Discurso Do Datena

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23 O apresentador espetáculo: o discurso de José Luiz Datena Michele Negrini Romulo Tondo Resumo O objetivo deste estudo é analisar o discurso do apre- sentador José Luiz Datena do Brasil Urgente da Rede Bandeirantes. O jornalista, no decorrer programa, tem postura opinativa, mostrando-se capaz de julgar os principais acontecimentos sociais e as atitudes das autoridades competentes. A espetacularização e a dramatização fazem parte do cotidiano do Brasil Ur- gente e se misturam às práticas jornalísticas. A pos- tura eloqüente de Datena dá subsídios para que pos- samos considerá-lo um exemplo vivo de espetáculo. A Análise do Discurso francesa foi tomada como suporte metodológico deste trabalho. Como objeto de estudo, analisamos uma edição do programa, que foi ao ar no mês de maio de 2006. Palavras-chave: Jornalismo televisivo, Espetacularização, Discurso jornalístico Abstract The aim of this study is to analise and reflect about the speech of the presenter José Luiz Datena of the broadcast Brasil Urgente from Rede Bandeirantes. The journalist, along the program, has an opinative posture, showing himself capable of judging the main social events and the attitudes of pertinent authorities. The spectacularization and dramatization are part of Brazil Urgent’s day-by- day and mix with the journalistic practices. Datena’s eloquent posture gives subsides so we can consider him as a live example of spectacle. The French Analysis of Speech has been used as the methodological support of this work. As object of studies, we analysed an eddition of the program, that has been presented on TV in May 2006. Key words: TV news, Spetacularisation, Journalistic discourse

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O Apresentador Espetáculo: O discurso de José Luiz Datena

Transcript of Discurso Do Datena

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    O apresentador espetculo:o discurso de Jos Luiz Datena

    Michele NegriniRomulo Tondo

    ResumoO objetivo deste estudo analisar o discurso do apre-sentador Jos Luiz Datena do Brasil Urgente da Rede Bandeirantes. O jornalista, no decorrer programa, tem postura opinativa, mostrando-se capaz de julgar os principais acontecimentos sociais e as atitudes das autoridades competentes. A espetacularizao e a dramatizao fazem parte do cotidiano do Brasil Ur-gente e se misturam s prticas jornalsticas. A pos-tura eloqente de Datena d subsdios para que pos-samos consider-lo um exemplo vivo de espetculo. A Anlise do Discurso francesa foi tomada como suporte metodolgico deste trabalho. Como objeto de estudo, analisamos uma edio do programa, que foi ao ar no ms de maio de 2006.

    Palavras-chave:Jornalismo televisivo, Espetacularizao, Discurso jornalstico

    AbstractThe aim of this study is to analise and reflect about the speech of the presenter Jos Luiz Datena of the broadcast Brasil Urgente from Rede Bandeirantes. The journalist, along the program, has an opinative posture, showing himself capable of judging the main social events and the attitudes of pertinent authorities. The spectacularization and dramatization are part of Brazil Urgents day-by-day and mix with the journalistic practices. Datenas eloquent posture gives subsides so we can consider him as a live example of spectacle. The French Analysis of Speech has been used as the methodological support of this work. As object of studies, we analysed an eddition of the program, that has been presented on TV in May 2006.

    Key words: TV news, Spetacularisation, Journalistic discourse

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    Quando falamos de programao te-levisiva, podemos dizer que comum a presena de programas que acoplam jor-nalismo com espetculo e que se ancoram em problemas sociais no resolvidos. Tais programas, que podem ser exemplificados pelo Brasil Urgente, quanto forma, mui-tas vezes, se parecem com programas de auditrio e quanto ao contedo, os temas abordados, na maioria das vezes, enfocam questes que possam causar polmicas en-tre os espectadores.

    Com um olhar sobre a televiso brasilei-ra, podemos citar o extinto Aqui Agora, que era transmitido pelo Sistema Brasileiro de Televiso (SBT). Thiago M. Garcia (2004) salienta que foi o Aqui Agora que deu ori-gem a uma srie de programas espetacu-lares que estiveram presentes no percurso da televiso brasileira, como o Cidade Aler-ta1 , da Rede Record, o Reprter Cidado2 , da Rede TV, e o Brasil Urgente3 , da Rede Bandeirantes, objeto de estudos deste tra-balho.

