximou-se e disse: "Mestre, eu te

    seguirei por onde quer que fores". Jesus

    respondeu: "As raposas tm suas tocas e

    as aves do cu tm seus ninhos, mas o

    Filho do homem no tem onde repousar a

    cabea" (Mt 8.18-20xxvi).

    Quando andavam pelo caminho, um

    homem lhe disse: "Eu te seguirei por onde

    quer que fores". Jesus respondeu: "As

    raposas tm suas tocas e as aves do cu

    tm seus ninhos, mas o Filho do homem

    no tem onde reclinar a cabea" (Lc

    9.57,58).

    Disse Jesus: "As raposas tem suas tocas, e

    os pssaros tem seus ninhos, mas o Filho

    do Homem no tem onde recostar a cabea

    e descansar" (lgion 86).

    Outro detalhe nessa passagem que o homem oferece-se, ele prprio, para seguir a

    Jesus, ou seja, no foi chamado. Observa Bonhoeffer que ningum pode chamar-se a si

    prprio. O abismo entre a oferta espontnea ao discipulado e o verdadeiro discipulado

    continua abertoxxvii.

    Marcos, Q e L e Joo nos proporcionam uma adequada mltipla confirmao de

    um elemento bsico do discipulado: para tornar-se um discpulo de Jesus, preciso

    partir deste a iniciativa de emitir uma ordem imperativa para segui-lo. Meier observa

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    que o hbito de Jesus tomar a iniciativa e chamar discpulos para segui-lo em sentidoliteral no era exclusivo dele entre os mestres judeus na Palestina do sculo I a.D,

    entretanto, pode-se afirmar que o modo de Jesus conquistar discpulos parace ter sido

    incomum, se no nico, no judasmo da Palestina do seu tempo.

    O CHAMADO SEM OPOSIO

    "Soa o chamado, e imediatamente segue o ato obediente da pessoa que foi

    chamada. A resposta do discpulo no uma confisso oral da f em Jesus,

    mas sim um ato de obedincia"(Dietrich Bonhoeffer).

    O chamado de Jesus no admite oposio nem demora, sejam quais forem as

    circunstncias. O ser humano que foi chamado larga tudo quanto tem, no para fazer algo

    que tenha valor especial, mas simplesmente por causa daquele chamado, porque, de

    outro modo, no pode seguir os passos de Jesus. A esse ato no se atribui o menor

    valorxxviii. Seguir Jesus no possua valor nenhum perante a sociedade israelita, pelo

    contrrio, seus discpulos eram vistos com olhos da desconfiana e sempre eram

    repelidos de qualquer convvio social.

    Mas voltando ao cerne desse item, o chamado ao discipulado no admite demora

    em razo do reino de Deus estar prximo (cf. Mt 10.7).

    A tradio Q nos mostra essa caracterstica do chamado de Jesus em Mt

    8.21,22//Lc 9.59,60.

    Mateus Lucas

    Outro discpulo lhe disse: "Senhor, deixa-

    me ir primeiro sepultar meu pai". Mas Jesus

    lhe disse: "Siga-me, e deixe que os mortos

    sepultem os seus prprios mortos" (Mt

    A outro disse: "Siga-me". Mas o homem

    respondeu: "Senhor deixa-me ir primeiro

    sepultar meu pai". Jesus lhe disse: "Deixe

    que os mortos sepultem seus prprios

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    8.21.22). mortos; voc, porm, v e proclame oReino de Deus" (Lc 9.59,60).

    Notamos que, muito por alto, a objeo lembra a vocao de Eliseu, s que l

    tratava-se unicamente de despedir-se de pessoas vivas (1 Rs 19.20, compare com Lc

    9.61s.). Mesmo assim podemos considerar esse dito

    xxix

    como totalmente descontnuo,no s ao mundo judeu, bem como a todo mundo greco-romano. Essa exigncia, "deixe

    que os mortos sepultem seus mortos" no aparece de novo no Novo Testamento e no

    apresentada como obrigaco imposta aos cristos no restante da literatura crist

    primitiva. Meier comenta que esse dito chocantemente descontnuo com a moralidade

    fundamental to cara tanto a judeus como a cristos (ver Gen 35.29; Tb 14.10-13). Tanto

    Hengel como Sanders, pelo critrio da descontinuidade, defendem a autenticidade do

    lgio. O enterro digno dos mortos por parentes ou amigos prximos [em especial o filho

    do falecido era uma das mais sagradas obrigaes, reconhecida em todo o antigo mundo

    mediterrneo. Louvada pela devoo judaica, era uma das mais importantes expresses

    prticas da obedincia ao quarto mandamento do Declogo ("honra teu pai e tua me").

    Parece no ter havido rejeio a essa obrigao de um enterro decente nas prticas

    crists primitivas mesmo quando o morto no era um parentexxx].

    Uma tradio de Lucas aborda o mesmo ponto (Lc 9.61,62).

    Ainda outro disse: "Vou seguir-te Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e

    despedir-me da minha famlia". Jesus respondeu: "Ningum que pe a mo no

    arado e olha para trs apto para o Reino de Deus".

    Gnilka expe uma idia diferente da que mostramos acima. Ele afirma que o ponto

    crucial desta palavra aparece com plena nitidez quando se atenta que se est falando

    aqui de mortos em dois nveis de compreenso diferentes. Uma vez so os fisicamente

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    mortos, como o pai que o filho deseja sepultar. Da outra so os espiritualmente mortos,que morreram porque no se dispuseram ou no se dispem para receber a mensagem

    salvfica de Jesus. Ao avaliar essas duas espcies de morte, para Jesus a segunda

    mais grave. Por isso o jovem homem deve fazer o que mais necessrio, e isto sem

    demora.xxxi

    2.2. Seguindo Jesus Fisicamente abandonando o lar

    Seguir Jesus no era uma simples metfora para absorver e praticar seus

    ensinamentos. Ele chamava as pessoas para segui-lo literal e fisicamente, enquanto

    realizava vrias jornadas de pregao na Galilia, na Judia e em regies circunvizinhas.

    Meier observa que "no era possvel seguir Jesus simplesmente ficando em casa e

    estudando seus ensinamentos, ou freqentando sua escola e assistindo s suas palavras

    ao estilo Ben Sira. A prpria idia de que tornar-se um aluno significava abandonar laos

    familiares e posses em nome de um ministrio itinerante seria contrria ao etos de Bem

    Sira, que inculcava em seus estudantes os deveres de um filho para com pai e me e

    recomendava a sbia fruio dos bens de cada um (p. ex. Eclo 3.1-16; 7.27-28; 14.11-16;

    31.8-11)xxxii". Bonhoeffer comenta que "ser discpulo significa dar determinados passos. J

    o primeiro passo que segue ao chamado separa o discpulo de sua existncia anterior.

    Assim, o chamado ao discipulado cria imediatamente uma nova situaoxxxiii. Permanecer

    na situao antiga e ser discpulo impossvelxxxiv". Como j vimos, no existe paralelo no

    mundo greco-romano para essa caracterstica do discipulado de Jesus.