    No ar desde o dia trs de dezembro de 2001, no horrio das 18h20min s 19h20min, de segunda a sexta-feira (aos sbados4 com horrio especial: das 19h s 19h20min), o programa5 apresentado por Jos Luiz Datena6. Com uma linguagem co-loquial e opinativa, o Brasil Urgente abor-da temas como: segurana, sade, trabalho e comportamento7 . O programa apresenta ingredientes tanto do jornalismo como da teledramaturgia, explorando de forma es-petacular fatos corriqueiros e no solucio-nados pelos rgos competentes.

    De acordo com as palavras do prprio apresentador, no decorrer do telejornal, o Brasil Urgente dinmico. O programa apresenta em suas matrias o carter in-

    vestigativo, evidenciando fatos cotidianos ocorridos na cidade de So Paulo e mos-trando claramente as imagens dos envol-vidos nas questes apresentadas, as quais so comentadas pelo apresentador. Artif-cios, como o replay, so utilizados para o apresentador chamar a ateno de um fato. Quando uma imagem repetida, Datena reitera sua idia sobre o que est sendo mostrado e faz julgamentos.

    Imagens violentas so apresentadas co-tidianamente, tendo em vista que a maio-ria das reportagens tem apelo investigativo ou social. Um ponto que diferencia o Brasil Urgente dos demais telejornais brasileiros a utilizao de tempo indeterminado para a apresentao de reportagens. O progra-ma traz consigo a imagem do apresentador disposto em frente s cmeras comentan-do o que mostrado. A forma que Datena apresenta o telejornal um dos destaques. Ao estar em p, o jornalista ganha maior agilidade em suas performances, capaz de gesticular e andar pelo estdio, apro-ximando-se ou afastando-se das cmeras, dando assim uma maior nfase a sua fala.

    So de fcil percepo os julgamentos feitos pelo apresentador s pessoas envol-vidas nos casos apresentados. Expresses, como filhinho de papai, vagabundo, sem vergonha e escria da sociedade, so uti-lizadas por Datena. A voz do jornalista com-pete com a nfase da notcia, fazendo com que a idia transmitida tenha legitimidade quando reiterada pela eloqncia do prprio apresentador.

    Diante da tendncia da televiso brasi-leira de enfocar programas com carter es-petacular e das caractersticas do progra-ma Brasil Urgente aqui enumeradas que fazem dele um objeto rico para estudos

    1 O Cidade Alerta, apresentado pela Rede Record, utilizava-se de recursos como helicpteros

    e motocicletas para fazer a cobertura ao vivo de diversas regies simultaneamente. Na

    atualidade, o programa est fora do ar.

    2 O Reprter Cidado,

    apresentado na Rede TV, tambm foi um programa em que o

    jornalismo e a espetacularizao andaram juntos.

    3 O Brasil Urgente tambm se utiliza do estilo sensacionalista

    e espetacular. O programa, de acordo com informaes

    do site da Rede Bandeirantes (www.band.com.br), dedica-se prestao de servios comunidade, aborda temas

    como sade pblica, situao da criana e do adolescente,

    violncia social e morte, proveniente de assassinatos.

    A informao que chega ao pblico , na maioria das vezes,

    comentada pelo apresentador do programa, que emite suas

    opinies e crticas sobre a maior parte das notcias divulgadas.

    4 O Brasil Urgente vai ao ar

    todos os sbados, sendo que o apresentador no Jos Luis

    Datena. O programa no possui um apresentador fixo neste dia da

    semana.

    5 Dados retirados do endereo www.band.com.br/brasilurgente/, site oficial do

    programa Brasil Urgente.

    6 Jornalista e atual apresentador do programa Brasil Urgente.

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    o objetivo deste artigo refletir sobre a es-petacularizao no telejornalismo da atuali-dade, com foco na observao dos principais sentidos institudos no discurso do apresen-tador Jos Luiz Datena, que podem demar-car os traos espetaculares do programa.

    A televisoNa sociedade do sculo XXI, a televiso

    um meio de comunicao com amplo retros-pecto social e abrangncia. Segundo Domini-que Wolton, a abrangncia televisiva rene indivduos e pblicos distantes e oferece a possibilidade de participao individual em uma atividade coletiva. A cultura da televi-so , at hoje, o lao entre as classes sociais [...] (WOLTON, 1996: 155).

    A mdia televisiva o meio de divulgao em massa que une os principais sentidos humanos: utiliza-se da locuo e da imagem em movimento para apreender os olhares do pblico. Para Wolton, a televiso um espe-tculo de um gnero particular, destinado a um pblico imenso, annimo e heterogneo, inseparvel de uma programao que garan-te uma oferta quase contnua de imagens e de gneros de status diferentes.

    A televiso exerce um carter de relgio imutvel da vida cotidiana, a sociedade cria

    vnculos e horrios a partir da grade de pro-gramao, mostrando assim a influncia da

    programao no cotidiano da sociedade (WOL-TON, 1996).

    Para Bourdieu (1997), a televiso um meio que gera tenses:

    A televiso um instrumento de comunicao pouco autnomo, sobre o qual pesa toda uma srie de restries que se devem s relaes

    sociais entre os jornalistas, relaes de concor-rncia encarniada, implacvel, at o absurdo, que so tambm ralaes de conivncia, de cumplicidade objetiva, baseadas nos interes-ses comuns ligados sua posio no campo de produo simblica e no fato de que tm em comuns estruturas cognitivas, categorias de percepo e de apreciao ligadas sua ori-gem social, formao (ou sua no formao) (BOURDIEU, 1997: 50- 51).

    Conforme Wolton (1996), a televiso pos-sui duas dimenses indissociveis, comple-mentares e simtricas. Uma delas a di-menso tcnica, ligada imagem; e a outra a dimenso social. Ambas formam uma aliana. Neste trabalho, optamos por en-focar a dimenso social do meio televisivo. Quando nos referimos dimenso social, podemos inferir que no podemos qualificar o ser humano como passivo s transmisses miditicas, pois h interaes.

    A TV um dos veculos que proporciona sociedade um leque de opes, fazendo com que seu espectador tenha a informao e o entretenimento ao mesmo tempo. Desta forma, a televiso pode ser considerada um meio de destaque na vida das pessoas, pro-porcionando a elas temas para discusso, tornando-se assim uma forma de estabeleci-mento de laos sociais.

    Evidencia Wolton que a televiso est sofrendo um processo de fragmentao. Le-vando em considerao a idia de Pierre Bourdieu (1997), o jornalismo televisivo est em busca do sensacional, do espetacular e do extraordinrio. Levadas pela concorrncia por fatias de mercado, as televises recor-rem cada vez mais aos velhos truques dos jornais sensacionalistas [...] (BOURDIEU, 1997: 73).

    7 Descrio do Brasil Urgente retirada do site oficial do programa.

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    Para Fbio Cruz, a televiso destaca-se cada vez mais entre as principais inds-trias culturais. O autor salienta que ela contribui amplamente para o desenvol-vimento econmico de um pas e se porta como um agente de formao cultural dos cidados. O grande pblico est exposto comunicao de massa e aos produtos da indstria cultural, onde podemos inserir as notcias de variedades, os programas de auditrio e os programas de cunho investi-gativo, que se fixam nas brechas deixadas pelas autoridades competentes para conse-guir audincia local onde podemos incluir o programa Brasil Urgente.

    Apesar de estarmos analisando o Brasil Urgente e o discurso do apresentador Jos Luiz Datena sob a perspectiva da espetacu-larizao, que considerada alienante por Debord (1997), adotamos a idia de Wolton, que nos diz que o pblico no alienado, ele somente influenciado pelas apresenta-es televisivas. [...] o pblico nunca pas-sivo ou alienado. Ele pode ser influenciado, principalmente por programas de baixa qualidade, mas falar em alienao suporia a perda do seu livre-arbtrio (WOLTON, 2003: 67).