    O chamado peremptrio de Jesus para que o seguissem ficava aberto no apenas

    geogrfica, mas tambm temporalmente. No estabelecia nenhum limite tempo

    obrigao de segui-lo. No havia um programa de estudos que, uma vez completado,

    liberasse um discpulo do constante acompanhamento a Jesus. Tornar-se seu discpulo

    no era um compromisso temporrio, aps o qual a pessoa podia esperar ser promovida

    igualdade com Jesus. Isso difere muito do relacionamento normal de um estudante

    rabnico com seu mestre. O objetivo de um discpulo rabnico, ao se tornar aluno de um

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    rabino famoso, era aprender a sua sbia e fiel interpretao da Tor, transmitida no spela instruo oral do mestre (cuidadosamente repetida e memorizada), mas tambm por

    sua conduta diria (observada ao participar da vida da famlia). Em geral, esperava-se

    que essa vida de discpulo fosse uma etapa transitria. Quando o estudante completasse

    seu perodo de instruo da Tor, estaria livre para deixar seu mestre e iniciar sua prria

    carreiraxxxv.

    Segundo o Evangelho de Lucas (9.59-62), Jesus chamava discpulos, no para

    estudar a Tor, mas para experimentar e proclamar o reino de Deus atividades que

    aparentemente os prendiam a ele e sua mensagem por um futuro indeterminado. Voltar

    atrs daquele chamado o que seria equivalente a desistir de seguir Jesus era mostrar-

    se inapto para o reino. Uma vez que um discpulo atendesse ao chamado, aos olhos de

    Jesus no era mais livre para "cair fora"xxxvi.

    2.3. Riscos de Perigos e Hostilidades

    Os custos imediatos de seguir Jesus fisicamente eram bvios: deixar casa, famlia

    a trabalho. Alm disso, Jesus aparentemente advertia seus discpulos que hostilidades e

    perigos poderiam estar reservados a eles no futuro, assim como a ele prprio. Meier

    comenta que felizmente, quando perguntamos se o Jesus histrico na realidade ensinava

    a seus seguidores que o discipulado viria ao alto preo de hostilidade e sofrimentos,

    temos mais do que conjecturas genricas em que nos basear. A abundante mltipla

    confirmao de fontes demonstra que Jesus de fato alertou seus discpulos do terrvel e

    possivelmente fatal custo de segui-loxxxvii.

    SALVAR OU PERDER A VIDA

    Marcos Q Joo

    Pois quem quiser salvar sua Pois quem quiser salvar a Aquele que ama a sua vida

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    vida, a perder, mas quemperder a sua vida por minha

    causa e pelo evangelho, a

    salvar (Mc 8.35).

    sua vida, a perder, masquem perder a sua vida por

    minha causa, este a salvar

    [a encontrar] (Lc 9.24//Mt

    16.25).

    a perder; ao passo queaquele que odeia a sua vida

    neste mundo, a conservar

    para a vida eterna (Jo

    12.25).

    Conforme observa Taylor, "poucas palavras de Jesus so to bem atestadas comoessa". Meier conclui que Jesus nessas passagens est falando de salvar ou perder toda a

    vida ou existncia de algum, e no de "salvar alma"xxxviii. A mensagem basicamente

    essa: um discpulo que se agarra egosta ou covardemente vida presente como a um

    bem definitivo perder o bem definitivo da verdadeira vida no reino de Deus, ao passo que

    aquele que voluntariamente arrisca (ou na realidade sofre) a perda da vida presente

    salvar/conservar/achar a vida verdadeira no reino. O discipulado significa a renncia

    antiga vida, com todos os seus laos, seguranas e expectativas, se o discpulo quiser

    achar ou conservar a nova forma de vida que ser possvel com o advento do reino de

    Deus.

    Antes de decidirmos dar um primeiro passo em direo ao discipulado, devemos

    estar conscientes dos custos. Jesus diz isso atravs de parbolas (cf. Lc 14.28-33). Jesus

    no queria um compromisso irresponsvel que s esperasse receber benos, portanto,

    assim como um construtor estima custos ou um rei avalia foras militares, assim como

    tambm cada pessoa deve considerar o que Jesus espera dos seus seguidores. Caso

    no haja esse reflexo pode ocorrer que o sal perca o sabor, no servindo

    conseqentemente para nada (cf. Lc 14.34).

    NEGANDO-SE A SI MESMO E TOMANDO A CRUZ

    "Ser crucificado sinnimo de sofrer e morrer rejeitado e repudiado por fora

    da necessidade divina"(Bonhoeffer, Discipulado, p. 44).

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    repulsivo de algum ter de dar adeus a toda vida (incluindo bens e meios de sustento), atodo um passado (com todos os vnculos familiares) e a todo um futuro (com todos sos

    seus planos e projetos) poderia ser imaginado por um judeu da Palestina no sculo I, que

    estava bastante familiarizado com esse tipo de execuo. A total perda de controle sobre

    sua prpria vida (na verdade, at sobre as funes corporais em pblico) se tornava tanto

    mais apavorante pela vergonha e zombaria que acompanhavam essa morte lenta e

    dolorosa.xxxix

    Seguir Jesus dizer no a si mesmo como o centro da existncia ("negar-se a si

    mesmo") com uma severidade to radical, que esse comprimisso poderia ser igualado

    mais horripilante e humilhante das mortes ("tomar a sua cruz"). Meier comenta que

    somente quando se aprecia a fora desses dois "meios" para o discipulado, colocados

    entre as duas ocorrncias do verbo "seguir", possvel sentir o choque da segunda

    ocorrncia, que representa o clmax, e ento exprime uma ordem peremptria: "Se

    algum quiser seguir-me [isto , tornar-se meu discpulo], que primeiro diga no sua

    vida inteira e [metaforicamente] arraste sua cruz para a vergonhosa execuo pblica, e

    [assim, passando por essa morte de toda a sua vida anterior] siga-me [como meu

    discpulo]"xl. Gnilka explica que a metfora empregada por Jesus embora o seu

    entendimento inclusse a prontido para o martrio no se limitava a isto, inclua tambm a

    hostilidade, desprezo, restries, sofrimento. Embora fosse uma palavra de alerta, permite

    concluir que j no tempo de Jesus, e mais precisamente ento, seguir a Jesus no

    colocava a pessoa numa estrada triunfal.xli

    Bonhoeffer observa que a cruz j est preparada desde o incio; falta apenas lev-

    laxlii. Muitos acham que tem que sair por ai a procura de uma cruz qualquer, seja onde for,

    ou que deve procurar voluntariamente o sofrimento, Jesus diz que existe uma cruz j

    preparada para cada um de ns, uma cruz a ns destinada e atribuda por Deus. Cada

    qual tem que suportar a medida de sofrimento e rejeio que lhe reservada. Essa

    medida varia de pessoa para pessoa, pois a um Deus honra com maior sofrimento,

    dando-lhe, inclusive, a graa do martrio; a outro porm, no permite que seja tentado

    alm de suas foras. No entanto, a cruz uma s.

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    A cruz imposta a cada crente. O primeiro sofrimento com Cristo, ao qual ningumescapa, o chamado que nos separa para fora das vinculaes com o mundo. a morte

    do velho ser humano no encontro com Jesus Cristo. Quem entra no discipulado entrega-

    se morte de Jesus, expe sua vida morte. Isso assim desde o princpio; a cruz no

    o fim horrvel de uma vida piedosa e feliz, mas se encontra no comeo da comunho com

    Jesus Cristo. Todo chamado de Jesus conduz mortexliii.

    Como, porm, saber o discpulo qual a sua cruz? Ele a receber ao entrar no

    discipulado do Senhor sofredor; na comunho de Jesus, reconhecer sua cruz. O

    sofrimento , pois, a caracterstica dos seguidores de Cristo. O discpulo no est acima

    de seu mestre (Mc 8.31 par.).

    Mas a graa barata no promete isso! Ela diz que o cristo ser prspero, que ser

    curado de suas enfermidades, que Deus no o quer para ser cauda e sim cabea (no o

    que Jesus ensina em Jo 13.14-17).