    Entre os ingredientes utilizados pelo telejornalismo est a dramatizao8 dos fatos, tornando assim mais verdico o que apresentado. No caso do Brasil Urgente, a dramatizao no percebida somente no momento em que a notcia veiculada pelo apresentador, mas tambm ganha es-pao quando transmitida uma srie de testemunhos ao pblico, dando nfase a crimes, tragdias, mortes e misria. Para Khel (2004), a televiso uma traduo es-petacular da indstria cultural. A autora acrescenta que o telespectador contempla a

    traduo da vida em imagens no meio tele-visivo e um consumidor de espetculos.

    Eugnio Bucci (2004) analisa a mdia te-levisiva dizendo que este veculo substituiu o espao pblico pelo espao do espetculo. Khel (2004) acrescenta idia de Bucci que a substituio do espao pblico pela espe-tacularizao proporcionou o cruzamento entre jornalismo, entretenimento e publi-cidade. A autora tambm salienta que na sociedade do espetculo a imagem adquire um carter de mercadoria.

    Espetacularizao no jornalismo televisivo

    Para Koff (2003), a midiatizao da cul-tura moderna implica a compreenso dos novos regimes da transmisso cultural, salientando as guerras culturais, ocorri-das no campo da mdia, e mostrando a ver-dadeira ideologia do espetculo presente atrs da televiso.

    A existncia de uma ideologia do espetculo, cujo veculo mais poderoso tem sido a televi-so, onde a luta pela audincia se justifica

    com maior critrio de seleo dos ngulos de abordagem da realidade, sedimenta for-mas de antipensamento nas quais o ato de contemplar torna-se mais importante do que compreender (KOFF, 2003: .11).

    A espetacularizao est amplamente presente na mdia moderna, tendo espao desde nos programas de entretenimento at nos que se encontram na grade de jor-nalismo das emissoras. Fischer (1984: 65) analisa:

    Na TV, o pblico encontra todo tipo de shows: desde aqueles que, atravs de reportagens,

    8 Aristteles atribui dramatizao a idia de

    representao teatral, onde as aes no so relatadas, mas

    encenadas diretamente.

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    mostram o lado espetacular da vida, o sensacionalismo, os fatos inslitos, at os musicais e os programas de competies com a participao de auditrio. Enquanto nas novelas, filmes e desenhos animados, os

    espectadores assistem narrao de uma histria, nos shows recebem a sucesso de imagens e sons em forma de mosaico.

    O espetculo, na concepo de Debord, est se tornando uma mercadoria, que faz com que o espectador crie vnculos com seu cotidiano. Para o autor, o espetculo o mo-mento em que a mercadoria tomou o espao da vida social. Desta forma, o espectador, alm de criar vnculos com o espetculo, o torna um reflexo da sua vida cotidiana. Se-gundo Debord (1997), a vida das sociedades modernas est se tornando uma imensa acumulao de espetculos.

    O espetculo tem subsdios para criar uma relao de encantamento com o teles-pectador. As dramatizaes reforam o ca-rter de veracidade dos fatos e do ao teles-pectador uma legitimao do que est sen-do transmitido. Essa estratgia encanta e presenteia o espectador com o sonho e com a fantasia. A simulao permite tudo ou qua-se tudo (ROSRIO, 2001, p.85).

    Para Bucci (1993), devido ao alcance do formato espetacular entre o pblico e ele fazer parte da cultura de muitas classes, a sua presena nos meios de comunicao j cada vez mais ampla. O autor acrescenta que na concorrncia por audincia entre os veculos, o formato espetacular indispen-svel:

    Aos poucos, a televiso permitiu que o universo policial se incorporasse ao seu dia-a-dia. No tinha escolha. No negcio do entretenimento,

    ao menos no Brasil, a espetacularizao do mundo-co deixou de ser um item opcional para ser obrigatrio. Assim, o tabu do mun-do-co dentro do vdeo que j havia sido subvertido com tentativas isoladas foi que-brado no final da dcada de 80 (BUCCI, 1993:

    101102).