    Alm de repetir a forma da fala em Marcos (Mt 16.24//Lc 9.23) com ligeiras

    variaes, Mateus e Lucas tambm preservam uma forma de Q para esse lgio, apesar

    de divergirem um pouco nas palavrasxliv. O Q confirma o sentido do dito o qual se resume

    basicamente uma advertncia para seus discpulos (e candidatos) da absoluta

    seriedade de segui-lo e das graves conseqncias que eles poderiam enfrentar.

    Mateus Lucas

    Ento Jesus disse aos seus discpulos: "Se

    algum quiser acompanhar-me negue-se a

    si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (Mt

    16.24).

    Jesus dizia a todos: "Se algum quiser

    acompanhar-me, negue-se a si mesmo,

    tome diariamente a sua cruz e siga-me" (Lc

    9.23)

    ENFRENTANDO HOSTILIDADE DA FAMLIA

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    Nem todo sofrimento e toda oposio de que Jesus falava viriam de estranhos oudas autoridades. Uma parte muito prtica da cruz que Jesus prometia a seus discpulos

    era a discrdia com famlias e parentes, provocada pelo fato de eles literalmente o

    seguirem atravs da Palestina. No mundo mediterrneo, antigo e tambm moderno, o

    governo em grande escala normalmente inimigo, o mal necessrio que deve ser

    mantido a distncia. Aquilo em que se confia, com que se conta e para que se contribui de

    bom grado a famlia ampliada de cada um, a rede de segurana primria na sociedade

    campesina. A antiga sociedade mediterrnea era, em grande parte, uma sociedade de

    "personalidade didica", onde se formava e se mantinha a identidade de um indivduo

    com relao a outros da sua unidade social sendo esta ltima, em geral, a famlia

    ampliada. Dar adeus, por um perodo indefinido, aos vnculos de proteo emocional e

    financeira, rejeitar o nico "grupo de opinio" cuja palavra todos os dias afetava a vida de

    seus membros, tomar o caminho escandaloso de abandonar famlia e trabalho em uma

    sociedade regida pelo binmio honra-vergonha tudo isso tornava difcil a opo para o

    campons judeu comum da Galilia ou da Judia, fosse homem ou (especialmente)

    mulher. A priori, portanto, seria de esperar que Jesus alertasse seus seguidores desse

    preo realista do discipulado. Com efeito, existe mltipla confirmao de novo em

    Marcos e Q de que ele falou a seus discpulos sobre o custo domstico de segui-lo.

    Marcos Q

    Pedro ento lhe disse:

    V: ns deixamos tudo e te seguimos.

    Jesus respondeu:

    Todo aquele que deixar casa ou irmos

    ou irms ou me ou pai ou filhos ou campos

    por causa de mim e por causa da boa

    notcia, h de receber nesta vida cem vezes

    Ento Pedro lhe respondeu:

    V: ns deixamos tudo o que nosso e te

    seguimos.

    Jesus lhes disse:

    Eu vos asseguro que vs, que me tendes

    seguido, no mundo renovado, quando o

    Filho do Homem sentar em seu trono de

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    mais em casas e irmos e irms e mes efilhos e campos, com perseguies, e no

    mundo futuro vida eterna (Bblia do

    Peregrino).xlv

    glria, tambm vs sentareis em dozetronos para reger as doze tribos de Israel. E

    todo aquele que por mim deixar casas,

    irmos ou irms, pai ou me, mulher ou

    filhos, ou campos, receber cem vezes

    mais e herdar vida perptua (Bblia do

    Peregrino). xlvi

    Ento Pedro disse:

    V: ns deixamos tudo o que nosso e te

    seguimos.

    Respondeu-lhe:

    Eu vos asseguro que ningum que tenha

    deixado casa ou mulher ou irmos ou

    parentes ou filhos pelo reino de Deus,

    deixar de receber muito mais nesta vida e

    vida eterna na era futura (Bblia do

    Peregrino).xlvii

    "Ns deixamos tudo e te seguimos". O que Pedro quis expressar quando disse

    essa frase? Pedro e o restante dos doze aguardavam alguma recompensa por terem se

    dedicado exclusivamente a Jesus. Jesus lhes responde que eles receberiam ainda nesta

    vida cem vezes mais do que deixaram. Mas se analisarmos com cuidado essa resposta

    dada por Jesus notamos que o que os apstolos iriam receber em vida era uma nova

    famlia a famlia crist. Em Atos dos Apstolos verificamos que muitos deixavam suas

    posses aos ps dos apstolos (At 4.35), a multido dos fiis no chamavam de prpria

    nenhuma de suas posses; ao contrrio, tinham tudo em comum (cf. At 4.32).

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    No relato especfico de Mateus aparece o elemento novo da promessa dos dozetronos aos discpulos. Primeiro Jesus se dirige aos doze com uma promessa escatolgica.

    A paliggenesia a nova criao (Is 65.17; 66.22). Quando Jesus glorificado ocupar seu

    trono real (Sl 110.1) como rei e juiz, tambm os doze apstolos atuaro como juzes,

    julgando as tribos de Israel que no tiverem aceito Jesus como Messias. Outros

    interpretam como governo dos apstolos na Igreja, o novo Israel, em que Jesus

    glorificado o rei. Depois se dirige a todos, prometendo-lhes que "recebero o cntuplo e

    herdaro a vida eterna". Ser apenas uma promessa? Em tal caso, o cntuplo chegar na

    consumao. Mateus dintingue dois tempos como Marcos? Ento o cntuplo j se d

    neste mundo, na vida da Igreja.

    Q EvT

    "Quem ama seu pai ou sua me mais do

    que a mim no digno de mim; quem ama

    seu filho ou sua filha mais do que a mim

    no digno de mim" (Mt 10.37).

    "Se algum vem a mim e ama o seu pai,

    sua me, sua mulher, seus filhos, seus

    irmos e irms, e at sua prpria vida mais

    do que a mim, no pode ser meu discpulo"

    (Lc 14.26).

    "Todo aquele que no odeia seu pai e sua

    me no ser capaz de ser meu discpulo,

    e todo aquele que no odiar seus irmos e

    suas irms, e no tomar sua cruz no meu

    caminho no me serve a mim" (lgion 55).

    Disse Jesus: "Aquele que no odeia seu pai

    e sua me como eu no poder ser meu

    discpulo. E aquele que no ama seu pai e

    sua me como eu no poder ser meu

    discpulo, pois minha me (...) mas minha

    verdadeira me me deu a vida" (lgion

    101).

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    Jesus ao proferir essas palavras almejava mostrar aos discpulos que h anecessidade de optar por Jesus sem reservas quando a famlia se ope ao compromisso

    do discipulado ou faz ao futuro discpulo exigncias conflitantes. Querendo ou no, o

    chamado de Jesus ao discipulado provavelmente acarretaria uma violenta diviso em

    certas famlias da Palestina (cf. Mt 10.34-36//Lc 12.51-53).

    Os discpulos de Jesus no devem pensar que ele veio para trazer a paz na terra

    (ou talvez, a paz para a terra de Israel), mas sim uma espada de divisionismo: filho contra

    pai, filha contra me, nora contra sogra (a nora era obrigada a mudar-se para a casa dos

    pais do marido e tornar-se parte de sua famlia). Assim, as formas mais ntimas de

    vnculos sociais, os laos nos quais todo judeu palestino costumava se apoiar quando

    tudo mais falhasse, so exatamente os que Jesus viera afrouxarxlviii.

    3. Concluso

    A despeito do fato de os seguidores comprometidos com Jesus serem chamados

    de seus "discpulos" (mathtai, literalmente, "aprendizes"), o verbo "seguir" (akolouthe)

    descreve sua atividade nos Evangelhos muito mais do que o verbo "aprender"

    (manthan). Eles eram chamados literalmente a abandonar lar e famlia para seguir Jesus

    em suas jornadas, para partilhar e receber formao do seu ministrio proftico de

    proclamao do reino, com todos os perigos decorrentes, e no simplesmente para

    aprender a memorizar certos pronunciamentos doutrinrios, legais ou ticos. Estudantes

    rabnicos, por certo, partilhavam a vida de seu mestre, imitavam sua conduta e

    memorizavam suas palavras. Mas isso no significava imitar um ministrio de profecias e

    curas em um contexto escatolgico. O discipulado de Jesus consiste basicamente:

    1) Jesus chamava a si a iniciativa de decidir quem poderia ser seu discpulo. Ele

    confrontava determinados indivduos com sua ordem imperiosa para segui-lo, uma

    ordem que no admitia oposio ou demora.

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    2) Portanto, ao usar o termo "seguir", ele no visava a fazer uma metfora piedosa,mas queria dizer acompanhamento literal e fsico em suas jornadas de pregao

    pela Palestina. Conseqentemente, os que aceitavam o comando de segui-lo

    tinham que abandonar casa, famlia e outros vnculos aos quais estavam

    acomodados.

    3) Alm dessas dificuldades, Jesus advertia seus discpulos de que poderiam

    enfrentar outros sofrimentos: hostilidade e mesmo oposio mortal, incluindo a

    oposio das suas prprias famlias alienadas.

    Jesus fez uma exigncia radical a seus discpulos: eles deveriam estar

    absolutamente comprometidos com ele e sua misso.

    Os discpulos de Jesus possuam como caractersticas:

    1) Os discpulos de Jesus so marcados pela obedincia a seu chamado

    peremptrio, pela negao de si mesmos e exposio a hostilidade e perigo; esses

    trs traos consituem a vida radical e severa dos discpulos de Jesus.

    2) Contudo, esse grupo radical, marcado, por esses trs traos, ensinado a ser

    radicalmente aberto aos outros, mesmos aos que esto "fora dos limites".

    Poderamos ter descrito mais profundamente o discipulado, porm, isso tornaria o

    texto muito cientfico, a leitura teria que ser realizada de forma mais pausada e no final

    surtiria o mesmo efeito. Creio que no tenha entrado por demais nas consideraes

    textuais, histricas e metodolgicas. O meu objetivo era descrever o discipulado institudo

    por Jesus, contudo, decidi faz-lo levando em considerao a crtica textual e histrica,

    hoje to repudiada pelos ortodoxos. Muitos tomam tal atitude achando que os cristos dos

    bancos das igrejas no esto interessados pelas abordagens "crticas". Particularmente,

    no tenho notado essa falta de interesse. Acho que esses "ortodoxos" esto que no

    esto interessados que "simples" cristos conheam profundamente a Palavra de Deus.

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    2 PARTE

    AS CONDIES ATUAIS

    1- O Discipulado e os Mtodos de Evangelizao Atuais

    O ato de chamar ao discipulado no a grosso modo a mesma coisa que

    evangelizar. Segundo o lexicgrafo Houaiss "evangelizar" "converter (algum) religio,

    pregando o evangelho"xlix. Segundo esse significado, Jesus no evangelizava. Jesus

    discipulava. O discipulado, portanto, foi a base da evangelizao de Jesus.

    Se o discipulado foi a base da evangelizao promovida por Jesus na Palestina do

    sculo I, ento como "imitadores de Cristo" deveramos utilizar esse mtodo hoje.

    Sabemos que isso no est ocorrendo nas igrejas crists do mundo inteiro e

    principalmente, no caso brasileiro em especfico. Existe uma disputa entre denominaes

    crists brasileiras a qual quem possui a maior quantidade de membros considerada a

    melhor igreja, a mais abenoada e a nica correta.

    "O evangelismo moderno est sempre preocupado em perguntar quantos se

    converteram e so agora membros de igrejas. Poucas vezes pergunta quantos

    rejeitaram o evangelho devido aos requerimentos radicais que Cristo faz sobre

    suas vidas. O perigo da preocupao pelo sucesso numrico tem causado

    uma reduo nas exigncias do evangelho, obscurecendo o significado do

    discipulado e acomodando a mensagem evangelstica quilo que o auditrio

    acha mais aceitvel" (Jim Wallis, Agenda foi Biblical People [New York, Harper

    & Row, 1976], pp. 27-28).

    1.1. A Graa Barata

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    "O discpulo de Jesus no tem o direito nem o poder de impingir a palavra dagraa a qualquer pessoa a qualquer hora. Toda insistncia, o correr atrs do

    outro, o proselitismo, toda tentativa de convencer o outro por fora prpria,

    tudo isso perigoso" (Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, So Leopoldo/RS:

    Editora Sinodal, 2004, p. 116).

    Esse problema alm de no ser atual tambm no se restringe ao Brasil.

    Bonhoeffer na dcada de 30 (Europa) j alertava a questo da "graa barata", ou seja,

    aquela que conquistada sem nenhum esforo do beneficiado (crente). Os cristos

    estavam sendo "salvos" somente pela f, mas que f? "De que adianta, meus irmos,

    algum dizer que tem f, se no temos obras? Acaso a f pode salv-lo? l" F sem obras

    no morta? Assim tambm a f, por si s, se no for acompanhada de obras, est

    morta. Que obras? Alguns exegetas prefeririam que esses versculos no existissem,

    outros torcem e destorcem o significado dessas palavras para adapt-las as suas

    confisses. Existem trabalhos extensos somente para tratar desse tema. No entanto, a

    inteno de Tiago muito clara. Paulo em Romanos 3.28 proclama a justificao pela f

    "sem obras da lei" (pistei chris ergn nomou), no, porm, por f "sem obras". O que

    Paulo designa de "fruto da justia" ou fruto do Esprito (Rm 6.22; Gl 5.22s.; Fp 1.11),

    Tiago denomina de "obra". Portanto, no so sacramentos, nem a caridade, nem a

    humildade. Obras so as obras do evangelho. Uma pessoa ao receber a pregao (seja

    ela escrita, falada, por sinais, ou por atitudes)li provocada em sua existncia atual, ou

    seja, ela compelida a uma tomada de deciso, ela precisa nascer de novo, viver em

    Cristo Jesus, estou certo? Ela nasce de novo no discipulado, como uma criana em fase

    de amamentao, totalmente dependente de sua me (Deus). O modo de vida do cristo

    s pode ser um o discipulado no h outro. Esse modo de vida no mais como

    aquele anterior, ele totalmente novo e seus efeitos so as obras do evangelho - daquele

    que vive pelo evangelho na condio de discpulo. F sem obras por tanto morta. O

    discpulo age conforme a f e produz as obras do evangelho.

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    Leonhard Goppelt comenta que Tiago tem em vista no uma teoria hertica, masum comportamento prtico: um cristianismo para o qual Deus e a justificao somente

    pela f se tornaram teorias filosficas das quais se est convicto que j no influenciam o

    comportamento. Um cristianismo de convices pode estabelecer-se em vrios contextos.

    Pode ser um ortodoxismo morto que se afoga no intelectualismo; pode, de igual modo, ser

    um liberalismo cristo muito burgus, que vive de conformidade com o mundo e

    transforma a graa em graa baratalii.