    A espetacularizao uma das formas de atrair a ateno do telespectador, atuando na produo de sentidos. No caso do apre-sentador Datena, ele tem uma atuao ca-paz de gerar mobilizao no pblico e fazer com que este esteja consciente da opinio do programa o tempo todo. Assim, podemos considerar as atitudes do apresentador como a materializao do espetculo televisivo e como a plena explorao dos ingredientes peculiares da vida humana.

    Na concepo de Debord (1997), o espet-culo to fascinante que tem poder de alie-nao sobre o espectador e sua cultura, dei-xando-o com uma vida sem autenticidade:

    O espetculo na sociedade contempornea corresponde a uma fabricao concreta de alienao. A expanso econmica sobretu-do a expanso dessa produo industrial es-pecfica. O que cresce com a economia que se

    move por si mesma s pode ser a alienao que estava em seu ncleo original (DEBORD, 1997, p.24).

    A espetacularizao utiliza-se da ima-gem como principal atrativo. A imagem considerada um plus, preenchendo o vazio deixado pelas falas. De certa forma, a ima-gem capaz de fascinar o telespectador. Na concepo de Debord (1997), o cotidiano das sociedades se tornou uma acumulao de imagens e de espetculos. Assim, o autor

    As dramatizaes reforam o carter

    de veracidade dos fatos e do

    ao telespectador uma legitimao

    do que est sendo transmitido

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    dificilmente o fato merecer um bom tempo

    no telejornal. O apresentador do telejornal outro ingrediente-chave. Ele desenvolve com o telespectador um vnculo de familiaridade como se fosse um ator, um astro. Vivemos em um tempo que jornalistas da TV so celebrida-des, so smbolos sexuais. Enfim, aqui, como

    no resto do mundo, o pblico sente desejo pelo programa do telejornal (BUCCI, 2000, p. 29).

    A televiso um meio de comunicao onde a notcia tem tempo determinado para ser veiculada. O programa Brasil Urgente quebra esses parmetros. Atravs do apre-sentador, possui tcnicas para prender a ateno do telespectador, uma reportagem com apenas alguns minutos pode se tornar uma discusso de horas, conforme o mani-festo de Datena, sua opinio e posiciona-mento sobre o tema. A espetacularizao pode ser vista na maneira em que o apre-sentador conduz o programa.

    Anlise do discursoConforme Maingueneau (1997: 29), a

    linguagem considerada uma forma de ao; cada ato de fala inseparvel de uma instituio, aquela que este ato pressupe pelo simples fato de ser realizado. O Brasil Urgente utiliza-se de prticas tais como o modelo de teatro atribudo por Mainguene-au (1997: 31):

    Reatualiza-se, assim, mas em um quando to-talmente diferente, a velha metfora estica, segundo a qual a sociedade seria um vasto teatro onde um papel seria atribudo a cada um. H uma tendncia para ampliar este ponto de vista, integrando os papis em um complexo mais rico: uma encenao ou uma

    cenografia.

    conceitua o espetculo como uma relao so-cial entre as pessoas mediada por imagens.

    Silva (2007), ao refletir sobre a espetacu-larizao miditica, diz que estamos viven-do a poca do hiper-espetculo. O autor diz que no hiper-espetculo no h um conjunto de imagens, mas uma nica com aparncia de diversidade, no permitindo reflexes. Ele acrescenta que o hiper-espetculo no a eliminao do espetculo, mas a sua acele-rao focada na transmisso de imagens.

    Para Silva (2007), o hiper-espetculo, como imaginrio da fama, a visibilidade das imagens e das celebridades, ofusca o lado negativo do que est sendo transmi-tido. Dessa forma, h uma valorizao das celebridades, do aparecer ao mundo. Nessa idia levantada por Silva podemos situar as prticas espetaculares de Datena, o qual compete no programa com a nfase das not-cias. Datena acaba sendo a prpria notcia, o homem que pode questionar os problemas sociais e se colocar diante deles.