    A graa barata a inimiga mortal de nossa Igreja. Graa barata significa a graa

    como doutrina, como princpio, como sistema; significa perdo dos pecados como

    verdade geral, significa o amor de Deus como conceito cristo de Deus. Quem o aceita j

    tem o perdo de seus pecados. A Igreja participa da graa j pelo simples fato de ter essa

    doutrina da graa. Nesta Igreja, o mundo encontra fcil cobertura para seus pecados dos

    quais no tem remorsos e no deseja verdadeiramente libertar-se. Como a graa faz tudo

    sozinha, tudo tambm pode permanecer como antes. A graa barata a pregao do

    perdo sem arrependimento, o batismo sem a disciplina comunitria, a Ceia do

    Senhor sem confisso dos pecados, a absolvio sem confisso pessoal. A graa

    barata a graa sem discipulado, a graa sem cruz, a graa sem Jesus Cristo vivo,

    encarnadoliii. A graa preciosa, entretanto, o evangelho que se deve procurar sempre de

    novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta qual se tem que bater. Essa graa

    preciosa porque chama ao discipulado, e graa por chamar ao discipulado de Jesus

    Cristo; preciosa por custar a vida ao ser humano, e graa por, assim, lhe dar a vida;

    preciosa por condenar o pecado, e graa por justificar o pecador. Essa graa ,

    sobretudo, preciosa por ter sido preciosa para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu

    Filho "vocs foram comprados por preo" e porque no pode ser barato para ns

    aquilo que custou caro para Deus.liv

    Tendo em vista esses conceitos, Bonhoeffer observa que na Igreja de sua poca

    tornaram-se baratos a mensagem e os sacramentos; batizou-se, confirmou-se, absolveu-

    se todo um povo sem perguntas nem condies; por humanitarismo, deu-se o santurio

    aos zombadores e incrdulos, dispensaram-se rios sem fim de graa, mas o chamado ao

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    discipulado rigoroso de Cristo ouvia-se cada vez mais raramente

    lv

    . Ao final de suaexposio conclui o telogo:

    "A graa barata foi muito cruel para nossa Igreja Evanglica"

    "A graa barata decerto foi tambm cruel pessoalmente para a maioria de ns.

    No nos abriu, antes fechou o caminho para Cristo. No nos chamou ao

    discipulado, antes nos endureceu na desobedincia".

    "A mensagem da graa barata tem arruinado mais cristos do que qualquer

    mandamento de obras".

    Notamos quanto atual o problema apontado por Tiago e por Bonhoeffer. As

    pessoas modernas acham o discipulado muito exigente e no almejam aceitar tais

    condies, jugando-as desnecessrias. Como as igrejas precisam de um crescimento

    numrico de seus membros a qualquer custo, ela de amolda para esses "acomodados",

    oferece-se uma "graa barata".lvi Esta a graa que as igrejas esto ofertando a todos

    por a, no exigem nenhuma "meia volta" (metania) por parte do suposto convertido,

    nenhum vnculo com a igreja (exceto o dzimo) e ainda lhe prometem prosperidade

    financeira, amorosa, fisca, etc.lvii Guilherme Cook faz uma tipologia das Igrejas no Brasil,

    dividindo elas em trs categorias:

    1) Ele chama a primeira de "igreja do duplo funil". Na frente, ela tem uma porta

    grande como um funil, por onde entra muita gente, em resposta a apelos que

    destacam as ofertas que Cristo faz (salvao, gozo, paz e o cu ao fim da vida).

    Contudo, diz o autor, esta mensagem no esclarece, antes de responderem ao

    apelo, qual a fundamental exigncia do Reino de Deus (obedincia total a ele em

    todos os aspectos da vida as obras que Tiago fala), que est tambm no corao

    do evangelho. Explica Cook que "nossa responsabilidade anunciar que o

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    Salvador que oferece a redeno pela f, tambm o Senhor que exigir, dapessoa que o aceitar obedincia incondicional. O Esprito Santo lhe ensinar as

    implicaes prticas dessa obedincia em um longo processo de crescimento". E

    depois quando o novo crente admitido na igreja, acha, muitas vezes, uma

    comunidade fechada e legalista que, agora, exige dele uma conduta bem diferente,

    cheia de proibies, e aquela obedincia sobre a qual no se falou antes que ele

    fizesse sua profisso de f. tambm uma comunidade que no liga para os

    problemas do mundo (s fica pensando no cu), e onde existe pouca vivncia em

    comunidade. Como resultado, esta igreja tem tambm um funil nos fundos, por

    onde sai um sem-nmero de pessoas disciplinadas pela igreja ou desiludidaslviii.

    "A Igreja no Brasil mundialmente famosa pelo seu evangelismo, porm

    pouco se diz respeito do enorme nmero de pessoas que some da Igreja. A

    verdade crua que, apesar de milhares que esto vindo a Cristo e se unindo

    Igreja, muitos no ficam e outros so afastados antes de compreenderem

    quais as verdadeiras exigncias de Cristo. Os pastores no esto preparados

    para ensinar os novos crentes. Muitos lderes caem na cilada do legalismo, da

    escravido financeira e da heresia".lix

    2) A segunda igreja, Cook denomina "rodoviria" pela grande transitoriedade do seu

    povo. Tanto e entrada como a sada, como tambm a parte do meio, so grandes

    demais. Muita gente entra pela porta frente, vagueia no prdio sem rumo fixo, at

    encontrar a oportunidade de sair ou mudar para outro lugar ou outra igreja. Nesta

    igreja tambm se prega a "graa barata", mas diferente da igreja anterior porque

    em seu interior no existem alvos coerentes. Conseqentemente, os membros no

    sabem para onde se orientar e esto insatisfeitos, de passagem entre a grande

    porta na frente e a grande porta nos fundos.

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    3) A terceira igreja uma igreja fundamentada sobre padres bblicos. Suamensagem as boas novas do senhorio de Cristo sobre todas as coisas. Tem uma

    porta estreita na frente por onde nem todos podem entrar porque, como o jovem

    rico, acham rdua demais a vida de obedincia e de sacrifcio que Cristo requer

    deles. Porm dentro da igreja existe amplitude e um estilo de vida coerente e

    equilibrado, orientado para Deus, a Bblia, o prximo e o corpo de Cristo em sua

    totalidade. Por esta razo, a igreja tem tambm uma porta pequena nos fundos por

    onde poucas pessoas procuram fugir, ou por problemas de disciplina, ou porque

    so excludas, porque a comunidade crist se preocupa com elas e as corrige em

    amor e as poucas pessoas que saem so aquelas que acham muito difcil o custo

    do discipulado. Um dos fatores que mais tm contribudo para o crescimento

    integral de algumas igrejas que conhecemos o impacto da mensagem vivida por

    estas congregaes em meio de suas comunidades. Os sermes evangelsticos e a

    forma de ser se transformaram em experincias que permitem que toda a

    vizinhana observe o estilo de vida da igreja. Os estudos bblicos e os cultos de

    orao rotineiros, antes to dominados por um dos lderes, se fizeram mais

    dialgicos, mais sensveis s inquietudes dos participantes e aos problemas

    cotidianos da comunidade. A dimenso pedaggica, tanto congregacional como

    dos ncleos de discipulado, ressalta constantemente no evangelho do Reino de

    Jesus Cristo e suas implicaes totais para a vida das igrejas. Os crentes saem ao

    mundo para compartilhar sua f de forma sensvel e espontnea. Novos crentes se

    incorporam de forma natural ao seio das comunidades e permanecem ali atrados

    pelo amor que sentem e que demonstram em formas concretas. Este amor

    extravasa tambm em aes em favor dos que sofrem por causa do pecado

    pessoal e social.