    A espetacularizao no meio jornalstico abarca a soma da notcia com a dramatiza-o dos fatos. A presena de depoimentos comum quando a notcia possui grande re-percusso na sociedade, procurando sempre mobilizar o carter emotivo no telespecta-dor. Este carter emotivo tem por objetivo mobilizar as diferentes classes sociais, fa-zendo com que o programa ganhe um apelo amplo diante a sociedade. Bucci analisa:

    O telejornal, mais que o jornalismo impres-so, tem de entreter. O tempo todo. Uma nota entediante de 10 segundos fatal. O telespec-tador foge. A cor obrigatria. O movimento obrigatrio. O retumbante obrigatrio. por isso que o principal critrio da notcia a imagem. Se no h uma imagem impactante,

    No hiper-espetculo no h um conjunto

    de imagens, mas uma nica com aparncia de diversidade, no permitindo

    reflexes

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    O apresentador Jos Luiz Datena utiliza-se da encenao para fornecer ao telespecta-dor a notcia, levando ao pblico ingredientes da vida humana de forma espetacularizada. Assim, optamos por analisar o programa Bra-sil Urgente e mais especificamente a postura do apresentador Jos Luiz Datena atravs da anlise do discurso de linha francesa.

    A anlise do discurso9 de linha francesa teve seu incio atravs de pesquisas de Michel Foucault e Michel Pcheux. Eni Orlandi10 , na mesma a linha de pensamento de Pcheux, descreve o discurso como um efeito de senti-dos entre locutores, um objeto scio-histrico no qual a lingstica est pressuposta.

    De acordo com Orlandi (2001), para enten-dermos o funcionamento dos discursos neces-srio remeter memria, s nossas vivncias. A AD tem como fundamentao entender os senti-dos11 que so produzidos atravs de objetos sim-blicos. Sendo assim, ela capaz de trabalhar seus mecanismos no processo de significao.

    Reflexes sobre o discurso de DatenaO pblico do programa Brasil Urgente

    presencia, em cada edio, a demonstrao de um conjunto de caractersticas espetacu-lares. A exposio de detalhes do cotidiano da vida humana comum no programa. O apresentador comenta e analisa a maior parte dos fatos apresentados, mostrando-se como um juiz hbil a avaliar as relevncias dos acontecimentos sociais.

    Este trabalho se foca em uma reflexo acerca do discurso espetacularizado presente em programas jornalsticos televisivos, com foco no Brasil Urgente. Como forma de obser-var discurso do Brasil Urgente, optamos por verificar alguns sentidos principais presentes no discurso do apresentador Jos Luiz Date-na, que demonstram a espetacularizao da

    informao e a quebra da idia da velha im-parcialidade jornalstica.

    Por opo metodolgica, decidimos analisar somente uma edio do Brasil Urgente, que foi ao ar no ms de maio de 2006, e tambm de-cidimos observar somente as falas de Datena no programa. Selecionamos falas do apresen-tador que contm as significaes que compro-vam a espetacularizao no programa. Para evidenciar os sentidos nas falas do apresenta-dor, optamos por utilizar o grifo em itlico.

    A escolha do Brasil Urgente se deu devido forma espetacular que o apresentador con-duz o programa, que institui uma diversidade de sentidos. Observamos na fala do jornalista expresses que podem demarcar a espetacu-larizao no jornalismo e que demonstram: a parcialidade, a dramatizao e a ironia.

    Parcialidade12 O apresentador Datena demonstra seu

    posicionamento acerca da maior parte dos temas abordados nas matrias. Mostra-se como algum apto a avaliar as atitudes dos personagens das reportagens, das pessoas pblicas e, tambm, dos cidados em ge-ral. Assim, a parcialidade est presente na maior parte das matrias apresentadas no decorrer da edio do Brasil Urgente anali-sada, deixando de lado uma das principais caractersticas atribudas ao jornalismo: a imparcialidade diante dos fatos.