    1.2. O Movimento G-12

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    A forma com que Jesus lidava com seus seguidores veio a pauta das discussesteolgicas com o Movimento que se auto-denomina G-12lx. Esse movimento se introduziu-

    se inicialmente no seio do neopentecostalismo, com o propsito de provocar o

    crescimento das igrejas evanglicas atravs de pequenos grupos conhecidos como

    clulas.lxi Essas clulas atuam em reunies nas casas dos fiis e geralmente so

    compostas por doze pessoas. O nmero doze refere-se ao modelo do discipulado de

    Jesus Cristo, que separou para si doze homens para instruo, capacitao e testemunho

    das boas novas.

    No vejo algo de anti-bblico na idia principal do movimento. Dividir o grupo em

    dois estratos ( lder e doze alunos) uma forma de aproximar os discpulos de seu

    discipulador (o lder da clula). Na verdade discipulado seria algo mais prximo e ntimo

    que uma clula, seria uma convivncia pessoal e permanente entre lder e discpulos.

    Segundo o ponto de vista bblico, a clula est mais prxima do discipulado do que a

    Igreja.

    Fazendo uma anlise histrico-crtica dos Evangelhos, percebemos que Jesus

    jamais intencionou em instituir uma ekklsia, pelo contrrio, chamou todo Israel ao

    arrependimento (= meia volta). No criou uma comunidade de santos como fizeram os

    fariseus e os essnios. Destarte, o programa de clulas tm todo apoio bblico em sua

    forma estrutural.

    Quanto s reunies serem realizadas na prpria casa dos discpulos, esse era o

    local de reunio do cristianismo dos primeiros cristos. Atente para que Wayne A. Meeks

    observa:

    "Os lugares de reunio dos grupos paulinos, e provavelmente da maioria de

    outros grupos cristos primitivos, eram casas particulares".lxii

    Portanto, Castellanos est correto quando declara:

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    "...o princpio dos doze um revolucionrio modelo de liderana que consisteem que a cabea de um ministrio seleciona doze pessoas para reproduzir

    seu carter e autoridade neles para desenvolver a viso da igreja, facilitando

    assim a multiplicao; essas doze pessoas selecionam a outras doze, e estas

    a outras doze, para fazer com elas o mesmo que o lder fez em suas vidas".lxiii

    No h nada de revolucionrio no mtodo, ele a cpia daquilo que Jesus fez na

    Palestina no sculo I d.C. O modelo dos 12 funciona como um processo de crescimento

    espiritual e ministerial, que chamado de "Escada do Sucesso". Ele compreende quatro

    etapas:

    1) Evangelizao: ocorre nas clulas. A clula responsvel pelo ensino e formao

    dos discpulos.

    2) Consolidao: a etapa da confirmao da f do indivduo. Isso ocorre nos

    encontros. So trs tipos de encontros: o pr-encontro, o encontro e o ps-

    encontro. Castellanos diz que os encontros so:

    "Retiros de trs dias, durante os quais o novo crente compreende a dimenso

    exata do significado do arrependimento, recebe cura interior e liberto de

    qualquer maldio que tenha imperado em sua vida. Logo a seguir se capacita

    como guerreiro espiritual, com ministrao do enchimento do Esprito Santo.

    [...] mediante conferncias, palestras, videos e prticas de introspeco, se

    leva o novo conhecimento ao arrependimento, libertao de ataduras e

    sanidade interior".lxiv

    3) Treinamento: oferecido pela escola de lderes de cada igreja. Os novos

    discipuladores so capacitados para dirigir as clulas e difundir a viso dos 12.

    4) Envio: a etapa final, quando os novos lderes assumem a liderana de grupos

    em clulas, com a misso de preparar outros discipuladores.

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    No vejo a priorinada que no seja apoiado na prpria vida do nazareno quanto ao

    modo estrutural do G-12.

    O problema do G-12 apenas surge quando conhecemos a que pregado nas

    clulas. Prosperidade, batalha espitiritual e idolatria so alguns dos temas mais cotados

    dentro das clulas e das igrejas que utilizam esse mtodo. O problema no est na

    estrutura do mtodo, mas no carter dos lderes. Portanto, est certo o professor Alberto

    Kenji Yamabuchilxv quando observa que no Brasil existem ramos do neopentecostalismo

    que, na nsia de se buscar o sagrado de forma diferenciada e/ou de atrair uma multido

    de fiis, tentam dialogar tanto com o cristianismo histrico (catlico-romano,

    protestantismo) como com o misticismo e eseoterismo (Nova Era, religies afro-

    brasileiras). Alm disso, esses ramos tm um forte discurso proselitista, quase

    manipulador, que atrai os sedentos por novidades msticas, o que explica o seu

    crescimento notvel e seu avano em todos os segmentos de nossa sociedade.

    Os desvios doutrinrios e teolgicos que o movimento G-12 prega so facilmente

    refutveis:

    1) Teologia da Prosperidade: O sermo da montanha como a constituio do

    novo povo de Deus, o protocolo da Nova Aliana. Jesus neste sermo se dirige a

    todos os que o escutam, multido, aqueles que futuramente poderiam ser seus

    discpulos. Seu discurso, como notamos na primeira leitura que fazemos,

    exigncia incondicional, convite a uma constante superao de si mesmo, denncia

    de mesquinhezas e infidelidades, oferta a misericridia de Deus. Nesse discurso

    Jesus no promete prosperidade a nenhum de seus futuros discpulos. Ele diz:

    "Felizes os que tm fome"; "Felizes os perseguidos"; "No acumuleis riquezas na

    terra"; "No andeis angustiados pela comida e bebida para conservar a vida ou pela

    ropa para cobrir o corpo"lxvi. No vejo nesses versos nada que se assemelhe com o

    que se afirma na teologia da prosperidade. Essa doutrina possui como

    caracterstica uma exagerada confiana na prosperidade material. O "ter" e

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    sinnimo de f legtima e de aprovao divina. A teologia da prosperidade no dizrespeito apenas riqueza material, mas tambm sade fsica perfeita. As

    enfermidades so sinais de pecado ou de domnio satnico. Por isso, o doente,

    seja convertido ou no, precisa passar por "libertao", ou seja, precisa ser

    exorcizado para gozar a vida como Filho do Rei. Esse pensamento remonta

    exatamente ao mundo contemporneo a Jesus. Gerd Theissen lxvii e Eduard

    Lohselxviii mostram como era a crena popular nos milagres naquela poca:

    "O cristianismo primitivo pertence ao pice de uma crena em milagres na

    Antiguidade".lxix

    "A vida e o destino do homem dependiam de foras sobrenaturais"

    2) Batalha Espiritual: particularmente creio nos milagres, todavia, eles apenas so

    milagres se me so abscnditoslxx. Sigo a linha do telogo Rudolf Bultmann lxxi.