    Aqui voc pode articular o assassinato do seu pai e de sua me e ficar livre por uns tempos,

    aqui voc pode matar sua mulher grvida e voc responde a pena em liberdade e pode fugir como o Igor; aqui voc pode mexer no

    dinheiro do povo e pode at usar este di-nheiro depois que descobrirem que voc um ladro, sem-vergonha, safado, mas se

    9 Anlise do Discurso uma prtica e tambm um campo da lingstica e da comunicao especializado em analisar construes ideolgicas presentes em um texto. Em linhas gerais, utiliza-se a anlise do discurso para analisar textos da mdia e as ideologias que trazem em si. 10 Definio retirada do texto de Eni Orlandi Quem foi Michel Pcheux, pesquisado no site Laboratrio de Estudos Urbanos. 11 Para Orlandi, a produo de sentidos tem ntimas relaes com os interlocutores do discurso. Os sentidos esto vinculados com as posies ideolgicas que esto em jogo no processo de produo das palavras e variam conforme as estratgias de funcionamento dos discursos, a posio do sujeito que fala e do que l, o meio de realizao do texto e as relaes de poder ali inseridas. O sentido assim uma relao determinada do sujeito afetado pela lngua com a histria. o gesto de interpretao que realiza essa relao do sujeito com a lngua, com a histria, com os sentidos. Esta a marca da subjetivao e, ao mesmo tempo, o trao da relao da lngua com a exterioridade: no h discurso sem sujeito (ORLANDI, 2001: 47).

    12 Robert Hackett diz que a maioria das definies em linguagem comum considera a parcialidade noticiosa como a insero da opinio subjetiva do jornalista ou da organizao no que pretensamente um relato.

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. IV No 1 - 1o semestre de 2007

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    voc roubar xampu, manteiga, a voc est

    ferrado, bon ento o caso deste garoto [...]

    Oh! Gente a justia cega, mas no pode ser to cega assim, tanto h juristas que acham que a deciso do magistrado poderia ser di-ferente, concorda comigo ou no? Isso um absurdo, a justia cega, mas no pode ser tanta, cega para os pobres aqui no Brasil, pobre est ferrado!

    O senhor est pensando como a maioria dos polticos brasileiros, magistrados com maior respeito ao senhor e ao seu cargo porque respei-to justia. O senhor vem falar de populismo, estamos falando de justia, justia cega, de um homem que atirou pelas costas, que matou co-vardemente e deu outro tiro no ouvido da San-dra, voou para os Estados Unidos, esse cara estava a meio caminho do corredor da morte, essa a realidade e o senhor vem falar de popu-lismo, eu acho que o senhor est completamente equivocado [...]

    Dramatizao13 Jos Luiz Datena apresenta as notcias

    do Brasil Urgente de uma forma diferencia-da do formato do telejornalismo tradicio-nal. O apresentador, de forma irreverente, faz do cenrio um palco para suas atuaes e analisa verbalmente as suas atitudes, re-lacionando-as ao contexto do que ele est demonstrando.

    Ta cega demais, n! Nestes blocos polticos, vamos enxergar nossos polticos, preocupados

    mais em se defender das falcatruas que fize-ram com o cooperativismo absolvendo mais de 10 pessoas do mensalo [...].

    [...] meter a mo no dinheiro do povo no tem problema nenhum, a justia est cega, ela deve-ria ser cega conforme a Deusa Themis, a Deusa grega, como procedimento de justia, tanto voc ser jornalista, gari, advogado, tanto faz voc ser presidente da Repblica, se voc cometeu um rime tem que ir para a cadeia [...].

    Quem ligou a televiso agora est me vendo com esta venda. Aqui o Datena enlouqueceu? Eu no enlouqueci, porque eu nasci louco en-to no vou enlouquecer jamais.

    Oh! Gente, a justia cega, mas no pode ser to cega assim, tanto h juristas que acham que a deciso do magistrado poderia ser dife-rente, concorda comigo ou no?

    Isso um absurdo, a justia cega, mas no pode ser tanta, cega para os pobres aqui no Brasil, pobre est ferrado!

    Ironia14 Em sua fala, o apresentador utiliza-se

    da ironia para desencadear sentidos no es-pectador, fazendo com que o mesmo preste ateno na linguagem do programa. Os al-vos de suas ironias, na maioria das vezes, so a justia e as autoridades.

    Eu j tinha aberto uma garrafa de Champag-ne para comemorar, no ?

    [...] meter a mo no dinheiro do povo no tem problema nenhum, a justia est cega,ela deveria ser cega conforme a Deusa The-mis, a Deusa grega, como procedimento de justia, tanto voc ser jornalista, gari, advo-gado, tanto faz voc ser presidente da Rep-blica, se voc cometeu um crime tem que ir para a cadeia [...].

    13 Como j foi explicitado anteriormente, caracterizamos a dramatizao, na perspectiva de

    Aristteles, como encenao.

    14 Benetti (2007) diz que a ironia uma figura de linguagem pela qual se diz o contrrio do que se

    pensa com a inteno sarcstica.

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    [...] ns estamos ficando com a impresso cla-ra e cristalina que o crime compensa, que o crime compensa [...].

    Isso um absurdo, a justia cega, mas no pode ser tanta, cega para os pobres aqui no Brasil, pobre est ferrado!

    Consideraes finaisNa sociedade do sculo XXI, a televiso

    um dos meios de comunicao de maior pre-sena no cotidiano das pessoas, tornando-se, segundo Dominique Wolton, uma forma de lao social. O autor salienta a validade do veculo como um elo entre as pessoas e como um pautador dos contedos que elas discutem no cotidiano.

    A televiso, com o passar dos anos, tem tido grande aceitao entre o pblico. E, na disputa por audincia, as emissoras apostam em diferentes formatos de programas e na interao entre o pblico e o veculo. A cria-tividade na hora de inovar nos programas por parte das emissoras atinge, tambm, o telejornalismo. O jornalismo de bancada, muitas vezes, pode ser deixado de lado para dar espao e agilidade aos apresentadores, os quais usam o estdio como palco para verdadeiras apresentaes individuais. As-sim, pode-se dizer, que no caso de Jos Luiz Datena, foco deste estudo, o espao do tele-jornal utilizado de forma simultnea para transmisso de notcias e para o destaque individual do apresentador.

    Na luta pela audincia, as emissoras uti-lizam o recurso da espetacularizao, o qual considerado por alguns autores, como Guy Debord, como um elemento de alienao das sociedades e como propulsor da indstria cultural. Com a propagao da informao de forma espetacularizada, nos encontramos

    frente a uma forma diferenciada de trans-misso cultural, a qual atrativa e tem re-trospecto entre os espectadores.

    Quando falamos da espetacularizao no Brasil Urgente e das suas relaes com a sociedade, pertinente analisarmos a pos-tura do jornalista Jos Luiz Datena, o qual demonstra desenvoltura para manifestar suas opinies e falar o que pensa acerca dos acontecimentos sociais. O apresentador vai alm da simples transmisso de notcias, ele enaltece suas idias com um conjunto de artimanhas espetaculares, fazendo com que a forma de apresentao tenha destaque so-bre o que apresentado.

    A dramatizao um dos fatores de maior impacto na veiculao das matrias apresentadas por Datena, fazendo com que a populao preste ateno na opinio do apresentador e gerando a iluso de que o jornalista capaz de sanar as dificuldades da sociedade brasileira.

    O Brasil Urgente se vale mais das arti-manhas espetaculares do que da apresen-tao de um contedo. O vazio de idias preenchido com gestos e comentrios, com opinies e crticas. Assim, ficamos com es-pao para questionar a validade de progra-mas como o Brasil Urgente para o pblico. Sabemos que comentrios exagerados no so a soluo completa para os problemas sociais, o que deixa claro que estamos dian-te de uma luta pela adeso de novas audi-ncias. Espetacularizar a partir de brechas deixadas pelas autoridades competentes parece ser uma frmula que d certo e atrai pblicos.

    A espetacularizao, se analisada atravs da prtica do Brasil Urgente, acaba sendo mais um fator para entreter as sociedades do que para transmitir informaes.

    A espetacularizao

    acaba sendo mais um fator

    para entreter as sociedades do que

    para transmitir informaes

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. IV No 1 - 1o semestre de 2007

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    Sobre os autores

    Michele Negrini jornalista pela Univer-sidade Federal de Santa Maria; bacharel em Sistemas de Informao pelo Centro Universitrio Franciscano de Santa Ma-ria; mestre em Comunicao e Informao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; doutoranda em Comunicao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul; docente da Universidade Federal de Santa Maria/ Unipampa So Borja. E-mail: [email protected]

    Romulo Tondo acadmico de jornalismo. E-mail: [email protected]

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