    Portanto, no creio em batalha espiritual, demnios personificados que atuam na

    esfera terrena, que possam possuir o ser humano, etc.lxxii As igrejas histricas do

    mundo todo tm sido desafiadas nestas ltimas dcadas a dar respostas s

    nfases de um movimento dentro das suas fileiras que ficou conhecido como

    "movimento da batalha espiritual". Esse crescente interesse em crculos

    evanglicos por Satans, demnios, espritos malignos, e o misterioso mundo dos

    anjos, corresponde ao surto de misticismo atual, um interesse crescente no mundo

    nos dias de hoje pelos anjos maus e bons, e pelo oculto. Mas no somente no

    mundo, dentro da prpria igreja crist assistimos o crescimento vertiginoso da

    busca pelo miraculoso e sobrenatural, na esteira do neopentecostalismo. Esse

    movimento caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre

    em termos da ao sobrenatural de Deus. Deus percebido somente em termos de

    sua ao extraordinria. Assim, para o neopentecostal tpico, Deus o guia na vida

    diria atravs de impulsos, sonhos, vises, palavras profticas, e d solues aos

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    seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertaes, livramentos,exorcismos e curas.lxxiii

    3) Idolatria: nas igrejas que adotaram o mtodo do G-12 existe muitos tipos de

    idolatria, como adorao a objetos inanimados, adorao a tronos, a personagens

    bblicos feitos de barro ou metal, simulacros de instrumentos do templo de

    Jerusalm e/ou do Tabernculo, etc. Tudo isso anti-bblico.

    Fora esse problemas doutrinrios, ainda se tem a questo do mtodo

    evangelstico. Os defensores do movimento G-12 pregam que o mtodo a ltima

    soluo para a Igreja do milnio. Destarte, so exclusivistas. Somente eles esto

    corretos. Isso uma caracterstica tanto do judasmo, como do cristianismo. Os catlicos

    afirmavam que no existia salvao fora da Igreja, os protestantes que a salvao

    obtida somente pela f, ou seja, pelos protestantes (somente os protestantes possuam

    f) e os pentecostais dizem que os salvos so aqueles batizados pelo Esprito Santo e

    falam em lnguas.

    Antes de tocar no problema do vedetismo dos lderes do movimento G-12, lembro

    que Jesus escolhe doze discpulos onde um o traiu Judas, portanto, o discipulado de

    Jesus no produziu um aproveitamento de 100%, mas de 91,6%.

    Vejamos uma infeliz declarao dada pelo pastor Joel Ferreira:

    "O meu aproveitamento na Igreja era uma porcentagem de 33% de cada

    convertido, ou seja, cada 100 que eu convertia eu batizava 33, 34, era uma

    mdia muito ruim. Hoje eu tenho uma mdia de quase 100% de

    aproveitamento".

    Essa mdia foi alcanada j pela Igreja Catlica em diversas ocasies, quando na

    Idade Mdia a Igreja conseguia converter um rei brbaro, todo o seu povo era convertido

    e batizado, entretanto, eles continuavam adotando as prticas pags que praticavam no

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    paganismo. Como conseqncia dessa prtica houve uma paganizao da IgrejaCatlica. A situao dos neopentecostais hoje a mesma. Convertem, batizam, e se

    paganizam. Talves esteja faltando um conhecimento adequado de histria da Igreja aos

    defensores do movimento G-12.lxxiv

    Segundo esses mesmos defensores do G-12, o movimento se prope a restaurar a

    Igreja nos moldes da Igreja primitiva em Atos dos Apstolos. Todos os demais modelos

    eclesiais so reputados como obsoletos ou ultrapassados. Concordo que o nico mtodo

    para se chegar a uma Igreja mais condizente com os preceitos bblicos, aquele

    praticado pela Igreja primitiva e principalmente por Jesus. Mas no vejo nas

    caractersticas doutrinrias do movimento muita coisa de bblico.

    O exorcismo, milagres e curas jamais foram o "carro-chefe" da pregao de Jesus,

    de Paulo e dos apstolos. Eles aconteciam como excees. A meta de converter e batizar

    tambm no foi a meta principal de Jesus e dos apstolos. A meta era trazer o povo a

    metania (a meia-volta) em vista da vinda do reino de Deus. Era preparar o povo para o

    reino de Deus. Nem Jesus e muito menos os apstolos agiram com independncia de

    Deus.

    Concluindo, devemos considerar os aspectos positivos e negativos do movimento

    conhecido como G-12. Os aspectos positivos consistem basicamente na sua estrutura e

    organizao. Castellanos est correto quando afirma:

    "Pedi a direo do Senhor, e Ele prometeu dar-me a capacidade de preparar a

    liderana em menos tempo. Pouco depois abriu um vu em minha mente,

    dando-me entendimento em algumas reas das Escrituras, e preguntou-me:

    "quantas pessoas Jesus treinou?" Comeou desta maneira a mostrar-me o

    revolucionrio modelo de multiplicao atravs dos doze. Jesus no escolhe

    onze nem treze, mas sim doze".lxxv

    O que o G-12 aponta como qualidades :

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    a) Alm de "clericalista" e "pulpitocntrica", a evangelizao tem sido tradicionalmenteeclesiocntrica e "templocntrica". Ou seja, para muitos a evangelizao s pode ser

    feita dentro de um templo, um salo pblico ou em um estdio. "centrpeta", quer

    dizer, que vai de fora para dentro, ao invs de "centrfuga", que vai de dentro para

    fora. Exige ao mundo acudir a um determinado lugar, para escutar um comunicador

    profissional, ao invs de enviar a Igreja ao mundo com a mensagem. Se analisarmos

    friamente o xito desse evangelismo verificaremos que ele depende, em grande

    parte, da presso de fatores externos como a personalidade e fama do comunicador,

    a eficincia do programa ou a atrao de uma ideologia. lxxvi O G-12, entretanto, ao

    limitar em doze o nmero de integrantes da clula, apresenta uma relao mais

    pessoal entre lder e discpulo. A contrrio das igrejas e templos luxuosos que

    comportam 500, 1000, 1500 membros em um culto, onde no h uma relao

    pessoal entre o lder da igreja e seus membros. A evangelizao deve ser

    simultaneamente "centrpeta" e "centrfuga". Deve chamar primeiramente o povo de

    Deus para dentro, a se reunir para adorao, comunho e reflexo sobre a Palavra

    de Deus, para em seguida, envi-lo ao mundo, fora das quatro paredes do templo,

    das estruturas eclesisticas e das frmulas doutrinais estreitas, para comunicar sua f

    atravs dos mltiplos elos da vida cotidiana. Sua fonte de inspirao provm

    simultaneamente de fatores externos no mundo e do impulso interno do Esprito de

    Deus.

    b) A doutrina do sacerdcio universal do crente foi e continua sendo uma das pedras

    principais da Reforma Protestante. No obstante, esta doutrina nunca foi mais do que

    teoria, com exceo das igrejas da chamada "Reforma Radical" ou Anabatista. Os

    reformadores no conseguiram evitar separao, cada vez mais acentuada entre as

    funes de um clero dotado de poderes espirituais e temporais e de privilgios

    especiais, e as funes de um laicato, deles dependente para os meios da graa

    divina. Tal a grave situao em nossos dias, que podemos observar o fenmeno

    curioso de igrejas mais tradicionais (luteranas e episcopais e alguns setores do

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    catolicismo) que esto redescobrindo o princpio protestante do sacerdcio universaldo crente, enquanto muitas igrejas evanglicas "livres", que no passado reagiram

    contra o clericalismo das igrejas oficiais, agora concentram cada vez mais as funes

    do ministrio em mos de especialistas executivos eclesisticos, pastores,

    missionrios e evangelistas.lxxvii Em alguns casos, estes lderes se transformam em

    verdadeiros papas. O G-12 restaurou o sacerdcio universal da reforma, o qual os

    protestantes h muito esqueceram. A responsabilidade por todas as atividades da

    Igreja devem ser divididas e compartilhada com todos os membros, principalmente a

    liderana. Para um evangelizao integral deve ser existir uma ao conjunta de toda

    a igreja para realizar tal empreendimento.

    c) Os pr-encontros, encontros e ps-encontros so reunies que, sem os respectivos

    exageros os quais apontamos anteriormente, so um meio eficaz para aproximar

    cristos que hoje esto to individualizados nas igrejas histricas e pentecostais. O

    pastor Alberto Kenji Yamabuchi, assim como ns, cr que possamos considerar o

    valor positivo dos encontros. Ele diz: "Seria interessante pensarmos sobre a

    promoo de verdadeiros encontros espirituais em nossas igrejas, que envolvam

    principalmente os novos convertidos. Neles poderamos oferecer os pontos

    fundamentais da f da s doutrina, alm de outras informaes importantes sobre

    nossa denominao. E claro, estabeleceramos uma maior comunho com os

    novos irmos".lxxviii A igreja catlica, junto com o Movimento G-12, deu um passo a

    frente na questo de diminuir o abismo existente entre os membros de suas igrejas,

    com o encontro de casais.lxxix

    Os pontos negativos consistem em:

    a)Vedetismo pastoral

    b)A prtica da regresso psicolgica

    c)Cura interior

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    d)Deificao do homeme)Confisso positiva

    f)Teologia da Prosperidade

    g)Triunfalismo

    h)Guerra espiritual

    i)Maldio hereditria

    1.3. O Movimento de Crescimento de Igrejas

    Os pastores esto cada vez mais utilizando mtodos evangelsticos os quais

    buscam produzir uma melhor eficincia, ou seja, um maior nmero de "convertidos".

    Esses convertidos, todavia, em sua grande maioria, mal do seus primeiros passos na f

    crist, quem dir ser discpulos de Jesus. Existe uma total deturpao dos objetivos da

    Igreja na atualidade. Alguns dirigentes esto mais preocupados em "ganhar almas" do

    que fazer discpulos. Isso traz conseqncias gravssimas para a Igreja.

    Um dos sinais mais claros de que alguma coisa est errada com o crescimento de

    muitas igrejas no Brasil o grande nmero de pessoas que simplesmente somem dessas

    igrejas. Isso se d pelos seguintes motivos:

    1) Nosso legalismo excessivo e culturalmente insensvel, que choca os novos crentes

    e que impe um conceito de disciplina que nem sempre concorda com o esprito da

    Bblia.

    2) Nosso individualismo exagerado e a conseqente falta de vida em comunidade

    dentro de nossas igrejas.

    O mtodo de evangelizao utilizado por Jesus e pelos apstolos no foi outro que

    no o discipulado. Devamos seguir este mtodo bblico ao invs de, por exemplo, optar

    pelos mtodos do Movimento de Crescimento de Igrejas, os quais so baseados em

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    teorias que estiveram em voga no ramo de administrao de empresas e que muitasvezes falou nas previses que fez.lxxx

    Veremos no que consiste o Movimento de Crescimento de Igrejas.

    De alguns anos para c alguns setores da igreja evanglica tm sido tomados de

    um desejo incontido de crescimento a qualquer custo. Em funo disso o Movimento de

    Crescimento de Igreja tem se intesificado com toda fora. O crescimento de algumas

    igrejas locais tem sido obtido s custas do sacrifcio da verdadeira doutrina e do

    abandono de uma liturgia sadia. Com isso, os templos e os sales tm ficado lotados em

    suas reunies. Como a evangelizao moderna tem sido antropocntrica, dizendo ao

    ouvinte aquilo que se pensa que o incrdulo quer ouvir, tambm a forma do culto tem sido

    elaborada de modo atrair pessoas para adorar a Deus. Antes que verdadeiros

    adoradores, essas igrejas esto "criando" pessoas preocupadas com o consumo musical

    e litrgico, querendo ouvir o que lhes agrada, e no o que Deus quer dizer para elas. O

    pregador se tornou algo como um apresentador de programa de entretenimento televisivo.

    No af de se ter a igreja lotada, tudo formulado para agradar aos freqentadores

    em potencial. O culto onde se tem a pregao expositiva das Escrituras logo

    abandonado e substitudo por um mais prximo de um programa de auditrio o louvor

    o "carro-chefe". Define muito bem o professor Heber Carlos de Campos o mtodo de

    evangelizao do Movimento de Crescimento de Igrejas:

    "O Movimento de Crescimento de Igrejas tem se concentrado numa forma de

    culto ao gosto do esprito de nosso tempo e de uma evangelizao barata, ao

    invs de ser o produto da obra soberana do Esprito de Deus no meio do seu

    povo, e dum posicionamento correto do seu povo para com a Palavra de

    Deus".lxxxi

    Irei resumir no que realmente consiste o Movimento de Crescimento de Igrejas em

    face da limitao de espao que se impe. Esse movimento prioriza o resultado numrico

    e no qualitativo da converso. Tambm suprime todo o papel de Deus na converso do

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    homem, acreditando serem capazes de "prever" o resultado de um trabalho evangelsticoanalisando dados estatsticos.lxxxii O inacreditvel que esse mtodo de evangelizao est

    mais difundido dentre as igrejas carismticas, as quais so as que mais dizem enfatizar a

    funo do Esprito Santo. Outra caracterstica desse movimento gerada pela afirmao

    que o pastor "ao assumir a direo de uma igreja, est sendo chamado a administar um

    negcio".

    O Movimento de Crescimento de Igrejas, todavia, chama ateno das igrejas

    histricas para os seguintes pontos. Na esfera da evangelizao, chamou a ateno s

    responsabilidades individuais e coletivas na proclamao do Reino de Deus. Nesse

    sentido tem, corretamente, denunciado a acomodao e sacudido as igrejas,

    incentivando-as a colocarem em prtica as determinaes de Jesus contidas em Mt

    28.18-20. Outro ponto que devemos reconhecer a correta nfase, colocada pelos

    fundadores do Movimento, no conceito de converso como a conseqencia primordial da

    evangelizao.

    KENNETH STRACHAN

    Durante os ltimos anos da dcada de 1950, Kenneth Strachan, destacado lder

    evanglico latino-americano, comeou a refletir sobre a evangelizao no contexto da

    organizao evangelstica, que tinha herdado dos seus pais escoceses: a Misso Latino-

    Americana. Preocupava-o cada vez mais o pequeno crescimento numrico de muitas

    igrejas e a exagerada dependncia delas de especialistas do evangelismo, para o

    cumprimento da Grande Comisso.

    Por sua vez, chamou-lhe a ateno o acelerado crescimento de grupos de uma

    grande diversidade teolgica e ideolgica como so os Testemunha de Jeov, os

    adventistas e vrios grupos pentecostais. Quais eram as causas desse crescimento?

    Perguntou-se Strachan. Seguramente este fenmeno no se podia atribuir a uma doutrina

    ou ideologia que todos tivessem em comum, nem ao uso de um mesmo mtodo.

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    Finalmente, aps muito estudo de casos determinados, chegou seguinte concluso,proclamada por alguns como "O Teorema de Strachan":

    "O crescimento numrico de qualquer movimento est em relao direta ao

    xito do movimento em mobilizar a totalidade de seus membros numa

    constante propagao de seus princpios".

    No podemos resumir a causa do crescimento numrico da Igreja apenas ao xito

    de se mobilizar membros para o empreendimento evangelstico, mas certamente, isso

    possui uma grande influncia nos resultados. Na terceira parte desse estudo iremos ver

    quando e como um crescimento numrico se verifica na Igreja. O importante notar que

    Strachan parte do comportamento de grupos os quais diramos antagnicos a fim de

    extrair um melhor mtodo evangelstico para as i